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Romulo Fróes

A Polivox recebeu Romulo Fróes na ocasião do lançamento em vinil de seu primeiro


álbum, Calado, que marcou no Rio de Janeiro a comemoração de dez anos de carreira
do compositor e cantor.; sSeguiu-se à entrevista o show de lançamento, ambos no Pólo
de Pensamento Contemporâneo (POP), a quem agradecemos na pessoa da Ana Lúcia
Magalhães a acolhida e parceria de sempre. Além do público e dos entrevistadores
presentes, Bruno Cosentino, Eduardo Losso, Márcio Bulk e Juliano Gomes,
participaram à distância enviando perguntas Marcos Lacerda, Leonardo Lichote e Fred
Coelho. O papo girou por temas como: a canção, as artes plásticas, as parcerias com
Nuno Ramos e Clima, o ruído como elemento de música de invenção e o trabalho
coletivo como estratégia de atuação no mercado musical hoje. A entrevista é longa, de
acordo com o intuito desta seção, que tem como principal interesse a reflexão
abrangente sobre a canção brasileira e seus muitos modos de existência (estética, social
e econômica etc.) no contexto atual.
Pauta: Bruno Cosentino, Eduardo Losso, Márcio Bulk, Juliano Gomes, Marcos Lacerda,
Leonardo Lichote, Fred Coelho. Transcrição e edição: Pérola Mathias. Revisão e
edição: Camilo Frade. Ensaio fotográfico: Ana Rovati. 
A MÚSICA, A CIDADE E AS PRINCIPAIS REFERÊNCIAS
Bruno Cosentino: Vamos começar com uma pergunta mais para contextualizar mesmo,
caretinha. Queria que você começasse contando como que você chegou na música, que
caminhos te levaram a escolher a música como profissão, desde coisa de infância e tal.
Romulo Fróes: Tem quantas horas para responder minha pergunta?
Bruno Cosentino: Não, de forma sucinta.
Romulo Fróes: O lance de música, mais do que tudo, e como muita gente, tem a ver
com meu pai. Não que ele seja músico, ele é um baita cantor, canta super bem, eu tenho
uma memória dele cantando desde muito cedo e um cara muito ligado em música do
rádio. Meu pai tem o terceiro ano primário do sertão da Bahia, não é uma pessoa
escolarizada. Só que ele tinha uma relação com música muito forte, com a rádio
nacional, com o rádio mesmo. Então, desde muito cedo eu ouço Orlando silva, Jamelão,
o choro inteiro, Jacob do Bandolim, Pixinguinha, até a bossa nova – que meu pai acha
que a bossa nova acabou com a música brasileira. E o João Gilberto, apesar de ser
baiano como ele, acabou com a música brasileira. Porque ele [o pai] é o cara do Orlando
Silva, o cara do Francisco Alves, Jamelão e tal. Então tem essa ligação com a música.
Mas de talento, de dom, eu tinha dom para desenhar. Eu desenho muito bem, apesar de
não exercer mais, então minha vida acadêmica foi toda voltada para isso. Eu fiz curso
de desenho, fiz faculdade de artes plásticas e, por conta desse processo todo – eu acabei,
eu era pintor – eu fui trabalhar com o Nuno Ramos, ser assistente dele na bienal de
1994. Era um percurso razoavelmente claro na minha vida. Paralelamente a isso tinha
bandas de colégio, cheguei a lançar dois discos com uma banda que chamava “Losango
Cáaqui”, em homenagem ao Mário de Andrade, que eu musiquei o “Lembranças do
Llosango Ccáaqui”, daí o nome da banda. Era muito ruim, um sub legião urbana, com
letras muito ruins. Não existia internet, então ninguém sabe disso. Mas era uma coisa
muito banda do colégio, gravei o disco em casa e tal. Meu lance era artes plásticas. Mas
trabalhando com o Nuno, a coisa deu uma virada, deu uma assustada. Não é assustada,
mas eu comecei a achar que eu não tinha uma voz muito forte em artes plásticas. Eu era
habilidoso, eu desenhava muito bem, pintava muito bem, mas era pouco original. E aí
eu estava trabalhando com ele, fazendo as paradas com ele, de certa forma eu exercia
meu talento, e a coisa da música que estava sempre do lado, eu comecei a perceber que
tinha, apesar de ser muito mais deficiente e não ter domínio. Eu sou até hoje um
instrumentista ruim, eu nunca virei um grande instrumentista, mas apesar disso eu tinha
facilidade de compor e compunha coisas interessantes, que não eram muito comuns. Até
pela ignorância, por não saber fazer o correto, eu fazia coisas inusitadas. Essas duas
coisas acabaram acontecendo ao mesmo tempo que eu ia vendo que em artes plásticas
não tinha muito com o que contribuir, mas eu estava me satisfazendo trabalhando com
artes plásticas, e eu percebi que com música talvez rolasse algo. Então foi isso, assim.
Tem uma inversão de coisas: para o que eu era vocacionado, acabou não rolando, que
era desenhar, ilustrar. E para o que eu tinha dificuldades técnicas, mas tinha facilidade
de criação, o que acabou rolando foi a música. E meu pai é muito importante nisso, a
coisa de gostar de música. Aliás, ele tentou colocar eu e meu irmão numa escola, ele
quis que a gente estudasse, a gente é que não quis. Faltou insistir um pouco, mas logo
cedo ele queria que a gente tocasse, porque ele tinha esse desejo mesmo, ele tinha esse
contato – tinha não, tem esse contato com música. Ele canta muito bem. Eu falo que
minha lembrança musical mais antiga de todas é meu pai cantando “Aos Pés da [Santa]
Cruz”. Eu nunca esqueço disso, ele lavava louça e sempre lavava com essa música, sei
lá porque. Isso era bom para lavar louça.
Bruno Cosentino: E você é paulistano mesmo?
Romulo: Sim, filho de um baiano com uma mineira.
Bruno Cosentino: Eu quero saber o que do teu som tem de São Paulo, o quanto a cidade
determinou, de alguma maneira, o seu som. E onde se pode perceber isso.
Romulo: Eu acho que tudo. E, dentro de São Paulo, ainda tem uma subdivisão que são
as artes plásticas. O meio onde eu vivi minha vida inteira e onde eu produzi meus discos
todos, que foi o mundo das artes visuais, das artes plásticas, e não o da música. Até eu
conhecer meus amigos de agora eu não tinha uma formação, uma entrada no mundo da
música. Porque, repetindo, eu não sou um bom instrumentista, então eu não vivia de
música, começa daí. Minha música autoral estava longe de rolar e eu não era um
instrumentista para ficar tocando com as pessoas, então eu vivia nas artes plásticas,
pegava meu dinheiro nas artes plásticas e bancava os meus discos. E São Paulo, dentro
desse mundo... a coisa mais clara do meu trabalho, vai ser um clichê de São Paulo, é a
coisa intelectual, é a coisa do pensamento racional. Acho que São Paulo tem isso, é uma
cidade racional. A música que vem de são Paulo, de modo geral, até o Vanzolini. Até
não, né. Principalmente, porque o cara era cientista, mas fazia samba. O Adoniran, que
supostamente seria alguém mais... é muito complexo, também, um cara muito sem
lugar, muito esquisito. Para não falar de Itamar, para não falar da vanguarda, da coisa
toda. E então acho que tem essa coisa dura, sem suingue, racional, que no meu caso é
ainda amplificada pelas artes plásticas. Quando eu conheci essa galera que eu toco hoje,
numa das primeiras vezes, primeiros ensaios que eu pedia coisas, eles acharam um jeito
de traduzir o que eu queria, porque era sempre assim: pô, faz um lance, um som, era
sempre uma referência visual, ou eu pedia para desafinar o instrumento, ou eu pedia
para tocar o instrumento de um jeito que não era para ser tocado e aí foi aquela coisa de
artes plásticas. Então até hoje eles falam que é artes plásticas, não é música, e isso virou
uma espécie de um código. Então falo que queria fazer um troço, começar o disco desse
jeito (fora do tom), e aí eles falam: “ah tá, artes plásticas, tá bom”. Acho que é isso, tem
muito a ver, eu não faria a música que eu faço se eu vivesse aqui no Rio, por exemplo.
Márcio Bulk: Falando de artes plásticas e música, me remetendo à questão,
principalmente nos últimos tempos, muito forte que tem a música com as artes plásticas,
tem o Chelpa Ferro, que são todos artistas plásticos que trabalham com música
experimental, a própria ligação dos conceitos dos seus trabalhos... e a ligação da música
com o experimental, acho que é uma coisa que já rolava, mas está ficando bem claro
agora, não sei se você percebe isso.
Romulo: Eu percebo, mas no meu caso eu acho que tem uma diferença. Eu adoro o
Chelpa Ferro, eu adoro as experiências de música... o Cabelo tinha coisas muito
interessantes, o Arto Lindsay, o Domenico faz umas coisas muito legais também com
artes plásticas. E curiosamente eu nunca fiz, eu pessoalmente. É que eu faço canção, e
eu quero fazer canção popular. Então no meu caso, as artes plásticas são muito na letra.
O Clima no mundo das artes tem outro nome, Eduardo Climachauska, é artista plástico,
e o Nuno [Ramos] é artista plástico, então tem uma coisa de letra muito interessante, de
um universo muito diferente da canção brasileira. Claro que tem referências, tem
referências ao Caetano, tem referências ao Luiz Melodia, ao Waly Salomão, ao
Torquato Neto, tem uma matriz. Mas é muito diferente. As letras do Nuno e do Clima
são muito diferentes. E esse comportamento, tipo, pedir para o cara da cuíca imitar um
cachorro, em vez de tocar cuíca. Ou um cara que foi gravar meu primeiro disco, ele era
um péssimo músico e foi gravar baixo acústico com um arco, não tinha a menor
condição de gravar um baixo acústico com arco, mas ele estava lá, eu paguei ele, e
comecei a achar interessante que ele era incapaz, assim. E aí comecei a achar graça
nisso. E esse é um comportamento que um músico pararia tudo e falaria:, “poxa, um
mané que não sabe tocar, puta que pariu”, ia mandar embora. E eu achando graça num
maluco que estava lá com a sua deficiência. Ter apreço pela deficiência, ter apreço pelo
defeito, mas é sempre fazendo canção. O Barulho Feio (2014), que é meu disco mais
radical de todos, tem um comportamento bem artes plásticas nele que é até uma ação,
quase performática, que é uma gravação que eu fiz na rua. Eu andei o tempo do disco, o
disco tem 42 minutos, então andei 42 minutos, da Praça da República em direção à
Praça da Sé. Isso está escrito no encarte: áudio gravado no dia tanto de junho de 2014,
da Praça da República, etc,. eentre meio dia – isso é uma coisa muito artes plásticas, né?
E é uma ação de artes plásticas, uma cama para as canções. Então eu digo que eu faço
canção, muito interferido pela experiência que eu tive, sobretudo com o Nuno, porque
eu fui assistente dele 16 anos. O que é diferente do que faz o Chelpa Ferro, O Grivo, lá
de Belo Horizonte, e tanta gente que trabalha com artes plásticas e música. Em São
Paulo tem um cara que gosto muito, o Carlos Issa, que é uma coisa de arquitetura
sonora, eu acho legal demais. Eu gosto muito, quero fazer, mas ainda não fiz. Acho que
artes plásticas no meu caso tem muito a ver com isso, tem a ver com achar caminhos
não convencionais para a canção.

ESTÉTICAS, PARCEIROS E INDÚSTRIA CULTURAL


Bruno Cosentino: O Marcos Lacerda perguntou quais são as principais linhas de
orientação musical e estética da música mais contemporânea. Que é claro, a gente vive
esse mar de segmentos que se comunicam pouco ou mais ou menos, dependendo do
caso. Então ele pergunta isso... hip hop, música eletrônica, experimental, de improviso e
associadas a gêneros como tecnobrega, funk, etc. Em qual você se inseriria?
