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A máquina de somar

(1922/23)1

De

Elmer Rice

Tradução e adaptação de

Alexandre Mate

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Adaptação de Alexandre Mate para montagem do Canhoto Laboratório de Artes da Representação,
2006.

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PERSONAGENS

Seu Zero

Dona Zero

Daisy Diana Dorothea Devore

O Patrão

Seu e Dona Um, Seu e Dona Dois


Policial

Juíz

Guia

Mulher

Mãe

Criança

Dois Funcionários do Departamento de Reclamações: Quebra G. e Q. Galho

Um Homem
Shrdlu

Uma Cabeça e três Caveiras

Tenente Charles

Ted

Joe

Sun

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Cena I

Um quarto pequeno com grande bacia, na qual dona Zero se banha,


preparando-se para dormir. Ao fundo, há uma janelinha com a cortina fechada
Seu marido, o senhor Zero aparece vez ou outra em, à esquerda. á diante da
cômoda arrumando o cabelo para dormir.

Dona Zero – Estou ficando doente com esses filmes de faroeste.


Aquele bando de vaqueiros cavalgando e laçando. Isso
não me interessa. Me adoece. Não entendo por que eles
não fazem mais histórias como Pela doce causa do amor.
Gosto de história de amor! São ótimas! Ontem, Dona
Doze me disse: “Dona Zero, os filmes de que gosto são
os que têm histórias boas, doces, simples, de amor.” “A
senhora tem razão, Dona Doze”, respondi. “É disso que
gosto também.” Estão passando muito faroeste no cine do
nosso bairro. Enjoei deles. Acho que vamos começar a ir
a um cine do centro. Lá, no cine Peter Stuyvesant, eles
ganharam um dinheirão com a comédia de Chubby
Delano chamada Mareado. Dona Doze me contou. Ela
disse que é ótima. Estão num piquenique e Chubby senta-
se ao lado de uma velha empregada de boca grande. Ele
fica magoado porque a velha não olha para ele. Então,
pega uma rã e joga na sopa dela. A rã salta para a boca
da velha. Imagine as gargalhadas! Dona Doze ia
contando e riu tanto que quase desmaiou. Ele é um ótimo
comediante mesmo e virou cômico naquele filme de
Grace Darling: Lágrimas de Mãe. Ela é uma graça. Mas
não gosto das roupas dela. Não têm estilo. A Dona Nove
leu que ela largou o marido. Já é o segundo. Não sei se
eles estão divorciados ou só separados. Ninguém diria!
Ela parece tão doce e inocente, mas a gente não pode
acreditar em tudo que lê. Diz que um milionário de
Pittsburgh está louco por ela. Dona Sete me falou que o
cunhado dela tem um amigo que estudou com a Grace
Darling. Ele diz que o nome dela não é Grace Darling,
mas Elizabeth Dugan. Ele disse, também, que é tudo
mentira a história que ela recebe cinco mil por semana.
Uma bobagem, ele acha. Mas ela é uma graça. Dona Oito

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acha que Lágrimas de Mãe é o melhor filme que ela fez.
“Não perca, Dona Zero”, ela disse. “É uma beleza” ela
disse. “Só amor e decência. Maravilhoso!” ela disse, “Eu
não consegui segurar as lágrimas”. Tem uma parte onde
aparece um grandalhão inglês - um homem casado, é
claro - e ela é uma camponesinha ingênua. Ela está se
interessando por ele. Então à noite ela fecha a porta do
quarto. E é claro, quando está todo mundo dormindo,
aparece aquele inglês grandalhão. Ela não o deixa entrar,
então ele abre a porta com um pontapé. (Zero aparece de
corpo inteiro. Ela disfarça.) Por isso, Zero, não venha me
dizer que você não quer ir ao Peter Stuyvesant. Os Oito
viram no centro da cidade, no Cine Strand. Eles vão
sempre ao centro da cidade. Enquanto nós... Quem me
dera! Até adivinho que se eu for ao Peter Stuyvesant toda
a parte do chute na porta será cortada. É só a gente
gostar da cena que eles cortam, como aquela do cabaré
em O Preço de Virtude. Tiram as cenas pesadas dos
filmes, hoje em dia. “Isso não é lugar para moças” me
disse Dona Onze, outro dia. Quando este filme chegar
aqui no bairro, vão cortar metade. Mas você, não é Zero,
não vai ao centro nem arrastado por cavalos selvagens.
Você pode esperar que os filmes venham para o bairro!
Mas eu não quero esperar! Não quero ver o filme depois
que todo mundo já viu. Não venha com essa de que não
tem dinheiro. Você pode pagar, se quiser. Sei que sempre
tem dinheiro para ir no futebol. Mas quando é para mim, é
sempre assim: “Não tenho dinheiro, tenho que
economizar”. Vai economizar muito, eu é que sei! Tenho
de fazer milagres todos os meses para chegar ao fim do
mês. E hoje o senhor não vai dormir antes de eu chegar
no quarto... E não me venha com essa ladainha de estar
cansado, Zero. “Trabalho duro o dia todo e ainda pego
dois metrôs por dia, é demais para mim”. Cansado! Como
é que você se cansa? E eu? Onde eu entro? Esfregando
chão, fazendo a sua comida, lavando suas roupas sujas.
Você? Fica sentado numa cadeira o dia inteiro, somando
aqueles números e esperando chegar cinco e meia. Para

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mim não tem essa de cinco e meia. Não assino ponto.
Também não tenho férias. E pior, não recebo pagamento.
Queria saber onde você estaria se não fosse eu. O que
recebo em troca? Fui uma escrava a vida inteira para lhe
dar um lar. E o que ganho com isso? Queria saber! Mas
sei: a culpa é minha! Fui uma boba ao me casar com
você. Se tivesse algum juízo, teria entendido, desde o
início, quem você era. Queria poder voltar atrás e fazer
tudo de novo. Você dizia que tudo ia ser maravilhoso! Que
não seria contador por muito tempo. Ah, não, não você.
Não tinha nenhum trabalho na loja à sua altura. Pois bem,
eu estou esperando. Esperando você poder começar!
Tem sido uma longa espera. Vinte e cinco anos! E não vi
acontecer nada. Amanhã? Vinte e cinco anos no mesmo
trabalho. Deve estar orgulhoso, não é? Não é todo dia
que a gente perde vinte e cinco anos no mesmo trabalho!
Motivo de orgulho, não é? Ficar sentado durante vinte e
cinco anos na mesma cadeira, somando. O que você
acha de chegar a gerente da loja, hein? Eu sei: você
esqueceu isso, não é? E venha aqui pegar a bacia! E eu
aqui em casa olhando as mesmas quatro paredes,
trabalhando, trabalhando, esperando um milagre. Nem
lembro mais quanto tempo faz que teve o último aumento!
Se não receber um amanhã, aposto que não vai ter
coragem de pedir. Não escolhi muito, quando escolhi
você, o mundo inteiro é testemunha. Não tenho como me
orgulhar de você. A vadia da vizinha, aposto, não está
andando nua pelo apartamento esta noite... E nem nas
próximas... e nem neste prédio. Ela se afasta da janela.
Aquela vagabunda suja! Que atrevimento, que idéia a
dela, vir morar num prédio de gente bem. Eles deviam
dar-lhe seis anos, e não seis meses. Se fosse o juiz, eu
condenava a vadia à morte. Essa vagabunda gosta é
disso. Ela se aproxima da porta. Sei muito bem que
gostaria de se sentar na janela todas as noites e ficar
vendo ela andar. Como me orgulho de você! Seria bom
que não se metesse com mulheres, se é que você sabe o
que é bom para você. Posso agüentar muita coisa, mas

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isso não. Tenho sido uma escrava durante vinte e cinco
anos, fazendo sozinha disto aqui um lar. Se fosse outro
tipo de homem, teria um trabalho decente e agora eu teria
um pouco de conforto na vida. Não sou uma perfeita
escrava, lavando panelas e me consumindo no fogão?
Agüentei isto por vinte e cinco anos e acho que vai ser
assim por mais vinte e cinco. Espero que não comece a
se engraçar com mulheres… Zero! Zero! Dormindo... E
eu? 25 anos, me embelezando, me preparando para...
para ele dormir...

