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5HVXPR O presente estudo procura fazer uma leitura de poemas de Cora Coralina que
têm como temática os becos da cidade de Goiás. Os becos são espaços geográficos em
que sobressai uma paisagem humana e social. As imagens transitam em tempos
$EVWUDFW The present study tries to interpret Cora Coralina's poems, which bring as
theme the side-streets of Goias city. The side-streets are geographic spaces
on what it is excelled a human and social portrait. The images move on
specific times joined by the necessity of living presently a distant past.
1
Professora da Universidade Federal do Tocantins, Doutora em Literatura Brasileira, pela Universidade
de Brasília.
2
4
CORALINA, Cora. 3RHPDV GRV %HFRV GH *RLiV H HVWyULDV PDLV. São Paulo: Círculo do Livro, 1989
pp.62-63. A partir desta nota, irei fazer referência a esta obra como PBGEM e o número da página.
Como objeto da enunciação, os becos são observados e amados. Em uma
linguagem de elaborada naturalidade, vai sendo exposta a vida interna dos becos. Uma
identidade sem ornamentos, pobre do beco contrasta com a beleza e leveza da
estruturação poética.
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direção de sua autodestruição. A miséria nunca vem só, com ela vem à dor, o
amadurecimento precoce, a doença, a humilhação e a morte. É por isso que nos becos
tem “poesia e drama”, pois ”versos não são sentimentos, mas experiências”,7
presenciadas e/ou vivenciadas. Lembranças esquecidas na memória que brotam e são
recriadas em palavras.
O segundo adjetivo, “ausente”, remete-se à temporalidade e à falta, à paisagem de
outrora que não existe mais. Inconfundível com a do presente, mas em condições
semelhantes de degradação humana, diante de uma realidade sórdida. A imagem
passada está sempre intermediada pelo presente. Um presente que transcorre dentro de
uma monotonia, dissipada de emoções palpitantes. São imagens pontuadas pelo
sombrio, constante nas quatro primeiras estrofes. As seis últimas estrofes constam cenas
de lembranças passadas, em ritmo mais acelerado, ações, acontecimentos e estórias.
O poema apresenta uma seqüência de cenas em movimento, de tensões, de
paixões e de sensações paradoxais de vida. Primeiro são as impressões visuais, um olhar
decorativo que embeleza e que ornamenta os monturos com palavras em que o escuro é
momentaneamente modificado por uma claridade dourada, fugidia e alcança uma beleza
fugaz. Esta define-se pelo ângulo daquele que a observa. O olhar contemplativo,
imprimido de sensibilidade muda não à consistência, mas a aparência da forma. A
temporalidade provoca o fazer e o desfazer da beleza: apenas ao meio-dia uma réstia de
5
PBGEM, pp. 61-62.
6
PBGEM, pp. 61-62..
7
(a arte) implica em uma experiência. In: ARRIGUCCI JÚNIOR, Davi. +XPLOGDGH SDL[mR H PRUWH D
São palavras de Rilke, citadas por Maurice Blanchot ao comentar sobre o processo de criação. A poesia
criança, tão “pequeno para ser homem” e tão “forte para ser criança”. Justifica por não
poder deixar de dizer aquilo que vê de errado: “Amo e canto com ternura/ todo o errado
da minha terra”.A cidade de Goiás, em seu presente e em seu passado, carrega as
marcas de seus erros. O pronome indefinido “todo” permite o desdobramento do
presente para o passado, e como se atendesse a um chamado provocativo, o sujeito
enunciativo desliga-se do presente e se reintegra ao passado. Nomeia todos os becos que
serão objeto de seu lembrar. O poema passa a ter um ritmo mais intenso. Abandona o
processo descritivo e assume o narrativo.
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8
PBGEM, p. 62.
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As mulheres perdidas na/da vida são presas pelas armadilhas da profissão mais
antiga da sociedade: a prostituição, refugo humano que baixa nos “becos úmidos e
pecaminosos”. Castigadas, humilhadas, golfando sangue, as mulheres perdidas dividem
o mesmo espaço com “assombrações” nas “altas horas, mortas horas”. Expurgadas,
baixam em todos os níveis, perdidas não se recuperam, apenas nas lembranças de uma
velha anciã que, ao nomeá-las, fazem-nas renascer nas estórias dos becos mal-afamados
onde há lugar cativo para os bailaricos, para a sina sifilítica, engalicada, amores ilícitos,
prazeres rompidos de sensualidade, mas cheios de dramas. Os becos são lugares naturais
dos resíduos sociais e sobrenaturais que povoam o imaginário popular. Sua gente do
pote de água e pés no chão representa signos culturais de uma época. Românticos e
pecaminosos pela imaginação e mistérios que suscitam.
