Você está na página 1de 9

SOC DE DURKHEIM

REPRODUÇÃO E DIFUSÃO NÃO AUTORIZADA

Introdução

Émile Durkheim é considerado o fundador da sociologia na França e o criador de


um paradigma sociológico, frequentemente qualificado de “holismo”, cuja validade e a
pertinência foram, por diversas vezes, objeto de um intenso e controvertido debate e de
inúmeros trabalhos de grande qualidade. O presente livro é concebido com o objetivo de
apresentar as contribuições de Durkheim que passaram a fazer parte dos clássicos da
sociologia.
Deste modo, aqui, foi adotada uma abordagem centrada em torno das
contribuições teóricas do autor. Isto quer dizer que o núcleo central desta apresentação
localiza-se no estudo dos elementos que constituem a teoria da socialização que
Durkheim, ao longo de suas diversas obras, e não sem inflexão, utiliza para definir as
características de um grupo social. A vantagem que há de fazer convergir a apresentação
sobre um tema transversal comporta dois limites. Por um lado, não há uma continuidade
entre as quatro grandes obras de Durkheim1. Contudo, os argumentos essenciais serão
apresentados concomitantes à argumentação temática: os capítulos I e IV para Da Divisão
do Trabalho Social; os capítulos III e V para As Regras do Método Sociológico; os
capítulos IV e V para O Suicídio e o capítulo VI para As Formas Elementares da Vida
Religiosa. Por outro, a abordagem transversal pode criar a imagem de uma falsa
continuidade, encobrindo as hesitações do autor, as incertezas e dificuldades da obra. Para
contornar tal perigo, quando os principais temas da obra forem apresentados, nós
indicaremos os problemas levantados por tal ou qual aspecto relevante da reflexão
durkheimiana.
Os três primeiros capítulos apresentam, na sequência, a pessoa de Durkheim
(Capítulo I), sua problemática e sua evolução (Capítulo II) e o método específico que ele
propôs para estudar os fatos sociais (Capítulo III). Após o estudo da teoria da socialização
(Capítulo IV) e aquele da relação entre a ciência e a ação (Capítulo V), voltamos nossa
atenção para os fatos morais e religiosos, que tanto preocupam Durkheim (Capítulo VI).
Finalmente, são examinados o impacto da obra de Durkheim e a trajetória da escola
durkheimiana no início do século XX.
Procedendo assim, esperamos descrever o sociólogo da mesma maneira como ele
mesmo o fez de Rabelais na pedagogia: “É uma consciência mais ampla, mais sensível,
mais esclarecida que as consciências médias, e contra a qual as aspirações ambientes vêm
chocar-se com mais força e clareza” [1904-1905, in Durkheim 1938, 209].

                                                                                                                       
1
Trata-se, em relação à ordem de suas publicações, dos quatro seguintes livros: Da Divisão do Trabalho
Social, As Regras do Método Sociológico, O Suicídio e As Formas Elementares da Vida Religiosa.
Para efeito de simplificação, quando citados, eles serão designados pelas abreviações: [DT], [R], [Su] e
[FE]. As outras referências entre colchetes fazem menção do nome do autor e da data de publicação da
obra; quando for o caso, duas datas podem ser mencionadas: a primeira indica a data em que foi escrito e a
segunda indica a data de publicação da obra utilizada e citada na bibliografia. Estas referências remetem à
bibliografia no final da obra.

