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Licenciatura em História
Disciplina: Antiguidade Clássica
Docente: Dr. José Maria Gomes
Discentes: Iranda Mariana e Yasmin Vitória
Fichamento
“Esses poemas são ‘épicos’ na medida em que contam feitos de caráter sobre-
humano, realizados por alguma das personagens pertencentes à ‘memória
coletiva’ das cidades, que estão em relação com as divindades -das quais se
originaram e pelas quais são inspiradas- e que vivem em tempos que o divino e
o humano ainda não se distinguem claramente: é o tempo dos ‘heróis’ dos
semideuses” (p. 185)
“Portanto, o termo epopeia, aplicava-se, por uma tradição que contava quase
um milênio no tempo de Virgílio, a um poema narrativo, essencialmente
caracterizado pelo ritmo descontínuo, que o distingue das outras formas
poéticas - os ‘dramas’, a tragédia ou a comédia’- e dos cantos líricos.” (p. 186)
“Tais eram os elementos diante dos quais estava Virgílio para escrever, por sua
vez, um poema épico: as tradições diversas, vindas do fundo das eras (Com
Homero) ou propostas pelos ‘modelos’ alexandrinos, ou, mais recentemente,
pela obra de Ênio, que era considerado, havia mais de século e meio, o ‘Pai’ da
poesia romana [...] <Virgílio> Preferiu realizar uma síntese” (p. 189-190)
“O herói do poema será Enéias, claro, mas este se erguerá antes de Roma, no
alto de uma linhagem que, de condutor de homens e triunfador, vem dar em
Otávio.” (p. 190)
“Convém, pois, acreditar que a Eneida tenha sido a finalização, entre outras
razões e sentimentos que levaram Virgílio, a escrever, de uma longa ambição
obstinadamente afirmada.” (p. 192)
“Nada permite acreditar que outra pessoa, além de Virgílio, tenha tido, a
primeira ideia de Eneida.” (p. 192)
“[...] quando estava <Virgílio> para terminar a obra, ele foi tomado de
escrúpulos e desejou ir aos locais da Grécia e do Oriente por onde Enéias
passara.” (p. 193)
“[...] pode ser também que os ‘estudos’ de Virgílio, empreendidos no início do
poema, dissessem respeito às ‘ciências sagradas’ [...] se for verdade, como
supusemos, que Virgílio, após o triunfo de Otávio, acabou reconhecendo a
presença do divino no mundo, deve ter sido levado a interrogar-se sobre as
suas modalidades de ação, o que levava para pesquisas ao mesmo tempo
filosóficas e religiosas. Pesquisas que encarava então como primordiais- donde
o termo ‘preferência’ que aplica; preferência porque importam ao destino
humano, tanto quanto ao destino dos impérios e da própria Roma.” (p. 193)
“[...] Entrevemos aqui um Virgílio para quem não basta mais ser poeta, abrir
caminhos novos no bosque sagrado das Musas e dar a Roma o brilho de uma
glória desconhecida até então; ele quer ser portador de uma revelação para os
homens. Esta seria a origem da imagem de que se cobrirá quando, séculos
depois, for considerado um “mago” bastante inquietante pelos prodígios que lhe
serão atribuídos, mas bastante próximo da espiritualidade cristã para que Dano
o escolha como companheiro, pelo menos em parte de sua viagem.” (p.194)
“[...] elementos diversos, aqui como no resto de sua obra, foram dominados e
combinados pelo poeta, que nunca se restringiu a seguir uma só e dada
doutrina, mas inspirou-se em várias, desde o platonismo até as crenças
tipicamente romanas, sobre o destino que aguarda as almas depois da morte.”
(p. 194)
“[...] Virgílio podia dispor de múltiplos conhecimentos para apoiar seu mito da
“nova idade de ouro”: neopitagorismo, por certo, poemas sibilinos, mas talvez
também messianismo judeu, do qual pode ter sido informado pelos judeus da
diáspora que viviam em Roma e manifestaram ruidosamente sua tristeza
quando César foi assassinado.” (p. 194)
“A tradição antiga afirma que Virgílio começou seu poema imediatamente após
a conclusão das Geórgicas, ou seja, o mais tardar, em 28, talvez já no fim do
ano 29. Dois anos (ou um ano e meio) depois dessa data, ele nada tinha
escrito ainda que lhe parecesse satisfatório.” (p. 195)
“Cada canto da Eneida teria extensão semelhante à dos quarenta e oito cantos
homéricos, o que faria com que esse poema latino fosse quatro vezes menos
longo que o conjunto das duas epopeias atribuídas a Homero. Assim, desde o
princípio, Virgílio fixara, para sua obra, dimensões relativamente restritas”
(p.195)
“[...] nele, o Tempo não é linear, não é o lugar de contingente, inas das causas.
