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O uso da balaclava em
operações policiais de alto
risco
Marcelo de Lima Lessa

Publicado em 10/2017. Elaborado em 10/2017.


Abordam-se os pormenores doutrinários do uso da balaclava nas operações policiais
de alto risco, discorrendo sobre os fundamentos técnicos desse polêmico
complemento de vestuário, de modo justificar a legalidade e a regularidade do seu
uso.
Em 2017, repercutiu na imprensa brasileira a ação de alguns militares das Forças
Armadas no Rio de Janeiro que, durante uma incursão na Rocinha, teriam feito uso
de balaclavas com figuras de caveiras estampadas. Por certo, pareceu-se ter dado
maior destaque a esse detalhe do que ao conflito armado capitaneado pelos
traficantes de drogas, estes sim, os verdadeiros obstáculos à paz dos moradores
daquela região.
Nesse particular, não é demais lembrarmos que, em 20 de dezembro de 2012, a
Secretaria Especial dos Direitos Humanos publicou uma resolução, a de n° 8, que
em seu inciso XVII vedou o uso, nos fardamentos das Polícias, de símbolos e
expressões com conteúdo intimidatório ou ameaçador, dispositivo esse, a nosso
ver, subliminarmente direcionado aos grupos que envergam a figura da caveira em
seus vestuários e estandartes.
Tal se deve, cremos, à fala de um personagem do longa-metragem “Tropa de Elite
2”, o qual, na porta de um presídio, protestava contra a Polícia, cujo símbolo é
caveira, como se isso, por si só, a ligasse com a morte. Bem, sinto desapontar os
que creem nisso, mas o dístico da caveira, na doutrina de operações especiais, não
se refere especificadamente à morte, mas sim, à vitória sobre ela. A caveira, nesse
particular, representa a coragem, o destemor, o conhecimento; e jamais a
nocividade, esta sim peculiar a outro tipo de crânio, qual seja, aquele que dentro do
contexto dos produtos perigosos, repousa sobre dois ossos cruzados e estampam as
embalagens das substâncias tóxicas. Ou seja, são focos conceituais totalmente
diversos.  
 Mas voltemos à balaclava, que tanta celeuma tem causado entre os fiscais das
nossas forças de segurança. Para os leigos, isto é, para os que não conhecem a
fundo a doutrina de armas e táticas especiais, ela é uma touca cuja finalidade
genérica seria a de esconder o rosto do policial. Em outras palavras, a antítese da
transparência. Ledo engano. Tecnicamente, a balaclava de emprego policial é um
capuz, geralmente feito de material antichama ou fibra de aramida, que tem por
finalidade precípua dar proteção ao rosto e ao pescoço do policial durante
determinada missão não convencional. Ela é parte integrante da vestimenta do
profissional de operações especiais, que somente a utilizará em situações
justificadas ou de alto risco, e não de forma indiscriminada ou para mera ocultação
de identidade, como comumente se propaga. Mas o que é um “profissional de
operações especiais”? É aquele que faz parte de um grupo tático, de resposta
rápida ou de “comandos”, isto é, equipes de assessoramento e execução especial,
cuja função básica é emprestar suporte tático à atividade ordinária do corpo
convencional da Polícia ou da força militar a qual pertencem. Os diferenciais dessas
equipes são o treinamento, o equipamento e os procedimentos de campo. No
Estado de São Paulo, como exemplo, podemos citar o Grupo Especial de Reação da
Polícia Civil e os Comandos e Operações Especiais da Polícia Militar. E em âmbito
nacional, o Comando de Operações Táticas da Polícia Federal.
O emprego da balaclava, bem sabemos, é controverso, tanto que já se tentou
disciplinar o seu uso através de um Projeto de Lei Federal (o de n° 1.483, de 23 de
outubro de 2000), o qual, ao fim, restou integralmente vetado (mensagem da
Presidência da República, n° 1.483, de 23 de outubro de 2000), pois se reconheceu
que ela faz parte do equipamento de proteção individual do policial, e deve ser
usada apenas em ações táticas e ocorrências de perigo, conforme dissemos.
Ademais, a competência da União, no tocante às polícias estaduais, se limita ao
plano de normas gerais de organização institucional, sendo vedada a imposição de
preceitos que impliquem regras procedimentais, tais quais o modo como
operacionalizam os seus protocolos ou vestes.
Desse modo, cabe então destacarmos algumas considerações de natureza técnica
sobre esse equipamento quanto ao uso policial, a fim de emprestarmos subsídios
aos operadores do Direito que, embora tendo sólida formação jurídica, por vezes
desconhecem os princípios doutrinários que norteiam as ações policiais, os quais,
por certo, não são aprendidos nas academias de ciências jurídicas e sociais, mas
sim, e tão somente, nas de Polícia.
O primeiro foco a ser enfrentado é o alusivo à proteção ao rosto e ao pescoço do
usuário. Como visto, uma balaclava adequada para o serviço policial é estruturada
em nomex ou em kevlar, ou, ainda, de outros materiais que detenham propriedades
protetivas similares. O nomex é uma fibra antichama reforçada e resistente a altas
temperaturas. Já o kevlar é uma fibra de resistência mecânica (polímero amido-
aromática), que oferece excelente proteção contra cortes e estilhaços.
Assim, no caso de uma ação dinâmica com o emprego de explosivos ou artefatos de
