Você está na página 1de 12

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO


TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO
ACÓRDÃO/DECISÃO MONOCRÁTICA
ACÓRDÃO REGISTRADO(A) SOB N°

*02757991*

Vistos, relatados e discutidos estes autos de

APELAÇÃO CÍVEL COM REVISÃO n° 64 0.07 9-4/1-00, da Comarca de

SÃO PAULO, em que é apelante COOPERATIVA HABITACIONAL DOS

BANCÁRIOS DE SAO PAULO - BANCOOP sendo apelada CÉLIA ARAÚJO

CRESCENCIO:

ACORDAM, em Quinta Câmara de Direito Privado do

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferir a

seguinte decisão: "(ORDEM DA PAUTA N° 115) NEGARAM PROVIMENTO

AO RECURSO, V.U.", de conformidade com o voto do Relator, que

integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos

Desembargadores OSCARLINO MOELLER (Presidente, sem voto),

SILVERIO RIBEIRO e A. C. MATHIAS COLTRO.

São Paulo, 16 de dezembro de 2009.

CHRISTINE SANTINI
Relatora
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
5a Câmara de Direito Privado

Apelação Cível n° 640.079.4/1-00 - São Paulo


Apelante: Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo - BANCOOP
Apelado: Célia Araújo Crescêncio
Juiz Prolator: Márcio Antônio Boscaro
TJSP-(Voton°5.116)

Apelação Cível.

Cooperativa - Ação de rescisão de contrato


cumulada com devolução de parcelas -
Caracterização de relação de consumo, com
incidência do Código de Defesa do Consumidor -
Direito à devolução dos valores, sem qualquer
retenção em face do descumprimento contratual
pela cooperativa.

Nega-se provimento ao recurso.

1. Trata-se de ação de rescisão de contrato de


promessa de venda e compra cumulada com restituição de valores
movida por Célia Araújo Crescêncio em face de Cooperativa
Habitacional do Bancários de São Paulo - BANCOOP, alegando, em
síntese, que firmou com a ré, em 25.10.2000, instrumento particular de
compromisso de participação de forma associativa em empreendimento
habitacional formado por quatro edifícios compostos por apartamentos
residenciais, no Município de São Paulo. Aduz que referido termo de
adesão previa a entrega do "Bloco A" em abril de 2005, cuja unidade n°
Apelação Cível n° 640.079.4/1-00 - São Paulo - Voto n° 5.116
1 é&
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
5" Câmara de Direito Privado

94 estaria destinada à autora. Afirma que efetuou o pagamento das


parcelas até janeiro de 2008, totalizando R$ 81.691,81. Todavia, não
houve adimplemento das obrigações assumidas pela ré, uma vez que
foram entregues apenas dois dos quatro blocos de apartamentos
prometidos. Com efeito, alega a autora que no lugar de um deles existe
atualmente um estacionamento e no lugar do outro existe apenas o
esqueleto da construção, a qual foi abandonada pela metade. Alega que
pleiteou frente à cooperativa sua retirada da associação, contra a qual a
mesma não se opõe, recusando-se, todavia, a proceder à devolução dos
valores pagos. Assim, postula a rescisão do instrumento particular
firmado com a ré e a devolução das parcelas pagas, acrescidas de juros
de mora a partir da citação.

A ação foi julgada procedente (fls. 227/232).

Inconformada, apela a ré, postulando, em síntese, que


a devolução das parcelas pagas seja realizada na forma prevista no
estatuto social da apelante, ou seja, em 36 parcelas, após ingresso de
novo cooperado, ou após 12 meses após a saída da apelada dos quadros
da apelante, com retenção de taxa de administração e pagamento apenas
na existência de condições financeiras (fls. 236/257).

Apelação Cível n° 640.079.4/1-00 - São Paulo - Voto n° 5.116


2
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
5a Câmara de Direito Privado

Processado regularmente, houve a juntada das contra-


razões de fls. 277/289.

E o relatório.

2. O recurso não merece provimento.

Alega a apelante que não se recusou a efetuar a


devolução das parcelas pagas pela autora na forma prevista em seu
estatuto, aduzindo a não aplicação do Código de Defesa do Consumidor
e a não incidência de juros de mora aos valores cuja devolução se
pretende. Aponta, por fim, a celebração de acordo com o Ministério
Público do Estado de São Paulo, no qual ficou estabelecido o modo de
devolução de valores pagos pela apelante aos ex-associados.