Romulo: Caramba.
Bruno Cosentino: Eu digo, como é que você percebe a música contemporânea, quais são
as linhas de força que estão rolando e qual o seu lugar nisso.
Romulo: É, então, eu identificar quais sejam, eu não sei se é meu papel isso. Ele já falou
um monte de coisas aí, né?
Bruno Cosentino: É, ele citou.
Romulo: Eu me incluo e me insiro na música de invenção, seja lá o que seja isso. Você
pode fazer invenção no pop... mas eu faço canção. E dentro da canção eu faço a coisa
mais esquisita que eu seja capaz de fazer. E eu frequento um grupo, faço parte de um
grupo todo que trabalha desse jeito, intencionalmente desse jeito. É difícil ficar falando
porque tudo parece autoelogio, mas é que são inventivos, são difíceis de ser rotulados,
difíceis de ser ouvidos, não é óobvio. Não é nada óbvio e é muito trabalhado, é
conquistado. A gente não faz disco por fazer, mas a gente faz disco pra cacete nesse
grupo, e a cada disco tem uma aposta nova, um desejo novo e esse desejo novo acaba
com o que veio antes ou serve para acabar com o que veio antes, que é para não se
repetir a cada trabalho. Tem uma inquietação, uma autodestruição do próprio trabalho o
tempo inteiro. Então o Passo Torto fez um disco acústico, só voz, cavaquinho e baixo
acústico, todo mundo acha lindo, fez um monte de show, então pela lógica da indústria
era para ... aí o segundo disco, pá, vira tudo guitarra distorcida. Aí a Juçara Marçal – já
tem todo um rolê lá com o Metá Metá, uma coisa de matriz africana, ela é uma diva do
palco – lança o Encarnado que é um disco sobre a morte, com guitarras zoadas e aí o
próximo... enfim, tem esse comportamento o tempo inteiro. E isso é assim, primeiro um
desejo da gente, e segundo foi uma coisa que se desenhou pela própria conjuntura. Já
que não temos gravadora, já que não temos público – no sentido de fazer um show e o
cara ficar gritando “Roda Viva”, “Canção da América”, essas coisas... no Metá até
gritam “Trovoa”, mas eles não tão nem aí – também não tem essa demanda da indústria,
é só a gente com a gente mesmo. A gente conquistou os meios de produzir a nossa
música. Consegue viver dessa música. Então a gente vai fazer do jeito mais absurdo e
mais inventivo que a gente puder. E está dando certo. É o que nos dá vontade de fazer.
Bruno Cosentino: Mas qual a relação de inventividade com esquisitice? Porque você
falou que queria fazer a coisa mais esquisita.
Romulo: Pois é, Roberto Carlos foi inventivo um dia. Ah, acho que a minha é essa, que
vem da incompetência mesmo. Já que eu não sou um grande músico, um grande
instrumentista, vou tentar... nesse caso acho que eu me aproximo muito do Tom Zé,
apesar de ele mesmo se intitular “o cara que estudou com o Koellreuter e tal”, o
discurso do Tom Zé é esse, né, o cara sem jeito que faz canção. Mas eu não sou o cara
naïf também, eu sou um cara, assim como o Tom Zé, que tem recursos intelectuais para
fazer canção. Aí o meu desejo é esse, a minha vontade é essa, de fazer as coisas
inusuais, mas sempre com o desejo de fazer canção popular também, né? Porque caras
que admiro fizeram isso. Caetano fez isso, Luiz Melodia, Macalé, Milton, todos eles
fizeram isso, só que com resultados muito maiores, muito mais grandiosos, porque são
artistas enormes, eu sou o artista do tamanho que eu sou, um artista de hoje, que tem um
tamanho de partida menor. A priori você já é um artista menor, não de qualidade, menor
de alcance, de amplitude. E talvez a esquisitice, a invenção, seja também uma forma de
lançar luz. Tem a galera do pop, da mpb, se é que existe isso ainda, e a galera dos
estranhos. A gente é chamado assim mesmo, os maluquinhos. Esses tempos estava no
estúdio, no fim do mix do Passo Torto e da Ná, e entrou uma artista, ouviu dois
segundos e disse: “os dissonantes”. E foi embora. Era isso que ela tinha para dizer sobre
nosso trabalho. Eu gostei, falei “é isso aí”. Desde a bossa nova que nós somos
dissonantes.
Márcio Bulk: E tem essa coisa da gente pegar esses termos que você falou, de esquisito,
de estranho, e terminar usando para falar da nossa música, mas no fim são termos
negativos. Mesmo que a gente esteja usando para falar de forma irônica, estamos no
fundo colocando rótulo em nós mesmos, como “ah, a gente é estranho, é freak”, que tem
um lado depreciativo, você não acha?
Romulo: Mas é que tem sempre o modelo, né? Tem sempre o big brother ali. Olha, eu
sou esquisito. Eu digo isso para minha mãe, pro meu pai, pros meus familiares. Eu acho
melhor do que “eu faço uma música de alta qualidade”, sabe? A rádio para os melhores
ouvintes. Essa coisa de eu faço uma música clássica, eu sou um cara muito elevado. Eu
acho melhor falar que eu sou um esquisitão, que tem a ver com um modelo. O Macalé é
esquisitão. O Melodia, o Tom Zé são esquisitões. O Nelson Cavaquinho era o mais
esquisitão de todos nós. Eu acho que é um pouco para se defender, e não depreciativo.
Mas isso não quer dizer que ela é inacessível, não é mesmo... aliás, andam ouvindo em
supermercados agora em São Paulo.
Márcio Bulk: Quando sua geração ganhou destaque nos cadernos culturais no eixo Rio-
São Paulo, parecia haver, pelo menos no primeiro momento, uma tênue ligação estética
entre os artistas, seja por influências em comum, ou mesmo pelo formato colaborativo
de seus trabalhos. Eu consigo ver influências da vanguarda paulistana tanto nos
trabalhos do Kiko Dinucci como no da Tulipa Ruiz. Entretanto, com o passar do tempo,
ficou claro, ao menos para mim, a formação de dois blocos. Um que se enveredou mais
para o pop, caso de Thiago Pethit, Tiê, Léo Cavalcanti, Tulipa, Pélico, etc,. e outros que
resolveram, ao seu modo, se aprofundar na canção popular brasileira, desconstruindo e
oferecendo um novo olhar sobre ela. Que seria o seu caso, juntamente com Juçara
Marçal, Rodrigo Campos, Siba, Alessandra Leão, etc. Queria que você comentasse
sobre isso e fizesse também uma pequena análise desses últimos anos de cena
paulistana.
Romulo: Tem até 3, tem até 4, 5. Mas tem de tamanho também, sei lá. Tulipa tem um
tamanho muito maior que a gente. Lá atrás talvez éramos todos do mesmo tamanho.
Tem a Céu, que é um caso muito especial, a Céu já é grande desde que nasceu. Desde
quando não era para ser grande, que ninguém era grande, a Céu já era grande. E aí tinha
o Cidadão Instigado, eu, Lucas Santtana, +2 no Rio, eram todos mais ou menos do
mesmo tamanho, com o mesmo alcance, uns um pouco mais, outros pouco menos e
acho que era muito cedo para tentar definir o que cada um fazia e era muito novo o
modo como a gente estava fazendo, operando, divulgando a música. Talvez por isso
tenha se botado no mesmo chapéu “música independente”. E isso não era só em São
Paulo, era no Brasil inteiro, como é hoje. São Paulo também ainda não era o polo
econômico dessa cena, como acabou se tornando, em que todo mundo do Brasil inteiro
acaba uma hora, infelizmente. Não acho isso nada legal, tendo que tomar a decisão de
mudar para São Paulo porque é onde as condições se tornaram mais viáveis. Por causa
da presença do Sesc, de um monte de casas que tem para tocar, enfim... Então, como
acho que era muito embrionário ainda, tinha essa coisa. Aí tinha a famosa nova música
brasileira, que é uma música que não está na indústria, não está na gravadora e que não,
descaradamente, copia a antiga (digamos, né?). Na indústria tinha a mpb, que copiava a
mpb, era o novo artista mpb, ele era idêntico aos outros e aos daquele momento. Na
coisa independente tinha o +2 fazendo um trabalho com música eletrônica,
experimentação de estúdio, meio tropicalista, mas também com as paradas de música
carioca e tal. Tinha o Lucas com o lance do dub, música eletrônica, música baiana. Aí o
Cidadão Instigado que é rock psicodélico nordestino. A Céu, música jamaicana com
música paulistana. Então era menos simples de falar o que você faz. Aí treze anos
depois se ampliou de tal maneira, numa quantidade tão absurda, que deu para dividir em
dois como você dividiu. Então não dá para falar que a gente tem uma música só. No
meio desse rolo todo ainda mudou o rap, né? O hip hop mudou, não é mais o Mano
Brown, agora é o Emicida, é o Criolo, caras que são híbridos. Criolo mais ainda que o
Emicida. Antes era uma coisa muito clara, rap era o que o Mano Brown fazia. O Criolo
já não é mais isso, então mesmo o rap ficou difícil de rotular. Quando se desistiu (a
grande parte desistiu, graças a Deus) de tentar rotular como é que chama essa música,
acho que começou a dividir. Beleza, vocês fazem um monte de coisas diferentes, mas a
situação é clara: tem os caras pops e tem os caras (não posso usar esquisito) ...e os caras
não pops. Metá Metá é pop, não é? Do modus operandi pop. E eu percebo até uma
postura diferente, que a turma do pop ainda guarda esperança e desejo de alcançar o
estrelato, seja lá o tipo de estrelato que a gente tem hoje. Mas eles querem algo mais do
que eles têm.
Juliano Gomes: É com uma estrutura antiga, né?
Romulo: Tem estruturas novas, tem modos novos. A Tulipa é o maior caso disso.
Juliano Gomes: Mas com uma perspectiva do velho, né?
Romulo: Não, porque ela tem o modus operandi da gente só que ela alcançou, tem
desejo e lida com isso, não tem problema. A Juçara por exemplo tem problema com
isso. Eu sou amigo dela, problema assim, a Juçara não está afim de lidar com questões
do mundo grande, não está porque não quer, porque não precisa. Então, assim, precisar
ninguém precisa mais, tanto os pops quanto os estranhões. Todo mundo ganha seu
salário, salário não, todo mundo paga seu aluguel, ninguém está rico, mas tudo bem, a
gente toma cerveja belga e está tudo certo. Ninguém está rico, está longe de ficar rico e
talvez não fique nunca. Mas tudo bem, não precisa ficar preocupado igual os jornalistas
ficam. Mas a minha parte que me toca, e a dos meus amigos, e de gente que eu nem sou
amigo mas eu sei, está pouco se lixando para esse negócio, para um alcance maior.
