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RICHARD PAUL NETO
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VITÓRIO
Revisão
ARLINDO_SAN
A Terra serra salva ou destruída?
Os dados armazenados por um cérebro
positrônico de bordo São o fator decisivo
= = = = = = = Personagens Principais: = = = = = = =
Perry Rhodan — Que pede férias ao Regente.
Reginald Bell — O melhor amigo e confidente de Perry Rhodan.
Gegul — Um inspetor-chefe dos aras, que comete um engano.
Keklos — Biólogo-chefe dos aras.
Talamon — Cuja vida foi salva por Perry Rhodan. Agora o
superpesado terá oportunidade de retribuir de igual para igual.
Topthor — Chefe de um dos clãs dos superpesados, que fareja um bom
negócio.
Aralon, a “fábrica de venenos” do Império dos Arcônidas, não se deu por vencida.
Só uma catástrofe de dimensões planetárias poderia, de uma hora para outra,
imprimir novo rumo a uma evolução milenar. Aralon, o quarto planeta do sol amarelo e
luminoso de Kesnar, situado a 38 anos-luz de Árcon, nem pensava em desistir do melhor
negócio do Universo pelo simples motivo de que o tal do Perry Rhodan andava por aí.
Os aras, verdadeiros gênios em todos os setores da medicina, eram persistentes como
os mercadores galácticos; na verdade, eram mercadores galácticos. Vendiam seus
excelentes medicamentos a preços extorsivos, enquanto cuidavam discretamente para que
em nenhum planeta desaparecesse qualquer das doenças que ameaçavam a vida de seus
habitantes.
Em última análise, queriam ganhar, e a ânsia do lucro caracterizava-os como
mercadores galácticos.
De repente viram-se atacados, pela primeira vez, por uma doença que teria de levá-
los à ruína financeira, se a “infecção” não pudesse ser detida por meios radicais.
A doença chamava-se Perry Rhodan.
Desde que existiam como negociantes de doenças e medicamentos, ele lhes infligira a
primeira derrota. Os aras não estavam dispostos a aceitar outra derrota.
O inspetor-chefe Gegul, responsável pela segurança de Aralon, sobressaltou-se em
meio aos seus pensamentos quando sua assistente Arga Tasla entrou praticamente sem
fazer nenhum ruído e lhe entregou uma mensagem.
— Arga! — a voz de Gegul vibrava. Não levantou os olhos. Pensava no nome Perry
Rhodan com uma expressão malévola, enquanto aguçava o ouvido para verificar se Arga
Tasla parara.
— Pois não! — disse esta da porta.
— Chame Ma-elz e Bro-nud. Quero que estes palermas compareçam dentro de dez
minutos.
Ma-elz e Bro-nud, que eram dois homens altos, pararam em atitude de expectativa,
depois de terem entrado.
— Sentem! — resmungou o inspetor-chefe Gegul e fez um movimento indiferente
em direção às poltronas vazias. Passou diretamente ao assunto: — Rhodan saltou para
Árcon. Por enquanto o perigo passou. Andaram buzinando nos nossos ouvidos que Rhodan
e o cérebro robotizado trabalham de mãos dadas. Como estão as coisas por aqui? Em
Aralon não há mais uma única nave com doentes! E eu lhes garanto que a catástrofe se
espalhará aos confins da Galáxia se não conseguirmos destruir o tal do Rhodan.
— Ainda não temos naves de guerra — foi a observação um tanto prematura de Ma-
elz.
— Não precisamos delas — exclamou Gegul.
— Vamos usar germes? — balbuciou Bro-nud, erguendo-se da poltrona.
— De que doença? — perguntou Ma-elz, endireitando o corpo.
— Será que não poderiam formular perguntas mais inteligentes? — escarneceu Gegul
com um sorriso diabólico. — Vocês só sabem desfiar músicas triviais. Por que será que
ninguém se lembra da única idéia acertada? Por quê?
Ma-elz e Bro-nud não lhe fizeram o favor de lembrar-se da idéia acertada. Naquele
momento, os dois teriam pago uma boa soma se pudessem ter uma ligeira idéia das
intenções do inspetor-chefe.
— É claro — disse Gegul depois de alguns segundos de espera. — A solução mais
simples não ocorre a ninguém.
Cheio de arrogância, refestelou-se na grandiosidade de uma idéia e sentiu-se um
chefe superinteligente e condescendente. Inclinou-se para a frente, fez sinal para que Ma-
elz e Bro-nud se aproximassem e só começou a falar quando os auxiliares se encontravam
diante de sua escrivaninha.
— Minha idéia é esta... — principiou, enquanto Ma-elz e Bro-nud ouviam atônitos.
A idéia do inspetor-chefe Gegul era realmente genial.
Já a essa hora a destruição de Perry Rhodan parecia inevitável, e com ela a do planeta
do qual viera.
***
***
***
***
Enquanto a luta continuava, o coronel Freyt pensava com freqüência cada vez maior
na missão que tinha a cumprir. A Tal CLIII realmente tornava muito difícil alcançar o fim
da batalha desigual. A cada minuto crescia o perigo de que os saltadores pudessem surgir
com outras unidades de sua frota, pois as duas naves cilíndricas que ainda estavam em
condições de combate emitiam constantemente seus pedidos de socorro.
Uma ligeira vibração sacudiu a Ganymed. Um abalo percorreu a gigantesca nave.
Oito ou nove posições de artilharia haviam disparado suas peças ao mesmo tempo. O
espaço escuro transformou-se num plano aberto em leque. Os dedos luminosos
precipitaram-se para as profundezas do cosmos e atingiram as duas naves dos saltadores.
Duas nuvens alaranjadas espalharam-se para todos os lados. O metal derretido
gotejou, as energias dos conversores explodiram em terríveis relâmpagos, os campos
magnéticos entraram em colapso em meio a uma série de curto-circuitos.
As três naves cilíndricas dos saltadores estavam sem a popa. Reduzidas a destroços,
deslocavam-se em queda livre descontrolada e seus tripulantes aguardavam o fim.
Era assim que os saltadores costumavam tratar seus inimigos: só se contentavam com
a destruição total.
Por cima de tudo isso, a esfera monstruosa aproximou-se em meio a um ribombo,
vinda das profundezas do espaço.
A Titan acabara de chegar.
O aparecimento da nave de um quilômetro e meio de diâmetro devia ter provocado
um choque na Tal CLIII. Afastou-se com uma tremenda aceleração.
Foi este o quadro e a ação que se apresentaram aos sobreviventes das três naves dos
saltadores. Compreendiam a fuga do superpesado e estavam mais do que nunca
convencidos de que o fim estava próximo.
Mas a Titan e a Ganymed não demonstraram o menor interesse pelos destroços
desgovernados. As naves aceleraram e não tardaram em desaparecer do raio de alcance
ótico dos náufragos.
Menos de dez minutos depois, quatorze naves cilíndricas penetraram no setor em que
se desenrolara a luta, vindas do hiperespaço. Realizadas em breves intervalos, quatorze
transições provocaram um abalo enorme na estrutura espacial.
A Titan, que voltara a acolher a Tal VI em seu campo superpotente de defesa anti-
localização, registrou todas as transições.
Os olhos de Rhodan chamejavam. Um sorriso disfarçado brincava em torno de seus
lábios. Lançou um olhar para o setor de localização estrutural. O oficial, que se encontrava
em atitude tensa na poltrona, fez um gesto rápido com a cabeça.
— Transição dupla! — anunciou, e forneceu as coordenadas e a direção do salto.
Agora Perry Rhodan sorria satisfeito. Estava pensando no cérebro robotizado de
Árcon. Ali também fora medido o salto duplo. O robô gigantesco olhava tudo com
algumas centenas de milhares de relês arcônidas, aguardando o segundo salto da Titan e da
Ganymed. Esperava o momento de, mediante os cálculos da transição, descobrir o ponto
exato da Galáxia em que ficava a misteriosa Terra, o mundo de que vinha Perry Rhodan.
E Perry Rhodan conseguira iludir o cérebro positrônico.
Em vez da Titan, a Tal CLIII saltara juntamente com a Ganymed em direção ao
centro da Via Láctea. A Titan, aproveitando esse tipo de camuflagem, permanecia no
interior do grupo estelar M-13, pois tinha de realizar algumas tarefas importantes antes de
regressar à Terra ameaçada.
O regente positrônico esperou em vão pelo segundo hipersalto espacial.
O salto não veio, e o compensador estrutural da Ganymed absorveu o abalo da
estrutura espacial. Enquanto a Tal CLIII, desenvolvendo sua velocidade normal,
equivalente à da luz, tomava o rumo do seu setor de origem no grupo estelar, a nave do
coronel Freyt executou a segunda transição. Mas também esta não se dirigia exatamente
para o setor secundário da Via Láctea onde havia um sistema que incluía o planeta Terra.
O superpesado Topthor recebeu a notícia irradiada por seu quartel-general: a Titan e
a Ganymed, pertencentes à frota de Perry Rhodan, haviam tomado o rumo do centro da
Galáxia, provavelmente para dirigir-se ao seu sistema solar.
— Sirger — disse o velho de tez verde com um sorriso feroz — o quartel-general
está exalando gentilezas por todos os poros. Será que já posso saber o que há atrás de tudo
isso?
Não era tão fácil enganar um homem desconfiado como Topthor.
A figura de Sirger, locutor de comunicações do quartel-general dos superpesados,
projetada na tela, não era nada agradável.
