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A EFICÁCIA DO TRIVIUM E DO QUADRIVIUM COMO MÉTODOS DE

ENSINO UTILIZADOS NA IDADE MÉDIA


Welton Pereira de Mendonça1

RESUMO: Em boa parte da história, o professor era respeitado em sala de


aula e conseguia educar os alunos de forma satisfatória, oferecendo aos
educandos uma formação em totalidade. O que se vê hoje como educação
está mais próximo de “Ensino”, pois a educação deve ser verdadeiramente
voluntária e ninguém pode ser forçado a ensinar ou a aprender. O sistema de
ensino, displicentemente, às vezes, permite que o professor dê a aula que bem
entender, já que está preocupado apenas com as formalidades do processo de
ensino (currículo, carga horária), etc. O triviun e o quadrivium são instrumentos
de educação, englobando as sete artes liberais; portanto, um conjunto de sete
habilidades que se desenvolveram ao longo de centenas de anos, contendo
bases platônicas, aristotélicas, elementos agostinianos do início da era cristã e
contribuições de Severino Boécio – pensador cristão. As três vias do trivium
são associadas à mente humana, ou seja, a retórica, a gramática, e a lógica,
sendo o triviun a conjugação dessas três habilidades. O quadriviun tratava das
artes das coisas, ou seja, a aritmética, a geometria e a astronomia. As três
artes do triviun estão associadas à mente enquanto as quatro artes do
quadriviun estão associadas às coisas.

Palavras-chave: educação, ensino, métodos.

INTRODUÇÃO

Hodiernamente, é fato inconteste que a educação está em descompasso


com o aprendizado dos alunos, não só no Brasil, mas no mundo todo.
Inúmeros teóricos se aventuraram na tarefa de estudar a realidade e propor
métodos de ensino que seriam eficazes, dos quais poderíamos elencar várias
páginas, entretanto, até a atualidade, nenhum conseguiu alavancar a educação
de forma satisfatória. O que se vê, de forma geral, são alunos agressivos e
desinteressados em companhia de professores despreparados e desmotivados
com o processo de ensino-aprendizagem. Há quem diga que o sistema
educacional brasileiro esteja praticando a chamada “Pedagogia do Fingimento”,

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Aluno do curso de Licenciatura Plena em Letras - Habilitação em Português e Literaturas de Língua
Portuguesa na Universidade Federal de Uberlândia – UFU. Email: wpm31@hotmail.com

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abordada por Hamilton Werneck em sua obra “Se você finge que ensina, eu
finjo que aprendo”.
Os índices que aferem a qualidade da educação demostram que a
fragilidade vivenciada pela educação brasileira é expressiva, principalmente no
que se refere à educação básica. As disciplinas de matemática e português são
as que mais sentem os reflexos da deficiência na formação, o que se demostra
com adolescentes ingressando no ensino superior sem conseguir realizar
cálculos simples ou escrever um texto com coerência e coesão. Em busca de
reverter esse cenário, órgãos responsáveis pela oferta da educação tentam
inúmeras propostas para que a educação se torne, de fato satisfatória, evitando
a formação dos chamados “analfabetos funcionais”.
Na história mundial, mais precisamente na idade média, a utilização do
trivium e do quadrivium como métodos de ensino foram utilizados com
resultados satisfatórios. Englobando as sete artes liberais, esses instrumentos
educacionais ofereciam um conjunto de habilidades que se se propunham
desenvolver o educando de forma integrada. As três artes do triviun estão
associadas à mente enquanto as quatro artes do quadriviun estão associadas
às coisas.

DESENVOLVIMENTO

Ao se analisar o contexto educacional e voltar o olhar para a história da


educação, verifica-se que a existência de métodos relevantes que, por motivos
variados, foram descontinuados. Em boa parte desses recortes, verifica-se que
o professor era respeitado em sala de aula e conseguia educar os alunos de
forma satisfatória. A educação era encarada com seriedade e conseguia
oferecer aos educandos uma formação em totalidade.
Nesse contexto, embasamo-nos na palestra proferida pelo Professor
José Monir Nasser quando do lançamento do livro “O Trivium”, de Miriam
Joseph 2 . Para o professor Nasser, temos que “descobrir quando foi que

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JOSEPH, Miriam. O Trivium: as artes liberais da lógica, gramática e retórica: entendendo a natureza e a
função da linguagem. São Paulo: É realizações, 2008.