Sinceramente quer um alcance maior, quer que a música alcance mais gente, mas não
faz nada para isso: não conversa com a pessoa certa, não entrega disco para não sei
quem, juro. Eu posso falar por dez artistas que eu sou íntimo. O outro lado está fazendo
as contas, indo em lugares que vai encontrar fulano, dá o disco para não sei o que, quer
fazer parte, chama fulano para tocar no disco porque o fulano tocando no disco vai dar
uma amplitude maior, chama não sei quem para fazer arranjo de naipe, está fazendo
conta para ter um alcance maior. Estou falando isso sem juízo de valor nenhum, cada
um faz o que quer do trabalho. Aí eu acho que essa divisão ficou clara, dos que almejam
um mundo pop, como uma figura fácil de entender, e aqueles que estão preocupados só
com a invenção. Se aquilo vai tocar para 20 pessoas ou para 500, tanto faz. Para 500 é
muito mais legal do que para 20, mas se tocar para 20, não é um fracasso, não é. Se
encher a Audio Rebel é como encher o Carnegie Hall, assim. Você vir lá de São Paulo,
chegar na Audio Rebel e ter 100 pessoas, e 100 pessoas quietas, em silêncio, ouvindo
sua maluquice, isso é tão grande quanto encher o Circo Voador. Pro tipo de música que
eu faço, por exemplo. E as pessoas não entendem mais isso, os jornalistas escrevem
dizendo que a gente não tem ambição, que é paparicado, bancado pelo Sesc e por leis de
incentivo. Os grandes artistas da mpb não entendem isso, os ouvintes da velha mpb, que
repetem que a música brasileira acabou, essas coisas de sempre. Porque eles não
entendem que existe a Juçara Marçal, que é tão grande quanto qualquer artista da
história da música brasileira, qualquer uma. Mas a Juçara tem lá o tamanho dela, que é
cada vez maior, mas é pequeno. Perdeu para Marisa Monte no Prêmio da Música
Brasileira, porque o prêmio da Música Brasileira não ia dar conta da Juçara Marçal,
entendeu? Tem um tamanho que ele é importantíssimo, só que ele é menor, e às vezes é
difícil de aceitar, digo os outros. Eu aceitei faz tempo, até porque foi uma defesa contra
o ressentimento. Eu luto contra o ressentimento diariamente, toda vez que eu lanço um
disco a minha lâmpada do ressentimento acende. Se ninguém escrever, beleza, mas você
fez um disco massa, fica na sua. Aí você fez um show vazio, beleza, mas tinha seis
pessoas legais lá. Aí eu me botei isso, não vou achar que eu sou um fracassado, porque
o modelo é um modelo do estrelato, da celebridade.
Juliano Gomes: Você pega as 100 músicas mais tocadas no Brasil no ano passado e o
referencial é outro. Se você pegar até os MPBs grandes, tudo se segmentou de alguma
maneira, o referencial todo mudou.
Romulo: É, o Caetano lança discos importantíssimos e não tem a medida histórica que
tem, né? O Recanto não tem a medida que o Fatal tem, né? Apesar de ser um disco tão,
tanto, igual, do mesmo tamanho que o Fatal. Historicamente o momento é outro, mas
artisticamente, pegar o Fatal e pegar o Recanto, top 5 da carreira da Gal.
Juliano Gomes: Mas você falando da coisa da divisão, de alguma maneira eu sinto,
talvez, que ela seja um pouco mais de postura do que de sonoridade. Porque você pega,
por exemplo, o Rodrigo, entendeu? A esquisitice daquilo ou a não agradabilidade
daquilo, é num nível muito sutil. No fundo, o Rodrigo não cabe num cenário que a gente
já teve aqui, era um cara para, tranquilamente, ter ficado tocando na rádio, tocar no
churrasco, meu tio ouvir, você pegar o São Matheus, entendeu? Em termos do som, do
tipo de repertório. O cenário todo mudou de desenho.
Romulo: Da canção mesmo. Mas é verdade, aí tem mais a ver com a postura mesmo,
você tem razão. O Rodrigo, nitidamente, ele é diferente da gente, no sentido... Ele
lançou um ano passado, uma-obra prima, e é o oposto dessa coisa do defeito, do
esquisito. O Kiko é a encarnação disso, né? É o cara que faz tudo de “qualquer jeito”,
muito entre aspas, ele precisa fazer, ele quer fazer. Ano passado ele fez um livro, um
filme e um disco, em 6 meses e tudo ao mesmo tempo agora e na hora que dá para fazer.
O Rodrigo fez o último disco dele durante três anos. A gente ficou quase dois anos
ensaiando, só Cabral, Curumin e ele. Aí entrou a Ná Ozzetti e a Juçara. Aí foi pro
estúdio, aí tem cordas, tem fagote, o disco é dividido... é o oposto desse negócio. Mas a
postura dele é exatamente essa: eu estou fazendo meu disco, meu disco é a coisa mais
importante de tudo, não importa quem vai gostar, que não vai gostar, ele não pensa
nunca no público na hora de fazer o disco. Depois que lançar o disco aí beleza, aí você
tem que dar conta. Mas é a viagem dele. Aí no caso do Rodrigo é bem viagem mesmo, o
primeiro era sobre o lugar que ele viveu a infância, o segundo foi sobre a Bahia e agora
o terceiro é sobre o Japão. Aí ele fica viajando no Japão, em figuras do Japão, inventa
mitologias, aí associa com a coisa... Nesse sentido, não é fácil também, no sentindo de
ser rasteiro, porque o Rodrigo é o oposto de ser rasteiro, mas não é distorcido, não é
agulhado, não é como o Encarnado. O Encarnado é um disco que te incomoda, quando
você está ali naquele disco, está tudo esquisito, aí entra a “Ciranda do Aborto”, aí você
fala: “puta que pariu, não precisava ouvir isso aqui, podia estar na rua, estou ouvindo
esta merda aqui e tal”. O Rodrigo não, cara, o Rodrigo você ouve com um sorriso nos
lábios, é uma canção linda, cheia de inventividade. E uma inventividade muito pouco
óbvia. Porque uma coisa é meter uma distorção no pedal e achar que está... Outra coisa
é fazer uma canção inventiva no cerne dela. Que é o que o Rodrigo faz. Mas a postura
dele é essa, para voltar a falar da divisão. Mas eu não quero dividir, nós somos aqui os
bacanas que fazemos arte e aqueles manos ali é o povo que quer fazer sucesso.
Márcio Bulk: Mas só pontuando... aliás, quando eu falei do pop e do seu grupo, era mais
no formato da canção mesmo. Tipo, o mundo da tradição que vem Beatles, Jovem
Guarda, a New Wave carioca, anos 80, que aí sim, dá para fazer uma ligação com essa
galera toda, Tulipa, Thiago Petit, Tiê, e uma galera que tem a ver com Tropicalismo,
com Chico Buarque, anos 70, Novos Baianos etc. e tal e um bando de outras coisas.
Romulo: No nosso caso com a música de São Paulo.
Márcio Bulk: É, com vanguarda paulistana e com vocês. Na verdade, quando eu falei de
grupo era muito mais estético do que de posicionamento, mas que reverbera por aí.
Romulo: Mas acho que de posicionamento também tem.

EIXO RIO-SÃO PAULO


Márcio Bulk: Também, mas nem era esse o caminho. E o que você falou agora tem a
ver com a próxima pergunta. Você falou do Rodrigo e da relação que vocês têm. Todo
esse trabalho promovido por você e seus pares, Kiko, Juçara, Rodrigo, dentro da canção
atualmente faz parecer que vocês seriam uma outra face de um grupo de artistas que
também vem fazendo um trabalho vigoroso, caso de Mônica Salmaso, Thiago Amud,
Hamilton de Holanda, ainda que de forma oposta e que estes reiterem antigos
paradigmas, de forma lapidar, o cuidado que para mim seriam de igual intensidade. O
que você acha?
Romulo: Eu acho que sim! É engraçado essa coisa de turmas, porque tem turmas, e tem
uma coisa menos poética nisso tudo que é a sobrevivência. A gente, quando se uniu,
claro que a gente se uniu porque a gente se gostava, mas a gente se uniu também porque
a gente começou a se ajudar. Então vou lá e gravo no seu disco, você toca no meu, eu
produzo o seu, você toca aqui, você compõe comigo, sobrevivência pura e simples. Eu
não pago um músico se eu não tenho dinheiro, se eu tenho dinheiro eu pago. No começo
da minha carreira eu tinha que descolar uma grana para pagar cachê de músico, eram
uns caras do choro: quanto custa para fazer uma faixa? Ah, custa 380 reais para fazer
uma ou duas. É uma turma, a gente está junto e é uma matilha. Por exemplo, no
lançamento do Passo Torto e a Ná Ozzetti, o Thiago França que não tem nada a ver com
isso estava lá. E a Juçara. Aí depois no disco do Rodrigo, aí todo mundo vai. É uma
turma mesmo, uma gangue que fica se reiterando, se reafirmando o tempo inteiro. E
dentro dessa reafirmação tem as discussões e desejos de lapidar, de lapidar a canção.
Agora não, não tem isso, não existe isso. É uma turma mesmo, uma gangue que fica se
reiterando, se reafirmando o tempo inteiro. E dentro dessa reafirmação tem as
discussões e desejos de lapidar a canção. E porque somos entendidos como grupo, a
gente tem muita preocupação em não se repetir. Eu acho que tem gente lapidando a
canção em vários lugares, de vários jeitos, e eu vejo semelhanças, assim, nesse sentido,
em estar construindo uma canção nova. Eu acho que é uma canção nova. Vamos dizer
que não, mas eu acho que é.
Márcio Bulk: Essa coisa que eu falei do refinamento, do jeito dela, de vocês dois.
Romulo: E do lado de cá você pode cair na análise fraca e achar que aquilo é careta
também, né? Tem muitos caminhos de refinar essa canção. E eu acho bobeira a disputa
entre esses lugares. Há uns anos atrás a galera aqui do Rio resolveu, curiosamente,
colocar eu, Emicida, Tiê, Jeneci e Tulipa no mesmo balaio para dizer que a gente era
uns manés, e eles estavam fazendo canção, além do tempo, fora do tempo. É uma
bobagem isso, sabe? Está todo mundo no mesmo lugar, todo mundo tentando fazer.
Quando acontece isso é tudo tentativa de conquistar espaço e tentativa de conquistar
espaço no caderno cultural. Voltando, isso é uma coisa que eu me livrei, me livrei disso,
me livrei mesmo, me livrei desse negócio. E foi a melhor coisa da minha vida me livrar.
Às vezes é meio chato, porque às vezes você sai num negócio legal pra caramba e você
finge que não é com você, também é ruim, né? Você não aceitar... tipo sair na capa do
Caderno 2 do O Globo, é legal pra caralho. Agora, é legal pra caralho, mas você não
pode achar que aquilo é legal pra caralho. Afinal de contas, você está lá na capa, mas
aquilo não quer dizer nada. Eu fui capa da Ilustrada umas 12 vezes e eu continuo tendo
que correr atrás do negócio do aluguel, entendeu? Foi difícil entender isso. Já fui
elogiado por artistas gigantes, neguinho já falou que eu era foda, e eu continuo
pequenininho, do mesmo jeito. E nesse sentido, os caras da canção fora do tempo são do
mesmo tamanho que eu, os caras do pop, à exceção de pouquíssimos, são do mesmo
tamanho que eu. É todo mundo do mesmo tamanho, então não adianta ficar com
picuinha, acho muito esquisito isso.
Márcio Bulk: Mas já passou, né? Acho que a coisa acalmou, estamos no climinha meio
paz e amor agora.
Bruno Cosentino: Mas não é estranho que a gente tenha, esteja no tempo de internet,
supostamente todo mundo pode mandar um e-mail, pode mandar um chat e se
comunicar imediatamente, mas parece que, assim, tudo que você está dizendo, que você
é estranho e tal, uma coisa que é um modelo que vem da antiga mpb e que vem de um
mercado grande que não existe mais, mas que tem a sombra que permanece e tal... é
engraçado que esses grupos poderiam se comunicar e eles não se comunicam porque
sequer a mídia proporciona esse encontro ou força... aquela matéria do fora do tempo
ela meio que forçou, de certa maneira, mas depois não aconteceu.
Márcio Bulk: Não sei, mas pelo o que a gente está vendo, pelo o que a gente está
conversando aqui, lá em São Paulo vocês se comunicam, né? Vai o Emicida e grava
numa coisa... e tem o Criolo e não sei o que... algum trânsito tem.