Atriz/elenco Zero dorme... Pesado!


Tudo o que agora se segue é sonho.
Nos sonhos ele imagina, poder ser tudo.
Mas, e como vamos veremos, não é
Bem assim. Na ficção do teatro
temos o sonho de Zero, não seu real...
Vamos pra dentro desse ser

Que sonha aprisionado. Pesado.


Como tantos... tantos de nós.
Dormidores... de olhos abertos e fechados.
Como nós, nem no sonho a mudança
Como nós, no sonho o sonho, aqueles de redenção.

Cena II

Dois banquinhos em escritório de loja de departamento: Zero e Daisy Diana Dorothea


Devore, uma mulher sem encantos, de meia-idade, sentados. Ambos usam viseiras
verdes e nas mangas protetores de papel. Daisy lê cifras em voz alta de uma pilha de
folhas em sua frente. À medida que ela lê as cifras, Zero soma em uma folha grande
de papel quadriculado que fica diante dele .

Daisy Lendo em voz alta. Três e noventa e oito. Quarenta e dois


centavos. Um dólar e cinqüenta. Um dólar e cinqüenta.
Um dólar e vinte e cinco. Dois dólares. Trinta e nove
centavos. Vinte e sete e cinqüenta.

Zero Dá para acelerar um pouco?

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Daisy Para que a pressa? Amanhã é outro dia.

Zero Você me dá nos nervos.

Daisy Você me dá mais ainda.

Zero Vamos. Vamos. Estamos perdendo tempo.

Daisy Então deixe de ser tão mandão. Ela lê. Três dólares. Dois
e sessenta e nove. Oitenta e um e cinqüenta. Quarenta
dólares. Oito e setenta e cinco. Quem você pensa que é,
para falar assim?

Zero Não interessa quem eu penso que sou. Preste atenção no


seu trabalho.

Daisy Então, não dê tantas ordens. Sessenta centavos. Vinte e


quatro centavos. Setenta e cinco centavos. Um dólar e
cinqüenta. Dois e cinqüenta. Um e cinqüenta. Um e
cinqüenta. Dois e cinqüenta. Não tenho que agüentar isto
e não vou.

Zero Ora, cale a boca.

Daisy Falo se quiser. Três dólares. Cinqüenta centavos.


Cinqüenta centavos. Sete dólares. Cinqüenta centavos.
Dois e cinqüenta. Três e cinqüenta. Cinqüenta centavos.
Um e cinqüenta. Cinqüenta centavos.

Zero Você me dá nos nervos. Sempre discutindo. Falando,


falando e falando. Como todas as mulheres. Mulheres me
dão nos nervos.

Daisy Quem ele pensa que é para falar assim? Fica o tempo
todo dando ordens. Não tenho que agüentar isso e não
vou.

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Os dois ficam atentos ao trabalho, não se olham. Durante o tempo todo, um
anota as cifras enquanto o outro fala.

Zero Mulheres me dão nos nervos. São todas iguais. O juiz deu
seis meses pra minha vizinha. Queria saber o que elas
fazem na penitenciária. Devem descascar batatas. Aposto
que ela está muito magoada comigo. Talvez tente me
matar quando sair da prisão. É melhor me cuidar. “Uma
jovem mata seu traidor.” “Esposa ciumenta mata rival.”
Nunca se sabe o que uma mulher pode fazer. É bom eu
me cuidar.

Daisy Estou ficando doente com essa história. Você está


sempre me atormentando com alguma coisa. Nunca sai
uma palavra boa de sua boca. Nenhuminha.

Zero Acho que ela não se atreveria a tanto. Talvez ela nem
mesmo saiba que fui eu que a denunciei por atentado à
moral. Eles nem anotaram meu nome no papel, os
vagabundos. Talvez ela já tenha cumprido alguma pena
antes. As vagabundas gostam de cumprir pena. Ela não
teve tempo nem para trocar de roupa. Você me dá nos
nervos. Estou enjoado de olhar sua cara.

Daisy Ah! Não vai chegar nunca a hora de sair? Você não era
assim antes. Não dá mais: bom dia... boa noite. Não fiz
nada para você. São essas mocinhas. Passando com
roupas escandalosas, curtas, transparentes...

Zero Sua cara está ficando cada vez mais amarela. Por que
não se pinta? Estava pintada daquela vez, eu vi tudo pela
janela... depois ficou andando ao redor do quarto com as
pernas nuas.

Daisy Queria estar morta.

Zero Fui uma besta de deixar minha mulher me seguir. Ela


conseguiu seis meses com o flagrante. A vagabunda suja.

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Morar num prédio de gente bem. Ela ainda estaria lá se
minha mulher não tivesse me seguido. Malditas sejam!

Daisy Queria estar morta.

Zero Seria ótimo se aparecesse outra. Mas minha mulher não


tira mais o olho de mim.

Daisy Tenho medo de fazer isto. Gás. Esse cheiro me faz mal.

Zero levanta a cabeça e limpa a garganta.

Daisy Assustada. O que disse?

Zero Nada.

Daisy Pensei que tivesse dito alguma coisa.

Zero Pensou mal.

Inclinam-se novamente, voltam ao trabalho,

Daisy Um dólar e sessenta. Um dólar e cinqüenta. Dois e


noventa. Um e sessenta e dois. Se tentasse comprar
ácido sulfúrico, não me venderiam.

Zero Seu cabelo está ficando grisalho. Você não usa mais
roupa apertada. Quando você se agachava para pegar
alguma coisa...

Daisy Eu gostaria de saber o que você ia achar se lesse:


“Mulher toma mercúrio e depois salta para a morte.”.
“Mulher salta para a morte do décimo andar.”

Zero Queria ficar um dia com você. Por que não fui naquela
noite em que minha mulher foi ao Brooklyn? Ela nunca
teria descoberto.

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Daisy Pauline Frederick fez isso num filme. Mas onde eu
poderia conseguir um revólver?

Zero Não tive coragem.

Daisy Aposto que você ficaria arrependido de ter sido tão mau
comigo.

Zero Coragem! Tenho muito mais coragem do que qualquer


pessoa. Acontece que sou um homem casado e estou
amarrado.

Daisy Ora, por que não tenho direito de viver? Sou tão boa
quanto qualquer outra pessoa. Sou muito refinada, eu sei.
Isso tem lá o seu charme.

Zero Quando minha mulher teve pneumonia, pensei que ela


estava indo. Mas não foi. A conta do médico é que foi de
oitenta e sete dólares. Olhando. Ah, espere um
pouquinho! Você não disse oitenta e sete dólares?

