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O autismo não está somente no cérebro, é também uma doença do intestino e do sistema
imunológico. Esta surpresa está dando luz para novos tratamentos para o corpo inteiro que
oferecem esperança de um medicamento melhor. Jill Neimark
“ Houve dias nos quais pensei em fechar a porta da garagem e deixar o carro
funcionando até que estivesse morta” diz a mãe Erin Griffin, de Massachusetts, da época de
11 anos atrás quando ela soube que seus dois filhos – não somente o primogênito – sofriam
de autismo. Brendan, seu filho mais velho, moreno de rosto angular, foi diagnosticado em
1996 aos 4 anos de idade. Kyle, seu filho mais novo de olhos castanhos claros e rosto
redondo, foi diagnosticado em 1998 com 2 anos e meio de idade.
Mas a história de Kyle e Brendan não tem um final trágico. Depois de intervenções que
incluíram terapia ocupacional e fono, assim como mudanças de dietas e suplementos
nutricionais, ambos os garotos melhoraram muito. A narrativa da recuperação lenta e firme
reflete o cenário modificado do autismo nos dias atuais. A condição, vista tradicionalmente
como genética e originada no cérebro, está começando a ser vista sob uma luz mais ampla
e diferente , como uma possível desordem imuno e neuro-inflamatória. Enfim, o autismo
começa a ser uma condição que pode, em alguns e talvez muitos casos, tratado com
sucesso.
São notícias surpreendentes sobre uma desordem que normalmente causa manchetes
porque seu crescimento está expandindo rapidamente. Nos Estados Unidos o espectro de
desordens diagnosticadas como autismo aumentou dez vezes o limite das duas décadas
passadas e o Estado da Califórnia relatou um aumento de 12 vezes durante o mesmo
período. Um relatório de 2007 do Centro de Controle e Prevenção de Doenças sugeriu que
uma em cada 150 crianças está agora na esfera do autismo. Esta explosão de casos levantou
inúmeras questões: este aumento é verdadeiro, é o resultado do aumento da consciência e a
expansão das categorias diagnosticadas, é devido às mudanças ambientais ou todos os itens
acima? Não há resposta simples. Mas a preocupação pública com o autismo chamou a
atenção dos congressistas. A Lei do Combate ao Autismo, aprovada pelo Congresso no
final de 2006, autorizou quase $1 bilhão de dólares nos próximos quatro anos para pesquisa
e intervenção relacionada ao autismo. Como parte do recente decreto de Recuperação e
Reinvestimento Americano, o Instituto Nacional de Saúde (INS) disponibilizará outros 60
milhões de dólares para pesquisa do autismo – incluindo estudos para investigar os fatores
ambientais e o sistema imunológico . Enquanto isso, nos bastidores dessa discussão incerta
– imunologistas, naturopatas, neurocientistas e toxicologistas – estão descobrindo pistas que
estão produzindo novas estratégias para ajudar os pacientes autistas. Novos estudos estão
examinando fatores propícios, que variam de reações de vacinas ao crescimento atípico na
placenta, tecido anormal no intestino, tecido cerebral inflamado, alergias a comidas e
sincronia desordenada nas ondas cerebrais. Alguns clínicos estão usando resultados de
testes genéticos para recomendar terapias nutricionais não convencionais e outros remédios
que combatem viroses e abranda inflamações. Acima de tudo, há uma ênfase nova na
interação entre genes vulneráveis e os estímulos ambientais, junto de uma percepção
crescente que exposições multi-tóxicas e infecciosas podem ser um fator importante para
propiciar o autismo e desordens relacionadas. Uma analogia brilhante é que os genes
carregam a arma porém o meio ambiente puxa o gatilho.“Como o câncer, o autismo é uma
doença muito complexa” – diz Craig Newschaffer, diretor da cadeira de Epidemiologia e
Bioestatística da Universidade Pública de Brexel –“ e é excitante começar a questionar
sobre a interação entre genes e o meio ambiente. Realmente há uma serie de variáveis com
revelações potenciais.”Por um lado, o campo parece ser livre para todos,
surpreendentemente desordenado porque é recheado de muitas possibilidades. Mas pode-
se extrair algumas percepções revolucionárias. Em primeiro lugar, o autismo não pode ser
determinado de forma rígida mas sim ser relacionado com variantes de genes comuns
chamados polimorfismos que podem ser influenciados por gatilhos ambientais. Em
segundo lugar, os genes afetados podem atrapalhar os ciclos fundamentais no corpo e
conduzir à inflamação crônica do cérebro, do sistema imunológico e digestivo. Em terceiro,
a inflamação é tratável. ( Alguns pesquisadores acreditam que a inflamação é a raiz do
processo de envelhecimento também).
“Apesar de tantos anos de suposições que uma desordem cerebral como esta não é tratável,
nós estamos ajudando as crianças a melhorar. Então não pode ser apenas genético, pré natal,
inato e incurável”, diz a neurologista pediatra de Harvard, Martha Herbert, autora de um
artigo de14.000 palavras no periódico médico de Neuropsiquiatria Cíinica que redefine o
universo do autismo, rebaixando o cérebro de sua posição privilegiada como órgão isolado
do resto do corpo. Herbert é bem qualificada para esta tarefa, uma intelectual...que ganhou
um PHD com uma dissertação sobre Psicologia do Desenvolvimento de Jean Piaget e aí
então foi cursar medicina mais tarde, ao completar 30 anos de idade.
“Não considero mais o autismo como uma desordem do cérebro, mas como uma desordem
que afeta o cérebro”, diz Herbert. “Afeta também o sistema imunológico e o intestino. Uma
prova concreta que muitos de nós observamos é que quando a criança autista vai se
submeter a certos testes de diagnósticos e pede-se para não beber ou comer nada antes do
exame, os pais relatam que os sintomas das crianças melhoram até começarem a comer de
novo depois do procedimento.”
Se os sintomas podem melhorar em tão curto espaço de tempo simplesmente por evitar
exposição aos alimentos, então estamos presenciando um tipo de “software” acionado
quimicamente – talvez por sinais do sistema imunológico – que pode mudar com rapidez.
Isto quer dizer que, pelo menos alguns casos de autismo, originam-se de uma espécie de
encefalopatia metabólica – um processo sistêmico que afeta o cérebro assim como a cirrose
do fígado afeta o cérebro.”
Em 1943, o psiquiatra Leo Kanner, da Universidade Johns Hopkins, descreveu inicialmente
o autismo como uma coleção de sintomas célebre: convívio social restrito, comunicação
verbal e não-verbal limitada e comportamentos repetitivos. Naquela época o autismo era
considerado raro; inicialmente Kanner estudou somente 11 pacientes e a Universidade ainda
tem registros de cerca de 150 pacientes que ele examinou no total. Mesmo dentro deste
pequeno grupo, outros sintomas menos evidentes foram evidentes. Em seu estudo de 1943,
“Distúrbios Autísticos de Contato Afetivo”, Kanner mencionou problemas digestivos e
imunológicos mas não incluiu-os no diagnóstico. Assusta-se ao ler frases tiradas de vários
casos: “amídalas grandes e irregulares...ela era alimentada por tubo cinco vezes por dia...ele
vomitava todos os alimentos desde o nascimento até o terceiro mês...ele tinha resfriados
frequentes e otites média...”