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PROFS.

MATHEUS E KETLEY SILVA


História da Filosofia I

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


CAPÍTULO 1

A origem da filosofia

Objetivos de aprendizagem
 Identificar
os principais fatores históricos que permitiram
o surgimento da filosofia. 

 Comparar as narrativas de Homero e Hesíodo com o


nascente discurso filosófico-racional. 

 Compreenderas principais diferenças entre o


pensamento mítico e o pensamento filosófico. 

 Compreender as noções de physis, causalidade, arqué,


cosmo, lógos e crítica. 

Seções de estudo
Seção 1 O mito como forma de conhecimento

Seção 2 Apogeu e declínio da mitologia grega

Seção 3 A origem histórica da filosofia

Seção 4 Noções fundamentais da mentalidade


filosófica

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Para início de estudo
Pensar é uma atividade que faz parte do ser humano. Tentar
compreender nós mesmos e a realidade que nos cerca faz parte
da nossa natureza. A necessidade de saber quem somos, de
onde viemos, para onde vamos, buscar uma explicação para os
acontecimentos e compreender o sentido da vida – tudo isso está
presente em todas as civilizações, de forma às vezes mais, às
vezes menos elaborada.

Mas os gregos antigos inventaram uma forma original de lidar


com essas questões.

Nesta unidade de estudo, você vai poder identificar quais foram


as peculiaridades desse jeito grego de pensar: o jeito filosófico-
científico-racional.

A partir de agora, você é o nosso convidado nessa jornada às


origens da filosofia.

SEÇÃO 1 - O mito como forma de conhecimento


Historicamente, cada civilização construiu suas próprias formas
de compreender e explicar a realidade. Nos primórdios do
processo civilizatório, a carência de informações sistematizadas,
de métodos de investigação e de instrumentos de pesquisa faz
com que a explicação dos fenômenos naturais seja simplista
(às vezes, simplória), parcial e com uma forte tendência ao
subjetivismo.

A vida em sociedade exige que se estabeleça um conjunto de


verdades aceitas coletivamente. Sem essa base compartilhada
de crenças, a convivência em grupo não seria viável.
Mas como fazer com que todos os indivíduos de uma
sociedade aceitem as mesmas explicações como sendo as
verdadeiras? Uma saída simples e eficaz para esse problema é o
mito.

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O mito consiste numa narrativa passada de geração
a geração, contendo, geralmente, elementos que
podem ser utilizados na explicação de fenômenos
naturais ou na prescrição de condutas morais.

O mito não é apresentado como verdade absoluta, e sim como


um conhecimento elaborado por antigos ancestrais ou indivíduos
extraordinários que, por sua grande sabedoria ou até mesmo por
poderes sobrenaturais, teriam compreendido a realidade de uma
forma mais profunda.

Em cada cultura, os mitos mais fundamentais são


os chamados “mitos de origem”, aqueles que
narram a forma como o mundo foi criado e, mais
especificamente, como o ser humano e o próprio
grupo social foram criados. Esse tipo de mito tem
sido encontrado nas raízes de todas as culturas que
conhecemos atualmente.

Um bom exemplo de um mito de origem é a narrativa que


encontramos no Gênesis, o primeiro livro da Bíblia Sagrada.
Nessa narrativa, temos uma descrição da origem do mundo a
partir da vontade de Deus. Segundo o Gênesis, o Deus único
produz o universo a partir do nada e gera também um ser
especial, o ser humano, para reinar sobre os outros seres. Essa
narrativa descreve também a origem do bem (a vontade de Deus)
e do mal (desobediência humana) e estabelece as bases da ação
moral. Além disso, ela descreve o surgimento de diferentes povos
e culturas e estabelece a idéia de “povo escolhido”.

O mito de origem serve para dar uma resposta àqueles


questionamentos mais fundamentais que nos afligem quando
buscamos encontrar um sentido para a nossa própria existência: a
origem do mundo e do ser humano, a vida e a morte, o bem e o
mal, a saúde e a doença, a guerra e a paz, etc. É uma explicação
que serve de fundamento para todas as outras explicações.

Além dos mitos de origem, há também mitos mais específicos,


que servem para explicar fenômenos particulares, como os ventos,
por exemplo, ou mesmo um acontecimento particular, como
por exemplo, a guerra de Tróia. Em todas as suas variedades,

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o conhecimento mítico é uma resposta para tudo aquilo que
é inexplicável, quando se utilizam apenas as experiências já
acumuladas.

O conhecimento mítico possui algumas características e


limitações que o diferenciam de outros tipos de conhecimento
mais elaborados, disponíveis atualmente. Vejamos essas
características:

 o mito é uma representação alegórica da realidade, uma


fantasia. Enquanto conhecimento da realidade, o mito
não possui a intenção de ser uma explicação exata. Ao
contrário, ele possui apenas uma significação simbólica.
Desta forma, o mito é uma ficção que serve de analogia
para que se possa compreender a realidade;
 o mito utiliza elementos sobrenaturais para explicar
os fenômenos naturais. Ele se torna útil justamente
quando não conseguimos dar uma explicação racional
para os fatos do cotidiano. Quando temos necessidade de
superar um problema cognitivo, o mito surge como uma
estratégia eficaz, que consiste em empurrar o problema
para fora do alcance das nossas angústias mais ordinárias.
Querer saber por que está ventando é uma pretensão
cognitiva legítima. Mas, se não houver nenhuma
resposta convincente para essa questão, uma boa saída é
afirmar simplesmente que o deus do vento está fazendo
ventar. Por outro lado, querer saber por que o deus do
vento está fazendo ventar já extrapola os limites das
nossas pretensões cognitivas legítimas. O recurso ao
sobrenatural é a saída mais fácil e eficaz sempre que se
esgotam as possibilidades da explicação racional;
 o mito é maleável. Embora tenha uma estrutura que
se mantém mais ou menos inalterada, certos detalhes
podem ser deixados de lado ou suprimidos, ou, ao
contrário, podem ser supervalorizados, dependendo de
cada situação ou da intenção de quem faz a narrativa.
Além disso, como vai passando de geração a geração, o
mito vai-se modificando ao longo do tempo e adaptando-
se a novas situações;

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 o mito envolve uma carga muito grande de
subjetividade. Já na sua origem, o mito é uma
representação subjetiva e arbitrária, dado que ele precisa
ser criado por alguém. Todo mito tem um autor, alguém
que contou a estória pela primeira vez. É claro que, ao
ser contada novamente por outra pessoa, essa estória vai
ganhar novas nuanças. Cada novo narrador torna-se co-
autor do mito. Cada um dá a sua contribuição subjetiva à
narração;
 embora envolva uma grande dose de subjetividade, o
mito é sempre um fenômeno cultural. Trata-se de uma
narrativa de domínio público e funciona como uma
representação da verdade que é aceita, de forma implícita,
por cada um dos membros da coletividade. O próprio
fato da aceitação de um mito por um determinado
indivíduo pode ser tomado como critério para a sua
inclusão, ou não, em um determinado grupo social. A
aceitação geral do mito, sem questionamentos, serve
como um elemento que reforça a unidade de um povo. 

Para que o mito possa alcançar plenamente a sua finalidade, é


comum o encontrarmos, no processo civilizatório, associado a
mecanismos de imposição social. Cada indivíduo, como membro
de um grupo marcado por uma identidade cultural, deve
aceitar como adequadas as explicações dadas pela tradição, sem
questioná-las.

Além disso, o mito possui vários mecanismos de convencimento.


O principal é a educação. Para garantir que os mitos não
se percam com o passar do tempo, eles são incorporados na
formação das novas gerações. Assim, as crianças precisam
conviver, desde pequenas, com as narrativas míticas. O
conhecimento dos mitos e a capacidade de narrá-los de forma
completa e detalhada passam a constituir um dos sinais de
refinamento cultural.

Mas só a educação não é suficiente para garantir a aceitação


universal do mito. Por isso um segundo mecanismo de sua
imposição social é a religião. É comum encontrarmos nas
sociedades mais antigas a função de explicação dos fenômenos da
realidade associada à função religiosa. Isso faz sentido na medida

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em que ambas fazem referência a elementos sobrenaturais. Assim,
traçar os limites entre mitologia e religião pode ser uma tarefa
difícil ou mesmo impossível.

Um terceiro mecanismo de imposição do mito é o poder


político. Na maioria das civilizações o poder político surge e
se desenvolve intimamente associado ao poder religioso. Dessa
forma, a aceitação geral e incondicional de certos mitos interessa
ao Estado. Neste sentido, o poder político se encarrega de
estabelecer normas que obriguem a aceitação de certas versões de
um mito em detrimento de outras versões e de outros mitos.

Atenção!
Como você pode ver, o mito tem um papel
fundamental no florescimento de uma cultura. Mas o
conhecimento mítico tem muitas limitações também.

Entre as limitações do conhecimento mítico, podemos destacar


duas fundamentais: sua reduzida capacidade explicativa e sua
restrita abrangência populacional.

A primeira grande limitação do mito é a falta de uma base


concreta que sustente suas explicações. Como vimos, o
conhecimento mítico é elaborado para suprir as carências do
conhecimento empírico; trata-se de uma explicação alegórica
para aquilo que é inexplicável a partir dos dados da experiência.
O mito é uma explicação forjada, sem compromisso com a
verdade.

A outra grande limitação tem uma feição política. Todo mito é


sempre fruto de uma cultura. E toda cultura tem seus mitos. Isso
faz com que toda vez que ocorra um contato entre duas ou mais
culturas, surja um conflito entre mitos. Quando o mito determina
a compreensão da própria existência de um grupo social e da
realidade que o cerca, um confronto entre mitos implica um
conflito existencial para toda uma população. O choque entre
mitos concorrentes coloca em risco a própria identidade cultural
de um povo. Isso faz com que o diálogo intercultural torne-se
algo indesejável nas sociedades que se fundamentam sobre mitos,
levando-as ao fundamentalismo e à intolerância.

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Atenção!
Como você pode ver, o mito possui qualidades e
vantagens que seduzem o ser humano. Mas também
apresenta desvantagens e riscos que não podem
deixar de ser levados em consideração.

Na Antigüidade mais remota, todas as grandes civilizações


cresceram sustentadas pelos mitos. Entretanto, por volta do
séc. VI a.C., uma civilização emergente, que até então se
desenvolvera alicerçada nos mitos, vislumbrou um caminho
diferente. Era a civilização grega que, devido a uma confluência
de fatores históricos, geográficos e culturais, tornou-se o berço da
democracia, da filosofia e da ciência. Eles não sabiam, mas esse
novo caminho mudaria a história da humanidade.

É essa nova proposta civilizatória que nós veremos a partir da


próxima seção.

SEÇÃO 2 - Apogeu e declínio da mitologia grega


A mitologia grega formou-se a partir da tradição oral popular.
Para facilitar a memorização, as narrativas mitológicas
eram transformadas em poemas, que se decoravam e eram
costumeiramente recitados como entretenimento. Com o passar
do tempo, surge na Grécia uma classe artística composta de
aedos (poetas que recitavam suas próprias composições) e
rapsodos (artistas que recitavam poemas de outros autores ou
mesmo poemas de domínio público). As comemorações religiosas
e cívicas costumavam ser abrilhantadas pela participação de aedos
e rapsodos, alguns dos quais se tornaram personalidades ilustres
da história grega.

Homero
O mais famoso poeta grego foi Homero (séc. IX a.C.). Costuma-
se atribuir a ele a autoria de dois poemas épicos: a Ilíada e a
Odisséia. Homero era cego e, talvez por isso, tenha desenvolvido
a habilidade de memorização de forma tão extraordinária: a
Ilíada é formada por 15.693 versos e a Odisséia, por 12.110. As

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apresentações de Homero consistiam em espetáculos que
duravam vários dias e atraíam multidões. Homero tornou-se
um grande ídolo. Muitos poetas tentavam imitá-lo. O público
se esforçava em decorar pelo menos algumas dezenas de versos,
para conferir se o poeta era capaz de repetir exatamente os
mesmos versos em uma outra apresentação.

O sucesso de Homero ajudou a difundir o dialeto que ele usava


nos poemas, e isto foi decisivo para conferir certa unidade
lingüística à cultura grega. As histórias de deuses e heróis
passaram a fazer parte do imaginário coletivo. A memorização
dos versos mais famosos e a incorporação dos ideais neles
contidos tornaram-se a base da educação grega.
Figura 1.1 – O poeta Homero.
Fonte: <http://monomito.files.
wordpress.com/2006/12/homero. Mas qual era a concepção de mundo dos poemas de
jpg>. Homero?

Os poemas de Homero relatam os feitos dos grandes heróis, seres


extraordinários, de sangue nobre, notáveis por sua virtude (areté)
e que deveriam ser vistos como modelo para a ação humana. As
virtudes desse herói são a coragem, a força física, a habilidade
no uso de armas, o poder de persuasão através do discurso e,
principalmente, a lealdade. Para o herói das epopéias homéricas,
a honra vale mais que a própria vida. E, em busca dessa honra, o
herói deve esforçar-se para se sobressair e para que seu nome seja
lembrado por incontáveis gerações. O herói homérico é aquele
que luta continuamente para superar em qualidades todos que o
cercam e também para superar a si mesmo.

A ação do herói, no entanto, é limitada pelo destino e sofre


constantemente a interferência dos deuses. O destino, uma vez
traçado, não pode mais ser alterado. Além disso, o herói precisa
compreender que, sem a ajuda dos deuses, ele se torna incapaz de
alcançar seus objetivos. A pior desgraça na vida humana, mesmo
para um herói, é o ódio dos deuses. Portanto o complemento
necessário das virtudes do herói é a piedade (a devoção e o
respeito aos deuses).

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Hesíodo
Outro poeta fundamental para o desenvolvimento da
mitologia grega foi Hesíodo (séc. VIII a.C.). Como
aedo, Hesíodo tornou-se famoso e reverenciado por toda
a cultura grega.

Em sua obra Teogonia (do grego theos: deus, e gonia:


origem), Hesíodo faz uma compilação bastante
completa da origem e genealogia dos deuses. Hesíodo
sistematizou os antigos mitos da criação e organizou as
relações entre deuses e heróis numa seqüência lógica.
A genealogia é composta por três gerações: a de Urano Figura 1.2 – O poeta Hesíodo.
(céu), a de Cronos (tempo) e a de Zeus. Fonte: <www.ufmg.br/online/
arquivos/Hesiodo-thumb.gif>.
Numa outra obra, Os Trabalhos e os Dias, Hesíodo situa
a origem da humanidade em uma etapa da sucessão de raças
em decadência: à raça de ouro seguem-se as raças de prata,
de bronze, a dos heróis e, por fim, a raça de ferro, à qual nós
próprios pertencemos. Assim, Hesíodo desqualifica a origem
nobre como elemento fundamental da virtude. Se todos nós
somos descendentes decaídos de raças mais elevadas, não é
a origem familiar que nos torna melhores, ou piores. Dessa
forma, Hesíodo nivela todos os seres humanos. Para ele, o que
realmente nos diferencia é o esforço individual na busca da
excelência.

Em Hesíodo, a interferência dos deuses sobre a ação humana é


minimizada. Embora os deuses tenham interferido nas ações das
outras raças, inclusive nas ações dos heróis, nossa raça tornou-
se insignificante para eles e ficou entregue a si mesma. A busca
da excelência (areté) através do esforço pessoal é a única forma
de que o ser humano agora dispõe para fugir dos infortúnios da
vida. Os deuses, embora existam e tenham poder para interferir
na vida humana, se distanciam e passam a se preocupar consigo
mesmos.

Laicização: processo
Essas duas inovações de Hesíodo, o nivelamento de tornar laico ou de
da espécie humana e o distanciamento dos deuses, desvincular de conotações
formaram as bases ideológicas para o aparecimento religiosas.
da democracia e para a laicização da cultura grega.

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SEÇÃO 3 - A origem histórica da filosofia
A temática sobre as origens da filosofia é tão antiga como sua
consolidação em forma de pensamento (tipo de conhecimento).
Já, na Antigüidade, há o debate entre a tese orientalista e a
ocidentalista.

A primeira defende que os gregos nada fizeram além de


aperfeiçoar elementos do pensamento oriental. A segunda
defende a tese do milagre grego, tomando a filosofia como uma
criação puramente grega.

Este debate perdurou até o final do século XIX, mudando com


as novas descobertas arqueológicas do final do século XIX e
início do século XX, com a confluência de novas pesquisas da
lingüística e da antropologia, particularmente quanto ao estudo
da mentalidade primitiva ou arcaica.

Passa-se, então, a procurar entender de que modo, num dado


ambiente e em certas condições históricas, a mentalidade mítica
foi dando lugar à mentalidade filosófico-científica. Não se trata
mais de pensar a filosofia como um milagre, no sentido religioso;
tampouco pensá-la como mero legado do Oriente. Certamente os
gregos antigos desenvolveram o legado oriental e são devedores
deste: a matemática e a astronomia constituem bons exemplos
disto. Contudo muitos historiadores contemporâneos defendem
que a filosofia, enquanto uma forma de pensamento, uma
teorização, é uma invenção grega.

Jean-Paul Vernant, um helenista, defende ter sido uma série


Helenista: estudioso que se dedica de condições sociopolíticas que levaram a esta mudança de
a investigar a história e a cultura da mentalidade. Marilena Chaui (2000a, p. 31-32), em parte,
Grécia antiga. fundamentando-se neste helenista, resume essas condições:

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 as viagens marítimas, que permitiram aos gregos descobrir
que os locais que os mitos diziam habitados por deuses, titãs e
heróis eram, na verdade, habitados por outros seres humanos;
e que as regiões dos mares que os mitos diziam habitados por
monstros e seres fabulosos não possuíam nem monstros nem
seres fabulosos. As viagens produziram o desencantamento ou
a desmistificação do mundo, que passou, assim, a exigir uma
explicação sobre sua origem, explicação que o mito já não podia
oferecer;
 a invenção do calendário, que é uma forma de calcular
o tempo segundo as estações do ano, as horas do dia, os
fatos importantes que se repetem, revelando, com isso, uma
capacidade de abstração nova, ou uma percepção do tempo
como algo natural e não como um poder divino incompreensível;
 a invenção da moeda, que permitiu uma forma de troca que
não se realiza através das coisas concretas ou dos objetos
concretos trocados por semelhança, mas uma troca abstrata,
uma troca feita pelo cálculo do valor semelhante das coisas
diferentes, revelando, portanto, uma nova capacidade de
abstração e de generalização;
 o surgimento da vida urbana, com predomínio do comércio e
do artesanato, dando desenvolvimento a técnicas de fabricação
e de troca, e diminuindo o prestígio das famílias da aristocracia
proprietária de terras, por quem e para quem os mitos foram
criados; além disso, o surgimento de uma classe de comerciantes
ricos, que precisava encontrar pontos de poder e de prestígio
para suplantar o velho poderio da aristocracia de terras e de
sangue (as linhagens constituídas pelas famílias), fez com que
se procurasse o prestígio pelo patrocínio e estímulo às artes, às
técnicas e aos conhecimentos, favorecendo um ambiente onde a
Filosofia poderia surgir;
 a invenção da escrita alfabética, que, como a do calendário e
a da moeda, revela o crescimento da capacidade de abstração e
de generalização, uma vez que a escrita alfabética ou fonética,
diferentemente de outras escritas -- como por exemplo, os
hieróglifos dos egípcios ou os ideogramas dos chineses -- , supõe
que não se represente uma imagem da coisa que está sendo dita,
mas a idéia dela, o que dela se pensa e se transcreve;
 a invenção da política, que introduz três aspectos novos e
decisivos para o nascimento da Filosofia:

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1. a idéia da lei como expressão da vontade de uma
coletividade humana que decide por si mesma o que é
melhor para si e como ela definirá suas relações internas. O
aspecto legislado e regulado da cidade - da pólis - servirá de
modelo para a Filosofia propor o aspecto legislado, regulado
e ordenado do mundo como um mundo racional;

2. o surgimento de um espaço público, que faz aparecer um


novo tipo de palavra ou de discurso, diferente daquele
que era proferido pelo mito. Neste, um poeta-vidente, que
recebia das deusas ligadas à memória (a deusa Mnemosyne,
mãe das Musas, que guiavam o poeta) uma iluminação
misteriosa ou uma revelação sobrenatural, dizia aos
homens quais eram as decisões dos deuses a que eles
deveriam obedecer. Agora, com a pólis, isto é, a cidade
política [cidade-estado], surge a palavra como direito de
cada cidadão de emitir em público sua opinião, discuti-la
com os outros, persuadi-los a tomar uma decisão proposta
por ele, de tal modo que surge o discurso político como a
palavra humana compartilhada, como diálogo, discussão
e deliberação humana, isto é, como decisão racional e
exposição dos motivos ou das razões para fazer ou não
fazer alguma coisa. A política, valorizando o humano, o
pensamento, a discussão, a persuasão e a decisão racional,
valorizou o pensamento racional e criou condições para que
surgisse o discurso ou a palavra filosófica;

3. a política estimula um pensamento e um discurso que não


procuram ser formulados por seitas secretas dos iniciados
em mistérios sagrados, mas que procuram, ao contrário,
ser públicos, ensinados, transmitidos, comunicados e
discutidos. A idéia de um pensamento que todos podem
compreender e discutir, que todos podem comunicar e
transmitir, é fundamental para a Filosofia.

[Uma versão deste texto está disponível no endereço eletrônico:


<http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/convite.pdf>. Acesso em: 31 jan. 2008.]

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Esta passagem de uma narrativa mítica (caracterizada por um
discurso sacralizante, que busca dar conta das origens, não
como produto de um ser humano transformador, mas de uma
divindade [ou divindades], que traça [ou traçam] o destino dos
seres humanos) para uma narrativa centrada na racionalidade
– o lógos – não se deu repentinamente, e muitos elementos que
encontramos nos primeiros filósofos – os pré-socráticos – ainda
carregam aspectos míticos.

SEÇÃO 4 - Noções fundamentais da mentalidade


filosófica
De acordo com Danilo Marcondes (2001, p. 22-27), algumas
noções são fundamentais para entendermos a diferenciação entre
o pensamento mítico e o filosófico-científico. São elas: a physis, a
causalidade, a arqué (ou arkhé), o cosmo, o lógos e o caráter crítico.
Veja-as em detalhes, na seqüência.

1 - A physis
Esta palavra grega pode ser traduzida por natureza, entendendo
esta em, pelo menos, três sentidos, conforme Chaui (2000b, p.
257):

1) processo de nascimento, surgimento, crescimento


(sentido derivado do verbo phýomai); 2) disposição
espontânea e natureza própria de um ser; características
naturais e essenciais de um ser; aquilo que constitui a
natureza de um ser; 3) força originária criadora de todos
os seres, responsável pelo surgimento, transformação e
perecimento deles. Physis é o fundo inesgotável de onde
vem o Kósmos; e é fundo perene para onde regressão todas
as coisas, a realidade primeira e última de todas as coisas.

Assim, a physis é o mundo natural, a totalidade dos entes, a


totalidade daquilo que é.

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2 - A causalidade
Esta totalidade, reforça Marcondes (2001, p. 24-25), é
engendrada (produzida) por uma relação de causa e efeito.

A característica central da explicação da natureza


pelos primeiros filósofos é, portanto, o apelo à noção
de causalidade, interpretada em termos puramente
naturais. O estabelecimento de uma conexão causal
entre determinados fenômenos naturais constitui assim
a forma básica da explicação científica e é, em grande
parte, por esse motivo que consideramos as primeiras
tentativas de elaboração de teorias sobre o real como o
início do pensamento científico. Explicar é relacionar um
efeito a uma causa que o antecede e determina. Explicar
é, portanto, reconstruir o nexo causal existente entre os
fenômenos da natureza, é tomar um fenômeno como
efeito de uma causa. É a existência desse nexo que torna a
realidade inteligível e nos permite considerá-la como tal.

É importante, entretanto, que o nexo causal se dê entre


fenômenos naturais. Isto porque podemos considerar
que o pensamento mítico também estabelece explicações
causais. Assim, na narrativa da guerra de Tróia na Ilíada
de Homero, vemos os deuses tomar o partido dos gregos
e dos troianos e influenciar os acontecimentos em favor
destes ou daqueles, portanto, fenômenos humanos e
naturais têm nesse caso causas sobrenaturais. Trata-se de
uma explicação causal, porém dada através da referência
a causas sobrenaturais. É por isso que o que distingue a
explicação filosófico-científica da mítica é a referência
apenas a causas naturais.

A explicação causal possui, entretanto, um caráter


regressivo. Ou seja, explicamos sempre uma coisa por
outra e há assim a possibilidade de se ir buscando uma
causa anterior, mais básica, até o infinito. Cada fenômeno
poderia ser tomado como efeito de uma nova causa, que
por sua vez seria efeito de uma causa anterior, e assim
sucessivamente, em um processo sem fim. Isso, contudo,
invalidaria o próprio sentido da explicação, pois, mais
uma vez a explicação levaria ao inexplicável, a um misté-
rio, portanto, tal como no pensamento mítico.

Para evitar que isso aconteça, surge a necessidade de se


estabelecer uma causa primeira, um primeiro princípio, ou

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conjunto de princípios, que sirva de ponto de partida para todo o
processo racional. É aí que encontramos a noção de arqué.

3 - Arqué (ou arkhé)


A arqué é o princípio originário. Tem também o sentido de
comando e, como aponta Marcondes (2001, p. 25-26), serve para
resolver o problema da causalidade ao infinito.

A importância da noção de arqué está exatamente na No geral, para os gregos


tentativa por parte desses filósofos de apresentar uma antigos, certos conceitos
explicação da realidade em um sentido mais profundo, têm concomitantemente
estabelecendo um princípio básico que permeie toda a um sentido estético, ético,
rea1idade, que de certa forma a unifique, e que ao mesmo utilitário e ontológico.
tempo seja um elemento natural. Ta1 princípio daria Mesmo assim, cabe
precisamente o caráter geral a esse tipo de explicação, salientar que, nos
permitindo considerá-la como inaugurando a ciência. pensadores originários
– os pré-socráticos
-, a relação entre ética e
estética ainda não está
Mais à frente você verá como a arkhé foi tratada por cada um dos totalmente consolidada.
filósofos originários – os pré-socráticos. É a partir de Sócrates,
particularmente como a
noção de kalokagathia
4 - O cosmo – ser belo e bom
Em grego, cosmo significa ordenado, ornado. Tendo presente – que isto se consolidará.
Contudo este aspecto em
estas acepções, podemos entender o cosmo como belo – logo, particular será tema de
um princípio, também, estético –, pois o que é bem ordenado, outra disciplina: a Estética.
harmônico, é belo e justo. Neste sentido, diz Marcondes (2001,
p. 26) que

O cosmo é assim o mundo natural, bem como o espaço


celeste, enquanto rea1idade ordenada de acordo com
certos princípios racionais. A idéia básica de cosmo é,
portanto, a de uma ordenação racional, uma ordem
hierárquica, em que certos elementos são mais básicos,
e que se constitui de forma determinada, tendo a
causalidade como 1ei principal. O cosmo, entendido
assim como ordem, opõe-se ao caos ( , que seria
precisamente a falta de ordem, o estado da matéria
anterior à sua organização. É importante notar que
a ordem do cosmo é uma ordem racional, “razão”
significando aí exatamente a existência de princípios e leis
que regem, organizam essa rea1idade. É a racionalidade
deste mundo que o torna compreensível, por sua vez, ao

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entendimento humano. É porque há na concepção grega
o pressuposto de uma correspon¬dência entre a razão
humana e a racionalidade do real – o cosmo – que este
real pode ser compreendido, pode-se fazer ciência, isto
é, pode-se tentar explicá-lo teoricamente. Daí se origina
o termo “cosmo1ogia”, como explicação dos processos e
fenômenos naturais e como teoria geral sobre a natureza e
fundamento do universo.

5 - O lógos
Lógos, a principal noção filosófica, pode ser traduzida por
palavra, discurso, “razão”. É a narrativa explicativa, a qual supõe
encadeamento de juízos de forma coerente e o estabelecimento
das relações de causa e efeito racionalmente. Neste sentido,
difere-se de mythos – o discurso mítico, dos poetas, pois, neste,
certos princípios lógicos não são necessários. Para reforçar tudo
isto, tomemos Marcondes (2001, p. 26-27) novamente:

O lógos é fundamentalmente uma explicação, em que


razões são dadas. É nesse sentido que o discurso dos
primeiros filósofos, que explica o real por meio de causas
naturais, é um lógos. Essas razões são fruto não de uma
inspiração ou de uma reve1ação, mas simplesmente
do pensamento humano aplicado ao entendimento da
natureza. O lógos. É, portanto, o discurso racional,
argumentativo, em que as explicações são justificadas e
estão sujeitas à crítica e à discussão (ver tópico seguinte).
Daí deriva, por exemplo, o nosso termo “lógica”. Porém,
o próprio Heráclito caracteriza a realidade como tendo
um lógos, ou seja, uma racionalidade (ver o conceito de
cosmo acima) que seria captada pela razão humana.
Portanto um dos pressupostos básicos da visão dos
primeiros filósofos é a correspondência entre a razão
humana e a racionalidade do real, o que tomaria possível
um discurso racional sobre o real.

6 - O caráter crítico
Essa é a verdadeira essência da atitude filosófica. Diferente das
noções anteriores, que são teóricas, esta é uma noção prática,
relacionada à atitude necessária para que se possa pensar
filosoficamente. Baseado em Popper, Marcondes (2001, p. 27)
descreve assim esta noção:

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Um dos aspectos mais fundamentais do saber que se
constitui nessas primeiras escolas de pensamento,
sobretudo na escola jônica, é seu caráter crítico. Isto é,
as teorias aí formuladas não o eram de forma dogmática,
não eram apresentadas como verdades absolutas e
definitivas, mas como passíveis de serem discutidas, de
suscitarem divergências e discordâncias, de permitirem
formulações e propostas alternativas. Como se trata de
construções do pensamento humano, de idéias de um
filósofo – e não de verdades reveladas, de caráter divino
ou sobrenatural –, estão sempre abertas à discussão,
à reformulação, a correções. O que pode ser ilustrado
pelo fato de que, na escola de Mileto, os dois principais
seguidores de Tales, Anaxímenes e Anaximandro,
não aceitaram a idéia do mestre de que a água seria o
elemento primordial, postulando outros elementos,
respectivamente o ar e o apeiron, como tendo esta função.
Isso pode ser tomado como sinal de que nessa escola
filosófica o debate, a divergência e a formulação de
novas hipóteses eram estimulados. A única exigência era
que as propostas divergentes pudessem ser justificadas,
explicadas e fundamentadas por seus autores, e que
pudessem, por sua vez, ser submetidas à crítica.

Síntese

Entre os séculos X e VI a.C., os gregos antigos inventaram uma


forma original de explicar a realidade. Essa nova forma de pensar
se caracteriza por uma valorização do ser humano enquanto
parâmetro para compreender o universo, e se opõe às explicações
baseadas em decisões divinas e em forças sobrenaturais.

Uma série de condições sociopolíticas contribuíram para o


desenvolvimento dessa nova mentalidade. Entre elas, podemos
destacar as viagens marítimas, o surgimento da vida urbana e
a invenção do calendário, da moeda, da escrita alfabética e da
política.

Esta passagem de uma mentalidade mítica para uma mentalidade


centrada na racionalidade ocorreu de forma lenta e gradual. Mas,
a partir do séc. VI a.C., já é possível identificar algumas noções
fundamentais da mentalidade filosófica: a physis, a causalidade, a
arqué, o cosmo, o lógos e o caráter crítico.

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UNIDADE 2

A filosofia pré-socrática
2
Objetivos de aprendizagem
 Identificar as principais etapas de desenvolvimento da
filosofia pré-socrática. 
 Diferenciar as principais escolas pré-socráticas. 

 Identificar os principais representantes de cada escola e


seus principais conceitos. 
 Compreender avanços e limites de cada teoria. 

 Identificar e compreender fatores históricos e políticos


que condicionaram o desenvolvimento inicial da
Filosofia.
 Habituar-se ao vocabulário da filosofia grega. 

Seções de estudo
Seção 1 Contexto histórico e localização geográfica

Seção 2 A escola jônica

Seção 3 A escola pitagórica

Seção 4 Xenófanes e a escola eleática

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Seção 5 Os filósofos pluralistas

Seção 6 A escola atomista

Seção 7 O sentido geral da filosofia

Para início de estudo


A partir do séc. VI a.C. ocorre na Grécia uma gradativa
laicização da cultura. Os poemas de Homero e Hesíodo, outrora
considerados fonte de conhecimento da realidade, perdem a sua
relevância explicativa pouco a pouco e vão passando à categoria
de “cultura supérflua” e, sobre certas questões, até mesmo
“danosa”.

A necessidade de compreender a natureza de forma racional


implica, então, buscar novas formas de explicar o que e como
as coisas são e por que são como são. Nessa busca, os primeiros
filósofos vão esbarrar em diversas dificuldades, mas também vão
alcançando algumas vitórias e vencendo etapas importantes.

É essa jornada que vamos acompanhar a partir de agora.


SEÇÃO 1 - Contexto histórico e localização geográfica
Antes de falar dos primeiros filósofos, é necessário fazer maisalguns esclarecimentos
sobre o contexto em que surgiu a Filosofia.

A Grécia antiga, o berço da Filosofia, não era um país. Era, de fato, um conjunto de
dezenas de pequenos países, ou cidades- Estado (pólis). O que ligava esses países era a
sua cultura. O idioma grego, com pequenas variações, era falado em todas as poleis.
Poetas e rapsodos iam de cidade em cidade, apresentando-se em festivais e datas
comemorativas, e disseminavam os mitos de Homero, Hesíodo e de outros autores.

Essa unidade cultural teve origem em questões históricas (comoa formação do próprio
povo heleno através de uma sucessão de invasões do território grego por povos indo-
europeus – Jônios, Eólios, Aqueus e Dórios), características geográficas (relevo
acidentado, solo pouco fértil, proximidade do mar, grande número de ilhas, etc.) e
militares (as cidades-Estado eram incapazes de enfrentar sozinhas as nações mais
poderosas, mas, quando unidas, eram consideradas invencíveis).

escrit
A principal atividade econômica dos gregos era o comércio as por
marítimo. Para garantir seus interesses, os gregos fundaram esses
diversas colônias encravadas em territórios de outros países, pensa
algumas delas implantadas através de guerras e invasões, outras dores
estabelecidas através de acordos pacíficos com grandes reinos. acaba
É nessas colônias que a Filosofia surge e se desenvolve ao longo ram
de quase dois séculos, antes de chegar à pólis de Atenas, onde perde
encontra o seu apogeu na cultura helênica. Veja na figura 2.1 ndo-
uma representação dos domínios helênicos. se ao
longo
dos
milên
ios
que
histor
icame
nte
nos
separ
Figura 2.1 - O mundo grego nos séculos V e IV a.C. am
Fonte: <http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/cienciagrega.htm>.
deles.
Hoje, os filósofos dessa fase inicial da história da Filosofia O
costumam ser chamados de pré-socráticos. Os pré-socráticos pouc
são os “criadores” da Filosofia. Infelizmente, todas as obras o que

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nós conhecemos da filosofia dos pré-socráticos nos chegou,
principalmente, a partir de textos de autores clássicos os quais
citam trechos das obras que se perderam ou fazem alguma
referência clara ao conteúdo de tais obras.

Atualmente, temos dois tipos de fonte em que podemos nos


basear para reconstruirmos como foi o pensamento dos primeiros
filósofos: os fragmentos e a doxografia.

Os gregos se
autodenominavam
helenos, e a Grécia, que
não era um país, e sim
um conjunto de cidades-
Estado, era chamada de
Hélade.
Fragmento é uma parte de um texto que foi
preservada, apesar de a obra completa ter-se perdido.
Muitas vezes são frases transcritas em obras de outros
autores antigos.
Doxografia são comentários, avaliações e explicações
que outros autores antigos fizeram sobre as idéias
defendidas por esses filósofos cujos textos se
perderam. Às vezes são resumos que filósofos ou
historiadores antigos fizeram das idéias defendidas
por algum outro pensador.

Os pré-socráticos podem ser classificados em cinco grupos: os


jônios, os pitagóricos, os eleatas, os pluralistas e os atomistas.
Para ampliar seus conhecimentos sobre a filosofia pré-socrática,
acompanhe explicações sobre cada um destes grupos.

