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Journal of Food Allergy - Junho 2014 - Volume 3 - Número 2

DOENÇA CELÍACA

ENTEROPATIA DO LEITE DE VACA

ENTEROCOLITE, PROCTOCOLITE E PROCTITE INDUZIDAS


PELAS PROTEINAS DA DIETA

JOURNAL OF FOOD ALLERGY


Journal of Food Allergy - Junho 2014 - Volume 3 - Número 2

EDITORIAL

Revista O cial da Sociedade Brasileira de Alergia Alimentar - SBBA

EDITORCHEFE

Prof. Dr. Aderbal Sabrá


Universidade Unigrario, Rio de Janeiro, Brasil

EDITORES CONSULTORES

Katie Allen John Walker-Smith


University of Melbourne, Melbourne, Australia Emeritus Prof of Paediatric Gastroenterology
University of London, Londo, United Kingdom
Jaime Ramirez Mayans
Instituto Nacional de Pediatría, S.S, Mexico Marcello Barcinski
FIOCRUZ, Rio de Janeiro, Brazil
Joseph A. Bellanti
Georgetown University Medical Center, USA Mauro Batista Morais
Paulista School of Medicine, Sao Paulo, Brazil
Jorge Amil Dias
Centro Hospitalar S. Joao, Portugal Simon Murch
Warwick Medical School, United Kingdom
Jorge Kalil
School of Medicine USP and Annamaria Staiano
Instituto Butantan, São Paulo, Brazil University of Naples, Federico II, Italy

Giuseppe Iacono
Di Cristina Hospital, Italy Maria Del Carmen Toca
University of Buenos Aires, Argentina
Glenn Furuta
Univ. of Colorado Denver School of Medicine, Neil Shah
USA Great Ormond Street Hospital
Institue of Child Health
Olivier Goulet University College London, United Kingdom
University of Paris 5 René Descartes, Paris, France

Harland Winter
Harvard Medical School, USA

Journal of Food Allergy


Address: Visconde de Piraja, 330 / 311, 22410-001, Rio de Janeiro, Brazil
Telephone: + 55 21 2513-2161
E-mail: contact@journaloffoodallergy.com
Website: www.journaloffoodallergy.com
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CONTEÚDO

Comentário do Editor
Aderbal Sabrá............................................................................................................................................ 025

DOENÇA CELÍACA................................................................................................................................ 026

ENTEROPATIA DO LEITE DE VACA................................................................................................. 034

ENTEROCOLITE, PROCTOCOLITE E PROCTITE INDUZIDAS PELAS


PROTEINAS DA DIETA......................................................................................................................... 038
Journal of Food Allergy - Junho 2014 - Volume 3 - Número 2

COMENTÁRIO DO EDITOR

A Journal of Food Allergy tem como objetivo primordial publicar artigos originais e de revisão
sobre temas da alergia alimentar.

Considerando a escassez de artigos na literatura contemporânea que sistematizam grandes temas


sobre a alergia alimentar, este conselho editorial, em trabalho conjunto com a Sociedade Brasilei-
ra de Alergia Alimentar, SBAA, adquiriu os direitos de reprodução dos capítulos do livro “Manual
da Alergia Alimentar” do Prof. Aderbal Sabrá, de sua segunda edição.

A partir deste número esses artigos serão impressos apenas em português, quando se tratarem
de artigos de revisão. Os artigos originais serão publicados na língua de origem de seus autores
(português, inglês ou espanhol), com os respectivos resumos em inglês.

Sendo assim, temos o prazer de oferecer aos nossos leitores, a partir deste númeroa coletânea de
temas clínicos sobre a alergia alimentar, transcritos em sua totalidade da obra original.

Neste número do JFA será abordado o primeiro grupo de causas de alergia alimentar mediadas
por Imunidade Celular (Não-IgE), com os temas:

- DOENÇA CELÍACA;
- ENTEROPATIA DO LEITE DE VACA;
- ENTEROCOLITE, PROCTOCOLITE E PROCTITE INDUZIDAS PELAS PROTEINAS DA DIETA.

