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ILMO.

SENHOR PRESIDENTE DA COMISSÃO PROCESSANTE INSTITUÍDA


PELA PORTARIA DE NÚMERO 1.948/2019 – GAB.

Servidor: José Pires dos Santos, brasileiro, ocupante do cargo de Guarda


Patrimonial, matricula n° 10.332-2, vem por meio desta, através de seu
Defensor Dativo infra-assinado, com base no artigo 5°, inciso LV da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1998, e no artigo 153 da Lei
Federal n° 8112/90, e a Lei Municipal 2.215/1991, oferecer:

DEFESA FINAL

Com base nos fatos e fundamentos que seguem.

1. FATOS:

Em 17 de dezembro de 2019, foi instaurado o presente Processo


Administrativo Disciplinar (PAD) contra o indiciado, com a publicação da
Portaria n° 1.948/2019, o qual tem como objetivo a apurar os fatos
comunicados na C.I. Número 11/GP/2019.

Narra que conforme documentos acostados indicariam indícios que o


servidor indiciado teria supostamente cometido uma falta funcional:

a) Que na data de 08/12/2019, o servidor da Guarda Patrimonial José Edson


de Oliveira, matrícula 11.859-1, recebeu um bilhete contendo ameaça,
supostamente deixado pelo Guarda Patrimonial José Pires dos Santos,
matrícula 10.332-2, o qual está trabalhando no mesmo posto de trabalho de
José Edson, porém em turnos diferentes.

Acontece, Excelência, que as ditas alegações não foram confirmadas


nem sequer seu caráter gravoso foi demonstrado, limitando-se ao Indiciado, a
responder, em seu interrogatório, de acordo com o andamento do processo,
esta Defesa se vê prejudicada desde a formulação da Defesa Prévia, pois este
Defensor Dativo não participou da inquirição do indiciado, como também não
foi ouvido a parte da suposta vítima. Esta seria ouvida como informante junto à
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Comissão, pois foi quem sofreu as consequências da irregularidade


supostamente praticada. A grande utilidade desse informante não é servir
necessariamente como prova, mas indicar algum meio probatório que possa
auxiliar no andamento do processo. Por exemplo, dizer que outra pessoa
estava no local dos fatos no dia em que ocorreram ou mencionar algum
documento que possa ser usado como prova documental, além da já anexada
ao processo. A partir desse elemento, tanto a Comissão como a Defesa
poderiam produzir novas provas.

Igualmente, tais relatos se deram em sede de inquérito, que como se


sabe , é procedimento inquisitivo e permite flexibilização do contraditório, não
podendo ser tomadas incontestes os fatos ali relatados.

Assim, por considerar não estarem presentes os requisitos para eventual


persecução criminal, vem a esta Comissão requerer e fundamentar conforme o
que segue.

I. PRELIMINARMENTE: DA FALTA DE JUSTA CAUSA PENAL E


INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA

No caso dos autos, inexiste a materialidade suficiente a sufragar


eventual ação disciplinar em que as provas – se é que assim podem se chamar
– coligadas aos autos são oriundas do testemunho em Boletim de Ocorrência,
o que, como se sabe, não podem fundamentar eventual sentença
condenatória.

Não obstante, conforme a prova coligada ao processo inquisitório não há


como se verificar verdadeira e fidedigna a suposta ameaça, o que por si só
obsta a deflagração da denúncia criminal.

Além do mais, a palavra do ofendido não deve ser tomada como


verdade absoluta, mas sempre com muita cautela, conforme lições da doutrina:

“Contudo, ao nosso sentir, a palavra do ofendido deve sempre ser


tomada com reserva, diante da paixão e da emoção, pois o sentimento de
que está embuído, a justa indignação e a dor da ofensa não o deixam livre
para determinar-se com serenidade e frieza (cf. H. Tornaghi, Curso, p.
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392) (*) in, JURISPRUDÊNCIA CRIMINAL: PRÁTICA FORENSE:


ACÓRDÃOS E VOTOS, Rio de Janeiro, 1999, Lumen Juris, página 20”.

Prova baseada em Boletim de Ocorrência, Declaração unilateral do


autor, ônus probatório que incube ao autor, ao qual não foi ouvido, art. 333, I,
CPC, Nos termos do art. 333, I 1, o ônus da prova incumbe ao autor quando ao
fato constitutivo de seu direito, o Boletim de Ocorrência, por si só, não é
documento hábil a demonstrar a ocorrência da ameaça, vez que se trata de
peça baseada apenas e tão somente nas declarações prestadas pela vítima.

Assim sendo, por não existirem requisitos mínimos para a denúncia,


requer seja a denúncia rejeitada, conforme art. 395, III, do CPP.

Aliás, no presente caso existem dúvidas sobre a real existência de


infração penal de ameaça, porquanto sequer houve dolo, bem como que a
insuficiência de provas induz necessariamente que se proceda à absolvição do
Acusado, nos termos do art. 386, VI e VIII, do CPP.