— Ainda não conseguimos localizar seu amigo Talamon — disse desanimado.
— Eu também não consegui — resmungou Topthor, ainda mais aborrecido que antes.
Começava a preocupar-se realmente com o destino de Talamon e de sua frota. — Ontem
não houve uma pequena batalha entre três naves dos saltadores e a Ganymed de Rhodan?
Será que as informações que recebi não são corretas? Pelo que soube, a Tal CLIII, que é
uma nave de guerra da frota de Talamon, realizou uma ação corajosa, batendo-se com a
Ganymed a fim de dar aos mercadores uma chance de escapar, mas esse maldito Rhodan
apareceu com a Titan e...
— Tudo isso é verdade, senhor. As informações que tenho diante de mim dizem a
mesma coisa. Mas a Tal CLIII viu-se obrigada a fugir quando apareceu a Titan, e desde
então não dá mais sinal de vida. Estamos tateando no escuro.
— Rhodan... — exclamou Topthor em tom de ameaça, no qual vibrava um ligeiro
desespero. — Onde esse sujeito aparece, sempre há uma porção de acontecimentos
inconcebíveis e de problemas. Fim, Sirger. Obrigado pelo chamado e por seu interesse.
***
Numa viagem-relâmpago, a Ganymed acabara de regressar à Terra. Depois de três
saltos realizados sob a proteção do compensador estrutural, voltara a ingressar no espaço
normal entre as órbitas da Terra e Marte.
Apoiada sobre as quatro aletas de popa, a gigantesca Ganymed estendia o corpo
enorme em direção ao céu. A ponta desapareceu nas nuvens densas que pairavam sobre o
deserto de Gobi.
Nuvens sobre Terrânia! Para o coronel Freyt isso não prenunciava nada de bom,
embora não fosse supersticioso. Terrânia, o minúsculo trampolim situado no deserto de
Gobi, de onde Perry Rhodan se pusera a caminho a fim de conquistar o Universo para a
Terra, era o pólo de força da Terra. Para os homens, representava uma concentração
inconcebível de poder.
O coronel Freyt estava pensando nesse poder enquanto o carro o fazia passar em
velocidade vertiginosa junto aos cruzadores pesados e à Stardust-III.
Acontece que a Terra possuía menos cruzadores pesados que os dedos existentes
numa única mão de um homem. Os mercadores galácticos e os superpesados poderiam
lançar mão de mil vezes esse número. E, se o coronel Freyt ainda se lembrasse do poderio
do Império de Árcon, não poderia fazer outra coisa senão sacudir a cabeça.
— Nossa chance é de um contra um milhão — disse com a voz baixa e o desânimo
ameaçava apoderar-se de seu espírito. Mas logo lembrou-se das experiências pelas quais
havia passado nos últimos anos juntamente com Perry Rhodan, e não pôde deixar de
murmurar: — Nossas chances nunca foram melhores. Temos Perry Rhodan, e os outros
não o têm.
Alguma coisa começou a vibrar em seu interior, a irradiar força para seu espírito.
Essa força vinha de uma distância de 30 mil anos-luz, isto é, do lugar em que Perry
Rhodan se encontrava a bordo da Titan.
Meia hora depois da chegada do coronel Freyt, foi realizada a primeira conferência.
— Major Nyssen, quando o compensador estrutural estará instalado na nave Solar
System?
Foi assim. Freyt disparou uma pergunta após a outra. Exigia respostas precisas. A
comunicação quase chegou a aquecer o ambiente. Indagações formuladas aos estaleiros,
laboratórios, estabelecimentos de controle. Mensagens de rádio dirigidas aos
estabelecimentos que forneciam os componentes corriam em redor da Terra. No curso
dessa conferência, Terrânia chegou a bloquear por meia hora dois terços de todas as
comunicações radiofônicas.
Para a Terra este era o primeiro e o único indício de que havia alguma coisa no ar.
Terrânia só fazia uso de seus direitos irrestritos quando havia um perigo muito grave.
Em todas as estações montadas em satélite foi instaurado o regime de prontidão
rigorosa. A calma reinante nas bases instaladas em planetas e luas chegou ao fim.
O coronel Freyt notou um brilho de entusiasmo nos olhos de seus colaboradores. Não
era a favor desse tipo de heroísmo. Por dez minutos, um filme de Árcon interrompeu a
conferência.
Durante dez minutos, homens perplexos foram bombardeados pelo poderio de Árcon,
que quase chegava a esmagá-los, a aniquilá-los psiquicamente. O filme de Árcon
martelava impiedosamente a alma de cada um.
— Na melhor das hipóteses nós e a Terra temos uma chance de um em um milhão —
disse o coronel Freyt depois da representação, familiarizando-os com a realidade. — As
chances não são melhores nem piores do que sempre foram. Se os aras conseguirem
engajar os mercadores galácticos em prol de seus objetivos, fazendo com que os saltadores
e os superpesados se lancem num ataque à Terra, e não vejo por que os aras não
conseguiriam isso, dentro de pouco tempo o planeta Terra deixará de existir e nosso
sistema terá dois sóis em vez de um.
“Não procurem pensar que Árcon com seu poderio irá nos ajudar. Na opinião do
chefe, é justamente esse poderio que representa o maior perigo para a Terra. Se o
gigantesco cérebro positrônico descobrir nossa posição, nada nos salvará da escravidão, da
sujeição a uma máquina. Se não soubermos defender-nos com nossos próprios meios,
estaremos perdidos. Aguardo suas sugestões amanhã, à mesma hora.”
***
— Bip! — o receptor de hipercomunicação da Titan emitiu um som.
— Chefe — exclamou o cadete Mengs, que se encontrava de plantão na sala de rádio.
— A frota de Talamon entrou em posição de mergulho.
Perry Rhodan fez de conta que não tinha ouvido o título “chefe” com que seu
subordinado se dirigira a ele. Sabia perfeitamente que nas conversas não-oficiais todos o
chamavam de chefe, mas não era costume iniciar uma mensagem com esta palavra.
Virou a cabeça. Bell estava sentado na poltrona do co-piloto.
— Como está o compensador estrutural, Bell?
— Funcionando.
As engrenagens começaram a girar. A Titan estava preparada para o salto. Todos os
preparativos haviam sido completados. A marca zero chegou. O enorme cérebro
positrônico encarregou-se de todos os detalhes. Não poderia haver nenhuma falha humana.
A Titan mergulhou no hiperespaço. Mas desta vez não houve o tremendo abalo
estrutural que costumava surgir quando um objeto se afastava da estrutura espaço-
temporal, e que podia ser medido em qualquer ponto da Galáxia.
A última das grandes invenções dos mercadores galácticos, que eram inimigos
encarniçados de Perry Rhodan e da Terra, era o compensador estrutural. Esse aparelho fora
instalado no corpo gigantesco da Titan. O compensador estrutural havia sido descoberto a
bordo da Ganymed, um couraçado construído pelos saltadores e apresado por Rhodan.
Perry introduzira algumas modificações na nave: colocara quatro aletas de popa e
acrescentara uma ponta de sessenta metros de comprimento. Lançando mão de todos os
recursos de sua tecnologia, a indústria terrana conseguira copiar esse produto de uma
civilização desconhecida. Todavia, o compensador que se encontrava a bordo da nave de
Rhodan era o único exemplar. Muito tempo se passaria até que a Terra pudesse iniciar a
fabricação em série.
Num tempo zero, que só podia ser compreendido em termos matemáticos, a Titan
saiu do hiperespaço e passou a flutuar no silêncio demoníaco e no negrume do Universo.
Estava a 8 mil anos-luz do Império de Árcon, longe de qualquer grupo estelar, num ponto
em que a desolação infinita oferecia proteção contra a descoberta por qualquer nave dos
saltadores.
O cadete Mengs avisara que a frota de Talamon se encontrava em posição de
mergulho. Num ligeiro impulso concentrado, o patriarca Talamon avisara a execução dessa
parte do plano. Sua frota de mais de duzentas naves jazia a mais de oito mil metros de
profundidade, no fundo do oceano de amoníaco. Acima dele, borbulhava a atmosfera
venenosa do gigantesco planeta que tinha oito vezes o diâmetro de Júpiter e no Império de
Árcon era considerado um dos mundos que devia ser evitado: era a peste espacial.
As naves de Talamon mantiveram-se durante 36 horas em posição de mergulho. Era
o que havia sido combinado com Rhodan. Com isso, se retiraria a menor justificativa de
qualquer suspeita de que Perry Rhodan ainda se encontrasse no interior do grupo estelar
M-13, ou de que o superpesado Talamon cooperasse com ele. As instalações de rádio da
Titan haviam captado as mensagens de Topthor, e também os chamados ininterruptos
expedidos pelo quartel-general dos superpesados, que procuravam localizar Talamon. A
mensagem de Talamon passou despercebida, no momento em que estava sendo anunciado
tempo e lugar da assembléia dos patriarcas.
Uma explicação plausível foi preparada para justificar a conduta de Talamon, que se
mantivera em posição de mergulho. Na mesma mensagem se anunciaria que, dentro em
breve, o patriarca poderia oferecer à venda quantidades enormes de aço Árcon-T.
Dali a algumas horas, quando Perry Rhodan, numa ronda pelos postos de sua nave,
passou pela sala de rádio, o cadete Mengs entregou-lhe uma pilha de mensagens
interceptadas e decifradas. Rhodan passou os olhos por elas sem maior interesse.