1
I – Émile Durkheim: 1858 – 1917

A Obra Escrita e o Ensino

David Émile Durkheim nasce em 15 de abril de 1858, em Épinal; ele é o quarto


filho de uma família judia tradicional de condição modesta. Seu pai é rabino – desde pelo
menos 1830, os Durkheim são rabinos em Épinal -, mas o jovem David Émile, ainda que
encaminhado para esta função, jamais segue os estudos da escola rabínica.
Ele revela-se um brilhante aluno no colégio de Épinal e é aprovado sem
dificuldade em seus dois baccalauréats2 (Letras, em 1874, e Ciências, em 1875). Em
seguida, prepara-se para o exame da École Normale Supérieure, em Paris, onde só é
aprovado na terceira tentativa, em 1879. Aí, em companhia de colegas que terão um futuro
brilhante (Henri Bergson, Jean Jaurès, com o qual estabelece uma estreita amizade), ele
acompanha os cursos (notadamente aqueles dos filósofos neo-kantianos Charles
Renouvier e Émile Boutroux e dos historiadores Gabriel Monod e Numa Fustel de
Coulanges) que marcarão o espírito deste aluno estudioso, apelidado “o metafísico”. Ele
obtém a agrégation3 de filosofia, em 1882, passando a ensinar esta matéria nos Liceus de
Sens (1882-1884), de Saint-Quentin (1884-1885) e de Troyes (1886-1887).
Em 1885, ele obtém uma bolsa de estudos que lhe permite, como muitos outros,
fazer um estágio na Alemanha, onde ele entra em contato com um meio universitário que,
naquele momento, tem uma grande reputação, particularmente com o laboratório de
psicologia de Wilhelm Wundt. Em seu retorno, em 1886, ele redige uma série de artigos
sobre as Ciências Sociais e sobre o ensino da Filosofia na Alemanha, algo que chama
muito atenção. Em 1887, graças ao apoio de Louis Liard, diretor de Ensino Superior, ele
é nomeado professor da cátedra Ciência Social e Educação na Faculdade de Letras de
Bordeaux. Esta nomeação ocorre no momento em que se operam modificações na
Universidade francesa, que visam a mudança de seu status com a introdução progressiva
dos novos saberes que representam as diferentes ciências sociais.

OS PRINCIPAIS CURSOS DE DURKHEIM


NA FACULDADE DE LETRAS DE BORDEAUX
(1887 – 1902)
Soli- Fisio- Socio- His-

dariedade Família Suicídio logia: logia Reli- Socia- tória Psico- Peda-
gogia
social direito crimi- gião lismo da logia

e nal socio-
costumes
logia

                                                                                                                       
2
Exame nacional francês que permite o acesso ao ensino superior. (N.T.)
3
Concurso público que habilita para o ensino no nível médio e superior. (N.T.)

2
1887-1888 1887-1888

1888-1889 1888-1889

1889-1890 1889-1890

1890-1891 1890-1891

1891-1892 1891-1892

1892-1893 1892-1893 1892-1893

1893-1894 1893-1894

1894-1895 1894-1895

1895-1896 1895-1896

1896-1897 1896-1897

1897-1898 1897-1898

1898-1899 1898-1899

1899-1900 1898-1900

1900-1901 1900-1901

1901-1902 1901-1902

Fonte: S. Lukes [1973, apêndice C]


Neste mesmo ano, Émile Durkheim casa-se com Louise Dreyfus. O casal, com
seus filhos Marie e André, segundo o relato de Marcel Mauss, sobrinho de Durkheim,
passa a imagem exemplar da família feliz. Para Durkheim, o período de Bordeaux, que
vai de 1887 a 1902, é marcado por uma intensa atividade de ensino e de produção
intelectual. Ele leva muito a sério sua docência, tanto de ciência social como de
pedagogia, ao mesmo tempo em que exerce uma influência intelectual notável sobre
alguns de seus colegas (como o jurista Léon Duguit, o historiador Camille Jullian ou o
filósofo Octave Hamelin). Mas, sobretudo, é nesse período que Durkheim publica três de
suas grandes obras no curto espaço de 1883 a 1887 (Da Divisão do Trabalho Social,
1893; As Regras do Método Sociológico, 1895 e O Suicídio, 1897) e cria sua revista,
L’Année Sociologique, cujo os doze volumes são publicados, de 1898 a 1913, por um
grande editor do momento, Félix Alcan.
 
A  obra  de  Durkheim  
 
Pode-­‐se  agrupá-­‐la  sob  quatro  linhas:     postumamente   [in   Durkheim,   1925,  
1)   As   quatro   obras   publicadas   em   vida   1928,  1938,  1950,  1955];  
[Durkheim,  1893,  1895,  1897,  1912];     4)    Um   grande   número   de   artigos   e   de  
2)   As   seis   “dissertações   (mémoires)   intervenções   em   debates,   ao   qual   se  
originais”   publicados   no   L’Année   junta   um   número   ainda   maior   de  
Sociologique  [in  Durkheim,  1969];   resenhas   de   obras   publicadas   (282,  
3)   Alguns   cursos,   ministrados   em   mais   216   pequenas   notícias)   no  
Bordeaux   ou   em   Paris,   publicados   L’Année   Sociologique   [in   Durkheim,  
1922,  1924,  1969,  1970,  1975].
 