Aderbal Sabra, MD, PhD


Editor-Chefe
Journal of Food Allergy

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Artigo de Revisão

DOENÇA CELÍACA
Autor: Prof. Aderbal Sabrá

INTRODUÇÃO junção de fatores ambientais, genéticos e imunológi-


A sensibilidade ao glúten é de nida como um estado cos. Tais fatores serão bre-vemente abordados, assim
rea-cional de resposta imunológica, tanto celular como o diagnóstico e tratamento desta afecção.
quanto humoral, ao glúten do trigo, centeio e cevada. A prevalência da doença é muito variável de país
Seu espectro compreende a doença celíaca, a derma- para país e dentro do país varia de estado para
tite herpetiforme, as aas recorrentes, algumas ne- estado. São poucos os dados disponíveis entre nós.
fropatias e artropatias. Trata-se de uma doença me- Atinge predominantemente os indivíduos de cor
diada por mecanismo imunulógico celular podendo branca, mas no Brasil, devido à alta miscige-nação
por isso ser classi cada como uma doença alérgica. racial, já foi descrita em mulatos. Manifesta-se geral-
Doença celíaca (DC) é uma intolerância perman- mente, a partir do segundo ano de vida, deixando
ente ao glúten, denominada também de enteropatia sempre um intervalo livre entre o início da dieta com
glúten-sensível, que se caracteriza por atro a total glúten e o início das manifestações clínicas.
ou subtotal das vilosidades do intestino delgado
proximal, levando, conseqüentemente, à má absorção FATORES AMBIENTAIS
da grande maioria dos nutrientes. A doença pode O principal fator ambiental é a ingestão de glúten. O
atingir pessoas de qualquer idade e sua manifestação glúten é um complexo com mais de 100 proteínas,
depende não só do uso de glúten na dieta, mas tam- sendo as princi-pais: gliadina e glutenina. Geral-
bém, da presença de fatores genéticos, imunológicos mente o glúten é introduzido na dieta da criança
e ambientais. através do trigo, da cevada ou do centeio, nas formu-
Epidemiologicamente é descrita em indivíduos lações com cereais, próximo do desmame, ao redor
de raça branca, principalmente anglo-saxônicos e dos 6 meses de vida ou ao nal do primeiro ano. A
nórticos, com pre-domínio no sexo feminino. É uma criança ingere cerca de 6 a 9 gramas por dia. Quanto
doença de caráter familiar que ocorre em até 20% dos mais precoce o contato, maior a chance de desen-
familiares de 1º grau e com con-cordância de cerca volvimento da doença.
de 75% em gêmeos homozigóticos. A inci-dência A glutenina é metabolizada no intestino tendo pouca
chega a 1:300 na Irlanda e no Brasil, 1:1000 em Curi- parti-cipação da patogênese da DC. Já a gliadina, é
ti-ba. Estudos de triagem na população norte-ameri- um peptídeo re-sistente à ação enzimática intesti-
cana e euro-péia apontam para uma prevalência real nal, que atinge o epitélio e, em parte, é metabolizada
de 1:100. A prevalên-cia têm aumentado em todo o pela enzima transglutaminase tecidual presente na
mundo, com estudos interconti-nentais revelando mucosa, tornando-se reconhecível pelo MHC de
1:200-300 Isto pode ser explicado pela mai-or divul- células T da lâmina própria. Já foram descobertos
gação da doença e de seus sinais e sintomas entre a vários peptí-deos da gliadina considerados tóxicos
comunidade médica e a população em geral. ou imunogênicos inde-pendente de sua forma tridi-
A doença celíaca têm sérias implicações para um mensional. A ativação de diversos clones de células
terço dos pacientes, enquanto a maioria permanece T dá início a uma cascata de eventos que culminará
(por um período) assintomática. Segundo Mulder & em dano epitelial. Estudos demonstraram que tais
Cellier, mais que 60% dos pacientes recém-diagnos- peptídeos estimulam também a resposta inata, tendo
ticados são adultos e 15 a 20% são idosos, mesmo as- a IL-15 um papel central.
sim a doença continua a ser considerada uma doença
da população pediátrica. O fenômeno de latência da FATORES GENÉTICOS
doença é referido por alguns autores como o “ice- A susceptibilidade à lesão após a exposição ambi-
berg” da do-ença celíaca. A doença celíaca resulta da ental de-corre de uma variação poligênica herdada,
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que está relacionada ao complexo maior de histo- chamado de tranglutami-nase tecidual (tTG). A tTG
compatibilidade (MHC), localizado no braço curto é liberada no meio extracelular em momentos de es-
do cromossomo 6. Esta é a região do genoma de tresse mecânico, in amação, infecção ou apo-ptose.
maior importância imunológica contendo cerca de Alguns autores a rmam que a tTG é vista também
200 genes essenciais para o processamento e apre- no epitélio e na super cie intestinal. A tTG é capaz
sentação de antígenos ao linfócito elper. O MHC de modi car peptídeos, modi cando a gliadina e
têm como sua principal função à apresentação de transformando-a em um peptídeo que é reconhecido
antígenos, e é codi cado por moléculas HLA princi- pela molécula HLA-DQ2 (ou DQ8).
palmente do alótipo DQ. Os genes HLA-DQA1*05 A gliadina da dieta atravessa a barreira epitelial do
e HLA-DQB1*02 estão presentes em 90% dos pa- intestino e é exposta à tTG. O complexo gliadina-
cientes celíacos e são responsáveis pelo código do tTG é direcionado a células apresentadoras de
heterodímero HLA-DQ2, envolvido na apresentação antígeno (APC) que carregam o gene HLA DQ2,
dos peptídeos de gliadina ao linfó-cito 1. desencadeando uma resposta in amatória intesti-
O HLA-DQ2 é o haplótipo de HLA presente em nal. As células TCD4 reconhecem este complexo e
até 95% dos celíacos e o DQ8 está presente nos 5% promovem uma resposta 1 ou 2, com secreção
restantes. Outros haplótipos envolvidos são: ausên- de citocinas. Está bem estabelecido que os linfócitos
cia de HLA-DR3/DR7 e pre-sença de HLA-DR5,7. T são predominantemente 1. As citocinas 1 in-
O HLA-DQ2 pode ser codi cado sob a forma cis duzem a liberação de metaloproteinases MMP1 e 3,
ou trans, tendo a forma cis uma associação de 4 a o que culmina na atro a de vilosidades e hiperpla-sia
6 vezes maior com a doença celíaca do que a forma das criptas. O INFγ encontra-se regulado para cima
trans. Con-tudo, o alelo HLA-DQ2 é bastante co- e sendo o principal indutor da resposta 1 e deste
mum na população sau-dável, sendo encontrado em remodelamento te-cidual. A IL-10 também se mostra
até 30% dos caucasianos. Alguns autores sugerem aumentada.
que sua presença é necessária, mas não su ci-ente Na lâmina própria encontram-se células T CD4
para determinar a doença e que outros alelos devem glúten-especí cas e plasmócitos secretores de IgA,
estar implicados. IgG e IgM respon-sáveis pela produção de anticorpos
O alótipo DR3 está envolvido na diabete tipo I e voltados contra peptídeos exógenos e endógenos.
na tireoi-dite de Hashimoto, e os celíacos têm risco Populações de células contendo IgE não se altera,
bastante elevado de desenvolver estas patologias não havendo portanto qualquer anticorpo IgE anti-
e vice-versa. A tipagem de molé-culas HLA serve glúten. A presença de eosinó los é marcante e a
como marcador genético na detecção de fami-liares presença de IL-2 e IL-4 é baixa.
com alto risco para DC. Existe um aumento do número de células T CD8 na
Genes não-HLA também estão implicados. Mutações muco-sa de celíacos tanto em atividade quanto em
no braço longo do cromossomo 5 envolvendo os remissão (45% do total). Nos celíacos, o mecanismo
genes CTLA4, ICOS e CD28 causariam supressão na imune que controla esta po-pulação encontra-se
ação inibitória do CTLA4 sobre a célula T, favorecen- alterado. Postula-se que em indivíduos suscetíveis,
do a doença. o peptídeo 31-43/49 pertencente à gliadina ative
células dendríticas da lâmina própria e induza ao
FATORES IMUNOLÓGICOS aumento da expressão de IL-15. Esta citocina pro-
Parece bem estabelecida a existência de uma resposta move proliferação e ati-vação dos linfócitos T CD8
imu-nológica mediada por célula T contra o intesti- que in ltram a mucosa e são cha-mados linfócitos
no delgado. A doença celíaca é tida como o protótipo intraepiteliais (LIE). Os LIE reconhecem os antígenos
de uma resposta imune mediada pela ativação da re- da gliadina no contexto do MHC de classe I, mas seu
sposta adaptativa e em particular de uma população papel exato na patogênese requer mais estudos. Sabe-
restrita de células T CD4 com MHC de classe II. se que estas células secretam interferon-γ, interleuci-
Postula-se que a doença celíaca seja uma resposta nas 2 e fator de necrose tumoral com papel na lesão
auto-imune voltada contra o endomísio que é uma epitelial. A IL-15 também participa da expansão de
estrutura da ma-triz celular. O antígeno endomisial é células T de memória, célula natural killer e células

