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Data da submissão: 4 de Julho de 2019

CARTA AO EDITOR
Data da aprovação: 21 de Agosto de 2020

ALERGIAS E AUTISMO. CONSIDERAÇÕES IMUNOLÓGICAS E TERAPÊUTICAS: ARTÍGO


DE REVISÃO
ALLERGIES AND AUTISM. IMMUNOLOGICAL AND THERAPEUTIC ASPECTS: COMPREHENSIVE REVIEW

Roberto Ronald Almeida Cardoso, Marly Marques da Rocha

DOI - 10.5935/2236-5117.2021v58a14

RESUMO Roberto Ronald Almeida Cardoso – Alergia Integrada, Alergia - Brasilia - DF - Brasil.

Autismo é doença para qual não há ainda explicação Marly Marques da Rocha – Alergia Integrada, Alergia - Brasilia - DF - Brasil.

fisiopatológica precisa e consequentemente não é


Correspondência: SCS, Quadra 1 bloco E salas 1201-1208-1206,
possível a realização de prevenção, diagnóstico e CEP 70303-900 Brasília, DF, Brazil, Tel: +55-61-3033 4337 Whatsapp:
tratamento adequados. Não é o caso das alergias. Seu 061-981647474
melhor conhecimento permite traçar com mais acerto
Internet: rronaldac@gmail.com
condutas que visam evitar, diagnosticar e tratar suas
mais diversas apresentações. Nesta revisão pretende-
se mostrar aspectos comuns a ambos os processos e
apresentar uma breve descrição de alguns métodos e Conflito de interesses: não existem conflitos de interesse.
possibilidades terapêuticos, principalmente no que se
refere ao autismo.

Palavras-chave: Alergia e Imunologia. Transtorno do


Espectro Autista. Asma se por atitudes estereotipadas, déficits cognitivos,
distúrbios da linguagem e da comunicação social 1.
ABSTRACT Tudo o que sabemos sobre autismo não consegue
explicar mais de 5% dos sintomas 2. São várias as
Autism is a disease where most of the physiopathological
hipóteses mas nenhuma plenamente satisfatória. Surge
phenomena are still unknown and so the correct pr4evention
nos primeiros três anos de vida, por vezes de um dia
ahd treatment can not be applied. With the allergies is
para o outro. Causas, fatores precipitantes ou agravantes
different. Here the physiopatological processes are better
são ainda meras suposições. Sugerem-se agressões
understood and so the treatment can be better conducted. In
ambientais, distúrbios inflamatórios e imunológicos,
this review the proposal is to show immunological aspects
doenças metabólicas e outras como esclerose tuberosa,
of both diseases and to present some therapeutic procedures
epilepsia, diabetes, tireoidopatias (28% dos autistas
concerning mainly with the autism.
são tireoidopatas), inflamações intestinais (32%
apresentam inflamações no intestino grosso), aumento
Keywords: Allergy and Immunology. Autism Spectrum
de autoanticorpos contra o sistema nervoso (anti-MBP
Disorder. ASTHMA
-proteina básica da mielina- e anti-MAG -glicoproteína
associada a mielina) 3-9
INTRODUÇÃO
Relações com processos tumorais foram descritas.
Os sinais e sintomas das alergias são as conquências Assim, de 859 gens presentes nos ASDs (desordem do
de respostas exageradas e disfuncionais do sistema espectro autista), 77 também o estao em pacientes com
imunológico a substâncias estranhas ao organismo. certos processos tumorais10
Estas não causam reações em indivíduos não alérgicos,
ou quando o fazem é por ação irritativa ou excesso de INCIDÊNCIA.
dose e neste caso a reação é tóxica.
A incidência do autismo e das alergias está aumentando
Autismo é o resultado de um transtorno global do de forma vertiginosa. No momento atual 30% da
desenvolvimento. O diagnóstico é clínico. Caracteriza- população mundial, isto é, 2 bilhões de pessoas sofrem