 
Em 1902, como suplente, Durkheim é nomeado para a cátedra de Ciência da
Educação, na Sorbonne, cujo titular é Ferdinand Buisson; ele torna-se titular, em 1906,
da referida cátedra e, em 1913, consegue autorização para que sua denominação seja

3
mudada para “ciência da educação e sociologia”. Suas inúmeras atividades, editoriais (no
L’Année Sociologique), administrativas e de pesquisa, o levam, em comparação ao
período de Bordeaux, a variar menos os temas de seus cursos; não obstante, pode-se
ressaltar novos cursos, como aqueles sobre a história do ensino escolar na França [1904
– 1905, in Durkheim, 1938] ou sobre a relação entre a filosofia pragmática e a sociologia
[1913 – 1914, in Durkheim, 1955]. Em 1912, ele publica sua última grande obra: As
Formas Elementares da Vida Religiosa.
Com a guerra, as atividades da equipe durkheimiana - dispersada seja no front,
seja no Ministério da Armada, este confiado a Albert Thomas – e de Durkheim são
momentaneamente suspensas. Com o objetivo de contrabalançar a propaganda alemã,
Durkheim organiza um comitê para a publicação de estudos e documentos sobre a guerra;
ele próprio redige um e colabora em outros dois [Durkheim, 1915a, 1915b, 1916]. No fim
do ano de 1916, em razão de se encontrar doente, ele pára todas suas atividades. A morte
de seu filho André, no front sérvio, lhe causa um golpe muito duro. Contudo, ele retoma
o seu trabalho e começa a redigir o início de “sua moral”, como ele falava para Mauss.
Ele morre em 15 de novembro de 1917. Além destas informações gerais, o livro
monumental de Marcel Fournier contém tudo que o que é possível saber sobre a vida de
Durkheim.

A Atividade Social e Política


Ao lado desta intensa atividade acadêmica, Durkheim não se encontra implicado
diretamente no mundo social senão em certas ocasiões precisas, sem jamais ultrapassar o
limiar de um engajamento político, ainda que suas afinidades pessoais o conduzam em
direção ao socialismo.
Desde 1896, Durkheim passa a participar das fileiras dos dreyfusistas, isto é,
daqueles que, convencidos da improcedência das acusações levantadas contra o capitão
Dreyfus e da iniquidade da justiça militar, são partidários de uma revisão do processo.
Em 1898, ele é um membro ativo da Liga pela defesa dos direitos do homem; ele mobiliza
e anima a secção bordalesa desta associação, cuja criação está estreitamente ligada ao
Affaire Dreyfus4. Além dessa atividade de organização, ele escreve um artigo em resposta
a Ferdinand Brunetière (um antidreyfusista influente, membro da Academia Francesa), o
qual acusa os dreyfusistas de desmoralizar a França. No artigo publicado em 1898 [O
individualismo e os intelectuais, in Durkheim, 1970], Durkheim objeta com vigor: o
“culto da pessoa” – e, portanto, o respeito e a justiça que são devidos a cada um – é um
elemento essencial da consciência coletiva moderna; aqueles que o atacam desorientam a
consciência moral e põem a nação em perigo.
Ainda que ele seja ligado a Jean Jaurès – ele faria parte daqueles que o
convenceram da importância que havia de lutar a favor de Dreyfus – e ainda que inúmeros
sejam os colaboradores habituais do L’Année Sociologique que pertençam ao partido
socialista, Durkheim nunca vai além disso. Para ele, "o socialismo de classe [de um Jules
Guedes], que reduz a questão social à questão operária, é um socialismo de incultos e
rancorosos" [Durkheim, 1998, 225, carta a Mauss de julho de 1899]; e declara: "estarei
pronto para entrar no socialismo quando ampliar suas fórmulas, isto é, quando deixar de
ser um partido exclusivamente de classe" [Ibid., 226].
Para além desse engajamento, e em alguns momentos onde a questão política é de
uma atualidade extrema – por exemplo, a lei que estabelece a separação da Igreja do
                                                                                                                       
4
Affaire Dreyfus refere-se ao processo que foi movido contra o capitão de artilharia do exército francês
Alfred Dreyfus, acusado de ser espião alemão, sendo por isso condenado em 1894. A partir de 1897, quando
as irregularidades do processo começaram a ser conhecidas, inicia-se uma campanha pela sua revisão na
qual participam professores, escritores e artistas. (N.T.)