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TCRγδ, favorecendo um dano epitelial citotóxi-co. adultos, porém, muitas vezes as manifestações são
aceitas como normais ou são mal diagnosticadas. Isto
CONSEQÜÊNCIAS HISTOPATOLÓGICAS indi-ca que a intensidade dos sintomas é variável.
A mucosa do delgado (duodeno e jejuno proximal) As manifestações clínicas não são imediatas e estão
é a mais acometida. As alterações são estágios con- relaci-onadas ao processo in amatório intestinal
secutivos, sendo classi cadas em: a) in ltrativas: crônico e à síndro-me de má-absorção subseqüente.
vilosidades in ltradas de LIE; b) hiperplásicas: crip- As mais comuns são: fadiga, de ciência de ferro, per-
tas também in ltradas; c) destrutivas: achatamento da de peso, osteoporose, parada do crescimento em
típico da mucosa ocorre em todos os sintomáti-cos; crianças, onde chama atenção à velocidade de cresci-
d) hipoplásicas: lesão irreversível associada a malig- mento zero, intolerância a lactose e dor e desconforto
niza-ção. abdominal. O aumento do abdome chama atenção
Inicialmente, ocorre uma enterite linfocítica, onde a do clínico, pois caracteristicamente, esta é a doença
muco-sa apresenta sua arquitetura normal, porém, da barriga grande. Manifestações extraintestinais
in ltrada por LIE. É considerada linfocitose quando também podem estar presentes como dermatite her-
os LIE ultrapassam 30/100 células epiteliais. Com petiforme, diabetes tipo I, tireoidite de Hashimotoe
a evolução da in ltração ocorre hiper-plasia das calci cações cerebrais. A associação com Sín-drome
criptas. A diminuição da altura das vilosidades é de Down também está freqüentemente relacionada.
compensada pela hipertro a das criptas, que ocupam A função de barreira alterada predispõe a entrada de
quase a toda altura da mucosa. Ocorre uma perda pro-teína heteróloga. A doença celíaca afeta o del-
crônica de células epiteliais com intensa esfoliação gado em locais nobres da absorção. O defeito básico
celular e migração de células imaturas para a su- está na fase epitelial da absorção. Com a progressão
perfície. Justi ca-se então a diminuição de enzimas da in amação o processo pré-epitelial se associa com
da borda em escova e a redução drástica da área perda de superfície ocorrendo perda fecal de sais
ab-sortiva. Por m, ocorre atro a da vilosidade. A biliares e redução na miscelação de gorduras com
atro a é classi- cada como parcial quando a relação conseqüente malabsorção e perda de gorduras pelas
vilosidade/cripta é menor do que 1:1; como subtotal fezes. A etapa pós-epitelial está prejudicada devido
quando a vilosidade está drastica-mente atro ada, ao bloqueio relativo ao escoamento de nutrientes
mas ainda assim reconhecível; e como total quando a devido à in ltração do córion. A exsudação de pro-
vilosidade está ausente ou é rudimentar. teínas e oligoelementos contribuem para as perdas.
Os LIE são células T CD8. A população de T CD8 A diarréia é caracterizada por grande volume nos
que apresenta receptores alfa/beta (relacionada à có-lons, aumento das gorduras que após ação bac-
resposta adaptati-va) aumenta quando a doença está teriana têm efei-to catártico, transudação de água e
em atividade, contudo, a população gama/delta (re- eletrólitos para a luz aumen-tando o conteúdo fecal,
lacionada à resposta imune) têm ele-vação precoce e redução dos hormônios digestivos e enzimas pan-
permanece elevada até após a retirada do de glútenda creáticas e perda de sais biliares por não reabsor-ção
dieta. Os níveis de IL-15 também são permanente- entero-hepática.
mente elevados nestes indivíduos. Esta população de A DC pode apresentar vários quadros clínicos, com
T CD8 é capaz de destruir células dani cadas e induz diver-sos sinais e sintomas. A forma clássica é a que
à in amação in-testinal. Isto também é um fator di- se manifesta nos primeiros anos de vida, com quadro
agnóstico, apesar de inespe-cí co, pois na alergia ao de diarréia crônica, anorexia, vômitos, emagrecimen-
leite de vaca este padrão também é visto. to, comprometimento variável do estado nutricional,
irritabilidade, inapetência, dé cit de crescimento, dor
QUADRO CLÍNICO e distensão abdominal, atro a da musculatura glútea,
As manifestações são variáveis, podendo ser de leves palidez por anemia ferropriva e grande distensão
a graves e debilitantes. Na população pediátrica, os abdo-minal.
sintomas gas-trintestinais são mais freqüentes e cos- Nos últimos anos, vêm se modi cando a apresenta-
tumam surgir entre 9 e 18 meses de vida, geralmente ção clí-nica e a idade do diagnóstico da DC, pois seus
após 3 a 6 meses do início do glúten na dieta. Nos sintomas, mui-tas vezes, são inespecí cos e atípicos,

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principalmente em cri-anças mais velhas e em adul- manas. Nas crianças esta dose de glúten diária entra
tos. Especialmente nas duas últi-mas décadas, com o escondida na dieta, sem conhecimento do paciente.
advento dos marcadores sorológicos para detectar os Geralmente, na dieta de reentrada as alterações são
anticorpos antigliadina, antiendomísio e antitrans- vistas cerca de 96 horas com danos aos enterócitos e
glutaminase, presentes na doença celíaca, os quadros redução das vilosidades, mas apenas após 4 semanas
atípicos e assintomáticos estão sendo reconhecidos e a 3ª biópsia é realizada e o diagnóstico de ni-do.
acompanhados. A pesquisa dos anticorpos antitrans- Contudo, nem sempre o diagnóstico é facilmente
glutaminase deve ser o teste sorológico de escolha obtido, pois o padrão histológico pode apresentar-
tanto para o diagnóstico, como para o controle da se duvidoso ou limí-trofe. Não raro encontramos
DC, devido à sua alta especi cidade e sensibilida-de. a linfocitose intraepitelial e a re-dução da relação
DC latente é como se de ne a condição dos pacientes vilo/cripta. Estes são achados comuns nos pacientes
que apresentam num dado momento, biópsia jejunal suspeitos de ter DC. Por isso, estes danos sozinhos
normal con-sumindo glúten; porém, em outro perío- são pobres preditores do desenvolvimento da doença.
do, podem apresentar atro a das vilosidades intesti- A conta-gem da população de LIE auxilia nos ca-
nais, as quais voltarão ao normal com a utilização da sos onde a interpreta-ção histológica é difícil de ser
dieta sem glúten. Já a DC silenciosa é a condição em obtida. Apesar de inespecí ca, a detecção de CD8γδ
que os pacientes apresentam biópsia alterada, porém apresenta sensibilidade de 93% e especi -cidade de
sem sintomatologia. 88%.
Nas formas atípicas, os sintomas digestivos estão aus- Inicialmente contávamos com as dosagens de an-
entes ou são pouco relevantes, mas aparecem mani- ticorpos anti-reticulina e anti-gliadina que tinham
festações isola-das, como anemia por de ciência baixa sensibilidade e especi cidade. Estudos bus-
de ferro refratária à ferrote-rapia oral, constipação cando um diagnóstico sorológico para a doença
intestinal, osteoporose, esterilidade, baixa estatura ou avançaram e, atualmente, a detecção de anticor-pos
atraso no crescimento. Lesões na mucosa oral ou de- anti-endomisio (AEA) e anti-tranglutaminase (TGA)
feitos no esmalte dentário podem ser os únicos sinais são fortes indicadores de DC. Ambos os anticorpos
pre-sentes nos casos atípicos da doença. apresentam sensibilidade próxima a 100% mas com
especi cidade em tor-no de 85%, sendo os maiores
DIAGNÓSTICO valores encontrados em adultos. O TGA têm sensibi-
Tradicionalmente, o diagnóstico é feito através da lidade e valor preditivo negativo de 100% em adultos,
visuali-zação de vilosidades atro adas em amostras daí seu grande valor na exclusão da doença. Al-guns
do jejuno ou duo-deno distal. O padrão-ouro para o celíacos apresentam-se soro-negativos e talvez isto
diagnóstico se baseia em: atro a vilositária duodenal, esteja relacionado ao tabagismo.
hiperplasia de cripta e linfocitose intraepitelial du- O estudo destes anticorpos revela uma alternativa
rante exposição ao glúten, seguida de normali-zação de tria-gem na população sob maior risco de desen-
da histologia após dieta de exclusão. Na reexposição volver a doença, como diabéticos tipo I, indivíduos
reaparecem os sinais de atro a. com tireoidite auto-imune, com síndrome do in-
Para tal, após a primeira biópsia característica, o pa- testino irritável, etc. A sorologia por ELISA é um
ciente é colocado sob regime rigoroso com exclusão grande facilitador da triagem e do acompanhamento,
total do glúten por um tempo determinado (cerca de mas, apesar da alta sensibilidade e especi cidade, o
dois anos). Com a dieta de exclusão de glúten, a sin- diagnóstico his-tológico ainda é indispensável espe-
tomatologia desaparece, os marcadores imunológicos cialmente nos países do terceiro Mundo, onde outras
cam negativos e a recuperação epitelial começa doenças podem causar atro a vilositária. Estudos re-
rapidamente, mas vilosidades digitiformes podem centes têm utilizado os marcadores soro-lógicos para
demorar a aparecer. Após um tempo determinado, rastreamento populacional. A pesquisa imunoge-
em média após dois anos de dieta, uma nova biópsia nética por HLA-DQ2 ou HLA-DQ8, mesmo não
é feita para documentar a re-generação do epitélio sendo uma prática rotineira, têm se mostrado útil no
intestinal. O paciente é então submetido a uma nova diagnóstico precoce.
exposição diária com 10 gramas de glúten por 4 se- a) Estudos da função digestivo/absortiva