[...] O futuro, em todo o universo, está incluído em uma série de ciclos. [...]
Nessa perspectiva, a marcha do tempo, na Eneida, não seria uma marcha
comum: está pontuada por marcos -a série de falsas esperanças e de
desembarques em terras que logo é preciso abandonar, na Trácia, em Delos,
em Creta, na Sicília; depois a morte de Anquises, que ocorre logo após a
chegada a Cartago: um ano se escoa durante a estada junto a Dido e é no
aniversário da morte de Anquises que Enéias volta para a Sicília, para celebrar
os jogos rituais junto ao túmulo. Todos esses acontecimentos encadeiam-se
em uma série de causas, cada um desejado pelos deuses (e pelo Destino),
mas a origem dessa série não está clara para o herói que procura [..]” (p. 197)
“Sabemos, através de Ênio, citando Cícero, que os povos itálicos -e entre eles
os romanos- confundiam, na origem, poetas e adivinhos, com o termo único
vates, que os modernos traduzem por falta de coisa melhor, por duas palavras:
‘poeta inspirado’. [...] Para um romano, um vates é o porta-voz dos poderes
imanentes ao que é [...] no tempo de Augusto a palavra vates recuperou sua
significação plena: não há mais desdém; o poeta é o portador de uma
mensagem que o ultrapassa, que vem do mais profundo do seu ser” (p. 200-
201)
“[...] Poesia e filosofia unem-se então, se for verdade que o filósofo descobre a
Verdade e que o poeta a comunica naquilo que ela tem de inexprimível em
termos racionais. Virgílio está perfeitamente consciente desse caráter quase
pítico da poesia em geral, e da sua em particular.” (p. 200)
“Para Virgílio, a poesia só adquire sentido pleno quando animada pela voz do
poeta- ou do aedo. [...] Essas leituras feitas por Vorgílio logo tiveram grande
repercussão. Correu o boato, nos círculos literários, de que uma obra de
grande porte estava nascendo.” (p. 202)
“Quaisquer que possam ser suas intenções metafísicas e o efeito que dela se
possa esperar sobre as almas, uma epopeia, essencialmente, conta uma
história e, como dissemos, deve mostrar que essa história traduz um momento
do Universo. A iluminação provocada na alma de Virgílio pelo triunfo de Otávio
lhe sugerira remontar bem longe no tempo, até os princípios fundamentais do
destino romano e a dinastia dos reis troianos.” (p. 203)
“Pouco a pouco essa ideia de uma origem troiana de Roma impusera-se aos
espíritos.” (p. 205)
“No século III, [...] Timeu de Tauromênio (atual Taormina) vem visita Lavínio e o
Lácio; no local fica sabendo que Lavínio conserva os penates de Tróia, lá
depositados desde a vinda dos troianos. [...] Esses penates desempenham
papel importante na Eneida: são depositários e símbolo da ‘raça troiana’, uma
espécie de fragmento arrancado ao solo frígio, à pátria. Onde estiverem estará
a pátria. [...] Os penantes são o coração, a raiz profunda. Também são a fonte
do poder; estáveis, imortais, resistirão a todas as revoluções e a todas as
viagens.” (p. 205)
“[...] Segundo ele, Catão, o censor, chegam ao Lácio Enéias e seu pai
Anquises (segundo Virgílio, este morre na Sicília, como dissemos); ambos
fundam uma cidade, que chamam de Tróia, e o rei do país, Latinus, concede-
lhes um pequeno território e depois dá sua filha em casamento à Enéias. Mas
os troianos revelam-se saqueadores e suas depredações provocam uma
guerra, ao fim da qual Latino é morto e (seu genro?) Turno, rei dos rútulos (um
povo vizinho), deve refugiar-se junto ao rei etrusco Mezêncio. Ambos
recomeçam a guerra. Turno é morto por Enéias, que não demora a
desaparecer, afogado nas águas do Numico e, como mais tarde Rômulo é
transportado para o convívio dos deuses. Ascânio, filho de Enéias, dá
prosseguimento à luta contra Mezêncio, que é finalmente vencido. Trinta anos
depois, Ascânio abandonará Lavínio e irá fundar a cidade de Alba, mais ao
norte. Todos esses nomes, essas personagens, vão ser encontrados na