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perdemos a educação”. Ressalta que a educação “é uma espécie de tesouro
que enterramos em algum lugar, como um cachorro enterra um osso,
entretanto perdemos o mapa do local onde enterramos a educação”.
O padre Irlan Ilite, de naturalidade sérvia, nascido na Áustria, escreveu
um livro chamado “Um mundo sem escolas”3, cuja obra fez muito sucesso na
década de 1970. Para o padre, não é necessário ter escolas. Para que a
educação ocorra, basta que quem queira aprender se encontre com quem quer
ensinar, sendo que o que temos hoje como educação não é educação,
chegando próximo a algo chamado “Ensino”. O padre, portanto, faz uma
ruptura entre o conceito de Educação e Ensino, afirmando que a educação tem
que ser verdadeiramente voluntária e que ninguém pode ser forçado a ensinar
ou a aprender.
Para o padre Irlan, é necessário destruir a pseudo equação de que
ensino é igual à educação. O que se chama de ensino é, na verdade, uma
verdadeira metodologia de distribuição de valores sociais. Trata-se de um local
onde se distribui, para algumas pessoas, uma quantidade de privilégios que
podem servir depois para diversos fins, inclusive profissionais. O ensino
moderno é uma forma de separar as pessoas em uma perspectiva diferente,
por isso, todo debate quanto à qualidade de ensino é vazio, pois trata-se
apenas de um assunto de promoção social.
Nesse sentido, Irlan Ilite deixa claro que os currículos das escolas não
conseguem educar ninguém, já que o sistema de ensino, de forma displicente,
às vezes permite que o professor dê a aula que bem entender, pois está
preocupado apenas com as formalidades do processo de ensino (currículo,
cumprimento de carga horária), etc. O ensino é absolutamente irrecuperável. O
tamanho do problema do ensino está acima das soluções possíveis. Encontrar
alguém que queira de fato dar aula é um investimento enorme. Por isso se
contenta com a “farsa” geral chamada de “ensino”.
Uma solução para corrigir o triste cenário atual, para o professor Nasser,
estaria no “retorno ao passado”, bebendo nas fontes do trivium e do
quadrivium. O triviun e o quadrivium são instrumentos de educação,

3
ILLICH, Ivan. Sociedade sem escolas: trad. de Lúcia Mathilde Endlich Orth. Petrópolis, Vozes, 1985.

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englobando as sete artes liberais. Há uma liberdade intrínseca no estudo
desses assuntos, já que se trata de conhecimentos livres e o educando só os
obtem se realmente quiser. É um conjunto de sete habilidades que se
desenvolveram ao longo de centenas de anos, contendo bases platônicas,
aristotélicas, elementos agostinianos do início da era cristá e contribuições de
Severino Boécio – pensador cristão. O trivium e o quadrivium foram se
desenvolvendo até o dia 25 de dezembro do ano 800, quando Carlos Magno é
coroado imperador e manda fazer uma escola que utilizava o Triviun com
instrumento de educação.
No século XII, houve o desenvolvimento da escolástica, graças às sete
artes liberais do trivium e o quadrivim. São três artes ligadas ao triviun (3 vias)
e quatro ligadas ao quadrivium (4 vias). As três vias do trivium são associadas
“à mente humana”. É a habilidade de falar, englobando a retórica, a gramática,
e a lógica. O triviun é, portanto, a conjugação dessas três habilidades, ao
passo que o quadriviun tratava das “artes das coisas”, englobando a aritmética,
que lida com o número descontínuo e discreto; a música e sua aplicação; a
geometria que lida com o número contínuo e a Astronomia e sua aplicação.
São as quatro artes associadas ao mundo das coisas que está em torno da
pessoa. Assim, as três artes do triviun estão associadas à mente enquanto as
quatro artes do quadriviun estão associadas às coisas:

O trivium inclui aqueles aspectos das artes liberais pertinentes


à mente, e o quadrivium, aqueles aspectos das artes liberais
pertinentes à matéria. Lógica, gramática e retórica constituem o
trivim; aritmética, música, geometria e astronomia constituem o
quadrivium. A lógica é a arte de pensar; a gramática, a arte de
inventar símbolos e combiná-los para expressar pensamento; e
a retória, a arte de comunicar pensamento de uma mente a
outra, ou de adaptar a linguagem á circunstância. A aritmética,
ou teoria do número, e a música, uma aplicação da teoria do
número (a medição de quantidades discretas em movimento),
são as artes da quantidade descontínua ou número. A
geometria, ou teoria do espaço, e a astronomia, uma aplicação
da teoria do espaço, são as artes da quantidade conínua ou
extensão. (JOSEPH, 2008, p. 27).