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Os testes de absorção intestinal, como a prova de Há uma tendência progressiva de substituição da


absorção da D-xilose, dosagem de gordura nas fezes biópsia intestinal com cápsula pela biópsia en-
e estudos hemato-lógicos como determinação de fo- doscópica com pinça. Esta tendência se iniciou na
latos nos glóbulos vermelhos, têm valor somente nas Gastroenterologia de adultos e está se estendendo
crianças que apresentam quadro clínico orido de na Gastroenterologia pediátrica. Comparando a
síndrome de má absorção. Recentemente, dois fato- informação obtida de cada uma dessas biópsias, o
res reduziram a importância dos estudos da função fragmento obtido com cápsula permite informações
intestinal como testes de rastreamento para a DC: mais con áveis por-que a biópsia endoscópica é
primeiro, os testes so-rológicos, segundo, o reconhe- habitualmente mais proximal do que a com cápsula
cimento de que pacientes com DC podem ser assin- e as dimensões do fragmento de mucosa obtido com
tomáticos, podendo não apresentar sín-drome de má cápsula são quase sempre maiores que os obtidos por
absorção. Não há alterações especí cas da fun-ção pinça endoscópica.
digestivo/absortiva na DC. O teste da D-xilose, por Classicamente, o estudo histológico da biópsia de
exem-plo, além de apresentar limitações dependen- intestino delgado, obtida de pacientes com DC que
tes do tempo de esvaziamento gástrico e da função estão em dieta com glúten, evidencia mucosa cujas
renal, pode ser anormal em outras doenças como vilosidades intestinais desapa-receram na sua totali-
intolerância à proteína do leite de vaca, enteropatia dade, atro a total, ou que estão reduzidas a pequenos
ambiental e diarréia protraída. esboços que não se destacam da superfície da mu-
Para o diagnóstico da DC é imprescindível a realiza- cosa. Devido à altura da vilosidade não ser superior
ção da biópsia de intestino delgado, sendo a amostra a 50 mi-cras, a relação vilosidade/cripta é menor do
obtida, preferen-temente, da junção duodeno-jejunal. que 1. No entanto, a espessura total da mucosa está
As amostras de intestino delgado podem ser obtidas ligeiramente diminuída, apre-sentando-se com hip-
mediante cápsulas perorais durante a duodenoscopia erplasia críptica com aumento da atividade mitótica.
ou mediante a utilização de uma cápsula de biópsia O epitélio de superfície têm aspecto cubóide, de
de intestino delgado endoscopicamente dirigida. baixa altura, com citoplasma basofílico e com nú-
Apesar de a endoscopia gastrintestinal apresentar a cleos hipercromáti-cos que mostram pseudoestrati-
vantagem de anali-sar visualmente a mucosa, hav- cação e borramento ou perda de seu rebordo na
endo também oportunidade de examinar o esôfago porção apical. A celularidade da lâmina pró-pria está
e o estômago, além de possibilitar a reali-zação de evidentemente aumentada, à custa de uma população
múltipla biópsias do intestino delgado com mínimo celular polimorfa, composta por linfócitos, macrófa-
risco de complicações, as amostras obtidas resultam gos e al-guns eosinó los, destacando-se a quantidade
pequenas, apresentam artefatos por esmagamento e de células plas-máticas.
estão limitadas ao duodeno proximal. Em geral, as Apesar de característica, a aparência histológica da
vilosidades duodenais são mais largas e curtas do mucosa não é especí ca. Pode ser impossível distin-
que as do jejuno, tendendo a rami car-se e, oca- guir a lesão mucosa da DC de lesões que ocorrem em
sionalmente, a se fundir nos extremos. Os critérios alguns pacientes com entero-patia ambiental, sobrec-
mínimos que se podem aceitar como adequados para rescimento bacteriano intestinal, enterite eosinofíli-
a inter-pretação de uma biópsia de intestino delgado ca, gastroenterite viral, linfoma primário de intestino
são a presença de mucosa e a ausência de artefatos delgado ou hipersecreção gástrica grave causada por
tangenciais devido a uma ori-entação inadequada. A gastrino-ma.
maioria das biópsias duodenais que se realizam com Em 1969, a ESPGAN recomendava três biópsias
fórceps endoscópico, não chega a alcançar a ca-mada intestinais para o diagnóstico de DC: a primeira
muscular da mucosa, além do que não está orientada no momento do diagnós-tico, a segunda durante a
antes de ser introduzida no xador correspondente. dieta isenta de glúten para avaliar a normalização da
Estas são algumas das razões porque a ESPGAN biópsia intestinal, e a terceira após a reintro-dução
continua aconselhando que as biópsias de intestino do glúten na dieta para veri car se ocorria reapareci-
delgado obtidas para o diagnóstico de DC sejam real- mento da atro a vilositária.
izada mediante cápsula. Após 20 anos, um grupo de trabalho da ESPGAN

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reconsi-derou os critérios, sendo fundamental para o me-ses do início do desencadeamento. Testes labora-
diagnóstico da DC: 1) presença de atro a vilositária toriais como, anticorpos antigliadina, endomísio da
com hipertro a críptica e superfície anormal do epi- classe IgA e anti transglu-taminase, podem auxiliar
télio, quando há ingestão de quanti-dades normais de para reduzir o tempo de duração do desencadea-
glúten; 2) recuperação clínica total após a retirada do mento. Se não houver alteração característica da
glúten da dieta. A presença de anticorpos antigliadi- arquitetura da mucosa, o paciente deverá continuar
na, antiendomísio e antitransglutaminase, da classe com dieta com glúten e uma nova biópsia deve ser
IgA, no momento do diagnóstico, e seu desapareci- obtida, na ausência de sintomas ou alteração de testes
mento com a dieta sem glúten, conferem maior peso laboratoriais, após dois anos. Se a arquitetura vilosi-
ao diagnóstico. A biópsia de controle para veri car tária permanecer inalterada, este paciente deverá ser
as conseqüências na arquitetura da mu-cosa intes- acompanhado e outras biópsias obtidas se houver
tinal da dieta sem glúten é mandatória somente em sintomatologia ou se os testes dos anticorpos forem
pacientes com resposta clínica duvidosa e naqueles anormais.
com for-mas assintomáticas de apresentação, como A proposta de modi car os critérios diagnósticos
parentes de primei-ro grau de pacientes celíacos e clássicos da DC pode, por um lado, diagnosticar a
pacientes diagnosticados em programas de rastrea- doença em indivíduos não-celíacos mantendo dieta
mento. A prova de desencadeamento com glúten não desnecessariamente por toda a vida ou, o que é mais
é considerada imprescindível, porém deve ser con- perigoso, descartar a existência de DC latente em in-
siderada em certas circunstâncias, como quando há divíduos geneticamente predispostos, cuja primei-ra
alguma dúvida com relação ao diagnóstico inicial, biópsia de intestino durante ingestão de glúten tenha
por exemplo, quan-do não foi realizada a biópsia sido normal. Desta forma, considera que as três bióp-
inicial ou quando esta amostra de biópsia foi inad- sias intestinais são necessárias para o diagnóstico de
equada ou não típica de DC. Também é ne-cessário certeza de DC, enquanto não dispomos de marcado-
o desencadeamento com glúten para excluir outras res tão con áveis como a biópsia.
doenças que podem ser responsáveis pela atro a O desencadeamento não será necessário quando não
vilositária, como intolerância à proteína do leite de existi-rem dúvidas quanto ao diagnóstico de DC pela
vaca, síndrome pós-enterite e giardíase. Como a história clínica, pela primeira e segunda biópsias (an-
maioria dessas doenças ocorre nos dois primeiros tes e depois de dieta sem glúten), pelo risco genético
anos de vida, o desencadeamento com glúten é reco- comprovado (HLA de classe II, DR3 e DQ2) e pelos
mendado em todos os pacientes diagnosticados com antecedentes de um familiar de primeiro grau com
idade inferior a 2 anos. Quanto à idade, aconselha-se diagnóstico de certeza de DC, A provocação com
realizar o de-sencadeamento com glúten após pelo glúten está contra-indicada naqueles indivíduos com
menos dois anos de dieta sem glúten, de preferência doença auto-imune concomitante ou com processos
não antes dos 6 anos de idade, de-vido às alterações crônicos graves.
do esmalte dentário de caráter permanente, sendo
também desaconselhável sua realização durante o TRATAMENTO
estirão puberal. Como a intolerância ao glúten é permanente, o
Para Polanco, a razão principal para a realização da tratamento baseia-se na retirada do glúten da dieta,
segun-da biópsia de intestino, após um período de ocorrendo, geralmente, a remissão total dos sin-
dieta sem glúten, é a de assegurar a normalização tomas. Inicialmente, os pacientes apre-sentam-se
histológica da mucosa intestinal. com mais vitalidade e bem-estar. Em longo prazo, a
Uma vez decidida a realização do desencadeamento adesão à dieta declina assim como surgem às queixas
com glúten, este deve ser feito sob supervisão médi- de de-pressão e monotonia alimentar. É essencial que
ca, precedido por avaliação histológica da mucosa, haja acompa-nhamento por um nutricionista, prin-
utilizando uma dose pa-drão de, no mínimo, 10 g cipalmente para driblar a falta de opções do cardápio
de glúten por dia, sem interromper a dieta habitual. do celíaco dos países em desen-volvimento. A im-
A biópsia deve ser obtida quando houver qua-dro portância social do ato de comer deve ser levada em
clínico evidente ou de qualquer modo após três a seis conta para que a qualidade de vida do paciente seja