Daisy Disse o quê?

Zero O último valor! Não eram oitenta e sete dólares?

Daisy Quarenta e dois e cinqüenta. Seis dólares. Três e quinze.


Dois e vinte e cinco. Sessenta e cinco centavos. Um dólar
e vinte. Você fala comigo como se eu fosse uma suja.

Zero Eu queria saber se posso matar minha mulher sem que


ninguém descubra. Na cama uma noite dessas. Com um
travesseiro.

Daisy Pensei que gostasse de mim.

Zero Seria descoberto. Eles sempre têm métodos.

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Daisy Éramos bons amigos quando vim para cá. Na época, você
falava comigo.

Zero Talvez ela morra logo. Notei que ela estava tossindo
nesta manhã.

Daisy Me contava tudo. Ia mostrar a eles quem era. Mas ainda


está sentado aqui.

Zero Então poderia fazer o que mais tenho vontade. Ah, cara!

Daisy Talvez não seja sua culpa. Se tivesse uma mulher


amável, de bom senso. Alguém refinada, assim como
(indicando-se)

Zero Mas tenho certeza que me cansaria de andar com uma e


com outra. Ia precisar de um canto qualquer, um lugar
para pendurar o chapéu.

Daisy Tomara que essa mulher morra.

Zero Sair com mulheres? Corre-se o risco de entrar em


dificuldades, perder o emprego.

Daisy Daí você podia casar comigo.

Zero Por que fui lá naquela noite?

Daisy Então podia parar de trabalhar.

Zero A maioria das mulheres ficariam felizes comigo.

Daisy Você precisaria procurar muito para encontrar uma moça


como eu sensata, refinada.

Zero Teriam de procurar muito até encontrar um homem como


eu, com um emprego tão seguro.

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Daisy Sei que não tenho mais idade para ser mãe. Eles dizem
que é perigoso depois dos trinta e bem pouquinh... Eu me
pergunto, se quisesse ter filhos, uma criança. Não haveria
um jeito?

Zero Levantando a cabeça. Ei! Ei! Não dá para reduzir a


velocidade? O que você pensa? Que eu sou uma
máquina é?

Daisy Levantando a cabeça. Resolva duma vez como quer!


Primeiro está muito lento, depois muito rápido. Acho que
não sabe o que quer.

Zero Não se preocupe. Vá mais devagar.

Daisy Estou ficando doente com isto. Vou pedir transferência.

Zero Continue. Não me faça perder a cabeça.

Daisy Ah, fique quieto. Ela lê. Dois e quarenta e cinco. Um dólar
e vinte. Um dólar e cinqüenta. Noventa centavos.
Sessenta e três centavos.

Zero Ah, me casar com você! Não, de jeito nenhum! Você seria
uma mulher tão ruim quanto a minha. Que bobo fui ao me
casar. Que chance tem um homem com uma mulher
agarrada ao seu pescoço?

Daisy Naquela vez no piquenique da loja... naquele ano sua


mulher não pôde ir... você foi tão carinhoso comigo...

Zero Vinte e cinco anos preso ao mesmo trabalho!

Daisy Ficamos juntos o dia inteiro... nos sentamos debaixo das


árvores.

Zero Queria saber se o chefe se lembra que hoje faz vinte e


cinco anos.

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Daisy E na volta para casa à noite... você se sentou ao meu
lado no trem.

Zero Tenho a impressão de que vou receber um grande


aumento.

Daisy Queria saber como é que é ser beijada... Porcos homens


sujos! Eles sempre preferem as atrevidas.

Zero Se ele não vier aqui falar comigo, vou dizer umas
verdades a ele.

Daisy Queria estar morta.

Zero “Chefe”, vou dizer, “quero ter uma conversa com o


senhor.” “Agora?”, ele dirá, “sente-se. Tome este Corona.”
“Não”, eu direi, “eu não fumo.” “Como é que é?”, ele dirá.
“Bem”, eu direi, “é assim: toda vez que eu tenho vontade
de fumar pego uma moeda e penso no ditado. Um
centavo economizado é um centavo ganho, é o que
penso.” “Ditado sensato”, ele dirá. “Você tem uma boa
cabeça sobre os ombros, Zero.”

Daisy Não suporto o cheiro de gás. Me faz mal. Você podia ter
me beijado se quisesse.

Zero “Chefe”, vou dizer, “eu não estou muito satisfeito. Eu


trabalho aqui faz vinte e cinco anos e se vou continuar
neste posto, quero ter um futuro à minha frente.” “Zero”,
ele dirá, “estou contente que você tenha vindo aqui. Faz
muito tempo que estou de olho em você, Zero. Nada me
escapa.” “Ah! Isso eu sei, Chefe”, vou dizer. Isto, claro, vai
fazer ele rir muito. “Você é um homem de valor, Zero.”, ele
dirá, “e eu quero ter você aqui comigo no escritório
central. Terminaram seus dias de somar. Na segunda-
feira pela manhã você será transferido para cá.”

Daisy Esses beijos de cinema... tão demorados... na boca!

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Zero Vou continuar a subir depois. Vou mostrar para todos eles
quem eu sou.

Daisy No filme Cartada do Diabo... ele pôs os braços dele em


volta dos ombros dela e encostou a cabeça. Ela fechou os
olhos como se estivesse deslumbrada.

Zero Aos poucos. Só preciso de uns dois anos para mostrar a


eles quem sou eu.

Daisy Acho que é... assim... um tipo de deslumbramento.


Quando vejo um desses beijos, esqueço tudo.

Zero Então eles me dão um cargo em Jersey. E talvez um


pequeno Buick. Nada de lata velha para mim. Esperem só
eu começar, eles vão ver.

Daisy É só fechar os olhos que eu vejo. O jeito que a cabeça


dela virou para trás. E os lábios dele nos dela. Nossa,
deve ser demais!

Há uma explosão estridente súbita de um apito a vapor.

Daisy e Zero Juntos. Cinco e meia...!

Daisy põe o chapéu e se vira para Zero como se fosse falar com ele, que não
presta nenhuma atenção nela. Ela suspira e sai.

Zero Levantando a cabeça. Boa noite, Dona Daisy. Chefe


entra.

O Chefe Chamando Oh! Seeeuuuu...

Zero Servilmente. Sim, chefe! O senhor me chamou?

Chefe Não ouviu? Quer vir aqui um pouquinho?

Zero Sim, chefe. Imediatamente, chefe.

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Chefe Seeeuuu...

Zero Zero.

Chefe Isso, Seu Zero. Eu quero ter uma conversa com o senhor.

Zero Pois não, chefe, estava mesmo esperando por isso.

Chefe O quê?

Zero Pois não, chefe.

Chefe Quanto tempo faz que está conosco, seeeuu...?

Zero Zero... Hoje faz vinte e cinco anos.

Chefe Vinte e cinco anos! É muito tempo!

Zero Nunca perdi um dia.

Chefe E todo esse tempo o senhor tem feito o mesmo trabalho?

Zero Isso mesmo, chefe. Aqui mesmo, chefe.

Chefe Então, neste caso, uma mudança não há de ser mal


recebida.

Zero Não senhor, claro que não. É verdade.

Chefe Vem sendo planejada uma mudança neste departamento


há algum tempo.