Romulo: É, mas em alguma medida, tem alguns artistas que comunicam num sentido de
trabalhar junto, né? Claro, o Emicida é de um outro lugar, mas supostamente é um lugar
parecido com o do Thiago e do Rodrigo [Campos], por exemplo, e eles têm feito coisas
juntos. Mas, é engraçado, porque tem uma coisa, vou responder por mim, eu era “o”
contemporizador... contemporizador não é a palavra, essa é mais uma acusação do Kiko
e do Thiago, eu tinha um desejo de me comunicar. Eu fui uma das primeiras pessoas de
São Paulo a falar da música do Rio. Eu escrevi sobre o +2, eu quis cantar com a Nina
Becker, com a Thalma de Freitas, eu vinha pra cá e queria fazer coisa com a Orquestra
Imperial, então essa coisa do bairrismo, essa coisa boba, não sei o que, lá atrás eu falava
assim, “meu, eu quero mudar para o Rio”, porque em São Paulo eu não via gente com
quem eu me interessasse em fazer coisas. E depois eu tinha o desejo de compor com
quem quer que fosse, começo de carreira, né. Aí eu me encantava com alguém, ia atrás
dessa pessoa. Com o tempo eu fui percebendo que cada um tem o seu interesse também,
cada um tem o seu tempo, seu timing, e você acaba reduzindo mesmo. Se a gente fosse
artista da indústria, isso ia acontecer naturalmente, porque você ia fazer sucesso, sua
demanda ia ficar gigante, você ia fazer uma turnê de nove meses, quando terminasse a
turnê seu empresário iria dizer “precisamos gravar um disco novo”, aí sua vida já ia...
Como a gente é amador, e tem que fazer coisas, e mais do que isso, tem que ficar
inventando coisas para o seu nome também... isso é uma crueldade, né? E a coisa do
contato com outras turmas, as pessoas se juntam com quem elas gostam mesmo, sabe?
Eu gosto de muita gente, eu faria coisa com muita gente. Mas com quem eu faria
mesmo é o Kiko, o Thiago, o Rodrigo, a Juçara e o Cabral. São esses caras, eu achei
eles para sempre, assim. Claro que eu quero ter mais gente, claro que eu quero que mais
gente entre nisso. Mas enquanto eu tiver eles, para mim já está bom pra caramba. Mas
eu sou muito aberto, eu tenho feito coisas com... uma coisa que eu adoro e sou pouco
chamado, mas estou cada vez mais chamado e toda vez que eu sou chamado eu vou e eu
adoro, é produzir disco. Ano retrasado eu produzi o disco do Pipo Pegoraro, que se você
for ouvir os três discos do Pipo e ouvir os meus, você vai dizer: “nossa, mas não tem a
ver uma coisa com a outra”. Mas para mim tem. Eu tenho interesse pelo que o Pipo faz.
Produzi agora o disco da Juliana Perdigão, o do Rodrigo – enfim, o Rodrigo já é da
turma. A coisa de produzir discos e, nesse sentido, acho que eu poderia colaborar, a
priori, com alguém totalmente diferente de mim. Eu teria interesse.
Juliano Gomes: Fala como é esse trabalho [produção de discos], para ti, de como você é
diferente da condição do seu próprio trabalho, como é esse trabalho para você, o que
você acha que é sua onda nesse lugar. Porque é um trabalho bem específico, né?
Romulo: Tem uma coisa até que... eu nunca assino produtor. Aí o Rodrigo fala: mas não
é produtor? Eu gosto de assinar direção artística. Ele falou uma coisa muito boa, que é
um pensamento da indústria, né? É, no Prêmio da Música Brasileira... ele já está
achando que o disco dele vai estar e vai mesmo.
Juliano Gomes: Ah, não tem essa categoria.
Romulo: Mas lá não tem direção artística, só produtor. E por que direção artística?
Porque o produtor, na época da música independente, virou a figura do som, o técnico
de som.
Juliano Gomes: Da técnica
Romulo: Não é isso, mas convencionou-se. Os chamados produtores que eu conheço
são os caras dos pro-tools. O cara que mexe no pro-tools, que tira o som, e não sei o
que, tal. Eu faço... eu só não faço, só não tomo conta de filho, e o resto eu faço tudo.
Começa antes, aí vamos ver as músicas, começa a trocar ideia, aí diz: pô, estou afim de
fazer um disco, já começa aí, qual que é, qual que não é? Quais são as músicas? Aí
escolhe. Eventualmente até componho junto, aí faço o repertório, aí ajudo a montar a
banda, sempre trocando ideia: pô, podia chamar Curumin, Cabral, fazer uma coisa assim
e tal. Aí o Rodrigo fala, “pô, queria fazer coro”, e vai, a coisa vai. Aí chega no estúdio,
tem um longo período de arranjo, vai ter um técnico, eu vou dar minha opinião sobre o
som também, eu sei o que é um som pro meu gosto de caixa, eu sei o que é um som
legal de guitarra, vou dar e tal, mas tem um cara lá para fazer isso. E a galera está muito
safa, né? É difícil hoje alguém que não sabe tirar um som de guitarra, essa parte já foi,
por isso que eu não gosto que me chama de produtor, porque se associou a isso. Aí
vamos falar da capa? Aí fala da capa, aí a ordem do disco, vamos lançar o disco, como
vai ser o show, é um troço que vai. O que é uma coisa que uma figura como o Hermínio
Bello de Carvalho, que era essa figura, Menescal foi essa figura, Nelson Motta. Num
limite os caras descobriam uma pessoa ainda, né? Ainda tinha isso, né, tinha a etapa
de.... pegava uma cantora, conhecia uma cantora, etc. Então eu gosto muito disso, eu
gosto muito de fazer disco, quando eu vou fazer o disco de outra pessoa eu tomo
cuidado o tempo inteiro para não fazer um disco meu, porque às vezes eu vejo disco de
produtor que parece do produtor. Aí você pega o disco do João, do José e da Sílvia, são
pessoas absolutamente diferentes e o disco é o mesmo. Eu morro de preocupação com
isso, eu fico tentando o tempo todo não ser eu, sabe?
Márcio Bulk: É, e a própria Juliana tem aquela formação super cabeçuda, né?
Romulo: É, então, tem toda uma discussão de música. E ela é contundente, né, ela
começa a me provocar, aí eu mando uma música cheia de letra. Aí ela responde, “essa
música não está cheia de letra? Não pode ser menos letra?”. Enfim, tem toda uma
discussão que vai muito além de tirar o som. E de tirar música, colocar música, e a arte,
eu gosto muito disso e dá um trabalho isso. Porque é um negócio que não se encerra no
estúdio, ele começa antes e vai terminar no dia do lançamento. E é uma coisa que tem
me dado grana também, não muita, mas alguma grana. E como eu não sou músico,
voltando ao assunto – os meus amigos instrumentistas estão todos ótimos, tocam com
um milhão de gente, não falta trabalho, não precisa tocar com artista do mainstream,
não precisa tocar em praça de alimentação, não precisa dar aula de instrumento. Se
quiser, massa, mas não precisa. O cara ganha 50 conto aqui, depois ganha mil ali porque
é o Sesc, depois ganha mais 200 ali, aí faz uma gravação e não sei o que. E o
instrumentista, um bom instrumentista hoje, em São Paulo, está vivendo numa boa
assim, fazendo coisas. Eu, como não sou instrumentista, aí é mais difícil. Então,
produzir discos, dirigir discos, é uma maneira que eu achei, que eu adoro, que tem
rolado.
Juliano Gomes: Você é um instrumentista do conceito, né?
Romulo: Pô... (risos) Eu vou soltar essa.
Bruno Cosentino: Eu acho, desconfio, posso estar errado, que você nunca conseguiu
deixar claro exatamente o que você pensa, porque o pensamento é muito mais complexo
do que está ali. Mas o que parece, e é essa a dúvida que eu vou te colocar, é 1) que
renovação é essa que pode vir dos meios técnicos? 2) como se mede o risco de uma
reificação das técnicas? Porque se corre um risco de você “ah tá, a renovação vem
daqui, então a música nova é a música que utiliza esses meios”, logo se atribui um valor
a isso: “ah, isso é bom porque usa isso”. E aí isso é o novo. Como você mede o risco de
reificação disso, porque afinal a nossa aflição é subjetiva. A avaliação do juízo às vezes
é subjetiva. Como a gente comentou antes, a Mônica Salmaso... como você comentou
do Douglas [Germano] e tal, então é muito mais sutil. Queria que você explicasse isso,
que renovação é essa? E para completar, juntando com uma discussão que você teve
com o Walter Garcia no programa "Desentendimento", da rádio Batuta, sobre Chico e
Caetano, ele fala que o Chico, embora sempre faça as mesmas coisas, com os mesmos
instrumentos, com todo mundo, ainda soa contemporâneo, de certo modo. E o Caetano
que sempre surfou na onda do momento com muito talento e inteligência, muitos sons
soavam datado. Existe esse risco também de soar datado a utilização desses novos
meios digitais. Como aquele tecladão da década de 1980, aquele sax...
Romulo: Primeiro de tudo, já faz 13 anos, né? Quando eu levantei essa bandeira de “a
música morreu, não acontece mais nada” e tal, eu estava vendo o Lucas Santtana, o +2,
a Céu, o Cidadão Instigado, eu estava vendo um monte de coisa acontecer e ninguém
falava. Então não é que “a” música nova que é feita desse jeito, é “uma” música que
nasceu desse jeito. Não é “a”, é “uma” música nova. É difícil de decodificar e de
demonstrar porque não tem mais literatura, porque ninguém ouviu os meus discos, o
tanto de coisa que eu mudei, que eu inventei, que eu fui para frente, fui para trás, fui de
um disco de clarinete e violão para um disco de violão e saxofone, nenhum dos dois tem
pedal de efeito – porque a nova guitarra elétrica é o pedal de efeito -, e como um é um
trilhão de anos para frente no sentido de avançar na canção. O que eu quero dizer é que
isso deu numa música nova. E no texto do Chico, a velha coisa Chico ou Caetano, ou
você é Chico ou Caetano – quero deixar claro que eu sou Caetano, de cara –, mas quem
tem mais renovado a canção é o Chico Buarque, de longe. O Carioca, o As Cidades e o
último, para mim, menor em intensidade, o último, as canções são inacreditáveis, por
mais que eu ache os arranjos ruins. Eu falando isso do maestro dele, um cara que não
toca violão direito, falar mal de um maestro, é muita provocação. Aí é que está, não tem
espaço para a discussão também, né? Se eu que não toco violão e estou falando mal do
maestro do Chico Buarque, é porque eu sou um bobo que acredita que pedal... eu não
tenho nenhum pedal, eu não sei mexer em pedal. Eu aprendi a mandar e-mail com
anexo esses dias, eu não sou o cara da tecnologia. É que eu virei o paladino da
tecnologia. Mas eu sei o seguinte: mais do que a tecnologia, mais que a intimidade
forçada, porque você não tinha mais gravadora querendo gravar você, ninguém queria
saber de você, ao mesmo tempo os meios de gravação se popularizaram, você podia
gravar um disco no quarto da sua casa. Os caras gravavam disco atrás de disco no
quarto da sua casa, isso mudou a música, mudou a canção. O Rodrigo é um caso muito
clássico disso, ele veio do “São Matheus” tocando violão e cavaquinho e agora toca
guitarra. Mas ele toca guitarra não porque ele quis tocar guitarra para ser um cara do
mal e um cara moderno. É porque ele, num circuito da vida dele, começou a fazer
sentido mexer com timbres e guitarra, coisa que não fazia lá. E isso fez ele mudar a
composição dele. E no texto do Chico e do Caetano, deixei isso muito claro. Que no
nosso caso, ninguém vai saber essa mudança, ninguém nunca vai saber o quanto eu
mudei do Calado para o Barulho Feio, por exemplo, mas no Caetano é nítido. No Cê,
ele fez canções que ele nunca tinha feito anteriormente, e ele já tinha feito disco de rock.
