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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2018.0000656752

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº


1055067-65.2016.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes
COOPERATIVA HABITACIONAL DOS BANCARIOS DE SÃO PAULO - BANCOOP,
OAS EMPREENDIMENTOS S/A, OAS IMÓVEIS S/A e OAS 33
EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS SPE LTDA, é apelado LUIS AUGUSTO DE
SOUZA PEREIRA.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 3ª Câmara de Direito Privado do


Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao
recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores DONEGÁ MORANDINI


(Presidente) e ALEXANDRE MARCONDES.

São Paulo, 28 de agosto de 2018.

Carlos Alberto de Salles


Relator
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

3ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO

Apelação n. 1055067-65.2016.8.26.0100
Comarca: São Paulo Foro Central Cível
Apelantes: OAS Empreendimentos S.A., OAS Imóveis S.A. e OAS
33 Empreendimentos Imobiliários SPE Ltda.
Apelado: Luís Augusto de Souza Pereira
Interessada: Cooperativa Habitacional dos Bancários de São
Paulo Bancoop

Juiz sentenciante: Miguel Ferrari Júnior

VOTO N. 14469
COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. ADJUDICAÇÃO
COMPULSÓRIA. COOPERATIVA BANCOOP. COBRANÇA DE
VALORES EXTRAS. INADMISSIBILIDADE. Sentença de
procedência, declarando o adimplemento integral do preço da
compra e venda pelo autor e adjudicando o imóvel em favor
dele. Irresignação das rés OAS Empreendimentos S.A., OAS
Imóveis S.A. e OAS 33 Empreendimentos Imobiliários SPE Ltda.
1. Legitimidade passiva. Caracterização. Legitimidade
passiva. Responsabilidade da cadeia de fornecedores (arts. 7º,
único, 12 e 14, CDC). Desnecessidade de desconstituição de
personalidade jurídica, no caso (art. 50, CC, e arts. 133 a 137,
CPC).
2. Adjudicação compulsória. Quitação do preço. Contrato
para aquisição de casa própria que não pode ser qualificado
como relação cooperativista. Transferência contratual do
empreendimento para as incorporadoras e construtoras
apelantes. Relação de consumo configurada. Termo de adesão
que previa preço estimado para a compra e venda. Pagamento
integral pelo apelado. Cobrança de adicionais, embora prevista
contratualmente, que dependia de comprovação documental da
origem dos valores cobrados. Abusividade ao consumidor (art.
51, IV e X, CDC). Cobrança indevida. Quitação integral do preço.
Adjudicação compulsória admissível. Sentença mantida.
Recurso desprovido.

Trata-se de apelação interposta contra sentença de


ps. 413/417, que julgou procedentes pedidos declaratório de
inexigibilidade de débito c/c adjudicação compulsória, formulados por
Luís Augusto de Souza Pereira em face de Cooperativa Habitacional dos
Bancários de São Paulo Bancoop, OAS Empreendimentos S.A., OAS
Imóveis S.A. e OAS 33 Empreendimentos Imobiliários SPE Ltda.,
declarando o adimplemento integral do preço da compra e venda pelo
autor e adjudicando o imóvel em favor dele.

Inconformadas, apelam as corrés OAS (ps. 419/457),


alegando, em síntese, que o empreendimento teria sido iniciado pela
Bancoop, pelo sistema de autofinanciamento pelos cooperados. Em
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razão do inadimplemento de parte considerável dos cooperados