Zero E acredito que o senhor pensou em mim.

Chefe O senhor tem razão. O fato é que, para aumentar a


eficiência, os especialistas recomendaram a instalação de
máquinas de somar.

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Zero Máquinas de somar?

Chefe Sim, o senhor deve ter visto. Um aparelho mecânico que


soma automaticamente.

Zero Claro que sim. Eu vi. Teclas... e uma manivela que a


gente vira.

Chefe Vamos testar. Elas fazem o trabalho pela metade do


tempo e uma colegial pode operar. Agora... é claro que
dói perder um empregado antigo e fiel.

Zero Desculpe, mas o senhor poderia repetir o que disse?

Chefe Disse que muito me dói perder um empregado que está


conosco há tantos anos... Ouve-se música suave, o som é
de uma caixa de música alegre e distante. A parte do
chão em que estão escrivaninha e banquinhos começa se
revolver muito lentamente. Mas é claro que, numa
organização como esta, a eficiência deve ser a primeira
preocupação... A música fica gradualmente mais alta e as
movimentações mais rápidas. Você receberá seu salário
do mês inteiro. E vou pedir a meu secretário para lhe dar
uma carta de recomendação.

Zero Um minuto, chefe. Me dê este direito. O senhor quer dizer


que eu estou demitido?

Chefe Lamento muito... mas não há outra alternativa, é com


grande pesar que faço isso... um funcionário tão antigo...
mas buscamos a eficiência... a economia... os negócios...
a eficiência... os negócios... negócios...

A voz dele é submergida pela música que aumenta continuamente. De repente


culmina em um estrondo de trovão. Por um momento há uma luz vermelha e
então tudo mergulha na escuridão.

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Cena III

Sala com banquinhos. Dona Zero usa um avental por cima de seu melhor
vestido. Depois de alguns momentos, Zero entra pela porta da rua e senta-se,
seus movimentos são calmos e discretos.

Dona Zero Muito bem: acho que devo ficar agradecida por você ter
voltado para casa. Você só está uma hora atrasado, o que
não é muito. A janta não esfria muito em uma hora. É
verdade que hoje à noite receberemos muitas visitas, mas
não tem importância. Você não tinha um bom motivo para
chegar na hora certa? Não avisei que íamos receber
muitas visitas à noite? Você não soube que estão vindo
os Um? Os Dois? Os Três? Os Quatro? Os Cinco? E os
Seis? Não falei para você chegar na hora certa? É a
mesma coisa que falar com uma porta. Ele come em
silêncio. Acho que deve ter tido negócios importantes para
tratar: ir ver o resultado do futebol. Apartar duas crianças
brigando. Negócios para tratar. O espantoso é você ter
tempo de voltar para casa. Tem uma vida dura, claro que
tem. Entrar, pendurar o chapéu e meter a cara na comida.
E eu me assando na cozinha quente todo o dia para
preparar sua janta e esperar por você... Claro, e esperar
que seja bonzinho e se digne a voltar para casa!. Talvez o
chefe tenha segurado você esta noite até mais tarde.
Dizendo que você é um elemento fundamental na loja,
que os negócios já teriam fracassado se não tivesse
passado os últimos vinte e cinco anos conferindo com a
sua caneta os números de vendas. Onde está a medalha
de ouro que ele pôs em seu peito? Deu a alguma velha
ceguinha ou deixou no assento da limusine do chefe,
quando ele trouxe você para casa? Aposto que ele deu a
você um grande aumento, não foi? Ou então foi
promovido... do terceiro para o quarto andar. Aumento?
Que chances tem de conseguir um aumento? Todos os
que procuram emprego põem um anúncio no jornal. Tem
uns dez mil iguais a você no olho da rua. Você vai é estar
fazendo o mesmo trabalho daqui a outros vinte e cinco

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anos. Isso, se nesse meio tempo não esquecer como se
soma.

Campainha. Como na operação das teclas e alavanca de máquina de somar.


Zero ergue a cabeça um momento, mas abaixa-se quase imediatamente.

Dona Zero É a campainha. As visitas já chegaram. E nem acabamos


de jantar.Mas vou tirar a mesa, tenha você terminado ou
não. Se quiser jantar sem brigar é só estar em casa na
hora certa. E não ficar por aí procurando sabe-se lá o quê!
Zero se levanta e vai para a porta de entrada. Espere!
Não abra ainda. Quer que as visitas vejam toda a
bagunça? E vai limpar esse colarinho. Você conseguiu se
manchar de tinta vermelha. Acho que depois de vinte e
cinco anos trabalhando com uma caneta, já deveria fazer
isto sem manchar o colarinho de tinta vermelha. Acho que
vou passar a noite inteira acordada lavando esse
colarinho. Para que se preocupar? É para isso que um
homem se casa, não é? Ele não compra as roupas dela,
não deixa ela comer junto mesa? E por acaso ele se
incomoda em saber como ela conseguiu fazer para
cozinhar a comida, lavar e esfregar o chão, lavar a louça
quando as visitas vão embora? Mas anote aí: você vai ter
de esfregar bem os pratos depois que as visitas forem!

O ruído do click é ouvido novamente.

Dona Zero A campainha de novo. Abra a porta!

Zero vai para a porta de entrada e a abre

Dona Zero Conduzindo a primeira mulher pela mão. Como vai, Dona
Um?

Dona Um Como vai, Dona Zero?

Dona Zero repete esta fórmula com cada mulher. Zero faz o mesmo com os
homens, mas se mantém silencioso ao longo dos comprimentos. As filas se

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separam. Cada homem se senta em uma cadeira da parede direita e cada
mulher em uma da parede esquerda. Cada sexo forma um círculo com as
cadeiras muito juntas. Os homens - todos menos ZERO - fumam charutos. As
mulheres comem chocolates.

Um Tem chovido muito.

Dois Nunca se viu coisa igual.

Um Os jornais dizem que é a pior chuva em quatorze anos.

Dois Não se pode acreditar sempre nos jornais.

Um A gente sempre esquece da chuva do ano passado.

Dois É mesmo, eu lembro que no ano passado também foi


bem ruim.

Dois Mas este ano está bem ruim, também.

Um Mas podia ser muito pior.

Dois É, a gente pode ver por esse lado. Mas a chuva está
pesada.

Dona Um Eu gosto de vestidos de organdi.

Dona Dois Ah, e com nervurinhas nas mangas.

Dona Zero Já eu, gosto dos mais simples.

Dona Um É, eu sempre digo, quanto mais simples, mais elegante.

Dona Zero Mas um pouco de enfeite não faz mal nenhum.

Dona Dois Não, os vestidos ficam adoráveis. E as mulheres


também...

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Dona Zero Bom, eu acho que é questão de gosto.

Dona Dois Eu vi o senhor no Cine Rosebud quinta-feira à noite, Seu


Um.

Um O filme era muito ruim...

Dois Os filmes estão indo de mal a pior.

Dona Dois E quem era a sua encantadora acompanhante, Seu Um?

Dona Um Acompanhante?

Um Êpa, está querendo me encrencar? Aquela era a minha


irmã.

Dona Dois Sei... É o que todos dizem, mas tudo bem! Eu tenho
certeza que a Dona Um sabe de tudo.

Dona Um Por mim ele pode fazer o que quiser, desde que se
comporte.