II. DA ATIPICIDADE POR FALTA DE DOLO ESPECÍFICO E AUSENCIA DE


TEMOR

Como se sabe, o crime de ameaça, do art. 147, do CP, consiste em


ameaçar alguém de causar-lhe mal injusto e grave, exigindo-se, como
adequação ao tipo legal – tipicidade – o efetivo dolo do acusado e a
possibilidade de a vítima sentir-se efetivamente amedrontada.

O indiciado agiu sentimentalmente, conforme em seu depoimento, sem


qualquer intenção de incutir na vitima temor capaz de tipifica-lo no dispositivo
penal em comento, ou seja, não houve seriedade na ameaça capaz de produzir
intimidação relevante para o Direito Penal.

Veja que, para caracterizar o crime de ameaça, esta deve ser real,
idônea e séria, senão vejamos:

O crime de ameaça consiste na promessa feito pelo sujeito ativo de um


mal injusto e grave feita a alguém, violando sua liberdade psíquica. O mal
ameaçado deve ser injusto e grave.
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(...) A ameaça para constituir o crime tem que ser idônea, séria e
concreta, capaz de efetivamente impingi medo à vítima. (BITENCOURT,
Cezar Roberto. Tratado de direito penal, parte especial 2: dos crimes
contra a pessoa. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 421.) (...)

Igualmente, destaca Guilherme de Souza Nucci:

“Inexiste ameaça quando o mal anunciado é improvável, isto é, liga-


se a crendices, sortilégios e fatos impossíveis. Por outro lado, é
indispensável que o ofendido efetivamente se sinta ameaçado,
acreditando que algo de mal lhe pode acontecer; por pior que seja a
intimidação, se ela não for levada a sério pelo destinatário, de modo a
abalar-lhe a tranquilidade de espírito e a sensação de segurança e
liberdade, não se pode ter configurada a infração penal. Afinal, o bem
jurídico protegido não foi abalado. O fato de o crime ser formal,
necessitando somente de a ameaça ser proferida, chegando ao
conhecimento da vítima para se concretizar, não afasta a
imprescindibilidade do destinatário sentir-se, realmente, temeroso”.
(NUCCI, Ghilherme de Souza. Código penal comentado. 14ª ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2014, p. 692.)

Esclarece ainda Cleber Masson, em seu livro Código Penal Comentado,


4ª edição, senão vejamos:

“[...] é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de intimidar


alguém. É imprescindível tenha sido a ameaça efetuada em tom de
seriedade, ainda que não possua o agente a real intenção de realizar o
mal prometido. [...]”. (MASSON, 2016, p. 711)

Na realidade, o indiciado escreveu contra seu colega de serviço em


situação de descontrole e estado anímico alterado, em consequência de um
momento de fraqueza e estresse, sem cunho ofensivo e sem intenção de assim
agir. De mais a mais, não se pode tomar como temerosa a ameaça advinda de
sujeito que, dada a compleição física e sua idade já avançada, não pode incutir
medo na vítima.
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Complementarmente, não há sequer lógica para a utilização, na peça


acusatória, do art. 7, III, da Lei 11.340/2006, visto que o acusado não agiu de
forma a causar violência em nenhuma das formas previstas no dispositivo
legal. Inexiste violência física e também não existe sequer violência
psicológica.

Ausente nos autos prova do dolo específico do réu, não há como se


impor decisão condenatória. Impositiva a absolvição, em virtude da
observância do princípio do in dubio pro reo.

Logo, o “ônus probandi”, no tocante a imputação feita indiciado, cabe a


quem alega o que jamais restará evidenciado nos autos.

Portanto, Excelência, não se pode imputar o crime ora mencionado


quando inexistente o dolo, seja ele direto ou indireto, na medida em que a
suposta “ameaça” deu-se em condições em que é latente o desinteresse de
causar qualquer dano real à vítima, sendo impositiva a absolvição sumária com
base no art. 386, III, do CPP, por atipicidade do fato.

III. DO DIREITO ÁS ATENUANTE

Conforme o art. 2016 da lei nº 2215/1991:

§ 1º São circunstâncias atenuantes da infração disciplinar, em especial:

I - O bom desempenho anterior dos deveres profissionais;

II - A confissão espontânea da infração;

III - A prestação de serviços considerados relevantes por Lei;

IV - a provocação injusta de superior hierárquico.


·.
IV. DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO
Apenas para fins de argumentação, caso ao final o Indiciado seja
condenado à pena mínima referente à infração disciplinar imputada, requer
seja aplicada a suspenção condicional do processo, por estarem presentes
todos os requisitos para tanto previstos no art. 696 r seguintes do CPP.
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V. PEDIDOS

Ante o exposto, requer:

a) O arquivamento do processo, por falta de justa causa para a ação;

b) A absolvição sumária, nos termos do art. 397, do CPP;

c) A absolvição, nos termos do art. 386, III e VII, por ausência de tipicidade e
por falta de provas suficientes;

d) Caso haja a confirmação, da existência da falta disciplinar por parte do


indiciado, seja considerado o seu arrependimento posterior, a sua boa fé, a
sua confissão espontânea, e a sua vida pregressa funcional.

Nesses termos, pede deferimento.

Cascavel, 03 de Março de 2020.

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Osvaldo Cezar Gonçalves de Andrade
Defensor Dativo

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