compradores dos imóveis, teria havido a transmissão do
prosseguimento do empreendimento para as apelantes, com anuência
dos cooperados, em janeiro de 2013. Afirmam que o acordo teria
previsto a regularização da escrituração da propriedade pelas apelantes,
a definição de valor para quitação do imóvel comprado, considerando o
custo atualizado da obra e os valores já quitados pelos compradores, e
prazo certo e determinado para a conclusão do empreendimento. Tais
adequações importariam em alterações dos projetos, com modificação
do custo para a aquisição, podendo os cooperados optar pelo novo
preço ou desistirem do negócio, com ressarcimento dos valores já
pagos. Sustentam que teria havido alterações nas áreas comuns, com
novos investimentos pelas apelantes, que poderiam ser cobrados de
todos os condôminos, inclusive daqueles que já estavam com a posse
do imóvel, como o caso do apelado. Aduzem que haveria ilegitimidade
passiva das apelantes OAS Empreendimentos S.A. e OAS Imóveis S.A.,
já que dependeria de incidente para desconstituição da personalidade
jurídica da apelante OAS 33 Empreendimentos Imobiliários SPE Ltda.,
na forma do artigo 50 do Código Civil e dos artigos 133 a 137 do Código
de Processo Civil. Alegam que o plano de transferência para a OAS teria
sido aprovado por assembleia de cooperados da Bancoop, o que
vincularia a todos os cooperados, mesmo que ausentes, de forma que o
apelado não poderia se eximir da cobrança. Sustentam que o acordo
para transferência do empreendimento seria ato jurídico perfeito, não
podendo o apelado se recusar a seu cumprimento, sem a competente
ação para anulação, bem como haveria coisa julgada, já que o acordo
fora homologado por sentença. Prequestiona o artigo 6º, §§1º e 3º, da
LINDB, e o artigo 495 do CPC. Aduzem que não teria havido quitação
integral do preço, mas apenas de algumas parcelas (art. 320, CC), de
forma que não poderia haver adjudicação compulsória. Alegam que o
preço do termo de adesão do apelado ao empreendimento da
cooperativa se trataria de estimativa de preço do imóvel, pois o valor
final dependeria da contribuição de todos os cooperados, conforme
apuração ao final das obras, e que o preço cobrado após a transferência
às apelantes seria recomposição dos custos defasados das obras.
Recurso regularmente processado.
Sem contrarrazões (p. 462).
Não houve oposição ao julgamento virtual (p. 466).
Os autos encontram-se em termos de julgamento.

É o relatório.

O recurso não comporta provimento.


Primeiramente, mantém-se o reconhecimento da
legitimidade passiva de todas as apelantes.
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As corrés, na qualidade de fornecedoras, respondem


independentemente de culpa pelos danos decorrentes de defeitos de
apresentação do produto e pelas informações insuficientes ou
inadequadas veiculadas para a concretização da venda (art. 12, CDC).
Para o consumidor, nos termos dos artigos 7º, §
único, 12 e 14 do Código de Defesa do Consumidor, a cadeia de
fornecedores responde solidariamente pelos prejuízos causados, ainda
mais tendo em vista serem as empresas gestoras do empreendimento
imobiliário contratado pelos autores.
A incorporadora, na qualidade de fornecedora de
serviços, por indiscutivelmente fazer parte da cadeia de fornecimento,
responde solidariamente pelos danos reclamados pelos consumidores,
nos moldes do artigo 7º, § único, do Código de Defesa do Consumidor.
Documentos de ps. 101/124 comprovam que a
transmissão do empreendimento foi da corré Bancoop para a apelante
OAS Empreendimentos S.A., declarada pelas próprias apelantes como a
holding do grupo econômico (ps. 140/165).
Assim, é irrelevante, para o consumidor apelado, a
personalidade jurídica distinta de cada apelante, tendo em vista o grupo
econômico constituído. Por consequência, não há qualquer violação aos
artigos 50 do Código Civil e 133 a 137 do Código de Processo Civil, já
que a responsabilização das apelantes independe da desconsideração da
personalidade jurídica delas, tendo em vista a relação consumerista
existente.
Quanto ao mérito, a r. sentença deve igualmente ser
mantida.
Da simples leitura dos termos do contrato, ou do
“Termo de Adesão e Compromisso de Participação Quadro Resumo”
do apelado na cooperativa (ps. 34/42), depreende-se tratar-se de típico
instrumento particular de compromisso de compra e venda, com
determinação do preço total e do valor de cada parcela.
Tudo comprova a natureza jurídica de contrato de
compra e venda, ao qual são aplicáveis as normas protetivas do
consumidor, a despeito da sua exteriorização como participação em
cooperativa.
O autor, ao celebrar o presente contrato, não
pretendia associar-se à cooperativa, mas apenas adquirir a tão sonhada
casa própria. Não visava ao bem coletivo, nem pretendia permanecer
associado após a entrega do imóvel.
Do outro lado, a cooperativa não passava de
verdadeira incorporadora para a comercialização de imóveis que sob o
manto de “cooperativa” pretendia afastar a aplicação da legislação
consumerista.
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Essa prática é reiteradamente repelida por este