Dois Você tem sorte, Um. Não tenho a menor chance de sair
sem minha mulher, nem com minha irmã.

Dona Dois Você devia estar contente, tem uma boa esposa para
cuidar de você.

Dois Estou sabendo quem usa as calças em sua casa, Um.

Dona Zero Tudo bem, mas já vi os dois, de mãos dadas bem firmes,
no cinema.

Um Ela devia estar tentando me tirar um dinheirinho.

Dona Um De que outro jeito se pode tirar dinheiro de você?

Riso Geral.

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Dona Zero Eles sim, são um casal apaixonado.

Dona Dois Acho melhor mudar de assunto.

Dona Um É mesmo, vamos mudar de assunto.

Dois Vocês conhecem a do vendedor ambulante? Um sujeito


estava em um vagão dormitório. Indo de Albany para San
Diego. E na cabina mais próxima estava uma velha
criada. Com uma perna de madeira. Quando era quase
meia-noite...

Todos juntam as cabeças e sussurram.

Dona Dois Você ouviu falar dos Sete?

Dona Um Diz que eles estão se divorciando.

Dona Zero É a segunda vez que ele se divorcia.

Dona Um Eles são tão simpáticos, ninguém diria.

Dona Dois Um é tão ruim quanto o outro.

Dona Um Pior.

Dona Zero Eles dizem que ela...

Todos juntam as cabeças e sussurram.

Dois Acho que voto de mulher é bobagem.

Um Claro que é! Política é negócio para homem.

Dois Lugar de mulher é em casa, pilotando fogão.

Um É isso mesmo! Deve cuidar das crianças e não ficar


batendo perna pela rua.

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Dois Essa você acertou na mosca.

Um O problema é que elas nunca sabem o que querem.

Dona Dois Os homens me cansam, eu garanto a você.

Dona Zero Eles são um bando de preguiçosos.

Dona Um E porcos.

Dona Zero Sempre reclamando de alguma coisa.

Dona Dois Isso quando não estão mentindo!

Seu Um Ou bagunçando a casa.

Dona Zero Vocês podem acreditar: eu percebo quando meu marido


sai da linha.

Dois Os negócios vão de mal a pior.

Um Nunca estiveram tão mal.

Dois Não sei aonde vamos parar.

Um Estou prevendo uma quebradeira nos próximos três


meses.

Dois Não me surpreenderia nem um pouco.

Um/Dois A gente deve se preparar para o pior.

Dona Dois Minha tia tem cálculos nos rins.

Dona Um Meu marido tem joanetes.

Dona Dois Minha irmã está esperando para o mês que vem.

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Dona Um O primo do meu marido tem erisipela.

Dona Dois Minha sobrinha tem fogo selvagem.

Dona Um Meu filho tem ataques sociopático-epiléticos.

Dona Zero Eu ao contrário nunca me senti tão bem na vida. Bato na


madeira!

Um Muita agitação, no fundo é isso.

Dois Greves demais.

Um Agitadores estrangeiros.

Dois Deviam ser expulsos do país.

Um Mas que diabo essa canalhada quer?

Dois Não se sabe.

Um É o que eu sempre digo! América para os americanos.

Todos Em uníssono. É isso mesmo! Fora estrangeiros! Fora


católicos! Fora judeus! Fora negros! Cadeia para os
baderneiros! Forca neles! Lincha! Queima! Pelotão de
fuzilamento! Cada vez mais alto. Cantando em uníssono.
Meu país será a doce terra de liberdade!

Dona Um Por que está tão pensativo, Seu Zero?

Zero Eu estou pensando.

Dona Dois Cuidado para não dar luxação no cérebro.

Um e Dois Enquanto pensa, vamos tirar água dos joelhos!

Zero, Dona Um e Dona Dois Grossos!!!

23
Risos. As mulheres tagarelam ruidosamente. Ouve-se a campainha.

Dona Zero A campainha!

O volume do som diminui lentamente. Novamente a campainha.

Zero Eu vou. É comigo.

Um Policial. Há um murmúrio de surpresa e excitação.

Policial Estou procurando o Seu ...

Zero Zero.

Policial Isso mesmo!

Zero Estava esperando.

Policial Venha!

Zero Um minuto. Ele tira o colarinho.

Policial O que está fazendo? Ele puxa um revólver. Cuidado, você


está preso!

Zero Só queria dar uma coisa ao senhor. Ele dá o colarinho ao


Policial.

Policial O que é isso?

Zero O colarinho que estava usando.

Policial O que vou fazer com isto?

Zero Tem manchas de sangue nele.

Policial Certo, venha!

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Zero Virando-se para a Dona Zero. Preciso ir com ele. Vai ter
que enxugar os pratos sozinha.

Dona Zero Correndo para a frente. Estão prendendo você, por quê?

Zero Calmamente. Matei o chefe esta tarde.

Cena IV

Um tribunal. Zero, com o rosto coberto pelas mãos. Não há nenhuma mobília.

Zero Vacilante. Claro que eu matei! Não estou dizendo que


não, estou? Claro que matei!

Juíz Os advogados!

Zero Eles me dão muita dor de cabeça, isso sim. A maior parte
do tempo, não entendo essa merda que eles falam.
Objeção concedida...

Juíz Objeção rejeitada.

Zero Que conversa é essa? Vocês me ouviram fazendo alguma


objeção? Ouviram?

Juíz Claro que não! Que história é essa de objeção?

Zero Está certo que vocês têm o direito de saber. Estou


dizendo: se um cara mata outro, vocês têm o direito de
saber o motivo. É isso que estou dizendo. Sei disso muito
bem, também já estive no júri.

Juíz Os advogados!

Zero Não deixem eles encher a cabeça de vocês.

Juíz E aquela história da tinta vermelha?

25
Zero Tinta vermelha, coisa nenhuma! Era sangue, ouviram?
Vocês têm que entender isso. Matei o cara, ouviram?
Enterrei o espeto de contas no coração dele, está bom?
Vocês têm que entender isso, cada um de vocês. Um,
dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze,
doze. Eu já fiz essas contas muitas vezes. Seis e seis,
doze. E cinco, dezessete. E oito, vinte e cinco. E três,
vinte e oito. Oito e vão dois. Ai! Não agüento mais!
Malditas cifras! Não dá pra esquecer, são vinte e cinco
anos, estão sabendo? Oito horas por dia, fora os
domingos. Em julho e agosto, sábado até meio-dia. Uma
semana de férias remuneradas. E outra semana sem
pagamento, se você quiser. Quem quer este inferno?
Ficar em casa e ouvir a mulher perguntando o tempo
inteiro por onde você andou. Não! E os feriados legais.
Quase esqueci de todos. Ano Novo, o Aniversário da
República, Dia do Soldado, Dia da Independência, Dia do
trabalho, Dia das Eleições, Natal. Sexta-feira é boa se
você quiser. E se for judeu, tem o Dia do Perdão... Estes
judeus sujos… sempre tirando leite de pedra. E quando
um feriado cai no domingo, tem a segunda-feira livre. Mas
quando o Dia da Independência cai no sábado, não
adianta nada por que o sábado já é meio expediente.
Estão vendo? Vinte e cinco anos... Vinte e cinco anos.
Nunca perdi um dia, nunca cheguei nem cinco minutos
atrasado. Quem não acredita, pode olhar meus cartões de
ponto. Oito e vinte e sete, oito e trinta, oito e vinte e nove,
oito e vinte e sete, oito e trinta e dois. Oito e trinta e dois,
quarenta e... Malditas cifras! Não dá pra esquecer. São
engraçadas, essas cifras. Às vezes parecem com as
pessoas. Outras lembram outras coisas... Claro que matei
o cara. Por que ele não calou a boca? Era só calar a
boca! Mas não, ficou falando, falando, dizendo que estava
arrependido, que era gente boa. Tinha vontade de falar
pra ele: “Pára! Pelo amor de Deus, fecha essa boca!” Mas
não tive coragem, está bom? Não tive coragem de dizer
isso para o chefe, e ele continuou falando que estava
arrependido, estão entendendo? Ele estava perto de mim,

26
e o casaco dele só tinha dois botões. Dois e dois dá
quatro.