Eneida e povoar o poema como protagonistas e figurantes” (p. 206)
“No Oriente existiam vestígios que eram vinculados à migração dos troianos
conduzidos por Enéias em direção ao oeste. A eles eram atribuídas fundações
de cidades e santuários em diversas regiões.” (p. 207)
“[...] No século I a.C. essa foi uma mania dos que estudavam antiguidades e
Virgílio lhes fará eco no livro V da Eneida, ao enumerar os participantes das
regatas, afirmando que do troiano Sergesto se originara a gens Sérvia; do
troiano Mnesteu, a gens Mêmia; de Cloanto, a gens Cluência. Fazia essas
correspondências apoiando-se, com muita probabilidade, em um tratado
publicado por Varrão por volta de 37 a.C., intitulado ‘Sobre as Famílias
Troianas’ (De troianis familiis).” (p. 212)
“A partir de Enéias tudo ficava mais claro e mais próximo. Iulus fundara Alba,
ou talvez (esta era a variante ‘cesariana’) se tivesse tornado o grande pontífice
dessa cidade, fundada por seu meio-irmão Sílvio; e a sequência de reis de Alba
se desenrolava até o nascimento de Rômulo e Remo, oriundos dos amores de
Réia (também chamada Ília) com o deus Marte.” (p. 214)
“Virgílio tirou dessa massa enorme de lendas e tradições uma obra cuja
unidade é admirável. Já começa bruscamente, depois de apenas alguns versos
preparatórios que limitavam o assunto à partida de Enéias, expulso de Tróia, e
suas aventuras até o momento em que ele encontra suas raízes no Lácio.” (p.
214-215)
“Enéias voga em mar calmo, vem da Sicília e dirige-se para Itália. A deusa
Juno vê essa frota do alto do Olimpo, e seu coração se enche de cólera, pois,
inimiga dos troianos desde que Páris lhe recusou a primazia da beleza para da-
lá a Vênus, persegue-os com seu ódio. Obtém facilmente do velho Eolo, que
guarda os ventos encerrados em uma caverna, na ilhas Líparas, que
desencadeie seu poder e provoque uma tempestade que, segundo descrição
célebre, dispersa os navios troianos, engole alguns deles e joga o resto na
costa da África. Ao perceber o desastre, Netuno restabelece a calma. Os
troianos atracam no território da cidade de Cartago, onde reina a fenícia Dido.
Vênus pergunta a Júpiter por que os troianos sofrem tantos infortúnios. O deus
a reconforta e lhe mostra os Destinos, de Enéias até César, cuja apoteose
evoca.” (p. 215)
“Vênus que, do alto do céu, assiste a essa cena, fica preocupada: sabe que
Cartago é a cidade de Juno e teme por Enéias, se ele se demorar no domínio
da inimiga. [...] Aqui Virgílio retoma a censura tradicional que os romanos
dirigem aos cartaginenses: a má-fé, já numa alusão à violação de tratados
durante a primeira guerra púnica e sobretudo a segunda, a de Aníbal. Vênus,
para proteger o filho, recorre às armas que conhece bem: fará que Dido se
apaixone por ele [...] (p. 217)
“<Virgílio> constrói sua epopeia nos moldes de uma história [...], todavia, o
poeta não fala em anos, mas em verões [...] Verão: essa é a estação em que
se pode navegar, que vai de abril a outubro. [...] O verão é a época em que
‘acontece alguma coisa’, em que a existência quotidiana deixa de ser essencial
e dá lugar à aventura. Essas aventuras de Enéias são narradas pelo próprio
herói no banquete da rainha, na própria noite da chegada. Constituem a
matéria dos atuais livros II e III; o segundo livro trata a queda de Tróia, dos
combates e dos prodígios decorrentes e termina com a partida de Enéias [...] o
terceiro livro é das navegações, desde Tróia até a Sicília, e termina com a
recordação, em um único verso, da tempestade que empurrou a frota troiana
para as costas africanas.” (p. 217-218)
“Assim como Ulisses na Odisséia, Enéias vai, pois, contar a seus anfitriões,
durante um banquete, o que lhe aconteceu depois da tomada de Tróia.” (p.219)
“Um dos problemas enfrentados por Virgílio, que não podia ser resolvido se os
detalhes da ação fossem redigidos em prosa, era o ‘caráter’ que convinha