Só que o Tutti Moreno, o Lanny Gordin, eram muito diferentes do Pedro Sá, do
Marcelo Calado e do Ricardo, era outra cabeça e era um outro momento histórico e
modo de abordar a música que tinha a ver com desejo, com interesse pelo som. As
pessoas diminuem muito isso. “Ah, esses caras bobinhos que aprenderam a mexer no
amplificador e no computador e acham que estão inventando a roda”. Não é isso, você
perceber a possibilidade...os músicos... esses argumentos sempre caem por terra, por
exemplo, quando eles conhecem o Thiago, o Cabral ou o Rodrigo. O Kiko nem tanto,
ele é um grande instrumentista, mas ele é o punk de plantão. O Thiago, o Rodrigo e o
Cabral são músicos extraordinários, os caras estudaram, eles fizeram faculdade... O
Cabral tem um baixo de 130 anos, francês, que ele estudou com um maestro francês, ele
lê partitura e tal... mas ele resolve que naquela música específica ele vai tocar uma nota
zoada. Então é um instrumento de 110 kg, 2 metros de altura, 140 anos, para aquela
música. Ele não faz isso porque ele não sabe tocar, porque ele sabe tocar pra caralho, é
um puta baixista, ou porque fazendo isso ele vai ficar moderninho. Ele vai fazer isso
porque ele aprendeu que aquele baixo de 140 anos se passa por um pedal, produz uma
onda sonora que é isso, e nessa canção que está dizendo isso, que está dizendo sobre um
buraco, de repente esse som tem mais a ver com isso. O maestro do Chico Buarque
parece que não está ouvindo a canção dele, é a minha opinião, desculpa, sabe? Ele está
mudando a canção, uma canção como “Subúrbio” é uma canção absolutamente
inventiva, acho que ninguém compôs uma canção como “Subúrbio” nesse século. Ou
uma canção como “Cidades”, ninguém compôs. Você não consegue cantar aquela
música, para falar de música esquisita, né? “Gostosa/ Quentinha / Tapioca...”, aí quando
você vê, você já não sabe mais onde está, é impossível tocar no violão, ninguém sabe
aquela porra daquela harmonia. Escuta a música e fica dias... E aí você vai ouvir o
disco, e quando ouve [o trecho] “a curva do rio” tem um rio, parece um passarinho; fala
de tango, toca tango; aí a música fala de vento, aí tem vento, sabe? Fica uma coisa
fisionômica. Eu tinha uma provocação naquele texto que eu falava que o Caetano
Veloso podia ficar com o Morelembaum. Talvez tenha sido a primeira vez na história
do Caetano em que ele não foi para o presente, né, porque o Caetano é acusado de
“agora é funk carioca, funk carioca, agora é rock, rock, etc”. E lá ele não era isso, ele
virou um intérprete, lançou disco de música latina, disco de música inglesa, foi um
período com uma coisa de som, para mim, muito mais interessante, muito mais rica, que
não era fisionômica, que não estava tentando dar conta apenas da letra. O que eu penso
é que as pessoas precisam ouvir a canção. Elas não podem só ouvir a minha declaração
e achar que eu estou fazendo uma ode ao pedal de efeito sem ouvir o que eu estou
falando. Elas precisam ouvir o Bahia Fantástica, ouvir o Passo Elétrico, elas precisam
ouvir o Metá Metá. No Metá Metá, inclusive, o violão do Kiko que tem sua matriz
obviamente no Baden Powell, é muito diferente do Baden Powell, é claro que é o Baden
Powell, mas é como se o Baden Powell tivesse nascido de novo em Guarulhos e com
uma banda punk.
Juliano Gomes: E tomado um ácido.
Romulo: Não, o Kiko não tomou um ácido. Mas virado punk e ouvido samba de raiz e
praticar o candomblé sob a premissa de hoje em dia. Eu não estou fazendo uma ode à
tecnologia, à eletrônica, estou fazendo uma ode à invenção. E, para mim, quem mais
andou com a canção brasileira foi essa galera que se meteu a gravar os próprios discos.
O Cidadão Instigado para mim é óbvio, ululante, claro. E o Catatau não só renovou a
canção, como renovou a guitarra brasileira, ele foi além ainda. A guitarra do Catatau é
um capítulo, todo mundo foi imitar o Catatau, comprar a guitarra do Catatau, comprar o
pedal do Catatau. Aí uma pessoa que estudou em Berkeley, ou sei lá onde, e que é
sobrinha neta do sei lá quem, acha isso tudo uma bobagem, coisa de moleque, coisa de
quem não estudou, é isso que me irrita.
Bruno Cosentino: Você acha que tem uma postura também política em falar da sua
geração? Existe de forma velada e desrespeitosa uma disputa de gerações? Disputa
política, por espaço, com a geração dos nossos ídolos, entre a sua geração e a nossa?
Digo disputa política de meios, de privilégios, de campo.
Romulo: Teve, para mim teve.
Bruno Cosentino: Teve, tem?
Romulo: Teve, para mim não tem mais, desisti, juro. Naquela hora era isso, eu estava
exigindo respeito, ao mesmo tempo eu ia num show do Caetano, eu entregava um disco;
eu ia no show do Gil, eu entregava um disco; eu queria a benção. Eu estava dizendo
“cara, eu sou foda igual vocês, está aqui a prova”. Aí eu escrevia no jornal que a gente
era foda, porque ninguém falava, eu vou falar. Aí eu sabia juntar a com b, eu não era um
bom instrumentista, mas eu era o que? O “instrumentista do conceito”. E eu tinha
articulação, eu tinha meios, aí vou começar a falar. Não é à toa que começaram a me
chamar de arauto, etc. E uma hora eu comecei também a me encher o saco disso, eu não
quero ter essa posição. E eu passei a não precisar ter essa posição mais, porque a coisa
foi indo e hoje, quando uma pessoa fala algo assim, ela já toma uma na cara. Primeiro
porque o público se renovou, se você vai no show da gente agora é molecada, 20 anos,
19 anos, e os caras já todo cheio de “o disco novo da Juçara tem uma música sua”, todos
cheios de informação. É como se ele estivesse falando de “Roda Viva”, ou de
“Tropicália”, ou fala assim “nossa, o Passo Elétrico mudou com relação ao Passo Torto,
parecido com o movimento do Metá Metá, tem a ver? ”. Isso com 16 anos.
Juliano Gomes: E aí os moleques já ouviram outras coisas, né?
Romulo: Ouviram por causa da gente, inclusive. Porque aí eu vou lá e faço o Transa,
por exemplo, tem um monte de gente que ouviu o Transa por minha causa. O cara vai lá
e fala “Pô, que música...”. Digo que é do Caetano, aí ele vai ouvir. Então eu passei a não
precisar mais ter essa postura. Ainda tenho ela, quando sou convocado a falar, eu tenho.
Mas, intimamente... eu nunca mais entreguei disco para ninguém. Ninguém que eu digo
é Deus, é Caetano.

DISTORÇÕES, NUNO RAMOS, CLIMA E CANÇÃO PLÁSTICA


Juliano Gomes: Uma hora vocês falaram a coisa da técnica, eu sinto que essa galera de
vocês e esse grupo, e acho que essa condição de ter que se virar, ter que mexer com os
equipamentos, acho que de alguma maneira fez com que tivesse uma inventividade da
técnica. A fabricante de cavaquinho quer que eu toque de um jeito, mas eu vou pegar
essa porra e plugar do outro lado, no sentido de que esse perigo de uma repetição, na
técnica, me parece que a galera está pegando e não está fazendo o que a Sony quer que
faça. Um aparelho não está totalmente pré-condicionado ao uso que as corporações
pensaram, sacou? Eu sinto que tem uma diferença aí, que eu acho que gera, na verdade,
o que é o centro do que eu vou falar, que me parece que a mudança diz respeito ao
tratamento da música em relação ao que se já falou sobre sonoridade. Pensar a música
como som, que é distinto, entendeu? Isso muda alguma coisa, é um campo de
expressividade, e então eu posso explorar o infinito, entendeu?
Romulo: É curioso isso que você falou, porque eu nunca tinha pensado nisso. Nenhuma
empresa de instrumento musical sabe quem a gente é, né? A Fender não dá patrocínio
pro Kiko Dinucci, dá para o Carlos Santana, pro Eric Clapton, porque eles querem
grana. É curioso e é verdade, se eles soubessem que o Rodrigo está fazendo um
cavaquinho daquele jeito...
Juliano Gomes: Já vem com o pedal.
Romulo: Ou sei lá, os amplificadores, o modo como a galera está mexendo e como
recupera instrumentos antigos. A batera Pinguim, quando eu tinha 15 anos tudo o que
eu não queria era uma batera Pinguim, porque era um lixo, mas agora não, ela é
interessante, porque ela é ruim. Ela é legal porque ela é ruim, e o legal porque é ruim
que é incrível. Tinham umas guitarras de plástico que eram vendidas em supermercado,
não sei como é o nome agora. E aí, no meu caso, que faço canção, isso reverbera em
letra, em melodia, “Não há, mas derruba” é uma canção totalmente influenciada pelo
som, pelo modo como aquilo foi atacado pelo som, aquele saxofone do Thiago [França]
interferindo na canção, o som que eu gravei na rua interfere na canção, absolutamente.
Aí vão dizer que isso não é novo, que a música contemporânea também já faz isso.
Claro, a coisa do novo também é uma espécie de armadilha. Você fala, fala, fala, e isso
não é novo, pronto, encerrou o assunto. Mas ele está falando sobre o que, então? Você
está falando sobre relevância, sobre ser novo, sobre ser rico? Nunca tem fim. Aí quando
se chega ao, beleza, então você é um artista foda, você fez um disco foda, mas ninguém
te ouve. E o que você quer que eu faça? Quando eu falo que desisti, eu desisti de dar
conta, eu desisti de dar conta do outro, assim. Eu fico vendo também a coisa da letra, do
Clima e do Nuno, sobretudo, tem coisas lindas, falando de coisas de agora, “quero um
ódio novo”, “me dá um ódio novo”, mas isso não reverbera como o Dinho Ouro Preto
faz canção de protesto. Aí uma galera fez música de protesto durante a manifestação, aí
supostamente eu fiz um disco alienado. Mas aí, cara, vai ouvir meu disco... Então o
modelo é muito... mas tem uma posição política, e agora eu não brigo mais por ela.
Agora eu sou capaz de falar coisas absurdas para não brigar, porque não quero.
Juliano Gomes: Essa questão da relação das artes plásticas com a canção, eu queria
tentar destrinchar um pouco melhor isso. Quando você fala que as artes plásticas estão
presentes nisso tudo, além desse trabalho do barulho de rua, etc. e tal, você fala muito
de letra. É curioso, porque fica meio dissonante a história, porque letra está no campo da
poesia. E o Nuno Ramos também faz um trabalho nesta fronteira, então parece que a
poesia media a relação da canção com as artes plásticas aqui. Queria que você
explicasse melhor esse processo.
Romulo: Eu acho que ela está em outros sentidos... primeiro, as artes plásticas estão na
arte gráfica do disco, em quase todos os meus discos tem trabalhos de artes plásticas no
encarte, essa é a visão mais óbvia. O segundo disco tem trabalho do Clima, o terceiro do
Nuno e do Clima, um outro tem trabalho da Tatiana Blass, enfim, essa é a parte mais
óbvia. A outra parte que eu chamo de artes plásticas, porque os músicos apelidaram de
artes plásticas, é pedir para uma cuíca imitar um cachorro, desafinar um instrumento,
cortar a música onde não é para cortar ou pedir para não ter interrupção e tal.
Juliano Gomes: É uma visão conceitual do som?