4
Estado data de dezembro de 1905 -, Durkheim dedica claramente seus esforços em favor
de um ensino laico e se ocupa da reflexão sobre as condições nas quais uma moral laica
pode substituir a moral religiosa sem que com isso haja um enfraquecimento do sentido
da obrigação moral. Este aspecto de seu pensamento, que coincide com o momento que
ele ocupa a cadeira de Ciência da Educação da Sorbonne, onde seu curso é obrigatório
para os estudantes que se destinam ao ensino, o arrasta para uma polêmica levantada por
aqueles que veem no seu ensino um perigo à tradição.

O  socialismo,  segundo  Durkheim


  Durkheim   tem   um   dos   interesses   individuais   e   egoístas   aos   fins  
acentuado   interesse   pelo   socialismo.   Ele   não   coletivos   e   morais,   é   uma   reforma   necessária.  
considera   o   socialismo   como   uma   ciência,   Em   relação   ao   socialismo,   Durkheim   propõe   a  
mesmo   o   socialismo   tendo   estimulado   a   seguinte   definição   geral:   “chamam-­‐se   teorias  
atividade   científica   e,   frequentemente,   sua   socialistas   todas   as   que   reivindicam   a   ligação  
história  se  confundido  com  aquela  da  sociologia   mais   ou   menos   completa   de   todas   as   funções  
-­‐   também   é   comum   que   as   duas   coisas   sejam   econômicas,  ou  de  algumas  dentre  elas,  mesmo  
consideradas  como  sinônimas  no  fim  do  século   difusas,   aos   órgãos   diretores   e   conscientes   da  
XIX.   Ao   invés   de   ser   uma   ciência,   o   socialismo   é   sociedade”   [1895,   in   Durkheim,   1928,   51].   Ele  
um   ideal   forjado   pela   paixão,   a   sede   de   uma   esclarece   que   o   socialismo   não   significa   que   o  
justiça  mais  perfeita,  a  dor  ressentida  por  e  pela   Estado  deve  se  ocupar  das  funções  econômicas,  
classe  laboriosa  [1895,   in  Durkheim,  1928,  37].   mas,   antes,   que   elas   não   podem   continuar   no  
Em  razão  disso,  o  socialismo  é  um  fato  social  da   seu   estado   presente   de   desorganização   e   que  
mais   alta   importância,   pois   que   exprime   o   mal   elas  devem  ser  religadas  entre  si,  coordenadas,  
coletivo  das  sociedades  modernas  desde  o  início   por  intermédio  da  ação  refletida  do  Estado.  Ele  
do   século.;   portanto,   o   socialismo   está   em   indica   ainda   que,   se   o   aspecto   econômico   é  
sintonia   com   a   modernidade   e,   sem   dúvida,   essencial  no  socialismo,  este  último  não  pode  se  
Durkheim   chega   mesmo   a   pensar   que   a   limitar   a   isso   e   as   reformas   que   ele   defende  
“socialização   das   forças   econômicas”   [1893,   in   podem  estender-­‐se  para  muito  além.
Durkheim,  1970,  233],  ou  ainda  a  subordinação  

A Formação do L’Année Sociologique

Em 1897, após longa hesitação, Durkheim cede aos apelos de Célestin Bouglé
(1870 – 1940) e se lança na criação de uma revista; esta desempenha um papel central na
relevância que passa a ter a sociologia francesa e, sobretudo, a sociologia durkheimiana.
O L’Année Sociologique, que é publicado pela primeira vez em 18985; até 1907,
cada volume era composto de dissertações (mémoires) originais e, sobretudo, de inúmeras
críticas de livros e artigos que tratam de alguns temas considerados essenciais para a
sociologia nascente. Após este ano, em virtude da carga de trabalho tornar-se muito
pesada para os colaboradores desejosos de fazerem avançar seus trabalhos pessoais, a
revista só é publicada a cada três anos e não mais apresenta dissertações (mémoires)
originais; os durkheimianos publicam, dentre outras, numa coleção criada pelo mesmo
editor da revista.
Os colaboradores com os quais Durkheim se cerca formam uma equipe de qualidade
notável: frequentemente são antigos alunos da École Normale Supérieure e quase sempre
agréges6; em graus diversos, quarenta e seis pessoas colaboram com o L'Année
                                                                                                                       
5
Após a interrupção devido à Primeira Guerra e uma efêmera reaparição entre 1925 e 1927, o L’Année
Sociologique (3ª série) volta a ser publicado após a Segunda Guerra sob os auspícios da Presses
Universitaires de France, com dois números por ano.
6
Diz-se daqueles que fazem e são aprovados na agrégation; ver nota nº 3. (N.T.)

