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Na clínica com adolescentes, muitas vezes, nos deparamos com sintomas que não
fazem metáforas, com precária articulação simbólica. Este fato por si só não indica um
diagnóstico estrutural, que muitas vezes fica adiado até que um percurso maior nos traga
mais elementos. Nestas situações, temos que exercitar um manejo orientado pelo gozo e não
apressar um diagnóstico estrutural. É a clínica borromeana que pode nos fornecer
elementos para tal.
Uma primeira questão então se coloca, uma questão já antiga, sobre as duas clínicas:
uma não exclui a outra, mas qual a justa contribuição de cada uma?
Mas também podemos indagar se, mesmo com o diagnóstico estrutural firmado,
uma leitura pelo viés do enlaçamento dos três registros não nos forneceria mais elementos
acerca da singularidade de como cada ser falante constituiu um modo de se haver com o
gozo.
Até final do século XIX a psiquiatria se ocupava da discussão sobre debilidade, que
era considerada o único distúrbio mental infantil, criada por Esquirol em 1820, que a
denominou idiotia.
1Titulo inspirado em outro titulo, dado por Cristina Drummond, a texto publicado no site do XXI
Encontro Brasileiro do Campo Freudiano: “Um esforço de enunciação”.
Escolhi este titulo aludindo tanto ao trabalho do psicótico em análise, quanto ao meu esforço
para elaborar algo sobre isto.
No final dos anos 1880 com a publicação de tratados de psiquiatria infantil, constitui-
se então uma clínica psiquiátrica da criança, mas baseada na clínica do adulto.
A psicose em Lacan
Hoje falamos da pluralização dos nomes do pai. Todo ser falante deve inventar um
modo de se haver com a questão do gozo, com a impossibilidade de um gozo todo. Esta
invenção denominamos sintoma e é singular para cada um. A psicanálise, longe de
considerar o sintoma como algo a erradicar, orienta-se por ele, considera-o uma solução de
cada sujeito em relação ao gozo. “É no sintoma que se manifesta a certeza, a segurança e a
estabilidade psíquica do sujeito. Em qualquer sujeito, o sintoma é um modo de reconstruir
uma ordem na qual haja um gozo para si” 3. Pela palavra ou ato do sujeito temos acesso a
como este sustenta sua consistência ao enfrentar o impossível.
Sobre a adolescência
4 Skriabine, P. (2014). Nó. Em Scilicet Um real para o século XXI, pg 257. Publicação da AMP.
5 Velásquez, J.F. ibidem, pg23.
6 Velásquez, J. F. Ibidem, pg 25.
7 Miller, J.-A. Em direção à adolescência. Site do XXI Encontro Brasileiro do Campo Freudiano.
http://www.encontrobrasileiro2016.org/jacquesalainmiller
desejante, no que diz respeito ao despertar da pulsão que afeta o corpo na puberdade?” 8
Estamos em um momento em que o social impõe um gozo sem limites, havendo uma
declínio da função de regulação e véu da metáfora paterna, dificultando a separação, o que
leva a um impasse no processo de sintomatização da puberdade – resgatando a proposição
de Steves sobre a adolescência como sintoma da puberdade. Com isso não há construção
fantasmática que dê suporte a esta construção. 13
Tomo aqui o texto de Ana Lydia Santiago: “Psicose e surto na adolescência: Por que
os adolescentes surtam tanto?” O trabalho é baseado na atividade de apresentação de
pacientes que pratica há 8 anos em alguns serviços.
O primeiro item do texto tem como titulo: “a psicose na infância não é diferente da
psicose que se manifesta na idade adulta”. Apesar de que Lacan faz, no início de seu ensino,
uma afirmação de que a psicose na criança se estrutura de modo diferente da de um adulto,
todo o seu desenvolvimento posterior não vai na mesma direção desta afirmação inicial, que
tinha um contexto. Os referenciais para a psicose são os mesmos, seja para a criança ou para
o adulto, tanto no que concerne à proposição da clínica estrutural, da forclusão do nome-do-
pai, ou a do último ensino. A singularidade se apresenta em cada caso, atravessada tanto
pela contingência quanto pelas questões relativas ao período da infância ou da adolescência
de cada sujeito. Isso se observa principalmente nos desencadeamentos.14 Mas, quanto mais
Ana Lydia ressalta uma questão delicada nesta construção que é a adolescência: a
mudança de objeto a que são convocados.
O corpo sai fora a todo instante, mas este corpo, tecido entre os três registros, que o
falasser adora porque crê que o tem, é sua única consistência mental. Esta afirmação de
Lacan no seminário 23 ressalta a relevância da sustentação do corpo como construção entre
os três registros, evocando o amor próprio, a adoração.16
Uma interrogação que surge é como podemos falar em adolescência na psicose, pois
muitos dos referenciais utilizados para discorrer sobre ela pertencem à clínica estrutural da
neurose: fantasia, sexuação, separação. Entendo que podemos construir, caso a caso, como
15 Lacan, J. (1976-2006). O Seminário, livro 23, O sinthoma, pg 64. Rio de Janeiro, Zahar.
16 Stevens, A. (2016). Fazer-se um corpo na adolescência. Em Cien Digital n.20
http://www.institutopsicanalise-mg.com.br/ciendigital/n20/fazer-se-um-corpo-na-
adolescencia.html#prettyPhoto
abordar as questões deste momento lógico, encontrando passagens que foram possíveis,
outras que não foram, de acordo com as suplências e dificuldades de cada falasser.
Desencadeamento/não desencadeamento
Tratamento
O enlaçamento se produz por efeito de linguagem, mas em sua face mais original e
primitiva, sua face, de homofonia, de materialização, de densificação, de som, não pela de
17Basz, S. (2006). Nomeação. Em Scilicet dos nomes do pai, pg. 107. Publicação da AMP
18Soria Dafuncho, N. (2013). As novas nomeações e seus efeitos nos corpos. Em Site do VI
ENAPOL. http://www.enapol.com/pt/template.php?file=Textos/Las-nuevas-
nominaciones_Nieves-Soria-Dafunchio.html
sentido ou verdade. 19
A transferência não passa, então, pela questão do saber, mas pela possibilidade de
encontrar uma função de estabilização do gozo.
Portanto, entre despertar e canção de ninar, o analista orienta sua ação em cada caso,
em cada contingência.