Romulo: Da canção. Aí de novo, Macalé fez isso, Araçá Azul é isso, mas eu acho que
tem experiências que eles não tinham na época. Por exemplo, a coisa do som, voltando
um pouquinho o gancho do som, Caetano fala muito da impossibilidade que ele tinha de
fazer Araçá Azul, que ele queria fazer mas não conseguia. Porque o técnico que estava
lá não tinha a cabeça dele e ele não sabia mexer, se os meios já são difíceis hoje (difícil
para mim, né? Mas digamos que seja para ele também), imagina naquela época, que
você não tinha acesso. Era o estúdio da RCA, chegar numa mesa de som era uma coisa
sagrada, só o engenheiro de som. E ele conta disso, da incapacidade dele. Hoje em dia
não, ele pode fazer o que ele quiser porque ele tem gente do lado dele para fazer,
condições técnicas para fazer. E isso fez com que ele fizesse o Recanto, por exemplo.
Juliano Gomes: E o Araçá Azul ele gravou em São Paulo também.
Romulo: E aí na coisa da letra, você pegou muito bem no caso do Nuno, porque o
trabalho de artes plásticas do Nuno vem da Literatura. Porque eu estava contando que
não tenho talento para a música e faço música, o Nuno não tem talento nenhum para
artes plásticas, ele desenha mal à beça. Era eu que desenhava as paradas para ele,
quando tinha que ter um desenho mesmo, aí eu desenhava para ele, para fazer um
projeto e tal. Por outro lado, ele é um artista plástico dos maiores, ninguém duvida
disso. O talento dele é para a escrita, de longe, é uma coisa assustadora. E na coisa da
canção, assim como nas artes plásticas, ele tem muitos trabalhos que tem textos, ele
esculpe palavras, esculpe versos, escreve versos em vaselina, corporifica poemas e
coisas dele nas artes plásticas. E na letra de canção acho que isso veio muito, e pro
Clima também, até por influência do Nuno. Por exemplo, uma canção que fala de
Urubu, acho que é um negócio muito de artes plásticas mesmo. Você descrever... pode
ser cinema também. É que, curiosamente, música sempre é associada com cinema. Um
clichê, clássico: “nossa, esse disco é cinematográfico”. E acho que minhas letras são de
artes visuais, mas não de cinema. Falam de coisas, por exemplo: “quem te batizou com
ouro, fogo e sol”. Isso é coisa de material. Fala de breu, já cantei sobre vaselina, já
cantei sobre parafina, já cantei sobre urubu, já cantei sobre cão pra caramba. Porque o
cão é por causa das gravuras do Goeldi, que o Nuno é louco. O urubu também tem a ver
com o trabalho do Nuno. Então tem assuntos que a canção não tratava antes, as pessoas
costumam dizer que é abstrato... Tem todo um mundo ali por baixo dela, de
experiências que vêm das artes plásticas, que vem de outras coisas que acabam entrando
na letra de canção. Mas na canção ainda é muito devedor. É muito uma coisa “o sol é
comum, comum são as cores e os amores comuns”, ou “só em sonhos me quer”, tem
essa coisa com a natureza. Tem todo um comportamento que não é musical, que é de
artista, para usar uma palavra assim... que não é músico, é alguém que está pensando
arte em outro contexto.
Juliano Gomes: Como é a parceria com o Nuno e o Clima, de letra? O modus operandi
mesmo.
Romulo: Eu, quando sou parceiro dos dois, nunca me meti a fazer letra, nunca. Eu acho
eles, de novo... coisa de dimensão, fosse eu o Caetano Veloso, ou o Jorge Ben, Nuno e o
Clima seriam considerados dois dos maiores letristas da história da música brasileira. É
simples, assim. Juro, eu estou falando isso... até porque é fácil elogiar o outro, se bem
que o outro sou eu, nesse caso. Mas é um capítulo diferente, que tem a ver com a escrita
do Nuno, tem a ver com as artes plásticas, tem a ver com cinema – aí sim, porque no
caso do Clima ele é cineasta de formação -, e tem a ver com o samba de Nelson
Cavaquinho, mas o Nelson Cavaquinho visto não sob o ponto de vista musical, sob o
modo visual, sob o modo Goeldi. As letras deles são muito diferentes. Então, quando eu
faço canções com eles, eu nunca faço letra, não me meto a fazer letra com o Nuno, não
sou louco. Então tem sempre essa relação, eu mando uma canção antes de fazer as
letras, mas, ao longo do tempo, eles também fizeram canções. E tem canções que são só
do Nuno e tem canções que são só do Clima... Mas ao longo do tempo, essa coisa foi se
misturando. Tanto que muita gente se decepciona, que gosta especialmente de mim por
causa das letras, e vem assim: “cara, aquela sua letra...”, aí eu falo que a letra não é
minha, é do Nuno, é do Clima.
Juliano Gomes: Como é isso no Passo Torto?
Romulo: Ah, eu respeito muito menos os caras. Risos. E é tão diferente o modo como
eu escrevo, do Rodrigo e do Kiko, que aí rola. E eu escrevo parecido com o Nuno e o
Clima, só que uma etapa abaixo... No Passo Torto, não estou dizendo que sou do
tamanho deles como poeta, porque eu acho eles incríveis, mas eles não escrevem como
eu escrevo. Isso já causa uma diferenciação. E eu acabo de virar parceiro, grande honra,
do Vicente Barreto, cara que compôs “Morena Tropicana”, entre outras – quem sabe eu
não chego ao sucesso agora? –, e é incrível compor com uma pessoa como o Vicente.
Eu me interesso em compor com uma pessoa com quem eu nunca tive uma relação, já
fiz música com muita gente. Dá errado também às vezes. Mas no caso do meu núcleo
principal, eu, Nuno e Clima, a letra nunca será minha, mas a música pode ser só do
Nuno, ou só do Clima.
Bruno Cosentino: O Fred [Coelho] mandou uma pergunta aqui sobre isso, perguntando
se de alguma maneira você acha que isso vai vazar mais no seu trabalho solo, de você
fazer mais as letras, de colocar mais música sua nos seus discos.
Romulo: Só mais uma coisa, para falar da letra também. Só o fato de eu ter mudado, eu
fiz um disco de samba primeiro, os caras compuseram como samba e nenhum dos três
tinham referências ainda direito, né? Aí o segundo eles falaram assim, “calma aí, vamos
fazer um disco de samba? Vamos fazer um disco menos samba, mais estranho e tal”.
Conforme eu ia mudando, ia mudando minha banda – para você ver que a coisa do som
não é pouca coisa.  Minha banda era sete cordas, cavaquinho e flauta; virou baixo,
bateria e guitarra. Sendo que o guitarrista era discípulo do Lanny, que é o Guilherme
Held. As letras mudaram, não é só porque eu botei guitarra. Apesar de eu não fazer as
letras, eu provoquei os dois a mudarem as letras. Eles mudaram como letristas.
Eduardo Losso: Isso que é curioso, embora exista uma outra letra, a letra que você
colocou Ddo Chão em diante, Labirinto e tal... O Francisco Bosco quando escreveu no
seu disco,  coloca isso de uma maneira interessante. Ela tem algo de incerto, vago,
impreciso, mais do que absurdo.
Romulo: Ele até compara com o Djavan, né? Uma coisa meio pela sonoridade, pelo
impreciso, né?
Eduardo Losso: Geralmente, quando os grandes fazem esse tipo de letra, eles fazem
mais pelo jogo sonoro. E no caso as letras do Labirinto, especialmente, eu não vejo que
seja tanto a questão de jogo sonoro, parece que existe...
Romulo: Jogo sonoro da palavra.
Eduardo Losso: Isso, da palavra.
Romulo: Mas é o jogo sonoro do som, da banda, eu acho que isso sim. E acho que isso
mudou a letra. Nunca é o Djavan, por exemplo, que é o mestre da coisa do “Capim do
vale, vara de goiabeira na beira...”, né? Ele está mais preocupado com o bê ba ba bê do
que com o significado daquilo. Claro que aquilo tem significado para ele e as pessoas
erroneamente acham que não tem. Grande Djavan... não é isso a coisa, mas tem a coisa
do experimento poético, não é do som, mas é do impreciso mesmo, acho impreciso uma
boa palavra.
Eduardo Losso: Será que essa estética nas letras, desse vago, um vago que mesmo que
você – ou não sei quem – usa assim em termos exclamativos muito fortes, palavrões,
como “tomar no cú”, tem gírias de drogas, “teco”, mesmo assim fica numa zona
nebulosa, muito curiosa. Parece que existe uma linha estética de qualquer coisa que vem
do impressionismo, ou do surrealismo, ou do simbolismo. Você pensa nisso, já que você
fala da questão das artes plásticas e já que tem poesia no meio? Quer dizer, essa relação
da canção com os movimentos artísticos e destes especificamente?
Romulo: Não, a gente pensa muito em artistas. A gente tem pilares. Nelson Cavaquinho
é ponto pacífico. Inclusive gravei um disco só cantando Nelson Cavaquinho, talvez o
disco mais difícil da minha vida. Porque é isso, não adianta colocar só um pedal de
guitarra lá e achar que estou reinventando Nelson Cavaquinho. Porque nenhum pedal
vai ser mais louco do que aquela mão direita tocada com dois dedos. É isso que a galera
que fica querendo entender, como se eu fosse um paradigma do pedal, isso é uma
bobagem. Eu estou falando de invenção. A minha invenção passa por isso e pode não
passar. Mas o Nelson Cavaquinho é um pilar, o Goeldi é outro pilar. Essa arte mais
escura, menos luminosa, menos festiva. O Caetano Veloso, não dá para fugir dele, é
uma espécie de duplo da gente. Se você pode falar que parece com alguém é com ele,
ninguém vai falar que a gente parece com o Nelson Cavaquinho. Mas a gente tem muito
a coisa dos artistas. O Nuno, por exemplo, é o Beuys, que ele não para de pensar, o
Clima é o Godard, que é o negócio do cinema. Então tem sempre essa coisa, não é um
movimento em si. Por exemplo, a Tropicália, a minha geração é muito associada à
Tropicália. Porque, justamente, ninguém faz mais o novo, a Tropicália impediu que
alguém fizesse algo novo, quando ela disse “agora vale tudo”, como vale tudo, agora
ninguém mais vai fazer nada. “Ah, agora vou misturar baião com guitarra”, beleza, já
foi, a Tropicália falou que pode. Vou cantar embaixo da água, a Tropicália falou que
pode. Então, acabou. Por isso que não tem mais essa coisa de movimento, eu não penso
na Tropicália, eu penso no Milton Nascimento, por exemplo, muito mais do que na
Tropicália. E eu sou o anti- Milton, eu nunca vou fazer uma canção como o Milton, eu
nunca vou chegar perto de cantar como o Milton, mas eu não paro de pensar no Milton,
eu ouço ele toda semana. Tem uma coisa de pensar em artistas, nunca para fazer igual,
mas por inspiração. O Batatinha é um cara menos conhecido, é muito importante para a
gente, tem um ou dois discos. O Nelson também tem poucos discos. Mas tem a coisa do
artista, a gente é muito ligado no artista. Mas nunca é no sentido de querer ser igual,
nunca foi. Isso eu acho um defeito de certas pessoas, se encanta com um artista, vai lá e
tenta imitar.
Eduardo Losso: É uma compreensão obtusa, né? Tem que entender como é o
funcionamento das coisas.
Bruno Cosentino: Naquela conversa comigo e com Marcos Lacerda no MAM em que
você fala sobre a decisão de andar na rua gravando um áudio para colocar no seu disco
["Barulho feio"], tinha a ver com o desejo de “prender a escuta”, não é isso? E eu voltei
para casa pensando nisso, que eu acho que essa é a questão de todo compositor hoje e
talvez sempre tenha sido, mas hoje no nosso tempo que nos leva à dispersão a todo
momento. Pensando mais detidamente sobre essa questão da escuta, de como prender a
escuta do ouvinte e a atenção do ouvinte, você acha que isso é possível ainda?
Romulo: Possível é, mas minha tia não vai me ouvir. Mas sei lá, muita gente me ouve.