Para crianças com idade até os 14 anos não existia educação na Idade
Média. Foi nessa época que se produziu, sem centralização, inúmeras obras à

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humanidade e também as catedrais góticas e a escolástica; daí o grande
respeito à Idade Média. Quanto ao acesso à educação, há uma controvérsia
sobre o assunto na Idade Média: As meninas eram quem mais buscava a
eduação, ao contrário dos meninos que preferiam esporte de espadas, exceto
aqueles que pretendiam serem padres. Somente os interessados em aprender
iam às escolas, que naquela época eram associadas às universidades.
O trivium e o quadrivium, no sentido moderno de artes, se referem às
artes liberais, e não às artes clássicas contemporâneas. “Artes pelas artes” é
quando se estuda filosofia para entender filosofia, raríssimo em nossa cultura,
já que associamos a ideia de que a formação universitária esteja relacionada a
alguma oportunidade de emprego. Estudar algo pelo único objetivo de estudar
é uma atividade estranhíssima no contexto brasileiro. O trivium e o quadrivium
fogem disso porque o estudo não está relacionado diretamente a emprego.
Para o professor Nasser, as pessoas que se formavam à luz do trivium e
do quadriviun tinham um grau maior de consciência da realidade. Os regimes
de ensino atuais não conseguem conceber educação e sim diplomar o
estudante, homologando publicamente uma espécie de conhecimento para que
a pessoa exerça uma profissão. Quem frequenta uma escola atualmente, o faz
não para obter conhecimento, e sim para obter habitlitação para exercer uma
profissão. É uma forma de diminuir o número de candidatos para determinada
vaga. Quem não o vencer, fica prisioneiro de um degrau inferior.
Nesse contexto, ensino e educação realmente não é a mesma coisa. O
triviun é hierarquicamente anterior ao quadriviun. Saber as artes do triviun torna
o ser humano mais completo, capaz de executar suas competências. Fazendo
o triviun, fica mais fácil entender as artes do quadriviun. Quem chegava até o
final dos estudos, depois de passar pelas sete artes liberais, recebia o título de
mestre e poderia seguir para as artes liberais superiores, que na idade média,
se reduzia ao Direito Canônimo, a Teologia e a Medicina. As artes liberais,
naquela época, era um doutorado. Por isso, ainda hoje, há referência a
médicos e advogados como “doutores”. As demais áreas não eram chamadas
de doutores, como por exemplo, a Arquitetura que não era uma profissão
liberal, sendo uma espécie de “Coorporação de Ofício”. As profissões geradas

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em coorporações de ofício não são liberais e o profissional se torna prisioneiro
da coorporação. Já o médico e o advogado não possuem essas vedações.
Portanto, quem fazia as “Artes Superiores Liberais” saiam com o título de
doutores.
Nunca foi possivel universalizar o trivium como tipo de educação. Nunca
se imaginou ser universal com idêntica competência e qualidade. A primeira
condição para entender o triviun é não ligá-lo ao sistema de ensino, vinculado
aos órgãos de educação. É algo que depende unicamente do desejo de
participar daquilo como um patrimônio que a pessoa recebe, independente de
retorno, certificação. A segunda condição é a vontade, o desejo livre de obter a
formação. Comênius é o responsável por transformar o Triviun e o Quadriviun
em uma escola universal.
O conceito de educação como arma revolucionária e educação cidadã
foi responsável por acabar com a educação de fato, fundamentada no trivim e
no quadrivim. A educação moderna é um conjunto de modismos considerados
corretos, aplicados a todos de forma indistinta, à custa de uma redução brutal
da qualidade da educação. A Educação nas sete artes liberais que era como
uma viagem feita por “viajantes desejosos” se tranformou na barbaridade
chamada educação moderna. Os professores do ensino médio, de forma geral,
são praticamente analfabetos, incapazes de fazer as operações intelectuais
mais simples. A educação contemporânea contempla todas as metodologias
anti trivium e anti quadrivium.
A maior experiência de reestruturar o trivium no século XX aconteceu
por iniciativa da Irmã Miriam Joseph em uma universidade católica americana.
Todos os alunos passavam pela experiência de aprender a pensar por um ano,
e foi a única tentativa conhecida ocorrida no século XX. Foi a maior experiência
de reconstruir a universidade moderna à luz do trivium, com a retomada da
leitura dos clássicos. Alguns alunos pensam que “ser um bom aluno
universitário” é ficar fazendo objeções cretinas em torno de bobagens,
polemizando qualquer coisa que se diga. Os alunos deveriam aprender como
pensar direito. O trabalho é uma metodologia de organizar a mente e criar uma