Subitamente estacou. Bell estava em sua companhia.
— Leia isto, gorducho!
Bell recebeu quatro mensagens para ler. Quando estava na segunda, falou entre os
dentes:
— Será que estes fabricantes de venenos já estão fazendo das suas de novo? —
quando tinha tomado conhecimento da quarta mensagem, seus olhos começaram a
chamejar. — Se eu puser as mãos nesse ara, o Gegul...! — disse em tom ameaçador. — Os
aras são uma raça pior que o demônio. Nada é sagrado para estes médicos... Que médicos,
que nada! São assassinos. Fazem de conta que curam e aliviam o sofrimento para realizar
seus negócios imundos. Perry, você sabe onde fica o planeta Exsar?
O catalogo estelar dos arcônidas forneceu a informação desejada. O cérebro
positrônico de bordo calculou a distância do salto. 4.375 anos-luz não representavam nada
para a Titan. Perry Rhodan e Reginald Bell sabiam que esse salto representava um grande
risco para eles. Porém precisavam certificar-se de que a terrível notícia que haviam
recebido era verdadeira.
A dezoito horas-luz da órbita de Exsar, o sexto planeta da série de nove que gravita
um torno do pequeno sol geminado, a Titan emergiu do hiperespaço sem ser notada. O
tenente Tifflor recebeu ordem para apresentar-se ao chefe.
Perry Rhodan explicou a finalidade da missão.
— ...Não queremos aumentar o risco que corremos, tenente Tifflor. Por isso
levaremos o senhor numa Gazela até dez minutos-luz de Exsar. Usaremos o transmissor
fictício. O senhor chegara ao planeta pela face oposta ao sol. E um dos poucos mundos dos
saltadores. Tem que encontrar um meio de pousar sem ser notado. Só o senhor sairá da
nave num traje espacial. No momento, uma doença está surgindo em Exsar, matando
diariamente duzentas mil pessoas: mercadores galácticos com suas mulheres e filhos. Esse
planeta foi o único que se recusou a mandar um patriarca para participar da assembléia dos
saltadores que será realizada em breve. Face a isso, os aras desferiram o golpe. Recorreram
a sua arte diabólica para contaminar um planeta inteiro. Quero saber se este relato
inconcebível corresponde à realidade. Tifflor, quero que o senhor me traga uma
informação segura sobre se estas mensagens de rádio não são exteriorizações de um doente
mental.
Bateu com a palma da mão contra as quatro folhas dobradas que segurava entre os
dedos.
— O cérebro positrônico lhe fornecerá os dados de que precisa. Não se esqueça de
que a Titan está protegida contra a observação. Tudo entendido, tenente Tifflor?
— Tudo entendido.
O tenente Tifflor, o oficial mais jovem e mais bem sucedido da Terceira Potência de
Perry Rhodan, fez continência. Era um rapaz que à primeira vista não revelava nem a
audácia nem a impetuosidade. Mas, esta sua maneira tinha muita semelhança com a do
chefe, Perry Rhodan.
***
Logo após o pouso em Aralon, o inspetor-chefe Gegul dirigiu-se apressadamente ao
local em que funcionava o Conselho de Médicos. Já anunciara sua chegada. Quando entrou
na ante-sala, decorada com o símbolo médico dos aras, bastante original e um tanto
brilhante, sua secretária Arga Tasla já o esperava.
Gegul cumprimentou-a com um ligeiro gesto da cabeça. Seus movimentos exprimiam
a pressa e também um certo triunfo. Estava retornando de uma missão pessoal, e queria
regalar-se com seu triunfo diante do Conselho de Médicos. Por isso, não parou quando
Arga Tasla se aproximou dele. Quase chegava a encarar a presença dela como um
incômodo.
— O que houve? — perguntou laconicamente.
— Recebemos notícias vindas do planeta Exsar, e...
— Por favor — interrompeu Gegul em tom áspero. De modo antipático, repeliu-a
com um gesto da mão. — Ao menos agora, poderia deixar-me em paz com essas ninharias.
Venho de Exsar; sei o que está acontecendo lá. Daqui a oito dias, o planeta Exsar será
apenas um mundo empesteado...
— Ora, inspetor-chefe! — interveio Arga Tasla em tom quase suplicante. — Todo
mundo sabe disso. Mas duvido que o senhor saiba que sua ação foi observada. Há algumas
horas as mensagens de hipercomunicação são expedidas para todos os quadrantes da
Galáxia, e todas essas mensagens citam o nome do senhor, dizendo que a peste de Exsar é
obra dos aras de Aralon.
O rosto de Gegul, que ainda há pouco era todo triunfo, ficou estarrecido. Os olhos
arregalados fitaram a secretária.
— O Conselho de Médicos já tomou conhecimento dessas mensagens de
hipercomunicação? — gaguejou.
Antes que Arga Tasla pudesse responder, o ruído trovejante de uma nave espacial
que decolava encheu a ante-sala. Gegul encolheu-se sob o ribombar, virou-se
apressadamente para a janela e viu bem ao longe uma nave que disparava para o céu.
Trazia o sinal de Aralon e estava assinalada como nave-médica.
Num vago pressentimento, perguntou a Tasla:
— Aonde vai?
— Para Exsar, inspetor-chefe. Leva uma carga de oitenta e quatro mil toneladas de
soro g/Z 45. Isso representa todo o estoque de que dispomos. Três mil e seiscentos
médicos estão a bordo. Há dez minutos todas as emissoras de Aralon transmitem nosso
desmentido; as mensagens afirmam que não temos nada a ver com a epidemia surgida em
Exsar. Como prova de boa vontade usaremos todo nosso estoque de g/Z 45 em Exsar sem
cobrar nada. Há meia hora surgiu uma pergunta do cérebro robotizado de Árcon.
Gegul sabia perfeitamente quanto custava um quilo de soro g/Z 45. Era um dos
medicamentos mais caros produzidos por Aralon. A epidemia do ritmo de três horas, que
ele mesmo levara para Exsar, possuía o grau mais elevado de contágio.
Três mil e seiscentos médicos foram enviados a Exsar pelo Conselho de Médicos de
Aralon.
Eram três mil e seiscentos candidatos à morte. Nem um por cento deles voltariam a
ver Aralon. Depois do pouso no planeta contaminado, a nave ficaria sujeita a uma
quarentena de cinqüenta anos.
***
Tifflor ouvia no seu receptor a mesma notícia, que era transmitida ininterruptamente
pelo pequeno emissor de hipercomunicação. Sempre voltavam a ser citadas as palavras
Gegul, Aralon, aras e uma expressão da qual não sabia o significado: epidemia do ritmo
das três horas.
Ninguém tomara conhecimento da Gazela. Quem vê a morte diante dos olhos não
está interessado nas visitas que possa receber.
Planando menos de quinhentos metros acima da superfície de Exsar, o tenente Tifflor
disparava a cem quilômetros por hora no seu traje espacial, orientando as antenas
direcionais ininterruptamente na direção do pequeno hiperemissor, cujas transmissões se
tornavam cada vez mais fortes.
Tiff não precisava preocupar-se de ser descoberto. O pequenino campo de deflexão
que cercava seu traje tornava-o invisível.
O campo antigravitacional levantou-o. Que nem uma folha tangida por uma
correnteza de ar, descreveu uma curva ampla por cima das elevações que se estendiam a
seus pés e descobriu o pequeno povoado que ficava atrás das mesmas. Era ali que
funcionava ininterruptamente um pequeno transmissor, alarmando o Império de Árcon.
Quando penetrou no edifício baixo com a antena típica de hipercomunicação sobre o
telhado, ninguém o deteve.
Tiff manteve ativado o campo de deflexão. O saltador que trabalhava no emissor não
poderia ver o estranho, pois do contrário a presença de Perry Rhodan no grupo estelar M-
13 deixaria de ser um segredo.
A porta estava aberta. Tiff sentiu-se curioso quando penetrou na casa. Era a primeira
vez que via como moravam os mercadores galácticos que não viviam em naves espaciais.
Aquela residência estranha surpreendeu-o. Aquela casa, situada numa aldeia,
irradiava conforto e bem-estar. Pela primeira vez, Tifflor sentiu certa simpatia por um
saltador.
Quando a porta que dava para a sala em que ficava o hipertransmissor foi aberta, o
mercador virou-se rapidamente. Por uma questão de precaução, Tiff apontou o projetor
mental sobre ele, desprendeu-se do chão por meio do campo antigravitacional e planou em
direção ao emissor.
Desligou o microfone. Não havia necessidade de que a conversa entre eles fosse
irradiada por toda a Galáxia.
Depois identificou-se como arcônida. Quando o mercador, um homem baixo de cerca
de quarenta anos, lançou-lhe um olhar perplexo, repetiu a mesma coisa em intercosmo.
— Um arcônida? — perguntou o homem, e baixou lentamente a mão direita.
Tiff assentiu.
— Por que você se esconde atrás do campo de deflexão? — perguntou o saltador em
tom desconfiado.
Tiff foi diretamente ao assunto. Só permitiu que seu interlocutor tomasse a palavra
quando havia dito tudo.
— Com essa sua desconfiança você quer que a epidemia mate até o último saltador
de Exsar? Será que os mortos espalhados pelas ruas ainda não bastam? Conte o que viu e
farei o que estiver ao meu alcance para que ao menos alguns milhões sobrevivam à
doença. Depende de você, meu caro.