Para reforçar a condição de drama vivido por mulheres perdidas, e a forma de
relato enquanto lembrança, Cora Coralina utiliza-se de recorrências, acrescentando os
vários designativos a elas empregados na linguagem prosaica. A mulher da vida é a
meretriz venérea, a prostituta, mulher-dama. Elas fazem parte de uma paisagem do
passado, compondo um cenário de diferenças sociais nítidas.
Michelle Perrot ao comentar sobre as mulheres na cena pública expõe a diferença
de julgamentos entre a mulher e o homem públicos e a fragilidade da condição
feminina. “O homem público, sujeito eminente da cidade, deve encarnar a honra e a
virtude. A mulher pública constitui a vergonha, a parte escondida, dissimulada, noturna,
um vil objeto, território de passagem, apropriado, sem individualidade própria”.10
Os becos são lugares propícios para o abrigo das mulheres perdidas, pois neles
são permitidos o que é rejeitado em outra esfera social. Elas são objetos descartáveis,
suas existências têm significação enquanto o desejo não se realiza. Depois, a aplicação
do castigo merecido para a sobrevivência de uma falsa moralidade, ordem e
comportamentos comedidos. O executor, às vezes, pode ser o mesmo que há alguns
momentos antes compartilhava o mesmo espaço de prazeres ilícitos.
A última estrofe de “Becos de Goiás” surpreende o leitor por seu conteúdo
enunciado e a mudança no gênero empregado. Nas primeiras estrofes, o poema assume
uma forma descritiva, em tempo presente, depois a mudança temporal registra sua volta
ao passado e o eu-poético põe-se na condição de narradora de fatos passados. A
mudança favorece o distanciamento e um certo despojamento da subjetividade. A última
estrofe apresenta-se em forma de epílogo do último ato representado e não possibilita
nenhuma aproximação com as imagens anteriores. “Cai o pano”.O poema é um diálogo
11
PBGEM, p. 65.
condição paradoxal, seu caráter transitivo e finito; a morte sempre presente, mal
cheirosa e escandalosa.
Desdobrando-se, o poema passa a nutrir-se de circunstâncias diversas, ilustrando
costumes, casos que mais parecem lendas e que se misturam ao referencial e se
constituem em fatos acontecidos, das grandes famílias com seus escravos, etiquetas
rígidas e os burros-de-lenha.
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12
PBGEM, p.70.
13
A cidade de Goiás, em sua fundação, era chamada de Villa Boa de Goyás, posteriormente Goiás e com
a mudança da capital para Goiânia passou a ser denominada Goiás Velho
14
PBGEM, p. 65.
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miséria, como, forma de testar sua fé. Ao LQ H[WUHPLVda pobreza material e humana, Jó
monturos e as úlceras de Jó. Essa personagem bíblica tem sua vida transformada em
direciona-se a Deus para reclamar e clamar uma explicação para tanta expiação. Deus
reconhece a fé e devolve-lhe em proporções dobradas a riqueza material perdida e a
tranqüilidade espiritual. O estado de penúria de Jó havia se estendido a sua família,
todos foram contemplados com as graças divinas. No poema, os monturos representam
a miséria humana existente em todos os tempos e lugares, carecendo de que a mão de
Deus repouse sobre elas, mas, para isso, é necessário que o ser humano seja merecedor,
assim como Jó o foi. Enquanto isso o Beco da Vila Rica vai deixando expostos seus
monturos e também suas boninas.
Os becos são fontes inesgotáveis de recordações, janelas abertas para o passado,
por onde saltam incontáveis lembranças que percorrem, sobretudo, a infância. Ao
15
PBGEM, pp. 66-67.
dedicar poemas ao Beco da Escola está dedicando também a inesquecível mestra que
lhe possibilitou a entrada no reino das palavras para que pudesse, em um futuro
longínquo, entrar no velho reino de Goiás onde estão encravadas suas memórias. As
lembranças deslizam como as águas do rio Vermelho, escorrendo, sempre, antes com
espumas de sabão do esfrega-esfrega das velhas-novas lavadeiras do rio Vermelho,
depois, num presente próximo, águas escuras-claras com detritos que passam embaixo
da ponte. Sua memória é uma retentora de imagens que transgridem o tempo. As
imagens do presente impelem as imagens do passado que são desencadeadas pelo tempo
de recordar. O passado e o presente, a todo instante, se entrecruzam, ora
comparativamente, ora mencionado como preservação da memória e de história de
vidas públicas.