tribunal, cabendo a esse propósito - transcrever trecho de voto
esclarecedor proferido pelo ilustre Des. Francisco Loureiro, no
julgamento da Apelação Cível nº 0158529-07.2006.8.26.0100, j.
24.03.11:
Destaco inicialmente que a BANCOOP, criada pelo sindicato dos
bancários com a finalidade de construir pelo regime cooperativo
moradias aos integrantes daquela categoria profissional a custo
reduzido, em determinado momento desviou-se de seu escopo
original. Passou a construir em larga escala e a comercializar
unidades futuras a terceiros não sindicalizados ao sindicato dos
bancários. Basta ver as qualificações dos autores relacionados na
inicial, para constatar que a esmagadora maioria deles não é
constituída de bancários. Parece evidente que ocorreu ao longo de
alguns anos verdadeira migração das atividades da BANCOOP, que
deixou de expressar o verdadeiro espírito do cooperativismo e
passou a atuar como empreendedora imobiliária, com produtos
destinados ao público em geral, alavancados em forte apelo
publicitário. Ao contrário do que afirma o recurso, portanto, a
relação entre a BANCOOP e os adquirentes de unidades
autônomas futuras é regida pelo Código de Defesa do
Consumidor. Não basta o rótulo jurídico de cooperativa para
escapar, por ato próprio, do regime jurídico cogente protetivo dos
consumidores. (...) Após julgar dezenas de casos da BANCOOP,
constato que, sob o falso rótulo de regime cooperativo, lançou
dezenas de empreendimentos imobiliários, com promessa de
entregar milhares de unidades autônomas, expressiva parte dela
não cumprida, lesando uma multidão de adquirentes. Não vejo
como deixar de aplicar o regime protetivo do Código de Defesa do
Consumidor aos contratos de adesão preparados pelo BANCOOP,
nem como acolher o falso argumento de que todos os adquirentes
são cooperados e associados em um empreendimento do qual não
tinham controle, nem fiscalização eficiente dos custos e muito
menos do destino dos pagamentos que efetuavam. (...).
A transferência para as apelantes OAS apenas reforça
a natureza consumerista do relacionamento entre as partes, com toda a
proteção ao consumidor apelado.
O contrato previa, em sua cláusula 4.1. (ps. 35/36),
que o preço era estimado, podendo haver cobranças adicionais em
razão de aumentos de custos, de área construída ou de alterações nos
memorais descritivos, em razão de se tratar de obra autofinanciada
pela cooperativa.
A cobrança de tais valores adicionais, contudo,
dependiam de efetiva comprovação da origem deles, sob pena de
abusividade ao consumidor, nos termos do artigo 51, incisos IV e X, do
Código de Defesa do Consumidor.
Inclusive a cooperativa ré já havia tentado cobrar
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judicialmente do apelado algumas das diferenças, ação julgada