SEÇÃO 2 - A Escola Jônica


A partir do séc. XII a.C., os gregos estabeleceram diversas
colônias nas ilhas do Mar Egeu e na costa oeste da Ásia Menor
(território que hoje faz parte da Turquia). Nos séculos VII e
VI a.C., essa região, na época chamada de Jônia, passa a ser
o principal pólo de desenvolvimento econômico da Grécia
devido à sua posição estratégica para o controle do comércio
no Mediterrâneo. Na mais importante dessas colônias, a pólis
de Mileto, nasceu a Filosofia. Mileto foi o primeiro centro
intelectual da Filosofia. Sua influência durou até a destruição
total da cidade pelos persas, no ano de 494 a.C. Além de
Mileto, a pólis de Éfeso também se destacou como um centro de
discussão filosófica na Jônia.

Numa tradição que remonta a Aristóteles, costuma-se considerar


Tales de Mileto (640 -- 562 a.C.) como sendo o primeiro filósofo,
seguido de Anaximandro (610 -- 547 a.C.) e de Anaxímenes (585
-- 528 a.C.),ambos também de Mileto,e de Heráclito de Éfeso
(540 -- 470 a.C.).

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Por que Tales é considerado o primeiro filósofo?

O que ele fez de diferente?

Caracteriza o trabalho de Tales e dos outros pensadores jônios


a tentativa de compreender a realidade sem fazer referência a
elementos sobrenaturais. O que eles procuram são explicações
para os fenômenos naturais, baseadas exclusivamente na
observação atenta e no raciocínio cuidadoso.

A Filosofia nasce como uma tentativa de elaborar uma


teoria sobre a natureza (physis), que explique os seus
fenômenos sem falar em deuses, em magia ou em
forças ocultas.

Mas surge aqui um primeiro problema conceitual:

O que é a natureza? Como diferenciar o natural do sobrenatural?

Em Grego, em Latim e também em Português, a


palavra natureza é formada a partir de um radical
que indica nascimento. Natureza é o conjunto de tudo
aquilo que é natu (nascido).

Na realidade concreta, no entanto, às vezes é difícil determinar


quando ocorre o nascimento de algumas coisas. E, mais
ainda: às vezes a morte de uma coisa é o nascimento de outra.
Assim, a natureza passa a ser pensada como uma sucessão de
transformações, como devir. Não é difícil perceber que essas
transformações não são totalmente aleatórias; ao contrário, elas
parecem seguir certa ordem (cosmos).

Os seres concretos, os objetos, não surgem do nada, nem por


acaso. Também não podem ser totalmente destruídos. O processo
de geração e corrupção (produção e destruição) dos seres envolve
a combinação ou separação de elementos materiais, que não são
criados nem desaparecem totalmente nessa transformação.
Uma semente, ao germinar, passa a absorver água,
elementos do solo e do ar. Toda essa matéria
é absorvida, transformada e reorganizada, vai
ganhando aos poucos a forma de uma planta
que cresce, vive durante certo tempo e morre, se
decompõe e vira matéria-prima para o surgimento de
novos seres.
Toda a matéria que compõe a árvore foi retirada do
solo e voltará a ser solo. A matéria-prima já existia e
continuará existindo mesmo após a destruição total
da árvore.
Essa é uma forma nova de compreender a realidade.
Veja que, aqui, não se fala em quem criou a árvore.

Essa nova forma de compreender a realidade esbarra em um


problema: Qual é a matéria-prima elementar de que é feita a
natureza? Qual seria esse elemento primordial (arkhé), capaz de
se transformar em barro, em madeira, em carne, em pedra ou em
qualquer outra matéria? Esse é o problema que marca o início da
Filosofia. É também o primeiro ponto de discordância entre os
filósofos jônios.

Para compreendermos as contribuições da chamada escola jônica,


precisamos dividi-la em duas fases. A primeira está centrada na
pólis de Mileto; a segunda na pólis de Éfeso.

A Física Milésia
Da contribuição original dos filósofos de Mileto, não restou
nenhum documento escrito. Tudo o que conhecemos de Tales,
Anaximandro e Anaxímenes nos chegou através de comentários
(doxografia) feitos por filósofos e historiadores antigos, ou através
de pequenos trechos (fragmentos) citados por autores antigos
que, presumivelmente, tiveram acesso às obras originais. Uma
das principais fontes de acesso às elaborações intelectuais dos
pensadores milésios são as obras de Aristóteles. Em sua obra
Metafísica, Aristóteles refere-se a esses primeiros filósofos como
fisiólogos (estudiosos da physis).

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Tales de Mileto (fim do séc. VI a.C.)
De Tales, o primeiro filósofo, sabemos hoje muito pouco.
Além de não dispormos sequer de fragmentos de suas
obras, até mesmo os testemunhos que nos chegam dele
são precários. Mesmo assim, ele é a mais antiga referência
histórica que temos de alguém que buscou unir, difundir
e estimular duas tradições: a tentativa de determinar com
precisão qual seria a matéria elementar de que é feita
a natureza e a tentativa de aprimorar continuamente o
conhecimento da natureza através da crítica racional das Figura 2.2 – Tales de Mileto.
teorias já disponíveis. Fonte: <www.moderna.com.br/.../
imagem/talesdemileto.jpg>.

Sabia mais sobre Tales de Mileto!


Além de filósofo, Tales se destacou na astronomia e na
matemática e foi considerado um dos sete sábios da
Grécia Antiga.

A partir de suas pesquisas, Tales identificou a água como sendo


a arkhé, a substância primordial de que são feitas todas as outras
substâncias. Para ele:

 tudo é água; 
 todas as substâncias materiais são obtidas ou por
condensação ou por evaporação da água;
 a Terra é um disco (achatado e circular) feito de água
transformada em outros tipos de matéria;
 esse disco flutua no universo, que é todo feito de água.

Se levarmos essas idéias de Tales ao pé da letra, elas podem


parecer tolices. Mas, na verdade, a contribuição de Tales foi
revolucionária. Contando principalmente com a sua própria
observação e com uma linguagem ainda não desenvolvida para
a elaboração de teorias científicas, Tales precisou ainda utilizar-
se de metáforas para dar início à construção de uma descrição
racional do cosmos. Ao dizer que tudo é água, ele não está
falando especificamente de H2O, mas sim da umidade. Talvez
fosse mais exato traduzir a frase de Tales como: “Tudo vem do
úmido”.
Após ter identificado a forma como a água se transforma em
todas as coisas (através da condensação e da evaporação), Tales
precisava explicar por que ocorrem essas transformações. Mais
uma vez, ele é obrigado a recorrer a uma metáfora: Tudo é cheio
de deuses.

Atenção!
Certamente, o pai da Filosofia não estava usando
a palavra “deuses” num sentido religioso. Tales se
referia a certos fenômenos naturais observáveis, como
a atração entre o ferro e o imã, ou como a gota de
orvalho, que parece segurar-se a uma folha de árvore
instantes antes de cair. A matéria, mesmo os minerais,
parece ser dotada de uma força intrínseca, capaz de
interferir naquilo que está à sua volta.

De acordo com o grau de condensação ou evaporação da matéria


e, principalmente, em função das combinações de porções de
matérias diferentes, essa força pode variar em intensidade e
manifestar-se de formas variadas. Por isso o grão de areia é
inerte, o fogo é inquieto, o ar é inconstante; por isso é que vemos
as diferenças entre os minerais, os vegetais, os animais e os
humanos. Mas tudo na natureza pode ser explicado a partir da
própria natureza.

Anaximandro de Mileto (fim do séc. VI a.C.)


Anaximandro foi discípulo e continuador do trabalho de
Tales. Assim como o seu mestre, foi reconhecido como
importante astrônomo e matemático. Foi geógrafo e político.
Atribui-se a ele a confecção de um mapa-múndi, a introdução
na Grécia do uso do Gnômon (relógio solar), a medição das
distâncias entre as estrelas e a descoberta da obliqüidade do
zodíaco.

Mas, assim como Tales, sua principal contribuição está na


tentativa de identificar com precisão o elemento primordial
Figura 2.3 – Anaximandro de
Mileto. do cosmos e as causas dos fenômenos naturais (astronômicos,
Fonte: <www.mgrande.com/.../ meteorológicos, físicos, biológicos, etc.).
anaximandro.jpg>.
No entanto, diferente de Tales, Anaximandro não identifica a

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arkhé
a
nenhu
ma
subst
ância
conhe
cida.
Para
ele, a
subst
ância
primordial não poderia ser nada que fosse específico, nada que
tivesse propriedades determinadas. Caso contrário, não seria
possível explicar racionalmente o surgimento das propriedades
contrárias.

Se a arkhé fosse úmida, ela não poderia ser a origem


do seco; se fosse clara, não seria possível a ela gerar o
escuro, etc.

Deveria haver, portanto, uma substância primordial indefinida,


eterna e indestrutível, da qual todos os elementos materiais se
formavam e para a qual todos voltavam. A essa substância, ele
deu o nome de ápeiron (ilimitado ou infinito).

Anaximandro também propõe uma mudança na forma de se


explicar a origem e as transformações das coisas materiais. Na
busca de uma teoria cada vez mais racional, Anaximandro evita o
termo “deuses”, utilizado por seu antecessor, e propõe dois novos
princípios explicativos para o devir: o movimento eterno e a diké
(justiça).

De acordo com a teoria de Anaximandro, o ápeiron, por sua


própria natureza, está em eterno movimento, em constante
transformação. Essa transformação contínua não teve começo
e nunca terá fim. É esse movimento implacável, em forma de
turbilhão, que faz surgir o universo das coisas materiais. Ou
melhor, é através desse fluxo ininterrupto que surgem vários
universos. Cada um desses universos passa por incontáveis
transformações e, mais cedo ou mais tarde, todos voltam a
desaparecer no ápeiron. Dessa forma, a matéria que hoje compõe
o nosso mundo, pode já ter feito parte de um outro universo, e
poderá vir a formar diversos outros.

No entanto esse movimento não é totalmente caótico. Ele segue


um princípio geral inevitável: a diké (justiça). A justiça funciona
como um princípio de compensação obrigatória que é arbitrada
por um juiz: o tempo. O ápeiron tende a permanecer sempre
indeterminado. Cada vez que o seu movimento intrínseco gera
algo determinado, gera, como conseqüência, também o seu
contrário. Ou seja, o surgimento da luz precisa ser compensado
com um período de escuridão; o aparecimento de matéria seca

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terá como conseqüência a geração de matéria umidade.
Assim, conforme Anaximandro, toda existência
de algo materialmente determinado tem que ser
compensada pela existência do seu contrário.

Dessa forma, embora seja possível para nós identificar, em partes


diferentes do mundo a nossa volta, o frio e o calor, o duro e o
intangível, o leve e o pesado, a soma geral de tudo o que existe,
já existiu ou virá a existir é sempre neutra, é indiferenciada,
pois, ao se juntarem os contrários, eles anulam mutuamente suas
diferenças, voltando a ser ápeiron.

Acompanhe um fragmento atribuído a Anaximandro de Mileto:

Entre os que admitem um só princípio móvel e infinito,


Anaximandro de Mileto, filho de Praxíades, sucessor
e discípulo de Tales, disse que o princípio e elemento
das coisas que existem era o ápeiron (indefinido), tendo
sido ele o primeiro a introduzir este nome do princípio
material. Diz ele que tal princípio não é nem a água
nem qualquer outro dos chamados elementos, mas uma
outra natureza indefinida, de que provêm todos os céus
e os mundos neles contidos. E a fonte da geração das
coisas que existem é aquela em que se verifica também a
sua destruição segundo a necessidade; pois pagam castigo e
retribuição umas às outras, pela sua injustiça, de acordo com
o decreto do tempo. (Simplício, Física, 24, 13 apud KIRK;
RAVEN; SCHOFIELD, 1994, p. 106-107).

Anaxímenes de Mileto (?585 a.C. – 529 a.C.)


Com Anaxímenes, a filosofia milésia chega ao seu ápice.
Seguidor de Tales e de Anaximandro, seu esforço estava
voltado para a elaboração de uma teoria sobre a natureza cada
vez mais abrangente e racionalizada. Anaxímenes aperfeiçoa a
tese de Tales do elemento primordial único, ao mesmo tempo
que incorpora algumas inovações propostas por Anaximandro.
Por outro lado, ele também propõe novas soluções teóricas que
Figura 2.4 – Anaxímenes de Mileto.
Fonte: <www.pensament.com/.../ tornam a sua filosofia mais simples e consistente que a de seus
anaximenes.jpg>. antecessores.

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Discordando de Tales, Anaxímenes defende a idéia de que tudo é
feito de ar. No entanto, se o ar se transforma em água (liquefação)
e a água pode transformar-se em ar (evaporação) – como já vimos
ao falar de Tales – a grande diferença entre esses dois filósofos
está na representação do universo feita por Anaxímenes: para ele
a Terra é um disco que flutua no ar.

Aqui também é preciso deixar claro que “ar” não


corresponde exatamente ao que chamamos
contemporaneamente de ar. Refere-se mais
propriamente a vapor.

Diferente de Anaximandro, Anaxímenes não propõe que a arkhé


seja um elemento diferente daqueles que já conhecemos. Mas,
se por um lado ele rejeita a solução de seu antecessor, não pode
deixar de buscar uma solução para as dificuldades levantadas por
Anaximandro contra a aceitação de que a substância fundamental
do universo pudesse ser algum elemento com características
determinadas.

A matéria primordial precisa, de fato, ser qualitativamente


indefinida para ser capaz de originar os contrários. Mas o ar,
segundo Anaxímenes, é capaz de atender a essa necessidade: ele
pode tanto ser quente quanto pode ser frio; pode ser úmido, ou
seco. O ar não tem uma forma definida. Ele está em toda parte
e nele nada é determinado. Ou seja, o ar se parece muito com
o ápeiron, mas com uma vantagem em termos de consistência
teórica: embora possamos ter motivos racionais para crer que
o ápeiron exista, não é possível confirmar empiricamente essa
existência. Já o ar pode ser sentido e percebido através da
experiência, e ninguém que estiver sendo razoável irá questionar
a sua existência. Assim, a escolha de Anaxímenes tem a seu favor,
em primeiro lugar, um grau maior de simplicidade em relação aos
princípios fundamentais sobre os quais se apóia. Essa nova forma
de conceber a arkhé exige menos da boa vontade daqueles que
estiverem dispostos a avaliar a razoabilidade de uma explicação
desmitificada da natureza.
Como surgem todos os demais elementos materiais?

Mais uma vez, Anaxímenes é minimalista: toda distinção é


sempre quantitativa. A diferença entre uma pedra e a pluma é a
quantidade de ar que cada uma contém. A diferença entre o calor
e o frio também é explicada pela maior ou menor quantidade de
ar. E o modo pelo qual o ar assume as mais diferentes formas
materiais é a condensação e a rarefação.

Mas a maior contribuição da filosofia de Anaxímenes foi ter


proposto uma explicação para a origem da vida de uma forma
totalmente desmistificada. Embora Tales já tivesse considerado
que as leis que regem a natureza são as mesmas que regem
os seres vivos (ao afirmar que “tudo está cheio de deuses”),
Anaxímenes esmera-se em formular essa mesma idéia sem
recorrer a uma linguagem que contivesse referências, ainda que
metafóricas, a elementos sobrenaturais. “O mundo respira” − essa
é a solução encontrada por Anaxímenes.

Se tudo é feito de ar, é natural que, em maior ou menor


velocidade e intensidade, tudo esteja, continuamente, ou
absorvendo ou exalando ar. Tudo respira. Nos animais isso
é facilmente perceptível. E, mesmo em certos fenômenos da
natureza mineral, essa respiração é detectável. O fogo, por
exemplo, necessita de ar para manter-se aceso, ao mesmo tempo
que libera um outro tipo de ar, misturado com cinza, que é
chamado de fumaça.

Seguindo essa analogia, a evaporação da água e a chuva, o verão


e o inverno, o nascer do sol e o ocaso, a vida e a morte nada
mais são do que aspectos observáveis da respiração disseminada
por todas as partes do universo; nada mais são do que fases do
complexo e intrincado ciclo de compressões e descompressões de
ar.

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Tudo é, no fundo, a manifestação de um único
princípio fundamental: o ar em movimento. Embora
abstratamente possamos decompor este princípio
único em dois - o ar e o movimento - , na realidade
não há essa dualidade: tudo o que existe é ar, e o ar
possui como característica essencial uma motilidade
a qual, algumas vezes, o torna mais rarefeito, e, outras
vezes, mais comprimido.

Acompanhe alguns fragmentos atribuídos a Anaxímenes de


Mileto.

Anaxímenes de Mileto, filho de Eurístrato, que foi


companheiro de Anaximandro, diz também que
a natureza subjacente é una e infinita, porém não
indefinida, como afirmou Anaximandro, mas definida,
pois a identifica com o ar; e que ela difere, na sua
natureza substancial, pelo grau de rarefação e de
densidade. Ao tornar-se mais sutil, transforma-se em
fogo; ao tornar-se mais densa, transforma-se em vento,
depois em nuvem, depois (quando ainda mais densa)
em água, depois em terra, depois em pedra. E tudo o
mais provém dessas substâncias. Ele admite também o
movimento perpétuo através do qual ocorre a mudança.
(Simplício, Física, 24, 26 apud KIRK; RAVEN;
SCHOFIELD, 1994, p. 147).

A matéria que é comprimida e condensada é fria, e a que


é rarefeita e ‘frouxa’ é quente. (Plutarco, De Prim. Fig.,
7, 947 F apud KIRK; RAVEN; SCHOFIELD, 1994, p.
151).

Como a nossa alma, que é ar, nos mantém unidos, assim


também a respiração e o ar mantêm todo o cosmo.
(Aécio, I, 3. 4. Apud KIRK; RAVEN; SCHOFIELD,
1994, p. 161).
Saiba mais sobre o sentido geral da filosofia
milésia!
Será que a natureza foi criada? Será que um deus
a criou? Tais questionamentos não interessam
aos primeiros filósofos, pois qualquer explicação
criacionista extrapolaria os limites da observação e do
raciocínio, adentrando no campo da fé.
Essa é, de fato, a originalidade dos pensadores
de Mileto que, ao invés de uma teogonia -- uma
explicação da criação do mundo - , buscam uma
cosmologia - uma explicação racional e científica dos
fenômenos da natureza.

Heráclito de Éfeso (540 --470 a.C.)


Nos séculos VII e VI a.C. a pólis de Mileto havia sido
o principal centro econômico da Grécia. Mileto era
aliada do poderoso reino da Lídia, em cujo território
estava encravada. Quando a Lídia foi atacada pelos
persas, Mileto se opôs à invasão. Após ter vencido os
lídios, os persas destruíram Mileto completamente.
Uma outra pólis grega, no entanto, foi poupada e
recompensada. Era Éfeso, que durante o conflito
tornara-se aliada dos persas. Éfeso assume, a partir de
Figura 2.5 – Heráclito de Éfeso. então, um papel de destaque no comércio marítimo e
se torna a principal pólis grega da primeira parte do
Fonte: <upload.wikimedia.org/wikipedia/
commons/thumb/...>. séc. V a.C.

Foi justamente nesse período de rápidas mudanças no cenário


político e cultural da Jônia, e também de esplendor econômico de
Éfeso, que viveu um filósofo chamado Heráclito.

Legítimo representante da família real, Heráclito abdicou do seu


direito ao título de rei em favor de seu irmão. A partir de então,
Heráclito se tornou o principal representante da segunda fase
do pensamento jônico. Conhecido por sua misantropia e pelo
Misantropia é aversão ao convívio caráter enigmático da sua obra, foi chamado na Antigüidade
social, desprezo pelos outros. de “o obscuro” e de “o fazedor de enigmas”. Ele desprezava
praticamente tudo o que era enaltecido em sua época: os poetas
épicos (Homero e Hesíodo), a política grega como um todo e,
em particular, a democracia, e desprezava também os filósofos

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que o antecederam. Depois disso tudo, não é de estranhar que ele
também desprezasse a plebe.

Por outro lado, Heráclito desenvolveu uma nova forma de


pensar que marcou profundamente todo o pensamento filosófico
posterior.

Os pontos principais da filosofia de Heráclito são os


seguintes:
 a realidade deve ser buscada para além das
aparências;
 o verdadeiro conhecimento provém da razão, e não
da experiência;
 o princípio fundamental do cosmos é a “luta dos
contrários”;
 tudo está em constante transformação, tudo é devir,
tudo flui (panta rei);
 a substância primordial da natureza é o fogo (a
arkhé da physis é pyr);
 o tempo é cíclico.

Heráclito foi um crítico severo em relação às teorias cosmológicas


dos filósofos milésios. Para ele, os fisiólogos de Mileto davam
muita atenção para a experiência e usavam pouco a razão como
possibilidade de ir além das aparências. Mais importante do
que ver é compreender o que se está vendo. “Os olhos e ouvidos
são más testemunhas para os homens, se as almas destes não
compreendem a linguagem daqueles.” (fragmento 107 apud
SOUZA, 2000, p. 99).

O real, para Heráclito, não é aquilo que é concreto, aquilo que


pode ser visto e tocado, pois nada se conserva eternamente. “Não
se pode entrar duas vezes no mesmo rio”, diz ele. (fr. 91 apud
SOUZA, 2000, p. 97).

Mais cedo ou mais tarde, tudo o que existe concretamente


deixará de existir. Só o devir (a transformação) é que sempre
permanece. Por isso, o fogo é a melhor imagem que podemos
fazer da matéria da qual o universo é composto. Embora
possamos vê-lo e senti-lo, ele não é uma “coisa”, ele é um
“fluxo”. Tudo vem do fogo e pelo fogo tudo é consumido.
Como em Anaxímenes, esse processo ocorre através de
condensação e rarefação. Ao se condensar, o fogo se umidifica e
se torna matéria; ao se tornar mais rarefeita, a matéria se torna
incandescente.

Mas, por que acontece a condensação e a rarefação? Porque a


essência do cosmos é o conflito (pólemos), a luta dos contrários.
Veja um exemplo.

Para se desenvolver adequadamente, a planta precisa


da luz do dia e da escuridão da noite, precisa de dias
com sol e dias de chuva, precisa crescer e precisa ser
podada. Tudo na natureza surge da concorrência dos
opostos.

Essa tese de Heráclito se parece com aquela idéia de


Anaximandro de que o ápeiron possui um movimento intrínseco
e de que tudo o que é gerado a partir dessa indeterminação
precisa ser compensado com o seu contrário. Mas Heráclito faz
três ressalvas a essa idéia:

 não há na natureza um juiz nem injustiça alguma.


“O tempo é criança brincando” (fr. 52 apud SOUZA,
2000, p. 93). Assim como uma criança sente prazer em
construir um castelo de areia, logo em seguida ela sente
prazer também em destruí-lo – não há aqui nenhuma
injustiça;
 tudo que existe é uno e duplo simultaneamente, tudo traz
em si mesmo o seu contrário. “A rota para cima e para
baixo é uma e a mesma” (fr. 60 apud SOUZA, 2000, p.
94);
 todas as coisas possuem uma tensão intrínseca entre
os opostos; as coisas existem enquanto essa tensão se
mantém através do equilíbrio entre os opostos e são
destruídas quando a tensão é desfeita (por relaxamento
ou por ruptura), tal como um arco de atirar flechas.
“O divergente consigo mesmo concorda; harmonia de
tensões contrárias, como de arco e lira” (fr. 51 apud
SOUZA, 2000, p. 93).

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


Heráclito fez algumas críticas aos filósofos anteriores, mas não
chegou a elaborar uma filosofia sistemática para substituir suas
teorias. Não acreditava que valesse a pena perder o seu tempo
escrevendo de forma didática o que sabia, pois se considerava
superior. No entanto acredita-se que ele tenha escrito uma
obra em que reunia frases soltas, que mais anunciavam do que
explicavam as suas idéias.

Considerado um dos “Sete Sábios da Grécia”, Heráclito


influenciou alguns aspectos da filosofia de Sócrates, de Platão e
dos estóicos.

Conheça alguns fragmentos atribuídos a Heráclito de Éfeso.

Os fragmentos abaixo seguem a numeração de Diels-Kranz


(DK), utilizada pelas principais traduções disponíveis em
português.

13. Porcos em lama se comprazem, mais do que em água


limpa.

29. Pois uma só coisa escolhem os melhores contra todas


as outras, um rumor de glória eterna contra as coisas
mortais; mas a maioria está empanturrada como
animais.

30. Este mundo, o mesmo de todos os (seres), nenhum


deus, nenhum homem o fez, mas era, é e será um fogo
sempre vivo, acendendo-se em medidas e apagando-se
em medidas.

36. Para almas é morte tornar-se água, e para água é morte


tornar-se terra, e de terra nasce água, e de água alma.

49. Um para mim vale mil, se for o melhor.

49a. Nos mesmos rios entramos e não entramos, somos e


não somos.

50. Não de mim, mas do logos tendo ouvido é sábio


homologar tudo é um.

52. Tempo é criança brincando, jogando; de criança o


reinado.
53. O combate é de todas as coisas pai, de todas rei, e uns
ele revelou deuses, outros, homens; de uns fez escravos,
de outros livres.

60. A rota para cima e para baixo é uma e a mesma.

73. Não se deve agir nem falar como os que dormem.

90. Por fogo se trocam todas as (coisas) e fogo por todas, tal
como por ouro mercadorias e por mercadorias ouro.

101. Procurei-me a mim mesmo.

119. O ético no homem é o demônio e o demônio é o ético.


Em grego, demônio equivale ao que
hoje nós chamaríamos de anjo-da- 123. A natureza ama esconder-se.
guarda.
Fonte: Souza (2000, p. 88 - 101).

SEÇÃO 3 - A Escola Pitagórica


Na segunda metade do séc. VI a.C., algumas colônias gregas
fundadas no sul da Itália e na Sicília começam a ganhar
importância no comércio marítimo. Aos poucos, essas colônias
começam a rivalizar com as potências jônicas tanto em termos
econômicos quanto em termos culturais. Além disso, Ciro, que
tornou-se rei da Pérsia em 559 a.C., passa a exigir a submissão
das colônias da Jônia.

Éfeso se submete e torna-se aliada dos persas, mas Mileto, como


você já leu, se opõe e é totalmente destruída em 494 a.C. Tudo
isso acaba estimulando a transferência de algumas famílias mais
abastadas para o sul da Itália (região que era chamada de Magna
Grécia na época). Entre esses migrantes, duas figuras marcaram
a história da filosofia: Pitágoras (fundador da escola pitagórica)
e Xenófanes (inspirador da escola eleática). Nesta seção, vamos
falar do primeiro deles, na próxima seção falaremos do outro.

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


Pitágoras de Samos (?571 a.C. -- 497 a.C.)
Pouco se sabe sobre o início da vida de Pitágoras.
Acredita-se que tenha nascido em Samos, na Jônia.
Por volta do ano 540, já adulto, transferiu-se para
Crotona, na Magna Grécia, onde fundou uma
fraternidade esotérica. Sabe-se muito pouco sobre essa
fraternidade, pois os ensinamentos de Pitágoras eram
mantidos em segredo e apenas os membros da escola
tinham acesso a eles. No entanto uma pequena parte
desses ensinamentos tornou-se conhecida e influenciou
profundamente o rumo posterior da ciência, da arte e da Figura 2.6 – Pitágoras de Samos.
Filosofia. Fonte: <www.biografiasyvidas.com/.../
fotos/pitagoras.jpg>.
A influência da escola pitagórica era tão grande que
chegou a provocar reações em alguns setores da política
de Crotona. Pitágoras transferiu-se então para Metaponto, onde
passou os últimos anos de sua vida. Mesmo após a morte de seu
fundador, a escola pitagórica manteve suas atividades, exercendo
profunda influência no desenvolvimento posterior da filosofia.
Os principais discípulos da escola foram Filolau e Alcmeon.
Acredita-se que as palavras filósofo e filosofia tenham sido criadas
por Pitágoras.

Duas concepções pitagóricas exerceram grande


influência na filosofia:
 a idéia de imortalidade da alma;
 a tese de que tudo é feito de números.

Pitágoras provocou uma grande mudança na Filosofia. Ele


reintroduziu no discurso filosófico alguns temas que haviam sido
banidos por sua conotação mítica e, ao mesmo tempo, fez com
que a própria idéia de natureza e de matéria fosse repensada.

A “grande sacada” de Pitágoras foi perceber que nem tudo o que é


intangível é sobrenatural.

Uma descoberta atribuída a Pitágoras pode ter sido o ponto de


partida para a sua filosofia: a relação entre a harmonia musical
e a aritmética. Pitágoras descobriu que as cordas da lira, se
submetidas à mesma tensão, eram harmônicas entre si quando
No estudo das relações numéricas, obedeciam a proporções exatas, correspondentes a números
a mais famosa descoberta de
inteiros do tipo 1/1, 1/2, 1/3, 1/4, etc. A desarmonia (ou
Pitágoras foi encontrada na
geometria: é o teorema que leva o
desafinação) ocorre quando essa proporção não é respeitada. Essa
seu nome, o qual revela que “num possibilidade de explicar uma das propriedades do som através da
triângulo retângulo, a soma do matemática deve ter levado Pitágoras a elaborar novas teorias e
quadrado dos catetos é igual ao buscar novas relações.
quadrado da hipotenusa”.
Pitágoras assumiu como princípio teórico a tese de que a ordem
do universo (cosmos) deveria ser como uma harmonia entre
cordas musicais. Ou melhor, que a harmonia das cordas era
apenas uma das manifestações da harmonia cósmica. Isso é
perceptível não apenas na música, mas em todas as artes: o belo
artístico é sempre obtido pela proporção (seja na arquitetura, no
ritmo, na métrica da poesia, etc.). A essência do cosmos (ordem),
portanto, é a proporção. E essa proporção é feita de números (o
que equivale a dizer que a arkhé é o número).

Os números podem ser combinados de várias formas. Através


da aritmética, os números formam proporções lineares. Através
da geometria, proporções planas. Através da estereometria (ou
geometria espacial), proporções tridimensionais.

Mas, como o número, que é uma entidade abstrata,


pode tornar-se matéria?

A resposta para essa pergunta não foi divulgada para os não-


iniciados. Aqui, portanto, ficamos entregues à nossa própria
Figura 2.7 – Tetractys. imaginação. O que sabemos é que os pitagóricos usavam
Fonte: Elaboração do autor. vários símbolos e, destes, dois eram especiais e, talvez, possam
constituir uma dica para chegarmos à resposta. Os dois símbolos
eram a tetractys e o pentagrama.

A tetractys é uma representação dos quatro primeiros números


através de pontos, somando 10 pontos no total. Este esquema é
uma representação da sucessão natural. É possível que a tetractys
fosse uma indicação do processo de transformações sucessivas que
levam da unidade originária à matéria física.
Figura 2.8 – Pentagrama.
Fonte: <http://www.famat. O pentagrama representa cosmo, a ordem perfeita. Representa
ufu.br/revista/revistaset2006/
artigos/Artigo_Giselle_Marcos. tanto o macrocosmo (o universo como um todo) quanto o
pdf>. microcosmo (o ser humano).

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


No pentagrama encontramos a proporção perfeita (ou
A+B A
proporção áurea, ou divina proporção). Essa proporção é =
amplamente encontrada na natureza e foi a base da arte A B
grega clássica e, mais tarde, da arte renascentista. Também Figura 2.9 - Proporção áurea.
encontramos referências a ela na filosofia de Platão. Fonte: Elaboração do autor.

Em relação à imortalidade da alma, também não temos


nenhuma informação segura sobre o seu real significado na
filosofia de Pitágoras. Parece certo que os pitagóricos aceitavam
a transmigração (metempsicose – ou reencarnação da alma, após
a morte do corpo, em um novo corpo humano ou animal).
Também parece certo que isso levava os pitagóricos a se absterem
de comer carne.

Como não temos acesso a vários elementos importantes da


filosofia pitagórica, muito se fantasiou sobre ela. Se seus
ensinamentos incluíam conotações místicas e religiosas, isso já
foge ao domínio de uma investigação filosófica. O que realmente
interessa para uma compreensão da história da filosofia é saber
que ele não só uniu a matemática e a filosofia, mas fez com
que uma se confundisse com a outra. A partir de Pitágoras,
a racionalidade se separa cada vez mais da experiência e se
caracteriza principalmente como raciocínio abstrato, conceitual e
dedutivo.

SEÇÃO 4 - Xenófanes e a escola eleática


Além da Escola Pitagórica, a Magna Grécia contou
com um outro importante centro de formação filosófica,
a Escola Eleática, cujo principal representante foi
Parmênides. Os eleatas, no entanto, sofreram uma forte
influência de Xenófanes, um poeta nômade, oriundo da
Jônia. Vejamos como foi o desenvolvimento dessa escola.

Xenófanes de Cólofon (570 a.C. – 475 a.C.)


Xenófanes nasceu em Cólofon, na Jônia. Ainda jovem,
viajou para a Magna Grécia, onde passou a viver como Figura 2.10 – Xenófanes de Cólofon.
rapsodo, compondo poemas e declamando-os, viajando Fonte: <www.ideayayinevi.com/.../
de cidade em cidade. xenofanes/xenofanes.jpg>.
Grande crítico da religião grega e dos mitos de Homero
e Hesíodo, Xenófanes ataca a imoralidade dos deuses da
mitologia grega; crítico dos pitagóricos, ridiculariza a crença na
transmigração da alma.

Defende em seus poemas a idéia de que “tudo é um e o um é


deus” (panteísmo).

Embora não tenha elaborado uma teoria filosófica sistemática


(já que o seu interesse maior era a poesia e a crítica à religião),
Xenófanes influenciou, com sua temática e seu estilo, o
pensamento de Parmênides e seus seguidores.

Conheça o mais famoso fragmento atribuído a Xenófanes:

Mas se os bois, os cavalos e os leões tivessem mãos ou se fossem


capazes como os homens de pintar obras com as mãos, os cavalos
como os cavalos, os bois como os bois pintariam o aspecto dos
deuses, e fariam o corpo deles tal qual cada um deles o tem. (fr.
15 apud SOUZA, 2000, p. 70)

Parmênides de Eléia (530 a.C. – 460 a.C.)


Parmênides nasceu em Eléia, na Magna Grécia. Além de
filósofo, envolveu-se ativamente na vida política e teria inclusive
redigido a Constituição de Eléia.

Em parte influenciado por Pitágoras e por Xenófanes,


Parmênides fundou uma das mais influentes escolas pré-
socráticas, conhecida como escola eleática. Seus principais
seguidores foram Zenão de Eléia e Melisso de Samos.
Figura 2.11 – Parmênides de Eléia.
Fonte: <www.educ.fc.ul.pt/.../
images/Parmenides.jpg>. Parmênides é o primeiro filósofo a utilizar
sistematicamente o termo “ser”. Por isso ele também
é conhecido como “o pai da metafísica” ou “o pai da
ontologia”.

Em um poema intitulado Sobre a Natureza, Parmênides descreve


duas formas de se falar sobre a realidade: o caminho da verdade
(alétheia) e o caminho da opinião (doxa).

O caminho da verdade é aquele em que “o ser é, e o não ser não

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


é”. A
verdade
é o ser e
o ser é a
verdade.
O ser é
uno,
limitado,
indivisível, imutável e eterno. Só o ser existe; só ele é pensado;
só ele pode ser dito, sem que haja engano em nossa fala. Mas,
embora o ser possa ser compreendido e comunicado, não há como
percebê-lo através da experiência.

O outro caminho é o da opinião (doxa). É o conhecimento


da experiência, conhecimento das coisas em constante
transformação, no qual nada é definitivo. Assim, aquilo que
agora é de um jeito, daqui a pouco já é diferente. A percepção da
realidade através dos cinco sentidos e da experiência é a fonte da
doxa e é um caminho para o engano. Na doxa, “o não-ser é, e o
ser não é”.

O caminho da verdade é o caminho da filosofia.

Veja um quadro comparativo das idéias de Heráclito e


Parmênides.

Podemos assinalar algumas semelhanças entre as


filosofias de Parmênides e Heráclito. Observe.
 A realidade deve ser buscada para além das
aparências.
 O verdadeiro conhecimento provém da razão, e não
da experiência.

No entanto, há também algumas diferenças


fundamentais entre elas.

Heráclito defende: Parmênides defende:


o mobilismo; o monismo;
o ser é duplo e contraditório; o ser é uno;
a realidade é puro movimento; o ser é imóvel;
o tempo é cíclico. o ser é eterno (o tempo é uma
ilusão).