Dali a duas horas, Tiff encontrava-se na capital do continente.
A vida praticamente se extinguira na cidade. Um hálito pestilento pairava sobre a
metrópole. Tiff viu quadros horripilantes, enquanto planava por cima das casas.
Seu objetivo era a grande estação de hipercomunicação.
Ainda funcionava, mas no gigantesco edifício só havia mortos e moribundos. Não
havia ninguém que pudesse ajudar Julian Tifflor.
Dentro de uma hora, conseguiu ligar o toca-fitas, cujo feitio lhe era estranho, ao
transmissor. Uma fita sem fim começou a correr.
O hipertransmissor repetia ininterruptamente sua transmissão acusadora.
Era uma acusação contra Aralon e os aras.
Era uma acusação pessoal contra o inspetor-chefe, Gegul de Aralon.
Julian Tifflor partira do pressuposto de que o cérebro gigante de Árcon teria de ouvir
a mensagem transmitida ininterruptamente pelo hipercomunicador. Sendo um dos
elementos de Perry Rhodan, tivera muitas oportunidades de testemunhar o funcionamento
lógico e preciso do cérebro positrônico robotizado. Em Aralon, receberiam um pedido de
informações expedido em Árcon. Quando isso acontecesse os aras não teriam outra
alternativa senão fazer o que estivesse ao seu alcance para deter o avanço mortal da
epidemia.
***
***
***
O biólogo-chefe Keklos chamava a atenção não apenas pelo seu tamanho reduzido ou
pelo reluzente jaleco branco de plástico com o distintivo que emitia uma pálida
luminosidade, mas principalmente pela maneira de cumprimentar ou despedir-se de
qualquer interlocutor.
Não conseguia aproximar-se a menos de três metros das pessoas. Se alguém o fizesse
por ignorância ou esquecimento, não deveria admirar-se, pois no mesmo instante a
palestra, por mais interessante que fosse, chegaria ao fim. Keklos dava bruscamente as
costas e se afastava, calando-se.
Mas esse Keklos, ele mesmo um doente, era o mais genial dos biólogos e o mais
desconhecido de todos. Pouco mais de três dezenas de médicos dos aras, com exceção
daqueles que trabalhavam na lua de Laros, sabiam quem era Keklos, o que fazia e o que
sabia.
Keklos não se preocupava com isso. Não se preocupava com coisa alguma, nem
mesmo com as leis divinas.
Muitas vezes suas duras experiências representavam a morte de muitos seres
inteligentes. Não se detinha diante dos arcônidas, nem mesmo diante dos aras, dos
saltadores ou dos superpesados. Se as experiências por ele realizadas traziam o extermínio
de seres inteligentes, isso não o interessava. Só estava interessado em alcançar seu
objetivo.
E até hoje sempre o conseguira.
Muito satisfeito, contemplava os três bios que se encontravam diante dele, separados
por uma parede invisível de radiações. Representavam os produtos mais recentes e
sofisticados das retortas. Eram figuras de três metros de altura, de estatura semelhante à
dos homens, mas providos de quatro braços. No lugar da cabeça alongada, traziam um
objeto de formato redondo.
O biólogo continuava a examiná-los com muito interesse. Não conhecia a menor
emoção. Num movimento lento, pegou a arma de nêutrons, enquanto com a outra mão
movia a chave que desligava a parede das radiações, que formava uma barreira invisível
entre ele e os bios.
Apontou a arma para o bio que se encontrava no centro. Este sabia o que o
aguardava. Um grito inarticulado saiu da boca redonda, que se abriu como um diafragma.
Mas o raio já estava saindo da arma portátil, atingindo-o em cheio.
Até então o impacto produzido por esta arma, que funcionava com base em ondas de
freqüência extremamente curta, representaria a destruição de qualquer forma de vida
orgânica.
Mas o bio não morreu; apenas se sacudiu, até que Keklos suspendeu o terrível
bombardeio de radiações.
Num gesto discreto, restabeleceu a barreira de radiações. Ao mesmo tempo chamou
seus colaboradores. Uma porta abriu-se atrás dele e três aras entraram. Pararam a três
metros de distância e aguardaram as instruções do chefe.
— Vamos realizar o teste de inteligência, a fim de verificar o grau de imunidade dos
bios face às radiações hipnóticas e mentais. Não há mais necessidade de verificar a
resistência ao fogo. Os resultados já são conhecidos. Controlem o poder de expressão
verbal, e também a capacidade de armazenamento de dados. Até amanhã de noite, deverei
ter os dados sobre a resistência à tração da estrutura de tendões, as manifestações de fadiga
e...
As instruções mais pavorosas foram transmitidas no fim, na presença dos bios.
Um deles começou a balbuciar.
Keklos exaltou-se e ordenou com a voz fria:
— Levem estes caras para fora! Chamem Moders!
Moders chegou assim que os médicos-assistentes haviam desaparecido com os bios.
O gigantesco Moders que chamava a atenção pelos traços grosseiros de seu rosto,
parou a três metros do biólogo-chefe.
— Moders — principiou o cientista, caminhando de um lado para outro. — As
instruções que ministrei em relação aos bios estão armazenadas. Daqui em diante, o senhor
cuidará do assunto. Devo dar certa atenção aos saltadores e superpesados que estão
realizando uma assembléia por aqui. Se os resultados do teste, que será realizado amanhã,
forem favoráveis, use todos os meios disponíveis e force a produção de bios, que deverá
atingir cinco mil unidades por dia. Continuaremos a seguir a orientação de que os bios não
devem receber estrutura óssea. Isso só nos faria perder tempo. A estrutura de tendões de
Sargon nos deu menos dor de cabeça.
“Cuide para que os suprimentos de matéria-prima sejam remetidos regularmente de
Gom. Não preciso lembrar a carreira do inspetor-chefe Gegul, que acabou no conversor.
“É só, Moders. Pode retirar-se.”
Keklos, o biólogo-chefe, era um monstro biológico, um ara que se esquecera de que
em todos os recantos da Via Láctea existe uma lei que diz: “Cure os doentes, médico, mas
nunca coloque os pacientes em perigo.”
Keklos esperou até que Moders, que se encolhera com suas palavras, lhe desse as
costas. Depois disso, saiu por uma porta que só se abria por meio da absorção de seu
modelo de vibrações cerebrais.
Uma fita levou-o rapidamente para baixo. Vez por outra uma luz saía da rocha
natural. Seu alcance era apenas de alguns metros. Ninguém suspeitaria de que essas fontes
de luz isoladas constituíam um sistema de controle altamente sofisticado, que trabalhava
com base nas vibrações cerebrais e por isso não poderia ser enganado. Junto a cada fonte
de luz ainda havia um conglomerado de mortíferas armas de radiações, que destruiriam
qualquer pessoa não credenciada que procurasse usar a fita para transportar-se aos
laboratórios mais secretos dos aras.
Uma enorme porta blindada, que também só se abria diante do modelo de vibrações
cerebrais de Keklos, dava caminho para os laboratórios III e C1. Com o passo seguinte
dado por Keklos, uma camada de ar tremeluzente desfez-se diante dele. Um campo de
radiações mortíferas fora automaticamente desativado.
Abriu a porta seguinte, passou por uma comporta onde foi identificado e penetrou na
primeira sala do enorme complexo que formava o laboratório III.
Não deu a menor atenção aos aras que trabalhavam por ali. Caminhando pelo amplo
corredor central, passou pelas retortas, pelas encubadeiras, por todo o conjunto de
complicados aparelhos médicos. Dirigiu-se à sala em cuja porta se via o sinal
inconfundível de entrada proibida.
Keklos teve de parar diante dessa porta. Comprimiu as palmas das mãos contra a
mesma. Subitamente ela deslizou para dentro da parede. Keklos passou rápido e ficou
parado, até que a porta voltasse a fechar-se.
Viu-se numa sala cujas paredes estavam revestidas de plástico azul, inundado por
uma luz intensa, também azul, que o obrigou a fechar os olhos durante um instante. Ao
contrário das outras salas do conjunto que formava o laboratório III, aqui a temperatura era
bastante fresca, quase fria.
O biólogo Keklos estava sozinho.
Nem mesmo Moders, seu colaborador mais chegado, fazia a menor idéia do segredo
que se ocultava aqui.
Neste recinto, o prolongamento da vida orgânica já se transformara em realidade.
Em passos apressados, quase precipitados, Keklos dirigiu-se ao lugar em que havia
uma cadeira diante de um aparelho de aparência primitiva.
Quando sentou, cada um dos seus movimentos exprimia a tensão e a expectativa.
Pegou o microscópio On que se encontrava à sua direita. No momento em que a pequena
esfera metálica negra que se encontrava na extremidade do microscópio se dirigia sobre a
massa gelatinosa, a luz azul difusa apagou-se e uma escuridão impenetrável passou a
reinar na sala.
Imóvel, Keklos esperava. Uma coisa cinzenta apareceu, tornou-se mais luminosa,
assumiu contornos definidos e acabou sendo reconhecida como tela de imagem.
Keklos não fez nenhum movimento. O microscópio On não exigia qualquer tipo de
regulagem. Regulava-se por si mesmo, mediante sua mini-positrônica. Em redor de
Keklos, os campos energéticos formados por feixes de raios zumbiam e crepitavam.
Parecia uma tabuada das bruxas, resultante da combinação da medicina e da tecnologia dos
aras.