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preservada. superfície e expressão de CD8, CD30 e CD103 estão


A realidade que se enfrenta na adolescência é que relacio-nados a elevadas taxas de linfoma de célula T.
25% fa-zem a dieta corretamente, 50% mentem e A não adesão à dieta está relacionada à osteoporose,
fogem rotineiramente da dieta e os restantes 25% doenças auto-imunes se-cundárias e malignidade.
simplesmente saem do programa de dieta. A dosa-
gem dos anticorpos ajuda na caracterização destes CONCLUSÃO
deslizes dietéticos, que sempre re etem na altura - Estudos cientí cos sobre a siopatologia, imuno-
nal do ado-lescente. Esta é a mais forte argumentação genética e aspectos clínicos da doença celíaca ob-
que se têm para convencer um adolescente a seguir a tiveram grande impacto sobre o entendimento da
dieta: crescimento ade-quado. doença nesta última década. A identi- cação do
Atualmente, estudos sobre os peptídeos tóxicos e espectro da lesão mucosa e da presença de auto-
seus sí-tios de ligação na célula T apontam para o anticorpos permitiu diagnosticar e entender o me-
desenvolvimento de peptídeos sintéticos, análogos canismo pato-gênico envolvido na doença celíaca.
aos presentes na gliadina. O uso do RNA poderia A identi cação da suscep-tibilidade genética pode
modi car geneticamente o trigo, suprimindo as se- promover marcadores de diagnóstico e prognóstico,
qüências nocivas, substituindo-as. O objetivo é criar além de melhorar o entendimento sobre a etiolo-gia.
um glúten seguro, sem potencial imunogênico. Contudo, pouco benefício foi acrescentado ao dia-a-
dia dos pacientes celíacos. A dieta isenta de glúten,
PROGNÓSTICO apesar de e -caz, impõe uma restrição alimentar
A doença celíaca é considerada refratária quando e social severa e eterna a estes indivíduos. Frente
os sinto-mas de má-absorção decorrentes da atro a a tantos avanços, novos estudos devem ser elab-
vilositária persistem apesar da aderência a uma dieta orados visando completar as lacunas existentes no
livre de glúten. Entre 0 e 5% dos adultos são refratári- en-tendimento da doença e também novas terapêu-
os ao tratamento. Os pacientes refratá-rios que apre- ticas devem ser priorizadas, visando o bem-estar dos
sentam LIE com ausência de expressão de CD3 de pacientes.

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LEITURA RECOMENDADA
Ciacci, C. et cols. Allergy prevalence in adult celiac disease. Journal of Allergy and Clinical Immunology, 113
(6): 1199-1203, 2004.
Gianfrani, C.; Auricchio, S.; Troncone, R. Adaptive and innate immune responses in celiac disease. Immunol-
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Lähdeaho, M.L. et cols. Celiac Disease: From In ammation to Atrophy: A Long-Term Follow-up Study. Jour-
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Mulder, C.J.J.; Cellier, C. Coelic disease: changing views. Best Practice & Research Clinical Gastroenterology,
19 (3): 313-321, 2005.
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of Gastroenterology, 98 (6): 1326-1331, 2003.

