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Instituto de História

Universidade Federal do Rio de Janeiro


Aluno: Breno Ventura Barbosa
DRE:120020144
Professor: Deivid Valério Gaia
Disciplina: História Antiga II

2) A partir das aulas sobre as Origens de Roma disserte sobre os seguintes pontos: As
fontes sobre as origens de Roma, a narrativa mítica, e o contexto de produção das fontes
mais importantes; Virgílio e Tito Lívio; ou seja, a relação da época de Augusto com a
narrativa de fundação.

O estudo quanto às origens, formação e nascimento de Roma, no que diz respeito a


suas fontes, subdivide-se em acordo com a sua sequência cronológica. Nesse caso, períodos
mais antigos como os que vão dos séculos XI ao VIII a.C, orientam-se a partir de sítios
arqueológicos de Roma e da região do Lácio. As inúmeras descobertas arqueológicas feitas
nessas regiões nos trazem elementos que assimilam-se à tradição literária romana, a qual
privilegia grandes lendas. Assim, a pesquisa que trata das origens da cidade-estado que surgiu
no centro da península italiana e manteve sua existência desde o século XI até o início do V
a.C e, consequentemente, por mais de meio milênio da história da humanidade, combina
diferentes áreas, como a filologia, história das religiões, do Direito, da linguística e das
mitologias.
A história, que visa entender como se deu o processo de formação social, cultural e
político romano, é o resultado dessa somatória, portanto, suas diferentes abordagens são
guiadas partindo tanto de dados arqueológicos quanto de textos literários. Cabe aqui, o
esclarecimento sobre como esse quadro se articula, o que será feito a partir da obra do
arqueólogo e especialista em história romana, Alexandre Grandazzi, que versa sobre as
origens da cidade nos capítulos 1 e 2 de seu livro “As Origens de Roma”.
Em primeiro plano, os relatos que narram as origens da Urbe são lendas apresentadas
através de textos clássicos, como “Eneida”, do poeta Virgílio, “A História de Roma”, por Tito
Lívio, entre outros. Esse universo fantástico ocupa espaço importante no imaginário romano,
permeando seus ideais e ações no mundo antigo. Dessa forma, as mais diversas concepções
místicas expressam-se nas histórias tanto dos fundadores quanto da grande maioria dos reis
romanos. A exemplo disso, temos a história de Rômulo e Remo, dois irmãos filhos do deus
Marte, o qual violou Rhea Sílvia, filha do antigo rei de Alba Longa, Numitor, que havia sido
afastado do trono por seu irmão Amúlio. Alba Longa é a cidade que teria sido fundada por
Ascânio, descendente direto do lendário príncipe troiano Enéias, filho de Vênus.
Quando Réia dá à luz aos gêmeos, Rômulo e Remo, Amúlio ordena que eles sejam
afogados no rio Tibre. Entretanto, o berço onde estavam para ao pé do Palatino, onde os dois
garotos são encontrados por um pastor chamado Fáustulo, que os vê sendo amamentados por
uma loba. Os meninos, então criados por Fáustulo, destacam-se por sua força e valor e, ao
descobrir a verdade sobre seu nascimento, matam Amúlio e reconduzem o avô ao trono.
Posteriormente, partem e fundam uma cidade no local onde foram encontrados, no entanto, a
discórdia se instaura sobre os irmãos, resultando na morte de Remo. Roma é fundada,
portanto, conforme o nome de Rômulo, o que marca profundamente seu nascimento. Segundo
o autor,
“É o quadro imortal de Rômulo conduzindo um arado e traçando um sulco
em volta da colina que marcará dali por diante o limite sagrado da cidade, dita Roma
quadrada (“Roma quadrada”): o pomerium. Ao longo de sua história, a festa das
Parilia (ou Palilia), todo dia 21 de abril, será considerada pelos romanos a data de
aniversário desse rito inicial” (GRANDAZZI, 2010, p. 19).