atribuir a Enéias. [...] Seu herói não era uma daquelas personagens cujo
caráter já forra fixado por uma longa série de poetas.” (p. 220)
“Contando a última noite de Tróia, Enéias não demonstra nenhum orgulho por
ter participado da catástrofe ilustre. [...] Quando os troianos se questionam,
diante do cavalo gigantesco deixado pelos gregos na praia, e uns afirmam que
é preciso aceitar o presente e leva-lo para a cidade, enquanto outros o
consideram suspeito e querem ter certeza de que não representa nenhum
perigo, ignoramos a opinião de Enéias; [...] Mas cai a noite e, em sonho, ele vê
Heitor que lhe revela o perigo. Heitor escolheu-o por considera-lo o único capaz
de salvar o que pode ser salvo. Enéias sente-se então investido de uma
responsabilidade sagrada: levar para longe da batalha e da pilhagem os
objetos santos, em especial os penates aos quais está ligado o ser místico da
cidade.” (p. 221)
“Mas o longo relato termina, Dido sente uma ferida secreta: fiel até então á
memória do marido Siqueu, não pensara em casar-se de novo” (p. 224)
“Começa então a cena que dá impressão de ter sido retirada de uma tragédia
[...]” (p.224)
“Isso indica que Virgílio fora atraído, inicialmente, por três dos assuntos de que
devia tratar: a última noite de Tróia, assunto muito patético e pitoresco, muitas
vezes retomado pelos poetas trágicos, tanto na Grécia quanto em Roma; o
romance de Dido; e finalmente, o canto da descida aos infernos. Dessa forma
a peça ia progredindo e o poeta ia sendo obrigado, à medida que Enéias ia
sendo colocado em condições diferentes, a definir sua personagem e suas
relações” (p.225)
“Ora Dido não obteve esse compromisso de Enéias; ela não está “casada” de
verdade; sua união é resultado de um arrebatamento dos sentidos. Além disso,
a rainha não cumpriu o juramento de continuar fiel a Siqueu, seu primeiro e
único marido.” (p.226)
“[...] Dido profere contra Enéias e sua raça imprecações que se realizaram.
Invoca um vingador desconhecido – e todos pensam em Aníbal; desejam que
Enéias morra prematuramente e fique sem sepultura” (p.227)
“Então chega o momento de içar as velas uma alegria deliciosa percorre a alma
Enéias. A frota voga em mar calmo, tão calmo que o piloto do navio de Enéias,
Palinuro, deixa-se enganar pelo sono e cai na água, Enéias percebe depressa
a ausência do piloto e toma o comando do leme; logo chega sem outro
acidente as costas de Cumas” (p.230)
“Por que essa morte de Palinuro? [...] Mas por que Virgílio teria achado
necessário fazer isso? [...] Assim Palinuro será sacrificado pela salvação da
frota, vítima expiatória. Palinuro é inocente.” (p.230)
“E, quando Enéias chega a Cumas, ouve da Sibila que, tão logo terminem os
trabalhos, sejam prestadas honras fúnebres ao trombeta Miseno, que acaba de
matar o deus marinho Tritão, que invejava seu talento” (p.231)
“[...] Virgílio mostra que está a par dos desígnios de Otávio, da maneira como
ele entende situar-se em relação às divindades.” (p.233)
“Virgílio deu, nesses três versos célebres a fórmula do Império, tal qual
Augusto acaba de fundar novamente: o imperialismo de Roma [...]” (p.234)
“Mas eis que Enéias, filho modelo, que enfrenta os terrores do além para
reencontrar o pai e propor aos romanos o exemplo da pietas, esse amante
dorido, que nunca esqueceu Dido, que a encontra nos Infernos e chora diante
da vontade cruel dos deuses que os separaram [...]” (p.235)
“[...] diz-se que Enéias passou a ter esse espírito decidido depois da revelação
explicita feita por Anquises nos infernos, ficando a partir daí seguro de si e de
seu destino.” (p.235)
“[...] Virgílio propôs uma imagem da maneira como um ser, até então tranquilo
e sensato, pode ser repentinamente tomado pelo furor [...] (p237)
“A guerra iniciada por Turno é apenas o tumulto de uma cólera na qual a razão
não desempenha papel algum. Não é de forma alguma, uma guerra “justa”.