O biólogo-chefe Keklos era o homem que sabia fazer a mistura genial dos dois
ingredientes, para atingir seus objetivos.
Conteve a respiração. Mais uma vez o microscópio On desvendava o misterioso
processo de envelhecimento das células, mas aqui...
Keklos era um fanático. Esqueceu-se do tempo e da hora. Seus olhos não se
cansavam de contemplar a tela do microscópio On para enxergar o milagre da juventude
das células que segundo as leis da biologia já deviam ter entrado na fase da atrofia.
Keklos manteve-se num silêncio total. Não proferiu uma palavra, não soltou um
suspiro que exprimisse seu triunfo. Diante de seus olhos estava traçado o caminho que lhe
permitiria prometer a todos os aras, já amanhã, um prolongamento de trinta por cento em
suas vidas.
“Daqui a cem anos”, pensou Keklos, “ainda serei o biólogo-chefe; e daqui a cem
anos já terei descoberto o segredo da vida eterna. É uma pena que não consegui ficar com
Thora para realizar minhas experiências. Estou muito interessado em sua estrutura
celular. Também gostaria de saber por que essa mulher, ao contrário da maioria dos
arcônidas, ainda possui certo poder de iniciativa. Para realizar a nossa série de
experiências, não poderei dispensar os indivíduos do segmento superior da sociedade
arcônida. Amanhã requisitarei dez deles por intermédio de Aralon. Nos hospitais, há
material de sobra...”
Recostou-se e passou a mão pelos olhos cansados. A primeira fase da experiência de
cento e setenta e oito anos havia chegado ao fim.
Em sua imaginação, o biólogo-chefe Keklos já via os aras como sucessores dos
arcônidas, dominando o império do grupo estelar M-13.
Não julgava necessário incluir Perry Rhodan em seus cálculos.
***
***
***
Bell deu o alarma, embora naquele instante tivesse passado, juntamente com os
mutantes, para a menor das naves de Talamon, que os levaria à Tal VI.
— O que houve? — perguntou Perry com a voz tranqüila.
— Pouca coisa — principiou Bell. Quando começava assim, sempre havia alguma
coisa grave. — Você sabia que Laros é uma fortaleza dos fabricantes de venenos, Perry?
Quem manda lá são exclusivamente os aras. Por acaso estou lendo uma dessas ordens de
quarentena...
— Um instante, Bell!
Reginald Bell viu na tela que Perry virava a cabeça. Ouviu a pergunta:
— Crest, o senhor não sabia disso?
Crest, que era um dos líderes científicos do Império de Árcon, sacudiu a cabeça:
— Há trezentos anos Laros era apenas uma base pouco importante de Árcon...
Bell ouviu que o amigo respirava pesadamente.
Perry Rhodan voltou a fitar a tela. Seu rosto exprimia uma tensão mantida sob
controle com uma concentração extrema. Seu instinto infalível farejou a desgraça.
Bell também a farejou. Havia algo de errado nessa ordem de quarentena. Bell
começou a esbravejar. À medida que lembrava os acontecimentos do planeta Exsar e lia as
frases hipócritas dos aras, sua voz tornava-se cada vez mais incisiva.
— Quando foi emitida essa ordem de quarentena, Bell?
Reginald Bell compreendeu a finalidade da pergunta. Perry Rhodan estava
desconfiando de Talamon. Por isso apressou-se em responder:
— Esta ordem ainda não tem cinco minutos. Acaba de chegar de Laros por meio do
hipercomunicador.
— OK! — Perry acenou com a cabeça. — Você já sabe como deve agir juntamente
com os mutantes depois do pouso.
— Muito bem — disse o gorducho com um sorriso. — Não estou preocupado por
nossa causa, mas gostaria de saber o que os membros do clã de Talamon vão dizer à
comissão dos aras quando se encontrar diante de nossa Gazela.
— Você acha que os aras precisam ver a Gazela, Bell? — perguntou Perry em tom
suave e desligou.
O palavrão proferido por Bell não chegou a ser recebido.
***
***
Quando os robôs de combate dos aras apareceram diante das enormes comportas da
nave dos saltadores Xul II, os mercadores galácticos e os superpesados afastaram-se
precipitadamente.
Uma nave do serviço médico dos aras aproximou-se velozmente, pouco acima das
naves cilíndricas dos saltadores. Ininterruptamente ouvia-se o alarma de epidemia, um
sinal conhecido e temido em todo o grupo estelar M-13.
O alarma, além de ser transmitido por via acústica e ótica, o era também por meio de
vibrações.
A pequena nave do serviço médico ainda não havia percorrido metade da extensão do
campo espacial quando apareceram cinco naves de grandes dimensões, pararam acima da
Xul III e erigiram um campo protetor em torno do corpo cilíndrico dessa nave. Pouco
depois, surgiu uma nave gigante dos aras.
Parou exatamente acima da Xul II. Aos poucos, foi-se abrindo a junta da quilha da
nave, que media quase trezentos metros de comprimento e mais de sessenta metros de
largura. A abertura se parecia com a boca de um monstro que estivesse pronto para engolir
a nave contaminada, a Xul II.
A nave gigante desceu lentamente na vertical. Quando se encontrava cinqüenta
metros acima da Xul II, a nave cilíndrica desprendeu-se da superfície do campo de pouso,
foi erguida por potentes raios de tração e introduzida na abertura da nave gigante.
A junta da quilha voltou a fechar-se silenciosamente. Uma escotilha após a outra
foram se fechando. Era um quadro fantasmagórico. Era centenas de naves espalhadas pelo
gigantesco espaçoporto, a ação de socorro dos aras foi acompanhada pelas telas de
televisão. O comentador evitou qualquer auto-elogio. A imagem foi transferida para um
laboratório.
Instrumentos brilhantes, cuja finalidade nem os saltadores nem os superpesados
conheciam, apareciam nas telas. O rosto ascético de um ara surgiu no campo de visão. Seu
olhar hipnotizava os espectadores. Falava lentamente, às vezes com a voz hesitante.
Descreveu a doença que acabara de ser descoberta a bordo da Xul II.
— Já conhecemos essa doença, e dispomos do preparado que nos permite curá-la.
O tom de sua voz permaneceu inalterado. Suas palavras pareciam modestas. Causou
enorme impressão nas pessoas que se encontravam diante das telas.
— Infelizmente vejo-me obrigado a informá-los de que descobrimos hoje na Xul II o
terceiro caso, que nos obrigou a isolar também esta nave. Mas podemos garantir que
restabeleceremos os três patriarcas, que poderão participar da assembléia. Peço licença
para despedir-me e garantir-lhes uma feliz estada em Laros.
Foi o fim da transmissão.
Para o bioquímico Tragh, essas palavras também representaram o fim da carreira e da
vida. Quando a junta médica se retirou, também procurou sair da Xul II para dirigir-se à
nave dos aras que levaria o barco aparentemente contaminado à ilha de isolamento de
Merk.
Porém dois aras o impediram de entrar na comporta. No mesmo instante, farejou o
perigo. Lançou os olhos pelo amplo convés, à procura de socorro. O corredor da Xul II
estava vazio.
Ninguém ouviu o chiado de duas armas de radiações. Os assassinos guardaram os
instrumentos do crime nos bolsos e saíram da Xul II com os rostos sorridentes.
Não pertenciam à junta médica.
Eram funcionários do Serviço de Segurança.
Quando entraram no escritório da nave, o maior deles, com um gesto indiferente,
entregou a arma.
— Missão cumprida — disse laconicamente.
— Foi o segundo caso deste ano em que um ara vendeu medicamentos, ainda não
liberados, aos arcônidas. E esse Tragh o fez quatro vezes. Bem, recebeu a paga por isso.
Estas palavras foram proferidas pelo homem que pegou a folha de plástico.
***
Talamon acabara de pousar em Laros com sua nave capitania Tal VI.
Topthor fizera o necessário para que o amigo pudesse descer junto à sua nave.
Naquele momento, a junta médica dos aras se retirava. Bell e seus mutantes saíram
do esconderijo com os rostos sombrios. Passaram menos de meia hora nos mesmos. Aquilo
que antes do pouso em Laros parecia um perigo enorme, acabara revelando-se uma
simples bagatela.
— Foi uma tapeação — resmungou Bell para Talamon. — Os aras não têm o menor
interesse na saúde de vocês. Os misturadores de venenos só querem fazer boa figura, para
que o fracasso em Exsar caia no esquecimento. Então, todos vocês foram minuciosamente
examinados?
Talamon limitou-se a lançar um olhar perplexo para Bell. O ímpeto com que o ser da
misteriosa Terra se apresentava diante dele era demasiado. Aos poucos, começou a
compreender por que Perry Rhodan conseguira levar a Titan de Árcon apenas com um
punhado de homens. Mas ainda não sabia o que seus hóspedes pretendiam fazer em Laros.
Nem Perry Rhodan, nem Bell lhe haviam contado qualquer coisa a este respeito. Os
mutantes, que estavam sentados atrás dele, sem dizer uma palavra, não reagiam às suas
perguntas.
Talamon compreendia ainda menos o que aquela moça estaria fazendo entre os seres
adultos da Terra. Vivia olhando para Betty Toufry, e quando isso acontecia, Talamon, que
era pai de mais de uma dezena de filhas, mostrava um brilho de bondade paternal nos
olhos.
Já o mutante Ivã Goratchim com suas duas cabeças lhe inspirava certo receio. O
mesmo acontecia com o negro Ras Tschubai, que o chocava devido à cor da pele.