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de allguma forma de alergia. Quanto ao autismo, os Alergias são cinco vezes mais frequentes em autistas
autores indicam incidência que varia de 1/68 a 1/100, do que em controles. Sintomas do autismo aumentam
com prevalência no sexo masculino de 4/1, o que quando a alergia agrava. Asma, dermatite atópica e rinite
represwenta um aumento de grandes proporções tendo alérgica durante o segundo trimestre da gravidez foram
em vista que no ano de 1980 a prevalência do autismo associadas com aumento de nascimentos de crianças
era de uma criança em cada 10000. Na Califórnia, EUA, autistas 8,15-6.
entre 1987 e 1998 o aumento da incidència do autismo
foi de 273%. No entanto, considerando-se todos os Testes cutâneos positivos com alergenos, presença dos
casos de TID (transtorno invasivo do desenvolvimento) marcadores celulares IL-4, IL-5, IL-6, IL-10, IL-12, IL-13,
este aumento foi de 2000%11,12. TNF-beta,TNF-alfa e BSA (brain specific autoantibody)
são achados em autistas e alérgicos. Pais de crianças com
O autismo é mais frequente do que a soma de todos os autismo têm mais alergias do que aqueles de crianças
casos infantis de câncer, diabetes e HIV / AIDS. No Brasil sem autismo 17-8. A existência de alergias e autismo
este número chega a 2 milhões, embora suponha-se que coincide com o surgimento de autoanticorpos em seus
este valor não seja real pois é possível que muitos casos pais . Disfunções da barreira intestinal facilitando a
deixam de ser diagnosticados. absorção de grandes moléculas existem em alérgicos
e autistas 19. O padrão imunológico é o mesmo em
52% dos autistas apresentam sintomas e sinais de ambas as doenças: Th2.No autismo, as células T-CD4 + e
alergias, o que contrasta com 10% em relação à CD45RA +, responsáveis pela estimulação de linfócitos
população controle; a associação com os processos T supressores e células T reguladoras têm níveis mais
alérgicos, alimentares e respiratórios como rinite baixos, o que leva a uma deficiência na resposta imune
alérgica e asma tem sido reconhecida. A asma é mais inata. Os níveis de glutationa, IL-2, IL-15, perforina,
prevalente em pacientes com ASD (26,7%) do que em granzima B e IFN-γ estão reduzidos, com consequente
grupos controle (7,3%). 30% dos autistas têm histórico deficiência da atividade citotóxica de células NK22.
familiar de alergia, enquanto esse percentual é de 2,5% Pacientes autistas com alergia apresentam mais
para os controles. As alergias nos pais de pacientess com autoanticorpos anti-MBP (myelin basic protein) e anti-
TID são mais frequentes do que nos pais de crianças MAG (myelin associated glycoprotein), do que os autistas
normais. 86,7% dos pacientes com TID apresentam sem alergias. Microorganismos e seus produtos já
aumento da IgE sérica, a eosinofilia está presente foram considerados na etiologia do autismo. Antígenos
em 67% dos casos e a incidência de testes cutâneos vacinais de vírus vivos atenuados se combinariam com
positivos com alérgenos é alta 4.13 anticorpos do paciente contribuindo para o surgimento
da doença. Da mesma forma agiriam citomegalovírus,
Mas acreditar-se na existência de “links” alergias/ herpes, Chlamydia pneumoniae e proteínas de
autismo não é opinião unânime. Assim, estudo de estreptococos 20.
metanálise realizado com com 175 406 participantes
não demonstrou correlação entre asma e autismo. Este Os sistemas gastrointestinal e nervoso interagem.
trabalho, um dos mais abrangentes, peca por ter sido Alergias e distúrbios neuronais podem ser afetados por
realizado por meio de questionários a distância, o que alterações nesta interação. Doenças do trato digestivo
pode conduzir a erros em suas conclusões 14. favorecem a absorção de grandes moléculas e substâncias
tóxicas originárias da flora intestinal. Peptídeos
ASPECTOS IMUNOLÓGICOS COMUNS microbianos podem reagir com tecidos cerebrais.
E PARTICULARES DO AUTISMO E DAS Sensibilizantes alimentares para alérgicos podem ser
prejudiciais para autistas; assim. a gliadina, proteínas do
ALERGIAS leite de vaca e da soja, aumentando a permeabilidade
da barreira intestinal e hematoencefálica facilitariam o
No autismo são comuns infiltrados inflamatórios
desencadear do processo alérgico (absorção de grandes
nas mucosas intestinais e no tecido cerebral, os
moléculas), e do autismo 21.
níveis séricos de metabólitos do óxido nítrico estão
aumentados, células mononucleares periféricas
Chumbo, mercúrio e o silicone usado em implantes
produzem menos anticorpos IgA, IgG e IgM, é menor o
mamários podem agir como alergo-sensibilisadores.
número de macrófagos e células CD20 + B. Os níveis
No autismo podem ser responsáveis pela produção de
de anticorpos IgE e IgG4 estão elevados nas alergias e
anticorpos contra a proteína do citoesqueleto neuronal,
a eosinopoiese está aumentada em ambas as doenças.
dos neurofilamentos e da proteína básica da mielina.