5
Sociologique. O grupo formado não é muito homogêneo, como muitas vezes gosta-se de
dizer. Os colaboradores têm opiniões diferentes sobre o que é a sociologia e avaliam sem
complacência algumas partes da obra do próprio Durkheim (notadamente sobre As
Regras do Método Sociológico e sobre O Suicídio, que estão bem longe de ter
unanimidade). Durkheim procura ter somente uma base mínima de acordo entre aqueles
"trabalhadores", que aceitem a ideia de uma sociologia feita cientificamente, pois que se
trata, segundo ele, de diferenciar-se dos diletantes que obstaculizam o domínio dessa
ciência. O objetivo teórico que Durkheim traça para a revista é ambicioso. Sua ideia é que
"do L'Année Sociologique se origine uma teoria que, exatamente oposta ao tão grosseiro
e tão simplista materialismo histórico, apesar de sua tendência objetivista, fará da religião,
e não mais da economia, a matriz dos fatos sociais" [Carta a Mauss de junho de 1897 in
Durkheim 1998, 71 e 91].
Contudo, o objetivo explícito da revista é definido do seguinte modo: “os sociólogos têm
uma necessidade premente que é de serem regularmente informados das pesquisas que
são desenvolvidas nas ciências especiais, tais como história do direito, dos costumes, das
religiões, estatística moral, ciências econômicas, etc., pois é aí que se encontram os
materiais com os quais a sociologia deve se construir” [1898, in Durkheim, 1969, 31].
Por um lado, trata-se de garantir que o tipo de informação fornecida ao sociólogo
seja majoritariamente resultante das pesquisas que são feitas nas ciências conexas sem
que, por isso, se exponha aos riscos de permanecer nas generalidades. É necessário saber
aproveitar os materiais disponíveis para fazer avançar concretamente a ciência social; as
dissertações (mémoires) publicadas são também precisamente destinadas “a mostrar com
alguns exemplos como estes materiais podem ser trabalhados” [ibid., 34]. Por outro,
trata-se de organizar este trabalho de informação por meio de uma classificação útil à
constituição da sociologia. Durkheim dá muita importância a esta classificação; ele a vê
como uma das coisas duráveis que o L’Année Sociologique pode produzir trabalhando
“para determinar progressivamente os quadros naturais da sociologia. Com efeito, é a
melhor maneira de apresentar as pesquisas de objetos definidos e, por isso mesmo, liberar
nossa ciência das vagas generalidades onde se encontra presa. [...] Por isso não houve ano
algum que não tenhamos procurado aperfeiçoar nossa classificação primitiva” [1901, in
Durkheim, 1969, 294].

DIAGRAMA PARCIAL DA EQUIPE DO L’ANNÉE SOCIOLOGIQUE

Os tipos de traços representam a força das relações entre certos membros (aqueles que escrevem pelo menos 1% das
resenhas de livros) da equipe durkheimiana. Os números entre parênteses indicam, em porcentagem do total, a parte de

6
cada um na redação das resenhas: os membros do primeiro círculo são responsáveis por 44,1%; os do segundo círculo
por 30% e, finalmente, os do terceiro círculo por 17,8%. Estes três círculos representam, com poucas exceções, o total
dos autores dos 18 “dissertações (mémoires) originais” publicados pelo L’Année Sociologique nos seus dez primeiros
volumes (respectivamente: 12, 6 e 3 – considerando artigos redigidos em co-autorias). Fonte: P. Besnard [1983, 27 e
32].