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Artigo de Revisão

ENTEROPATIA DO LEITE DE VACA

Autor: Prof. Aderbal Sabrá

INTRODUÇÃO histológicas, mas com hiperplasia nodular linfóide


A enteropatia à proteína do leite de vaca (LV) já é (HNL) do bulbo duodenal visto e identi cado pela
conhe-cida há mais de 4 décadas. Trata-se de uma endoscopia. Uma sé-rie mais recente mostrou que
síndrome de má absorção secundária a alterações os achados histológicos rotineiros nas amostras de
que ocorrem na mucosa intes-tinal devido a an- biópsia do duodeno eram mínimos, mas o nú-mero
ormalidades da função de digestão e absorção das de nódulos linfóides com linfócitos intra-epiteliais
vilosidades do intestino delgado. Observamos que estava aumentado. As crianças não tiveram nenhum
esta en-tidade clínica ocorre preferentemente em sinal de má ab-sorção, mas uma incidência aumenta-
lactentes jovens sem relação com o uso de glúten na da de intolerância à lacto-se e crescimento retardado.
dieta ou doença celíaca. São pioneiros os trabalhos Para o diagnóstico diferencial devem ser consideras
de Walker-Smith sobre esta doença de-nominada por outras causas de enteropatia com malabsorção (ex:
ele de intolerância à proteína do leite de vaca (cows causa infecciosa, metabólica, linfangiectasia, doença
milk protein enteropathy - CMPE), pois ao se retirar celíaca). Apesar das seme-lhanças, esta enteropatia
o leite de vaca da dieta dos pacientes, os sintomas de- se difere da doença celíaca por se re-solver em 1 a 2
sapareciam. As manifestações clínicas mais comuns anos com tratamento e não têm correspondên-cia
que caracterizam a doença estão associadas à sinto- com futura malignidade das células acometidas. A
matologia da malabsorção. A diarréia persistente e entero-patia à proteína da dieta pode persistir na
os vômitos estão presentes em 2/3 dos casos. Ocorre adolescência, mas a persistência até a idade adulta é
malabsorção e di culdade de ganho ponderal. Out- desconhecida.
ros sintomas como edema, distensão abdominal e al-
gumas vezes anemia também podem estar presentes. EPIDEMIOLOGIA
O diagnóstico é baseado na combinação dos achados Uma diminuição acentuada dos casos de enteropatía
da endoscopia e da bióp-sia, eliminação do antígeno do lei-te de vaca ocorre em todo o primeiro Mundo.
da dieta e o padrão ouro que é o teste duplo-cego. A incidência des-ta entidade clínica diminuiu muito
A biópsia revela danos variáveis às vilosida-des, no Rio de Janeiro nestas últimas décadas, concor-
aumento no tamanho das criptas, linfócitos intra- rendo para isso as melhores condições ambientais
epiteliais, e poucos eosinó los. O mecanismo imune e uma amamentação mais consistente, duradoura e
parece envolver as células T e não é associado com exclusiva. A mudança de comportamento da doença
anticorpos IgE. pode va-riar consideravelmente de comunidade para
Ao longo das décadas seguintes, variáveis da sín- comunidade, rela-cionada aos fatores mencionados.
drome fo-ram sendo relatadas. No nal dos anos 70,
foram identi cados lactentes e pré-escolares com FISIOPATOLOGIA
alergia não IgE sem atro a de vilosidades ou hiper- A alergia ao leite está relacionada com qualquer uma
plasia de cripta, mas com aumento do nú-mero de de suas frações protéicas com destaque para três:
linfócitos intra-epiteliais e algumas vezes eosinó los alfalactalbumi-na, beta-lactoglobulina e caseína. En-
na lâmina própria. Essas crianças tiveram queixas va- tre as caseínas a alfa(s)1-caseína é um dos alérgenos
gas como constipação e diarréia com ou sem anemia, principais do leite.
porém estes sinto-mas não foram imediatos e desa- Decorre da reação alérgica ao leite de vaca a enter-
pareceram após a retirada do LV da dieta. Na última opatía porque o sistema GALT faz da mucosa diges-
década foi apresentada uma pequena série de cri- tiva o seu órgão de choque. A enteropatia ao LV esta
anças escolares com sintomas similares e mudanças associada com as mudan-ças morfológicas e in a-
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matórias severas no intestino. Os acha-dos da bióp- prolongados de baixa ingestão calórica por anorexia.
sia de jejuno são como aquelas na doença celíaca,
embora frequentemente menos pronunciada: há uma DIAGNÓSTICO
atro a vilositária variando do grau II para o grau III, O diagnóstico clínico é feito pela história alimentar,
raramente com grau IV, com hiperplasia e in ama- porém os sinais e sintomas muitas vezes podem con-
ção da cripta com in ltrado linfocitário intraepitelial fundir o diagnós-tico com a doença celíaca.
e na lâmina própria. O número médio de células O teste cutâneo (Skin Prick Test-SPTs) e o RAST são
nas criptas está em média duas vezes maior que o usado freqüentemente, para monitorar possíveis me-
número encontrado em crianças normais. A taxa de canismos envol-vendo Ig-E, principalmente quando
renovação da célula epitelial está muito aumentada pacientes tiverem reações agudas na pele associadas
assim como a taxa mitótica. Também está aumen- com a ingestão ou contato da pele com o leite de
tado o voluma das células da cripta. O número de vaca. Estes resultados por medirem mediação 2
linfócitos intraepiteliais pode estar aumen-tado em são geralmente negativos porque a resposta imu-
até 3 vezes daquele encontrado no intestino normal. nológica mediadora na enteropatía do leite de vaca é
A grande maioria dos linfócitos intraepiteliais é de do tipo 1. Esta-rão elevados o IFN-gama e a IL2.
células CD3+ CD8+ como nos intestinos normais, O padrão ouro para o diagnóstico é feito com o teste
na maior parte do tipo su-pressores citotóxicos. Há du-plo-cego. Com os cuidados habituais de hospi-
um predomínio de linfócitos da li-nhagem TCD4 na talização, depois que o acesso intravenoso é obtido,
lâmina própria, neste ponto diferindo dos celíacos as doses randomizadas do alimento suspeito ou do
clássicos que também têm predomínio dos linfócitos placebo são administradas. O alimento é escondido
TCD8 na lâmina própria. Neste aspecto a lâmina em um outro alimento ou em cápsulas opacas. Este
própria na enteropatía do leite de vaca se assemelha teste só pode ser feito sob supervisão médica e em
o dos indivíduos normais. Entretanto os estudos das ambi-ente hospitalar. Durante o decorrer do teste
citoquinas revelam que há um predomínio de INF-γ os pacientes serão avaliados quanto aos possíveis
sobre a IL-4 o que demonstra um predomínio da sintomas. Os desa os são ter-minados quando uma
resposta 1. reação se torna aparente.
Embora o teste duplo-cego permaneça como padrão
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS ouro para o diagnóstico da AA, os testes abertos
Um número variado de sinais e sintomas pode estar estão sendo usados extensamente em especial com
pre-sente na dependência da AA. As manifestações crianças muito novas. Os testes abertos são feitos
gastrintestinais são as mais freqüentes. A maioria usando uma fórmula infantil adaptada e o período de
dos casos de intolerância às proteínas do alimento na teste é de uma semana. Neste método o médico e a
criança, ocorre nos primeiros meses da vida pela alta mãe sabem que a fórmula dada contém a proteína do
prevalência do uso de leite de vaca nesta faixa etária. leite de vaca. O desa o aberto é iniciado no hospital
As proteínas de leite de vaca e outras proteínas como sob a supervisão do médico. As doses crescentes da
a so-ja, cereais, ovo, e frutos do mar podem causar proteína contida na fórmula são dadas. O paciente
uma síndrome de diarréia crônica, perda de peso pode ser mandado para casa após o pri-meiro dia
e dé cit de crescimento, similar ao que aparece na se ele não apresentar sintoma, ou dependendo das
doença celíaca. Os vômitos estão presentes em até facilidades locais, o teste pode ser continuado no
dois terços dos pacientes. A enteropatía in- amatória hospital. Continua-se com o paciente em casa onde
leva a uma síndrome perdedora de proteínas com as quantidades nor-mais da fórmula infantil são
hipoalbuminemia e anemia freqüentemente encon- consumidas por dia. Os pais gra-vam todas as rea-
tradas nesta síndrome. Os sintomas gastrintestinais ções em um formulário. Se alguma reação ad-versa
tardios podem incluir constipação com ou sem aparecer o paciente será revisto no hospital. O teste
diarréia e dor abdominal periódica. A relação entre é interrompido quando uma reação clínica é obser-
amamentação e os sintomas não são reconhecidos vada. Todos os pacientes são revistos preferivelmente
facilmente. Mais raramente pode estar apenas pre- no hospital a cada inter-valo de sete dias. Os pacien-
sente a perda de peso, em alguns casos com sintomas tes com resultado negativo continu-am a consumir