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estrutura de organização, tornando as pessoas bem mais preparadas para lidar
com o mundo das ideias.
Em suma, o professor Nasser afirma que a degradação intelectual é
muito pior que a degradação financeira, rapidamente perceptível, já que a
degradação intelectual é totalmente indolor. Há limites para a inteligência, mas
para a burrice não. O trivium e o quadrivium são instrumentos para isso. Os
critérios para que a mente continue pensando são sempre muito exigentes.
Cícero já dizia que a cultura é o equivalente ao cultivo do campo, sendo que da
mesma forma que cultiva o campo, cultiva-se também a mente.

CONCLUSÃO

As discussões acerca do trivium e do quadrivium como métodos de


ensino assumem relevância atualmente em um cenário de desmotivação frente
à banalização com que o ensino-aprendizagem se tornou. A educação para as
massas, indubitavelmente é a responsável pelas fragilidades verificadas nas
avaliações realizadas no ensino.
Não se trata de um saudosismo e de uma vontade exagerada de voltar
ao passado. O que a metodologia do trivium e do quadrivium deixa para o
campo educacional moderno é encarar o educando como responsável pelo seu
próprio aprendizado.
Necessário se faz realizar investimentos tanto na formação dos
professores quanto nas estruturas disponibilizadas às escolas. Em um mundo
tecnológico e globalizado, as ferramentas educacionais assumiram um papel
importantíssimo. Entretanto, o professor, conduzindo o aprendizado dos alunos
deve ser levado em consideração.
Turmas lotadas e professores despreparados e desmotivados
corroboram para os resultados ruins que se apresentam. É necessário, como
afirma o professor Nasser, que haja vontade de aprender por parte do
educando e vontade de ensinar por parte do educador. Ao conjugar esses
interesses, somados a metodologias ativas e inovadoras, haverá dado um

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grande passo para uma educação de qualidade e que forme o educando de
maneira integral.

REFERÊNCIAS
ILLICH, Ivan. Sociedade sem escolas: trad. de Lúcia Mathilde Endlich Orth.
Petrópolis, Vozes, 1985.
JOSEPH, Miriam. O Trivium: as artes liberais da lógica, gramática e
retórica: entendendo a natureza e a função da linguagem. São Paulo: É
realizações, 2008.
MARTINEAU, John. Quadrivium - As quatro artes liberais clássicas da
aritmética, da geometria, da música e da cosmologia. São Paulo: É
realizações, 2014.
MCLUHAN, Marshall. O trivium clássico: o lugar de Thomas Nashe no
ensino de seu tempo. São Paulo: É Realizações, 2012.

Consultas eletrônicas
NASSER, José Monir. Palestra sobre o livro “O Trivium”, de (Miriam Joseph),
publicada no canal youtube (https://www.youtube.com/watch?v=nVpgvUQIYXo)
em 28 de novembro de 2012 e acessada em 17/06/2016.
TOLEZANO, Vicente do Prado. Palestra sobre as disciplinas do trivium – Aula
1, publicada no canal youtube
(https://www.youtube.com/watch?v=dGqkxPIPvH4) em 1 de setembro de 2014
e acessada em 17/06/2016.
TIRAPANI, Cassiano. Palestra sobre Educação e Liberdade - O Trivium e a
Educação Clássica, publicada no canal youtube
(https://www.youtube.com/watch?v=sZ221GYdJhA), publicado em 1 de agosto
de 2015 e acessada em 17/06/2016.

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