Juíz Chega!

Zero E tinha um espeto de contas na escrivaninha. Ao meu


alcance. Sei que é errado matar. Eu sei isso. Quando eu li
no jornal a notícia da morte dele e os três filhos, eu me
arrepiei dos pés à cabeça. O retrato das crianças estava
no jornal junto com o meu. E a mulher dele também…
Nossa! Deve ser demais ter uma mulher daquela. Tem
gente que tem sorte. Claro que não devia matar o cara.
Não tem desculpa. Mas pensei que ele ia me dar um
aumento, entenderam? Por eu ter trabalhado vinte e cinco
anos para ele. Ele nunca falou comigo antes, sabem?
Menos uma vez! De manhã, nos encontramos na entrada
da loja, segurei e abri a porta, e ele disse “Obrigado”.
Assim mesmo: “Obrigado”. Essa foi a única vez que ele
falou comigo. E quando eu vi ele aparecer na minha
mesa, não sabia para que lado ir. Uma pessoa tão
importante vindo até minha mesa. Fiquei meio sufocado...
e, de repente, veio um gosto ruim na minha boca, aquele
quando a gente se levanta de manhã.

Juíz Não tinha o direito de matar. O promotor...

Zero Tem razão nisso. Ele leu para vocês a lei diretamente do
livro. Matar alguém não está certo. Mas tinha a vizinha,
sabem? Seis meses foi a pena dela. Foi um truque sujo
denunciar a vizinha para os policiais. Eu não devia ter
feito isso. Mas o que podia fazer? Minha mulher não me
dava sossego. Eu tinha que denunciar. Ela ficava
andando pela casa só com uma camiseta, entendem?
Mais nada. Ela só pegou seis meses. Foi a última coisa
que soube dela. Gostaria de agarrar ela, mas nunca tive
coragem... Bom é ser vendedor de sapato! Todo dia
olhando as pernas das mulheres...

27
Juiz Os advogados!

Zero Eles me dão dor de cabeça! Só dor de cabeça! Sempre


dizendo a mesma coisa, e de novo a mesma coisa, a
mesma coisa. Nunca disse que não matei. Mas isso não é
ser um assassino normal.

Juíz Ganhou alguma coisa matando?

Zero Não ganhei nada!

Juíz Responda sim ou não!

Zero Sim ou não, dá um tempo!... Tem coisas que não se pode


responder sim ou não. Me dêem uma chance, amigos.
Pareço um assassino?

Juíz Parece!

Zero Eu nunca fiz mal a ninguém. Pergunta pra minha mulher.


Perguntem a qualquer um. Nunca me meti em encrenca.

Juíz Nunca?

Zero Só uma vez no campo de futebol. A gente estava


brincando. Todo mundo gritando: “Matem o juiz! Matem o
juiz”!

Juíz O quê?

Zero Sem pensar no que estava fazendo, joguei a garrafa de


cerveja nele. Foi porque estava todo mundo gritando. Era
brincadeira, entendem? Aquele cachorro! Marcou falta
quando nossos jogadores estavam a um quilômetro da
área. A garrafa não acertou ele. E quando vi o policial
subir na arquibancada, acertei ele. Uma pancada não
machuca ninguém. Só estava brincando, entenderam? Já
naquela vez no metrô, eu estava lendo sobre um

28
linchamento, certo? Foi na Geórgia. Eles levaram o
crioulo e amarraram numa árvore. Espalharam querosene
nele e acenderam um fogaréu por baixo. Preto nojento!
Bem que eu queria estar lá, com um revólver em cada
mão, enchendo ele de chumbo. Estava lendo sobre isso
no Metrô, entendem? Bem na Times Square quando
entrou um monte de gente. E, de repente, um negão
enorme pisa no meu pé? A sorte dele foi eu não ter um
revólver naquela hora.

Juíz Matava, com certeza.

Zero Um preto não tem direito de pisar no pé de um branco.


Falei umas verdades para ele quando desceu. Aquele
preto sujo! Mas ninguém se feriu. Sou um cara honesto;
isso vocês têm que admitir. Vinte e cinco anos no mesmo
lugar, sem perder um dia. Cinqüenta e duas semanas por
ano. Cinqüenta e dois e cinqüenta e dois e cinqüenta e
dois e... Não tentei fugir, tentei? Para onde eu ia correr?
Eu não estava pensando em fazer isso, viram? Como ia
dizer para a minha mulher que estava despedido? Ele me
despediu depois de vinte e cinco anos...

Juíz Os advogados já falaram sobre isso!

Zero Esqueci. Toda aquela conversa me cansa, me dá dor de


cabeça. Objeção concedida. Objeção rejeitada.

Juíz Responda sim ou não.

Zero Me dá dor de cabeça. Não consigo tirar as cifras da


cabeça. Como dizer para minha mulher que tinha sido
demitido. O que Dona Daisy ia dizer quando ouvisse que
matei o chefe. Aposto que ela nunca pensou que eu tinha
coragem de fazer isto. Se tivesse me casado com ela, eu
estaria no meu posto de trabalho se ele não tivesse me
demitido. Mas ele continuou falando, falando. E tinha o
espeto das contas bem ali, na minha mão. Vocês

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entendem? Eu sou um cara normal como qualquer outro.
Como vocês mesmos, meus amigos. Ponham-se no meu
lugar. Vocês teriam feito a mesma coisa. É assim que
devem encarar este caso. Ponham-se no meu lugar.

Juiz Culpado!

Zero Recuperando a fala, enquanto o juíz desaparece. Espere


um pouco! Só um pouquinho! Todos precisam entender.
Me dêem uma chance. Estou confuso. A culpa... os
advogados. As cifras na minha cabeça. Vinte e cinco
anos, entendem? A vadia só pegou seis meses.

Cena V

No meio do palco, Zero está preso em uma jaula. Em sua frente está um prato
enorme de presunto e ovos, que ele come vorazmente com uma grande colher
de pau Um homem entra pela esquerda, com uniforme azul e um quepe de
Guia. Ele é seguido por um pequeno grupo de pessoas.

Guia Agora, senhoras e senhores, por favor, aproximem-se


com cuidado, por aqui! Um passo à frente, por favor. Mais
perto, assim todo o mundo pode ouvir. Zero ignora-os.
Este, senhoras e senhores, é mesmo um in-te-res-san-te
espécime; o assassino norte-americano, Gênero: Homo
Sapiens, Habitat; América Norte. Um riso de excitação.
Não empurra. Tem espaço para todo o mundo.

Mulher Oh, que interessante! Tomando notas.