Acompanhe um fragmento atribuído a Parmênides de Eléia:

Pois bem, eu te direi, e tu recebe a palavra que ouviste, os únicos


caminhos de inquérito são a pensar: o primeiro, que é e portanto
que não é não ser, de Persuasão é o caminho (pois à verdade
acompanha); o outro, que não é e portanto que é preciso não

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ser, este então, eu te digo, é atalho de todo incrível; pois nem
conhecerias o que não é (pois não é exeqüível), nem o dirias... ( fr.
2 apud SOUZA, 2000, p. 122)

Zenão de Eléia (?495 a.C. – 430 a.C.)


Zenão foi o principal discípulo de Parmênides (algumas
fontes indicam que ele era filho adotivo do fundador da
escola eleática). Também se envolveu com a política, mas na
condição de mártir: acusado de conspiração por um governante
de Eléia, foi torturado para que confessasse o nome de seus
companheiros, mas preferiu morrer a entregá-los. Após esse
fato, Zenão passou a ser venerado como um herói por seus
conterrâneos, e muitas lendas surgiram a seu respeito.
Figura 2.12 – Zenão de Eléia.
Fonte: <www.eurosophia.com/.../
Na filosofia, Zenão entrou para a história principalmente por
filosofos/fotos/zenao.jpg>. ter elaborado um conjunto de argumentos contra o movimento
e a multiplicidade, conhecidos como paradoxos de Zenão.
Vejamos dois deles:

Argumento da dicotomia – Imagine uma flecha disparada na


direção de um alvo. A ponta da flecha está no ponto A; e o alvo,
no ponto B. Ora, a flecha nunca poderá atingir o ponto B, pois,
antes de atingi-lo, teria que atingir o meio do caminho entre A
e B, isto é, um ponto C. Mas, para atingir C, teria que atingir
primeiro o meio do caminho entre A e C, isto é, um ponto D.
E, assim, sucessivamente, ao infinito. Mas isso significaria que
a flecha teria que percorrer infinitos pontos, antes de chegar a
B. Como é impossível passar por infinitos pontos (porque se
é um número infinito, jamais se chega ao final), deduz-se que
é logicamente impossível que a flecha chegue ao alvo. Aliás, a
flecha nem sequer sai do lugar.

Argumento de Aquiles – Imagine uma corrida entre um atleta


velocista (Aquiles) e uma tartaruga. Se Aquiles deixa a tartaruga
largar alguns metros à sua frente, ele jamais a alcançará, porque,
quando ele chegar ao ponto de onde a tartaruga partiu, ela já terá
percorrido uma nova distância; e, quando ele atingir essa nova
distância, a tartaruga já terá percorrido uma outra nova distância;
e assim, ao infinito.

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


Atenção!
Tais paradoxos são obviamente desmentidos pela
experiência, mas, até hoje, não é fácil (há quem diga
que não é possível) desmenti-los, usando apenas a
lógica.

O objetivo dos paradoxos de Zenão não é provar que a filosofia


de Parmênides está correta, e sim mostrar as incoerências lógicas
de se acreditar na possibilidade do movimento. A maioria das
pessoas não percebe essas incoerências pelo simples fato de que
nunca pararam para refletir sobre os fundamentos racionais das
suas crenças. Aliás, a maioria das pessoas está tão desacostumada
de refletir racionalmente que acaba achando absurdo, não o
movimento, e sim a própria demonstração racional da sua
impossibilidade.

Melisso de Samos
Melisso nasceu em Samos (mesma cidade em que nasceu
Pitágoras). Além de filósofo, ficou famoso por comandar
a esquadra que impediu um ataque ateniense em 441 a.C.

Isso é tudo que se sabe sobre a sua vida.

Quanto à sua produção filosófica, sabe-se que defendia as


principais teses propostas por Parmênides, com exceção
de uma: para Melisso o ser é infinito. Essa modificação
teórica foi necessária para resolver uma dificuldade Figura 2.13 – Melisso de Samos.
lógica: se o ser é limitado, o que haveria para além do Fonte: <paxprofundis.org/.../
seu limite? Ou haveria o não ser (o nada, ou o vazio), ou presocraticos3/melissus.gif>.
haveria outro ser. Aceitar a infinitude do ser foi a saída
encontrada por Melisso.

Assim o ser é eterno, infinito, uno, uniforme, imóvel e pleno.


SEÇÃO 5 - Os filósofos pluralistas
Os filósofos pluralistas, entre eles Empédocles e Anaxágoras,
representam o início de uma terceira fase na história da filosofia
pré-socrática (a primeira ocorreu na Jônia, a segunda na Magna
Grécia). Nessa nova etapa de desenvolvimento da filosofia,
os filósofos procuram resolver os problemas que foram sendo
identificados nas fases anteriores e tentam conciliar propostas
diferentes.

A filosofia já estava se aproximando da maturidade e não mais


precisava concorrer com o discurso mítico. A luta contra os
persas estimulou um ambiente de cooperação. A Grécia formava
cada vez mais uma unidade política, econômica e cultural. E os
filósofos ganhavam cada vez mais prestígio.

Empédocles de Agrigento (490 a.C. – 435 a.C.)


No séc. V a.C., a pólis de Agrigento (também chamada
de Acragas), no sul da Sicília, era um importante centro
econômico e cultural e uma potência militar.

Empédocles desempenhou um importante papel político em


defesa da democracia em sua pólis; é considerado o pai da
retórica e o fundador da escola de medicina italiana. Também
Figura 2.14 – foi líder de uma escola esotérica semelhante à de Pitágoras (há
Empédocles de Agrigento.
indícios de que ele teria sido um pitagórico e que tenha sido
Fonte: <www.thebigview.com/
greeks/empedocles.jpg>. expulso da ordem por defender idéias não-ortodoxas).

Sua morte está cercada de lendas. Alguns afirmam que ele se


teria atirado na cratera do vulcão Etna para provar que era um
deus; porém o mais provável é que tenha morrido na região do
Peloponeso, na Grécia continental, onde se refugiou após uma
revolta da oligarquia de Agrigento contra o governo democrático.

Na filosofia, Empédocles se destacou por propor a teoria dos


quatro elementos e por defender a existência de dois princípios
que regem o movimento e a transformação no universo.

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


Os fisiólogos jônios haviam defendido a existência
de uma arkhé única, com a qual tudo na natureza
era composto. Mas cada um havia proposto uma
substância diferente. Empédocles propõe então
que, ao invés de uma, haveria quatro substâncias
primordiais: água, terra, fogo e ar. Esses quatro
elementos constituem as “raízes” (rizómata) de todas
as coisas.
Além dos quatro elementos fundamentais,
Empédocles propôs também a existência de duas
forças opostas, que produziriam o devir: o amor
(philia) e a discórdia (neikos).

Juntando a idéia de quatro elementos e com a de duas forças


motrizes, Empédocles elabora a primeira síntese filosófica.
Contempla as principais propostas dos jônios e concilia algumas
teses monistas com o mobilismo. Os quatro elementos não se
alteram, não se transformam, não deixam de ser o que são (o que
se aproxima do eleatismo): tudo é produzido por forças opostas (o
que o aproxima de Heráclito).

A teoria de Empédocles traz para a filosofia um grau de


complexidade e sofisticação maior que o encontrado nas
propostas dos filósofos anteriores.

Anaxágoras de Clazômenas (500 a.C. – 428 a.C.)


Anaxágoras nasceu em Clazômenas, na Jônia.
Viveu na época em que Atenas despontava como
novo centro econômico, político e cultural da
Grécia. Sob o comando de Atenas, os gregos
derrotam os persas. À frente do governo
ateniense, Péricles canaliza os recursos obtidos
com a vitória militar para a construção de obras
públicas magníficas.
Figura 2.15 – Anaxágoras de Clazômenas.
Artistas e intelectuais de todas as partes da Fonte: <http://anaxagoras.navajo.cz/
anaxagoras.png>.
Hélade se dirigem a Atenas em busca desse
ambiente efervescente de cultura. Entre essa
multidão de homens ilustres estava Anaxágoras, que fundou
a primeira escola de filosofia de Atenas e teve entre os seus
discípulos o próprio Péricles. Mais tarde, no entanto, foi acusado
por adversários de Péricles de crime contra a religião. Foi preso
por negar a divindade do sol e da lua, mas consegue fugir e
refugia-se em Lâmpsaco, na Jônia, onde fundou outra escola de
filosofia. Da sua obra Sobre a Natureza, alguns fragmentos foram
preservados.

Anaxágoras aceita o princípio eleata da imutabilidade do ser. Diz


ele:

“o nascer e o perecer, os gregos não consideram


corretamente; pois nenhuma coisa nasce nem perece,
mas de coisas que são se mistura e se separa. E assim,
corretamente se poderia chamar o nascer misturar-se e o
perecer separar-se.” (fr. 17)

Para Anaxágoras, ao invés de uma ou quatro, há um número


infinito de substâncias fundamentais, chamadas sementes
(spérmata), que nunca perdem suas propriedades essenciais e que
se assemelham, cada uma, ao “ser” de Parmênides e de Melisso.
Essas sementes não são visíveis aos olhos, mas podem ser
compreendidas pela mente.

As sementes não são compostas de partes (são unas) e mantêm-se


sempre íntegras, mesmo quando são separadas em porções: “nem
do pequeno há o mínimo (...) e do grande há sempre o maior;
e é igual ao pequeno em quantidade, e quanto a si mesma cada
coisa tanto é grande quanto é pequena” (fr. 3 apud SOUZA,
2000, p. 221). Devido a essa característica de cada porção manter
todas as propriedades do todo, Aristóteles, mais de um século
mais tarde, chamou essas sementes de homeomerias (partículas de
semelhança).

Anaxágoras também afirma que não existe no


universo a substância pura. Em todas as coisas, há
sementes de todas as coisas.

Um boi se alimenta de pasto e de água. Deste


alimento formam-se o sangue, a carne, os ossos,
o couro, etc. É preciso, portanto, que as partículas
geradoras de todas as partes do seu corpo já se
encontrem no alimento.

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


Segundo Anaxágoras, além das sementes, existe no universo um
intelecto (nous) que organiza as sementes e forma as substâncias
perceptíveis aos nossos sentidos. As particularidades de cada
coisaque percebemos são determinadas pela forma como as
sementes estão organizadas. Assim, uma barra de ouro parece
ouro porque nela a organização das sementes faz prevalecer as
partículas de ouro, embora haja, nela, partículas de todas as
outras substâncias.

A principal contribuição de Anaxágoras para a história da


filosofia decorre dessa afirmação de um princípio inteligente
como causa da ordem do mundo (kósmos). Essa idéia será
retomada mais tarde por Sócrates e Platão e, a partir destes,
influenciará toda a reflexão filosófica posterior.

SEÇÃO 6 - A escola atomista


Vimos que Anaxágoras e Empédocles procuram compatibilizar
as doutrinas dos jônios com as de Parmênides e Melisso. No
entanto as propostas dos filósofos pluralistas não resolvem os
paradoxos de Zenão. Leucipo e Demócrito assumem para si a
tarefa de buscar uma solução para as incoerências provocadas
peladivisibilidade infinita.

Leucipo de Mileto (500 a.C. – ?)


e Demócrito de Abdera (460 a.C. – 370 a.C.)
Abdera era uma colônia jônica na Trácia, para onde
muitos jônios migraram na época do conflito com os
persas. Leucipo, que provavelmente era de Mileto, foi um
dos que se transferiram para lá, onde fundou uma escola.
Leucipo conhecia bem a filosofia dos Eleatas e buscou
darrespostas para alguns dos seus problemas teóricos.
Não restaram fragmentos de sua obra. Conhecemos as
suas idéia principalmente através de Demócrito.

Demócrito, natural de Abdera, foi o principal discípulo


de Leucipo e seu sucessor na direção da escola de Abdera. Figura 2.16 – Leucipo de Mileto.
Atualmente, não é possível estabelecer a contribuição Fonte: <http://www.
wielkaencyklopedia.com/pt/wiki/
exata de cada um para a formulação da teoria atomista. Leucipo.html>.

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


Leucipo foi o primeiro filósofo a defender a existência de espaço
vazio. Os jônios e os pitagóricos aceitavam que a matéria podia
apresentar-se em diferentes graus de densidade. Assim, entre
duas pedras, por exemplo, poderia haver água ou mesmo ar, mas
nunca o vácuo. Para os eleatas, a idéia de vácuo era mais absurda
ainda, pois representava o não-ser.

Leucipo também inovou ao propor que a matéria é


constituída de partículas indivisíveis (átomos). Cada
átomon possui praticamente todas as características
Figura 2.17 – Demócrito de Abdera. do ser parmenídico: é uno, pleno, eterno, imutável,
Fonte: <www.ime.unicamp.br/.../ etc. O átomo só não é único.
democrito/democrito.html>.

Embora existam átomos de diferentes tamanhos, todos eles,


até mesmo os maiores, são pequenos demais para a percepção
humana; todos são invisíveis. Os átomos possuem um movimento
intrínseco que inclui a atração dos átomos semelhantes e a
repulsão entre os de tipo diferente. Os atomistas também
defendem que não há nenhuma ordem pré-estabelecida na
natureza que seja externa aos átomos. Para além do movimento
intrínseco dos átomos, há apenas o acaso.

Embora seja insuficiente para explicar a racionalidade do kósmos,


a teoria atomista tem como principal vantagem a simplicidade e
a facilidade com que explica o movimento material. Ela esclarece
muito bem como a natureza se comporta, mas é deficiente
quando se busca o por quê. Isso fez com que os filósofos
posteriores sempre olhassem para ela alternativamente como
a maior realização da filosofia nascente, ou como uma teoria
capenga, que apenas descreve as aparências sem ir aos problemas
fundamentais.

SEÇÃO 7 - O sentido geral da filosofia pré-socrática


A filosofia nascente englobava aquilo que hoje chamamos de
filosofia e também aquilo que hoje é chamado de ciência. A
principal marca distintiva dessa nova forma de pensar a realidade
é a tentativa de diferenciar-se das mitologias e teogonias.

Dois pontos fundamentais, com os quais todos os pré-socráticos


concordam, são:
 a matéria-prima do universo não foi criada, ela sempre
existiu;
 se é que existe alguma força sobrenatural, ela não tem
livre-arbítrio, ela age de forma regular e previsível.
Se existisse um deus onipotente, criador das próprias leis do
universo, a única forma racional de agir seria a obediência à sua
vontade. Deveríamos obedecer também aos seus representantes
(seu messias, seus profetas e sacerdotes, etc.) e reverenciar suas
revelações (os livros sagrados). As palavras que resumiriam a
sabedoria seriam: resignação, obediência, confiança. O regime
político que melhor combina com tudo isso é a monarquia
absolutista e inquestionável – e de fato foi esse o modelo
historicamente adotado pelos hebreus e em todos os grandes
impérios antigos (Egito, Babilônia, Pérsia, etc.).

Por outro lado, a democracia se assenta na idéia de que ninguém


pode estar acima da lei. A própria idéia de Deus, numa
democracia, precisa ser adaptada a essa idéia fundamental. Não é
necessário abandonar totalmente a crença na existência de Deus.
Mas é fundamental que ele próprio esteja submetido às mesmas
regras que regem o universo.

Os primeiros filósofos, que hoje chamamos de pré-


socráticos, foram aqueles homens que tomaram
para si a tarefa de formular uma nova interpretação
do universo, compatível com os ideais democráticos
de respeito à lei, igualdade perante a lei e liberdade
condicionada pela lei. Cada um do seu jeito, mas
todos unidos pelo mesmo ideal. Pode-se dizer,
metaforicamente, que a Grécia do séc. VI gerou três
irmãs gêmeas: a filosofia e a ciência (irmãs siamesas) e
a democracia.

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


Síntese

A filosofia nasceu nas colônias gregas da Jônia (na Ásia Menor)


no séc. VI a.C.

Tales de Mileto é considerado o primeiro filósofo. Ele e os


demais filósofos jônios preocuparam-se fundamentalmente em
identificar qual seria a substância primordial da natureza. Cada
um deles propôs uma substância diferente: água, ar, ápeiron e
fogo.

Numa segunda etapa, a reflexão filosófica se desloca para as


colônias gregas do sul da Itália e da Sicília. Aí se desenvolvem
o pitagorismo e o imobilismo como tentativas de aprofundar
aspectos teóricos concernentes à racionalidade.

Num terceiro momento ocorrem várias tentativas de transformar


a filosofia em um conhecimento cada vez mais sistemático e
abrangente e de reconciliar as soluções mais teóricas da segunda
fase com as questões mais práticas da primeira. Surgem então os
filósofos pluralistas e as teorias atomistas.

Apesar de seus múltiplos aspectos, dois pontos fundamentais


caracterizam as primeiras especulações filosóficas:

 a busca de uma explicação racional da realidade;


 a sua íntima vinculação aos ideais democráticos gregos.
A filosofia nascente englobava aquilo que hoje chamamos de
filosofia e também aquilo que hoje é chamado de ciência.
UNIDADE 3

Os sofistas e Sócrates

Objetivos de aprendizagem
3
 Identificar os principais eventos históricos que
provocaram o deslocamento da Filosofia das colônias
gregas para a pólis de Atenas.
 Identificar as características do ambiente cultural de
Atenas no séc. V a.C.

 Compreender a importância dos sofistas como uma


nova classe intelectual na Grécia antiga.

 Comparar a sofística e a atitude filosófica.


 Identificar os principais conceitos da filosofia de
Sócrates.

Seções de estudo
Seção 1 Contexto histórico

Seção 2 Os sofistas

Seção 3 Sócrates
Para início de estudo
A discussão sobre a possibilidade de se conhecer a realidade de
forma racional levou a duas atitudes intelectuais antagônicas na
Grécia clássica: a dos sofistas e a da filosofia socrática.

Antes, com os filósofos das colônias gregas da Jônia e da Magna


Grécia, a necessidade de construir uma explicação racional para
a realidade, uma interpretação que, diferente dos mitos, não
envolvesse o sobrenatural, fez com que a natureza fosse o tema
principal a ser discutido pelos filósofos. Com os sofistas e com
Sócrates, os problemas do conhecimento e da ética tornaram-se
centrais.

Os sofistas, diante da diversidade das teorias propostas pelos


filósofos anteriores, concluíram que não podemos conhecer nada
de forma definitiva e que só podemos ter opiniões subjetivas
sobre a realidade. Por isso elegem como elemento fundamental
da sabedoria o bom uso da linguagem. O sábio é aquele que,
dominando os recursos da linguagem, é capaz de persuadir os
outros de suas próprias idéias e opiniões. Para eles, a verdade
não depende da razão nem da experiência: ela é uma questão de
opinião e de persuasão.

Em oposição aos sofistas, Sócrates defende a busca da verdade


através da identificação e superação das ilusões dos sentidos e
das armadilhas da linguagem. Para Sócrates, os sentidos nos dão
apenas as aparências das coisas e a linguagem pode ser usada para
formular opiniões sobre elas. Mas nada disso é conhecimento.
Conhecer é passar da aparência à essência, da opinião ao
conceito, do ponto de vista individual à idéia universal.

SEÇÃO 1 - Contexto histórico


Na Unidade 1, vimos como alguns fatores históricos dos séculos
IX ao VI a.C. contribuíram para que os gregos inventassem uma
forma original de pensar a realidade. Na Unidade 2, tivemos
um panorama dos acontecimentos que, ao longo do século VI
a.C., propiciaram o desenvolvimento da Filosofia nas colônias
gregas, inicialmente na Jônia e mais tarde na Magna Grécia.

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


No século V a.C. a história da Grécia passou por uma grande
reviravolta. No centro dessa grande mudança estava a Filosofia
que, deslocando-se para Atenas, alcança a sua maturidade.

As reformas políticas de Sólon e Clístenes


Enquanto a Filosofia se desenvolve nas colônias gregas, a
pólis de Atenas, na Grécia continental, passa por uma grande
reforma política. Até então, Atenas vivia sob um regime político
aristocrático-escravocrata. Mas durante o século VI a.C., como
na maior parte da Grécia, a cidade sofre com problemas de
ordem agrária: grande concentração de terras na mão de poucos
e a escravização de atenienses por atenienses, em função de
dívidas fundiárias. Tais problemas e a ascensão de novas classes
sociais geram uma série de reformas na estrutura política e social
da pólis ateniense, culminando com a implantação do regime
democrático. As reformas são introduzidas, em ordem, por Sólon
e por Clístenes.

Os atenienses gabavam-se de serem autóctones, isto


é, inteiramente originários da Ática. Desde seus
primórdios, a cidade se organizara em pequenas vilas,
onde se formaram uma classe de agricultura e outra de
artífices; os indivíduos eram remunerados segundo seu
trabalho e tratavam coletivamente dos negócios comuns.
Pouco a pouco, surgiu uma nobreza agrária, famílias
(génos) de proprietários fundiários e de guerreiros, ligadas
por laços de sangue, formando a aristocracia e instituindo
um regime escravista, comum em todo o mundo antigo.
Em 594 a.C., Sólon destruiu as barreiras que separavam
a família (o génos) e a pólis, isto é, criou leis válidas para
todos e que não poderiam ser violadas pelas tradições
e costumes patriarcais em que o pai era chefe absoluto
e senhor da vida e da morte da esposa, dos filhos e dos
escravos. A divisão de clã já não se fazia por famílias,
mas pelas fortunas. Por fim, a partir de 510 a.C., Atenas
conhece a grande reforma de Clístenes, após a derrubada
da tirania de Pisístrato (CHAUI, 1994, p. 109-110).

Clístenes foi o responsável pela introdução da maioria das


instituições democráticas que caracterizam a política ateniense.
A reforma de Clístenes institui o espaço cívico ou a pólis
propriamente dita. Combinando elementos de aritmética,
geometria e de demografia, Clístenes redistribui os
géne ou famílias, de modo a retirar deles, pelo modo
de distribuição no espaço, os poderes aristocráticos
e oligárquicos. Em outras palavras, faz com que a
unidade política de base e a proximidade territorial não
coincidam, de sorte que os vizinhos não constituem
uma base política legalmente reconhecida. A divisão
política do espaço impede o poderio dos géne vizinhos
que, fortalecidos, sempre produziam tiranos ou pequenos
grupos extremamente poderosos. Cria as trítias: uma
circunscrição territorial de base; reúne as trítias em
tribos, cada qual com três trítias (uma do litoral, uma da
cidade e uma do interior). Cada trítia é formada por um
conjunto de demos, cada grupo de cem demos forma a
unidade política de base, cada qual com suas assembléias,
seus magistrados e suas festas religiosas, espaço onde os
atenienses fazem o aprendizado da vida política. Cria a
mais importante instituição política de Atenas: a Boulé,
o conselho de quinhentos cidadãos que são sorteados
entre os membros de todos os demos, sorteio que
garante a todos o direito de, periodicamente, participar
diretamente das decisões da pólis. Estabelece um espaço
circular onde se reúnem a Boulé (que cuida das questões
políticas cotidianas) e a Ekklesía, a Assembléia Geral
de todos os cidadãos atenienses, na qual se discutem e
decidem-se publicamente os grandes assuntos da cidade,
sobretudo as decisões de guerra e paz. Está inventada a
democracia (dêmos, os cidadãos; krátos, o poder: o poder
do dêmos ou dos cidadãos) (CHAUI, 1994, p. 110).

Este sistema político apresenta dois princípios. Conheça-os na


seqüência.

 Isegoría – palavra composta de dois elementos: “ise”, que


vem de isos (igual), e “goria”, derivada do verbo agoreúo
(falar em público, falar numa assembléia, discursar em
público). É a liberdade igual de falar por todos, direito de
dizer sua opinião na assembléia democrática.
 Isonomía – palavra composta por “isos” (igual) e “nomia”,
vinda de nómos (regra, lei, norma). É a igualdade de
direitos perante a lei no regime democrático.

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


O período áureo de Atenas
Entre os século V e IV a.C., Atenas passa a ser o centro cultural
da Grécia antiga, atraindo comerciantes, artífices, pensadores.
Isto se dá particularmente em função da vitória grega sobre os
persas, nas guerras médicas (entre gregos e persas), em função da
liderança ateniense na Liga de Delos (477 a.C.) e da reconstrução Em 490 a.C., o imperador
de Atenas, sob o comando de Péricles, e de sua expansão persa Dario exigiu a
comercial, que possibilitou a ascensão de uma classe mercantil. submissão dos gregos.
Começou aí uma
Além disso, atividades de manufatura – como cerâmica, guerra que envolveu
praticamente todas as
escultura, construção civil entre outras –, também possibilitaram
cidades-Estado gregas
o enriquecimento – tanto econômico como político-social – de e provocou uma grande
membros da sociedade ateniense. E estes passaram a reivindicar mudança em toda a
um espaço na pólis. Hélade.

Saiba mais sobre Péricles e a Confederação de


Delos!
Para enfrentar os persas, as cidades-Estado gregas
se uniram sob a liderança de Atenas e criaram a
Confederação de Delos, que recolhia tributos de
cada pólis para custear as despesas militares. Após
a vitória sobre os persas, Atenas, sob o comando de
Péricles, se aproveitou da confederação para continuar
exercendo seu domínio sobre as outras cidades e
utilizou a riqueza acumulada durante a guerra para a
construção de obras públicas monumentais.
Péricles (495–429 a.C.), descendente de Clístenes, foi
eleito diversas vezes para o cargo de general-chefe
(strategos-arconte). Exercendo ao mesmo tempo
o comando civil e militar da cidade, levou Atenas
à maior projeção política, econômica e cultural
alcançada em toda a sua história. Sua importância
na história grega é tão grande que o século V a.C. é
conhecido como “O Século de Péricles”.

Nesse ambiente de esplendor econômico e cultural de Atenas,


surge uma nova classe de intelectuais: os sofistas. Surge também
uma nova filosofia, com algumas diferenças em relação àquela
que havia se desenvolvido nas colônias gregas da Ásia Menor e da
Itália. São esses temas que você estudará nas próximas seções.
SEÇÃO 2 - Os sofistas
Você já ouviu falar dos sofistas?

Há muita controvérsia em torno deles. Considerados sábios por


uns e perniciosos por outros, é indiscutível que eles tiveram
um papel de destaque na cultura grega e na vida política da sua
época.

Vamos conhecê-los melhor?

A origem dos sofistas


Quando Atenas se tornou no mais importante centro econômico,
político e cultural da época, após a vitória sobre os persas, um
grande número de nobres de outras partes da Grécia buscam a
cidade à procura de sua intensa vida cultural.

Entre os estrangeiros que se instalam na cidade-Estado de


Atenas, alguns passam a se oferecer para atuar como mestres
na educação dos jovens pertencentes à elite local. Alguns deles
ganham fama e se destacam nessa nova função e passam a ser
chamados de sofistas (sábios).

Alguns os consideram os primeiros pedagogos, os iniciadores do


ensino privado, pois, como eram estrangeiros e não podiam ter
propriedade em Atenas, cobravam por seus ensinamentos. São
Em Atenas, os direitos de cidadania grandes mestres de Retórica e Oratória.
eram concedidos apenas para os
filhos de atenienses livres, que
fossem do sexo masculino e que já
Atenção!
tivessem prestado o serviço militar. A palavra “sofista” (sophistés) inicialmente significa
Além de não possuírem direitos “aquele que é excelente numa arte ou técnica, aquele
políticos, os estrangeiros não que é hábil, sensato e prudente.” (CHAUI, 1994, p.
podiam possuir imóveis na cidade. 359). Mais tarde, em função da imagem deixada por
Sócrates, Platão e Aristóteles, que os viam como
demagogos e falsos filósofos, a palavra “sofista” foi
usada pejorativamente. Mas essa imagem negativa
vem sendo criticada ultimamente.

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


É certo que os sofistas tiveram um grande papel no contexto
das novas idéias difundidas neste ambiente. Juntamente com
Sócrates, embora com posições divergentes, inauguram a
temática antropológica: passando do problema da physis, central
no pensamento dos pré-socráticos, ao da ética, da política e da
teoria do conhecimento.

Os sofistas destacam que as filosofias anteriores não conseguiram


chegar a nenhum resultado sólido. Ao contrário, os filósofos se
contradizem mutuamente, o que parece ser uma boa prova de
que não é possível conhecer nada, de forma definitiva, e que o
máximo que podemos fazer é formular uma opinião (doxa) sobre
a realidade. Sendo assim, a “verdade” nada mais é do que aquilo
que alguém conseguiu fazer com que todos acreditassem ser
real. O sábio, portanto, não é aquele que conhece a verdade, e
sim aquele que desenvolve a habilidade de provar suas próprias
convicções.

Os sofistas mais famosos foram Protágoras de Abdera (490–491


a.C.) e Górgias de Leontini (484–375 a.C.). Outros sofistas
importantes foram Pródicos de Ceos, Hípias de Elis, Licofron,
Trasímaco e Isócrates.

Humanismo e relativismo
Na sofística, encontramos dois grandes princípios:
o humanismo e o relativismo. O primeiro coloca o
homem no centro de tudo. O segundo se refere à
impossibilidade de se alcançar qualquer verdade
absoluta ou que não dependa de uma interpretação
pessoal. Um fragmento do sofista Protágoras de
Abdera sintetiza esses dois princípios de forma
exemplar: “O homem é a medida de todas as coisas; das que
são, enquanto são, e das que não são, enquanto não são”
(apud REALE; ANTISERI, 1990, p. 76).
Figura 3.1 - Protágoras.
Veja o que diz Marcondes (2001, p. 43) sobre a tese de Fonte: <www.pensament.com/.../
Protágoras. imatges/protagoras.jpg>.
Protágoras parece assim valorizar um tipo de explicação
do real a partir de seus aspectos fenomenais apenas, sem
Fenomenal se refere àquilo que é apelo a nenhum elemento externo ou transcendente. Isto
percebido pelo ser humano através é, as coisas são como nos parecem ser, como se mostram
da experiência. à nossa percepção sensorial, e não temos nenhum outro
critério para decidir essa questão. Portanto, nosso
conhecimento depende sempre das circunstâncias em
Transcendente se refere àquilo
que nos encontramos e pode, por isso mesmo, variar de
que ultrapassa a percepção sensível, acordo com a situação.
que vai além daquilo que pode ser
conhecido através da experiência.
Ou seja, para Protágoras, cada opinião nada mais é que a
avaliação que cada um faz de sua própria experiência. Por isso
nenhuma opinião pessoal pode ser colocada como mais correta
que a opinião de qualquer outra pessoa.

A impossibilidade do conhecimento
Outro sofista de peso é Górgias de Leontini. Seu fragmento
mais conhecido diz: “Nada existe que possa ser conhecido;
se pudesse ser conhecido, não poderia ser comunicado; se
pudesse ser comunicado, não poderia ser compreendido” (apud
MARCONDES, 2001, p. 44).

Complicado? Então, tomemos, novamente, as palavras de


Marcondes (2001, p. 44) que indica ser Górgias um crítico da
possibilidade do conhecimento em sentido absoluto.

Górgias dá grande importância ao logos enquanto


discurso argumentativo, e em seu Elogio a Helena faz
a famosa afirmação: “O logos é um grande senhor.”
Entretanto, de certa maneira o logos é sempre visto como
enganoso, já que não podemos ter acesso à natureza das
coisas, mas tudo de que dispomos é o discurso, como fica
claro no fragmento citado acima. O logos, contudo, pode
ser persuasivo, e Górgias chega mesmo a sustentar que
mais importante do que o verdadeiro é o que pode ser
provado ou defendido.

Os sofistas se vangloriavam de que seus alunos aprendiam a


defender, de forma convincente, tanto uma tese quanto a sua
antítese; ou seja, podiam tanto argumentar em favor de uma
opinião quanto em favor da opinião contrária, provando a
correção tanto de uma quanto de outra. Essa arte de vencer o
adversário em um debate, sem se preocupar com a verdade é a

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


erística. Ela é interessante na medida em que, numa disputa com
as palavras, devemos estar preparados para as contraposições
do adversário. A prática nos mostra o quanto a disputa política
democrática depende disso.

A importância da linguagem!
Se nem a percepção da realidade através dos nossos
sentidos nem a razão são capazes de nos propiciar
conhecimentos seguros, e se a verdade é uma questão
de opinião e de persuasão, é preciso valer-se de um
outro instrumento para que o homem se relacione
com a realidade e com os outros seres humanos. Esse
instrumento, segundo os sofistas, é a linguagem. O
sábio é aquele que, compreendendo os mecanismos
e os recursos da linguagem, domina as multidões
através do discurso.

kósmos X nómos
Em sua nova forma de compreender a realidade, os sofistas
produzem uma grande cisão entre kósmos e nómos. Originalmente
as duas palavras estavam diretamente ligadas na língua grega.
O termo kósmos significa o bom ordenamento de pessoas e
coisas, boa ordem, organização do Estado, ordem estabelecida,
ação dos seres em conformidade com um comportamento
estabelecido. Já a palavra Nómos, que literalmente significa
regra, lei ou norma, também pode ser usada no sentido de
costume.

Os sofistas, no entanto, destacam que é um erro comparar as leis


que regem os fenômenos naturais com aquelas que norteiam a
vida humana em sociedade. Para eles, o universo ético, político
e social, ou seja, tudo aquilo que é especificamente humano,
não se determina pelas mesmas leis de regularidade encontradas
na natureza (physis). Cada povo e cada época dispõem de seus
próprios modos de ser, costumes e regras, sem que, no fundo,
qualquer forma de organização cultural possa ser colocada como
mais correta ou como sendo a detentora da verdade definitiva.
A natureza possui uma ordem (kósmos) que não
depende de uma escolha do ser humano. Mas a pólis é
regida por leis (nómos) que são convenções humanas.

No direito, na política e na ética, portanto, não existem princípios


necessários nem regras que sejam universalmente válidas. Toda
norma é humana e, justamente por isso, é transitória.

A importância dos sofistas


Conforme salienta Jaeger em sua obra Paidéia (1984), o novo
sistema político baseado na igualdade do discurso (que, por
sua vez, necessita da persuasão e do convencimento), muda o
foco do agon – luta, disputa, embate – e, conseqüentemente,
da areté. A força física e a destreza no campo bélico – as
bases da areté homérica –, aos poucos são substituídas pela
habilidade discursiva. Ou seja, da luta corporal passamos ao
embate discursivo, algo que as classes mais privilegiadas cedo
perceberam. Os velhos aristocratas e, principalmente, os novos
comerciantes passaram então a contratar os sofistas, mestres de
Como vimos, os primeiros sofistas retórica e de oratória, para ensinar essa nova habilidade a seus
eram estrangeiros. Só nas gerações filhos.
seguintes apareceram sofistas
atenienses, mas estes já estão no Se, para a democracia, cada opinião vale igualmente e, desta
período de decadência do regime forma, não há uma verdade absoluta, tal posição pode ser
democrático e representam a
corroborada por aquilo que defendiam os sofistas. É por isso que,
chamada “sofística menor.”
embora estrangeiros, os sofistas são muito importantes para a
democracia ateniense.

Saiba mais sobre os sofistas e sua contribuição


para a educação!
Não se pode, ainda, deixar de destacar a grande
contribuição dos sofistas para a pedagogia. Foram
eles que, pela primeira vez, sistematizam o ensino
teórico na Grécia e formulam um currículo de estudos,
contemplando a gramática, a retórica e a dialética
e incluindo também a aritmética, a geometria, a
astrologia e a música. Tais disciplinas, que mais tarde
serão conhecidas como as sete artes liberais, serão
retomadas na Idade Média e constituirão os chamados
trivim e quadrivim.

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


Finalmente, é preciso esclarecer que, no século IV a.C., a palavra
“sofista” vai aos poucos se tornando sinônima de “pensador” e,
inclusive, de “filósofo”. Até mesmo Sócrates, de quem falaremos
logo à frente, será chamado de sofista por alguns dos seus
contemporâneos. Mas isso, ao que parece, já é um abuso do
termo.

Não nos aprofundamos aqui em nenhum dos sofistas


em particular.
Se você quiser ampliar seus conhecimentos sobre os
sofistas, um bom começo é fazer uma pesquisa sobre
cada um deles individualmente. Faça uma busca na
Internet ou procure novas informações em um bom
livro de história da Filosofia.
Se você se apaixonar pelo tema, não deixe de conferir
a obra:
 GUTHRIE, W. K. C. Os sofistas. São Paulo: Paulus,
1997.

