Você está na página 1de 5

O espaço doméstico egipicio e gênero: a constituição da vida comunitária em Amarna 1

Universidade Federal do Rio de Janeiro


IHI 231 - Oficina de Ensino de História Antiga
Professor: Dr. Pedro Peixoto
Aluno:Breno Ventura Barbosa
DRE:120020144

O presente fichamento busca registrar os principais aspectos que envolvem a


reconstituição da vida comunitária em Amarna, através da cultura material, acompanhada do
gênero enquanto recurso de análise teórico-metodológico. Isso será feito tomando-se como
base a exposição de Thais Rocha da Silva, Professora Colabora do Departamento de História
(FFLCH-USP), com Pós-doutorado em andamento (FFLCH-USP/FAPESP). Sendo também
Research Fellow Harris Manchester College, na Universidade de Oxford, e doutora em
Egiptologia pela mesma instituição.
Sua atuação tem girado em torno dos temas como arqueologia da casa, domesticidade,
cultura material e arqueologia da paisagem, sobretudo, a egípcia. Tais elementos, serão
justamente aqueles abordados na apresentação de Silva durante o XXXII Ciclo de debates em
História Antiga, realizado pelo Laboratório de Estudos em História Antiga (LHIA), ligado à
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Assim, cabe aqui elencar as principais
questões abordadas pela professora em sua fala, bem como seus recortes, mediações e
considerações no que concerne a cultura material, espaço doméstico e gênero.
A priori, para pensarmos a dimensão do espaço doméstico, a professora faz uma
alusão ao romance de Robinson Crusoe, ficção produzida em 1719 pelo escritor inglês Daniel
Defoe. Segundo a egiptóloga, a primeira questão que notamos na obra é a do pertencimento,
com o protagonista tendo um lugar de origem, trabalho e afins já pré-estabelecidos, isso antes
do período tratado no livro, no qual Crusoe viverá em uma ilha deserta. Dessa forma, a
professora acredita que tal obra nos proporciona a reflexão, do ponto de vista