De plano, é de se ressaltar que são aplicadas as


disposições do Código de Defesa do Consumidor à hipótese, diante da
caracterização da relação de consumo, matéria já pacificada nos
Tribunais:

"Promessa de Compra e Venda. COHAB. Submissão


às regras do Código de Defesa do Consumidor.
Resolução por iniciativa da Promitente compradora,

Apelação Cível n° 640.079.4/1-00 - São Paulo - Voto n° 5.116


3
Mj
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
5a Câmara de Direito Privado

que não se emitiu na posse. Nulidade da cláusula de


descabimento. Restituição das parcelas recebidas
reduzidas de 10% a título de indenização dos
prejuízos oriundos da desistência. "
(Apelação Cível n° 197107568, Oitava Câmara Cível,
Tribunal de Alçada do RS, Rei. Des. Jorge Luís
DaWAgnolJ. 13.08.1997)

"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA DE


RESCISÃO DE CONTRATO C/C REINTEGRAÇÃO
DE POSSE. INADIMPLÊNCIA. PROCEDÊNCIA.
Recurso da COHAB quanto à imposição de devolução
de 90% do valor já pago pelos promitentes
compradores. Aplicabilidade do CÓDIGO DE
DEFESA DO CONSUMIDOR e do princípio geral do
direito que veda o enriquecimento ilícito. Obrigação
de devolução configurada. Direito de retenção de
10% do montante já quitado. Reembolso das despesas
do negócio e a indenização pela rescisão contratual.
Recurso a que se nega provimento ".
(Apelação Cível n° 1.0245.03.020326-0/001, Oitava
Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Estado de

Apelação Cível n° 640.079.4/1-00 - São Paulo - Voto n° 5.116 0U


PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
5a Câmara de Direito Privado

Minas Gerais, Rei. Dês. Roney Oliveira, j .


22.05.2005)

"COOPERATIVA - Empreendimento habitacional -


Relações jurídicas com cooperados - Incidência do
Código de Defesa do Consumidor - Artigos 2o e 3o do
referido diploma legal - Preliminar rejeitada "
(JTJ157/61)

Tratando-se de relação de consumo, estando, portanto,


sob a égide do Código de Defesa do Consumidor, impõe-se a
observância do princípio da vulnerabilidade do consumidor, conforme
disposto no artigo 4o, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor.

Nas lições de Arruda Alvim, Thereza Alvim, Eduardo


Arruda Alvim e James Marins (in Código do Consumidor Comentado,
São Paulo: Editora RT, 2a edição, p. 45):

"A vulnerabilidade do consumidor é incindível do


contexto das relações de consumo e independe de seu
grau cultural ou econômico, não admitindo prova em
contrário, por não se tratar de mera presunção legal.
E, a vulnerabilidade, qualidade intrínseca, ingênua,

Apelação Cível n° 640.079.4/1-00 - São Paulo - Voto n° 5.116


5
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
5a Câmara de Direito Privado

peculiar, imanente e indissociável de todos que se


colocam na posição de consumidor, em face do
conceito legal, pouco importando sua condição social,
cultural ou econômica, quer se trate de consumidor-
pessoa jurídica ou consumidor-pessoa física. Para
Nelson Nery, com a argúcia que lhe é habitual, o
princípio da vulnerabilidade que permeia as relações
de consumo está em verdade a dar realce específico
ao princípio constitucional da isonomia, dispensando-
se tratamento desigual aos desiguais. ".

Trata-se de típico contrato de adesão, cabendo ao


Poder Judiciário intervir para manutenção do equilíbrio necessário à
relação, do que resulta ser inválida cláusula que fira os princípios
estabelecidos no Código de Defesa do Consumidor, nos termos do
disposto no artigo 51, inciso XV, daquele diploma legal, segundo o
qual:

"Artigo 51 - São nulas de pleno direito, entre outras,


as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de
produtos e serviços que:
(...)

Apelação Cível n° 640.079.4/1-00 - São Paulo - Voto n° 5.116


6
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
5a Câmara de Direito Privado

XV— estejam em desacordo com o sistema de proteção


do consumidor".

Ora, na hipótese dos autos, os parágrafos quinto e


sexto da cláusula 13a ferem tal dispositivo:

"PARÁGRAFO TERCEIRO - Ainda na hipótese de


rescisão do presente em decorrência de eliminação do
COOPERADO, ser-lhe-ão devolvidas, nos termos do
Estatuto/Regimento Interno da Bancoop, as quantias
que houver pago, referentes a este termo, mas sempre,
e, em qualquer caso, com as deduções ali constantes,
sobre as importâncias pagas, a título de despesas com
administração, manutenção, e, compensando-se
ainda, eventuais obrigações supervenientes.
PARÁGRAFO QUINTO - O cooperado eliminado, no
caso de ingresso de outro cooperado em seu lugar,
receberá seus haveres junto à COOPERATIVA
somente após o ingresso de um novo cooperado, que
após provar reunir as condições sócio econômicas
necessárias, assuma de imediato suas obrigações no
empreendimento.