Bruno Cosentino: Mas não é isso, a gente parava antigamente e ouvia, colocava o disco
na vitrola, tinha que trocar de lado, tinha todo um tempo favorável. E hoje a gente ouve
no ipod, os mais jovens ouvem com um fone só, então é barulho de trânsito, é
fragmento de conversa, é um olhar que você troca com alguém na rua, tudo tira (são
vários estímulos) a atenção da música propriamente. E essa é uma questão, a gente faz
música, afinal, a gente quer ser ouvido. Mas as pessoas ouvem um trechinho e dizem
que seu disco é massa, mas...
Romulo: É, mas você não pode morrer por isso.
Juliano Gomes: Às vezes está fazendo outra coisa e você vai ser escutado no
supermercado...
Romulo: Primeiro que você não pode morrer por isso. Porque tem gente que diz que não
grava disco porque as pessoas não vão comprar, já ouvi artistas grandes falando isso.
Mas cara, você só gravou disco na sua vida porque você vendia? E a outra é “ninguém
mais ouve música”. Eu faço disco porque eu preciso fazer. E não estou me excluindo
disso, eu só ouço música no trânsito, no ônibus, em Ipod. Em casa eu vejo televisão, sou
viciado em televisão. Quando eu estava mixando o Barulho Feio - eu sempre ouço mix
de disco meu no ônibus - aí vinha cantador, etc. Achei incrível, porque chama Barulho
Feio, eu estou querendo lidar com essa escuta contemporânea, que o cara não para para
ouvir, o cara abre e-mail, ouve um disco, isso que você falou, isso é muito... O que eu
vejo de gente em show que não vê o show e depois posta dizendo que o show foi foda é
muito... o cara não tava vendo o show, tava tomando uma... Aí falei que vou fazer um
disco esquisito, que no mínimo vai atrapalhar o cara responder o e-mail dele. Tinha um
pouco esse desejo. As pessoas ouvem o que elas quiserem, do jeito que elas quiserem,
não sou eu que vou dar conta disso. Vou falar para um moleque que ele não pode
escutar música no celular? E isso influenciou meu disco, porque eu sou esse moleque.
Só que diferente do moleque, eu só estou ouvindo música. E não vendo o facebook. Eu
estou pagando o cobrador, vendo as pessoas entrarem no ônibus, as pessoas andarem,
mas eu estou ouvindo música, só que interferido por tudo isso. Mas estou falando isso
agora porque eu tenho 44 anos, sou uma pessoa mais madura e eu desisti, como eu falei
lá atrás. Desisti mesmo, do meu coração, de querer ser algo que as pessoas queriam eu
fosse – as pessoas, essa entidade – do artista grandioso que pensa o Brasil e que todo
mundo discute, que os acadêmicos estudam. Sabe o que mudou também agora? Não tem
uma semana que eu não fale com um estudante de mestrado, ou de graduação ou de
doutorado que escreve sobre a gente. O que falta ainda, que ainda não chegou, é alguém
que pegue pelo lado estético, é sempre pelo lado da antropologia, da sociologia, da
indústria, do mercado, sempre nessa... mas é o tempo inteiro, gente que está na
universidade ouvindo a gente. As coisas andaram, mas elas são pequenas, porque o
mundo está muito louco.
Juliano Gomes: E tem uma outra visibilidade, uma hora isso vai aparecer, no fundo é
que tem muita coisa acontecendo. O referencial mudou. Mas você estava falando uma
coisa, a sua figura no debate público, isso de alguma forma se arrefeceu, é engraçado.
Queria que você falasse um pouco disso, essa brincadeira que eu fiz do instrumentista
conceitual, que eu acho que é uma marca do seu trabalho, e eu acho que é uma
distinção, e que transcende o campo da música. Na arte está todo mundo discutindo
isso, se você não tem um conceito, se você não tem uma proposta, num ambiente de
multiplicidade, você não tem nada, entendeu? Tem uma urgência de formular alguma
coisa. E eu vejo no seu trabalho, e no dessa galera, me parece que uma força de vocês é
uma força de interlocução, é uma galera que está sempre conversando e trocando ideia
sobre as coisas. É o que eu vejo como uma certa vantagem, porque isso se tornou um
capital muito forte, hoje. Quem conversa, quem se questiona, que tem referência, e que
tem uma ideia de História. Você falando de Nelson Cavaquinho, de Paulinho da Viola,
eles estão aí há um tempão, mas é uma maneira de compreender.
Romulo: Quando eu digo que arrefeci o debate para fora, para dentro são noites inteiras
de discussão entre a gente. Eu só perdi o interesse de dar a cara, porque sempre vira
competição. Porque aí eu falo alguma coisa e a galera da Mônica Salmaso acha que eu
sou um idiota, como se eu tivesse falado dela, mas eu não falei dela, eu adoro o último
disco dela. Eu só não faço disco daquele jeito. Então tudo que você fala vira uma
espécie de competição, sabe porquê? Porque ninguém está com nada. A galera da MPB
não tem, a galera do indie não tem, ninguém tem nada e então fica todo mundo
disputando. Aí quando você se afirma, de alguma maneira, então é você em relação ao
outro. E nunca foi. Alguma hora foi em relação ao anterior, mas não por causa do
anterior, não por causa do Caetano ou do Gil, não foi por causa deles, foi por causa das
pessoas que diziam que a música brasileira tinha morrido. Aí sim eu reagia, dizia “vocês
estão loucos, vocês são uns idiotas, burros”, eu saía para cima mesmo. Mas isso mudou
agora.

INTERLOCUÇÕES E ESPAÇO MIDIÁTICO


Juliano Gomes: Só para terminar em relação a isso, com relação à cena do Rio eu penso
pra caralho, que eu acho que tem uma força no seu trabalho e dessa galera que tem um
debate estético mesmo, sacou? E acho que uma coisa que a gente pensa pouco sobre os
grandes da MPB é que os caras, quando estavam fazendo aquelas coisas, tinham um
ambiente de interlocução filha da puta, com filósofo, com os concretistas, com
Torquato, com Hélio falando da sua canção. E eu tenho impressão de que isso se
arrefeceu e isso é ruim para a produção.
Romulo: A coisa entre turmas, por exemplo, se perdeu. A música não fala com o
cinema, não fala com o teatro. Lá era o Zé Celso, Glauber, Caetano e o Augusto de
Campos. Isso se perdeu. Porque está todo mundo fodido, o teatro está lá fodido tentando
fazer as pecinhas deles, o cinema virou um negócio coorporativo louco em busca de
editais para produzir, os caras de música ficam lá gravando disco em casa, poeta sempre
foi fodido. E virou nicho, a gente é um grande nicho, é o nicho dos a favor da redução
penal, nicho a favor do casamento homoafetivo, nicho dos sambistas de Guadalupe...
Juliano Gomes: E vocês foram malandros nisso. Eu sinto que vocês conversam, se
questionam e tal. Aqui no Rio eu sinto um atrofiamento e acho isso ruim para a
produção. De começar a se questionar, escrever um sobre o disco do outro, falar sobre,
sei lá, pensar um pouco para fora. Eu escrevo crítica e vejo que essa parada tem muito a
fazer. Pensar o que é essa porra de "Barulho Feio" em relação a tal parada, essa porra
tem a ver com Nelson cavaquinho por quê? etc. E acho que vocês criaram um núcleo ali
que faz isso, que eu acho que é uma força grande pra caralho, é um capital fodido.
Bruno Cosentino: Você estava falando aqui que o pessoal da academia está te
procurando.
Romulo: O pessoal da academia não, os estudantes. A academia nem sabe que eu existo.
Você sabe o que eles falam? Que invariavelmente, 100% das vezes, que o professor fala
para não seguir adiante com o trabalho. Porque não tem capital ainda, bibliografia, não
sei o que, fala para interromper. Aí os mais assim, putos, vão lá e faz. Não sei se eles
ganham boa nota. A academia parou no Mano Brown, foi a última coisa que a academia
ouviu. Aí os estudantes estão tentando virar isso.
Eduardo Losso: Mas isto de uma maioria que você está falando, sempre existem
exceções. Eu sou professor da UFRJ, teoria da literatura, e estou aqui.
Romulo: Mas aqui no Rio eu acho que estão concentradas todas as exceções.
Juliano Gomes: Na PUC todo mundo fala de você.
Romulo: Mas é no Rio. É raridade isso. O Fred já me falou que ele fica apresentando
meu trabalho ininterruptamente nas aulas deles, porque muitas vezes as pessoas não têm
onde ouvir ou ninguém fez esse filtro. Quando eu falava da academia eu me ressentia,
mas agora eu não quero saber mais de ninguém, com toda minha leveza de espírito. Se
eles quiserem ter fortuna crítica comigo, massa, mas se não quiser eu tenho meus
amigos, o Márcio Bulk, o Juliano, o Francisco Bosco, o Bernardo Oliveira, o Fred
Coelho. Os caras escrevem sobre mim. Porque virou um grande clube de amigos - o que
é outra acusação que os caras fazem: “ah, é um bando de amigo”. Mas é claro que é um
grupo de amigos, vocês não estão afim da gente, não dão dinheiro para a gente, vocês
não querem que a gente faça o que a gente faz. Então é nós com nossos amigos. A gente
vai vir tocar na Audio Rebel, a gente vai ficar na casa do Bernardo. Que é uma coisa
que as pessoas também não entendem, você vai tocar e vai ficar na casa do contratante.
É um negócio muito aviltante para a MPB. Hoje eu peguei buzão, 8 horas, estou aqui e
vou tocar daqui a pouco. E os caras também não entendem isso. A figura do artista, que
ficava no Copacabana Palace, não… a gente vai ficar na casa do Bernardo, vai tocar na
Audio Rebel para 100 pessoas e vai ser lindo demais.
Bruno Cosentino: O que eu evoquei com esse negócio da academia é porque o Marcos
[Lacerda] pergunta se é possível dizer que estamos diante da possibilidade de uma
mudança no campo cultural da nossa música popular mais inventiva, com a
possibilidade de consagração cultural e protagonismo real dessa geração de artistas
independentes.
Romulo: Mas o que é protagonismo real? Acho que já existe. Os caras [do Metá Metá]
estão tocando em Roschild, tocaram em Paris. Gravaram com o Tony Allen. O Metá
Metá que é acusado de fazer Afrobeat, o inventor do afrobeat não entendeu nada do
Metá Metá. O protagonismo que as pessoas esperam é o protagonismo do Caetano, esse
não vai existir nunca mais. Nem o Caetano tem, nem ele tem. Não existe, o
protagonismo hoje é do Eduardo Cunha. E dura uma semana, depois vai embora. O
Joaquim Barbosa já foi protagonista, e cadê ele hoje? Não existe mais protagonismo. A
Juçara já é uma das cinco maiores cantoras brasileiras de todos os tempos. Mas aí vai
dizer, como assim? Já é e eu não sei? Aí eu acho que eu e meus amigos desistimos dessa
armadilha, porque isso é uma armadilha para o ressentimento, que pegou muito dos
nossos grandes artistas. Matou o Itamar Assumpção, quase mata o Tom Zé, sabe?
Porque os caras se fuderam mesmo. Porque a gente pode estar aqui pagando de gatão,
mas os caras não, eles estavam ali e se eles não eram o Caetano Veloso, eles não eram
ninguém. Hoje em dia acabou, porque nem o Caetano Veloso é mais o Caetano Veloso.
Então, o que eu acho – e que acho que essa pergunta do Marcos Lacerda é mais por esse
viés de um desejo de que isso seja maior – é que a gente tem que parar de desejar, mas
tem que contribuir para ser maior. O Marcos, o Márcio, vocês, todo mundo… os
programas de rádio, os pouquíssimos que a gente tem, eles contribuem para ser maior.