(p237)
“Virgilio [...] o poeta explica que, em Roma, a abertura das portas e, por
conseguinte, o início de uma guerra são cercados por um cerimonial que exclui
a cólera e os arrebatamentos passionais.” (p.238)
“[...] contrariamente aos Destinos e á vontade de júpiter, tem início uma guerra
sacrílega” (p.238)
“Até então Enéias sonhava com Roma, percebera seu fantasma nos Infernos;
agora, vai começar a construi-la [...]” (p.239)
“Outra surpresa é a escolha de Érato, que preside a poesia amorosa [...] Érato
ou outra Musa, é a mesma coisa” (p.339)
“[...] nascimento de filhos teçam vínculos cada vez mais estreitos entre os
esposos. Mas essa ternura não deve ser expressa publicamente a não ser em
raras circunstâncias, como, por exemplo, quando um falecimento atinge um ser
querido ou quando a ameaça de uma pena capital justifica um apelo á piedade
dos juízes – nesses casos é permitido evocar aquilo que se chama “penhores”;
pignora; filhos, esposa, parentes próximos cuja vida será arruinada pela
desgraça do acusado.” (p.241)
“Dessa forma a união de Enéias e Lavínia ocorrerá sem que ele tenha a visto e
nem ela ao futuro esposo” (p.241)
“Além disso, o deus do rio indica a Enéias onde encontrara aliados: na cidade
de Palanteu, que foi fundada, nas margens do Tibre, por acadianos, vindos
para a Itália sob o comando de seu rei Evandro. Assim que acorda, Enéias
sente-se na obrigação de obedecer ao deus e escolhe dois navios da sua frota,
que manda armar e deixa prontos para subir o rio.” (p.242)
“Mas eis que o prodígio anunciado pelo deus acontece: uma enorme porca
branca [...] Enéias pega-a e oferece a mãe e a ninhada em sacrifício a Juno”
(p.242)
“De fato, essa ideia de que os seres humanos, como os animais e as plantas,
são “filhos da terra” percorre toda a obra de Virgílio, desde a sexta Bucólica até
Eneide” (p.243)
“Na realidade a terra não era apenas objeto de relatos míticos, na religião dos
poetas, ou de especulações eruditas por parte dos filósofos; figurava no próprio
cerne das crenças e dos ritos da religião “popular” e “política” dos romanos.
Estava ligada em especial a religião dos mortos, e como tal desempenha papel
importante na Eneida.” (p.244)
“Ora, essas crenças, cuja, origens seguramente remontam a muito aquém dos
primórdios da História, haviam se integrado na religião da Terra, explicando
vários de seus aspectos aparentemente heterogêneos e justificando o sacrifício
da porca.” (p.245)
“Sem renegar sua “ciência epicurista”, Virgílio transfigura-se a insere-a numa
visão mística que não desagradava as suas convicções providencialistas
recentemente adquiridas. Esse sacrifício a Juno (na realidade á terra materna)
simboliza o matrimonio que logo unirá Enéias á raça de Latino (na pessoa de
Lavinia) [...]” (p.246)
“Era preciso, pois, ganhar tempo, permitir que Enéias chegasse a Palanteu,
fosse hóspede de Evandro e obtivesse um contingente de aliados e que o
poeta apresentasse, indireta e implicitamente, o futuro da Cidade que um dia
deveria substituir Palanteu.” (p.247)
“[...] ocorre um prodígio. Por mais que Turno aproxime o fogo dos navios, estes
recusam-se a incendiar-se; é quando uma voz desencarnada ressoa e convida
os navios a romper suas amarras. Então os cascos começam a movimentar-se
sozinhos, deslizam para a água, mergulham no rio e reaparecem ao largo, sob
a forma de moças [...]” (p.248)
“Enéias antes de partir para Palanteu, ordenara aos troianos que ficassem
atrás das muralhas do campo e esperassem sua volta para tentar uma ação
em campo rase, e é obedecido. O cerco começa [...]” (p.248)
“[...] Muitas vezes, ao longo dos séculos, as legiões romanas estarão assim,
em face de bárbaros presunçosos, germanos, gauleses ou outros, que foram
vencidos pela disciplina férrea dos exércitos romanos” (p.249)