Mãe Olhe, filho, ele está comendo!

Criança É. Tô vendo, mamy.

Guia Este espécime, senhoras e senhores, exibe todas as


características típicas de sua espécie….

Criança Mamy!

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Mãe Fique quieto, Eustáquio, se não, eu levo você, agora
mesmo, para casa sem ver a execução dele!

Guia Tem os polegares opostos, ampla capacidade craniana, e


as áreas pré-frontais altamente desenvolvidas que o
distinguem de todas as outras espécies.

Mulher Tomando notas Que áreas o senhor disse?

Guia Áreas pré-fron-tais. Ele se comunica através de imitação e


fala um idioma que, segundo alguns filólogos eminentes,
tem notável semelhança com o inglês.

Criança Mamy, o que é um filólogo?

Mãe Fique quieto, pare de interromper e escute o que ele está


dizendo. Já falei, se não ficar quieto vai pra casa sem ver
a execução!

Guia Ele se desenvolve e se reproduz livremente em cativeiro;


este espécime foi recolhido vivo de seu habitat natural,
logo após assassinar o seu patrão.

Mulher Oh, que gracinha! Tomando notas novamente. O que o


senhor disse no fim? Não ouvi direito.

Criança Assassinou o seu patrão.

Mulher Meu patrão?! Oh!...

Criança Depois falam das crianças, né Mamy! À outra Não o seu,


o ex-dele...

Guia Psiu. Ele foi julgado e condenado em uma hora, treze


minutos e vinte e quatro segundos, um novo recorde para
o território a leste das Rochosas e ao norte do Mason e
da linha Dixon.

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Criança Choramingando. Ma-my!

Mãe Fica quieto, Eustáquio, olhe que a Mamãe não deixa mais
você ver a execução e nem fazer tchica, tchicaboom.

Guia Agora olhem bem para ele, senhoras e senhores. É o


último dia dele aqui. Ele será executado ao meio-dia.

Mulher Ai que amor!

Criança O que ele está comendo?

Guia Presunto e ovos.

Mãe Que morto de fome.

Guia Oh, ele nem sempre come tanto. É que sempre tentamos
fazer com que eles se sintam bem no último dia. Por isso,
faltando mais ou menos uma semana de antecedência
antes da execução, eles podem pedir o que vão comer no
último dia. Podem escolher oito pratos, pode ser qualquer
coisa. Independente de quanto custe ou da dificuldade de
conseguir. Este aqui não conseguiu pensar em oito pratos
até a última noite, então, pediu oito porções de presunto e
ovos.

Criança Olhe, mamy! Ele está comendo com uma colher. Ele não
tem educação... não sabe usar faca e garfo?

Guia Não nos arriscamos a deixar que ele use faca e garfo,
filhinho. Ele poderia tentar se matar.

Mulher Ai, que maravilha!

Guia E agora, amigos, por favor, um minuto de atenção. Ele tira


do bolso um pacote de blocos de papéis. Tenho aqui um
bloquinho de recordação, que certamente todos vocês
vão, como eu, querer ter. Contém doze gravuras coloridas

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e bonitas relativas ao Assassino da América do Norte.
Elas incluem uma imagem do assassino, uma imagem da
esposa do assassino, a repugnante arma manchada de
sangue, o assassino aos seis anos.

Criança Minha idade, mamy.

Mãe Quieto, Eustáquio, a mamy já disse seu castigo.

Mulher Fazendo alusão à bronca da mãe Que gracinha!

Guia A mancha onde o corpo foi achado, a escolinha onde ele


foi educado; a casa da juventude, no sul de Illinois; ele
com seu ar doce, e em frente a sua velha mãe com os
cabelos brancos, claramente visível no primeiro plano. E
muitas outras cenas interessantes. Agora examinem! Não
tenham medo de olhar. Olhar não custa nada. Muito bem.
Agora, amigos, vocês devem me seguir por aqui.
Permaneçam juntos e me sigam. Uma senhora perdeu o
seu filhinho de seis anos aqui e depois de um ano nós o
encontramos: ele estava fumando charuto e se barbeando
com uma navalha.

Muito riso, todos o seguem o Guia. Zero termina de comer e empurra para
longe o seu prato. Dona Zero, vestida de luto e carregando um grande pacote,
entra.

Dona Zero Oi.

Zero Oi, achei que não vinha mais.

Dona Zero Resolvi voltar. Está contente em me ver?

Zero É. Você está embonecada, não é?

Dona Zero É. Gosta?

Zero Que classe!

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Dona Zero Fico bem de preto. Estou com algumas graminhas a mais
e o preto emagrece.

Zero Quanto gastou?

Dona Zero Sessenta e quatro dólares e vinte centavos. E ainda tive


que comprar uma braçadeira de luto e uma perneira.

Zero Se ficar gastando dinheiro desse jeito, logo vai estar


esfregando chão.

Dona Zero Bom, tenho que fazer tudo direitinho. Não é todo dia que
um marido é executado. Trouxe uma coisa para você.

Zero Ahn, hã, o que é?

Dona Zero Adivinhe.

Zero Ahn, hã... Me ajude.

Dona Zero Você gosta.

Zero Parece que é de comer.

Dona Zero É. Presunto e ovos!

Zero Ô, cara! Era o que eu queria comer!

Dona Zero Está bom?

Zero amm, amm..

Dona Zero Essa á a última omelete que fiço para você.

Zero Ahn, hã.

Dona Zero Tenho uma coisa pra contar… será que devo?

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Zero Ahn, hã....

Dona Zero Bom... enquanto cozinhava, chorei.

Zero Mesmo?

Dona Zero Não deu pra segurar.

Zero Chorar não adianta nada.

Dona Zero Não deu pra segurar.

Zero Pode ser que no ano que vem, nesta mesma data, você
esteja fritando ovos para outro preso.

Dona Zero Nunca na vida.

Zero Nunca se sabe.

Dona Zero Para mim, basta uma vez.

Zero Deve ter razão, mas pode conhecer alguém...

Dona Zero Bem, se acontecer, vou ter bastante tempo para pensar.
Não me interessa procurar encrenca.

Zero Está gostando de ficar sozinha em casa?

Dona Zero Muito!

Zero Agora tem bastante espaço na cama, né?

Dona Zero É! Mas fica meio solitário acordar de manhã e não ter
ninguém pra conversar...

Zero É...

Dona Zero A gente nem conversa muito.

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Zero Ahn, hã.

Dona Zero É. Mas bem que eu ficava enchendo você com minhas
cobranças. Não é mesmo?

Zero Não adianta nada falar nisso agora.

Dona Zero Eu bem que podia...

Zero Dei motivo.

Dona Zero Mas também errei muito.

Zero Ninguém é perfeito.

Dona Zero Pensando bem, a gente até que se entendeu, né?

Zero Com certeza! Melhor do que muito casal por aí.

Dona Zero Lembra daqueles domingos na praia, nos bons tempos?

Zero Pode apostar! Lembra daquela vez que eu joguei um


pouquinho de areia nas suas costas? Nossa! Você ficou
furiosa!

Dona Zero Fiquei um mês sem falar com você!

Zero Ficou exatamente, quatro meses e doze dias.

Dona Zero E quando tive pneumonia, então? Você me trouxe duas


rosas. Lembra?

Zero Lembro. E quando o doutor me falou que você podia


morrer, quase chorei.