— A assembléia será realizada depois de amanhã, Talamon? A que horas? —
perguntou Bell, parando por acaso diante de um aparelho cuja finalidade lhe era
desconhecida. — O que é isso? — perguntou, apontando para o aparelho.
Talamon moveu sua massa de muitos quilos, aproximando-se sem desconfiar de
nada. O vulto largo de Bell encobria o aparelho.
— Isso... — Talamon quase perdeu o fôlego. Com um movimento instantâneo,
moveu uma chave. Com um brilho esverdeado no rosto, gaguejou: — Quem ligou o
hipercomunicador?
Bell sentiu um calafrio.
Fazia uma hora que conversava abertamente com o patriarca. Mais de uma centena
de vezes mencionara o nome de Perry Rhodan. Dissera quantos estranhos o superpesado
escondera a bordo da Tal VI, quanto tempo a Gazela levaria para abrigar-se no hangar
secreto e qual era seu raio de ação.
Bell lançou um olhar de desespero para John Marshall. Este fez um esforço tremendo
para acenar com a cabeça.
Tako Kakuta, o teleportador japonês com rosto de criança, desapareceu sem que
ninguém o percebesse.
— Ninguém de nós ligou o hipercomunicador — disse Kitai Ishibashi. Realizara um
controle instantâneo no cérebro dos colegas e em nenhum deles encontrara o mais leve
resquício de sentimento de culpa.
Com uma rapidez surpreendente, o superpesado recuperou a capacidade de ação.
Com uma ligeireza de que ninguém o julgaria capaz saltou para junto do
intercomunicador de bordo:
— Fechar todas as comportas! Ninguém poderá sair!
Bell limitou-se a acenar com a cabeça.
O que estava em jogo não era apenas a vida das pessoas que se encontravam a bordo,
mas a de todos os membros do clã.
Mal Talamon desligou o intercomunicador, ouviu-se um chamado vindo da sala de
rádio:
— O patriarca Topthor quer fazer-lhe uma visita.
— Não estou a bordo! — berrou o velho, que não parava de fungar.
— Senhor, eu disse ao patriarca que Talamon está presente...
Soltando uma das pragas dos superpesados, Talamon voltou a desligar para soltar um
grito.
O ar começou a tremer diante dele. E em meio ao tremor, formou-se um ser. Tako
Kakuta voltara a materializar-se diante do superpesado.
Dando todas as mostras de pavor, o velho foi recuando passo a passo até esbarrar na
parede. Fitava aquele homem pequeno e franzino, que estava apresentando seu relato a
Bell.
“Por onde teria andado ele?”
“Na central do hipertransmissor da lua Laros?”
“Quando? Pois há poucos minutos, eu o vi sentado junto ao negro.”
— Ó deuses estelares, e o hipercomunicador... — Bell gritou em meio aos gemidos
desesperados de Talamon:
— Desta vez os deuses estelares não meteram os dedos nisso.
Talamon sempre fora um homem muito cortês. Muitas vezes não compreendia ou
custava a compreender a linguagem figurada de Bell, cujas metáforas sempre estavam
adaptadas às condições terranas. Nervoso como estava, também desta vez não
compreendeu nada. Talamon, o ponderado, o inteligente, o honesto, o superpesado que
nunca era abandonado pela presença de espírito. Talamon explodiu e berrou tão
furiosamente para Bell que quase chegou a derrubá-lo.
Falou nos deuses, dizendo que os mesmos não tinham dedos, e que não compreendia
como alguém podia blasfemar contra eles numa situação como esta. Talamon nem se
lembrou que não costumava ser muito religioso, e que muitas vezes a ambição do lucro o
fizera esquecer os deuses.
Naqueles segundos, jurou a plenos pulmões que nunca mais se desviaria da senda da
virtude e da obediência aos mandamentos dos deuses.
Se não fosse a parede contra a qual se recostava teria fugido da gargalhada de Bell.
Parado diante dele, mal e mal conseguiu colocar as mãos nos ombros de Talamon e disse:
— Acalme-se, Talamon!
O ser, que para Talamon era um monstrinho amarelo com olhos de formato estranho,
também se encontrava ao lado de Reginald Bell.
As intenções de Tako Kakuta eram as melhores possíveis. Apenas queria mostrar-lhe
que a arte de dissolver-se no ar e desaparecer não representava nada de especial.
Mas Kakuta conseguiu exatamente o contrário. Talamon procurou segurar-se em
Bell. O tremeluzir do ar quase lhe rouba o juízo.
— Talamon — gritou Bell — a estação de rádio da Titan deve ter deformado nossa
transmissão de hipercomunicação. Não há outra explicação. Há uma hora os aras que se
encontram na central da grande estação de hipercomunicação andam que nem uns doidos,
porque não conseguem transmitir nem receber qualquer mensagem inteligível. Homem,
será que você ainda anda tapado?
O velho martirizou-se:
— Bell, quem dera que o senhor pudesse falar numa língua que também eu possa
entender. O que significa andar tapado?
***
***
O biólogo-chefe Keklos ficou satisfeito ao ouvir que a grande nave cargueira, repleta
de matérias-primas, decolara de Gom.
“A carga chegou na hora exata para a assembléia dos patriarcas dos saltadores”,
pensou muito feliz e transmitiu suas instruções.
***
Bell estremeceu. Um peso de cinqüenta quilos pousara em seus ombros. Antes que
compreendesse o que era, ouviu a voz fininha de Gucky:
— Gorducho, você me arranjou um trabalho muito bonito! Os aras já estavam para se
atirar em cima da memória do hipercomunicador, e por pouco não ouvem sua voz. Fiz
umas brincadeiras com esses fazedores de pílulas. Quando estavam completamente
prostrados, na memória do hipercomunicador não havia outra coisa senão os lamentos dos
dervixes. O chefe ainda anda preocupado, pois não sabe quem mais pode ter ouvido sua
voz por essas estrelas afora. Até logo mais — Bell não sentia mais aquele peso no ombro.
Ninguém riu da brincadeira do rato-castor. Ainda estavam gelados de susto, e foi esta
a impressão que Gucky levou à Titan.
O rato-castor voltou a materializar-se no colo de Perry Rhodan.
Perry suspirou aliviado. Gucky fez de conta que não percebia nada, mas no seu
íntimo sentiu-se orgulhoso pela preocupação que o chefe sentira por ele.
— Chefe — chiou — no momento não podemos contar com o gordo, nem com os
outros. Li os pensamentos de Marshall. Procura desesperadamente descobrir quem lhes
pregou a peça com o hipercomunicador.
— A coisa está começando bem — limitou-se Rhodan a responder.
***
***
Três patriarcas viram o biólogo-chefe Keklos sair da sala. Depois disso, dois
saltadores e um superpesado trocaram olhares ferozes. Um após o outro sacudiram a
cabeça, em sinal de desaprovação.
Cekztel, chefe de todos os clãs dos superpesados, disse depois de ter calculado que
esse ara com certeza não conseguiria ouvi-lo mais:
— Se ficar doente um dia, prefiro morrer que ser curado por este biólogo-chefe. Já vi
alguns mundos que foram transformados em sóis sob o efeito das nossas bombas, mas
nunca senti o menor prazer em vê-los destruídos. É bem verdade que não cheguei a sentir
compaixão. Afinal, os seres que destruímos foram nossos inimigos, mas nunca maltratei
um ser até a morte. Quer apostar que esse Keklos faz uma coisa dessas?
Siptar, um patriarca muito velho, acenou a cabeça, muito pensativo. O velho Vontran
demonstrou sua repugnância sem rebuços.
— Amanhã será realizada a conferência... — o velho Siptar disse mais alguma coisa
e lançou um olhar de expectativa para Cekztel.
O rosto carrancudo e enrugado deste tornou-se ainda mais furioso. Seu olhar
caminhava entre os dois patriarcas dos saltadores.
— Sem vocês, os mercadores, os superpesados não atacarão a Terra. Se vocês nos
acompanharem com todas as naves que estiverem bem armadas, nós os acompanharemos.
Do contrário...
Se havia uma voz que pesava, era a de Cekztel. Era o chefe de todos os patriarcas dos
superpesados. Ninguém sabia quantas naves de guerra comandava. Era provável que o
próprio Cekztel não soubesse. Porém o que se sabia era que um couraçado espacial dos
superpesados equivalia, nos armamentos, a cinqüenta naves bem armadas dos saltadores.
Siptar, cujos olhos escuros ainda não haviam sido turvados pela velhice e que era
conhecido por sua inteligência e autodomínio, perguntou tranqüilamente:
— Devemos ver nisso uma ameaça, Cekztel?
Cekztel soltou uma estrondosa gargalhada, bateu com o punho na mesa e gritou:
— Vejam nisso uma chantagem, Siptar. Será que os saltadores acham que somos
idiotas? Um ser como Perry Rhodan, que consegue roubar o maior couraçado do Império e
apesar disso colabora com o cérebro robotizado de Árcon, para mim não pode ser
considerado um nada. E, uma vez que ninguém sabe que frota gigantesca Rhodan possui
no setor da Terra, nós, os superpesados, só nos lançaremos ao ataque se formos
acompanhados pelas frotas dos mercadores galácticos. Então, ainda acham que a condição
imposta por mim representa uma chantagem, ou já chegaram à conclusão de que apenas é
um produto da lógica aplicada?