Esse mito fundador traz consigo a espetacularização e uma ideia de força divina, algo
comum no pensamento do mundo antigo. Logo, as outras histórias são narrativas que vão num
sentido parecido, versando sobre os sete reis que governaram Roma até a instituição da
República consular. São eles: Rômulo (753-716 a.C), Tulo Hostílio (672-641), Anco Márcio
(640-617 a.C), Tarquínio, o Antigo (616-579), Sérvio Túlio (578-535) e Tarquínio, o Soberbo
(534-509). Segundo Grandazzi (2010), seus números e nomes assemelham-se, apresentando
pouca variação cronológica de reinados em todos os textos antigos.
Nota-se, na tradição literária, que essas histórias atribuem aos reis romanos elementos
grandiosos e que exploram amplamente suas características e caráter. Elas foram escritas
séculos após a época que exploramos, portanto, para entender se elas correspondem ou não a
realidade histórica é necessário questionar-se a respeito da formação da tradição que as
originou, ou seja, quais eram suas fontes e seus limites de penetração através da investigação
histórica.
Assim, o primeiro capítulo do livro Grandazzi ilustra uma cronologia monárquica de
Roma, na qual percebemos inúmeros complôs por parte daqueles que cercavam os reis e
ambicionavam seu poder. Os elementos místicos, anteriormente citados, somam-se a
narrativas de predestinação, a exemplo da lenda do nascimento do futuro rei, Sérvio, que,
como sinal de seu destino real, foi visto com uma auréola ao redor de sua cabeça ainda
quando bebe. Outra versão, presente em Dionísio, relaciona o nascimento de Sérvio à
aparição de um falo surgido no forno do palácio, ao qual sua mãe, Ocrésia, teria se unido.
Aliás, uma versão parecida a respeito de Rômulo é encontrada na obra de Plutarco.
Constata-se que o surgimento das lendas que tratam do nascimento da Urbe, através de
obras literárias, são encontrados em Hesíodo, que viveu no século VIII a.C, em uma passagem
de seu poema “A teogonia”, que contém uma alusão a dois reis, Ágrio e Latino, filhos de
Ulisses, que teriam “reinado sobre toda a terra dos ilustres tirrenianos, isso parece nos indicar
que os gregos já estariam em contato com os povos da planície do Tibre, sem no entanto
distinguir entre latinos e tirrenos (etruscos)” (GRANDAZZI, 2010, p. 44).
Nos séculos V e IV a.C, os gregos dirigem maior interesse sobre a história romana, o
que nos mostra a importância que a cidade ocupa no Mediterrâneo ocidental daquela época. A
tradição literária e seu contexto nos auxiliam no entendimento dos desenlaces históricos e as
relações de influência sobre os povos envolvidos. Um exemplo disso é a presença Roma na
obra de Timeu, historiador grego da Sicília que considerava Eneias o fundador de Lavínio, o
que também é encontrado no poema-enigma de Licofron, poeta grego instalado em
Alexandria. Para o autor, essa considerável atenção dada ao processo germinativo da
cidade-estado se deve ao contexto no qual esses autores estavam inseridos, nesse caso, Roma
e havia sido vitoriosa sobre o rei Pirro (em 275 a.C.), o qual considerava-se o novo Aquiles
Tal triunfo, consequentemente, atraiu a atenção dos gregos.
Analogamente, Fábio Pictor, autor que dispõe-se a ilustrar um relato detalhado das
origens de Roma, debruça-se sobre essa tarefa justamente no final do século III a.C, momento
de grande guerra contra Cartago e o grande general Aníbal. Nesse contexto, passa-se a olhar
para o passado mais longínquo, e através da história originária busca-se o sentimento de
identidade. A partir de Pictor, ainda que com variações, todos os relatos terão Rômulo como o
grande fundador de Roma. Outrossim, a conquista do mundo grego também refletiu-se de
maneira identitária, com a exaltação das virtudes ancestrais itálicas, a qual afirmava-se em
dissonância com o heleno forasteiro. Nesse contexto, pode-se citar a obra de Catão, o Antigo.
Publicada em latim no século II a.C, a obra trata do passado mítico e monárquico de Roma.
Quando do início do Império, as lendas originárias disseminam-se novamente. Isso
ocorre devido ao regime de principado então vigente, que tratava-se, a grosso modo, de uma
monarquia não declarada. Afinal, Augusto objetivava apropriar-se do passado majestoso de
Rômulo, e pretendia projetar-se como o novo fundador de Roma, portanto, o passado
monárquico, de maneira imagética, servia de justificativa para essa nova ordem.
Além disso, tal apelo pela identificação através das origens também teve outros fins: é
através dele que Augusto obteve a narrativa que lhe convinha. O imperador procurava
transmitir um sentimento de força que fosse mobilizador o bastante para a população romana,
que deveria enxergar-se como um povo descendente do deus Vênus. Portanto, o sentido da
criação de um mito de origem era, em certa medida, o de responder às expectativas dos
interesses augustianos de conquista e expansão. Afinal, esse processo custava vidas, sendo
necessário que se morresse por algo de valor. Nesse sentido, as aspirações daquele tempo
utilizaram-se do passado para preencher suas lacunas e atender suas respectivas necessidades.
Nesse contexto, Augusto encomendou uma obra ao poeta Virgílio que, inspirando-se
em Ênio, que era também conhecido como “Homero latino”, escreveu uma epopeia focada na
vida de Eneias. A obra era “ Uma nova Odisseia e uma nova Ilíada em segunda parte: a ação
se passa no antigo Lácio, bem antes do surgimento de Roma, que, no entanto, tudo anuncia e
está mais que presente” (GRANDAZZI, 2010, p. 49). A obra objetivava carregar consigo a
explicação para a conquista de um império tão extenso, que teria sido possibilitada tanto pela
a proteção dos deuses, quanto pela pietas1 e pela virtus2.
Na mesma época, Tito Lívio e Dionísio de Halicarnasso, com suas respectivas obras,
“História da cidade desde sua fundação”, em latim, e “Arqueologia romana” em grego,
versaram sobre a fundação de Roma e os tempos monárquicos. Dionísio tem um elemento em
particular, que reside no fato de que a sua obra anseia pela demonstração de que os romanos,
por parte de Eneias, são gregos. Isso, consequentemente, leva-o a atribuir menor importância
para a contribuição dos etruscos na Roma arcaica. Sua obra teve boa repercussão entre os
humanistas e receptividade negativa por parte dos eruditos do século XIX. Isso porque, a ele
serão tecidas críticas quanto ao caráter pouco científico de sua obra. Segundo Grandazzi
(2010), justamente essa preocupação em melhor documentar a obra foi o que fez de Dionísio
um importante autor para o estudo das origens da urbe.
Em suma, a grande riqueza da tradição literária que debruça-se sobre as origens de
Roma, diferencia-se por uma composição na qual se aglutina relato histórico e gênero
literário. Nela encontramos valiosos registros que vão desde nome de lugares e povos até de
seus deuses, isso graças a erudição antiga, que tem a etimologia como um instrumento de
exploração que é também responsável pela conservação de dados relevantes para o melhor