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Estes anticorpos interferem na função neuromuscular sugeridos para o autismo. Os resultados com o fator
agravando deficiências sensório-motoras 14,22 . de transferência não foram totalmente convincentes.
A IGIV, com ação imunomoduladora na rede idiotipica-
MASTÓCITOS NO AUTISMO E NAS ALER- antidiotípica, levou 10% dos pacientes autistas a
GIAS apresentar melhoras.

A prevalência da mastocitose em autistas é 10 vezes Anticorpos anti-MAG eanti-MBP, pentoxifilina (inibidora


maior do que na população em geral. da fosfodiesterase), quercetina e luteolina (inibidores da
liberação de mediadores mastocitários), foram sugestões
Mastócitos são células que participam dos fenômenos para o tratamento de alergias e autismo.
da imunidade inata e adquirida. São importantes
na fisiopatologia das alergias. No autismo há um Um dos objetivos do tratamento de alergias e autismo
significativo aumento destas células no tecido cerebral. seria reverter o padrão Th2 para Th1. A pioglitazona,
usada no tratamento do diabetes tipo II. força essa
Em autistas e alérgicos não é raro ser encontrado reversão. Drogas deste tipo foram testadas com relativo
um quadro típico de MCAS (síndrome de ativação de sucesso no controle da asma de camundongos 30.
mastócitos). Esta síndrome pode surgir pela ação de
vírus, bactérias ou toxinas ambientais 23. A ativação CONCLUSÕES
do TLR-3 (Toll-like receptor-3) activa o TLR-4 com a
consequente estimulação dos mastócitos e liberação de Considera-se que o autismo e as alergias são processos
mediadores, principalmente TNF. O processo é facilitado diferentes. No entanto, alergias são bastante comuns
por substâncias como neurotensina (NT) e CRH (hormonio em autistas e o autismo tem acentuada incidência em
liberador de corticotropina), que são responsáveis pela alérgicos. Muitos dos mediadores imunológicos são
liberação de VEGF (factor de crescimento endotelial os mesmos. Certas dietas e medicamentos alteram o
vascular), que aumenta a permeabilidade das barreiras comportamento de ambos, beneficiando ou prejudicando.
hematointestinal e hematoencefálica, e IL-9, mediador
mastócitário, facilitador da entrada de toxinas no Será um absurdo imaginar “links” entre autismo e
ambiente intracelular.Na mucosa intestinal de autistas e alergias? Em patologias aparentemente sem qualquer
alérgicos observa-se aumento do número de mastócitos, relação, como câncer e autismo, têm sido observadas
consequência da redução de fatores inibidores como características comuns 9.
TGF-β1 (transforming growth factor beta-1), e aumento
de substâncias que os atraem como IL-6, TNF e MCP-1 Interações entre células e microorganismos como
(macrophage chemotactic proteín), RANTES, eotaxina e mastócitos e vírus, mastócitos e bactérias foram
neurotensina 24-6. demonstradas. E estas células são importantes nas alergias
e no autismo. Sugeriu-se até a influência de vacinas anti-
TRATAMENTO virais no desencadeamento de processos autistas.

Tentativas tem sido feitas para melhorar alergias e autismo: Já se imaginou que os aspectos comuns indicariam uma
dietas, abordagens alternativas como homeopatia e certa “intimidade” entre ambas doenças. Acreditamos
fitoterapia, tratamento psicológico e imunoterápico. que o tema ainda mereça muitos estudos.
Resultados razoáveis têm sido alcançados nas alergias,
mas no autismo ainda são decepcionantes. REFERENCIAS
Vitamina A, redução da ingestão de ferro, leite e glúten 1. Mrozek-Budzyn D, Majewska R, Kieltyka A, Augustyniak
foram propostas para o autismo Os mecanismos de ação M. The frequency and risk factors of allergy and asthma
in children with autism - Case control study. Przegl
são os mais diversos. Do leite e glúten se formariam
Epidemiol. 2013;67:675-9.
opióides, gluteomorfina e caseomorfina que induziriam 2. RodierPM,IngramJL,TisdaleB, NelsonS,etal.Embryological
à formação de anticorpos os que atravessando a barreira origin for autism developmentalabnormalities of the
hematoencefálica reagiriam com os tecidos cerebrais 27-9. cranial nerve motor nuclei. J Comp Neurol. 1996;370:246.7
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