Esta tarefa foi realizada com sucesso. Embora houvesse um pouco de negligencia com
determinadas áreas, por exemplo, como com a sociologia estética ou a sociologia política
(ver quadro), mesmo assim elas se faziam presentes numa época onde não apresentavam
nenhuma expressão na paisagem universitária ou intelectual. O L’Année Sociologique,
provavelmente, propiciou o encontro de um dos mais prestigiosos grupos de sociólogos
jamais reunidos em torno de uma obra comum [L. Coser, Master of Sociological
Thought, 1971]; é por isto que, numa carta que escreve a Bouglé, em junho de 1900,
Durkheim mostra-se tão orgulhoso: “Com efeito, considere que é o primeiro grupo deste
gênero a se organizar, onde há uma divisão do trabalho e uma cooperação verdadeiras.
Portanto, se durarmos, seremos um bom exemplo; também este é o melhor meio de
preparar a atividade sociológica e de a estimular” [in Besnard, 1976, 174]. Esta carta de
Durkheim a Bouglé indica o caráter “estratégico” da revista, pois a sociologia mantinha-
se como um saber marginal e contestado no ensino superior; sua institucionalização
marcava passo. O sucesso da revista fornece a Durkheim e aos durkheimianos o meio de
provar, pelo trabalho realizado em torno de uma definição precisa do objeto da ciência,
de seu método e de seus resultados, a realidade da sociologia.
Este sucesso não deve obscurecer, todavia, o fato de que a sociologia, na França,
mantém uma condição precária na Universidade e que os próprios durkheimianos
continuam marginais, mesmo eles ocupando antes da Primeira Guerra, ou mesmo entre
as duas grandes guerras, postos intelectualmente prestigiosos na École Pratique des
Hautes Études – Hubert e Mauss, 1901; Simiand, 1911 – e no Collège de France – Mauss,
1931; Simiand, 1933; Halbwachs, 1944 – [Karady, 1976; Cuin et Gresle, 1992, t. 1].

A CLASSIFICAÇÃO DAS MATÉRIAS SOCIOLOGICAS


NO L’ANNÉE SOCIOLOGIQUE
(Voume 12, Alcan, 1913)
 
I.  Sociologia  Geral   7.   Crenças  e  práticas  ditas  populares;  
1.   Concepção   geral   da   sociologia,   8.   Crenças   e   ritos   concernentes   aos  
metodologia;   mortos;  
2.   Tratados   gerais,   questões   gerais   9.   A  magia;  
diversas;   10.  O  ritual;  
3.   Psicologia  coletiva;   11.  Objetos  e  lugares  de  culto;  
4.   Condições   sociológicas   do   12.  Representações  religiosas;  
conhecimento;   13.  As  sociedades  religiosas,  seu  direito  
5.   Civilizações  e  tipos  de  civilizações.   e  sua  moral;  
   
II.  Sociologia  Religiosa   III.  Sociologia  Moral  e  Jurídico  
1.   Tratados  gerais,  filosofia  religiosa;   1.   Da  moral  e  do  direito  em  geral;  
2.   Sistemas   religiosos   das   sociedades   2.   Sistemas  jurídicos;  
inferiores;   3.   A   organização   doméstica   e  
3.   Sistemas  religiosos  nacionais;   matrimonial;  
4.   Sistemas  religiosos  universalistas;   4.   A   organização   dos   grupos  
5.   Sistemas   religiosos   dos   grupos   secundários;  
secundários;   5.   Organização  política;  
6.   Cultos  especiais;   6.   O  direito  de  propriedade;  

7
7.   Direito   contratual,   direito   das  
obrigações;  
8.   Direito  penal;  
9.   A   organização   judiciária   e   a  
processual;  
10.  O  direito  internacional.  
IV.  Sociologia  Criminal  e  a  Estatística  Moral  
1.   Da  estatística  moral  em  geral;  
2.   Nupcialidade,  divórcios;  
3.   Da  criminalidade  em  geral;  
4.   A  criminalidade  conforme  os  países  
e  as  confissões  religiosas;  
5.   A  criminalidade  conforme  a  idade  e  
o  sexo;  
6.   Formas  diversas  da  criminalidade  e  
da  imoralidade;  
7.   O  sistema  repressivo;  
 
V.  Sociologia  Econômica  
1.   Estudos  gerais,  método;  
2.   Sistemas  econômicos;  
3.   Tipos  de  produção;  
4.   Regimes  da  produção;  
5.   Formas  da  produção;  
6.   Valor,  preço  e  moeda;  
7.   Classes   econômicas   (da  
distribuição);  
8.   Órgãos  da  distribuição;  
9.   Morfologia  da  distribuição;  
10.  Elementos  da  distribuição;  
11.  Relações   entre   os   fenômenos  
econômicos  e  os  fenômenos  sociais  
de  outras  categorias;  
12.  Economias   especiais,   agrícola,  
comercial  e  industrial.  
 
VI.  Morfologia  Social  
1.   Bases  geográficas  da  vida  social;  
2.   Da  população  em  geral;  
3.   Movimentos  migratórios;  
4.   Agrupamentos  humanos  e  urbanos;  
5.   A  casa.  
 
VII.  Diversos  
1.   Sociologia  estética;  
2.   A  língua;  
3.   Tecnologia

8
 

Você também pode gostar