Então se você está incomodado, mostra para o seu filho, leva seu filho no show. Mas
não vai acontecer. O Criolo, digamos, que é essa figura mais vocacionada para o mito,
para a figura, ele tem todos os elementos que em outras épocas faziam de alguém um
artista, meio messiânico, que fala umas coisas incríveis. Ele que é essa figura, ninguém
sabe direito quem é o Criolo lá no show da Ivete Sangalo. Essa é a maluquice do Brasil.
As pessoas vão lá… muita gente vai ver o Criolo, mas não chega nem perto do que vai
ver a Ivete. Aí é incrível que ele esteja dando conta, e ele é um artista capaz de dar conta
daquilo. Ele fica do lado da Ivete Sangalo e ela tem que dar conta do Criolo, não é o
contrário. Eu, pelo amor de deus, se eu ver a Ivete Sangalo eu desmaio, morro do
coração. Eu não vou conseguir cantar com a Ivete Sangalo. E eu não preciso mais fazer
isso, assim como o Criolo não precisa, ele está fazendo porque ele quer fazer, uma
escolha dele. Mas ele não precisaria fazer, ele já é grande. E muita gente não sabe quem
é. Então, acho que o protagonismo já existe. O Catatau é um protagonista, o Kiko é um
protagonista, o Thiago, a Juçara, o Lucas Santtana é um protagonista. O Siba é um dos
maiores artistas que o Brasil já teve. E é curioso porque ele teve a chance, a
possibilidade de estrelato com o Mestre Ambrósio e não chegaram a ter o tamanho que
o Chico Science teve, mas o Siba foi da indústria. E depois ele pegou e foi para Mata
Norte, foi para o avesso da indústria e está fazendo um disco obra-prima atrás do outro,
sem parar. Ele só faz obra-prima. Aí vai dizer que não é protagonista?
Eu tenho um único problema hoje: lugar para tocar. Em São Paulo eu só toco entre as
pontes, entre as marginais, eu toco na Zona Oeste e no centro. São Paulo é gigante e eu
só toco em 5 casas. Sem contar a mãe de todos: Sesc. Aí o Sesc você tem lá em outros
lugares da cidade. Aqui no Rio tem uma casa, que é a nossa casa que a gente vem todo
dia. Em Fortaleza tem uma e é muito difícil ir para lá, você tem que topar muito, a gente
topa e vai. Em Salvador tem uma, que eu não fui ainda. Em BH não tem. Recife não
tem, sabe? Isso é um gap que a gente não conseguiu reverter e tem a ver com tamanho.
Quando eu digo a gente, eu não estou falando da Tulipa, nem do Criolo, eles cortaram
isso, eles estão em outro lugar. Metá Metá, que é super famosinho, é difícil circular. Os
caras circulam na raça, ficam na casa da galera porque eles são a fim. É mais fácil eles
tocarem em Roschild do que em Maceió. Eles já tocaram duas vezes na Dinamarca e
nenhuma em Maceió. Isso eu acho foda, e tem a ver com os velhos problemas de
divulgação, com os velhos pensamentos da indústria, tem a ver com tudo isso. Agora
isso eu não vejo como vai mudar. Lá em São Paulo criou essa cultura das pequenas
casas, que chamam de pequenas casas, e nós somos muito parceiros. E acho que elas
estão ainda abertas porque também nós somos parceiros. Então tem uma coisa, nós não
podemos deixar esse lugar fechar. Se esse lugar fechar, é uma tragédia pro ecossistema.
Então a Casa de Francisca organiza os concertos todo ano, a galera vai e apoia. E tem os
shows na Casa do Mancha, a galera vai para o Puxadinho. Acredito que da mesma
forma acontece com a Audio Rebel aqui no Rio, pena que é uma só. Mas eu acho que é
muito importante. De novo, os amigos. Aí lá em Fortaleza é a Mambembe, que também
é de amigos, eles falam: “meu, a gente não tem dinheiro, mas a gente consegue
passagem”. Claro, a gente foi, tocou o Passo Torto, Juçara, Metá, e assim vai, de
parceria. Porque se depender dos esquemas, da rádio, digo da “radiona”... a coisa da
rádio é muito louca. A coisa do supermercado, toca na rádio do supermercado e todo
mundo vêm falar comigo: “estava no Pão de Açúcar e tocou Passo Torto”. Aí eu falo,
pode crer, estou sabendo. Imagina se tocasse na “rádio”? Imagina se a Juçara tocasse na
rádio, não no programa da Fabiane, da Roberta e da Patrícia Palumbo, na rádio.
“Transamérica FM” (imita a vinheta) e começa a tocar “Não diga que estamos
morrendo”.  Ia ser legal. Mas eu acho que o dia que isso se resolver, se tiver uma casa
em cada estado, com alguma condição.... aí eu acho que é um negócio do governo, não é
do mercado, o ministério da cultura tinha que bancar casas no Brasil inteiro.
Juliano Gomes: E rádios e TVs
Romulo: E rádios e TVs, exatamente. Isso é uma coisa governamental, porque o
mercado não quer o Encarnado, e eles tem razão, eles querem outra coisa. Eles não
querem pensar, querem ganhar dinheiro. Aí eu acho que é uma coisa governamental,
que é uma coisa que, sem pagar de terceiro mundista, o Canadá tem, a França tem. A
coisa de cinema francês é muito louca, de música no Canadá é inacreditável. O Estados
Unidos tem uma coisa que é o que a gente poderia querer, que eu acho que não vai ter
nunca, que é o chamado mercado independente. O cara toca coast to coast, dentro de
uma van e a cada cidade que ele chega tem duas casas lá. Eu fiquei um tempo lá em San
Diego, que eu fui trabalhar com o Nuno um tempo, na mesma época em que tinha uma
cultura indie forte em São Paulo, na época do pós-rock. Aí foi tocar o Trans AM, foi
tocar o Tortoise - tudo no Sesc, né?. E quando eu estava em San Diego por 15 dias os
caras tocavam num boteco igual a Audio Rebel. É isso que você falou, era a realidade
deles. O bar chamava Clash Bar, em homenagem ao Clash, aí tocou o Trans AM, tocou
o Tortoise, para 100 pessoas. Aí eles vinham aqui para São Paulo os caras não
acreditavam, Sesc Pompéia lotado, matéria na Folha de São Paulo, os manos eram
banda de van lá nos EUA. Não sei se a gente vai conseguir ter isso. Mas eu espero que o
governo faça coisas que contribuam. Eu lembro que teve um edital para pequenas casas,
eu me lembro, foi nítido, a Serralheria, que é um lugar que a gente frequenta, ganhou
esse edital. O equipamento de som melhorou 50 mil vezes. Naquele ano que estava
sendo agraciado por edital a gente tinha cachê, não era bilheteria, eles equiparam a casa
e a casa foi só crescendo. Imagina se tem isso paulatinamente. Foi um ano só, um ano e
a casa mudou de tamanho. A Casa de Francisca é uma casa efetivamente reconhecida
por sua contribuição cultural, então ela vai ganhar uma grana… porque ela tem só 44
lugares, é muito difícil dela gerar dinheiro. Só que faz um trabalho importantíssimo.
Tanto que já encheu o Teatro Municipal, e também o Teatro Oficina dois dias. Portanto,
ela não tem 44 lugares, ela tem 1500, que é o tamanho do Teatro Municipal. Aí basta o
governo, acho que é dever do governo. E eu estou falando da Casa de Francisca porque
é onde eu toco, mas pode ser o clube de hip hop, o baile funk de não sei das quantas.
Porque esse negócio de governo, se dá dinheiro para o funk carioca já começa [as
pessoas a reclamar]. O problema do governo é esse, são as medidas, o que é arte? É
funk carioca ou é samba?
Bruno Cosentino: Só para terminar, uma pergunta do Marcos , quais são as principais
contribuições que sua geração tem dado para a história e para a renovação formal e
estética da música brasileira? Não o seu grupo exatamente, mas que essa geração vai dar
para a história da música brasileira de que a gente é herdeiro.
Romulo: Ah, é difícil dizer, eu já falei muito da coisa da gravação, que parece que é
uma coisa menor, mas eu acho que é uma grande contribuição o avanço das gravações.
O Bernardo Oliveira tem um texto que eu gosto muito, que eu acho que ele fez junto
com o Fred, que é pensar a história da música brasileira não a partir do choro e do
samba, mas a partir da Casa Edison, do primeiro fonograma. É muito interessante ficar
pensando nisso, nas 78 rotações. Aí claro, os músicos mais canônicos acham isso uma
bobagem, mas eu acho que essa geração, por força de sobrevivência, acabou
contribuindo com uma coisa sonora, que quem está aberto e disponível, caso do Caetano
Veloso, como sempre – coisa que eu acho que o Gil não está, como ele fez com Tutty
Moreno e Lanny Gordin lá atrás, ele podia fazer agora, acho que ele ia se surpreender.
Então essa é uma contribuição mais óbvia, mais fácil de se enxergar, se você ouvir os
discos agora, você fala: “nossa, esse som aqui é diferente, tem um outro jeito de pensar
a música, de pensar som”. A coisa da canção tem que ouvir para falar, né? A canção não
morreu nada. O Rodrigo é um novo jeito de fazer canção, o Kiko Dinucci é outro jeito,
o Siba pegou uma tradição nordestina e reinventou. O disco que o Lucas Santtana fez
com voz e violão, Sem Nostalgia, é uma obra prima. Tem muita coisa, precisa ouvir.
Eduardo Losso: Para reflexão das grandes questões: a moral, a ética dos
relacionamentos, a política e a estética. Hoje a realidade é bem diferente daquela na qual
o cenário se criou. O rádio e a TV aberta perderam esse poder universalizante, as redes
sociais e a lógica de mercado criaram vários pequenos fóruns protegidos do outro por
algorítmos e mil muros invisíveis, formando ilhas de reiteração na qual o debate é raro.
O próprio jornalismo enfrenta uma crise de origens e natureza similares à do mercado
fonográfico. Nesse ambiente, a música brasileira ainda consegue ocupar aquele papel?
Se sim, como? E se não, qual o papel que ela ocupa?
Romulo: No que se refere a criação ela ocupa, ela continua. O Metá Metá fala de
questões religiosas, do candomblé, etc. O Rodrigo Campos fala de uma periferia de São
Paulo diferente da que o rap fala. Eu acabo falando sempre das pessoas que estão do
meu lado, porque eu tenho mais intimidade com elas. Mas o rap inteiro está aí para falar
de coisas que nunca se falou. A nova música do Emicida é incrível. Eu vi ele falando a
capella no Circo Voador e eu fiquei assustado com aquele texto, achei bom pra
caramba. O Criolo, o “Não existe amor em SP” virou um mote, é quase “É proibido
proibir”. A publicidade inteira usa. “Existe amor em SP”, “Não existe apartamento em
SP”, “Não existe água em SP”, isso virou uma legenda. Ninguém fala disso. Foi feito há
dois anos atrás, é usado, é um dito popular, virou adesivo. Só que é o Criolo, não é o
Caetano, então é uma coisa menor. Acho que não vai ocupar esse lugar do “É proibido
proibir”, mas questiona, fala de coisas, dialoga com o presente, com o que está
acontecendo no Brasil. Mas ela não dá conta do Brasil, porque o Brasil não é mais para
dar conta. Porque não é mais uma coisa universalizante. Cada um está procurando o seu
espaço, procurando as suas verdades e as verdades são minúsculas, muito específicas,
não dá conta de tudo. Imagina na canção. Por isso não tem uma música só no Brasil,
como teve, né? Era o axé, era o pagode. Dizem que é o sertanejo, mas não é verdade.
Pode estar mais aparente, mas ainda tem muitas outras músicas. A canção ainda é capaz
de refletir, ela reflete, ela dialoga com o presente, mas ela nunca mais vai ter a
importância que Construção teve, que Alegria, Alegria teve. Nunca mais vai ter.

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