Você está na página 1de 4

29/03/2020 Um patinho feio na luta contra a Covid-19

questões epidemiológicas

UM PATINHO FEIO NA LUTA CONTRA A COVID-19


Sem experiência no ramo, pequena empresa de Minas recebe autorização para importar e revender
testes que detectam anticorpos no organismo de quem entrou em contato com o coronavírus;
resultado dos exames sai entre dez e trinta minutos
ALLAN DE ABREU
27mar2020_16h06

O
avanço da Covid-19 no Brasil impôs um desafio inédito a uma
pequena empresa de Nova Lima, na região metropolitana de Belo
Horizonte. A QR Consulting aguarda a chegada do primeiro lote de
testes rápidos para a detecção de infectados pelo coronavírus. Adquirido
de uma distribuidora da Califórnia, nos Estados Unidos, o material deve
desembarcar no Brasil em até três semanas. A empresa mineira foi uma
das onze autorizadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa) a fabricar, importar e vender os testes no Brasil. A demanda é
enorme. Na última terça-feira, o Ministério da Saúde anunciou que vai
disponibilizar 8 milhões de testes rápidos para diagnosticar a
contaminação pelo vírus – boa parte deles deve ser comprada dessas
onze importadoras e distribuidoras.

https://piaui.folha.uol.com.br/um-patinho-feio-na-luta-contra-covid-19/ 1/4
29/03/2020 Um patinho feio na luta contra a Covid-19

Das onze firmas, dez possuem know-how em importação de


medicamentos e insumos médicos, caso da Celer Biotecnologia S/A, de
Belo Horizonte, no mercado há dezenove anos. “Estamos adquirindo um
lote de um fabricante em Guangzhou, na China, de quem já compramos
produtos há cinco anos”, diz o engenheiro Denilson Laudares Rodrigues,
sócio-fundador da empresa.

Nesse grupo de gigantes do setor, a QR é o patinho feio. Fundada há seis


anos pelas farmacêuticas Ana Paula Tameirão de Paula Castro e Maria
José Barbosa Duarte, a firma ocupa uma sala acanhada em um edifício
comercial moderno de Nova Lima. Possui apenas três funcionários,
contratados em regime de trabalho temporário, e capital social de 3 mil
reais. Como o telefone da empresa não está disponível na internet, obtê-lo
não é tarefa fácil – a reportagem precisou recorrer às redes sociais das
sócias para contatá-las. A pequena estrutura era suficiente para os
negócios da QR até agora: registrar na Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa) produtos médicos fabricados no exterior. “É um
trabalho técnico, feito por mim e minha sócia”, afirma Castro. A empresa
nunca teve contratos com o poder público.

Em janeiro, quando o coronavírus era epidêmico apenas na China, as


duas farmacêuticas resolveram ampliar os negócios para incluir a
importação de insumos médicos. Elas contam que, ao tomarem a decisão,
não cogitavam o rápido avanço da Covid-19 pelo mundo. No mês
seguinte, a empresa da Califórnia contratou a QR Consulting com o
intuito de solicitar à Anvisa autorização para comercializar no Brasil os
testes rápidos, que detectam a presença de anticorpos no organismo de
https://piaui.folha.uol.com.br/um-patinho-feio-na-luta-contra-covid-19/ 2/4
29/03/2020 Um patinho feio na luta contra a Covid-19

quem entrou em contato com o coronavírus. O resultado sai entre dez e


trinta minutos. “Não esperávamos que a doença chegaria ao país da
forma como chegou. Nem estamos fazendo prospecção de clientes
porque não é preciso. Todo o lote que compramos da Califórnia já tem
destino certo”, diz Castro. Por questões comerciais, ela não informa
quantos testes virão dos Estados Unidos.

Quando indagada se a pandemia é uma oportunidade de ouro para a QR


Consulting mudar de patamar, Castro desconversa: “Vamos fazer essa
primeira importação e ver se compensa.” Ela enxerga vantagens no
tamanho atual da firma. “Os clientes conversam diretamente comigo, e
costumo ser bem franca a respeito de preços e prazos.”

A farmacêutica tampouco revela quem são os compradores dos testes.


Diz apenas que vem mantendo contato com prefeituras, governos
estaduais, laboratórios particulares e, claro, o Ministério da Saúde. Na
Celer, também há demanda por parte de grandes empresas, interessadas
em aplicar os testes em seus funcionários. A Anvisa ainda estuda se irá
permitir a comercialização do produto nas farmácias. Rodrigues, da
Celer, estima que cada kit deve custar entre 250 e 350 reais para o
consumidor final.

O
s testes rápidos detectam dois tipos de anticorpos no organismo. O
IgM surge na fase mais aguda da doença, a partir do oitavo dia de
contágio. Já o IgG aparece no décimo quarto dia e, em tese, imuniza
o paciente contra a enfermidade pelo resto da vida (no caso da Covid-19,
ainda não se sabe se a imunização de fato ocorre). Por detectar esses dois
anticorpos, os testes possibilitam identificar quem foi infectado pelo vírus
e, assim, mapear por onde o microrganismo passou em determinado
território. Os infectologistas dizem que a epidemia estará sob controle
quando houver a chamada “imunidade de rebanho”. Ou seja: quando
entre 50% e 80% da população tiver sido contaminada e desenvolver
defesas contra o coronavírus.

O problema, ainda segundo especialistas, é a exatidão do teste rápido.


Além de não detectar o microrganismo no período de incubação, que vai
até o sétimo dia de contágio, o exame tem eficácia de 60% a 70%,
conforme epidemiologistas consultados pela piauí – quer dizer, a cada

https://piaui.folha.uol.com.br/um-patinho-feio-na-luta-contra-covid-19/ 3/4
29/03/2020 Um patinho feio na luta contra a Covid-19

cem exames realizados, entre quarenta e trinta podem dar resultados


imprecisos (de acordo com as importadoras, porém, a taxa de eficácia é
de 90%). O outro tipo de teste existente no mercado, o RT-PCR, detecta o
vírus diretamente e, por isso, é mais eficiente. A Coreia do Sul, por
exemplo, optou pelo uso dele. O resultado, no entanto, é mais demorado
– leva, em média, seis horas para sair. O RT-PCR também é 70% mais
caro que o teste rápido. Além disso, há poucos laboratórios no Brasil com
capacidade de realizá-lo.

Parte dos 22,9 milhões de kits que o Ministério da Saúde pretende


disponibilizar deve vir da China. A Fiocruz e a Vale irão importá-los para
uso dos profissionais de saúde, num primeiro momento. Depois, a
testagem será ampliada. De 30 mil a 50 mil pessoas poderão se submeter
ao exame em postos itinerantes instalados em municípios com mais de
500 mil habitantes. Ainda não há previsão para a chegada do teste a
cidades menores.

https://piaui.folha.uol.com.br/um-patinho-feio-na-luta-contra-covid-19/ 4/4

Você também pode gostar