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o leite de vaca a m de avaliar a tolerância em longo é ca-racterística típica da HNL relacionada à AA. No
prazo e revelar todos os resultados falso-negativos. O íleo terminal a HNL está geralmente restrita a uma
diagnóstico é con rmado geralmente um mês após área de 10 a 15 cm próxi-mo à válvula íleo-cecal. As
ter-se inici-ado o procedimento, devido à observação lesões estão geralmente presentes também no cólon
que a reação media-da por células pode ser lenta e transverso. Os nódulos podem estar espalha-dos ou
aparecer até três semanas do início do teste de ex- se concentrar em poucos pontos. As úlceras aosas,
posição ao alérgeno. erosões, gastrites, duodenites e os diferentes tipos de
Os achados da biópsia jejunal são similares àqueles colites são achados macroscópicos adicionais, raros
na do-ença celíaca, mas são geralmente menos pro- neste tipo de ente-ropatía, porém mais presentes na
nunciados. São característicos um grau variado de hipersensibilidade alimentar.
atro a das vilosidades com hiperplasia das criptas, e
in ltrado linfocitário da lâmina pró-pria e intraepite- TRATAMENTO
lial. Freqüentemente, as lesões têm uma distri-buição A base do tratamento consiste na retirada do an-
super cial. tígeno da dieta como no caso o leite de vaca. O
A endoscopia não parece revelar nenhum achado aleitamento materno é aconselhável em toda criança,
compatí-vel com hipersensibilidade alimentar. O desde o nascimento até os seis meses de vida. Em
achado mais sugestivo é a HNL. Este achado embora famílias potencialmente alérgicas o leite humano é
não seja patognomônico é bas-tante sugestivo de AA obrigatório. Sabe-se que mais de 50 % das crianças
mediada por 1 e re ete a tumefação das placas de com alergia ao leite de vaca desenvolvem também
Peyer como resultado da resposta alérgica no íleo intolerância a proteína de soja, por este motivo à
terminal. Este achado é o mais comum em todas as substituição do LV pelo leite de soja não é indicado.
crianças com AA e em crianças mais velhas com rea- Esta é uma realidade da intolerân-cia a soja na aler-
ção tardia. A en-doscopia pode não revelar nenhuma gia não-IgE. As fórmulas extensamente hidro-lizadas,
outra alteração. Crianças com AA podem apresentar com amino-ácidos exclusivos são indicadas. As
HNL em outras partes do tubo di-gestivo, como no fórmu-las parcialmente hidrolisadas não são bem tol-
bulbo duodenal, esparsamente no delgado ou em eradas por conte-rem peptídeos grandes o bastante
qualquer segmento do cólon. Uma distribuição distal para desencadear uma res-posta alérgica.

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LEITURA RECOMENDADA
Augustin, Merja. Cytotoxy Lymphocytes in Children´s Cow’s Milk Sensi-tive Enteropathy of Delayed Type,
University of Oulu, Finland, 2005 p.28-32
Campbell, D. I.; Murch, S. H.; Elia, M.; Sullivan, P.B.; Sanyang, M. S.; Jobarteh, B. and Lunn, P. G. Chronic T
Cell–Mediated Enteropathy in Rural West African Children: Relationship with Nutritional Status and Small
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E. Savilahti AND M. Westerholm-Ormio. Gut In ammation and Ex-traintestinal Manifestation of Food Al-
lergy Journal of Pediatric Gas-troenterology and Nutrition. 2004 39:S742–S743
Guide for Paediatricians on the Diagnosis and Treatment of Severe Cow Milk Allergy and Multiple Food
Protein Intolerance in Infancy
Kokkonen, Jorma Md, Phd, Haapalahti, Mila, SC, Laurila, Kaija Msc, Karttunen, Tuomo J. Md, PhD, and
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Artigo de Revisão
ENTEROCOLITE, PROCTOCOLITE E
PROCTITE INDUZIDAS PELAS
PROTEINAS DA DIETA
Autor: Prof. Aderbal Sabrá

INTRODUÇÃO entes com reações gastrintestinais induzidas por leite


A Enterocolite, a Proctocolite e a Proctite são formas de vaca. Além disso, dife-renciam-se grupos com a
dis-tintas de apresentação clínica de um mesmo tipo doença em atividade, mostrando dois picos na elabo-
especí co de resposta imuno-alérgica induzida nos ração de TNF-α. Sendo um imediato e outro tardio.
indivíduos pelas proteí-nas da dieta. Foi examinada por imunohistoquímica a presença
A enterocolite induzida nas crianças pela proteína do de TNF-α na biópsia duodenal em crianças com a
leite de vaca e da soja já se conhece por décadas. Os síndrome da entero-colite induzida pela proteína da
sintomas co-meçam tipicamente no primeiro mês de dieta, que se mostrou aumen-tado. Análises semi-
vida, de forma gradual vão se acentuando e no seu quantitativas revelaram que o TNF-α permanece
agravamento podem evoluir à aci-demía e ao choque. mais alto em crianças afetadas com atro a das vilosi-
A resolução do quadro clínico ocorre de-pois que a dades, quando comparadas com aquelas sem atro a e
proteína causal é removida da dieta, mas retornam as de controle com biópsias normais.
com o teste padrão característico da re-exposição. Os Sabe-se que a citocina reguladora TGF-β1 além de
sintomas ocorrem aproximadamente 2 horas após a modular inibitoriamente a reação 2, age protegen-
introdução da prote-ína na dieta, seguido de elevação do a barreira epiteli-al dos intestinos das penetrações
da contagem de linfócitos e polimorfo-nucleares no de proteínas estranhas. Foi demonstrado que o recep-
sangue periférico. Os sintomas imedia-tos são vômi- tor para TGF-β1 estava diminuído nos fragmentos da
tos, diarréia, letargia e a hipotensão periférica. O dis- biópsia duodenal nos pacientes com a síndrome da
túrbio imunológico que desencadeia o processo têm enterocolite induzida pela proteína da dieta.
media-ção celular, sem envolvimento da mediação A participação ativa do TNF e do TGF induzem
por IgE. Outras proteínas além da do leite e da soja claramente as bases imunológicas para uma media-
podem também provocar a enterocolite, com curso ção 1, porem são ne-cessários mais trabalhos para
clínico prolongado e início na infância. A terapêutica elucidar a intimidade das bases imunológicas des-
repousa na retirada da proteína alergênica da dieta. sas doenças: tanto no que diz respeito ao dé- cit da
resposta do TGF-β1 como na ação do TNF-α, eluci-
FISIOPATOLOGIA dando a importância desses fatores na patologia da
Os estudos recentes sobre a resposta imune me- enterocolí-te,da proctocolite e da proctite causadas
diada pelos linfócitos T CD4 da linhagem TH1, em pela proteína na dieta.
casos de enterocolite induzida pelas proteínas da
dieta, mostram que dentre as cito-cinas produzidas PATOGENIA
têm papel importante nesta patologia a produ-ção Sabe-se que proteínas estranhas assim como a pro-
aumentada do TNF-α, que secretado na circulação, teína do leite de vaca que são ingeridas pela mãe
após a ingestão de proteínas especí cas do leite de passam para o leite materno, sendo responsável por
vaca, aumentam a permeabilidade intestinal, assim estas desordens imunológicas não-mediadas por IgE.
contribuindo para o in uxo do antígeno na submu- Em 40% dos casos, estas clínicas são vista em cri-
cosa com ativação especí ca do sistema de resposta anças alimentadas por fórmula ou tomando leite de
imunológica e com conseqüente sensibilização do vaca ou soja. A resposta imune mediada por célula,
sis-tema de resposta linfocitário. observada em segmentos afetados do cólon e do reto,
Foi encontrado TNF-α nas fezes em concentrações têm uma típica pre-dominância de 1/CD4 com
aumen-tadas, após o teste positivo do leite, nos paci- envolvimento de IL-2, IFN-gama e TNF-alfa.
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As lesões gastrintestinais estão con nadas em uma diagnóstico ca estabelecido. Concomitantemente