distração (hipótese de resgate de reféns ou tomada de ambiente hostil), a balaclava
de kevlar protege a cabeça, o pescoço, a face e a jugular do policial contra os
efeitos causados pela explosão (pressão, vapor, resíduos de gás, calor etc) e
também contra estilhaços provenientes do material onde o explosivo for
empregado (farpas de madeira do batente de uma porta, fragmentos de plástico ou
borracha sintética etc).
Por outro lado, em ambientes propícios ao fogo, como laboratórios destinados
ao refino de entorpecentes e cadeias em revolta, o nomex irá funcionar como
excelente instrumento de vedação contra as agressões causadas pelo calor,
produtos químicos e detritos em geral.
No caso dos confrontos armados, se os operadores estiverem próximos ou
progredindo num ambiente confinado, os estojos ejetados das suas armas de apoio
não representariam perigo de contato direto com a epiderme caso atingissem uma
área descoberta, pois a balaclava adequada administraria o impacto e
principalmente o calor. Sem esse complemento de vestuário, corre-se o risco do
estojo penetrar no corpo pela gola da veste e causar reações involuntárias, que
podem comprometer a velocidade e a precisão da ação.
Em resumo, a balaclava de uso policial, respeitadas as devidas proporções,
funciona como uma espécie de “luva” da cabeça do operador, pois a protege contra
as várias intempéries dos cenários atípicos em que ele atua.
O segundo ponto alude a questão da proteção da identidade e da privacidade do
agente. O policial, pela própria natureza das suas missões, não raro estará sujeito a
represálias por parte dos seus oponentes. Assim, em algumas operações
específicas, como remoções ou escoltas de presos acompanhadas pela mídia, a
identidade do policial estará protegida contra a exposição gratuita, deveras
prejudicial para quem executa tarefas não convencionais, dada a diversidade de
espectadores anônimos que assistem e registram esses eventos.
Convém aqui um parêntese. A balaclava, se corretamente usada, não esconde pura
e simplesmente a identidade do policial, mas sim, a preserva, isso porque o chefe
da operação, superior dos componentes do grupo, saberá, de antemão, a
identidade de cada um dos policiais que estará naquela diligência, algo que não
precisa ser compartilhado com a mídia ou com pessoas avessas à ação, mas
apenas com a cadeia hierárquica de comando ou de supervisão dos operadores.
O terceiro item se refere a chamada “ação de choque” (a “agressividade
controlada”) peculiar às  chamadas “entradas dinâmicas”, onde temos alvos
localizados. Toda equipe tática, numa invasão de ambiente hostil, deve ser capaz
de manter a superioridade da ação e intimidar psicologicamente os criminosos, a
fim de que estes percam o foco de resposta ofensiva. O impacto emocional de um
assalto tático deve ser suficiente para que os delinquentes sofram uma sobrecarga
negativa nos seus impulsos reativos e, em razão da surpresa, fiquem
desestimulados e impossibilitados de contra-atacar. Nesse particular, a balaclava
cumpre um importante papel como instrumento de intimidação, já que os indivíduos
subjugados pelos operadores apenas verão, se muito, os olhos dos policiais, que
terão a expressão facial inteiramente obstada. Dessa forma, sentimentos como a
emoção ou o cansaço serão preservados, fazendo com que o perpetrador da
salvaguarda de um refém, em razão da latente demonstração de força, segurança e
técnica do operador, fique sobrepujado.
Dito isso, entendemos que a balaclava de uso policial, longe do que propalam
alguns, é um equipamento indispensável para os cenários de atuação dos grupos
de operações especiais, pois ela protege a integridade física do operador, preserva
a sua identidade e otimiza a ação de choque necessária para o domínio seguro de
um ambiente crítico, sem, com isso, esbarrar em qualquer mandamento legal.
O que se deve combater, isso sim, é a utilização da balaclava (ou touca similar) em
flagrante desvio de finalidade, seja em situações comuns, seja em diligências
ordinárias, sob pena do equipamento perder a sua razão funcional de ser e, aí sim,
angariar críticas justificadas para as instituições policiais ou militares.

Autor

Marcelo de Lima Lessa

Delegado de Polícia em São Paulo desde 1996, professor de Gerenciamento de


Crises e Conduta Policial da Academia de Polícia “Dr. Coriolano Nogueira Cobra”.
Graduado em "Gerenciamento de Crises e Negociação de Reféns" pelo FBI - Federal
Bureau of Investigation e em "Controle e Resolução de Conflitos e Situações de
Crise com Reféns" pelo Ministério da Justiça. Atuou no Grupo de Operações
Especiais - GOE, no Grupo Especial de Reação - GER e no Grupo Armado de
Repressão a Roubos - GARRA, todos da Polícia Civil do Estado de São Paulo.
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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)


LESSA, Marcelo de Lima. O uso da balaclava em operações policiais de alto risco. Revista Jus
Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5896, 23 ago. 2019. Disponível em:
https://jus.com.br/artigos/61397. Acesso em: 2 abr. 2020.

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