1
Devoção para com os deuses e para com os seus concidadãos, fidelidade, proteção, ordem
social e proteção.
2
Coragem, principalmente por parte dos líderes sociais e políticos.
entendimento histórico. Entre um dos principais antigos eruditos encontra-se Varrão, que
marcou um grande movimento de pesquisas e coletas de dados antigos no que concerne ao
direito, religião, língua e costumes. Sua obra servirá de base para a política religiosa exercida
por Augusto.
Finalmente, a história romana, imersa no pensamento mítico de seu tempo, e
alimentada por seus registros literários, será, como vimos, muito difundida em momentos de
formação identitária, além de seu hábil uso político, como no caso do Imperador Augusto.
Ademais, faz-se um universo fantástico com grande potencial para ser explorado,
compartilhando mitos comuns aos de religiões ocidentais como o cristianismo - vide o
exemplo Moisés, que assim como Rômulo e Remo, foi deixado à beira de um mar e
posteriormente encontrado. Nesse sentido, a história das origens de Roma faz-se um campo
vasto e rico para a exploração e entendimento da formação histórica da sociedade ocidental.
Referências:

“Eneida”: o poema glorificador de Roma e do imperador Augusto. Ensinar História, 2019.


Disponível em <“Eneida”: o poema glorificador de Roma e do imperador Augusto
(ensinarhistoria.com.br)> Acesso em 10/03/2022.

Bibliografia Consultada:

GRANDAZZI, Alexandre (2010): As origens de Roma, trad. de Christiane Gradvohl Colas,


São Paulo, Ed. Unesp (Capítulos I e II, p. 1-61).

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