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Alfredo Jerusalinsky: Novas

esperanças para os autistas


Pesquisas e acontecimentos muito recentes levantam auspiciosas
esperanças para o futuro dos autistas
03/04/2017 - 10h10min | Atualizada em 03/04/2017 - 10h10min

Alfredo Jerusalinsky é psicanalista, membro da Associação Psicanalítica de


Porto Alegre. Doutor em Desenvolvimento Humano (USP).

Pesquisas e acontecimentos muito recentes levantam auspiciosas esperanças


para o futuro dos autistas. A pesquisa realizada pelo doutor Michel J. Meaney, na
Universidade McGill, Montreal, Canadá, verifica como os cuidados maternos sobre
a prole de ratos podem permitir ou impedir que a sequência do gene que sintetiza
os glicocorticoides seja transcrita para enviar sinais ao cérebro inibindo a produção
de CRH (hormônio liberador de corticotrofina, para dar resposta fisiológica ao
estresse). Pela sua vez, esse circuito epigenético regula a secreção pela hipófise de
ACTH que incide sobre o estresse. O doutor Alexandro Ayala, pesquisador dos
National Institutes of Health, nos Estados Unidos, verificou os mesmos resultados
em macacos rhesus. Ou seja: o teor dos cuidados maternos provoca que
determinados genes do DNA, embora não se modifiquem, se expressem ou não de
modo a causar diferentes reações afetivas e condutais no filhote pela via
epigenética. A precocidade na intervenção sobre a relação mãe-filho tem efeitos
que, apesar da constituição genética, pode moldar esse vínculo de forma mais
adequada às necessidades do bebê e de forma mais concordante com o
environment.

Por isso, devemos celebrar que em 29 de março deste ano tenha se aprovado
em caráter terminativo na Câmara de Deputados o PL 5501/13 que obriga o SUS a
adotar um protocolo para detecção precoce de risco das doenças psíquicas de 0 a 18
meses. Cabe lembrar que é a psicanálise a disciplina clínica que desde mais antiga
data sustenta o caráter estruturante das experiências primárias, desenvolvendo
modos de intervenção precoce de efeito terapêutico onde a saúde mental aparece
ameaçada.

O número de crianças diagnosticadas como autistas tem crescido


vertiginosamente nos últimos 40 anos. De um autista para cada 20 mil crianças na
década de 1970 passou-se, na atualidade, a um autista a cada 68 crianças. Quais as
razões para tão surpreendente expansão? Vários fatos contribuíram para isso. A
mudança de critérios diagnósticos: a supressão da categoria de "psicoses infantis"
que implicou a migração de essas crianças para engrossar a população autista, a
diversificação e aumento da quantidade de indicadores, a criação do conceito de
Transtorno do Espectro Autista (TEA) que engloba crianças do mais alto ao mais
baixo rendimento intelectual e com personalidades muito diferentes cujo
agrupamento somente se justifica por partilharem da prevalência de automatismos
mentais e comportamentais que dificultam severamente suas relações familiares e
sociais. Cabe considerar, de acordo com estudos produzidos pela OMS e pela
Organização dos Estados para o Controle Demográfico (organismo da UN), o
significativo deterioro dos cuidados primários provocados pelas migrações
constantes e forçadas, com o consequente aumento da miséria e da quebra da
inserção cultural, e também pela desestruturação familiar. O deslocamento da
média do momento da procriação para idades mais avançadas (o que aumenta o
risco de erros genéticos). Transformação do papel social da mulher, ora desejosa de
legitimar sua qualificação e sua autonomia, ora obrigada a participar do mercado de
trabalho para contribuir à sustentação familiar, o que leva à terceirização cada vez
mais frequente da função materna, com um forte crescimento da proporção de lares
monoparentais com ausência do pai. A proliferação de artefatos eletrônicos de alta
performance que substituem a presença dos pais e dos semelhantes nas brincadeiras
infantis, brincadeiras imprescindíveis para os processos de socialização da criança.

Há consenso acerca da complexidade causal no autismo, o que gera uma


grande diversidade nas formas de sua apresentação clínica e um conjunto extenso
de comorbidades, ou seja, que ele pode se manifestar conjuntamente com outras
afecções genéticas ou neurológicas.
Sabe-se hoje que há um vasto conjunto de variantes genéticas (contabilizam-se
nisso algo mais de 200 genes que podem se apresentar em combinações diversas)
que têm correlação com manifestações autistas ou com predisposição para
desenvolver essa condição psíquica. Porém, aproximadamente uma terceira parte
dos autistas não possui essas variantes que podem se considerar patogênicas.

O volume e importância dos fatores psicossociais que enumeramos acima


impõem uma interrogação acerca de sua possível incidência na etiologia do
autismo. Sobretudo perante a alta coincidência que observamos entre a presença
desses fatores e o desencadeamento do autismo. Nessa mesma direção testemunha
o registro de maiores níveis de recuperação em quase todos os tipos de autismo
quanto mais cedo acontece a intervenção terapêutica. Isso vem, per se, a
demonstrar não somente a neuroplasticidade dos fenômenos maturativos, mas
também a permeabilidade que, pela via epigenética, vem a relativizar a
determinação genética.

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