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A partir do surgimento das vanguardas artísticas europeias no final do século XIX e da construção de uma relação entre seus

objetivos e planos e dos desígnios e objetivos do modo de produção que começava a guiar os rumos da Europa de maneira decisiva após a
Segunda Revolução Industrial – o capitalismo moderno -, tem surgido com toda força a discussão de que se há limites para a arte,
considerando como limites suas formas de representação conceitual do mundo e ruptura com as formas tradicionais de representação. Nesse
sentido, gestos como o de Marcel Duchamp, no início do século XX, de levar um mictório para uma exposição e considerá-lo como obra de arte
ou mesmo a exposição “Queermuseu – cartografias da arte brasileira” revelam que o senso comum ainda espera da arte um compromisso com
o belo no seu sentido mais banal e fugaz (da mera representação) ou que a arte seja apenas um passatempo acessório para momentos de
descontração ou diversão, ou seja, o deslocamento da arte como incômodo para a arte como acessório.
Em um primeiro momento, nota-se que a visão mais forte sobre o papel da arte dentro do senso comum é de que ela deve ser um
“caminho para a beleza”, considerando uma beleza “limpa e higienizada”, ou seja, destituída de todas as possibilidades do real. Em cima disso,
espera-se que a arte seja nada mais que uma alegoria do que acontece no mundo, tal como um quadro que retrata uma paisagem do campo ou
uma pintura que traga o rosto de uma pessoa. Nesse sentido, pensando naquilo que Theodor Adorno apresenta, a arte acaba sendo tomada
dentro de um ideal utilitarista de conforto, vindo principalmente das demandas do capitalismo moderno, que busca confortar os indivíduos
após longas jornadas de trabalho ou após um “dia ´serio de trabalho”, preferencialmente acompanhado de uma bebida. Por fim, nota-se que
pensar a arte dessa forma retira toda sua capacidade de deslocar e reorganizar o real, conferindo a ela apenas o caráter de mero passatempo.
Seguindo na esteira da arte como passatempo, pode-se também argumentar que a arte vista dessa maneira retira de sua construção
e concepção a ideia de engajamento e ruptura, pontos presentes no trabalho artístico desde sempre. Por exemplo, ao se considerar obras como
a Monalisa ou os quadros de Rubens, que geralmente buscavam retratar o real ou criar um outro real a partir de elementos como simetria e
harmonia das formas, nota-se um processo de ruptura brutal com as obras de um período anterior, principalmente considerando, nos exemplos
mencionados, o deslocamento para a pintura em três dimensões e o retrato do homem como centro de um novo universo artístico e intelectual,
papel que jamais caberia a esse homens em outros tempos. Isso significa que, mesmo quando cria o “belo das expectativas”, a arte já rompe
com algum tipo de estética que a desloca para um outro eixo.
Em cima do que foi exposto, deve-se afirmar que a arte não é meramente um “passatempo para as horas de lazer”, mas sim um
elemento de forte presença na construção e criação de elos com o real e com a formação do homem. Tratar a arte como elemento a ser limitado
pelos desejos de grupos sociais ou de expectativas vindas da demanda de um certo modo de produção em um determinado período histórico é
esquecer que a ruptura é característica fundante da arte desde seus tempos imemoriais, o que simplesmente indica que o produto artístico,
inclusive quando retrata fielmente algo, é alheio aos desejos e demandas daqueles que não compreendem os rumos da arte.

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