— Como você votará amanhã, Cekztel? — perguntou o velho e sagaz Siptar.
Os olhos de Cekztel relampejaram.
— Pouco importa que amanhã eu me manifeste a favor ou contra o ataque à Terra.
Tudo depende do que vocês decidirem. Se também estiverem dispostos a arriscar alguma
coisa, não terão solicitado nosso auxílio em vão.
Vontran teve a impressão de que estas palavras exprimiam uma exigência pecuniária
dos superpesados. Procurou amarrar Cekztel por meio de uma pergunta lacônica.
O superpesado reclinou-se confortavelmente e perguntou com um sorriso matreiro:
— Será que vocês realmente acreditavam que partiríamos para o ataque de graça?
Será que os mercadores já venderam alguma coisa sem exigir o respectivo pagamento?
Algum de vocês já foi tratado pelos aras e não recebeu a respectiva conta? Meus caros,
vocês estão ficando muito engraçados. Nosso auxílio custará algumas centenas de milhões.
E, se me lembro de que Topthor é o único que conhece a posição da Terra, e que Topthor
também é um superpesado, chego à conclusão de que vocês deveriam pagar o dobro.
— Cekztel! — chiou Siptar. — Você não pode estar falando sério.
Siptar respondeu em tom frio:
— Não costumo brincar quando se trata de dinheiro. Fiquem com o dinheiro. Torçam
o pescoço de Perry Rhodan sem recorrer ao nosso auxílio. Muito bem, pedirei a Topthor
que lhes forneça os dados. Partam para a Terra e ataquem Rhodan. Desejo-lhes muitas
felicidades, suas almas mesquinhas de mercadores.
***
***
Furioso, Talamon deixou-se cair na poltrona. Ainda furioso, lançou um olhar para seu
amigo Topthor.
— Para que serve essa palhaçada com os robôs de combate?
Os robôs haviam detido e revistado Talamon diante da nave de Topthor. Fora detido
e revistado antes de entrar na comporta, e novamente no convés principal, e mais uma vez
diante da escotilha que dava para a sala de comando. De cada uma dessas vezes, haviam
extraído seu modelo de vibrações cerebrais e irradiaram-no para algum lugar, onde seria
examinado.
Topthor parecia muito bem-humorado.
— Você examinou bem os robôs? — A ênfase foi colocada na palavra bem.
Talamon começou a imaginar do que se tratava.
— Serão seus?
— São dos aras.
— Como é que você pode concordar com uma coisa dessas? — gritou Talamon e
levantou-se de um salto.
— Sente, meu caro. Os robôs dos aras estão de sentinela com meu consentimento. Há
duas horas, quando estava escurecendo, foram vistos estranhos no interior da minha nave.
Devem ter sido saltadores.
Topthor viu que o amigo voltou a afundar na enorme poltrona e ouviu seu gemido:
— Estranhos?
O que Topthor não poderia imaginar eram os pensamentos que se atropelavam na
cabeça de Talamon.
Este acreditava saber quem eram esses estranhos.
— Isso mesmo, Talamon. Estranhos. Estranhos foram vistos na casa de máquinas da
minha nave.
No mesmo instante, Talamon sentiu-se aliviado de um peso. Supusera que os
estranhos tivessem sido vistos na sala de comando, onde a posição da Terra estava
guardada na memória do cérebro positrônico. Que interesse poderiam ter pela casa de
força? De consciência tranqüila podia eliminar os homens de Rhodan do grupo dos
suspeitos. Realmente deviam ter sido saltadores.
— O que será que alguém poderia encontrar nas nossas casas de máquinas? —
perguntou com um espanto genuíno.
— Avisei Cekztel, e este transmitiu o aviso ao biólogo-chefe Keklos. Dali em diante,
tropeçamos com os robôs dos aras a cada passo que damos, mas com isso sinto-me um
pouco melhor. Apenas, não estou gostando da assembléia de amanhã. Será que esse
negócio renderá mesmo quinhentos milhões para mim, Talamon?
— Pelo menos — respondeu Talamon em tom grave e lançou um olhar penetrante
para seu interlocutor. — Aconteça o que acontecer, Topthor, você pode e deve confiar em
mim. Mas fique com a boca calada. Se acontecer alguma coisa, não me faça perguntas.
Não gostaria de ver-me forçado a contar-lhe uma mentira. Posso fazer o negócio sem você.
Foi por minha livre e espontânea vontade que lhe cedi uma parte. Quero que, se alguma
coisa não der certo, ao menos haja uma pessoa que continue leal para comigo.
— Para isso você não precisaria presentear-me com um lucro de quatrocentos
milhões, Talamon. Eu... — teve a impressão de ouvir um ruído estranho às costas. — O
que foi isso? — perguntou e virou-se apressadamente.
***
Naquele mesmo instante, Wuriu Sengu que, de olhos fechados, estava sentado ao
lado de Reginald Bell, disse:
— Topthor deve ter ouvido alguma coisa. Virou-se abruptamente e está fitando o
cérebro positrônico. Agora está de pé. Não, voltou a sentar. Está desconfiando de alguma
coisa. Talamon está fazendo uma pergunta. Não responde; em compensação está ligando o
intercomunicador e transmite instruções. No momento, não vejo o menor sinal de Tako
Kakuta.
Reginald Bell levantou a cabeça e lançou um olhar pensativo para Ras Tschubai. Era
o segundo teleportador que, de acordo com os planos, já devia estar na sala de comando de
Topthor para, juntamente com Tako Kakuta, introduzir algumas modificações nos dados
relativos à Terra armazenados na memória do cérebro positrônico.
Acontece que Tako Kakuta não conseguira penetrar na sala de comando sem ser
notado. Bell esteve a ponto de fazer uma pergunta a Sengu, o espia, quando os três —
Tschubai, Sengu e ele mesmo — se assustaram com um estrondo.
Com o estrondo, o teleportador pequeno e franzino rematerializou-se. O rosto infantil
sob a testa abaulada exprimia contrariedade.
Tako Kakuta caíra durante a rematerialização.
— Foi isso — disse com a voz martirizada. — Foi exatamente isso que aconteceu
quando cheguei à sala de comando de Topthor.
Ergueu-se lentamente, sacudindo a cabeça.
Kakuta não soube explicar o que acontecera.
— Ishibashi, o senhor percebeu alguma coisa? — perguntou Bell, dirigindo-se ao
sugestor.
— Sim senhor, mas também não sei explicar do que se trata. A coisa apenas roçou
em mim de leve. Quase chego a pensar que se tratava de uma coisa enfeixada.
— Wuriu Sengu, o quadro, que o senhor viu, permaneceu nítido durante todo o
tempo? — Reginald Bell aguardava ansiosamente a resposta do espia.
— Bastante nítido! — respondeu Sengu em tom decidido.
— Pois nesse caso vou falar com Marshall — decidiu Bell e levantou-se. — A
missão “setor de armazenamento” sofrerá um ligeiro adiamento.
Retirou-se para procurar John Marshall, que nas missões dos mutantes costumava
dirigir os comandos.
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Wuriu Sengu dera o sinal convencionado a Tako Kakuta e Ras Tschubai. A força de
sua mente permitia-lhe enxergar a sala de comando de Topthor.
Estava vazia.
Atrás de Sengu o ar começou a tremeluzir em dois pontos diferentes, e nesse
tremeluzir desapareceram os dois teleportadores.
No mesmo instante, Sengu os viu quando se esconderam na sala de comando do
superpesado, atrás da cúpula maciça do hipercomunicador.
Os dois teleportadores logo conseguiram orientar-se. Aproveitaram-se do fato de
terem estudado a Tal VI de Talamon, inclusive a sala de comando. Depois que, graças à
capacidade de Marshall, ficaram sabendo do segredo de Topthor, examinaram o cérebro
positrônico com uma atenção toda especial. O dispositivo positrônico, que ocupava quase
toda a parede oposta ao assento de pilotagem, era a reprodução fiel do aparelho existente
na nave de Talamon.
Apesar disso, não era nada fácil reprogramar determinada área do setor de memória.
Graças ao processo hipnótico dos arcônidas, ambos possuíam o saber de um especialista de
Árcon. Mas, para dominar os princípios da positrônica na teoria e na prática, precisariam
do quociente intelectual de Perry Rhodan ou Reginald Bell.
O gorducho sabia tudo de cor. Seria o homem indicado para o serviço. Mas Bell não
era teleportador, e, sem essa faculdade formidável, já teria morrido sob o fogo dos robôs
de combate dos aras, que vigiavam a nave de Topthor em fila quádrupla.
Mas Ras Tschubai e Tako Kakuta não dependiam exclusivamente de sua própria
capacidade.
Bell, que às vezes assumia grandes riscos, desta vez agira com a cautela de
estrategista frio. Não queria deixar o menor detalhe por conta do acaso.
Wuriu Sengu via o que se passava na sala de comando de Topthor e constantemente
emitia seus comentários lacônicos.
Diante dele, estavam sentados John Marshall e Kitai Ishibashi. Marshall era o
telepata mais eficiente de Perry Rhodan, e Ishibashi era um sugestionador que, por várias
vezes, provara que era capaz de impor sua vontade a centenas de pessoas num espaço de
tempo extremamente curto. E a impunha de forma tão intensa e duradoura que as pessoas
atingidas se convenciam de que agiam por vontade própria.
Como último recurso, Bell mantinha em reserva o telecineta Tama Yokida. A
distância entre a Gazela e a sala de comando de Topthor fora medida com toda a precisão.