Apelação Cível n° 640.079.4/1-00 - São Paulo - Voto n° 5.116


My
7
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
5a Câmara de Direito Privado

PARÁGRAFO SEXTO - Caso não ocorra o ingresso


de um novo cooperado no lugar do cooperado
eliminado, no prazo de doze meses a contar da data de
sua eliminação, a Cooperativa restituirá os haveres
do cooperado em 24 (vinte e quatro) parcelas, ou de
outra forma mais favorável ao cooperado eliminado,
caso as condições econômico-financeiras da Seção
permitirem ".

Ora, não há falar na restituição de valores pagos


apenas quando da existência de novo cooperado para substituir aquele
que foi eliminado da cooperativa ou, alternativamente, na restituição de
valores em vinte e quatro parcelas, restando evidente a abusividade do
dispositivo transcrito. E direito do adquirente, portanto, a devolução da
quantia comprovadamente paga, e isto em parcela única, sob pena de
evidente desequilíbrio contratual uma vez que o bem não foi entregue à
autora, que sequer usufruiu do imóvel. Ressalte-se ainda que a
cooperativa possui verbas com destinação específica para os custos de
suas atividades administrativas e jurídicas, não havendo falar em
pagamento apenas quando houver disponibilidade de caixa. Nesse
sentido, confira-se:

Apelação Cível n° 640.079.4/1-00 - São Paulo - Voto n° 5.116


8
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
5a Câmara de Direito Privado

"Ação ordinária de rescisão de contrato firmado com


cooperativa habitacional, com pedido de restituição
de valores. Contrato de promessa de compra e venda.
Forma de devolução. Relação de consumo
configurada. Tem direito o compromissário
comprador à devolução dos valores alcançados para
a compra de imóvel, corrigidos monetariamente pelo
CUB/RS, descontado o percentual de 10% a título de
multa, que deve ser devolvido de imediato, e não em
parcelas como previsto na avença. APELAÇÃO
PARCIALMENTE PROVIDA."
(Apelação Cível n° 70010624567, Décima Sétima
Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Rei. Des.
Elaine Harzheim Macedo, j . 01.03.2005).

Nesta última decisão do Egrégio Tribunal de Justiça


do Rio Grande do Sul, argumentou o douto voto condutor do julgado:

"No que diz com a forma de devolução, é certo que as


partes pactuaram expressamente que a devolução das
parcelas devidas seria de forma parcelada, conforme
cláusula 15a, parágrafo primeiro. Entretanto, a
disposição se mostra excessivamente onerosa para o

Apelação Cível n° 640.079.4/1-00 - São Paulo - Voto n° 5.116


9
0L,
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
5a Câmara de Direito Privado

compromissário comprador, a exigir correção


judicial. O fato de o promitente comprador efetuar
seus pagamentos em parcelas, justifica-se seja porque
a compra se dá, nas mais das vezes, apenas na planta
ou ainda quando a construção está em sua fase
inicial, seja porque no preço avençado está embutida
a previsão temporal do pagamento. E a própria
recorrente que define o empreendimento como de
autofinanciamento, sendo a lógica, in casu, o
pagamento parcelado. O mesmo, porém, não vale
para a devolução. O valor alcançado pelo agente
promotor já se integrou ao montante da Cooperativa,
responsável pelo empreendimento, nada justificando
que a devolução ocorra de forma parcelada.
Quaisquer outras alegações, como alto índice de
inadimplência, dificuldades de mercado, etc, são
riscos inerentes ao negócio devendo ela assumir esses
riscos."

No caso em tela, ainda, deve haver devolução integral


dos valores pagos, sem qualquer retenção em favor da cooperativa, em
face de seu inadimplemento no que toca à construção da obra.

Apelação Cível n° 640.079.4/1-00 - São Paulo - Voto n° 5.116


10
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
5" Câmara de Direito Privado

Por fim, no que se refere à alegada existência prévia de


acordo entre a apelante e o Ministério Público do Estado de São Paulo,
este tão-somente estabelece compromisso de padrão de conduta mínimo
da apelante com relação ao modo de devolução de parcelas em
empreendimentos habitacionais determinados. Tal compromisso tem
eficácia perante o Ministério Público, sendo possível que a autora
pleiteie, através de ação judicial, situação mais favorável do que aquela
acordada. Ademais, o contrato celebrado entre a autora e a ré diz
respeito ao empreendimento habitacional denominado "Altos do
Butantã", o qual não foi mencionado no referido acordo.

Desse modo, declarado rescindido o contrato, deverá a


Cooperativa restituir à autora a integralidade das quantias pagas,
acrescida de juros de mora desde a citação, em face de sua evidente
mora, que torna devido o encargo.

3. À vista do exposto, pelo meu voto, nego provimento


ao recurso de apelação.

Christine Santini
Relatora

Apelação Cível n° 640.079.4/1-00 - São Paulo - Voto n° 5.116


11

Você também pode gostar