improcedente (ps. 46/79).
Assim, como os documentos de ps. 43/45 comprovam
que o apelado já quitou a integralidade do preço inicialmente
contratado, a quitação deve ser reconhecida, com a adjudicação
compulsória em favor dele.
Se as apelantes entendiam que o preço havia sido
alterado, com atualizações dos custos e adaptações do
empreendimento, em razão da transferência do sistema de cooperativa
autofinanciada para livre mercado, cabia a elas comprovar a origem da
cobrança extra (art. 373, II, CPC), sob pena de violação à proteção ao
consumidor, como já acima referido, aos artigos 51, incisos IV e X, do
CDC.
O fato de haver ato jurídico perfeito e coisa julgada
(art. 6º, §§1º e 3º, LINDB, e art. 495, CPC) em relação ao acordo
homologado judicialmente não impede que se reconheça a abusividade
das cobranças excessivas. A validade da cobrança depende não só da
regularidade das cláusulas contratuais, mas de efetiva comprovação dos
valores adicionais cobrados, já que o apelado já havia quitado
integralmente o preço inicialmente estimado.
Igualmente, a vinculação de todos os associados ao
acordo da cooperativa não exime a construtora de comprovar a origem
das cobranças feitas, após a transferência do empreendimento.
No mesmo sentido, quanto à abusividade das
cobranças em relação ao mesmo empreendimento imobiliário,
precedentes deste Tribunal de Justiça:
“Apelação Cível. Ação declaratória de nulidade e inexigibilidade de
débito c.c. adjudicação compulsória. Transferência da conclusão
da obra da Bancoop para a OAS. Cobrança adicional.
Inadmissibilidade. Quitação do preço inicialmente pactuado.
Outorga da escritura. Necessidade. Adjudicação, na hipótese de
recusa, valendo o acórdão como título hábil ao registro. R.
sentença reformada. Recurso provido.” (2ª Câmara de Direito
Privado, Apelação nº 1004004-35.2015.8.26.0100, Rel. Des.
José Joaquim dos Santos, j. em 21/05/2018).
“AÇÃO COMINATÓRIA. Bancoop. Adjudicação compulsória. Termo
de adesão quitado pelo autor. Cobrança unilateral de aporte
financeiro, paga pelo autor, mas reputada indevida, com
pretensão de devolução dos valores. Sentença de improcedência.
Redistribuição por força da Resolução nº 737/2016 e Portaria nº
02/2017. Apela o autor, alegando aplicabilidade do CDC; o acordo
firmado entre a ré e o Ministério Público não impede o exercício de
seu direito; pertinência da devolução dos valores indevidamente
cobrados a título de aporte financeiro; necessidade de outorga da
escritura definitiva. Cabimento. CDC. Aplicabilidade. Inteligência
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da Súmula 602 do STJ. Adjudicação compulsória. Preenchimento


dos requisitos essenciais: compromisso de venda e compra, bem
como prova da quitação do preço, não elidida pela ré. Inexistência
de vedação. Mero reconhecimento do direito do autor à outorga
da escritura definitiva, sem determinação de averbação da
transmissão da propriedade na matrícula do imóvel, circunstância
que depende da análise do órgão extrajudicial competente. Aporte
financeiro. Cobrança de saldo residual sem demonstração contábil.
Inadmissibilidade. Circunstância vedada, ainda que
contratualmente prevista. Inteligência do art. 51, X, CDC.
Pertinência da devolução dos valores, corrigidos monetariamente
a partir dos desembolsos e com juros de mora a contar da citação
(art. 405, CC). Sucumbência. Inversão do julgado.
Responsabilização exclusiva da ré pelos ônus sucumbenciais, com
honorários advocatícios fixados por apreciação equitativa em R$
4.000,00 (art. 85, §8º, CPC). Recurso provido.” (31ª Câmara
Extraordinária de Direito Privado, Apelação nº
1006770-61.2015.8.26.0100, Rel. Des. James Siano, j. em
12/04/2018).
“AÇÃO DECLARATÓRIA DA INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO
CUMULADA COM PEDIDO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER
Compromisso de compra e venda de imóvel Cooperativa
habitacional Incidência do CDC - Inexigibilidade do saldo
devedor residual - Ausência de demonstração dos critérios de sua
apuração ou a aprovação do respectivo rateio em assembleia
geral (art. 44, Lei 5.764/1971) - Sentença mantida Recurso
desprovido.” (5ª Câmara de Direito Privado, Apelação nº
1078423-26.2015.8.26.0100, Rel. Des. Moreira Viegas, j.
em 14/12/2016).
Diante do exposto, nega-se provimento ao apelo,
mantendo-se a r. sentença em seus próprios termos.
Pela sucumbência recursal (art. 85, §11, CPC), as rés
apelantes arcarão com honorários majorados em 50% (cinquenta por
cento), mantendo-se a condenação em relação à corré Bancoop, não
apelante.

CARLOS ALBERTO DE SALLES


Relator

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