SEÇÃO 3 - Sócrates
Sócrates é a principal referência na história da Filosofia, a
qual se divide basicamente em “antes dele” e “depois dele”. Beleza interior! Sócrates
não era um homem que
Contemporâneo dos sofistas, ele desloca da realidade natural para
pudesse ser considerado
a realidade humana o foco da reflexão filosófica, funda a ética e exemplo do ideal grego de
propõe um novo objetivo para a prática da Filosofia. beleza. Segundo relatos,
era calvo, de olhos fundos
e arregalados, tinha o
nariz largo e achatado,
Vamos conhecê-lo um pouquinho melhor?
era baixinho e barrigudo.
Além disso, Sócrates
costumava andar sempre
com a mesma túnica, já
gasta pelo uso. Apesar
Quem foi Sócrates? disso, era um grande
sedutor.
A imagem que hoje temos de Sócrates é a de um homem que
nunca saiu de sua cidade, Atenas, e que mal transpôs os muros de
sua pólis; um homem que andava a questionar os transeuntes na
praça pública (agorá), e que era justo e corajoso; enfim, a imagem
do filósofo mordaz e que morreu por defender seus próprios
princípios. “Um herói revolucionário” − diriam alguns. Mas
tudo isto é uma construção feita, particularmente, por seu maior
discípulo: Platão. Sendo assim, o primeiro problema a ser tratado
por quem quiser de fato conhecer Sócrates é a dificuldade em
distinguir o homem real da imagem construída por Platão.

Você sabe qual é a obra mais famosa de Sócrates?

Esta é uma pergunta capciosa (ou seja, essa pergunta é uma


“pegadinha”), pois Sócrates não escreveu livro nenhum.
Figura 3.2 - Sócrates.
Fonte: <www.biografiasyvidas. No entanto, embora não tenha escrito nenhuma obra, Sócrates
com/.../fotos/socrates.jpg>.
deixou uma herança marcante para a cultura ocidental através
da influência que exerceu sobre toda uma geração de intelectuais.
Entre os seus muitos seguidores, merecem ser citados o
historiador Xenofonte, os políticos Alcibíades e Crítias, o escritor
Ésquines, os filósofos Antístenes, Aristipo, Euclides e Fédon e, é
claro, o mais famoso dos seus seguidores, o filósofo Platão.

Sócrates não escreveu nada, pois acreditava que o debate


discursivo oral era mais adequado à busca do verdadeiro
conhecimento. Através do diálogo, ele procurava recuperar no
espírito de seu interlocutor o significado daquilo que deveria ser o
essencial para o ser humano.

A imagem que temos de Sócrates tem outros dois expoentes além


de Platão: Xenofonte e Aristófanes. O primeiro, apresenta um
texto mais na linha da biografia e segue − embora sem o mesmo
vigor literário − a visão positiva e glorificante que encontramos
nas obras de Platão. O segundo, que escreve quando Sócrates
ainda está vivo, o retrata como um homem risível, um enganador,
que, com artifícios retóricos, fazia passar por boa uma causa má e
que especulava sobre os astros.

Qual o motivo desta diferença? Como visões


tão díspares sobre um homem podem ser
complementares?

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


Em primeiro lugar, é preciso salientar ser Aristófanes o principal
representante da comédia grega – gênero literário cuja principal
característica é caricaturar os personagens e exagerar aquilo
que há de ridículo na condição humana. Além disso, muitos
Sócrates dizia ter
comentadores ressaltam que Aristófanes escreve, tomando
recebido do Oráculo
um Sócrates antes dos 45 anos. Deste modo, mesmo que já o de Delfos a missão de
inquietasse a busca pelo conhecimento, não estaria ele ainda questionar os cidadãos
suficientemente maduro. atenienses, buscando o
aprimoramento deles e
Já Platão e Xenofonte retratam um Sócrates com mais de 45 o desenvolvimento do
anos, agora convicto de sua missão délfica e, conseqüentemente, autoconhecimento.
mais maduro. Certamente, as circunstâncias de seu julgamento e
sua morte afetaram profundamente seus discípulos, fazendo com
que o tornassem uma espécie de mártir − por alguns comparado
a Cristo: Cristo teria morrido pela humanidade; Sócrates, por sua
Atenas.

A Atenas de Sócrates
Sócrates foi contemporâneo dos sofistas e, como indicam algumas
fontes, teria sido discípulo de um deles, Pródico de Ceos. O
ambiente em que Sócrates viveu é assim descrito por Pessanha
(1996, p. 13-14):

Nascido em Atenas em 470 ou 469 a.C., a época em


que findava a guerra entre os gregos e os persas (guerras
médicas) e quando a vitória da Grécia marcaria o início
da fase áurea da democracia ateniense. Sócrates era filho
de um escultor, Sofronisco, e de uma parteira, Fenareta.
Teria seguido, durante algum tempo, a profissão paterna
e é provável que tivesse recebido a educação dos jovens
atenienses de seu tempo, aprendendo música, ginástica
e gramática. Além disso beneficiou-se da própria
atmosfera cultural da época, das mais brilhantes da
cultura grega. Era o famoso “século de Péricles”, idade
de ouro da civilização ateniense. Através de sua frota,
Atenas domina os mares e chega a criar uma verdadeira
talassocracia [literalmente, o governo do mar]. Graças à
proteção de Péricles, artistas como os escultores Fídias
e Ictino embelezam a cidade com suas obras magistrais,
enquanto pensadores de outras regiões do mundo
helênico, como Anaxágoras de Clazômena e Protágoras
de Abdera, trazem para Atenas os frutos da investigação
filosófica e científica que, desde o século VI a.C., vinha
se desenvolvendo nas colônias gregas da Ásia Menor e
nas cidades da Magna Grécia (sul da Itália e Sicília).
É o momento também dos grandes autores trágicos:
Ésquilo morreu quando Sócrates tinha cerca de catorze
anos, Sófocles e Eurípides eram aproximadamente dez
anos mais velhos que o filho de Fenareta. Centro do
mundo grego, “Hélade da Hélade”, Atenas é, no tempo
de Sócrates, um ponto de convergência cultural e um
laboratório de experiências políticas, onde se firmara,
pela primeira vez na história da humanidade, a tentativa
de um governo democrático, exercido diretamente por
todos os que usufruíam dos direitos de cidadania. Nessa
democracia, a função pública dos oradores torna-se
fundamental e, conseqüentemente, a palavra torna-se
não apenas um instrumento de ascensão política, como
também um problema a preocupar retóricos e pensadores.
Preparar o indivíduo para a vida pública, conferir-
lhe capacitação ou virtude (areté) política, representa,
basicamente, adestrá-lo na arte da persuasão através da
palavra.

É nesse ambiente que Sócrates faz uma fina análise conceitual.

Sócrates e a defesa da possibilidade do conhecimento


Em oposição ao relativismo dos sofistas, Sócrates afirmava que
a verdade pode ser conhecida e que ela não depende do contexto
nem da subjetividade humana. É possível conhecer a verdade,
desde que afastemos as ilusões dos sentidos e das opiniões
preconcebidas e, principalmente, tomemos cuidado com as
armadilhas da linguagem. O conhecimento é possível quando
usamos a razão.

A Razão, segundo Sócrates, “é a capacidade para


chegar aos conceitos pela distinção entre aparência
sensível e realidade, entre opinião e verdade, entre
imagem e conceito, acidente e essência. A razão é o
poder da alma para conhecer as essências das coisas.”
(CHAUI, 1994, p. 154).

Conhecer é definir
Para Sócrates, conhecer é uma operação intelectual que consiste
na elaboração de definições universalmente válidas. Definir é
marcar limites, é identificar a essência, é dizer o que uma coisa é.

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


O verdadeiro conhecimento não vem da percepção através dos
cinco sentidos, não vem da experiência. Nossa percepção da
realidade é limitada e nos permite apenas conhecer aparências.
Temos, assim, um conhecimento ilusório, que se manifesta na
forma de opinião (doxa).

No entanto, ao percebermos que nossa opinião entra em


contradição com outras opiniões, temos duas saídas: tentar impor
a nossa opinião aos demais ou tentar descobrir qual é a verdade.
A primeira opção é a defendida pelos sofistas. A segunda,
proposta por Sócrates, conduz a uma tentativa de se encontrar
uma definição mais precisa e mais universal usando a razão. Ao
conseguirmos definir um conceito universal, alcançamos a
ciência (episteme), o verdadeiro conhecimento.

O método socrático
Sócrates dizia que só é possível filosofar a partir do momento
em que reconhecemos nossa própria ignorância. Por isso, ele
desenvolveu um método de busca do conhecimento composto por
duas etapas: a ironia e a maiêutica.

Na primeira etapa, a ironia (do grego eiróneia, perguntar),


Sócrates solicita ao seu interlocutor que o esclareça sobre um
determinado tema. A partir daí, interroga-o, alegando não ter A busca da cura!
conhecimento suficiente sobre o tema em questão. No entanto, Sócrates se comparava aos
à medida que o interlocutor vai prestando esclarecimentos sobre médicos, na medida em
que administrava aos seus
o assunto, Sócrates vai formulando perguntas cada vez mais
interlocutores o remédio
perspicazes, de modo que o interlocutor acaba dando-se conta amargo da Filosofia. Para
de que aquilo que ele mesmo defendia há pouco agora parece ele, somente esse remédio
ser contraditório. Atônito, o interlocutor acaba reconhecendo ser é capaz curar as feridas da
aquele conhecimento que ele julgava possuir, no fundo, uma idéia ignorância.
sem sentido.

A segunda etapa do método socrático é a maiêutica, ou parto


das idéias. Assim como na primeira etapa, Sócrates apenas faz
perguntas ao seu interlocutor. Mas, agora, são perguntas que o
forçam a buscar, em sua própria inteligência, uma saída para as
contradições em que ele mesmo se enredou. Com perguntas bem
elaboradas, feitas no momento apropriado, Sócrates ajuda o seu
interlocutor a descobrir por si mesmo a verdade. Esse processo é
chamado de maiêutica (do grego maieutiké, técnica de realizar um
parto), porque é semelhante a um parto: não é a parteira quem
gera o bebê, ela apenas auxilia aquelas que já o trazem dentro de
si e precisam de ajuda para fazê-lo vir à luz. (Vale a pena lembrar
que a mãe de Sócrates era parteira; ao que parece, ele herdou um
pouco da sua arte).

Veja um exemplo de aplicação do método socrático.

Inicialmente, Sócrates solicitava uma opinião (doxa)


sobre um determinado conceito. Sua pergunta
fundamental era a do tipo: O que é isto?
O tema poderia ser a Justiça (como no livro I da
República de Platão) ou a Coragem (como no diálogo
platônico Laquês) ou, ainda, a Beleza (em outro
diálogo platônico, o Hípias maior).
Dada a resposta, o interlocutor é questionado sobre
os limites da opinião apresentada. Geralmente, o
interlocutor fica confuso e admite não saber o que
outrora considerava saber. Assim, a admissão da
ignorância é o ponto de partida para que Sócrates
recomece uma nova bateria de questões, desta feita
procurando conduzir o interlocutor a uma resposta
mais elaborada e mais satisfatória para o conceito. O
que Sócrates procura demonstrar é que não devemos
nos deixar levar pelas aparências imediatas ou noções
corriqueiras que, quando muito, dão conta apenas de
uma situação particular, sem conseguir, no entanto,
fornecer uma definição universal.

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


Saiba mais sobre o método socrático!
O método socrático envolve um questionamento do
senso comum, das crenças e opiniões que temos,
consideradas vagas, imprecisas, derivadas de nossa
experiência, e, portanto, parciais, incompletas, o
que se reflete nos exemplos dados. É exatamente
neste sentido que a reflexão filosófica vai mostrar
que, com freqüência, não sabemos aquilo que
pensamos saber. Temos talvez um entendimento
prático, intuitivo, imediato, que, contudo, se revela
inadequado no momento em que deve ser tornado
explícito. O método socrático revela a fragilidade
desse entendimento e aponta para a necessidade e
a possibilidade de aperfeiçoá-lo através da reflexão,
ou seja, partindo de um entendimento já existente,
ir além dele em busca de algo mais perfeito, mais
completo.
É importante notar que, na concepção socrática,
essa melhor compreensão só pode ser resultado de
um processo de reflexão do próprio indivíduo, que
descobrirá, a partir de sua experiência, o sentido
daquilo que busca. Isso se dá através de sucessivos
graus de abstração e do exame do que essa própria
experiência envolve, explicitando o que no fundo já
está contido nela. Trata-se de um exercício intelectual
em que a razão humana deve descobrir por si
própria aquilo que busca. Sócrates jamais responde
às questões que formula, apenas indica quando as
respostas de seu interlocutor são insatisfatórias e por
que o são. Procura apenas indicar o caminho, a ser
percorrido pelo próprio indivíduo: é este o sentido
originário de método (“através de um caminho”).
Não há substituto para esse processo de reflexão
individual. A definição correta nunca é dada pelo
próprio Sócrates, mas é através do diálogo, e da
discussão, que Sócrates fará com que seu interlocutor
– ao cair em contradição, ao hesitar quando parecia
seguro – passe por todo um processo de revisão
de suas crenças e opiniões, transformando sua
maneira de ver as coisas e chegando, por si mesmo,
ao verdadeiro e autêntico conhecimento. É por esse
motivo que os diálogos socráticos são conhecidos
como aporéticos (de aporia, impasse) ou inconclusivos.
[...] O papel do filósofo, portanto, não é transmitir
um saber pronto e acabado, mas fazer com que
outro indivíduo, seu interlocutor, através da dialética,
da discussão no diálogo, dê a luz a suas próprias
idéias (Teeteto, 149a-150c). A dialética socrática opera
inicialmente através de um questionamento das
crenças habituais de um interlocutor, interrogando-
o, provocando-o a dar respostas e a explicitar o
conteúdo e o sentido dessas crenças. Em seguida,
freqüentemente utilizando-se de ironia, problematiza
essas crenças, fazendo com que o interlocutor caia
em contradição, perceba a insuficiência delas, sinta-
se perplexo e reconheça sua ignorância [...] É este o
sentido da célebre fórmula socrática ‘’Só sei que nada
sei’’, a idéia de que o reconhecimento da ignorância
é o princípio da sabedoria. A partir daí, o indivíduo
tem o caminho aberto para encontrar o verdadeiro
conhecimento (episteme), afastando-se do domínio da
opinião (doxa). (MARCONDES, 2001, p. 47-48).

A essência do homem
Enquanto a filosofia pré-socrática tinha como objeto de
investigação a physis e o kósmos, Sócrates, aqui concordando com
os sofistas, volta seu interesse para o homem e a pólis. Essa atitude
acaba levando Sócrates a se perguntar: o que é o homem?

Embora não tenha dado uma resposta conclusiva para essa


pergunta, por achar que ela era a mais profunda de todas,
Sócrates chega a uma definição razoavelmente precisa: o homem
é a sua alma.

Atenção!
Sócrates usa a palavra alma (psyché) num sentido
diferente daquele que é dado pela religião. Para
Sócrates, a alma é a consciência que cada um tem de
si mesmo, é a personalidade intelectual e moral, é a
razão. É o poder intelectual que cada um tem para
descobrir em si mesmo e por si mesmo a verdade. É
a capacidade de descobrir por si mesmo as regras da
vida virtuosa.

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


Sócrates introduz na Filosofia, pela primeira, uma distinção
entre corpo e alma. Este será o gérmen do dualismo que mais
tarde florescerá com outros autores. Mas esse dualismo não
implica uma distinção ontológica, não é ainda uma diferenciação
de substâncias. É apenas a afirmação de que, no ser humano, o
essencial é a sua racionalidade.

Essa idéia terá grandes conseqüências tanto no pensamento


socrático quanto na maioria das filosofias posteriores. A primeira
relaciona-se com a importância que se deve dar ao corpo e à
alma. Se a essência do homem é a alma, é ela que deve receber
nossos melhores cuidados.

Filosofia como busca da felicidade


Você acha que a Filosofia é só teoria? Para Sócrates, a Filosofia
tem um objetivo prático: a conquista da felicidade. Por isso, ele
se distancia dos filósofos pré-socráticos e inaugura um novo foco
para a investigação filosófica: mais importante do que investigar a
natureza é descobrir o que podemos fazer para sermos felizes.

Do que nós realmente precisamos para sermos felizes?


Você já parou para pensar sobre isso?

A palavra em grego para felicidade é eudaimonía. Literalmente,


eudaimonía significa “bom demônio”. No sentido mais arcaico
da palavra, ter eudaimonía era ter um bom anjo protetor, capaz
de garantir a saúde, a segurança, a prosperidade, a sorte e tudo
o mais. Com a gradativa superação da mentalidade mítica pela
racionalização da cultura, ocorrida entre os séculos IX e VI
a.C., essa idéia foi sendo reelaborada; e, com os pré-socráticos,
essa idéia é interiorizada. Heráclito, por exemplo, afirmava que
o verdadeiro anjo da guarda do homem é o seu caráter moral e,
também, que a felicidade é bem diferente dos prazeres.

Sócrates desenvolve essa idéia de Heráclito e a adapta à sua


própria concepção de homem. Feitos os devidos ajustes, pode-se
dizer que a razão é o verdadeiro anjo-da-guarda do homem e que
a felicidade é o fruto colhido por quem vive de acordo com sua
própria essência.
O pai da ética
Sócrates é considerado por muitos como fundador da reflexão
racional, sistemática e crítica sobre a ação humana virtuosa.
“O que é a virtude?” − pergunta Sócrates em diversas situações
e às mais diversas pessoas. A virtude (areté) é a ação correta,
excelente, meritória.

Mas como saber se uma ação é correta? Aliás, correta


para quem? O que é correto para um pode não ser
para outro?

Pelo que já estudamos até aqui, já é possível deduzir as respostas


que Sócrates dá a essas perguntas. Acompanhe o seguinte
raciocínio:

A ação correta para o ser humano é aquela que condiz com sua
essência.

A essência do homem é a razão.


Portanto areté consiste em agir de acordo com a razão.

É um raciocínio simples – mas não simplório. E, para podermos


compreendê-lo melhor, é preciso desenvolver três idéias que estão
implícitas nele: a idéia de autonomia, a tese de que virtude é
conhecimento e a tese de que ninguém é mau por livre escolha.

Acompanhe o significado de tais idéias.

Autonomia – se a essência do homem é a razão, então é


em si mesmo que cada um deve buscar orientação para agir
corretamente. Foi nesse sentido que Sócrates tomou para si um
lema inscrito num templo em Delfos: “conhece a ti mesmo”.
A virtude moral não consiste em seguir os costumes nem em
fazer aquilo que a maioria aprova e nem mesmo em obedecer
a preceitos religiosos. A virtude está em obedecer à própria
essência.

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


A areté humana é o conhecimento – a essência do homem é
a razão, que consiste na capacidade de conhecer a essência das
coisas. O conhecimento da essência das coisas é o verdadeiro
conhecimento, é a ciência (episteme). O homem excelente é
aquele em que sua essência se manifesta plenamente; portanto, a
excelência humana corresponde à plenitude da ciência (episteme).

Ninguém é mau por livre escolha – todo ser humano busca


aquilo que, acredita, lhe trará a felicidade. No entanto, na maioria
das vezes, confiamos nas nossas sensações, na nossa experiência,
nas nossas próprias opiniões e também nas opiniões de outras
pessoas. Ou seja, na maioria das vezes nos deixamos levar por
falsos conhecimentos, por ilusões e, por isso, acabamos agindo
de forma incorreta. Mas a ação incorreta gera a infelicidade.
Como ninguém deseja a própria infelicidade, fica claro que só
quando agimos sem conhecimento, só quando estamos presos à
ignorância, é que agimos de forma incorreta.

Saiba mais sobre a ética de Sócrates!


Dois livros de Platão, Mênon e Laques, são leituras
fundamentais para quem quiser aprofundar seus
conhecimentos sobre a ética de Sócrates.

Ninguém é perfeito

A frase mais famosa de Sócrates, e uma das que geram mais


polêmica, é: “sei que nada sei” (apud PLATÃO, 1996, p. 33).

O que ele quer dizer com isso?

Embora defenda a possibilidade de se superar a doxa e de se


alcançar a episteme, Sócrates rejeita ser chamado de sábio.
Acredita que ninguém, nem mesmo ele, é sábio. Considera-se
apenas um filósofo – alguém que busca a sabedoria.

Certa vez, um amigo de Sócrates foi a Delfos, cidade em que


havia um famoso templo no qual a pitonisa (a sacerdotisa desse
templo) trazia oráculos (mensagens dos deuses aos humanos)
aos que a procuravam. E os deuses proferiram: “Sócrates é o
mais sábio dos atenienses”. Ao saber do oráculo recebido por seu
amigo foi que Sócrates formulou seu dito mais conhecido: “Só
sei que nada sei”. Justificou-se argumentando que sua sabedoria
só poderia residir na consciência que tinha do fato de que nada
sabia.

Ter consciência do quanto ainda precisamos aprender


é o primeiro passo para desejar o aprendizado. O
sábio é o eterno aprendiz.

A morte de Sócrates
Embora tenha exercido com dedicação as funções públicas para
as quais foi convocado pela pólis (como soldado e, mais tarde,
como magistrado), sempre que pôde Sócrates se manteve afastado
das questões administrativas e da luta pelo poder. Acreditava que
sua missão era servir à pólis através das suas atitudes, vivendo de
forma justa e colaborando para formar cidadãos sábios, honestos,
moderados.

Sócrates era adorado por seus alunos. Vivia rodeado de jovens


que se encantavam ao vê-lo falar. No entanto, ao assumir
uma postura crítica diante da democracia ateniense e dos
ensinamentos dos sofistas, Sócrates também ganhou inimigos. E
quanto maior era o seu sucesso, maior era o incômodo das elites
dominantes e dos sofistas que disputavam com ele a atenção dos
que buscavam aprimorar-se intelectualmente.

Quando esse incômodo tornou-se grande demais, Sócrates foi


acusado de corromper os jovens, de não adorar os deuses de sua
própria pólis e de introduzir o culto a novos deuses. E, assim,
foi levado a julgamento. Considerado culpado pela assembléia,
o filósofo foi condenado à morte. Um mês mais tarde, após ter-
se recusado a fugir da prisão sob a proteção de alguns amigos
influentes, Sócrates morre, bebendo um veneno chamado cicuta,
rodeado por seus melhores amigos.

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


Para saber mais sobre a morte de Sócrates, basta
fazer uma rápida consulta na Internet ou em obras
de história da Filosofia!
Mas, se você quiser consultar as fontes originais,
saiba que todo o processo de acusação, julgamento,
condenação e execução de Sócrates é descrito em
detalhes em quatro diálogos de Platão. No Eutífrone,
vemos o filósofo, ainda livre, indo para o tribunal, a
fim de conhecer as acusações que lhe foram movidas
pelo jovem Meleto; na Defesa de Sócrates temos uma
descrição do julgamento; no Críton, temos o relato
de uma visita do seu melhor amigo ao cárcere; e,
no Fédon, encontramos uma descrição dos últimos
instantes de vida e o discurso sobre a imortalidade da
alma.
Outra fonte original de informação sobre o
julgamento é a obra Apologia de Sócrates, de
Xenofonte.

Figura 3.3 – A Morte de Sócrates, de Jacques-Louis David.


Fonte: <files.blog-city.com/.../a_morte_de_s_crates.jpg>
Síntese

Entre os século VI e V a.C., a pólis de Atenas passa por


profundas transformações. No século VI a.C., ocorrem mudanças
políticas motivadas pelo crescimento populacional e pelo
desenvolvimento e diversificação da atividade econômica. No
século V a.C., a guerra contra os persas provocará uma grande
reorganização de toda a Grécia e fará com que Atenas se torne o
centro do mundo grego. É nesse ambiente que surge uma nova
classe intelectual – a dos sofistas – e é também aí que a Filosofia
alcança a sua maturidade.

Os sofistas, professores que se colocam a serviço da educação dos


jovens pertencentes à elite ateniense, ensinam que a sabedoria
consiste no domínio da linguagem e na capacidade de usá-la para
convencer os outros de que aquilo que nós mesmos defendemos é
o correto. Não interessa qual é a verdade, pois tudo é relativo e o
homem é a medida de todas as coisas.

Em contrapartida, Sócrates propõe que a verdade existe, é


universal e está dentro de cada ser humano. Para conhecê-la,
basta que cada um conheça a si mesmo. Usando a ironia e a
maiêutica, Sócrates auxilia aqueles que buscam o conhecimento
seguro, a episteme.

Embora não tenha deixado nenhuma obra escrita, Sócrates foi


a figura mais influente da Filosofia Grega. Foi o fundador da
ética e propôs ser a busca da felicidade a verdadeira função da
Filosofia. Identificando virtude com conhecimento, ele defende
que só se é mau por ignorância.

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


UNIDADE 4

Platão

Objetivos de aprendizagem
4
 Identificar os principais eventos históricos que marcaram
o fim do século de ouro de Atenas.

 Identificar os principais eventos da vida de Platão e


como estes influenciaram o seu pensamento.

 Traçar um panorama das obras de Platão.. 


 Compreender os principais aspectos metodológicos da
filosofia platônica. 

 Definir os principais conceitos da filosofia de Platão. 

 Identificar e interpretar as metáforas e alegorias mais


conhecidas de Platão. 

Seções de estudo
Seção 1 Contexto histórico

Seção 2 Quem foi Platão?

Seção 3 A obra de Platão

Seção 4 A formação do filósofo e a busca


da episteme

Seção 5 As analogias como complemento


da dialética

Seção 6 O universo, o homem e a pólis

Seção 7 O amor platônico


Para início de estudo
Platão é o discípulo mais famoso de Sócrates. Como Sócrates
não deixou nenhuma obra escrita, muito do que sabemos hoje da
sua filosofia nos chegou através de Platão. Por outro lado, Platão
utiliza a figura de Sócrates como personagem em seus livros.

Assim, o personagem acaba sendo associado a idéias que, na


verdade, foram desenvolvidas pelo autor do texto. É preciso
tomar cuidado com essa “confusão” entre o Sócrates histórico,
o Sócrates personagem literário e Platão. Mas é inegável que
Platão, acima de tudo, admirava Sócrates e que procurou durante
toda a vida dar continuidade ao trabalho iniciado pelo mestre.

SEÇÃO 1 - Contexto Histórico


A obra de Platão foi fortemente marcada pelos acontecimentos do
seu tempo. Por isso, para compreendê-la, é importante conhecer
alguns detalhes históricos que, de certa forma, influenciaram
seu pensamento. Nascido em Atenas em 428 a.C., Platão foi
contemporâneo dos sofistas e discípulo de Sócrates. Embora já
tenhamos descrito um pouco do contexto histórico do séc. V
a.C. na unidade anterior, é preciso agora acrescentar mais alguns
detalhes aqui.

Em 478 a.C., os gregos criam a Confederação de Delos, uma


aliança marítima de defesa comandada por Atenas. Após derrotar
definitivamente os persas em 448 a.C., o governo ateniense
usa os espólios da guerra na construção de obras públicas e
monumentos, transformando Atenas na mais exuberante cidade
da época.

Mas todo esse esplendor foi feito às custas da apropriação


de recursos que pertenciam a todas as cidades-Estado que
compunham a federação. Isso acabou provocando um novo
conflito, a Guerra do Peloponeso, marcada principalmente pela
disputa entre Esparta e Atenas.

A vitória dos espartanos, em 404 a.C., obtida com a ajuda dos


antigos inimigos persas, marca o fim da hegemonia ateniense.

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


Após a rendição, Esparta apóia em Atenas um golpe de Estado
conduzido pela oligarquia ateniense. O novo governo ficou
conhecido como “a tirania dos trinta” e durou cerca de um ano,
até que uma revolta popular reinstaurou a democracia.

Apesar da vitória, Esparta sai da guerra enfraquecida. A Grécia


inicia um período de declínio no cenário político internacional
que culminará, mais tarde, com a sua total submissão e anexação
ao até então inexpressivo reino da Macedônia. Mas esse assunto
fica para a próxima unidade.

Pesquise!
Que tal usar a Internet para fazer uma pesquisa sobre
a Guerra do Peloponeso? Há vários detalhes muito
interessantes além daqueles que foram abordados
aqui.
Destaque um detalhe que mais lhe tenha interessado
e o publique no EVA, por meio da ferramenta
Exposição. Não se esqueça de consultar as respostas
dos colegas.

SEÇÃO 2 - Quem foi Platão?


Platão (428-348 a.C.) viveu entre o apogeu e o
declínio de Atenas e também foi contemporâneo
do enfraquecimento de Esparta, outra importante
cidade grega e principal adversária de Atenas. Dez
anos após a morte de Platão, Filipe da Macedônia
domina a Grécia, a qual nunca mais recupera sua
estrutura política, constituída por cidades-Estado
independentes. Figura 4.1 – Platão.
Fonte: <http://www.euniverso.com.
Platão pertencia a uma família influente. Seu pai, br/Psyche/Filosofia/platao.jpg>.
Ariton, descendia de Codro, último rei de Atenas,
e era amigo de Péricles, a grande figura da política
ateniense. Sua mãe, Perictíone, era prima de Crítias, membro do
Governo dos Trinta, e irmã de Carmides.
Saiba mais sobre Platão!
O verdadeiro nome de Platão era Aristócles. Em
grego, plátos (que, em Português, vira Platão) significa
“amplitude, largura, grande dimensão”. Alguns
comentadores atribuem esse apelido à imensa testa
que Aristócles possuía; outros acreditam que o motivo
era o porte atlético de Platão ou seus ombros largos.
De fato, quando jovem, Platão se destacou também
como atleta, tendo alcançado a vitória em diversas
competições esportivas

Por sua origem, Platão tendia para a vida política. Entretanto


a Grécia vivia em guerra. Após o domínio de Esparta sobre as
cidades gregas, é instaurado, em Atenas, o Governo dos Trinta,
do qual participavam parentes e amigos de Platão. Este governo
impopular foi derrubado pela democracia – a mesma democracia
que mais tarde condenará Sócrates, de quem Platão era discípulo.
Esses acontecimentos fazem com que Platão desista da carreira
política, como ele mesmo relata na Carta VII:

Outrora em minha juventude, experimentei o que


experimentam tantos jovens. Tinha o projeto de
imediatamente abordar a política tão logo pudesse dispor
de mim mesmo. Ora, eis em que estado ofereciam-se
então a mim os negócios do país: a forma de governo
estando vivamente atacada de diversos lados, tomou-se
uma resolução. À testa de nova ordem estabeleceram-se
cinqüenta e um cidadãos, onze na cidade, dez no Pireu
Pireu é o nome do porto de (esses dois grupos foram postos à frente da ágora e de
Atenas. A pólis de Atenas se dividia tudo o que concerne à administração da cidade), mas
administrativamente em duas trinta constituíam a autoridade suprema com poder
regiões: a cidade (região mais alta) absoluto. Muitos dentre eles eram quer parentes meus,
e o Pireu. quer conhecidos, que logo me convidaram para tarefas
às quais me consideravam apto. Deixei-me levar por
ilusões que nada tinham de espantosas em razão de
minha juventude. Imaginava que governariam a cidade,
reconduzindo-a dos caminhos da injustiça para os da
justiça... Ora, vi esses homens nos levarem em pouco
tempo a lamentar a antiga ordem das coisas como uma
idade de ouro. Entre outros fatos, quiseram associar meu
velho e caro amigo Sócrates, que não temo proclamar
o homem mais justo de seu tempo, a alguns outros
encarregados de levar à força um cidadão para executá-
lo e isso com o propósito de comprometer Sócrates,
voluntária ou involuntariamente, com a política deles.

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


Sócrates não obedeceu e preferiu antes expor-se aos piores
perigos que tornar-se cúmplice de ações criminosas. Em
vista dessas coisas e de outras ainda do mesmo gênero e
de não menor importância, fiquei indignado e me afastei
das misérias dessa época. Logo os Trinta caíram e com
eles todo o seu regime. Mais uma vez, se bem que menos
entusiasmado, fui movido pelo desejo de me envolver
no negócio do Estado. Tiveram lugar, então, pois era
um período de desordens, muitos fatos revoltantes e
não é extraordinário que as revoluções tenham servido
para multiplicar os atos de vingança pessoal. Contudo,
os que retornaram nesse momento, usaram de muita
moderação. Mas, não sei como pôde acontecer, eis que
pessoas poderosas arrastam diante dos tribunais esse
mesmo Sócrates, nosso amigo, e levantaram contra ele
uma acusação das mais graves e que seguramente não
merecia: e por impiedade que alguns o citaram diante do
tribunal e que outros o condenaram e fizeram morrer o
homem que não quisera participar da criminosa detenção
de um de seus amigos então banido, quando, banidos
eles próprios, estavam na desgraça. Vendo isso e vendo
os homens que conduziam a política, quando mais
considerava as leis e os costumes e quanto mais também
avançava em idade, mais me parecia difícil administrar
bem os negócios do Estado... Finalmente compreendi
que todos os Estados atuais são mal governados, pois
sua legislação é quase irremediável sem enérgicas
providências unidas a felizes circunstâncias. Fui então
irresistivelmente levado a louvar a verdadeira Filosofia
e proclamar que, somente à sua luz, se pode reconhecer
onde está a justiça na vida pública e na vida privada.
Portanto, os males não cessarão para os homens antes que
a raça dos puros e autênticos filósofos chegue ao poder
ou que os chefes das cidades, por uma graça divina, se
ponham verdadeiramente a filosofar. (apud CHAUI,
1994, p. 167-168)

Após a morte de Sócrates, Platão é aconselhado a deixar Atenas.


Passa um tempo na vizinha cidade de Mégara, junto com outros
seguidores de Sócrates, e, em seguida, faz diversas viagens;
cogita-se que tenha ido ao Egito, à Jônia e a Creta; sabe-se que,
em 388 a.C., aos quarenta anos, esteve no sul da Itália, em busca
de contato com a escola pitagórica. Em seguida, foi a Siracusa,
na Sicília, a convite do rei Dionísio I. Vivendo na corte, Platão
acabou se indispondo com Dionísio e, por isso, foi deportado
e vendido como escravo na ilha de Egina (que fica próxima de
Atenas).
Voltando a Atenas, em 386 a.C., Platão adquire um ginásio
e funda aí a sua escola de filosofia, a qual ficou conhecida
como Academia (pois se situava em uma propriedade que
teria pertencido a um antigo herói chamado Academos). Na
Academia, Platão se dedica à formação do autêntico filósofo,
através dos estudos científicos. Em pouco tempo, a Academia
torna-se o principal centro de educação intelectual de Atenas,
onde se ensinava matemática, astronomia, botânica, medicina e,
principalmente, filosofia.

A academia foi também um exemplo de democratização da


educação: as aulas eram gratuitas, com algumas sessões abertas
ao público em geral; outra grande inovação foi a aceitação
de mulheres como alunas. Além das seções públicas, havia a
formação filosófica propriamente dita. Em suas instalações,
alunos vindos de toda a Grécia formavam uma comunidade
voltada para a busca do saber. Mas, para tornar-se um membro
efetivo da Academia e ter acesso aos ensinamentos mais
profundos, Platão fazia uma exigência: “Não entre, se não souber
geometria”. A academia é considerada o embrião da idéia de
universidade, e é por isso que até hoje os estudantes universitários
são chamados também de “acadêmicos”.

Mesmo com sua Academia em pleno funcionamento, Platão


ainda iria mais duas vezes à Sicília, onde sempre acabava tendo
problemas. Após a terceira viagem, em 360 a.C., Platão se
estabelece definitivamente em Atenas e permanece na direção da
Academia até sua morte, em 347 a.C.

Sabia mais sobre os empreendimentos de Platão!


Na obra A República, Platão concebe uma sociedade
ideal, administrada por homens comprometidos com
a justiça, a coragem, a moderação e a sabedoria. Essa
sociedade deveria ser governada por um rei-filósofo.
A esperança de ver seu projeto tornar-se realidade
levou Platão a empreender suas viagens a Siracusa.
Mas, após a terceira tentativa, Platão parece ter
percebido o caráter utópico da sua concepção
política.
No final da vida, Platão escreve a obra As Leis, na qual
reelabora algumas das suas propostas originais.

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


SEÇÃO 3 - A obra de Platão
Platão, assim como Sócrates, não tinha grande apreço pela
escrita, pois esta era vista como imitação da linguagem oral e,
para eles, o que é autêntico é sempre melhor do que a imitação.
Porém, ao contrário de Sócrates, Platão nos deixou obras
escritas. Optou, no entanto, por um estilo literário que se mostra
o mais próximo possível das conversas que tinha na Academia,
escrevendo predominantemente em forma de diálogo.