Dona Zero Foi?

Zero Ahn, hã!

36
Dona Zero É...

Zero Também acho!

Dona Zero Acabou tudo agora.

Zero É...

Dona Zero Talvez... se pudéssemos fazer tudo de novo...

Zero Tarde demais.

Dona Zero Mas não está certo...

Zero É... mas fazer o quê?

Dona Zero Não tem nada que eu possa fazer por você antes que...

Zero Não. Nada. Nadinha.

Dona Zero Nada mesmo?

Zero Não. Não consigo pensar em nada. De repente. Ah, você


está tomado conta direitinho do meu álbum de recortes,
né? Com todas as fotos que saíram nos jornais?

Dona Zero Claro que estou. Deixo na mesa da sala. Para todo
mundo ver.

Zero Ele deve estar quase cheio, né?

Dona Zero Tem três páginas em branco ainda.

Zero Bem, como tudo acaba hoje, amanhã vai ter mais. Vai dar
para completar. Você vai pegar todas as notícias, né?

Dona Zero Claro. Até já encomendei os jornais de amanhã.

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Zero Nossa, Mãe, nunca pensei que teria um álbum de recortes
só a meu respeito. Será que os magnatas do cinema vão
fazer um filme a meu respeito? De repente. Olha, tem
uma coisa que queria perguntar.

Dona Zero O quê?

Zero Em caso de você ficar doente ou morrer, o que vai fazer


com o álbum?

Dona Zero Bem... Não sei. Pensei em deixar de herança para minha
sobrinha Beatriz Elizabeth.

Zero O que ela ia querer com ele?

Dona Zero Bem, deve ser legal ter um álbum desses, não? A quem
mais poderia dar?

Zero Taí: não quero que dê para ela. Não quero que aquela
menininha antipática ponha as mãos sujas nele.

Dona Zero Ela não é antipática, nem suja. É um amor.

Zero Não quero que você dê para ela.

Dona Zero Então, para quem?

Zero Para a Dona Daisy Devore.

Dona Zero Dona Daisy Devore? E por que justo para ela?

Zero Ela vai saber cuidar dele. Quero, simplesmente, que fique
com ela.

Dona Zero Ah, então você quer?

Zero Quero.

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Dona Zero Pois bem, não vai ficar com ela! Dona Daisy Devore! Por
quê? Tenho duas irmãs e uma sobrinha?

Zero Não estou nem aí com elas

Dona Zero Mas eu estou! E a Dona Daisy não vai ficar com o álbum.
Pode tirar o cavalinho da chuva.

Zero Mas por que você tem que decidir sobre isso? O álbum é
meu!

Dona Zero Não senhor. Daqui a pouco, depois da execução será


meu!

Zero Deveria ter dado a ela logo de uma vez. Isso sim.

Dona Zero Ah, é, é? E eu? Sou ou não sou sua mulher?

Zero Por que me lembrar dos meus problemas, agora?

Dona Zero Então, essa Dona Daisy Devore... O que aconteceu entre
vocês.

Zero Lá vém!

Dona Zero Por que não casou com essa dona Daisy?

Zero Casaria se tivesse conhecido antes de você.

Dona Zero Aaaaah! Isso! Assim é que se fala com a própria mulher!
Depois de tudo o que fiz para você! Seu vagabundo! Seu
vagabundo nojento! Isso eu não agüento! Não agüento!

Num ataque de fúria, histérica e chorando ela sai de cena. Estrondos atrás
dela. Zero contempla-a, pesaroso, por um momento, então encolhe os ombros
e, com um suspiro, recomeça a comer. Entram, indicado por ela dois homens,
com macacões. Tem asas nos ombros. Zero, ao vê-los grita, horrorizado.

39
Zero Quem são vocês?

Quebra G. Ele é o Q. Galho.

Q. Galho E ele o Quebra G.

Os dois Do Departamento de Reclamações.

Zero O que querem?

Quebra G. Nada! Não existem milagres, nada mudará seu destino,


Zero.

Zero Não sei do que estão falando.

Q. Galho Não minta, Zero. Seu tempo acabou. O fim já chegou.


Acredita que algum raio, alguma varinha mágica, alguma
aparição celestial possa intervir entre você e a execução.
Você está acabado, Zero.

Zero Não está certo! Não é justo! Não fui tratado com justiça!

Quebra G. Todos dizem isso sempre, Zero.

Q. Galho Foi injustiçado?

Zero Aquela máquina de somar. Acha justo, depois de vinte e


cinco anos?

Quebra G. Claro que sim - de qualquer ponto de vista, menos do


sentimental. A máquina é mais rápida, nunca comete um
erro, sempre está lá na hora certa, e não tem problema de
moradia, congestionamento de tráfico, abastecimento de
água, ou serviço de limpeza pública.

Zero Mas garanto que comprar essas máquinas custa dinheiro!

40
Q. Galho Nisso você tem razão. Num ponto você leva vantagem
sobre a máquina - o custo de produção. Mas aprendemos
com a experiência de muitos anos, que o custo original é
irrelevante, quando comparado ao de manutenção.

Quebra G. Veja os dinossauros, por exemplo. Eles, literalmente,


comeram a própria existência. Nós bem que garantimos o
abastecimento deles até o último.

Q. Galho Eles eram pitorescos, os danados...

Quebra G. Mas quando apareceu o problema do abastecimento de


nitrato, simplesmente fomos obrigados a jogar a toalha.

Q.Galho A mesma coisa vale para você, Zero. Fica muito caro
manter esse mecanismo delicado de olho, orelha, mão e
cérebro, que, na verdade, você nunca usou direito. Não
podemos gastar para mantê-lo na ociosidade - por isso
você tem de cair fora.

Zero Me dê uma chance! Pelo menos uma chance!

Quebra G./Q. Galho E o que faria se tivesse outra chance?

Zero Iria procurar trabalho.

Quebra G./ Q.Galho Somar cifras?

Zero Mas não tenho mais idade para tentar outra coisa.

Quebra G. Q. Galho, vamos amarrá-lo.

Q. Galho Ok, Guebra G.

Zero Não! Não! Não me levem! Não me matem! Quero outra


chance! Só mais uma!

Q. Galho Pára com isso! Em um minuto acaba tudo!

41
Zero Não quero morrer! Não quero morrer! Eu quero viver!

Os dois se entreolham.

Quebra G. E aí?

Q. Galho Ele disse que quer viver.

Quebra G. Não é uma boa.

Quebra/Galho tiram dos bolsos enormes pares de óculos. De outro bolso


puxam um jornal dobrado. Trata-se de um suplemento cômico colorido. Eles
abrem o jornal, por um momento, absorvem-se na leitura.Um momento depois
a porta de trás da jaula abre e um homem calmo, musculoso e barbudo entra.
Ele usa uma camiseta de flanela vermelha e leva um enorme machado
manchado de sangue.

Quebra/Galho, absorvidos no suplemento cômico, não vêem nada.

Homem Resmunga O.K.

Quebra/Galho Olhando O quê?

Homem Resmunga O.K.

Quebra/Galho Tá bom. O Homem se curva em deferência e sai por trás.


Quebra/Galho guardam os óculos e dobram o jornal,
cuidadosamente. Enquanto dobra o jornal. Com esse,
chegamos a 2.137 pares de olhos negros para o Jeff.

FIM

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