Yokida tinha um croqui sobre as pernas. Nele se via a forma pela qual estava dividida a
sala de comando, os aparelhos existentes, e qual era a distância entre as peças mais
importantes.
Tama Yokida interviria se surgissem robôs. Recorreria à força de sua vontade e lhes
dispensaria um tratamento que os faria voar pelo ar como se fossem balões e, com um
impacto violento, os transformaria em sucata.
Subitamente a voz de Wuriu Sengu parecia um tanto nervosa.
— A escotilha está sendo aberta. Topthor está entrando na sala de comando
juntamente com dois membros de seu clã.
Sengu ainda não havia acabado de falar quando Marshall e Ishibashi entraram em
ação.
Bell se mantinha um tanto afastado. Fumava. Seu olhar era tranqüilo. E não estava
excitado por dentro. Examinava cuidadosamente seus comandados. Os que haviam entrado
em ação trabalhavam com o máximo de segurança e concentração.
Kitai Ishibashi procurou atingir a vontade de Topthor. Penetrou instantaneamente em
sua mente e logo descobriu o ponto de apoio a partir do qual seria mais fácil influenciar o
superpesado. Ishibashi batizara o procedimento com o nome de método das camadas. Não
inundava a vontade de outra pessoa com a força de uma cachoeira, mas impunha-lhe sua
vontade em camadas progressivas.
John Marshall, que era telepata, não poderia dar apoio direto à tarefa de Ishibashi.
Em compensação, controlava os pensamentos da vítima e fornecia ao sugestionador
indicações preciosas sobre a maneira de aplicar seu dom.
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Topthor esperou até que a escotilha se fechasse atrás dele. Em seu rosto velho e
esverdeado, havia uma expressão de contrariedade.
— Sentem — disse em tom rude aos membros de seu clã.
Os dois jovens superpesados, cuja figura era quadrática como a do velho, deixaram-
se cair nas poltronas. Não deviam esperar nada de bom; era o que dizia o rosto zangado de
Topthor.
— O tal do Keklos, chefe dos aras em Laros, está ficando louco. Vocês ficarão de
sentinela aqui até que eu mande revezá-los. O biólogo-chefe está vendo fantasmas. Quer
transformar os estranhos que foram vistos nesta nave e que infelizmente conseguiram
escapar em figuras que trabalham para Perry Rhodan. O que eu acredito e o que vocês
acreditam é coisa que só diz respeito a nós mesmos. Keklos exerceu certa coação sobre
mim. Colocou-me diante da alternativa de vigiar a sala de comando através de meus
homens e manter contato audiovisual permanente com ele, ou então vê-lo colocar meia
dúzia de robôs de combate dos aras na mesma. É isso. Mostrem suas armas.
Um dos membros do clã praguejou. Parecia muito contrariado. Mas cumpriu a ordem
de Topthor, exibindo suas armas tal qual o outro. Os dois fitaram o velho e arregalaram os
olhos.
Topthor, o velho ranzinza que vivia resmungando, riu. Piscou animadamente para os
dois.
— Instalem-se de modo confortável — disse em tom bonachão. — Se quiserem
dormir um pouco, fiquem à vontade. Quanto ao contato com Keklos, falarei com ele da
minha cabine. Se continuar a insistir, avisarei.
— Falou, meu senhor — disse o mais alto dos dois com uma risada e deu um soco
nas costelas do outro. Subitamente parecia muito bem-humorado e guardou todas as armas
no fundo do bolso. — Por todas as estrelas do Universo, estou cansado como quem
atravessou uma bebedeira de três dias e três noites.
— Pois comigo está acontecendo a mesma coisa — disse o patriarca e bocejou
gostosamente. — Está na hora de ir para a cama.
Com estas palavras retirou-se.
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Tako Kakuta e Ras Tschubai, que se mantinham escondidos atrás da enorme
instalação de rádio da nave de Topthor, piscaram alegremente um para o outro.
Desde o momento em que o velho se dispôs a controlar as armas de seus
subordinados, transformara-se de uma hora para outra num ser totalmente diferente. Ele,
que a bordo de sua nave costumava escrever a palavra disciplina com letra maiúscula,
sugeria que a missão que acabara de confiar aos dois membros de seu clã não fosse levada
muito a sério.
Os dois teleportadores sabiam quem tinha suas mãos naquilo, e de onde partia a
influência exercida sobre os três superpesados.
Os passos pesados de Topthor afastaram-se depois que este fechou a escotilha.
Mais uma vez, os mutantes que se mantinham agachados atrás das instalações de
rádio trocaram um olhar. Aguçaram o ouvido. Aguardavam os roncos dos superpesados
que estavam sentados nas poltronas.
Silenciosos que nem duas sombras os dois mutantes saíram de trás das instalações de
rádio.
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A menos de três quilômetros de distância, no interior da pequena cabine da Gazela,
Bell deu esta ordem ao telecineta Tama Yokida:
— Providencie para que nos próximos quinze minutos ninguém consiga abrir a
escotilha que dá para a sala de comando de Topthor.
Tama Yokida limitou-se a acenar com a cabeça e liberou suas energias telecinéticas,
tangeu-as para a nave de Topthor e ali desencadeou forças tremendas. Essas forças
atingiram o mecanismo da fechadura da escotilha, interpuseram-se entre os relês arcônidas,
fizeram com que potentes campos magnéticos entrassem em colapso e desempenharam o
papel de solda indestrutível que ligasse a escotilha e os trilhos pelos quais a mesma devia
deslizar.
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— Que diabo, o que está acontecendo agora? — berrou Bell no assento de piloto da
Gazela e fitou o painel.
A Gazela perdeu velocidade e saiu da rota, embora devesse acelerar a 0,5 luz.
Reginald Bell gritou pelo intercomunicador, dirigindo-se à casa de força. Ali estava de
serviço o mutante de duas cabeças, Goratchim, e Wuriu Sengu.
Da casa de força, Bell só ouviu um estertor desarticulado. No mesmo instante,
também se sentiu atingido pela força. Mais uma vez estendeu seus tentáculos, vindos do
desconhecido, e parecia esmagá-lo no assento de piloto.
Em algum lugar da Gazela, começaram a chiar aparelhos que nunca haviam emitido
qualquer som. No assento do co-piloto Tako Kakuta se encolhera. Bell sentiu-se desmaiar,
quando de uma hora para outra a força o largou e a bruxaria terminou.
— Paramecânica — fungou Marshall.
Bell só compreendeu pela metade. Seu rosto, geralmente corado, parecia cinzento e
envelhecido.
— A telecinese a uma distância destas? — disse em tom incrédulo.
A Gazela, mantendo o curso que lhe fora imposto pelo poder desconhecido, corria
vertiginosamente em direção ao planeta gigante de Gom.
— Temos que transmitir um pedido de socorro à Titan e...
Bell não conseguiu dizer mais nada. Sentiu-se agarrado, comprimido e martirizado de
dois lados.
“É o fim”, pensou. Numa atitude de desespero reuniu todas as energias e balbuciou
para John Marshall:
— Entre em contato com... com... com Gucky.
A inconsciência caiu rapidamente sobre Bell.
Marshall esqueceu o próprio destino. Algo cresceu em seu interior. Concentrou-se
apesar do medo de morrer, estabeleceu contato com Gucky, o rato-castor que se
encontrava a bordo da Titan. Conseguiu transmitir ao ser peludo alguns fragmentos de
idéias:
— Data... Terra... O cérebro positrônico de Topthor... reprogramado para Beta...
Gucky não captou mais nada.
Toda a vida no interior da Gazela entrou na zona crepuscular da inconsciência. A
nave de esclarecimento de grande alcance corria ininterruptamente em direção ao planeta
Gom, arrastada por forças tremendas, e naquele instante penetrava nas primeiras camadas
rarefeitas da atmosfera daquele mundo infernal.
Foi a hora mais dura de Perry Rhodan.
Teve que permanecer inativo enquanto perdia seu melhor amigo, enquanto a Gazela
caía com os melhores dentre seus colaboradores sobre o planeta Gom.
Não devia intervir. O espaço cósmico em torno de Gonom era uma selva de raios de
localização tateantes. As naves de Laros haviam decolado em enxames para caçar o
pequeno veículo espacial que se ocultara na Tal VI.
O alarma rugiu por toda a Titan. Após alguns segundos a gigantesca nave esférica
estava preparada para entrar em combate. Perry Rhodan parecia alheio a tudo. Estava
lutando consigo mesmo. Bastava que queresse, e a queda da Gazela seria detida.
Não poderia fazê-lo. Não devia pensar em si. O destino da humanidade terrana estava
em suas mãos.
Com a voz firme, deu ordem para afastar-se. Apesar da enorme proteção contra a
localização atrás da qual se ocultava a nave esférica, não se podia excluir a possibilidade
de que uma das inúmeras naves que andavam por esse setor do espaço a localizasse por
acaso.
A ordem de Rhodan não fora inspirada pela coragem nem pela covardia. A segurança
da Terra exigia que ele a desse.
Um sorriso feroz passou-lhe pelo rosto quando se lembrou da alteração dos dados
armazenados no cérebro positrônico de Topthor.
Naquele instante, o rato-castor, que estava agachado a seu lado, chiou:
— Será que o gorducho nunca mais volta, Perry? Ele tem de voltar, pois do contrário
não haverá mais ninguém que eu possa chatear de verdade...
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