Acredita-se que a obra escrita por Platão tenha chegado até nós
em sua totalidade. Abaixo, temos uma relação dos seus escritos,
seguindo a classificação apresentada por Marcondes (2001, p. 54-
55):

Diálogos considerados autênticos


Diálogos socráticos (399 a.C. morte de Sócrates):

 Apologia a Sócrates
 Íon, ou sobre a Ilíada
 Hípias menor, ou sobre a falsidade
 Laques, ou sobre a coragem
 Carmides, ou sobre a moderação
 Críton, ou sobre o dever
 República (Politéia), livro I, ou sobre a justiça
 Hípias maior, ou sobre a beleza
 Eutífron, ou sobre a piedade
 Lísis, ou sobre a amizade

Diálogos da fase intermediária (primeira viagem à Sicília, 389-388 a.C.)

 Protágoras, ou sobre os sofistas


 Górgias, ou sobre a retórica
 Menexeno, ou oração fúnebre
 Eutidemo, ou sobre a erística
 O banquete (Simposium), ou sobre o amor
 Ménon, ou sobre a virtude
continua
 A república (Politéia) [com exceção do Livro I, que foi
escrito ainda na fase socrática), ou sobre a justiça
 Fedro, ou sobre a alma

Diálogos da maturidade (crítica à teoria das formas)

 Crátilo, ou sobre a correção dos nomes


 Teeteto, ou sobre o conhecimento
 Parmênides, ou sobre as formas
 O sofista, ou sobre o ser
 O político, ou sobre a monarquia
 Filebo, ou sobre o prazer

Diálogos da fase final

 Timeu, ou sobre a natureza


 Crítias, ou sobre a Atlântida
 As leis (Nomoi)
 Epinomes, um apêndice de As Leis

Diálogos de autenticidade discutível

 Alcibíades, I e II
 Hiparco
 Anterestai
 Teages
 Mino
 O filósofo
 Treze cartas, das quais são consideradas autênticas a III,
a VII (a mais famosa e importante) e a VIII

Toda a obra de Platão está traduzida para o Português. Algumas


delas estão disponíveis em edições econômicas (como a coleção
“Os Pensadores”, que já foi publicada diversas vezes pelas editoras
Abril Cultural e Nova Cultural, e a coleção “A Obra-Prima de
Cada Autor”, da Editora Martin Claret).

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


Vários textos estão disponíveis também em edições eletrônicas,
acessíveis em sites da Internet, como por exemplo, o portal
“Domínio Público” <www.dominiopublico.gov.br>.

Saiba mais sobre as obras de Platão!


Para facilitar a comparação de traduções e a
localização de trechos em edições diferentes, os textos
de Platão possuem uma numeração padronizada.
Essa numeração toma como base a edição da obra de
Platão por Henricus Stephanus, em 1578, e é composta
por um número seguido de uma letra (ex.: 533c).
Em livros dirigidos para um público que já tenha
certa formação filosófica, é comum encontrar trechos
das obras de Platão seguindo essa numeração.
Assim, é comum encontrar referências como “533cd”
(indicando que o trecho inicia em 533c e termina em
533d) ou “614b-621b” (indicando que o texto citado
vai de 614b até 621b).
As edições mais elaboradas das obras de Platão
trazem essa numeração na margem do texto (além
da paginação padrão, no topo ou no rodapé,
como qualquer outro livro). As edições populares
geralmente não disponibilizam esse recurso.
Sempre que possível, apresentamos aqui, no nosso
texto, essa numeração padronizada.

SEÇÃO 4 - A formação do filósofo e a busca da episteme


A educação é um tema fundamental para Platão. Tanto a
formação do indivíduo quanto a construção de uma sociedade
mais justa precisam apoiar-se em um planejamento consciente
de todo o processo educativo. Por isso, principalmente na obra A
República, Platão faz duras críticas à educação grega de sua época
e propõe um “currículo básico” para a formação do filósofo.

A educação grega
Nos primeiros séculos da história grega, as obras de Homero e
de outros poetas formavam a base da educação. A poesia tinha
um valor pedagógico muito grande. As formas rítmicas da poesia
ajudavam na memorização de ensinamentos, numa época em
que a escrita ainda era pouco difundida. O aprendizado dos
valores culturais se dava através da memorização, da repetição e
da lembrança dos versos poéticos, nos quais os personagens das
epopéias (como Ulisses, Telêmaco e Aquiles) serviam de modelo
de excelência física e moral.

Com o desenvolvimento econômico e cultural, no entanto, o


processo educativo vai-se tornando cada vez mais complexo.
Surge a educação formal e planejada. Nesse novo contexto,
dois grandes modelos de educação se desenvolvem na Grécia: o
ateniense e o espartano.

O modelo ateniense era privado; cabia à família a educação do


jovem. Estava organizado, basicamente em três fases:

 até os sete anos, meninos e meninas recebiam a atenção


da família e tinham o seu primeiro contato com os
poemas épicos;
 numa segunda etapa, já sob a orientação de instrutores,
aprendiam a ler, praticavam modalidades atléticas e
recebiam aulas de música;
 dos quatorze aos dezoito anos, passavam a freqüentar os
ginásios (locais para ginástica e de formação cívica, onde
os jovens, além de se exercitarem, podiam acompanhar
os mais velhos em discussões sobre os mais diversos
assuntos). Também é nessa terceira etapa da educação
que alguns jovens mais ricos recebiam as aulas de retórica
e de política ministradas pelos sofistas.

Já Esparta tinha um modelo rígido e militarizado. Aos sete anos,


os jovens eram retirados de suas famílias e entregues ao Estado.
Passavam a viver em comunidade e recebiam um treinamento
atlético e militar rigoroso, com a finalidade de modelar os
espíritos à coragem, à lealdade, à destreza e à verdade.

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


Atenção!
Todos estes elementos históricos têm influência sobre
a forma como Platão discute o tema da educação
em A República. Para formar o cidadão ideal, Platão
propõe uma nova educação, na qual mantém a
ginástica e a música, mas elimina a poesia. Os poetas,
para Platão, são corruptores da alma, pois, da mesma
forma que pregam ideais nobres, incutem virtudes
inadequadas.

A dialética: a formação do filósofo e a busca da episteme


No conjunto de disciplinas para a formação do cidadão ideal,
após a música e a ginástica, Platão acrescenta a matemática
(abrangendo aquilo que hoje chamaríamos de aritmética,
geometria plana e geometria espacial) e a astronomia.

A última etapa de formação intelectual, destinada apenas aos que


possuem vocação filosófica, é o aprendizado do método dialético,
pois é este que dará ao homem a condição de ver além das
aparências e de compreender o Bem, a Justiça e as demais idéias,
tornando-o um verdadeiro filósofo. Segundo Platão: A palavra idéia tem
um sentido especial na
filosofia de Platão: ela
O método dialético é o único que se eleva, destruindo as indica o conceito abstrato,
hipóteses, até o próprio princípio para estabelecer com em oposição às coisas
solidez as suas conclusões, e que realmente afasta, pouco concretas.
a pouco, o olhar da alma da lama grosseira em que está
mergulhado e o eleva para a região superior […]. (Platão,
1997, p. 247, Livro VII, 533cd).

Aliás, você sabe o que para Platão significa dialética?


A dialética é o percurso que nos leva da opinião
à ciência, da doxa à episteme, através do diálogo
pautado pela busca das essências. Ela é, segundo
A essência, como vimos ao falar Platão, a verdadeira forma de filosofar.
de Sócrates, é aquilo que uma
O método dialético se caracteriza fundamentalmente
coisa realmente é; na maioria das
pelo diálogo que busca a verdade (alétheia). Note que
vezes, a essência está oculta sob as
não se trata de qualquer diálogo. Um diálogo comum
aparências.
nada mais é do que uma comparação de opiniões
que, na maioria das vezes, não passam de idéias
preconceituosas que temos sobre os mais diversos
assuntos. Isso, obviamente, não é a dialética.

A dialética também se diferencia da erística, método de disputa


desenvolvido pelos sofistas. Para os sofistas, o importante era
sair como vencedor do debate, não importando quem está com a
razão. Mas, como ressalta Pietre (1989, p. 24), essa postura não é
adequada a quem busca a verdade:

Num diálogo filosófico, em que a vontade de sobressair


em relação a outrem ou de brilhar por raciocínios
capciosos deve desaparecer para dar lugar à procura
desinteressada do verdadeiro, as questões suscitadas por
uma pessoa devem forçar a outra a precisar melhor suas
respostas – as quais exigem novas perguntas – a fim de
suprimir todo equívoco, toda ambigüidade. Relacionando
indagações e respostas, chega-se, pouco a pouco, a
esclarecer realmente uma questão, isto é, o que significa
realmente uma determinada palavra. Chega-se a saber ‘o
que é’, por exemplo, a justiça, a virtude, a piedade, ou a
beleza, etc., ao invés de se brincar com essas palavras para
perseguir toda espécie de raciocínio falacioso.

Atenção!
Enquanto a erística é a arte da disputa argumentativa,
empregada com o objetivo de vencer uma discussão,
a dialética é uma cooperação que tem como meta
final a descoberta da verdade.

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


O “mundo sensível” e o “mundo inteligível”
O objetivo da dialética é fazer nossa compreensão passar do
sensível ao inteligível, da aparência à essência, da multiplicidade à
unidade. Platão, retomando a tese socrática de que a experiência
sensível não é capaz de nos fornecer um conhecimento
verdadeiro, fala de dois níveis de conhecimento: a opinião (doxa)
e o conhecimento racional, que é a ciência (episteme).

Desenvolvendo essa tese, Platão distingue dois tipos de realidade


sobre os quais se pode falar. Em primeiro lugar, temos os objetos
materiais e fenômenos físicos, os quais só podem ser conhecidos
através dos cinco sentidos (visão, audição, tato, paladar e olfato).
Na terminologia proposta por Platão, esses objetos e fenômenos
compõem o “mundo sensível”. Fazem parte dele os objetos que
podem ser percebidos através da experiência (pedras, casas,
árvores, livros, homens e mulheres, o sol, as estrelas, o tempo,
etc.).

Mas, além desses objetos, há outros que só podem ser conhecidos


através da inteligência e compõem o “mundo inteligível” ou
“mundo das idéias”.

O mundo inteligível é formado de conceitos (ou idéias). Fazem


parte dele:
 os conceitos ligados aos objetos e fenômenos naturais
(por exemplo, o conceito de casa, de árvore, de livro, de
ser humano, de masculino/feminino, de dia/noite, de
transformação, etc.);
 os números, as formas geométricas e todas as outras
entidades matemáticas;
 as idéias abstratas (justiça, coragem, beleza, virtude,
amizade, etc.); e
 a idéia de bem (a mais perfeita das idéias).

Atenção!
Esses dois mundos, o sensível e o inteligível, são
diferentes.
O mundo sensível é o mundo da multiplicidade e da
transformação. Como está em constante mudança, não pode ser
conhecido de forma definitiva. Como só o conhecemos através
dos sentidos, que apenas fornecem imagens imprecisas, não pode
ser conhecido de forma segura. É, portanto, o mundo da doxa.

Já o mundo inteligível é formado por idéias ou essências


imutáveis, pelas unidades que dão inteligibilidade à diversidade.
Embora também tenhamos opiniões sobrev os objetos que
o compõem, nele é possível, através da dialética, alcançar o
conhecimento objetivo, a episteme.

SEÇÃO 5 - As analogias como complemento da dialética


Como complemento da dialética, encontramos na obra de Platão
diversas analogias que vão, desde simples comparações, até a
elaboração de alegorias mais complexas e o uso de mitos.

Entre as mais famosas metáforas usadas por Platão, estão a


analogia da reta segmentada, a alegoria da caverna e o mito de
Er (as três encontradas no diálogo A República); e a alegoria do
cocheiro (encontrada no Fedro).

Por que Platão recorre a essas analogias?

Porque nossa linguagem é limitada e, por isso, sem o uso de


metáforas, a busca da verdade acaba tornando-se impossível.
Nosso vocabulário é aprendido, inicialmente, a partir da
experiência. É, portanto, um vocabulário insuficiente para
expressar as idéias mais abstratas.

As metáforas, no entanto, são capazes de proporcionar


aproximações ao nosso intelecto, de forma que ele resgate
em si mesmo aquelas idéias que ele já possui, mas que estão
“encobertas” pelas palavras e pelas imagens sensíveis. Sobre este
aspecto, Châtelet afirma (1981, p. 113):

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


O método platônico é demonstrativo e seu instrumento
é a “arte” dialética. Entretanto, freqüentemente, o
discurso lógico busca apoio em imagens ou alegorias,
freqüentemente também desemboca em narrações
míticas. Às técnicas indutiva e dedutiva ajuntam-se, pois,
procedimentos que repousam sobre o valor expressivo da
analogia ou da metáfora. Nos dois casos, a linguagem
do saber é, ela também, parcialmente inapta para dizer
o que é. Duplamente inapta: demasiado envolvida no
sensível, ela não consegue dizer completamente a mais
alta realidade; demasiado desligada dela, tem dificuldade
em fazer entender o que, “lá em cima”, aprendeu.
A imagem, o mito compensam essa insuficiência;
compensam-na mas num sentido positivo, se se pode
dizer: a narração lendária enriquece a dialética, aumenta
seu vigor, acrescenta uma lógica metafórica à lógica da
demonstração.

As analogias facilitam a compreensão na medida em que se


utilizam de uma linguagem poética que anima o espírito. Dessa
forma, a imaginação complementa a razão.

Vejamos algumas dessas metáforas:

A comparação da idéia de bem com o sol e a analogia da reta


segmentada
No livro VI do diálogo A República, um dos interlocutores
pergunta a Sócrates (o personagem principal do texto) o que é o
bem. Sócrates confessa não ser capaz de definir com exatidão a
essência do bem, mas propõe uma comparação com o sol.

Assim como o sol ilumina o mundo e sua luz permite que o olho
enxergue os objetos, a idéia de bem possibilita ao olho da alma
perceber os objetos do mundo inteligível. Assim como o sol,
na Terra, é a fonte da vida, a idéia de bem é a fonte da vida no
mundo inteligível.

Mas, como não conseguimos olhar diretamente para


o sol quando este se encontra em seu máximo brilho,
devido à sua luz ofuscante, também não é possível
definir o bem, por ser a mais excelsa das idéias.
Todavia, assim como é possível observar o sol de
relance, ou mesmo fitá-lo quando este está nascendo
ou se pondo no horizonte, também podemos ter da
idéia de bem uma noção aproximada, suficiente para orientar
nossa compreensão das demais idéias.

Complementando essa comparação, Sócrates propõe, ainda no


Livro VI, a analogia da reta segmentada (ou linha dividida). O
personagem Sócrates nos convida a imaginar “uma linha cortada
em dois segmentos desiguais, um representando o gênero visível
e outro o gênero inteligível e secciona de novo cada segmento
segundo a mesma proporção” (509d). Veja a figura abaixo, uma
representação de tal concepção.

Figura 4.2 – A reta segmentada.


Fonte: Elaboração do autor.

Na figura 4.2, o segmento de reta AB representa a totalidade


daquilo que se pode conhecer.

Essa totalidade é composta, inicialmente, de duas partes: o


mundo sensível (segmento AC) e o mundo inteligível (segmento
CB).

Cada segmento pode ser novamente dividido em duas partes.


Temos assim:

 a eikasía (conhecimento obtido diretamente através dos


sentidos);

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 a pístis (representação sensível, interpretação subjetiva da
realidade);
 a diánoia (conhecimento discursivo que engloba as
matemáticas e a astronomia);
 e finalmente a nóesis (conhecimento das essências obtido
através da dialética).

Atenção!
A figura também indica que a nossa capacidade
de pensar é muito maior que nossa capacidade de
perceber a realidade através dos sentidos.

A Alegoria da Caverna
A Alegoria da Caverna, também chamada de Mito da Caverna,
narra uma situação fictícia (até mesmo impossível). Porém o mais Confira no final desta
importante não é a fábula que é contada mas sim o sentido que se Unidade, na seção Saiba
pode abstrair dela. Essa é a mais famosa das metáforas de Platão. Mais, a íntegra do texto da
Alegoria da Caverna.

No Livro VII do diálogo A República, Platão propõe que imaginemos


uma caverna onde alguns homens viviam acorrentados desde o
nascimento, e só conseguiam enxergar sombras projetadas na parede.
Eles nunca viam os objetos que provocavam a sombra. Aliás, os
próprios objetos que produziam as sombras eram imitações da
realidade (estátuas e figuras), e não a própria realidade. Obviamente,
numa situação dessas, o conhecimento que esses prisioneiros podiam
ter era muito limitado.
Quando um desses prisioneiros é libertado e forçado a sair da
caverna, ele inicialmente se revolta. Seu corpo, acostumado a
permanecer imóvel, dói ao ter que se movimentar; seus olhos
não conseguem se adaptar facilmente à luz; sua mente não
consegue interpretar imediatamente as novas imagens que lhe são
apresentadas.

Com o passar do tempo, no entanto, o ex-prisioneiro acaba


desenvolvendo as capacidades e habilidades necessárias à
percepção do mundo real. Num primeiro momento, logo que sai
da caverna, ele consegue olhar a realidade apenas à noite, quando
não há muita luz. Mais adiante, ele já consegue olhar, de dia,
sombras no chão e imagens refletidas na água. Por fim, consegue
olhar os próprios objetos que compõem o mundo real em plena
luz do dia e, de relance, consegue olhar até mesmo para o próprio
sol.

Ao contemplar a realidade, ele finalmente compreende os limites


da sua antiga concepção de mundo, formada a partir das sombras
projetadas no fundo da caverna. Mas, ao voltar à caverna para
tentar libertar seus antigos companheiros, ele acaba sendo mal
compreendido e acusado de louco.

A Alegoria da Caverna representa a passagem da


doxa para a episteme através da educação. A saída
da caverna é descrita como um processo doloroso,
que leva o ex-prisioneiro a reagir contra a própria
libertação. Ele precisa ser arrastado para fora à força.

Nessa breve narrativa, cada detalhe tem um significado. A


caverna representa o mundo sensível; os prisioneiros somos
nós; as correntes que nos prendem são os nossos sentidos; os
objetos carregados pelos homens por trás do muro (objetos
fabricados, artificiais) são as teorias daquelas pessoas que já
possuem uma interpretação da realidade, mas que ainda estão
presas ao mundo sensível (são interpretações subjetivas); a saída
da caverna representa a educação, principalmente a aplicação
do método dialético; as sombras e as imagens refletidas na água
que o prisioneiro vê logo que sai da caverna são os objetos da
matemática e da astronomia; os objetos do mundo fora da caverna
são as essências (definições, conceitos, idéias) compreendidas
através da dialética; o sol é a idéia de bem.

O mito de Er
Outra analogia importante em A República é o mito de Er, ou
mito da reminiscência, contado no livro X. Essa narrativa, que
aparece já nas páginas finais da obra, traz alguns elementos
do pitagorismo assumido por Platão. Entre esses elementos,
temos a defesa da imortalidade da alma e da transmigração (ou
reencarnação).

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


Contudo não podemos esquecer: o mito de Er é uma metáfora
filosófica. Certamente é possível fazer uma leitura religiosa dessa
metáfora, mas não era esse o objetivo de Platão.

Vejamos um resumo do mito de Er

O Mito de Er
Er morrera numa batalha; quando, ao fim de doze dias,
o seu corpo estava na pira para ser cremado, tornou à
vida e pôde contar as cenas maravilhosas a que tinha
assistido no além, durante esse tempo. Ele havia sido
escolhido para levar aos homens uma mensagem do
além.
Er conta ter chegado a um lugar onde juízes julgavam
as almas recém-chegadas e as sentenciavam a seguir
em direção ao céu ou às profundezas da Terra. No
céu, as almas daqueles que haviam sido justos em
sua vida terrena gozavam de recompensas dez vezes
maiores do que o benefício produzido por suas ações;
no subterrâneo, os castigos também eram dez vezes
maiores do que os crimes cometidos.
Por outra rota retornavam, do céu e das profundezas
da Terra, as almas que já haviam cumprido a sentença
atribuída pelos juízes. Tais almas eram encaminhadas
a outro local, onde lhes era informado qual seria o seu
destino na nova vida que teriam na Terra.
Mas nem tudo estava determinado, e cada alma podia
escolher o tipo de vida que quisesse para cumprir
seu novo destino: riqueza ou pobreza, doença ou
saúde, aspecto físico, etc. Feita a escolha, ela é tornada
irrevogável, e as almas se dirigem para o local de onde
retornarão à vida corpórea.
Após atravessarem a escaldante planície de Leto
(esquecimento) e beberem das águas do rio Ameles
(despreocupação), as almas reencarnam nos lugares
que lhes estavam determinados. Apenas Er foi
proibido de beber dessas águas e foi reconduzido
ao seu corpo para contar aos homens o que se passa
após a morte.

O mito de Er ilustra a relação que o filósofo tem com a verdade.


Mesmo que as ilusões produzidas pelos sentidos o tenham levado
a esquecer como é a verdade em si mesma, o filósofo a pressente
no fundo de sua alma.
O mito de Er é uma passagem em que Platão define o
conhecimento como reminiscência. Assim, conhecer
(alcançar a episteme) nada mais é do que relembrar
o que já sabemos.

Uma outra mensagem deixada pelo mito de Er é a de que o


mais importante não são os dotes que a natureza ou a sociedade
ofereceram ao indivíduo, mas o bom ou mau uso que ele faz
desses dotes e o seu empenho em buscar a verdade.

O mito do carro alado


No diálogo Fedro, Platão propõe uma alegoria que ilustra a
dificuldade que temos para alcançar o conhecimento pleno da
verdade. A alma se assemelha a uma carruagem puxada por dois
cavalos e guiada por um cocheiro.

Na alma dos deuses, os cavalos são de boa raça,


bem treinados e, conseqüentemente, obedientes aos
comandos do condutor. Na alma humana, os cavalos
são de raças diferentes, sendo um de boa raça e outro
de raça ruim.

Figura 4.3 – O mito do cavalo alado de Platão. As carruagens dos deuses voam com facilidade e
permitem que o cocheiro vá, com freqüência, até a
Fonte: <http://laescueladeateanas.files.wordpress.
com/2007/10/mito_carro_al.jpg>. parte mais alta do céu, de onde é possível contemplar
as formas perfeitas do mundo das idéias. Já as
carruagens humanas circulam com dificuldade porque, enquanto
um dos cavalos quer subir, o outro quer descer. É preciso tornar-
se um excelente cocheiro e aprender a controlar bem os cavalos
para conseguir levar a carruagem às partes mais elevadas do céu.

Este mito pode ser interpretado da seguinte forma: o cavalo de


raça ruim (um cavalo mestiço) representa a parte da alma que
busca os prazeres do corpo (o elemento concupiscente da alma);
o outro cavalo, de raça pura (um puro-sangue), representa o
sentimento. O cocheiro é a razão.

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


Atenção!
Para poder contemplar as idéias perfeitas e, assim,
obter a episteme, o homem deve primeiro aprender
a controlar seus desejos e necessidades carnais e
também os seus sentimentos, de modo que a razão
possa determinar o rumo da vida. Mas isso não é
tarefa fácil e, muitas vezes, os homens acabam sendo
levados pelas paixões, acabam se distanciando cada
vez mais do conhecimento da verdade.

SEÇÃO 6 - O universo, o homem e a pólis


Em seus esforços para compreender a realidade de forma racional,
os pré-socráticos deram grande importância à cosmologia, sem
se preocupar em aplicar essa mesma racionalidade à análise dos
fenômenos tipicamente humanos. Por outro lado, os sofistas e
Sócrates se empenharam em discutir as questões da moral e da
política, dando pouca ou nenhuma atenção para a investigação
a respeito da physis e do devir. Platão é o primeiro filósofo a
unificar, sob uma mesma perspectiva teórica, a reflexão sobre o
universo, o homem e a pólis.

O Universo
Diferente de Sócrates, que desprezava o interesse pela physis,
Platão sente a necessidade de retomar a discussão acerca do devir
e da ordem do universo. Sem poder se basear no mestre ao tratar
desse tema, Platão busca inspiração nos pré-socráticos:

 de Anaximandro, utiliza a idéia de matéria primordial


indeterminada;
 de Anaxágoras, tomou a noção de causa inteligente que
ordena todas as coisas;
 dos pitagóricos, assumiu a tese de que o universo é
constituído segundo uma ordem matemática.

Platão propõe que o universo seja composto de dois tipos de


realidade: de um lado, a matéria caótica e disforme; de outro, o
mundo perfeito das idéias. Mas há ainda um terceiro elemento: o
Demiurgo, um “artesão divino”, um deus-organizador.

Atenção!
Para Platão, o Demiurgo apenas organiza o universo.
Ele não cria a matéria.

Enquanto a matéria original não tem nenhum tipo de ordem ou


lei, o mundo das idéias possui uma ordem perfeita. O Demiurgo,
por sua vontade e bondade, é quem contempla a ordem ideal e,
plasmando a matéria caótica, produz a ordem da natureza. Mais
que isso, o Demiurgo produz um universo dotado de vida própria
e de racionalidade.

O mundo sensível, assim, se torna ‘cosmos’, ordem


perfeita, porque assinala o triunfo do inteligível sobre
a necessidade cega da matéria, por obra da inteligência
do Demiurgo: Após ter completado inteiramente estas
coisas com exatidão, até onde lhe permitia a natureza da
necessidade (isto é, da matéria) espontânea ou persuadida,
Deus introduziu em tudo proporção e harmonia. A antiga
concepção pitagórica do ‘cosmos’ é levada por Platão às
suas últimas conseqüências. (REALE; ANTISERI,
1990, 144).

O universo concebido pela filosofia platônica é o que pode existir


de mais aproximado da perfeição das idéias puras. Ele só não é
totalmente perfeito porque a matéria impõe limites ao trabalho
do Demiurgo. Como veremos a seguir, essa mesma matéria
também limita a ação humana.

O Homem
Platão concebe homem como um ser composto de corpo e alma.

O corpo, constituído de matéria, está sujeito às leis da physis


e está em constante mudança. Por sua vez, a alma (psykhé,
princípio que move o homem) é imutável. No entanto, por
estar unida ao corpo, precisa se adaptar a ele. Nessa união, a
alma acaba assumindo três aspectos diferentes que, embora se
complementem, se desenvolvem e se manifestam em ritmo e

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intensidade desiguais e, inclusive, podem entrar em conflito
entre si, às vezes.

Assim, a alma do ser humano engloba três funções, cada uma


delas associada a uma parte do corpo. Embora ela seja una e
indivisível, manifesta-se como se fosse uma composição de três
almas diferentes, conforme o esquema seguinte:

Parte da alma Parte do corpo Função

Elemento apetitivo Prazer, dor, desejos e necessidades


Baixo ventre corporais (alimentação, repouso,
(ou concupiscente) sexualidade)

Sentimentos (coragem/covardia, amor/


Elemento irascível Tórax
ódio, tranqüilidade/ira, etc.)

Razão (faculdade ativa e superior,


Elemento racional Cabeça capaz de diferenciar o bem e o mal, a
ilusão e a verdade)

Essa concepção de alma é a base da ética platônica. A cada parte


da alma, Platão atribui uma virtude específica, acrescentando
ainda uma quarta virtude, que seria a harmonia do conjunto.

Assim, temos:
Parte da alma Virtude

Elemento apetitivo Moderação ou temperança (controle dos desejos e das necessidades


(ou concupiscente) corporais).

Elemento irascível Fortaleza (firmeza nas dificuldades e constância na procura do bem,


chegando até a capacidade do eventual sacrifício da própria vida por uma
(sentimentos) causa boa).

Prudência ou sabedoria (discernimento das reais vantagens e


Elemento racional desvantagens daquilo que parece ser bom ou mal, levando em
consideração todos os aspectos envolvidos, os pressupostos e as
conseqüências).

Justiça (correto ordenamento das outras três virtudes, assegurando a


cada parte da alma a realização de sua função; subordinando – mas não
Harmonia do submetendo – a moderação à fortaleza, e ambas à prudência. A justiça é a
conjunto garantia de que nenhuma das funções da alma será anulada pelas demais.
Para Platão (1997, p. 133) “A justiça significa guardar apenas os bens que
nos pertencem e em exercer unicamente a função que nos é própria”.
(República, Livro IV, 434a).
Para Platão, o objetivo da vida ética, da busca do conhecimento
e da prática da virtude é a concretização da vida justa, único
caminho para se chegar à felicidade.

Política
Na história do pensamento político, Platão inaugura a perspectiva
utópica. Ao invés de fazer uma profunda análise da prática
política da sua época, identificar problemas ou fazer críticas
pontuais, Platão se dedica a imaginar a pólis ideal. Segundo
ele, só depois de determinar como seria um Estado justo é que
se torna possível orientar as nossas ações para que possamos
construí-lo. O bom Estado é aquele que é justo e é governado
com sabedoria.

Platão tece um paralelo entre o ser humano e a pólis. Assim


como o ser humano possui uma parte concreta (o corpo) e
outra abstrata (a alma), o Estado também possui uma parte
material (bens, riquezas, pessoas) e outra imaterial (as funções
desempenhadas por cada cidadão). Assim como a alma humana
se constitui de três elementos, a pólis precisa estar organizada em
três classes de cidadãos.

Na sociedade bem ordenada, essas três classes seriam:

Esta classe seria a responsável pela produção dos bens materiais para
Classe produtiva toda a sociedade, promovendo a satisfação das necessidades básicas
e o conforto. Como é voltada para os bens materiais, essa classe
(que corresponde ao deveria ser recompensada com dinheiro ou outros bens materiais,
elemento apetitivo). proporcionalmente à contribuição e ao empenho de cada um dos seus
membros. Essa deveria ser a classe mais numerosa.

Esta classe cuidaria da defesa da pólis. Seria responsável também


Classe dos guardiães pelas artes (cuja finalidade deve ser estimular a coragem e a
(que corresponde ao fortaleza). Mantida pela classe produtiva, sua recompensa deveria
elemento irascível). ser o reconhecimento e a honra e nunca o dinheiro ou qualquer outro
bem material, além dos realmente necessários.

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Incumbida da educação dos jovens e da administração da cidade,
esta classe deveria ser a menos numerosa, restringindo-se apenas
àqueles que tenham demonstrado vocação para a vida filosófica. Sua
recompensa deveria ser unicamente a satisfação de estar vivendo de
Classe dos magistrados forma justa e de poder contribuir com a construção e manutenção
(que corresponde ao da sociedade justa. Também mantida materialmente pela classe
elemento racional). produtiva, não poderia receber qualquer compensação monetária. Os
bens de seu uso particular seriam propriedade do Estado e, mesmo
assim, deveriam restringir-se ao necessário, evitando qualquer
conforto extra que pudesse distrair de suas funções, os integrantes da
classe.
Portanto a ação política deve ser orientada pela razão.

A relação entre o universo, a pólis e o homem


Na filosofia de Platão, o universo, a pólis e o homem são temas
interligados. Não são assuntos que devam ser tratados de
forma distinta, e sim níveis diferentes de uma mesma busca de
compreensão da realidade. O que Platão propõe é que o universo
sirva de modelo para a sociedade e para o ser humano enquanto
indivíduo.

Assim como o Demiurgo contempla a perfeição do mundo


inteligível, tomando-a como modelo para a organização da
matéria, o político deveria contemplar a imagem de um Estado
perfeito (utópico) para saber como ordenar perfeitamente a pólis, e
cada indivíduo deveria buscar a episteme para ser capaz de tornar
justa a sua própria alma.

SEÇÃO 7 - O amor platônico


A obra O Banquete apresenta um importante complemento
ao texto de A República. Tendo como tema central o amor
(Eros), este diálogo narra um encontro ocorrido na casa de
Agaton, durante o qual, após o jantar, cada um dos presentes foi
convidado a fazer um elogio ao amor.

Atenção!
Entre os vários discursos proferidos, é interessante
destacar o de Aristófanes (o mais famoso escritor
de comédias de Atenas) e o de Sócrates. A fala
do primeiro apresenta uma visão mítico-poética,
enquanto a do segundo representa a tentativa de
definir racionalmente o amor.

Aristófanes começa falando de um tempo remoto em que a


espécie humana era composta por três gêneros: o masculino,
o feminino e o andrógino. O corpo humano tinha uma forma
arredondada e, mesmo tendo uma única cabeça, possuía duas
faces, quatro braços, quatro pernas e, no caso dos gêneros

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masculino e feminino, órgãos genitais em dobro; no andrógino
um de cada. Mas esses homens desafiaram os deuses, e Zeus,
para puni-los, dividiu-os em duas partes, com um só rosto, dois
braços e duas pernas, e apenas um órgão sexual. Desde então,
os seres humanos buscam a sua “cara-metade”, não sendo de
estranhar que haja homens que procuram homens, mulheres que
procuram mulheres e, também, pessoas que buscam outras do
sexo oposto. O amor é o desejo e a procura da plenitude.

Sócrates é o último a proferir o seu discurso. Inicia sua fala


também com um mito, que lhe tinha sido contado por uma
sacerdotisa. Ele conta que, diferente da versão clássica da
mitologia, Eros não é filho de Afrodite, e sim fruto da união
do deus Poros (Recurso) e de uma mortal, Penia (Pobreza). É
uma mistura de divino com humano e, por isso, tanto pode ser
eterno como também pode perecer; pode definhar lentamente,
ou morrer de uma hora para outra; e pode, inclusive, ressuscitar.
Assim como o pai, ele é enérgico, decidido e corajoso, mas
também é cheio de artimanhas e até mesmo traiçoeiro. Da
mesma forma que a mãe, ele é eternamente carente e insatisfeito.

A partir desse mito, Sócrates caracteriza o amor como


um sentimento de carência maior que a própria
carência. Aquele que ama, sente a falta do amado,
mesmo que este esteja junto dele. É uma carência que
não se satisfaz. O amor é o desejo de ter cada vez mais
aquilo que, em parte, já se tem. É a busca da posse
plena.
Sócrates, no entanto, vai ainda mais além na sua
concepção de amor. Ele a aplica às divisões da alma.
Temos, assim, três tipos de amor: um concupiscente,
outro na forma de sentimento e, por fim, um amor
racional.

O amor concupiscente é a busca do prazer erótico. Esse prazer,


que tem sua sede no órgão sexual do indivíduo, pode ser buscado
de forma solitária e bem localizada. Mas, enquanto desejo
erótico, o amor busca sempre mais, seja buscando o prazer nos
órgãos sexuais de outros indivíduos, seja buscando o prazer em
outras partes do próprio corpo, ou do corpo alheio, ou até mesmo
buscando-o fora do corpo humano (em ambientes, objetos, etc.).
A busca nunca termina. Cada prazer gera, logo em seguida, um
novo e mais exigente desejo.

O amor sentimento é a busca de um prazer abstrato, é o


desejo de possuir qualidades boas e belas. Este tipo de prazer
também pode ser obtido de forma solitária. Contudo, movido
pela insatisfação, esse amor acaba se transformando no desejo
de compartilhar com outros, aquilo que é belo e bom (afinal,
que graça teria ser belo, se não houvesse ninguém para apreciar
nossa beleza). Aparentemente, o desejo de compartilhar é fácil de
satisfazer, já que depende apenas de nós mesmos a escolha de dar
aos outros, o que temos de melhor. No entanto, como queremos
sempre mais, acabamos, às vezes, desejando compartilhar com
os outros, algo que apenas para nós é belo ou bom. Passamos
a querer impor aos outros os nossos próprios valores. Por outro
lado, assim como desejamos compartilhar, sentimos a necessidade
de uma contrapartida e desejamos que o outro também deseje
compartilhar conosco aquilo que lhe é caro. Por fim, passamos a
desejar compartilhar nosso próprio eu e a desejar (ou até mesmo
exigir) que outros compartilhem conosco seu próprio eu e que
passem a pensar em nós mais do que em si mesmos. Também
aqui o desejo nunca se satisfaz em definitivo.
Em terceiro lugar, temos o amor racional ou amor filosófico (o
famoso amor platônico). A razão é a capacidade de distinguir
entre as aparências e a realidade, entre a doxa e a episteme,
buscando sempre a verdade. A razão é a faculdade da alma que
permite conhecer aquilo que é essencial. Sabemos que o filósofo
não é aquele que possui a verdade, e sim alguém que a busca.
Nessa busca, através da dialética, ele se aproxima da verdade.
Porém, quanto mais ele se aproxima, mais ele sente o desejo de
buscá-la. Também aqui, o amor manifesta-se como carência e
ousadia.

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


Mal orientado, cada um desses tipos de amor pode
desvirtuar a alma humana.
Bem orientado pela moderação, pela fortaleza, pela
prudência e pela justiça, o amor concupiscente (o
desejo de unir o próprio corpo a um outro corpo,
fisicamente belo) pode servir de base para o
surgimento do amor sentimento.
Conduzido pelas virtudes da alma, o amor sentimento,
enquanto busca daquilo que é belo e bom, pode
despertar em nós o desejo de compreender a própria
essência da beleza e do bem.
Vivenciado da forma correta, o amor à sabedoria nos
aproxima da verdade e possibilita que sejamos mais
felizes.