“Nessa mesma época, Horácio, nas Odes Cívicas, proclamava que é “belo e
doce” morrer pela pátria. Pode-se ouvir, tanto dele quanto em Virgílio um eco
desse grande desejo de glória que é o ideal mais profundo do século de
Augusto, esse desejo que, como dissemos, animava tanto Augusto quanto
Mecenas e seus amigos.” (p.250)
“[...] Virgílio descreve a morte de Niso, uma vez vingado o amigo “Então ele,
ferido de morte, se atirou sobre o corpo do amigo inanimado e finalmente ai,
encontrou o repouso na morte que lhe trazia paz?”” (p.250)
“Enéias só voltará algumas horas depois ao campo troiano. Ignora tudo o que
passou em sua ausência, mas os navios transformados em ninfas vão
encarregar-se de informá-lo.” (p.250)
“No momento que vai começar a guerra (início do décimo canto), Virgílio
introduziu um conselho dos deuses. Reunidos no Olimpo, em torno de Jupiter,
ouvem dois discursos: um de Vênus, que se queixa das intervenções de Juno;
outro, desta última, que ataca violentamente Enéias e advoga em favor dos
italianos que, segundo diz, estão com razão [...] pode-se ver nela o desejo do
poeta de transportar até o Olimpo costumes romanos e, ao mesmo tempo,
instituir um desses debates em que se advoga a favor ou contra, tão
apreciados pelos metres da retórica.” (p.252)
“Foi Juno que, ao desencadear a Fúria Aleto, deu origem a essa guerra.”
(P.252)
“Enéias por trás de uma nuvem, afastam Turno da batalha. Sua ação não é
infalível, pois não provém do Destino, mas de forças desordenas, cujo pertence
à Fortuna, ao domínio do contingente.” (p.253)
“Os troianos estão sitiados no campo, verifica Júpiter: talvez poque os Destinos
queiram a ruína dos italianos; talvez isso seja resultado de um erro dos
troianos: “conduzidos por presságios de infortúnio” [...]” (p.253)
“Enéias, portanto, “tem um mandato” do Destino para fundar Roma, mas isso
não implica que ele não deva lutar para realizar esse decreto do Fatum. Para
resolver esse problema, certos filósofos haviam imaginado aquilo que se
chamava argumento do menor esforço que dizia: se for seu destino morrer da
doença que o atinge, de nada adianta chamar o médico; se seu destino for
curar-se, isso é menos útil ainda. Nem os estóicos nem Virgílio aceitam esses
fatalismos, que não agradava ao espírito dos romanos, na medida em que
tendia a aconselhar a inação[...]” (p.254)
“Mas Virgílio não se atém mais á doutrina de Epicuro, embora, no fundo, aceite
suas intuições essenciais (reconhecimento da importância da serenidade da
alma, vitalismo profundo, valores “naturais”, desprezo pelas riquezas –
demostradas pelo episódio de Evandro, aquele “rei pobre”)” (p.256)
“Essa visão do mundo é estóica? É platônico? Essa pergunta não tem mais
sentido no tempo de Virgílio, já que platonismo e estoicismo estão intimamente
misturados, desde o fim do século II a.C” (p.256)
“Assim, graças a Augusto e á piedade dos amigos de Virgílio, a obra deste logo
apareceu em toda a sua amplitude e com toda sua significação para Roma e,
além disso, para todos os povos aliados e submetidos.” (p.261)
“Virgílio imaginou uma poesia que não era mais narrativa, mas que brotava as
próprias coisas [...] Graças a ele os romanos desse tempo e as gerações
sucessivas puderam pensar a pátria em sua realidade simultaneamente
material e espiritual, compreendê-la e amá-la” (p.262)
“Virgílio contribuiu muito, com cada uma de suas três grandes obras, para criar
a ideia de uma Itália eterna, unida na cidade de romana, uma Itália serena,
pura e forte naturalmente feliz na medida em que permanecesse fiel a suas
vocações” (p.262)
“Tudo ficaria mais evidente, mais fácil, se graças a Virgílio, se descobrisse que
o destino havia preparado, de longa data, a Roma de Augusto. A Eneida foi
salva não só por ser bela, mas por ser importante para a salvação do mundo”
(p.264)
FIM