1
Apresentação realizada pela doutora Thais Rocha da Silva no XXXII Ciclo de debates em História
Antiga da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) realizado pelo Laboratório de Estudos em História
Antiga (LHIA), transmitido pela plataforma de vídeos Youtube, no dia 22/09/22.
teórico-metodológico, da existência de uma referência de espaço doméstico a partir da nossa
concepção social de lar.
Dessa maneira, vemos a reprodução dessa ideia por meio da arte: do século XVIII no
livro de Defoe à produção cinematográfica de Náufrago (2000), destaca-se a ideia da
necessidade da vivência habitacional como uma experiência social. Na produção
contemporânea, isso fica claro quando Chuck Noland (Tom Hanks), dá vida a uma bola de
vôlei, Wilson, na qual percebe-se a relação do indivíduo com a cultura material, a qual
cumpre a função de representação da sociabilidade, a qual segue permeando importantes
momentos da estadia de Chuck durante o seu naufrágio.
O mesmo ocorre quando Crusoe procura encontrar elementos que melhor reproduzem
um espaço doméstico. Neste caso, o viajante passa dias no navio procurando por meios para
que, ao chegar em uma caverna, ele possa construir uma estante um quarto, uma escrivaninha.
Ou seja, um espaço de reprodução da sociabilidade do sujeito auxiliada, é claro, pela cultura
material. Esta, por sua vez, configura-se enquanto um elemento constituinte do ser, ao
modelarmos esse espaço, nas palavras de Silva “somos constituídos pela relação material que
nos rodeia” (15:00 - 15:03).
Além disso, dentro dessa percepção também temos o gênero como uma experiência
formuladora e constituinte desse espaço no qual projetamos nossos valores e experiências
sociais. Isso se dá a partir do sistema de gênero, que se faz um aspecto formativo do
indivíduo.
No caso do Egito, constata-se um sistema binário de gênero, no qual havia uma
concepção de macho e fêmea, homem e mulher, com o mundo faraônico reproduzindo esse
ideal. Isso é importante, segundo Silva, a fim de evitar confusões de interpretação no que
concerne a eventuais anacronismos nas fontes egípcias. Ao percebermos tal sistema binário,
enxerga-se a constituição das fontes egípcias a partir de três blocos, sendo elas as produzidas
por homens, na qual vemos mulheres que aparecem como esposas e mães, bem como a
dualidade entre masculino e feminino. Ressalta-se que a maior parte dessas fontes foram
produzidas no âmbito do sistema estatal de sucessão hereditária.
As apropriações das figuras egípcias femininas, portanto, acabam por ser
problemáticas, algo amplamente discutido na historiografia em questão. Simultaneamente, os
estudos de masculinidade, nesse âmbito, se fazem escassos. Nos últimos dez anos, a literatura
antropológica de Egiptologia e Gênero serão analisadas a partir do local, do status e das
atividades, da sexualidade, interseccionalidade e da relacionalidade. Ao direcionar essas
questões para a análise do espaço doméstico, os parâmetros metodológicos têm sido
estabelecidos pensando a casa.
Os arqueólogos ingleses no século XIX, viviam em um ambiente deveras distinto do
que Egito, com diferentes noções de privacidade, circulação, que fazem parte de um
determinado ambiente geográfico e social, com divisão de cômodos por gênero e função. Em
relatórios arqueológicos, vemos a reprodução de tal concepção doméstica contemporânea aos
estudos desses materiais. A isto, segue-se a exposição de dois assentamentos clássicos, dados
como “irmãos” pela historiografia tradicional, sendo eles a da Vila de Trabalhadores de
Armana (Peet e Wolley 1923) e da Vila Deir el-Medina (bruyére, 1939). Segundo Silva, esses
modelos tornaram-se paradigmas, um modelo sobre como constituiu-se o espaço doméstico
egípico.
No entanto, segundo a egiptóloga, temos evidências muito frágeis para avaliar que este
era o único modelo de casa no Egito. As fragilidades ligam-se à natureza da escavação que
está sendo refeita atualmente, sendo sua primeira tentativa um tanto quanto desorganizada, o
que fez com que o material que guia as conclusões de relações de gênero e vida doméstica de
el-Medina não sejam completamente confiáveis. Ademais, as constituições das designações
dos papéis de atividade doméstica, das divisões de gêneros e afins, também é algo que está
por ser contestado.
Quanto à Vila de Trabalhadores, Silva nos traz um estudo de caso, no qual
debruçou-se sobre 3 níveis de investigação, sendo eles a da casa, da vizinhança e a do
assentamento. A partir desses estudos constata-se uma não-rigidez na construção dessas casas.
Assim, destaca-se o fato dessas vilas não terem sido planejadas como anteriormente foi
concebido pelos estudiosos da área: os espaços institucionais até podem ter seguido tal lógica,
contudo, o mesmo não pode ser dito dos agrupamentos de complexos domésticos que foram
se desenvolvendo posteriormente, de maneira descompassada. Nele vemos um
desenvolvimento orgânico, não aleatório, e pouco rígido.
Outras imprecisões, ligam-se ao espaço interno da casa; sua divisão, mobílias e afins,
são pensadas a partir de possibilidades de questionamento da cultura material a partir da
etnografia, com a ressignificação dos espaços. Além disso, a professora ressalta a
sociabilidade por meio do trabalho cotidiano doméstico, não necessariamente reproduzidas
dentro de casa, mas por meio de trocas com outras mulheres ao irem pegar água ou fazer
tecidos, entre outras atividades que reproduziam-se fora da casa. Portanto, ao olharmos tais
assentamentos é necessário observá-los de maneira que evite-se reproduzir as estruturas
arquitetônicas ocidentais da unidade habitacional, levando em consideração os elementos
externos a ela, assim, entendendo-a de forma holística. Nesse emaranhado, engloba-se
também a dimensão comunitária, a não expansão do espaço doméstico ligada a restrição
exercida pelo estado egípicio, bem como a sua consequente reprodução no meio comunitário.
Dessa forma, questões supracitadas nos levam a questionar sobre como definir os
limites da atividade doméstica? Isso liga-se, sobretudo, à não conformação ao modelo
habitacional estabelecido pelo Estado egípicio - da limitação da expansão do território da
casa- e às adaptações que esses sujeitos utilizaram-se para a reprodução da vida doméstica.
Isso será identificado a partir da cultura material, e nela encontraremos possibilidades de
melhor analisar as relações sociais existentes no bojo desta sociedade.
Quanto ao gênero, este deve ser encarado enquanto uma parte constitutiva da prática
social, uma vez que o indivíduo manifesta-se no mundo a partir do entendimento de sua
dimensão de gênero. Assim, o último se faz um marcador das relações sociais, associado a
práticas, negociações e arranjos dessa relações que manifestam-se no espaço, na constituição
dos objetos e nos seus usos. Ele deve ser pensado a partir da ideia de negociação. Finalmente,
as atuais pesquisas de Rocha tem caminhado para a decifração da constituição do sujeito
egípicio, a partir da cultura material e levando-se em conta o gênero enquanto recurso teórico
metodológico.
Referências:

SILVA DA, R, Thais. XXXII Ciclo de Debates em História Antiga - Cidadanias e Liberdades
- 3º dia. You Tube, 22/09/22.

Você também pode gostar