No poema “O Beco da Escola”, o diminutivo é utilizado como uma forma
carinhosa de apalpar o abstrato tempo escolar de outrora. O lúdico do universo infantil
se estampa saudosamente.
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O beco da Escola é mais um dos “vasos comunicantes” que faz parte de uma
estrutura corpórea onde pululam vidas, lugar no qual sempre transita o povo humilde. É
um beco popular, e sua medida é feita, na largura, de forma prática, no comprimento, o
metro formal. Parece que pode ser colocado na palma da mão, em forma de miniatura.
O processo descritivo utilizado perde a objetividade e adquire uma forma especial
guiada pela subjetividade da emoção e do carinho que a recordação suscita, por parte de
quem o descreve. O tom às vezes parece corresponder / assemelhar ao que está sendo
narrado. A Mestra Lili, de miudinha, sua figura vai crescendo e tomando formas finais
enérgicas e fortes. O ensino é regido por hábitos e costumes antigos e severos, como
tudo naquele tempo.
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PBGEM, p.75.
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17
PBGEM, p. 75.
18
PBGEM, p.76.
19
PBGEM, p. 76.
única expressão de vida se encontra nas flores dos monturos. Talvez por isso ganhem os
adjetivos de aventureiras e interessantes. Entre a imagem de decadência e melancolia,
elas se espalham, saltitantes e amparadas.
O beco favorece lembrança das esquecidas mestras; o processo antinômico
ressalta a importância da escrita entre o lembrar e o esquecer. As possibilidades de
recuperação de algo que poderia se perder entre tantas outras perdas.
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20
Ibidem.
21
PBGEM, pp.76-77.
O beco personificado, diminuto e infantil brinca como criança. No entanto, ele é
velhíssimo e traz marcas seculares. Sua cor e sua vestimenta têm aparência do tempo
que representa. O eu-lírico prescreve o beco a todos aqueles que simbolicamente
buscam o passado e o tempo: a poetas, a pintores a frei Nazareno. Explorando o valor
denotativo do vocábulo beco, alerta quanto a sua importância enquanto objeto histórico,
lugar onde foi abrigo de pessoas cujas descendências contribuíram na luta em favor da
pátria. O beco da escola é um beco legítimo e seu fim é o esperado, como o de todos os
becos, sem cuidados e no esquecimento. O tempo presente proporciona outros valores
aos homens, o beco representa “um lapso urbanístico”.
O eu-lírico inconformado com a possibilidade de esquecimento e extinção do
beco, conclama aos artistas sua transformação em objeto estético. A arte apreende o
essencial e o imperceptível aos olhares cotidianos e perdura a existência das imagens.
Seja ela representante de qualquer corrente estética, desde as que se dedicam às coisas
do espírito como aquelas que se voltam para a objetividade, havendo matéria de
inspiração para todas as sensibilidades. A arte, para Cora Coralina, deve assumir a
condição de memória e história.
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Lobisomem...
Simbolismo dos velhos avatares.23
22
Cora Coralina tem o conto “Procissão das almas” em seu livro (VWyULDVGDFDVDYHOKDGDSRQWH. Nele
ela faz referência à procissão das almas como um acontecimento folclórico também utilizado
ficcionalmente por outros escritores goianos e dá ao seu conto um caráter de escrita de gênero fantástico.
23
PBGEM, 77.
Entre a cidade, recuperada pela memória, e a cidade, que se apresenta no
presente da escrita, há mudanças tempo deixa suas marcas através das ações humanas.
Em “Mutações” o eu-lírico observa essas mudanças sob uma perspectiva irônica.
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24
VBG, p.19.
25
VBG, p.19.
apurado senso crítico, o eu-lírico aponta a ineficiência daqueles que ocupam e se
ocuparam da administração pública de Goiás em relação ao beco. Em um jogo de
palavras, verificando que o nome do beco é contraditório ao que representa, o eu-lírico
conclui que é melhor que permaneça desta forma, pois pelo menos no nome que
carrega, o beco do sujo pobre tem riqueza.
5()(5Ç1&,$6%,%/,2*5È),&$6
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