Síntese

Platão dá continuidade à filosofia socrática, assumindo dela


vários conceitos (como episteme e doxa) e várias concepções (como
a distinção entre corpo e alma).

Em oposição ao método dos sofistas (a erística), e fazendo uma


adaptação do método socrático (ironia e maiêutica), Platão cria
o seu próprio método, a dialética, que consiste num diálogo
pautado pela busca da verdade. Mas reconhece que, mesmo esse
novo método não é suficiente para conhecermos a verdade e, por
isso, ele busca ajuda no uso de metáforas e analogias.

Na filosofia de Platão, a cosmologia, a política e a ética são temas


interligados, pois a organização do universo feita pelo Demiurgo
a partir da contemplação das essências perfeitas deve servir de
exemplo para a boa ordenação da pólis e para a vida virtuosa.

Como outros filósofos, Platão define a filosofia não como


posse da sabedoria, e sim como uma busca incessante do saber.
O filósofo é visto como aquele que se sente inquieto com a
própria ignorância e que sente uma carência insaciável de um
conhecimento cada vez mais próximo da verdade.

O conhecimento da maioria dos homens não passa de doxa; o


filósofo é aquele que, desejando e buscando a alétheia, consegue
alcançar a episteme.
Saiba Mais

Conheça Platão por ele mesmo, com a leitura deste trecho.

A Alegoria da Caverna
Sócrates – Agora leva em conta nossa natureza, segundo
tenha ou não recebido educação, e compara-a com o seguinte
quadro: imagina uma caverna subterrânea, com uma entrada
ampla, aberta à luz em toda a sua extensão. Lá dentro, alguns
homens se encontram, desde a infância, amarrados pelas
pernas e pelo pescoço de tal modo que permanecem imóveis
e podem olhar tão-somente para frente, pois as amarras não
lhes permitem voltar a cabeça. Num plano superior, atrás
deles, arde um fogo a certa distância. E entre o fogo e os
prisioneiros eleva-se um caminho ao longo do qual imagina
que tenha sido construído um pequeno muro semelhante aos
tabiques que os titeriteiros interpõem entre si e o público a
fim de, por cima deles, fazer movimentar as marionetes.
Glauco – Posso imaginar a cena.
Sócrates – Imagina também homens que passam ao longo
desse pequeno muro carregando uma enorme variedade de
objetos cuja altura ultrapassa a do muro: estátuas e figuras de
animais feitas de pedra, madeira e outros materiais diversos.
Entre esses carregadores há, naturalmente, os que conversam
entre si e os que caminham silenciosamente.
Glauco – Trata-se de um quadro estranho e de estranhos
prisioneiros.
Sócrates – Eles são como nós. Acreditas que tais homens
tenham visto de si mesmos e de seus companheiros outras
coisas que não as sombras projetadas pelo fogo sobre a
parede da caverna que se encontra diante deles?
Glauco – Ora, como isso seria possível se foram obrigados a
manter imóvel a cabeça durante toda a vida?
Sócrates – E quanto aos objetos transportados ao longo do
muro, não veriam apenas suas sombras?

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


continua
Glauco – Certamente.
Sócrates – Mas, nessas condições, se pudessem conversar uns
com os outros, não supões que julgariam estar se referindo a
objetos reais ao mencionar o que vêem diante de si?
Glauco – Necessariamente.
Sócrates – Supões também que houvesse na prisão um eco
vindo da frente. Na tua opinião, cada vez que falasse um dos
que passavam atrás deles, não acreditariam os prisioneiros
que quem falava eram as sombras projetadas diante deles?
Glauco – Sem a menor dúvida.
Sócrates – Esses homens, absolutamente, não pensariam
que a verdadeira realidade pudesse ser outra coisa senão as
sombras dos objetos fabricados.
Glauco – Sim, forçosamente.
Sócrates – Imagina agora o que sentiriam se fossem
libertados de seus grilhões e curados de ignorância, na
hipótese de que lhes acontecesse, muito naturalmente, o
seguinte: se um deles fosse libertado e subitamente forçado a
se levantar, virar o pescoço, caminhar e enxergar a luz, sentiria
dores intensas ao fazer todos esses movimentos e, com a vista
ofuscada, seria incapaz de enxergar os objetos cujas sombras
ele via antes. Que responderia ele, na tua opinião, se lhe fosse
dito que o que via até então eram apenas sombras vazias e
que, agora achando-se mais próximo da realidade, com os
olhos voltados para objetos mais reais, possuía visão mais
acurada? Quando, enfim, ao ser-lhe mostrado cada um dos
objetos que passavam, fosse ele obrigado, diante de tantas
perguntas, a definir o que eram, não supões que ele ficaria
embaraçado e consideraria que o que contemplava antes era
mais verdadeiro do que os objetos que lhes eram mostrados
agora?
Glauco – Muito mais verdadeiro.
Sócrates – E se ele fosse obrigado a fitar a própria luz, não
acreditas que lhe doeriam os olhos e que procuraria desviar
o olhar, voltando-se para os objetos que podia observar,
considerando-os, então, realmente mais distintos do que lhe
são mostrados?

continua

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


Glauco – Sim.
Sócrates – Mas, se o afastassem dali à força, obrigando-o a
galgar a subida áspera e abrupta e não o deixassem antes
que tivesse sido arrastado à presença do próprio sol, não crês
que ele sofreria e se indignaria de ter sido arrastado desse
modo? Não crês que, uma vez diante da luz do dia, seus olhos
ficariam ofuscados por ela, de modo a não poder discernir
nenhum dos seres considerados agora verdadeiros?
Glauco – Não poderia discerni-lo, pelo menos no primeiro
momento.
Sócrates – Penso que ele precisaria habituar-se, a fim de estar
em condições de ver as coisas do alto de onde se encontrava.
O que veria mais facilmente seriam, em primeiro lugar, as
sombras; em seguida, as imagens dos homens e de outros
seres. Após, ele contemplaria, mais facilmente, durante
a noite, os objetos celestes e o próprio céu, ao elevar os
olhos em direção à luz das estrelas e da lua – vendo-o mais
claramente do que ao sol ou à sua luz durante o dia.
Glauco – Sem dúvida.
Sócrates – Por fim, acredito, poderia enxergar o próprio sol
– não apenas sua imagem refletida na água ou em outro lugar
-, em seu lugar, podendo vê-lo e contemplá-lo tal como é.
Glauco – Necessariamente.
Sócrates – Após, passaria a tirar conclusões sobre o sol,
compreendendo que ele produz as estações e os anos; que
governa o mundo das coisas visíveis e se constitui, de certo
modo, na causa de tudo o que ele e seus companheiros viam
dentro da caverna.
Glauco – É evidente que chegaria a estas conclusões.
Sócrates – Mas, lembrando-se de sua habitação anterior, da
ciência da caverna que ali se cultiva e de seus companheiros
de cativeiro, não ficaria feliz por haver mudado e não
lamentaria por seus companheiros?
Glauco – Com efeito.
Sócrates – E se entre os prisioneiros houvesse o costume
de conferir honras, louvores e recompensas àqueles que

continua
fossem capazes de prever eventos futuros – uma vez que
distinguiram com mais precisão as sombras que passavam e
observariam melhor quais dentre elas vinham antes, depois
ou ao mesmo tempo -, não crês que invejaria aqueles que as
tivessem obtido? Crês que sentiria ciúmes dos companheiros
que, por esse meio, alcançaram a glória e o poder, e que não
diria, endossando a opinião de Homero, que é melhor “lavrar a
terra para um camponês pobre” do que partilhar as opiniões de
seus companheiros e viver semelhante vida?
Glauco – Sim, em minha opinião ele preferiria sustentar esta
posição a voltar a viver como antes.
Sócrates – Reflete sobre o seguinte: se esse homem
retornasse à caverna e fosse colocado no mesmo lugar de
onde saíra, não crês que seus olhos ficariam obscurecidos
pelas trevas como os de quem foge bruscamente da luz do
sol?
Glauco – Sim, completamente.
Sócrates – E se lhe fosse necessário reformular seu juízo sobre
as sombras e competir com aqueles que lá permaneceram
prisioneiros, no momento em que sua visão está apagada
pelas trevas e antes que seus olhos a elas se adaptem – e esta
adaptação demandaria certo tempo −, não acreditas que esse
homem seria motivo de piada? Não lhe diriam que, tendo
saído da caverna, a ela retornou cego e que não valeria a pena
fazer semelhante experiência? E não matariam, se pudessem,
a quem tentasse libertá-los e conduzi-los para a luz?
Glauco – Certamente.
Sócrates – É preciso aplicar inteiramente esse quadro ao que
foi dito anteriormente, isto é, assimilando-se o mundo visível
à caverna e a luz do fogo aos raios solares. E se interpretares
que a subida para o mundo que está acima da caverna e a
contemplação das coisas existentes lá fora representam a
ascensão da alma em direção ao mundo inteligível, terás
compreendido bem meus pensamentos, os quais desejas
conhecer, mas que só Deus sabe se são ou não verdadeiros.
As coisas se me afiguram do seguinte modo: na extremidade
do mundo inteligível encontra-se a idéia do Bem, que apenas
pode ser contemplado, mas que não se pode ver sem concluir
que constitui a causa de tudo quanto há de reto e de belo no
mundo: no mundo visível, esta idéia gera a luz e sua fonte
continua

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


soberana, dispensa a inteligência e a verdade. É ela que se
deve ter em mente para agir com sabedoria na vida privada
ou pública.
Glauco – Concordo contigo, na medida em que consigo
compreender-te.
Sócrates – Além disso, insisto, ainda, sobre o seguinte ponto:
não deves estranhar se aqueles que chegaram a consegui-lo
não desejam mais ocupar-se das questões humanas e suas
almas estão impacientes e desejosas de permanecer nas
alturas. Se invocamos nossa alegoria há pouco explicada, esse
comportamento nos parece natural.
Glauco – Sim, é natural.
Sócrates – Mas, seria de se surpreender que, passando das
contemplações divinas às miseráveis visões humanas, o
homem se sinta pouco à vontade e pareça completamente
ridículo quando, a visão ainda turva, não habituada à
escuridão circundante, se veja forçado a discutir, nos tribunais
ou em qualquer lugar, a respeito das sombras de justiça ou
das imagens que tais sombras projetam e a esforçar-se por
combater com vigor as interpretações daqueles que jamais
souberam o que é a própria justiça?
Glauco – Não é de se surpreender, absolutamente.

Fonte: Adaptado a partir de: Platão, 1989, p. 46-51.

Se você desejar, aprofunde os conteúdos estudados nesta unidade,


consultando as seguintes referências:

 MARCONDES, Danilo. Textos básicos de filosofia:


dos pré-socráticos a Wittgenstein. 3. ed. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2000.
 PIETTRE, Bernard. Platão – A República: Livro VII:
comentários de Bernard Piettre. São Paulo: Ática, 1989.
 PLATÃO. A república. [Os pensadores] São Paulo:
Nova Cultural, 1997.
 PLATÃO. Diálogos. [Os pensadores] São Paulo: Nova
Cultural, 2004.
 REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da
filosofia. Volume I: Antigüidade e Idade Média. São
Paulo: Paulus, 1990.
 STRATHERN, Paul. Platão em 90 minutos. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


UNIDADE 5

Aristóteles

Objetivos de aprendizagem


Identificar os principais eventos da vida de Aristóteles. 

Traçar um panorama das obras de Aristóteles. 


5
 Compreender os principais aspectos metodológicos da
filosofia aristotélica. 
 Identificar os principais conceitos da filosofia de
Aristóteles.
 Avaliar a importância da filosofia aristotélica. 

Seções de estudo
Seção 1 Aristóteles, o estagirita

Seção 2 O corpus aristotelicum

Seção 3 Aristóteles e Platão

Seção 4 A teoria do conhecimento aristotélica

Seção 5 A lógica

Seção 6 O problema do ser: a filosofia primeira


Seção 7 A física aristotélica
Seção 8 A ética e a política
Seção 9 A poética
Seção 10 Aristóteles: o “príncipe dos filósofos”?
Para início de estudo
Junto com Sócrates e Platão, Aristóteles compõe o “trio de ouro”
da filosofia grega. Aristóteles construiu uma filosofia sistemática,
de forma que cada tema se relaciona com todos os demais.
Partindo de poucos princípios fundamentais, Aristóteles uniu
todos os conhecimentos de sua época, aprofundando-os e dando-
lhes um caráter científico.

É sobre a contribuição desse grande gênio da humanidade que


você faz estudos agora.

SEÇÃO 1 - Aristóteles, o estagirita


Nesta seção, você verá os principais acontecimentos que
marcaram a vida de Aristóteles, o último filósofo do
período clássico da filosofia grega.

Aristóteles nasceu em 384 a.C., em Estagira e, por isso,


ele também é conhecido como “o estagirita”. Estagira
era uma colônia grega encravada no território do reino
da Macedônia, numa região portuária ao norte do mar
Egeu. Aristóteles era descendente de uma família de origem
jônica ligada à medicina. Seu pai, Nicômaco, era médico de
Amintas, rei da Macedônia.

Figura 5.1 – Aristóteles. Por volta dos dezoito anos, foi para Atenas e ingressou
Fonte: <www.biografiasyvidas.com/ na Academia de Platão, onde permaneceu por cerca de 20
monografia/aristotel...>. anos. Após a morte de Platão (347 a.C.), decepcionado por
não ter sido escolhido sucessor do seu mestre (o escolhido foi
Espeusipo, sobrinho de Platão), Aristóteles abandona Atenas.

Muda-se então para Assos, na Ásia Menor, uma pólis governada


por Hérmias, outro ex-aluno da Academia. Nos três anos que
passou em Assos, Aristóteles conviveu diretamente com os
principais membros da administração do Estado, o que lhe
possibilitou conhecer melhor os meandros da política. Também
é nesse período que ele se casa pela primeira vez, com Pítias,
sobrinha de Hérmias. No entanto, em 345 a.C., sua estada em
Assos é interrompida subitamente, quando a cidade é invadida

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


pelos persas, e Hérmias é assassinado. Acompanhado de Pítias,
Aristóteles foge para Mitilene, na ilha de Lesbos, onde passa a se
dedicar ao estudo da biologia.

Em 343 A.C., é chamado por Filipe, então rei da Macedônia,


para ser o preceptor de seu filho Alexandre. Aristóteles
exerceu essa função até 336 a.C., quando Filipe é assassinado e
Alexandre, então, torna-se rei.

Um pouco antes de morrer, o rei Filipe havia invadido e anexado


à Macedônia uma boa parte das poleis gregas, incluindo aí a pólis
de Atenas. Ao assumir o trono, Alexandre oferece a Aristóteles
a direção da Academia como uma recompensa pelo seu trabalho
como educador. No entanto Aristóteles não se sente à vontade em
retornar à Academia através de uma imposição do rei e solicita a
este que lhe conceda uma propriedade na qual pudesse fundar sua
própria escola, que recebe o nome de Liceu.

Diferente da Academia, que dava muita


importância à geometria, os estudos no Liceu
concentravam-se sobre o que hoje poderíamos
denominar “ciências naturais”. Mais do que uma
edificação com salas de aula, o Liceu era uma gleba
onde Aristóteles colecionava espécimes animais e
vegetais que seus colaboradores lhe enviavam de
todas as partes do mundo conhecido. Sempre que
possível, o mestre incluía em suas lições uma parte
de observação direta. Assim, era comum os debates
ocorrerem ao longo de passeios pelos caminhos Figura 5.2 – Peripatéticos.
do Liceu e, por esse motivo, os discípulos de
Fonte: <www.stenudd.com/myth/
Aristóteles passaram a ser chamados de peripatéticos greek/aristotle/images/R>.
(que, em grego, significa: os que passeiam).

Ao longo dos quinze anos em que foi dirigido


diretamente por Aristóteles, o Liceu se tornou o maior centro de
investigação filosófica do mundo helênico, sob o patrocínio do
imperador Alexandre.

Com a morte de Alexandre, em 321 a.C., os gregos passam a


lutar pela independência de suas poleis, e Aristóteles passa a ser
visto como uma figura emblemática da dominação macedônica.
Para “não permitir que Atenas pecasse pela segunda vez contra
a filosofia” (a primeira tinha sido a execução de Sócrates),
Aristóteles refugia-se em Cálcis, na Eubéia, onde morre no ano
seguinte, com 63 anos.

A direção do Liceu, após a saída de Aristóteles, foi confiada ao


seu discípulo Teofrasto. No entanto, a ausência do mestre e o
clima político hostil à herança macedônica fizeram com que boa
parte dos peripatéticos abandonasse Atenas. A partir daí, a escola
estende suas atividades também a dois novos centros: a Ilha de
Rodes e Alexandria. Entre os seguidores do Liceu, destacam-se
Eudemo de Rodes e, mais tarde, já no século I a.C., Andrônico
de Rodes.

SEÇÃO 2 - O Corpus Aristotelicum


Corpus aristotelicum é o nome dado ao conjunto dos escritos de
Aristóteles. A produção teórica de Aristóteles é extraordinária.
Segundo os relatos de historiadores antigos, o filósofo escreveu
mais de quatrocentos livros. No entanto, somente uma pequena
parte dessa vasta obra chegou até os nossos dias.

O corpus aristotelicum era originalmente composto por


dois grupos de obras: as obras chamadas exotéricas,
destinadas ao público geral, e as obras chamadas
esotéricas ou acroamáticas, produzidas usando uma
linguagem mais técnica, voltada especificamente para
os discípulos do Liceu (leitores com maior domínio
das questões filosóficas e em busca de conhecimentos
cada vez mais rigorosos e com maior profundidade).

Após a morte de Aristóteles, uma parte da obra acroamática ficou


escondida. Sua obra exotérica continuou acessível e agradava o
grande público, mas não tinha profundidade. Em Atenas, após
algumas gerações, o filósofo passou a ser lembrado apenas como
mais um dos discípulos de Platão.

Foi somente a partir do ano 50 a.C. que a obra acroamática


voltou a ser difundida. Nesse ano, Andrônico de Rodes, então
diretor do Liceu, descobre os livros que haviam ficado escondidos
por cerca de trezentos anos, os organiza e passa a divulgá-los.
Ao longo de aproximadamente cinco séculos, a obra aristotélica

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ganha novamente uma posição de destaque no pensamento
ocidental. No entanto, a ascensão do cristianismo e a queda do
Império Romano farão com que ela mais uma vez seja quase que
totalmente esquecida.

Preservada principalmente pelos filósofos árabes, uma boa parte


da obra esotérica de Aristóteles sobreviveu à Idade Média; já a
obra exotérica acabou se perdendo quase que completamente, e
hoje só nos resta dela um livro: a Constituição de Atenas. A parte
que se conservou costuma ser classificada seguindo o modelo
de Andrônico de Rodes. Os textos que atualmente compõem o
corpus aristotelicum são os seguintes:

Organon - Livros de lógica: Categorias; Sobre a Interpretação;


Primeiros Analíticos (2 livros); Segundos Analíticos (2 Livros); Tópicos Organon, em grego,
(8 livros); Argumentos Sofísticos. significa, literalmente,
instrumento.
Livros de física e a concepção do universo: Física (8 livros);
Sobre o Céu (2 livros); Sobre a Geração e a Corrupção (2 livros);
Meteorológicos (4 livros).
Livros de psicologia: Acerca da Alma (3 livros); “Parva Naturalia”
(4 tratados), incluindo os seguintes livros: Acerca da percepção
dos sentidos; Acerca da memória e reminiscência; Acerca do sono;
Acerca dos sonhos.
Livros de biologia: História dos Animais (10 livros, com partes de
autoria duvidosa); Acerca das partes dos animais (4 livros); Acerca do
movimento dos animais; Acerca da marcha dos animais; Acerca da
geração dos animais (5 livros).
Livros de metafísica: 14 livros sobre filosofia primeira; foi
Andrônico quem atribuiu a estes livros a denominação de Metafísica
(literalmente “depois da física”), indicando com esse termo a posição
desses livros na classificação geral da obra aristotélica: eles ficariam
logo após os livros que tratam da física.
Livros de ética: Ética a Nicômaco (organizada por Nicômaco, filho
de Aristóteles); Ética a Eudemo (7 livros, organizados por Eudemo,
discípulo de Aristóteles); a Grande Moral (2 livros, com fragmentos
das éticas anteriores e de autoria duvidosa).
Livros de Política: Política (8 livros); Constituição de Atenas.
Livros sobre a linguagem e a estética: Retórica e Poética.
Atenção!
O corpus aristotelicum foi amplamente difundido
em manuscritos e, desde a invenção da imprensa,
vem sendo reproduzido em sucessivas edições.
Atualmente, toma-se como referência a edição da
Academia de Berlim, em grego, organizada por
Albrecht Bekker, contendo 5 volumes, publicada entre
os anos de 1831 e 1836. Sua paginação passou a ser
aproveitada para a padronização das citações. Além
do número da página, costuma-se citar também a
coluna (a ou b) e a linha. A edição inicia com o livro
das Categorias [1a] e termina com a Metafísica [1093b].

SEÇÃO 3 - Aristóteles e Platão


Como já visto, Aristóteles estudou cerca de 20 anos na Academia
de Platão. Ao que tudo indica, foi um discípulo dedicado, porém
rebelde. Essa relação de admiração e insubordinação tornou-se
proverbial na expressão latina: Amicus Plato sed magis amica veritas
(“Amigo Platão, mas mais amiga a verdade” ou “amigo de Platão,
mas mais amigo da verdade”).

Atenção!
O ponto central da filosofia peripatética é o mesmo
que o da filosofia platônica. Da mesma forma que
seu antigo mestre, Aristóteles busca estabelecer as
formas de se superarem as opiniões subjetivas e de
se alcançar o conhecimento objetivo (episteme). O
filósofo do Liceu concorda com Platão ao considerar
o conhecimento abstrato superior a qualquer outro,
mas discorda dele em vários outros pontos.

Diferente do fundador da Academia, Aristóteles afirma que todo


conhecimento deriva da experiência e que o conhecimento pode
ser obtido de duas formas:

1. diretamente, a partir da experiência, abstraindo os


elementos que caracterizam cada espécie; ou

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2. indiretamente, através da dedução de novos
conhecimentos a partir daqueles que já são conhecidos,
guiando-se pelas regras da lógica.

Aqui reside a principal diferença entre Aristóteles e


Platão: a aceitação da experiência como fonte legítima
de conhecimento.

Para Platão, o conhecimento da experiência não é um


conhecimento verdadeiro, é ilusão, é doxa; o verdadeiro
conhecimento, a episteme, é obtido exclusivamente a partir
da razão. Há uma ruptura, um abismo (khorismos) entre a
experiência subjetiva e o conhecimento teórico objetivo.

Já, para Aristóteles, embora o conhecimento abstrato


seja também considerado superior àquele obtido
a partir da percepção sensível, não há uma ruptura
entre a experiência e a teoria, e sim uma continuidade.
O conhecimento abstrato é o melhor, mas não por
ser mais verdadeiro que o conhecimento sensível, e
sim por ser mais sofisticado, mais profundo e mais
rigoroso.

A posição assumida por Aristóteles, como já vimos, levará a


uma grande diferenciação do Liceu em relação à Academia.
Aristóteles traz a investigação filosófica também para o mundo
sensível. Mas, para estudar esse mundo concreto, é preciso, antes
de mais nada, racionalizá-lo – organizá-lo a partir de princípios
racionais.
Conheça um pensamento primordial de
Aristóteles sobre a Filosofia!
Literalmente, a palavra “filosofia” significa “amor à
sabedoria”. É necessário, no entanto, identificar com
clareza o sentido em que estão sendo usadas as
palavras “amor” e “sabedoria”, para que possamos
compreender, da forma mais adequada, o significado
dessa atividade intelectual.
Se, por um lado, Platão se esforça em determinar
com exatidão qual é o tipo de amor que caracteriza a
filosofia, por outro lado, encontramos em Aristóteles
uma elucidação do conceito de sabedoria. É
justamente esse conceito que deve ser tomado
como ponto de partida para a análise de toda a sua
produção teórica.
No primeiro livro da Metafísica, Aristóteles propõe as
seguintes considerações:
[...] devemos indagar de que espécie são as causas e
os princípios cujo conhecimento constitui a sabedoria.
Talvez a resposta se torne mais evidente se examinarmos
as opiniões que correm a respeito do homem sábio.
Suponhamos, para começar, que ele conhece todas as
coisas na medida do possível, embora não tenha ciência
de cada uma delas em particular; e, segundo, que é capaz
de aprender coisas difíceis e pouco acessíveis ao homem
comum (a percepção dos sentidos é comum a todos e, por
conseguinte, fácil, não constituindo marca de sabedoria);
a seguir, que em todos os ramos da ciência é mais sábio
quem possui conhecimentos mais exatos e se mostra
capaz de ensinar as causas; e também que, das ciências,
a que se apresenta como desejável por si mesma e por
amor ao conhecimento participa mais da natureza da
Sabedoria do que aquela que se ambiciona por causa de
seus resultados, e a ciência superior é mais filosófica do
que a subsidiária; pois ao sábio não convém subordinar-
se, mas subordinar, nem deve ser ele quem obedeça, mas
ao menos sábio é que compete obedecer-lhe. (Metafísica,
1969, A, II, 982 a 5-20, p. 39).

Do trecho citado acima, podemos deduzir as seguintes


conclusões:

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


 para Aristóteles, a sabedoria é o conhecimento amplo e
bem fundamentado das coisas menos evidentes, que dá
ao seu possuidor a legitimidade para comandar;
 a sabedoria não é algo absoluto ou um estágio final, e
sim uma escala comparativa (por exemplo, João pode ser
sábio, se comparado com Pedro; e não-sábio, quando
comparado com Maria);
Essas idéias vão formar a base da classificação que Aristóteles faz
das formas de conhecimento, discutidas na próxima seção.

SEÇÃO 4 - A teoria do conhecimento aristotélica


Em Sócrates e Platão, encontramos uma análise do conhecimento
que distingue, basicamente, dois tipos de conhecimento: a
doxa (opinião, conhecimento subjetivo, as experiências) e a
episteme (ciência, conhecimento objetivo e teórico). A concepção
aristotélica é mais complexa e elaborada.

Aristóteles diferencia três tipos de conhecimento: o


produtivo, o prático e o que se refere à realidade.

Acompanhe explicações sobre cada um destes tipos de


conhecimento.

O saber produtivo ou poiético é aquele que consiste em saber


construir ou elaborar algo concreto; é um tipo de artesanato.
O termo grego usado por Aristóteles para designar esse tipo de
conhecimento é poiésis > que -- segundo Chaui (1994, p. 358) -
- indica a “prática na qual o agente e o resultado da ação estão
separados ou são de natureza diferente”. Esse conhecimento
engloba tanto a produção de objetos materiais (casas, tijolos,
sapatos, etc.) quanto a produção artística (poemas, músicas, etc.).
É um conhecimento regido pela eficácia, e não pelo compromisso
com a verdade. Sendo assim, uma ficção literária não implica
mentira ou ignorância, já que o critério de avaliação da arte não é
o mesmo da ciência e da filosofia.
O saber prático (práxis) engloba a ética e a política. O sentido
aristotélico de práxis -- conforme Chaui (1994, p. 358) -- está
ligado à “prática na qual o agente, o ato ou a ação e o resultado
são inseparáveis”. Esse conhecimento também não é regido
pelo critério da verdade, e sim pelos resultados que ele permite
alcançar. Ser prudente, por exemplo, é a forma correta de agir
eticamente; mas não por ser uma forma “verdadeira”, e sim por
produzir o melhor resultado a longo prazo.

O saber referente à realidade é a identificação das


peculiaridades de cada coisa e também o conhecimento da
Peculiaridade é o atributo particular realidade tal como ela é. É o conhecimento dos seres. Ele
de cada coisa, característica que se diferencia dos outros dois tipos vistos anteriormente por
distingue uma coisa em relação a ser o único regido pelo critério de verdade. Além disso, o
todas as outras, particularidade. conhecimento teórico tem origem na percepção sensível, mas não
se resume a ela. Aristóteles distingue neste tipo de conhecimento
cinco graus hierárquicos, que vão desde a simples sensação até o
conhecimento científico, como você vê na figura 5.3.

Figura 5.3 - Os cinco graus do conhecimento da realidade, segundo a Metafísica de Aristóteles.


Fonte: Elaboração do autor.

Observe que cada grau serve de base para o grau seguinte, e a


sensação é o fundamento de todos os demais conhecimentos.
Vejamos cada um deles de forma mais detalhada:

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


 a sensação (aísthesis) é a identificação das peculiaridades
dos seres através dos cinco sentidos (tato, paladar,
olfato, audição e visão). Ela é o grau mais elementar
do nosso conhecimento sobre a realidade. A sensação é
um conhecimento tão simples que até mesmo os outros
animais, em maior ou menor medida, têm acesso a ele;
 a memória (mnemosyne) é a capacidade de reter no
pensamento as características já percebidas. Só é
encontrada nos animais superiores e está associada ao
aprendizado;
 a experiência (empeiría) já é um conhecimento
exclusivamente humano. É a capacidade de estabelecer
relações entre seres e acontecimentos, fazer comparações
e identificar regularidades. É uma forma mais requintada
de conhecimento, mas ainda não é um conhecimento
teórico;
 a arte, ou técnica (téchne), já é um conhecimento teórico.
Ela se assemelha ao conhecimento poiético por ser
um saber fazer. Porém é um saber fazer regido pelo
conhecimento da realidade, o qual foi obtido através
dos graus anteriores. Ela é a capacidade de estabelecer
regras ou formas padronizadas de ação. A arte implica
uma percepção dos fatores que interferem na eficácia de
uma ação produtiva específica. Essa é uma percepção
abstrata, que não pode ser sentida ou mostrada, mas pode
ser compreendida e comunicada. Por isso, enquanto a
experiência é adquirida individualmente, a arte pode ser
transmitida e ensinada;
 a ciência (episteme) é o conhecimento explicativo; é o
conhecimento das causas e dos porquês. É o grau mais
sofisticado do conhecimento. É um saber ainda mais
teórico que a arte e requer muito mais empenho para ser
alcançado. Ela pode ser ensinada, mas requer do aprendiz
a posse dos graus anteriores de conhecimento. A ciência é
a mais sábia das formas de conhecimento e, mais do que
qualquer outra, ela está comprometida com a busca da
verdade.
Nesses cinco graus do conhecimento da realidade,
não se pode nunca esquecer o essencial: a realidade.
Ela é o ponto de partida, o objeto e o parâmetro
de avaliação da legitimidade do conhecimento
comprometido com a busca da verdade. Porém a
relação de conhecimento envolve, necessariamente,
um outro pólo: o sujeito cognoscente.
Cognoscente significa o sujeito que
é capaz de conhecer.
Nessa relação, o ser humano caracteriza-se por ser dotado de um
intelecto que lhe possibilita um conhecimento abstrato a partir
dos dados obtidos através do contato direto com a realidade
(conhecimento empírico). O ser humano elabora teorias cada
vez mais abstratas e abrangentes. Embora as nossas sensações
só nos forneçam informações sobre seres concretos e singulares,
somos capazes de fazer generalizações e alcançar conhecimentos
universais através da ciência.

No entanto, devido ao seu elevado poder de abstração, a ciência


precisa de um instrumento que lhe possibilite estabelecer
explicações puramente teóricas, sem que se corra o risco de cair
em uma interpretação viciada pela subjetividade.

Esse instrumento, capaz de garantir a objetividade de construções


abstratas, é a lógica, assunto da nossa próxima seção.

SEÇÃO 5 - A lógica
Aristóteles é considerado o pai da lógica por ter sido o primeiro
filósofo a formular um conjunto de princípios e regras formais
por meio das quais fosse possível distinguir as conclusões falsas
das verdadeiras no uso da razão.

A lógica aristotélica engloba estudos a respeito de


duas tarefas distintas: a formulação de conclusões
teóricas a partir de observações empíricas (indução)
e a formulação de conclusões teóricas a partir de
outras proposições igualmente teóricas (teoria do
silogismo).

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


Na filosofia aristotélica, a lógica é entendida como um
instrumento (órganon) da ciência. Sua função é assegurar a
possibilidade de se alcançar um conhecimento que seja universal
e necessário – um conhecimento objetivo.

Para se chegar ao conhecimento científico, é indispensável


estabelecer regras de raciocínio que possibilitem demonstrações
corretas e definitivas. Nesse sentido, a lógica difere das técnicas
de argumentação dos sofistas, as quais não se preocupavam
com a verdade da conclusão, e sim com o convencimento do
interlocutor.

O primeiro passo da lógica é uma análise da


linguagem para identificar os seus diversos usos,
suas possibilidades e limitações. Aristóteles parte da
avaliação do uso correto das palavras (identificando os
problemas de homonímia e sinonímia).
Em seguida estabelece a estrutura fundamental das
frases que podem ser usadas na formulação de teorias
científicas, definindo-a como proposição (lógos
apophantikos), ou seja, como uma frase que, sendo
afirmativa ou negativa, pode ser classificada como
verdadeira ou falsa. A proposição é o enunciado de
um juízo através do qual um predicado é atribuído a
um determinado sujeito.

Segundo Aristóteles (1978, p. 7), os predicados podem ser


de quatro tipos fundamentais, em função do modo como são
atribuídos ao sujeito: gênero, propriedade, acidente e definição.
Esses quatro tipos fundamentais indicam os diferentes aspectos
formais da predicação. Um pouco mais adiante, Aristóteles
acrescenta que, quando consideramos também o conteúdo
expresso pelos predicados, os quatro modos fundamentais devem
ser subdivididos, obtendo-se assim dez classes de predicados
(categorias): substância, quantidade, qualidade, relação, lugar,
tempo, posição, posse, ação e paixão.
Atenção!
Aristóteles enumerou quatro modos fundamentais
dos predicados, os quais foram denominados
predicáveis (kategórema): gênero, propriedade,
acidente e definição. Posteriormente, Porfírio, o
Fenício (232 – 304 d.C.) subdividiu o predicável
definição em dois novos predicáveis, espécie e diferença
específica, aperfeiçoando a classificação aristotélica.
Portanto, a partir de Porfírio, os predicáveis passam
a ser cinco: gênero, propriedade, acidente, espécie e
diferença.

Após ter discutido a estrutura fundamental da proposição,


Aristóteles passa a analisar as possíveis formas de combinar
proposições para produzir novos conhecimentos. O filósofo
conclui que a forma mais simples de raciocinar consiste na
combinação de duas proposições já conhecidas, de forma que seja
possível deduzir uma terceira proposição. Esse tipo de raciocínio
recebe o nome de silogismo.

Saiba mais sobre o silogismo aristotélico!


A teoria do silogismo consiste na determinação da
estrutura elementar do raciocínio e na identificação das
formas corretas e incorretas que essa estrutura pode
assumir.
O silogismo é a estrutura fundamental do raciocínio
dedutivo – parte sempre do geral para o particular.
Na prática, o silogismo assume a forma de uma
composição de três sentenças; formalmente, ele é
uma combinação de duas proposições, chamadas
de premissas, que permitem deduzir uma terceira
proposição, denominada conclusão.

Vejamos o exemplo clássico:


Todo homem é mortal.
Sócrates é homem.
Sócrates é mortal.

continua

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


Formalmente, esse raciocínio segue a seguinte
estrutura:
Todo A é B. (premissa maior)
C é A. (premissa menor ou termo médio)
Portanto, C é B. (conclusão)

No silogismo, as proposições são classificadas


como “maiores” (universais) e “menores”
(particulares e singulares). As proposições de
um silogismo devem sempre ser organizadas
de forma que a maior fique sempre em primeiro
lugar. A conclusão pode ter, no máximo, a
extensão da premissa menor. Confira os dois
exemplos abaixo.

1) Todo catarinense é brasileiro. 2) João é brasileiro.


João é catarinense. João é catarinense.

Portanto João é brasileiro Portanto todo catarinense é


brasileiro.

O exemplo 1 representa uma forma válida do


silogismo; já o exemplo 2 está formalmente
incorreto, pois a extensão da conclusão é maior
(mais abrangente) do que a das premissas.
Assim, o exemplo 2 é um silogismo inválido.
A teoria do silogismo serve para determinar se
uma forma de raciocínio é válida ou inválida.

