Você está na página 1de 3

Universidade Federal Fluminense

Professora Greice Drumond – Matrizes


Clássicas

Victoria Beatriz Martins Ferreira

APPEL, Myrna Bier; GOETTEMS, Míriam Barcellos (Org.). As formas do épico


da epopeia sânscrita à telenovela. Porto Alegre: Editora Movimento, SBEC,
1992.

PESSANHA, Nely Maria. CARACTERÍSTICAS BÁSICAS DA EPOPÉIA


CLÁSSICA.

“Da produção poética que a Antiguidade greco-latina nos legou, destacam-se três
epopéias: a Ilíada, a Odisséia e a Eneida. As duas primeiras que constituem os
documentos literários mais antigos da Grécia. Atribuem-se-lhes, seguindo os
ditames da tradição, o epíteto de ‘poemas homéricos’, pois seriam criação de um
poeta, todo envolto na aura de mistério e de encantamento, chamado Homero. [...] o
que corrobora nossa crença de que os poemas homéricos representam clímax de
uma longa tradição rapsódica, pois, embora não nomeie nenhum dos predecessores
de Homero, afirma que muitos devem ter existido.” (p. 30)

“A polêmica, entretando, não se restringe apenas ao âmbito do poeta, como ser real
ou imaginário. Discute-se também acerca da maneira commo as duas epopéias
foram concevidas e realizadas; indaga-se sobre a possibilidade de ter cada uma
delas o seu criador. Tais questionamentos não cabem com relação à Eneida.
Legado da Roma imperial de Augusto, tem datação e autoria incontestes: criação do
poeta Virgílio no último quartel do séc. I a. C.” (p. 30-31)

“Não há dúvida de que a obra de arte literária se nos mostra como unidade e que
toda tentativa de decomposição desta unidade significa um transgredir, um violar a
criação e o ato criador.” (p. 31)

“Logo, do ponto de vista etimológico, epopéia é a criação narrativa em versos. Assim


é que a epopéia clássica é toda ela tecida no verso hexâmetro dactílico. A
indagação que nos vem, quando nos defrontamos com as epopéias homéricas, é se
poemas de dimensões tais que revelam complexidade de estrutura e de metro, que
se utilizam de uma língua artificial, de uma mescla dialetal, não seriam frutos
sazonados de uma longa tradição poética. [...] Na Ilíada, entre outros exemplos [...]
colhidos ao acaso, ratificam a certeza da existência de uma literatura pré-homérica,
oral, transmitida de geração em geração. Era costume na Grécia, desde os tempos
da pré-história, preservar a memória dos grandes feitos e daqueles que, por suas
façanhas, elevaram-se acima da medida do homem comum e ganharam a estatura
de heróis. Os poemas homéricos seguem a esteira desta tradição, pois ao narrarem
a gesta do Aqueus, velem-se de uma matéria mítica que tem um referente histórico,
mas que é, sobretudo, um patrimônio imorredouro de sua coletividade.” (p. 31-32)
“São, pois, as epopéia da Grécia Antiga um produto histórico, transcendem, porém,
a História, na medida em que ultrapassam o tempo cronológico, não só pela
conversão do passado num tempo sempre presente, graças aos rituais
reatualizadores da recitação nos tempos de outrora e aos ritos sempre renovadores
da leitura nos tempos de agora, mas também porque se transformaram em
experiência concreta, viva, da comunidade. Desta maneira, o passado se transforma
em tempo ideal, em tempo arquetípico. É por isso que Emil Staiger diz que epopéia
é apresentação. Ela apresenta os fatos, ou seja, torna presente tudo aquilo que é
digno de ser rememorado.” (p. 32-33)

“Como vemos, a epopéia clássica nutre-se de uma matéria a ela preexistente,


relíquia de toda uma comunidade: o passado em sua dimensão histórico-mítica. [...]
O poeta não recorda o passado seja rememorado; não faz voltar de novo ao coração
as emoções dele advindas. Mas rememoriza-o, faz com que ele volte à lembrança,
por considerá-lo tempo arquetípico, tempo ideal, e por isso mesmo, merecedor de
consagração — eis aí outra característica fundamental da epopéia clássica. [...] Face
à matéria narrada assume uma visão objetiva e não crítica. Registra, conta,
apresenta os acontecimentos, mas se isenta de revelar seus sentimentos ou de
julgá-los. O narrador é onisciente, distanciado porém, da matéria-prima narrada.
Para que este distanciamento possa operacionalizar-se, predomina a narração em
terceira pessoa. [...] Pode-se, então, endossar a afirmação de Emil Staiger de que a
marca fundamental, no estilo épico, é a distinção entre sujeito e objeto.” (p. 34)

“Passemos agora à estruturação da matéria épica na forma de epopéia clássica.


Como sabemos, nela distinguem-se três partes: preposição, invocação e narração.
Na preposição, o poeta apresenta, de maneira sintética, o tema a ser narrado. [...]
Na invocação, o poeta solicita que a Musa lhe faça dom da inspiração poética.
Preposição e invocação encontram-se de tal modo fundidas que constituem o
exórdido do poema: a narração é a própria trama. Essa estrutura tem, a nosso ver,
uma explicação: articular a diversidade dos fatos a serem narrados na unidade da
ação que o poeta privilegia” (p.34-35)

“[…] a narração da epopeia clássica se estrutura em episódios. Esta Característica


fundamental deixa evidente que o narrador, sendo onisciente, quer mostrar tudo,
não se preocupando em atingir um fim. […] Sendo a epopeia e, em nosso caso, a
epopeia clássica, uma das formas de narrativa, não pode ela prescindir de um dos
elementos fundamentais do gênero: o personagem. […] Como vemos, na epopeia
clássica – ação dos personagens humanos jamais se dissocia da interferência de
agir divino. Isto não significa, contudo, minimização da grandiosidade do
personagem épico. […] o herói épico pode defrontar-se com outros entes
sobrenaturais – Sereias, Ciclope, Circe, por exemplo – como se depreende da leitura
de Odisseia. Estes encontros funcionam como verdadeiras provas iniciativas
indispensáveis à ascensão do homem comum à categoria de herói. […] A
grandiloquência com que esta forma narrativa apresenta o passado, se evidencia, na
linguagem, pelo uso de adjetivação intensa, de epítetos majestáticos, de metáforas e
símiles que buscam o segundo termo da comparação em elementos da natureza e
animais, símbolos de grandeza, de força ou de luz. São frequentes, ainda, as
repetições, os epítetos, o emprego do discurso direto, o que confere a narrativa um
certo traço de oralidade.

Você também pode gostar