peque-na parte do intestino ou do reto e a endosco- com a prova de enfrentamento, o exame das fezes
pia revela edema de mucosa com eosinó los no epi- revela indícios de enterocolopatia in amatória: fezes
télio e na lâmina própria. Se as lesões forem severas diarréicas com aumento dos leucócitos e presença de
com destruição das criptas, leucócitos polimorfonu- sangue e elevação da alfa1anti-tripsina fecal.
cleados também são proeminentes. São freqüentes os Geralmente não se faz biópsia. Quando realizada,
achados de abcessos de cripta na mucosa colônica e mostra na mucosa do delgado edema, in amação
o en-contro de nodularidade na mucosa indicando aguda e leve lesão vilositária, com atro a vilositária
hiperplasia nodu-lar linfóide. e nos cólons pode revelar: abscessos de cripta e
in ltrados in amatórios difusos com proeminentes
DIAGNÓSTICO CLÍNICO plasmócitos.
As bases do diagnóstico clínico dependem do órgão Estudos imunológicos evidenciam resposta 1 com
de choque, seja este o intestino delgado, o intestino elevação de fator de necrose tumoral alfa, que pareça
delgado e o grosso, apenas o cólon ou se apenas um ser o responsável pela enteropatía e os sintomas
segmento desse intes-tino como o reto. sistêmicos.
a) Enterocolite induzida por proteína da dieta Considerando a alta prevalência das proteínas do
Nesta circunstância a enteropatia acomete indistinta- leite de vaca e da soja na origem do problema e por
mente tanto o intestino delgado como os cólons. Os tratar-se de alergia mediada por 1, o que cria
sintomas nos lac-tentes são semelhantes, porém mais uma alta refratariedade à maioria das proteínas da
graves do que na enteropa-tia por proteína, porque dieta, recomenda-se um tratamento com fór-mula de
envolve tanto o delgado como o cólon. aminoácidos. Recomenda-se retardar a introdução
A proteína do leite de vaca é a causa mais freqüente, de outros alimentos alergênicos, especialmente grãos.
mas metade dos pacientes também reagem à soja. A maioria das crianças supera a alergia após 2 ou 3
Também pode ser alergênicos o arroz, a aveia e out- anos de tratamento.
ros grãos de cereais e também outras carnes animais
e de aves. PROCTITE E PROCTOCOLITE INDUZIDA
Durante a ingestão crônica ou intermitente, po- POR PROTÉINA DA DIETA
dem ocorrer vômitos e diarréia, que de acordo com A proctite é a in amação do revestimento interno
a gravidade podem le-var à desidratação, letargia, do reto (mucosa retal) enquanto que a proctocolite
acidose e metahemoglobinemia. Os lactentes podem apresenta além das lesões no reto, alterações idênti-
parecer septicêmicos o que se resolve com a elimina- cas no sigmóide e cólon adja-cente em direção ret-
ção da proteína agressora da dieta. rograda. Os lactentes têm aparência saudá-vel, mas
A reintrodução do agente causal demora cerca de com manchas ou estrias de sangue misturados com
2 horas para dar início a sintomas dramáticos que muco nas fezes. Este achado pelas mães é alarmante
serão usados para con rmar o diagnóstico pelo o que as leva a procurar imediatamente seu médico.
enfrentamento oral (20% levam ao choque). Este Os sintomas ocor-rem nos primeiros meses de vida
procedimento de diagnóstico é sempre feito em am- (média de 2 meses). Além da perda fecal de sangue,
biente hospitalar. caracteristicamente sob a forma de es-trias, o lactente
O diagnóstico e feito por uma abordagem completa jovem pode apresentar-se irrequieto, irritado e não
que se inicia com uma e cuidadosa anamnese e raro têm cólicas e golfa com freqüência.
exame físico. Nesta avaliação clínica buscamos A primeira observação na proctite causada por dieta
afastar as outras causas de entero-colopatia não pro-téica, na maioria das vezes, são raias de sangue
alérgica. Segue-se da prova terapêutica, com a obser- nas fezes nos primeiros meses de vida, apesar da cri-
vação da melhora com a retirada do alimento agres- ança parecer saudável com crescimento normal, sem
sor da dieta. A seguir, com o paciente clinicamente vômitos ou distensão abdominal. Aproximadamente
bem, procede-se em ambiente hospitalar à prova 60% dos casos são observados em bebês amamenta-
do enfrentamento com a prote-ína ofensora. No dos ao seio, não esquecendo que estas entidades po-
enfrentamento ocorrem os sintomas da doen-ça e o dem ocorrer em crianças maiores alimentadas com

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leite de va-ca ou fórmula de proteína de soja. A perda forem positivos, o risco para uma reação ana lática é
de sangue é geral-mente modesta, mas ocasional- maior, o que requer uma alteração na conduta diag-
mente pode produzir anemia manifestada como nóstica e terapêutica.
palidez e cansaço. Está bem determinado que um desa o con rmatório
As proteínas do leite de vaca e menos comumente a não seria preciso quando os sintomas típicos ocor-
prote-ína da soja são as desencadeantes principais. rem após a inges-tão do alimento (particularmente
A maioria das crianças está em aleitamento ma- quando esta correlação ocorre mais de uma vez) e
terno exclusivo e são sintomá-ticos em decorrência não há nenhuma outra explicação para que ocorram
da ingesta materna destas proteínas. Esta reação já os sintomas. Conseqüentemente, a necessidade para
foi descrita em crianças que recebem hidrolisados um desa o oral com o alimento para con rmar o
protéicos. diagnóstico pode ser desnecessário, levando-se em
O exame endoscópico é frequentemente adiado, conta os riscos e o cus-to benefício do teste. Uma vez
mas quando realizado pode mostrar de colite focal a estabelecido o diagnóstico, a reintrodução das proteí-
difusa, com edema e erosões. A biópsia revela in l- nas é lenta e gradativa. Nestas circuns-tâncias testes
trado eosinofílico, ab-cessos de cripta nos cólons e de reintrodução podem ser necessários. Esta mo-
hiperplasia nodular linfóide. dalidade de conduta é também usada para monitorar
O mecanismo íntimo da resposta imune não está o desen-volvimento da tolerância.
comple-tamente elucidado, mas os dados disponíveis
indicam ser um processo mediado por 1 e que TRATAMENTO
não se associa com anticor-pos IgE, cuja dosagem é Os casos se resolvem com dieta apropriada, tanto
normal no sangue periférico, sendo o RAST caracter- para a mãe como para as crianças. É mandatório
isticamente negativo. suspender o uso da proteína agressora. Esta dieta na
O diagnóstico é assegurado pela evidência de boa mãe e na criança pode ser tão rigorosa, nos casos que
resposta clínica à dieta isenta da proteína causal. Para não respondem à simples retirada do leite de vaca, da
os amamentados ao seio é necessá-ria restrição da soja, do ovo e do amendoin da dieta, que po-de ser
ingesta materna de leite de vaca ou de qualquer outra necessária a introdução das proteínas sob a forma de
proteína suspeita como alergizante. Se as manipula- amino-ácidos, devido a refratariedade aos hidrolisa-
ções alimentares não resolvem o sangramento, então dos protéi-cas contidos nas fórmulas hipoalergênicas,
se tenta uma fórmula de aminoácidos, pelas mesmas que contêm frações de partículas protéicas e mantêm
razões já apresentadas anteriormente. a resposta alérgica, devido à memória celular estar
O sangramento deve se resolver dentro de 72 horas ativada e ser muito mais seletiva que a memória
da ex-clusão da proteína. Esta doença deve se resolv- humoral.
er por volta de 1 a 2 anos de idade, e a proteína pode Em situações muito especiais está indicada a uti-
ser gradualmente reintro-duzida monitorizando-se o lização de clister de corticóide que com facilidade
sangramento visível. chegam às porções afetadas pela doença. Raramente
será necessário usar imunos-supressores por via
DIAGNÓSTICO COMPLEMENTAR sistêmica.
Os testes cutâneos são tipicamente negativos, mas se

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Journal of Food Allergy - Junho 2014 - Volume 3 - Número 2

LEITURA RECOMENDADA
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