A teoria do silogismo permite identificar a forma correta de


pensar. Mas, para construirmos um conhecimento científico,
é preciso dar um conteúdo a essa forma. É preciso alimentar o
nosso raciocínio com informações corretas sobre a realidade.
Aqui começa a segunda etapa da lógica aristotélica: a teoria
sobre a indução.
Se, por um lado, a teoria do silogismo é a base
para estabelecermos relações necessárias entre
proposições, o método indutivo nos permite alcançar
uma compreensão objetiva do mundo que nos cerca.

A observação da natureza nos permite formular proposições


particulares (ex.: este cachorro tem quatro patas; este cachorro é
peludo; este cachorro late; etc). No entanto a ciência deve buscar
sempre o conhecimento de regularidades universais (ex.: todo
cachorro tem quatro patas; todo cachorro é peludo; todo cachorro
late; etc). Para Aristóteles, a repetição das observações de eventos
particulares (ex.: observar diversos cachorros) é o primeiro passo
para formularmos generalizações. Mas só a observação repetida
não basta para chegarmos ao conhecimento científico. É preciso
acrescentar-lhe algumas operações mentais que dêem rigor à
passagem do particular ao universal.

Retomando a tese de que os predicados podem ser de cinco


tipos (gênero, espécie, diferença, próprio e acidente), Aristóteles
propõe, como ponto de partida para a ciência, a classificação dos
dados da experiência.

A própria idéia de classificação implica as noções de semelhança


e de diferença. Vejamos um exemplo:

Os seres humanos, os cães, os bois e os pombos


possuem algumas semelhanças (todos eles, por
exemplo, têm olhos). Por outro lado, eles também
têm suas particularidades: humanos e pombos são
bípedes, cães e bois são quadrúpedes; pombos têm
penas e bois têm chifres; cães latem e humanos usam
linguagem articulada.

A sistematização da observação de casos particulares permite


a construção de classes. O rigor no processo de avaliação das
semelhanças e das diferenças específicas permite elaborar um
conhecimento cada vez mais abrangente e, ao mesmo tempo,
cada vez mais preciso.

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


Tratando-se do conhecimento científico, no entanto, é preciso
tomar cuidado para que as classes sejam formuladas apenas a
partir de características objetivas e necessárias − e não segundo
qualidades acidentais. É aqui que reside a diferença entre o bom e
o mau uso do método indutivo.

Aplicando-se o método indutivo, pode-se chegar à


definição, que consiste em ligar diversos indivíduos
particulares a um único conceito a partir da
determinação de uma característica distintiva.

A definição é obtida a partir da identificação de uma


característica exclusiva de uma espécie em relação às outras
espécies do mesmo gênero. Veja um exemplo de como Aristóteles
chega à definição de ser humano:

O homem é um ser vivo.


Mas há outros seres vivos.
Entre os seres vivos, o homem se diferencia por ser um
animal.
Mas há seres vivos animais.
Entre os animais, o homem se diferencia por ser
bípede. Mas há animais bípedes.
Entre os bípedes, o ser humano é o único dotado de
razão.
Esta é uma característica exclusiva do ser humano.
O homem, portanto, é um ser racional.

Mas será que só o ser humano é racional?

Talvez os deuses e os anjos (se existirem) sejam também


racionais. E, mesmo que não existam, seria interessante poder
ter uma definição de ser humano que o distinguisse desses outros
seres.
Para fugir deste problema, basta acrescentar à diferença específica
o gênero ao qual o homem pertence. Assim, uma boa definição
de homem pode ser: “animal racional”.

Essa definição não é única, mas o que realmente interessa é


que ela é exclusiva. Não é única, porque há outras definições
igualmente boas (por exemplo: “animal político”, “mortal
racional”, etc.). Porém é exclusiva, porque nenhum outro ser do
universo se pode adequar a ela a não ser o homem.

Finalmente, o conceito é universal − no sentido mais


original da palavra “universal”. Ele é a delimitação
precisa daquilo que, na matemática contemporânea,
chamaríamos de conjunto universo. Ele é algo que
vale para todos os membros de uma espécie.

Mas essa universalidade possui duas características importantes:

1. ela é, como vimos, o resultado de uma operação


intelectual do pesquisador (ela não existe por si na
realidade); e

2. ela é produzida a partir da observação atenta das


características dos objetos que compõem a realidade, o
que lhe dá um caráter objetivo e necessário (ao invés de
subjetivo e relativo).

SEÇÃO 6 - O problema do ser: A filosofia primeira


Com Aristóteles, o foco da investigação filosófica volta-se cada
vez mais para a questão da universalidade e do valor objetivo dos
conceitos.

Mas, nessa discussão sobre a universalidade, surge uma nova


questão:

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


Haveria um universal que pudesse englobar todos os
outros universais? Em outras palavras, haveria alguma
característica distintiva que pudesse ser atribuída a
todas as coisas?

Imaginemos uma rosa. A rosa concreta, para ser conhecida,


precisa ser percebida pelos sentidos. Para que seja construído
um conhecimento científico sobre ela, é preciso identificar a
característica distintiva de sua espécie a partir da sua comparação
com outros elementos pertencentes ao mesmo gênero. A rosa
concreta é única, enquanto o conceito rosa é universal. Esse
conceito universal (rosa) está incluído em outro universal: o
conceito de flor. Este, por sua vez, está também incluído em
outro universal (planta), que está incluído em outro (ser vivo) − e
assim sucessivamente.

A questão é: haveria um universal último que


abrangesse todas as coisas?
E haveria uma ciência dedicada ao estudo desse
universal?

Para Aristóteles existe sim um universal último,


aplicável a todas as coisas: é o ser. E a ciência do ser é
a “filosofia primeira”.
Filosofia primeira (próte philosophia, em grego) é o
nome usado por Aristóteles.
Mais tarde, a ciência do ser passou a também ser
chamada de metafísica e de ontologia.

A filosofia primeira estuda o “ser enquanto ser”, as primeiras


causas e os primeiros princípios.

O “ser enquanto ser”


Você sabe o que é o ser?

Aristóteles defende a relevância de uma investigação sobre o


significado do verbo “ser”, em primeiro lugar, para identificar e Organon, em grego,
superar as confusões geradas pelo seu uso indiscriminado. A raiz significa, literalmente,
do problema está no fato de que o ser se diz de diversos modos. instrumento.
Ou seja, o verbo ser pode ser usado em diferentes contextos e com
vários sentidos. Veja os seguintes exemplos:

1) Dois mais três é cinco.


2) A Terra é azul.
3) O elefante é maior que a formiga.
4) O homem é um animal racional.

No exemplo 1, o verbo ser expressa uma identidade; em 2, indica


uma propriedade; em 3, estabelece uma relação; em 4 enuncia
uma definição.

Para evitar as confusões provocadas por essa multiplicidade de


usos, Aristóteles propõe como uma tarefa preliminar uma análise
detalhada do verbo ser. Defende que tal estudo deva anteceder
qualquer outro estudo científico, uma vez que toda ciência busca
definir conceitos e, para isso, já faz uso do verbo ser.

Na Metafísica, Aristóteles propõe três distinções fundamentais


para a compreensão do ser: essência e acidente, necessidade e
contingência, ato e potência. Observe na seqüência.

1) essência e acidente – o verbo ser é usado para expressar


atributos essenciais ou acidentais. A essência (ousía) é o atributo
(ou conjunto de atributos) que, de fato, define o sujeito. Por isso
Aristóteles utiliza também o termo hypokeimenon (substância =
“aquilo que está sob”), porque a substância é a base, o ponto de
apoio de todo ato de predicação. Já os acidentes são propriedades
atribuídas a um sujeito, sem defini-lo de forma inequívoca. Por
exemplo: a racionalidade é uma característica essencial para o
ser humano; já, ser homem ou mulher é acidental. Respirar é
essencial para os seres vivos; acasalar é acidental.

2) necessidade e contingência – um predicado é necessário


quando o seu contrário implica uma contradição; quando isso
não ocorre, ele é contingente. Por exemplo: na frase “Sócrates é
filósofo” o predicado “ser filósofo” é contingente, pois, embora
seja um fato que Sócrates é um filósofo, não há nenhuma
contradição em imaginar que ele, por algum motivo, pudesse ter
seguido outra ocupação. Por outro lado, na frase “Sócrates é mais

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


jovem que seu pai” o predicado “ser mais jovem que seu pai” é
necessário, pois é absurdo imaginar o contrário.

3) ato e potência – para aqueles predicados que não são essenciais


nem necessários (e que, portanto, são acidentais e contingentes),
deve-se aplicar a distinção entre ato e potência. Essa distinção
possibilita o uso do verbo ser em situações que envolvam a
temporalidade, a transformação, o devir. O ato indica tudo aquilo
que o sujeito da predicação já é; a potência, tudo aquilo que
ele pode vir a ser. O exemplo clássico é a semente: em ato ela é
semente, em potência ela é uma planta.

Como podemos definir o que é um lápis, usando as 3


distinções fundamentais do ser?

Veja um exemplo.

Essência - o lápis é um instrumento de escrita que


contém um filete sólido o qual, ao entrar em contato
com superfícies ásperas, se desgasta, formando um
traço nessa superfície.
Acidente - o filete pode ser de grafite, de cera ou outra
substância; pode ser colorido; pode ter um invólucro
de madeira, plástico ou de outro material.
Necessidade - precisa ter o filete sólido.
Contingência - pode ter um invólucro, que pode ser
de diferentes materiais.
Ato - é o estado em que um dado lápis se encontra
agora.
Potência - são as infinitas formas imagináveis de como
esse mesmo lápis pode estar daqui a algum tempo
(poderá estar do mesmo jeito, ou mais gasto, ou
quebrado, etc.).

A teoria aristotélica do ser se aplica a situações em que queremos


determinar o que uma coisa é. Mas a ciência, além de estudar
o que as coisas são, também se preocupa em investigar como as
coisas vieram a ser, como são e por que se tornaram tal como são.
Ou seja, a ciência busca determinar as causas dos fenômenos que
ela estuda.

As primeiras causas
Assim como o verbo ser possui diversos usos, há um outro termo
fundamental para a ciência, que também costuma ser usado em
sentidos diferentes. Trata-se da palavra causa (aitia, em grego). A
partir de uma análise detalhada do uso dessa palavra, Aristóteles
formula a sua teoria das quatro causas: formal, material, eficiente
e final.

1) Causa formal – é a explicação ou descrição da forma (morphé)


característica do ser. A causa formal é a resposta para a questão
“como é x?”

2) Causa material – é a identificação da matéria (hyle) da qual o


ser se compõe. A causa material é a resposta para a questão “do
que é feito x?”

3) Causa eficiente – é a explicação do devir, da transformação


ou do movimento. A causa eficiente (também chamada de causa
motriz) é a resposta para a questão “por que x alterou o seu
estado inicial?”

4) Causa final – é a explicação da finalidade, da intenção que


rege certas modificações e ações. Para Aristóteles, tudo na
natureza tem uma finalidade (télos). A causa final é a resposta
para a questão “qual é a finalidade de x?” ou, resumidamente,
para que é x?

Como podemos explicar o que é um lápis, usando a


teoria das 4 causas?

Veja um exemplo.

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


Causa formal - o lápis é um objeto cilíndrico
ou oitavado, com aproximadamente 15 cm de
comprimento e 0,5 cm de diâmetro.
Causa material - é feito de madeira e de grafite.
Causa eficiente - é produzido através de um processo
industrial.
Causa final - serve para escrever ou desenhar.

Esclarecidos os significados de ser e de causa, os dois termos mais


fundamentais usados na ciência, Aristóteles busca identificar os
princípios fundamentais da ciência.

Os primeiros princípios
Aristóteles identificou três princípios que servem de fundamento
para todas as ciências e até mesmo para a Lógica. São os
princípios da enunciação do ser, os quais regem todas as nossas
declarações.

Princípio da identidade - “o ser é e o não ser não é”.


Princípio da não-contradição - “é impossível que o
mesmo atributo pertença e não pertença, ao mesmo
tempo, ao mesmo sujeito sob o mesmo ponto de
vista”.
Princípio do terceiro excluído - “não é possível que
haja qualquer coisa entre as duas partes de uma
contradição, mas é necessário ou afirmar ou negar
uma coisa de outra”.

Segundo Aristóteles, esses três princípios regem todos os juízos


(lógos apophantikos), todas as nossas afirmações e negações sobre
os seres que compõem a realidade.

Um desdobramento especial da filosofia primeira: a teologia


aristotélica
Vimos que todos os seres da natureza possuem características
essenciais e acidentais, necessárias ou contingentes, e que podem
estar em ato ou em potência.
Para Aristóteles, a forma e a matéria são princípios intrínsecos do
ser (ou seja, são princípios que se encontram no próprio ser). Já
a causa eficiente e a causa final são princípios extrínsecos (estão
fora do ser).

Com essa teoria, Aristóteles consegue explicar, de forma racional,


como ocorre a transformação nos seres individuais.

O ser, em essência, não muda, mas as suas qualidades


acidentais podem variar na medida em que aquilo
que está em potência vai-se tornando ato.

De uma forma relativamente simples, Aristóteles resolve a antiga


disputa entre o imobilismo de Parmênides e o mobilismo de
Heráclito.

No entanto falta ainda responder a uma questão mais


fundamental: Por que existe o devir? Por que existe a
transformação na natureza?

A transformação, o devir, é a passagem da potência ao ato.


Essa passagem só ocorre quando um agente externo, uma causa
eficiente, provoca uma mudança nas qualidades acidentais do
ser. Ou seja, se algo se transforma é porque um outro algo
provocou essa transformação. Alguns pré-socráticos haviam dito
que o movimento da matéria era intrínseco. Mas, como vimos,
Aristóteles rejeita essa idéia.

Por que então existe o devir?

A única saída encontrada por Aristóteles foi pressupor a


existência de um ser que não sofre transformações e que, mesmo
assim, dá início à interminável transformação que percebemos
na natureza. Esse ser é um “motor”, é o que move o universo;
e é “imóvel”, pois, caso contrário, dependeria ele próprio de
um agente externo que o tivesse movido anteriormente. A esse
primeiro-motor-imóvel, Aristóteles dá o nome de “Deus” (Théos).

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


Atenção!
Assim como o Demiurgo, de Platão, o primeiro motor,
de Aristóteles, não é o criador da matéria.

Mas por que Deus produz o devir?

Porque, além de ser causa motriz, ele é também causa final.


Tudo na natureza tem uma finalidade. Cada transformação, cada
movimento, tem um objetivo. O próprio cosmos deve ter uma
finalidade. E essa finalidade é determinada por aquele que deu
origem à mudança: Deus.

Essa solução proposta por Aristóteles para o problema do devir


é um dos pontos mais controvertidos da sua filosofia. Embora o
estagirita se empenhe em construir uma teologia natural, que
implica considerar Deus como parte da natureza, e não como um
ser sobrenatural, o resultado alcançado não está livre de algumas
inconveniências teórico-metodológicas. Ainda que Deus seja
pensado como algo que faz parte da physis, ele é pensado como
um ser perfeito, e não como algo que está sujeito ao devir. Isso
cria na physis um dualismo injustificável entre seres mutáveis e
um ser imutável.

Na última seção desta unidade, veremos o quanto esse ponto


específico da metafísica influenciou a aceitação da filosofia
aristotélica nos últimos dois mil e trezentos anos.

O sentido da filosofia primeira


Para Aristóteles, nosso conhecimento da realidade se inicia com
a sensação, o nível mais simples, limitado, subjetivo e particular
do conhecimento. Passando por níveis cada vez mais complexos,
nosso saber pode se elevar até a ciência, o nível mais objetivo e
universal.

No conhecimento científico, encontramos algumas ciências mais


específicas e outras, mais abrangentes, sendo a mais universal de
todas, aquela que se dedica ao estudo do ser enquanto ser. Vista
dessa forma, através de uma perspectiva que privilegie a ordem
de conquista humana do conhecimento, a filosofia primeira é o
último estágio a ser alcançado.

No entanto, uma vez alcançada, ela se torna a base conceitual


e lógica sobre a qual todas as outras ciências constituirão suas
investigações.

Atenção!
Somente tendo uma compreensão correta do ser
enquanto ser, das primeiras causas e dos primeiros
princípios, é que poderemos alcançar, de fato, um
conhecimento científico sobre a realidade.

SEÇÃO 7 - A física aristotélica


Aristóteles usa o termo “física” para denominar a ciência da
natureza (physis). Cabe à física investigar a composição do mundo
material e também as leis que o regem. Aristóteles divide essa
investigação em três subtemas de estudo: o processo de geração e
corrupção, os astros e a alma dos seres vivos.

A concepção hilomórfica da natureza: a geração e a corrupção


De acordo com a física aristotélica, os seres naturais são aqueles
formados por uma composição (synolos) de matéria (hyle) e
forma (morphé). Essa concepção de natureza é conhecida como
hilomorfismo.

O hilomorfismo é uma explicação simples, porém eficaz, para a


questão do devir. Segundo esta concepção, a composição produz
uma ação mútua constante de um elemento sobre o outro: a
forma faz a matéria se alterar, e a matéria tende a alterar a forma.
Essa é a origem de toda a transformação que encontramos na
natureza. Através dessa interação entre forma e matéria, os
seres da natureza são produzidos (gerados) e destruídos (ou
corrompidos).

Resumindo, podemos dizer que:

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


A física aristotélica atribui a causa da geração e
da corrupção ao hilomorfismo dos objetos que
compõem a physis.

Retomando os princípios estabelecidos na metafísica, podemos


descrever o processo de desenvolvimento do ser através das
seguintes etapas:

 pela ação de uma causa eficiente, a matéria junta-se à


forma;
 a forma tende a organizar a matéria, fazendo com que
ela passe da potência ao ato, mas a matéria opõe uma
resistência a essa organização;
 não havendo a interferência de outras causas, a forma
predomina sobre a matéria, até que a finalidade do ser
seja alcançada;
 uma vez concretizada a finalidade do ser, a forma
perde gradativamente o seu predomínio e passa a ser
corrompida pela resistência natural da matéria;
 o processo de corrupção termina com a destruição do ser
(que é a dissolução do synolos).
Veja um exemplo.
Imagine uma semente produzida por uma planta.
A semente é um novo ser, gerado por um ser já
existente. Esse novo ser é uma junção de forma e
matéria.
A partir dessa junção, a causa formal organizará a
matéria para transformar a semente em uma planta
desenvolvida, produtora de novas sementes (causa
final).
Nesse processo, a planta em crescimento absorve
água, ar e terra (causa material), que vão sendo
organizados pela causa formal.
Após ter alcançado a maturidade e ter gerado novas
sementes, a planta perde sua vitalidade, entra em
um processo de fenecimento e finalmente morre (o
synolos é rompido).
A partir de então, a matéria que estava organizada
passa a se decompor e volta a ser água, ar e terra.

A astronomia
Além de matéria e forma, para pensarmos a
natureza precisamos também da idéia de espaço ou
de lugares. Identificando tipos diferentes de lugar e
de matéria, Aristóteles formula uma concepção de
universo bastante elaborada.

De acordo com essa concepção, o cosmos possui


dois lugares fundamentais: o mundo sublunar, que
é o mundo em que vivemos; e os céus, ou o mundo
supralunar.

O mundo sublunar é formado por quatro elementos


materiais: terra, água, ar e fogo; e por dois lugares
naturais: o alto e o baixo. Por natureza, a água e a
terra tendem para baixo e o ar e o fogo tendem para
o alto. Se deixados soltos, os elementos retornam
Figura 5.4 - Visão geocêntrica do ao seu lugar natural em um movimento retilíneo.
Universo. Por ser composto por vários elementos, o mundo
Fonte: <http://www.ccvalg.pt/
astronomia/historia/antiguidade. sublunar está sujeito à geração e à corrupção.
htm>.
Já o mundo supralunar é formado por um único elemento
material, o éter (também chamado de “quinta essência”). Como

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


esse elemento é único, não se corrompe. Os seres supralunares
não sofrem alterações de forma ou de matéria, embora estejam
em constante movimento de translação ao redor do mundo
sublunar. Enquanto o movimento natural dos quatro elementos
é retilíneo e vertical, o movimento da quinta essência é sempre
circular.

O mundo supralunar é formado por esferas concêntricas, nas


quais os corpos celestes se encontram, girando em torno da Terra.
Por esse motivo, a concepção aristotélica de universo é chamada
de “modelo geocêntrico” ou “visão geocêntrica”.

As esferas estão em um constante movimento. O primeiro motor


move a primeira esfera, a mais externa. Cada esfera, ao se mover,
produz movimento na esfera interior através do atrito. Assim, o
movimento da esfera mais exterior é transmitido sucessivamente
a cada uma das esferas interiores.

Portanto Aristóteles concebe um modelo de universo capaz de


explicar o devir, os fenômenos físicos e astronômicos, totalmente
afinada com a sua filosofia primeira.

A psicologia
Para Aristóteles, como já vimos, a matéria não possui nenhum
movimento intrínseco. No entanto encontramos na natureza
seres animados, os quais possuem em si mesmos um princípio de
movimento. Esse princípio é a alma (psykhé). Ela é a forma que
organiza os seres animados. Aristóteles a define assim: “a alma é
aquela coisa devido à qual vivemos, sentimos e pensamos” (2001,
p. 56).

Segundo a teoria formulada na obra Acerca da Alma, todos os


seres vivos possuem alma. No entanto, enquanto em alguns
seres a alma possui apenas uma função ligada à manutenção
da vida, em outros ela apresenta funções mais complexas.
Fundamentalmente, a alma pode apresentar três funções
distintas. Isso leva Aristóteles a falar de três partes da alma, ou
mesmo de três almas: a alma vegetativa, a alma sensitiva e a
alma intelectiva.
A alma vegetativa é o princípio que regula as atividades
biológicas. Está presente em todos os seres vivos, desde as
plantas até o ser humano, passando por todos os animais. É
responsável pelos instintos e pelos impulsos (fome, sede, etc), e
pela nutrição, crescimento e reprodução.

A alma sensitiva ou desiderativa, presente


apenas nos animais, é responsável pelas
sensações, pela percepção das peculiaridades
dos objetos com os quais os animais entram
em contato. Além disso, na medida em que
algumas dessas sensações proporcionam prazer ou
dor, a alma sensitiva é a sede dos desejos e aversões.
Nos animais mais desenvolvidos, a sensação permite também
a produção de imagens mentais, a imaginação (phantasía), a
conservação dos dados percebidos pelos sentidos (mnemosyne) e
a percepção de relações entre fatos (experiência). É ainda a alma
sensitiva que coordena os movimentos corporais.

A alma intelectiva ou pensante é uma exclusividade do


ser humano. Ela é a capacidade de pensar discursivamente,
de elaborar teorias e de pensar em explicações. É dela que
deriva a capacidade de formular juízos sobre a realidade (lógos
apophantikos).

Atenção!
Embora Aristóteles elabore uma teoria da alma bem
mais complexa que a de Platão, ele não chega a se
desprender totalmente das bases estabelecidas pelo
seu antigo mestre.

SEÇÃO 8 - A ética e a política


Vimos, na seção 4, que, ao classificar o conhecimento, Aristóteles
não inclui a ética e a política no conjunto dos conhecimentos
referentes à realidade. Esses temas pertencem ao saber prático, no
qual o agente, a ação e o resultado se fundem.

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


Para os gregos, de uma forma geral, as questões éticas e políticas
estão intimamente interligadas. Em Aristóteles, essa ligação é
explicada por terem ambas o mesmo objetivo: a felicidade do
homem, possível apenas no convívio com outros seres humanos.
Justamente por isso, o ponto de partida deve ser: definir o que é
o ser humano. A concepção de ser humano que serve de ponto
de partida para Aristóteles tem três aspectos fundamentais: a
composição tripla da alma (que vimos na seção 7), a racionalidade
e a natureza social. As principais obras em que Aristóteles
discute as formas de alcançar a realização humana são a Ética a
Nicômaco e a Política.

A ética
Na Ética a Nicômaco [1098a5], Aristóteles afirma que a
característica mais peculiar do homem é a racionalidade e que “a
função do homem [sua causa final] é uma atividade da alma que
segue ou que implica um princípio racional” (1987, p. 16).

Portanto a realização da essência humana, e, conseqüentemente,


a felicidade, é alcançada quando conseguimos viver de acordo
com a razão. No entanto viver de forma racional não é simples,
pois, além da razão, temos também impulsos não-racionais
(necessidades físicas, desejos, sentimentos, etc.) que interferem
em nossas escolhas. Sendo assim, agir de acordo com a razão é
uma capacidade que precisa ser desenvolvida. Essa capacidade é o
que Aristóteles chama de virtude ou excelência (areté).

De acordo com Aristóteles, a excelência humana


pode ser de duas espécies: a virtude ética e a
virtude intelectual (ou dianoética). A excelência
intelectual (a sabedoria) é obtida através do ensino e
da investigação científica e filosófica; já a excelência
moral é fruto de um treinamento pautado pela
vontade de agir de acordo com a razão.
Diferente da ética de Sócrates, segundo a qual a areté
é uma decorrência direta da episteme, Aristóteles
argumenta que o conhecimento teórico e a virtude
moral são coisas distintas, alcançáveis de forma
independente.
Pelo fato de a alma humana possuir uma composição tríplice,
a vida humana consiste em uma passagem da potência ao ato,
orientada por três causas finais que concorrem entre si:

1. a manutenção da vida corporal em sua forma plena


(incluindo aqui a nutrição, a sobrevivência e a
reprodução);

2. a busca do prazer; e

3. a busca do conhecimento teórico.

Segundo essa teoria, nós nos sentimos satisfeitos e realizados à


medida que nos aproximamos de cada uma dessas causas finais.
A felicidade (eudaimonía) é alcançada quando conseguimos
concretizar, de forma equilibrada, essas três finalidades.

No entanto, é preciso fazer pelo menos duas ressalvas:

 a felicidade precisa ser fruto de uma conquista pessoal,


que assegure sua manutenção a longo prazo, pois
ninguém é feliz quando teme perder aquilo que lhe
proporciona o sentimento de realização;
 na alma humana, o princípio racional é aquele que
melhor caracteriza o homem e o distingue de todos os
outros seres viventes; por isso, entre os fins que o ser
humano busca, a sabedoria é o mais elevado e o que
proporciona a maior felicidade.

Por estabelecer que a ética deva ser pensada em


função da finalidade da ação, a ética aristotélica é
chamada de teleológica; por estabelecer que este fim
é a felicidade, ela é chamada de eudaimonista.

Uma vez determinada a finalidade da vida humana, Aristóteles


buscou determinar o que é a virtude, entendendo-a como aquela
forma de agir que levaria o homem a alcançar a felicidade. O
mestre do Liceu chegou à conclusão de que a melhor ação é
aquela que procura evitar tanto o excesso quanto a falta. Veja um
exemplo em que a coragem é o meio-termo.

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


Para realizar uma ação que julgamos correta, muitas
vezes precisamos de coragem. A falta de coragem,
a covardia, acaba fazendo com que percamos
oportunidades importantes diante de situações
presumivelmente ameaçadoras, e provoca o medo,
o qual acaba por anular nossa capacidade de agir
corretamente.
Por outro lado, o excesso de coragem, a temeridade,
pode nos colocar em situações incontroláveis e
perigosas, que podem acarretar prejuízos irreparáveis.
A coragem, como virtude, é um meio-termo entre a
covardia e a temeridade. Esse meio-termo deve ser
adequado a cada situação concreta.

Contudo, mais do que saber qual é a melhor ação, é preciso


realizá-la. Mas isso nem sempre é fácil; e exige certo treinamento.
Com empenho, no entanto, é possível desenvolver tanto a nossa
capacidade de perceber qual é a ação correta, quanto a capacidade
de pôr em prática aquilo que sabemos ser a melhor ação.

Para Aristóteles:
a ação virtuosa é o justo meio-termo entre uma
carência e um excesso;
a virtude é uma disposição do caráter que consiste no
hábito de agir bem.

A virtude não é uma garantia de felicidade, mas é o único


caminho confiável de que dispomos para buscá-la. É uma
condição necessária, mas não suficiente. Há outros elementos que
podem interferir na felicidade. Mesmo assim, o homem virtuoso
acaba tornando-se uma pessoa melhor preparada para lidar com
as situações imprevistas e as vicissitudes da vida.

Política
Entre os elementos que podem interferir na felicidade, a vida
em sociedade merece uma atenção especial, na medida em que é
possível interferir nela de forma racional e planejada.
Para Aristóteles, não é possível pensar a ética
desvinculada da política. Uma sociedade só será bem
constituída, se for formada por homens virtuosos. Em
contrapartida, é somente na pólis que se pode realizar
o ideal da vida teórica, suprema realização do ser
humano.

Na Política, Aristóteles afirma que “o homem é, por natureza,


um animal político” (1999, p. 146). Dessa afirmação, o estagirita
deriva a idéia de que a pólis não é uma invenção humana, e sim
uma criação da própria natureza. Mas assim como tudo na nossa
natureza pode ser desenvolvido e aperfeiçoado pela educação,
também a sociabilidade pode ser aprimorada, à medida que
os homens são educados para agir corretamente, mediante a
formação do hábito de praticar ações virtuosas.

Mas, o que é o Estado?

O Estado, a pólis, é uma forma natural de associação, e sua


natureza é, por si, uma finalidade: assegurar o viver bem. (cf.
ARISTÓTELES, 1999, p. 145-146).

Algumas questões controversas da política aristotélica


A boa política é aquela que assegura uma vida boa a todos os
habitantes de um Estado. Mas isso não implica que todos sejam
iguais ou que o Estado deva proporcionar os mesmos direitos a
todos. É o próprio Aristóteles quem esclarece:

nem por um momento aceitamos a idéia de que devemos


chamar de cidadãos todos aqueles cuja presença seja
necessária para a existência do Estado. As crianças são
tão necessárias quanto os adultos, mas [...] só podem ser
denominadas cidadãs num sentido limitado (1999, p.
219).

Além das crianças, a concepção política aristotélica priva da


cidadania plena as mulheres, os trabalhadores e os escravos. A
todos estes, a obediência é conveniente e justa.

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


Assim, o exercício pleno da cidadania está restrito ao
homem (masculino) adulto, nobre, livre, nascido no
Estado e educado adequadamente para o exercício
de tão nobre função. Somente este reúne em si a
natureza e as condições para a vida teórica e somente
ele é capaz de ser feliz no sentido mais pleno da
palavra.

SEÇÃO 9 - A poética
A Poética é a principal obra de Aristóteles sobre o conhecimento
produtivo. Platão havia criticado a poesia por não ter um
compromisso com a verdade. Aristóteles concorda com seu
mestre que a poesia não possa servir de base para o conhecimento
da verdade ou para orientar a busca da felicidade. Mesmo assim,
o estagirita acredita que a produção artística tem sua função e sua
importância e que seus aspectos formais merecem ser estudados e
compreendidos.

Mímesis e kátharsis
A poesia é uma imitação (mímesis) das ações humanas, que leva
em consideração os motivos, o contexto e os resultados obtidos.
Não serve de modelo para o comportamento ético, embora
permita ao espectador identificar formas arquetípicas de ação,
julgá-las e comparar seu julgamento com os de outras pessoas.
Mas não é esse o motivo pelo qual a poesia, a arte de uma
maneira geral, é tão importante para o ser humano. A principal
função da obra de arte é mexer com as nossas emoções.

O ser humano, além das necessidades e desejos corporais e da


inteligência, tem a capacidade de se emocionar. As emoções são
manifestações dos nossos sentimentos de amor, raiva, esperança,
satisfação, vingança, etc. A vida em sociedade, e mesmo o caráter
de cada um, formado através da educação e do empenho pessoal,
muitas vezes impõe limites à possibilidade de se vivenciarem as
emoções, de deixá-las fluir, de botá-las para fora. A obra de arte
cria um mundo fictício onde os personagens são colocados para
além desses limites impostos social e eticamente.
A boa obra de arte é aquela que produz a compaixão
no espectador, que o leva a sentir as mesmas
paixões, as mesmas emoções que o personagem
está vivendo na ficção. Assim, a boa obra de arte cria,
através da imaginação, um ambiente seguro para
que o espectador deixe fluir suas emoções e vivencie
sentimentos recalcados de uma forma intensa. A
fruição artística é uma oportunidade para exorcizar
sentimentos inconvenientes.

Usando como exemplo o gênero poético da tragédia, o mais


importante da literatura grega da época, Aristóteles (1987, p.
205) descreve assim a função da experiência estética: “é pois
a tragédia imitação de uma ação de caráter elevado [...] que,
suscitando terror e piedade, tem por efeito a purificação dessas
emoções”.

Dessa forma, a “purificação” (kátharsis) é o que


legitima a obra de arte, apesar da sua falta de
compromisso com a verdade. O grande objetivo da
arte não é alimentar nosso intelecto, e sim tocar as
nossas emoções.

SEÇÃO 10 - Aristóteles: o “príncipe dos filósofos”?


Aristóteles foi, acima de tudo, um grande sistematizador.
Talvez tenha sido, na história da humanidade, o último sábio
a conseguir alcançar um amplo domínio teórico sobre todos os
saberes cientificamente constituídos de sua época. Cada parte da
sua obra está em harmonia com o todo, cada elemento teórico
deve ser sempre pensado na relação com os demais, e nenhum
aspecto pode ser compreendido de forma isolada.

A filosofia de Aristóteles fez muito sucesso já na época em que


o filósofo dirigia o Liceu. Nenhuma outra escola, nem mesmo
a Academia, era tão bem reputada e, mesmo após a morte de
Aristóteles, nenhuma teve tantos alunos.

Ainda na Antigüidade, as obras de Aristóteles foram traduzidas


para o árabe, o que permitiu que elas fossem preservadas, quando

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


a Europa se viu mergulhada na miséria, tanto material quanto
intelectual, no início da Idade Média (entre os séculos V e X
d.C.).

A partir do século X, à medida que a Europa se reestrutura


econômica e culturalmente, as guerras de reconquista dos
territórios sob domínio árabe na península ibérica levam os
europeus à redescoberta das obras do filósofo estagirita.

Nesse período que se iniciava, chamado de


Escolástica, Aristóteles acabou tornando-se a principal
referência filosófica. Somente a Bíblia estava acima de
suas obras. Aos poucos, ele começou a ser chamado
de “o príncipe dos filósofos” e, mais tarde, chegou a
ser referido como “O Filósofo”.

Além de todas as suas inegáveis qualidades, a filosofia aristotélica


mostrou-se perfeitamente conciliável com as escrituras sagradas
do cristianismo. E, mesmo aquele que talvez seja o ponto mais
controverso do sistema aristotélico, a sua teologia natural, pôde
ser adequado aos interesses religiosos.

Há quem afirme que Aristóteles não conseguiu elaborar uma


teoria que explicasse de forma homogênea a totalidade dos seres e
fenômenos naturais e que, ao mesmo tempo, fosse absolutamente
racional. Para explicar a physis, ele precisou recorrer a um artifício
teórico: a pressuposição do motor-imóvel, um ser praticamente
sobrenatural.

Os filósofos cristãos da Escolástica não hesitaram


em identificar esse primeiro-motor com a idéia de
um Deus único todo-poderoso criador do céu e da
Terra. A filosofia aristotélica se tornou perfeita para os
interesses da Igreja, a qual buscava controlar, também
intelectualmente, a cultura européia. E foi assim que
um filósofo pagão passou a ser aceito como referência
fundamental nas escolas de teologia cristãs.

Mas esse recurso a um elemento extraordinário também foi o


motivo principal pelo qual Aristóteles começou a ser criticado
e gradativamente abandonado na Idade Moderna. A partir do
Renascimento, quando a Europa consegue finalmente superar a
tirania da religião única, vários filósofos propuseram o expurgo
da noção de causa final do âmbito da filosofia e da ciência. A
ciência moderna nasce de uma ruptura explícita com a metafísica
aristotélico-escolástica.

Atenção!
Hoje, a metafísica de Aristotélica é rejeitada e
atacada por todos os lados, embora se reconheça
enfaticamente sua importância histórica. Mas, se a
metafísica do estagirita já não convence os filósofos
e cientistas contemporâneos, não se pode dizer o
mesmo de outras contribuições do fundador do Liceu.
Suas idéias ainda continuam sendo o fundamento de
algumas disciplinas teóricas como, por exemplo, a
Lógica e a Ética.

Aristóteles marcou a história da filosofia de tal forma que, pode-


se dizer, nenhum filósofo posterior a ele pôde formular uma
interpretação racional da realidade sem sofrer a sua influência.
Seu impacto na filosofia só foi menor que o de Sócrates e o de
Platão. Estes também influenciaram todo o desenvolvimento
posterior da filosofia e da ciência, e influenciaram o próprio
Aristóteles.

Síntese

Aristóteles de Estagira foi discípulo de Platão e preceptor de


Alexandre o Grande. Em Atenas, fundou e dirigiu o Liceu, a
mais conceituada instituição voltada à pesquisa científica e à
formação intelectual da Antigüidade.

Aristóteles sistematizou todos os conhecimentos considerados


científicos de sua época, formando um sistema coerente e
fundamentado em princípios universais. Infelizmente, apenas
uma parte da sua vasta obra chegou até nós.

Discordando de Platão, Aristóteles valoriza a experiência como


elemento necessário para chegar-se ao conhecimento científico.
Mas se aproxima do antigo mestre ao defender que o melhor de
todos os conhecimentos é a ciência, o conhecimento das causas
e dos porquês, um conhecimento teórico cuja objetividade é
assegurada pelo correto uso da Lógica.

Entendendo o conhecimento como a identificação das


peculiaridades de cada coisa, Aristóteles propõe como etapa
preliminar a qualquer investigação a compreensão de algumas
distinções fundamentais do ser: essência e acidente, necessidade
e contingência, ato e potência. Propõe também a teoria das
quatro causas (material, formal, eficiente e final) e estabelece os
princípios fundamentais da enunciação do ser (identidade, não-
contradição e terceiro excluído).

Ao analisar o mundo natural, Aristóteles propõe uma


hierarquização do universo, dividindo-o em mundo supralunar
(perfeito) e mundo sublunar (imperfeito e sujeito ao devir).
Afirma que no mundo sublunar a matéria é composta por quatro
elementos (terra, água, ar e fogo) e que o mundo supralunar é
feito de uma “quinta essência”, o éter.

Aristóteles concebe três princípios de transformação e movimento


no universo: a ação de um primeiro-motor-imóvel (que move
todo o universo), a passagem da potência ao ato (que afeta todos
os seres do mundo sublunar) e a ação da alma, princípio vital
associado à matéria (responsável pelo movimento dos seres vivos).

A ética de Aristóteles é teleológica, eudaimonista e centrada na


idéia de virtude como o hábito de concretizar através da ação
o meio-termo entre o excesso e a carência. Vinculada à ética,
a vida em sociedade é pensada como uma necessidade natural
do homem. No entanto, embora afirme que todo ser humano
necessite do convívio social, Aristóteles defende ser conveniente
que o exercício da cidadania plena e da deliberação política
se restrinja a uma minoria efetivamente capaz de exercer tais
atividades.

Aristóteles defende a importância da obra de arte enquanto


purificadora das nossas emoções, mesmo quando ela deixa de
pautar-se por um compromisso com a verdade.
UNIDADE 6

O período helenístico

Objetivos de aprendizagem
6
 Identificar as principais etapas de desenvolvimento da
filosofia helenística. 
 Diferenciar as principais escolas do helenismo. 

 Identificar os principais representantes de cada escola. 

 Identificaros principais conceitos de cada filósofo


estudado.
 Compreender os avanços e os limites de cada teoria. 

 Compreender os fatores históricos e políticos que


condicionaram o desenvolvimento tardio da filosofia
grega.

Seções de estudo
Seção 1 O desaparecimento da pólis e a reinvenção
do homem grego

Seção 2 Os cínicos

Seção 3 O ceticismo

Seção 4 O epicurismo

Seção 5 O estoicismo

Seção 6 O sentido geral do período helenístico


Para início de estudo
Após o seu apogeu, ocorrido em Atenas com Sócrates, Platão e
Aristóteles, a filosofia grega passa por transformação profunda
nos séculos que se seguiram ao domínio de Alexandre sobre uma
imensa parte do mundo civilizado. Vamos ver a seguir um breve
panorama das principais escolas filosóficas dessa época e de seus
representantes mais ilustres.

SEÇÃO 1 - O desaparecimento da pólis e a reinvenção do


homem grego
A partir do século IV a.C., a cultura clássica sofre uma
considerável mudança de rumo. O contexto histórico e cultural
modifica-se rapidamente, dando início a um período que durará
aproximadamente mil anos. Essa nova fase da cultura ocidental é
conhecida como período helenístico e se estende até o século V
depois de Cristo.

Atenção!
Nesse período, a filosofia sofre uma profunda
reformulação: os sistemas de Platão e Aristóteles
já não atendem às necessidades dos grandes
intelectuais da época e é preciso buscar novas formas
de pensar a realidade.

Para compreender como e por que surgem as filosofias


helenísticas, é conveniente traçarmos um breve esboço do
contexto histórico que levou ao seu florescimento.

Contexto histórico
Em 490 a.C., um grande número de cidades-Estado gregas se
uniram na luta contra a invasão dos persas. Após a vitória dos
gregos, começa uma disputa interna entre Atenas e Esparta, na
busca do controle econômico e militar sobre as demais cidades-
Estado. A partir do ano 431 a.C., essa disputa se transforma
em uma guerra (a guerra do Peloponeso). Essa guerra abalou
o sentimento de unidade dos gregos e consumiu recursos

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


humanos e econômicos e, por fim, acabou deixando toda a Grécia
vulnerável.

O rei da Macedônia, um país até então pouco expressivo, situado


ao norte da Grécia, aproveita-se dessa situação e dá início a uma
campanha expansionista. Uma a uma, as cidades-Estado gregas
foram sendo conquistadas e anexadas pela Macedônia, que,
rapidamente, se torna um grande império. Em poucas décadas,
os três reis que se sucederam no trono da Macedônia – Amintas,
Filipe e Alexandre – construíram um império colossal, que
englobava a Grécia, o Egito e todo o Oriente Médio, chegando
aos limites da Índia.

No apogeu desse imenso império, a cultura grega


passa a influenciar de modo marcante a forma
de pensar a política, e mesmo a compreensão da
realidade, do universo e do ser humano, nas nações
conquistadas por Alexandre. Nesse contexto, o
termo “helenismo” designa o processo de difusão
generalizada da cultura grega para além das fronteiras
geográficas da Grécia.

Mais tarde, a cultura helenística foi incorporada pelos intelectuais


da nobreza romana e disseminada por toda a Europa ocidental.
Dessa forma, a produção filosófica do Império Romano acaba
sendo uma continuação daquela iniciada na Grécia, nos tempos
de Alexandre, sem nenhuma inovação significativa.

Saiba mais sobre o período helenístico!


No período helenístico, a língua grega, sob a forma
do dialeto Koiné (comum), se estabelece como um
instrumento de universalização da cultura. É por este
motivo que o Novo Testamento foi escrito em Koiné
– para que a mensagem de Cristo pudesse alcançar o
mundo todo.

Nesse contexto histórico, a pólis grega, enquanto unidade


política autônoma, deixa de existir. Com o fim da democracia
grega, a forte ligação entre o cidadão e a pólis é quebrada, e o
indivíduo percebe-se cada vez mais como uma parte minúscula
e insignificante de um império gigantesco. O homem grego
precisou reinventar-se.
A Autarcia
Os gregos formavam um povo que, acima de tudo, amava a
liberdade. Vivendo em um grande império, essa liberdade deixa
de ter um sentido político e passa a ter, cada vez mais, uma
conotação individual. Ganha força, então, a noção de autarcia
(autárkheia).
A palavra grega autárkheia é
formada pelos vocábulos autos (si Embora não tivesse acesso à esfera mais elevada das decisões,
mesmo) e arkeo (ser suficiente). o cidadão grego gozava de uma liberdade política nunca antes
Literalmente tem o sentido de desfrutada. Com o império, sua ação era limitada muito mais por
auto-suficiência. instituições políticas concebidas de forma racional do que pelas
exigências arbitrárias de algum governante inebriado pelo poder.
O homem grego tornara-se cosmopolita, podendo deslocar-
se, a seu bel-prazer, para qualquer parte do mundo conhecido;
havia liberdade para cada um escolher sua própria religião e, até
mesmo, para não seguir nenhum preceito religioso.

Contudo o homem grego não se sente livre. A prosperidade


econômica permite-lhe compreender que a riqueza, por si só, não
é suficiente para produzir a felicidade. O acesso a novas culturas
mostra que, por mais requintadas que sejam as teorias filosóficas,
elas não passam de construções humanas.

O homem sente, de uma forma cada vez mais premente, que é


limitado, que sua vida é efêmera e que seu poder para alterar a
ordem do mundo é insignificante. A morte precoce de Alexandre,
o homem mais poderoso que já existira sobre a face da Terra, só
reforçou essa percepção.

Como ser feliz?


Curiosamente, a resposta dada pelos gregos a essa
pergunta, em todas as épocas, sempre foi a mesma:
- Sendo livre.
A pergunta relevante agora é: - Como ser livre?

Ataraxia
Embora tenham surgido diversas correntes filosóficas no período
helenístico, há um ponto em comum entre elas: a tese de que a
felicidade é alcançada quando conquistamos a tranqüilidade
interior.

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


A felicidade não é um estado passageiro, nem é fruto das
circunstâncias; ela é uma conquista.

Quando temos tudo o que queremos, quando não tememos o


futuro e quando estamos satisfeitos, aí então somos felizes. E,
principalmente, quando alguém descobre que a sua satisfação
depende apenas de suas próprias atitudes e escolhas, a felicidade
torna-se palpável.

Mas será que isso é possível?

Sim. Para aqueles que buscam a sabedoria, isso é possível.

Qual é, então, o caminho para alcançar esse pleno e


permanente estado de realização?

O primeiro passo é perceber que a felicidade não depende do ter,


e sim do ser.

Quanto mais bens alguém possui, mais deseja conquistar. Os


grandes prazeres são efêmeros e fugazes. O desejo de posse nos
torna pessoas frustradas e infelizes.

O verdadeiro caminho para alcançar uma satisfação plena e


duradoura é o da construção da paz interior.

A verdadeira felicidade é a ataraxia, ou seja, a


imperturbabilidade da alma.

Até aqui, todos os filósofos do helenismo concordam.

Como alcançar a ataraxia?


Mas, a partir daqui, surgem propostas diferentes. No período
helenístico, vamos encontrar, basicamente, quatro respostas
diferentes para essa questão. Cada uma dessas respostas produziu
uma nova postura filosófica: o cinismo, o ceticismo, o hedonismo
e o estoicismo. São essas quatro linhas de pensamento que vamos
conhecer mais detalhadamente agora.

SEÇÃO 2 - Os cínicos
Desde a sua origem, com Tales de Mileto, até o seu auge,
alcançado em Atenas com Sócrates, Platão e Aristóteles,
a filosofia esteve restrita às elites gregas. Embora muitos
filósofos tenham levado uma vida simples e sem ostentação,
eles nunca se afastaram, de fato, dos círculos sociais da
aristocracia. O primeiro a fazer isso foi Antístenes de
Atenas.

Antístenes (444 - 371 a.C.) foi discípulo de Sócrates. Com


Figura 6.1 – Antístenes. a morte do mestre e com a submissão de Atenas a Esparta,
Fonte: <www.educ.fc.ul.pt/.../images/ Antístenes cria aversão aos valores da aristocracia ateniense.
Antistenes.JPG>. A partir de então, radicaliza algumas idéias que haviam
sido sugeridas por Sócrates e as transforma nos pontos
fundamentais de uma nova proposta filosófica.

A primeira idéia é a de autarcia, a capacidade de


bastar-se a si mesmo, de não depender dos outros ou
da posse de bens materiais para ser feliz. A outra idéia,
complemento da primeira, é a de autodomínio: a
capacidade de suportar a dor, o cansaço e a privação.
Essas duas idéias já eram defendidas moderadamente
por Sócrates e por Platão, mas Antístenes as leva ao
extremo. A ética de Antístenes se baseia na fuga dos
prazeres, no combate aos desejos e no esforço voltado
a alcançar a insensibilidade ao sofrimento.

Antístenes criticava Platão, por julgar inútil o aprofundamento


teórico produzido na Academia. Para ele, a preocupação com
os aspectos práticos da vida era mais fundamental do que o
refinamento da especulação lógico-conceitual. Baseando suas
explicações em analogias simples, Antístenes costumava expor
e discutir suas idéias em um ginásio chamado Kynosarge (cão

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


ágil). Daí saiu a alcunha de kynikoi (aqueles que são como os
cães) dada aos seus seguidores. É claro que também contribuiu
com o surgimento desse apelido o desprezo dos seus discípulos
pelos prazeres considerados tipicamente humanos por seus
contemporâneos.

Atenção!
Antístenes e seus seguidores não eram cínicos no
sentido atual da palavra.
Pelo contrário, eles faziam questão de ser o exemplo
vivo das idéias que defendiam.

Entre os discípulos de Antístenes, o mais famoso foi Diógenes


de Sínope, mais conhecido como Diógenes - o cínico. Por suas
atitudes radicais e pitorescas, o discípulo acabou se tornando mais
conhecido que o próprio mestre. Acredita-se que ele tenha escrito
algumas obras, mas delas não sobraram sequer fragmentos.

Atenção!
Não confunda o filósofo cínico Diógenes de Sínope
com o historiador da filosofia Diógenes Laertius.

Existem várias histórias a respeito de Diógenes,


o cínico. Conta-se que vivia na rua e morava em
um velho barril. Entre os poucos objetos que
possuía, estava um lampião que ele usava durante
o dia, quando saía pelas ruas gritando no meio
da multidão: “Procuro o homem!”. Segundo a
interpretação mais usual dessa frase, Diógenes
buscava o homem em sua essência mais pura,
algo que se havia perdido com a cultura e com as Figura 6.2 – Diógenes de Sínope.
convenções da vida social. Fonte: <www.mlahanas.de/.../
images/DiogenesJLGerome.jpg >.
Conta-se também que, certa vez, o imperador
Alexandre parou diante de Diógenes que tomava sol junto ao seu
barril. Alexandre lhe perguntou o que mais desejava. A resposta
foi desconcertante: “Não me tires o que não podes me dar!”,
insinuando que o grande imperador estava, com sua sombra,
atrapalhando o seu banho de sol.
Diógenes se empenhou em demonstrar que a
natureza nos coloca à disposição tudo o que
realmente precisamos para vivermos felizes. Defendia
a liberdade sexual e a abolição de todas as normas.
Para ele, o Estado, as leis, o dinheiro, a propriedade, o
casamento e tantas outras invenções antinaturais só
afastam cada vez mais o ser humano da felicidade.

A proposta cínica da busca da autarcia e do autodomínio e de


desprezo pela abstração teórica desvinculada da utilidade prática
influenciou profundamente as novas escolas filosóficas que
surgiram no período helenístico. No entanto o radicalismo em
relação às convenções sociais contribuiu para o enfraquecimento
da escola de Antístenes após a morte de seu fundador e de seu
mais célebre discípulo.

SEÇÃO 3 - O ceticismo
O ceticismo é uma das doutrinas que surgem no período
helenístico, voltadas para a obtenção da tranqüilidade da alma.
A principal tese dos filósofos céticos é a de que, para alcançar
a tranqüilidade, é preciso controlar nosso desejo de ter certezas
absolutas.

Pode-se dizer que a idéia de que o ser humano não é capaz de


alcançar a certeza

Absoluta jamais faz parte da própria essência da filosofia antiga.


No entanto, ainda que saiba que jamais a alcançará, o filósofo é
aquele que não consegue deixar de desejar e de buscar a verdade.

A busca da sabedoria (ou seja, a própria filosofia) pode ser


interrompida de duas formas, quando alguém:

 perde a esperança de encontrar a verdade e passa a


considerar a essa busca como irracional; ou,
 pensa que finalmente encontrou a verdade e que a busca
já não é mais necessária.

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


No primeiro caso, o objeto do desejo do filósofo é visto como
inalcançável. Sua vida estaria fadada a ser, inevitavelmente,
frustrante. A única saída para alcançar a felicidade seria aniquilar
o desejo de conhecer a verdade.

No segundo caso, tem-se a impressão de que a sede de saber


é saciada por alguma teoria sofisticada, ou por elaborações
metafísicas engenhosas. Mas isso, segundo os céticos, é o
extremo oposto da filosofia: isso é ingenuidade.

Ceticismo: nem desespero, nem consolo.


Aristóteles havia proposto em sua ética a escolha do meio-termo
entre o excesso e a carência, como caminho para a felicidade.
Os céticos propõem que se aplique esse preceito do meio-termo
também à nossa sede de saber.

A proposta do ceticismo é exatamente essa: diminuir e orientar


a nossa necessidade de ter certezas e, principalmente, tomar
cuidado para não se deixar iludir por falsas certezas.

Na introdução da sua obra Hipotiposes Pirrônicas, o filósofo Sexto


Empírico descreve assim a posição cética:

O resultado natural de qualquer investigação é que


aquele que investiga ou bem encontra o objeto de sua
busca, ou bem nega que seja encontrável e confessa ser
ele inapreensível, ou ainda, persiste na sua busca. O
mesmo ocorre com os objetos investigados pela filosofia,
e é provavelmente por isso que alguns afirmam ter
descoberto a verdade, outros, que a verdade não pode
ser apreendida, enquanto outros continuam buscando.
Aqueles que afirmam ter descoberto a verdade são
os ‘dogmáticos’; assim são chamados especialmente,
Aristóteles, por exemplo, Epicuro, os estóicos e alguns
outros. Clitômaco, Carnéades e outros acadêmicos
consideram a verdade inapreensível, e os céticos
continuam buscando. Portanto parece razoável sustentar
que há três tipos de filosofia: a dogmática, a acadêmica e
a cética. (Apud MARCONDES, 2001, p. 93-94)

Ou seja, o ceticismo, enquanto escola filosófica do período


helenístico, não prega a impossibilidade do conhecimento. Mas
também acha que é ingenuidade ou falta de senso crítico se
contentar com os resultados já alcançados.
A escola cética foi fundada por Pirro de Élis (365 – 270
a.C.). Pirro, que segundo algumas fontes era filósofo e pintor,
acompanhou Alexandre em sua campanha de conquista
ao Oriente. Nessa viagem, teria entrado em contato com
gimnosofistas (os sábios nus), provavelmente mestres iogues. De
volta a Élis, viveu de forma simples, afastado das preocupações
mundanas.

Pirro defendia três princípios fundamentais para


a obtenção da tranqüilidade: a apraxia (inação),
a aphasia (ausência de discurso), apathia
(insensibilidade frente ao prazer e à dor). Através
da aplicação desses princípios práticos, seria
possível alcançar a ataraxia (imperturbabilidade) e,
conseqüentemente, a eudaimonia (felicidade).

Dos cínicos, Pirro mantém a rejeição à abstração teórica


desvinculada da utilidade prática. Além disso, a apathia também
pode ser considerada como uma retomada do princípio de
autodomínio. Mas isso não implica um abandono da vida prática
ou uma ruptura com as convenções sociais, como pregavam os
cínicos. Se o objetivo da filosofia deve ser sempre a busca da
ataraxia, o caminho apontado pelo ceticismo é o da moderação e
da manutenção do senso crítico.

Atenção!
Tome cuidado para não confundir o filósofo cético
Pirro de Élis com o grande general macedônio Pirro de
Épiro.

SEÇÃO 4 - O epicurismo
Também chamada de hedonismo e de filosofia do jardim, o
epicurismo é outra doutrina filosófica que surge no período
helenístico, voltada para a obtenção da serenidade interior.

A principal tese dos filósofos epicuristas é a idéia de


que, para alcançar a tranqüilidade, é preciso cultivar o
prazer. Os princípios fundamentais do epicurismo são
a amizade, a moderação, o livre arbítrio e a indiferença
à morte e aos deuses.

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


Epicuro, o fundador da escola que tomou o seu
nome, nasceu em Samos, em 341 a.C., e morreu em
Atenas, em 270 a.C., aos setenta anos de idade. Há
relatos de que teria sido aluno de Pânfilo, um filósofo
ligado à Academia, e de Nausífanes, discípulo de
Demócrito.

Em 306 a.C., após lecionar em Cólofon, Mitilene


e Lâmpsaco, Epicuro transfere-se para Atenas,
onde funda a sua escola. Embora estivesse situada
no grande centro econômico e cultural do mundo
da época, em que funcionavam as duas maiores
escolas de filosofia (a Academia e o Liceu), a escola Figura 6.3 – Epicuro.
de Epicuro estava instalada numa propriedade Fonte: <www.consciencia.org/.../
pictures3/epicuro.jpg>.
afastada do centro da cidade, num local tranqüilo
e acolhedor, e o distanciamento da vida urbana e a
integração com a natureza favoreciam a introspecção. Por sua
beleza natural, a propriedade que abrigava a escola passou a ser
chamada de jardim (képos), e Epicuro e seus seguidores muitas
vezes são referidos como os filósofos do jardim.

Epicuro escreveu diversas obras, mas a maior parte não chegou


até nós. Restaram apenas algumas cartas, coleções de frases
memoráveis e alguns fragmentos de seus tratados. A principal
obra do epicurismo que chegou completa até os nossos dias é A
Natureza das Coisas (De Rerum Natura), escrita por Tito Lucrécio
Caro, um epicurista do século I a.C.

Para o epicurismo, a filosofia é constituída de


três partes que se articulam. Em primeiro lugar, a
teoria do conhecimento, que permitiria identificar
nossas crenças infundadas e auxiliar a reconhecer a
verdade. Em segundo lugar, a física deveria mostrar
a verdadeira estrutura da realidade na qual o homem
se insere. Por fim, teríamos a ética, que deveria
indicar um caminho para a felicidade. A filosofia assim
concebida deveria constituir-se na fundamentação
racional que permitisse ao indivíduo tornar-se
um artesão de sua própria vida, alguém capaz de
“confeccionar” sua própria felicidade.

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


A teoria do conhecimento epicurista (também chamada de
canônica) é um empirismo radical. Totalmente oposta à tese
eleática e platônica segundo a qual a experiência sensível é
fonte de ilusão e erro, Epicuro propõe a sensação como critério
fundamental para o conhecimento da verdade.

Para Epicuro, a sensação é o único conhecimento


legítimo.
Somente ela capta, de forma infalível, o ser.

A partir desse critério fundamental, nossos juízos poderiam ser


avaliados de duas formas:

 quando o juízo se refere a algo observável através dos


sentidos, o critério é a concordância entre o juízo e os
fenômenos sensíveis correspondentes;
 quando o juízo envolve fenômenos não-observáveis,
o critério passa a ser a ausência de contradição com
os dados fornecidos pela experiência (critério da não-
infirmação).

Influenciada pelas idéias de Demócrito, a física


de Epicuro é atomista e materialista. Partindo do
critério da não-infirmação, Epicuro defende que a
teoria atomista, segundo a qual tudo é constituído
de átomos que se movem no vazio, é a que melhor
explica o movimento.

Como os átomos de Demócrito e Leucipo, os átomos da física


epicurista diferem uns dos outros apenas pela forma, pelo
tamanho, pela posição e pela ligação a outros átomos. No entanto
Epicuro introduz duas novas distinções: os átomos seriam
diferentes também quanto ao peso e teriam uma capacidade
intrínseca de provocar desvios em seu movimento.

É o peso, e não a forma, que faz com que os átomos estejam


eternamente caindo dentro de um vazio cósmico. Nessa queda,
no entanto, os átomos podem sofrer desvios de direção (clinámen).
Os choques entre átomos, decorrentes desses desvios, é que
possibilitariam, segundo essa teoria, a formação de aglomerados,
gerando a matéria.

Assim, o clinámen seria a fonte primordial do devir.

Embora esta teoria pareça, à primeira vista, um pouco “forçada”,


Epicuro vê nela as seguintes vantagens:

 respeita o critério de não-infirmação;


 é uma teoria essencialmente materialista, totalmente
purificada de qualquer conotação mítica ou sobrenatural;
 não reduz o cosmos a um mecanicismo determinista, o
que deixa espaço para o livre arbítrio e para a ética.

A ética epicurista
A ética é a parte central da filosofia epicurista. Para Epicuro, a
filosofia deveria servir como via de acesso à verdadeira felicidade.

Por isso, em primeiro lugar, a filosofia deve libertar


a alma humana do medo provocado por crenças
infundadas. Em segundo lugar, deveria proporcionar
a serenidade de espírito, construída através da
autarcia. E, por fim, a filosofia deveria auxiliar o
homem a alcançar uma vida agradável através de uma
orientação racional, para a obtenção do prazer.

A ética epicurista é hedonista, ou seja, é baseada na idéia de que


o prazer é um bem a ser buscado pela ação virtuosa. Vazquez
(1984, p. 242) resume a ética epicurista assim:

Para os epicuristas, tudo o que existe, incluindo a alma, é


formado de átomos materiais que possuem certo grau de
liberdade, na medida que se podem desviar ligeiramente
na sua queda. Não há nenhuma intervenção divina nos
fenômenos físicos nem da vida do homem. Libertado
assim do temor religioso, o homem pode buscar o bem
neste mundo (o bem, para Epicuro, é o prazer). Mas
há muitos prazeres, e nem todos são igualmente bons.

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


É preciso escolher entre eles para encontrar os mais
duradouros e estáveis, que não são os corporais (fugazes e
imediatos), mas os espirituais; isto é, os que contribuem
para a paz da alma.

A busca do prazer (hedoné) é um dos pontos mais fundamentais


da ética epicurista. No entanto, como nos explica Pessanha (1980,
p. XII), o ser humano precisa saber escolher os seus prazeres:

Enquanto ser natural, o homem - como os animais -


pauta sua vida, espontaneamente, pela procura do prazer
e pela fuga da dor. Mas a verdadeira sabedoria está além
desse comportamento natural e espontâneo: sábio é
reconhecer que há diferentes tipos de prazer, para saber
selecioná-los e, dosá-los. [...] Epicuro considera que todo
prazer é basicamente um prazer corpóreo. Mas o prazer
que o homem deve buscar não é o da pura satisfação
física imediata e mutável, o “prazer do movimento”. Para
Epicuro, o prazer que deve nortear a conduta humana
- o prazer com dimensão ética e não apenas natural - é o
“prazer do repouso”, constituído pela ataraxia (ausência
de perturbação) e pela aponia (ausência de dor). Ambas
podem ser alcançadas na medida que o homem, através
do autodomínio, busque a auto-suficiência que o torne
um ser que tem em si mesmo sua própria lei, um ser
autárquico, capaz de ser feliz e sereno independentemente
das circunstâncias.

Outro ponto fundamental da ética epicurista


é a importância atribuída à amizade. É só a
partir do convívio e da amizade que se pode
alcançar a verdadeira felicidade obtida através do
compartilhamento dos pequenos prazeres da alma.

Vencido o temor em relação ao sobrenatural (serenidade


espiritual) e alcançada a autarcia (serenidade física), Epicuro
propõe o cultivo da amizade e a busca de prazeres moderados
como o ponto alto da busca da felicidade.

A filosofia de Epicuro exerceu grande influência já em sua época


e até hoje pauta a reflexão ética e sobre o sentido da existência
humana. O epicurismo é uma filosofia da vida e, principalmente,
uma filosofia que, mais que compreendida, surgiu para ser
vivenciada.
SEÇÃO 5 - estoicismo
O estoicismo foi a mais influente das escolas helenísticas, a que
teve maior número de seguidores e a que perdurou como tradição
intelectual por mais tempo. Foi também a mais universalista das
escolas helenísticas.

A história do Estoicismo inicia em 300 a.C., quando


Zenão de Cítio funda uma escola em Atenas. Nascido
em Chipre, Zenão não era cidadão ateniense e, pela
lei vigente, os estrangeiros não podiam adquirir
propriedades em Atenas. Sem ter onde estabelecer sua
escola, Zenão dava suas aulas em locais públicos de
Atenas. O local preferido era um pórtico (estoá) e, por
esse motivo, Zenão e seus seguidores passaram a ser
chamados de filósofos do pórtico ou filósofos estóicos.

A escola estóica se desenvolveu em três períodos bem Figura 6.4 – Zenão de Cítio.
distintos. Conheça-os.
Fonte: <ummundomagico.blogs.sapo.
pt/.../zenao_citio.jpg>.
1. Antiga Estoá – protagonizada por Zenão
de Cítio (332 – 262 a.C.), Cleantes de Assos
(331 – 232 a.C.) e Crísipo de Solis (280 – 206 a.C.).
Nesse período, a filosofia estóica é elaborada como um
sistema completo. Foi o período de maior esplendor do
estoicismo, e nenhuma outra escola teve tanto sucesso
durante esse período. Após a morte de Crísipo, a escola,
aos poucos, foi perdendo o seu prestígio em Atenas.

2. Média Estoá – protagonizada por Panécio de Rhodes


(185 – 129 a.C.) e Possidônio de Apanca (c.135 – 51
a.C.). Ao assumir a direção da escola, Panécio introduz
no estoicismo algumas idéias de outros filósofos. Essa
versão eclética da doutrina estóica faz a escola reviver
seus dias de glória. Possidônio, discípulo de Panécio,
funda uma nova escola em Rhodes, que também obteve
grande sucesso.

3. Estoá romana ou Nova Estoá – protagonizada por


Sêneca ( 2 a.C. – 65 d.C.) e Marco Aurélio (121 – 180
d.C.) difundem, principalmente, a ética do estoicismo.

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


O estoicismo surge como uma supervalorização da
razão. A idéia de que nada no universo pode ser
superior à razão é o núcleo do estoicismo. Todas as
outras idéias que compõem a doutrina estóica são
decorrências dessa tese fundamental.

A filosofia estóica constitui-se num sistema baseado em duas


teses fundamentais, na verdade duas faces de uma mesma moeda:

 tudo no universo é dotado de razão;


 nada existe no universo que não seja matéria.
A partir dessas duas idéias fundamentais, os estóicos propõem
uma metáfora aplicável a qualquer objeto da natureza: Tudo no
universo se assemelha a um ser vivo, no qual existe um sopro vital
(pneuma) que produz a junção e a interdependência das suas partes.

O próprio universo, como um todo, pode ser pensado como um


grande organismo, dotado de uma alma racional que atua em
cada uma de suas partículas. E assim como os seres vivos possuem
um ciclo vital, tudo no universo passa por fases de geração, crescimento
e corrupção.

A ética estóica
Tudo na natureza é governado pela Razão (Lógos). Essa Razão pode
ser chamada de alma do mundo ou mesmo de Deus. Tudo existe e
acontece segundo uma predeterminação rigorosa. Concebida
desta forma, a natureza é, em si mesma, justa e divina.

Já o homem é justo apenas quando consegue estar


em acordo consigo mesmo, isto é, com a sua própria
natureza, que é intrinsecamente razão. Assim, de
acordo com os estóicos, tudo o que extrapola o
domínio puramente racional é antiético.

Aqui surge a grande diferença entre estóicos e epicuristas.


Embora compartilhe vários ideais com o epicurismo, o estoicismo
caracteriza-se principalmente por opor-se à busca do prazer.
Para alcançarmos a tranqüilidade, é preciso que nos
tornemos insensíveis ao prazer e à dor. Essa é a tese
fundamental da ética estóica.

Na relação com o corpo, a alma humana é capaz de agir de


forma intencional (atividade), mas também está submetida
a interferências não-intencionais, provocadas pela percepção
sensível (paixão).

Eu posso dar um soco em uma parede: afinal de


contas, eu controlo os meus músculos (atividade). No
entanto, após ter dado o soco, não depende de uma
escolha minha sentir, ou não, a dor (paixão) provocada
pelo choque da minha mão contra a parede.

Nossas ações voluntárias são atividades da alma. Os prazeres


e as dores que vivenciamos são paixões. As paixões não
dependem apenas da razão. Elas trazem, portanto, uma dose
de irracionalidade que precisa ser evitada o máximo possível.
Pessanha (1980, p. XVI) explica essa necessidade de supressão
das paixões da seguinte forma:

As paixões são consideradas pelos estóicos como


desobediências à razão e podem ser explicadas como
resultantes de causas externas às raízes do próprio
indivíduo; seriam, como já haviam mostrado os cínicos,
devidas a hábitos de pensar adquiridos pela influência do
meio e da educação. É necessário ao homem desfazer-se
de tudo isso e seguir a natureza, ou seja, seguir a Deus e
à Razão Universal, aceitando o destino e conservando a
serenidade em qualquer circunstância, mesmo na dor e na
adversidade.

Viver em conformidade com a razão torna o homem


feliz, porque o liberta da escravidão das paixões.
O sábio é aquele que não se deixa enganar pelos
prazeres, nem se deixa modificar pela dor. Para o
pleno exercício da racionalidade, o prazer é tão
pernicioso quanto a dor. Tornar-se insensível tanto ao
prazer quanto à dor é uma condição necessária à vida
ética.

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


SEÇÃO 6 - O sentido geral do período helenístico
As filosofias do helenismo representam um desenvolvimento
tardio da mentalidade racionalizadora dos gregos.

Sem primar pela originalidade ao tratar da física e do


conhecimento, as diversas escolas buscam seus fundamentos
teóricos nos clássicos (Sócrates, Platão e Aristóteles) ou mesmo
nos pré-socráticos. A grande mudança fica por conta do
abandono da política e da reformulação da ética.

No período helenístico, apesar de todas as diferenças


entre as diversas escolas, surge uma nova concepção
de filosofia universalmente compartilhada: a filosofia
como uma arte do viver. Mais importante que a
teoria passa a ser a prática, a vivência.

Apesar de todas as discordâncias, as várias escolas tinham em


comum:

 a negação da existência de qualquer ser transcendente à


matéria;
 a busca da felicidade através do autodomínio, da autarcia,
do desapego à propriedade, à riqueza e ao luxo e da busca
da serenidade da alma.
Com o surgimento do cristianismo, essas concepções
materialistas passam a enfrentar uma concorrência considerável.
Alguns filósofos tentam conciliar com o cristianismo alguns dos
elementos das éticas helenísticas, descolados de suas bases físicas
e metafísicas e de suas respectivas concepções de conhecimento.

Aos poucos, o pensamento laico dos gregos foi


perdendo espaço para a mentalidade religiosa
judaico-cristã. O golpe final veio em 529, quando o
imperador Justiniano, em defesa do cristianismo,
proibiu o ensino da filosofia em todo o Império
Romano, provocando o fechamento de todas as
escolas pagãs.

Até hoje, é possível perceber a influência das filosofias


helenísticas sobre o pensamento ocidental.
Síntese

Na história ocidental, o período helenístico inicia com a difusão


da cultura grega nos países conquistados por Alexandre, o
Grande, e termina com a queda do Império Romano.

Na filosofia, este período é marcado por uma reformulação do


próprio sentido do ato de filosofar, tornando-o numa arte do
viver. A ética e a política, antes indissociáveis, passam a receber
tratamentos opostos: enquanto a reflexão sobre a ação humana,
a liberdade e a felicidade ganha uma posição de destaque, a
discussão de questões como a justiça social e legitimidade dos
governos praticamente desaparece.

O indivíduo passa a ser a principal referência na problematização


da realidade, e a autarcia e a ataraxia tornam-se temas
fundamentais para a filosofia.

As principais escolas desse período foram a cínica, a cética, a


epicurista e a estóica.

Os cínicos se destacaram por desprezar todas as convenções


sociais; os céticos, por reconhecerem a impossibilidade da
obtenção da episteme; os epicuristas, por valorizarem o prazer
como um bem a ser buscado; e os estóicos, por pregarem a
indiferença tanto ao prazer quanto à dor.

As filosofias helenísticas eram, originalmente, profundamente


materialistas. Mas, após o surgimento do cristianismo, alguns
filósofos tentaram conciliar a filosofia com a religião.

Na história da filosofia, o período helenístico termina em


529, com a proibição do ensino de filosofia em todo o Império
Romano.

PROFS. MATHEUS E KETLEY SILVA


Para concluir o estudo
Parabéns! Você venceu esta importante etapa de estudo
da História da Filosofia I. Tenho certeza de que agora
você sabe um pouco mais sobre a Históriada Filosofia
Antiga do que sabia antes. Esse é o objetivofundamental
desta disciplina.

Num curso de filosofia, a disciplina História da Filosofia


exerce o importante papel de instrumentalizar a análise e
a crítica rigorosa do pensamento. Saber quais caminhos
teóricos já foram trilhados bem como poder conferir
quais foram os resultados alcançados pode servir de
referência, para que cada um construa o seu próprio
percurso filosófico.

A história da Filosofia antiga constitui um tema vasto.


O que vimos aqui foi uma breve introdução, a qual
buscou destacar os principais períodos, escolas, filósofos
e conceitos. Muita coisa teve que ser deixada de lado, e a
maior parte dos temas foi tratada de uma forma bastante
superficial. No entanto o domínio do conteúdo que
foi trabalhado nesta disciplina já é suficiente para lhe
possibilitar um maior rigor em suas reflexões filosóficas.
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