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DICIONARIO
DE
PSICOSSOCIOLOG IA

Direcção de

JACQUELINE BARUS-MICHEL
EUGENE ENRIQUEZ
ANDRÉ LÉVY

Com a colaboração de

Jean-Marc Huguet
AUTONOMIA Blaise Ollivier

A psicossociologia opera entre duas autono- É notável que os atenienses, que foram capa-
mias, a de um colectivo e a dos indivíduos que zes de conceber a sua autonomia política, não
nele cooperam. Para apreender os problemas tenham desenvolvido um pensamento da auto-
que se colocam nesta situação intermédia e para nomia pessoal. Jean-Pierre Vernant (1996) mos-
medir as suas dificuldades, é útil considerar a tra como «a sua representação do indivíduo não
heterogeneidade que diferencia uma da outra. traduz a singularidade do nosso ser, a originali-
A este respeito, a história da palavra, desde o seu dade fundadora ... A alma é impessoal ou supra-
aparecimento na língua, é esclarecedora. A au- pessoal. Em nós, ela encontra-se para lá de nós,
tonomia colectiva é nomeada, concebida e fala- não sendo sua função assegurar a nossa parti-
da muito antes da autonomia pessoal. A primei- cularidade de seres humanos, mas sim dela nos
ra é política, a segunda é psíquica. Mas esta di- libertar integrando-nos na ordem cósmica ou
ferença, por muito profunda que seja, não im- divina». Para os gregos antigos, «o conhecimen-
pede que interajam uma com a outra. Construir to de si e a relação consigo mesmo não se po-
a autonomia do grupo contribuirá, cedo ou tar- dem estabelecer directamente» porque a identi-
de, para despertar desejos e capacidades de au- dade de um indivíduo define-se apenas pelo que
tonomia individual. E desenvolver processos os outros vêem e dizem dele: «Para se fazer re-
psíquicos de autonomização pessoal acabará por conhecer é preciso ter superioridade sobre os
manifestar incidências políticas. rivais, numa incessante competição pela glória.»
O «Conhece-te a ti mesmo» não é, na Atenas
História do conceito de autonomia: de Sócrates, um apelo para entrar na interiori-
um conceito político dade subjectiva individual. Vernant diz-nos que
o oráculo significa: «Aprende os teus limites,
o conceito de autonomia nasceu na Grécia, convence-te de que és um homem mortal, não
na esfera política. Atenas conquistou a autono- tentes igualar-te aos deuses ...» E que Sócrates
mia fornecendo a si mesma os meios políticos, ensina: «Conhece aquilo que és verdadeiramen-
económicos e militares para «sereger segundo as te. Aquilo que em ti é tu próprio, isto é, a tua
suas próprias leis». alma [...]. A alma, se desejar conhecer-se a si
Estes meios consistiram em lutas armadas mesma, deve contemplar uma outra alma e,
para sujeitar outras cidades por meio da colo- nessa alma, a parte em que reside a faculdade
nização, ou em tratados de aliança a fim de or- própria da alma, a inteligência, ou outro objec-
ganizar, no seio de federações, dependências to gue se lhe assemelhe.»
mútuas. E certo que se reconhece ao indivíduo uma
Assim, o aparecimento do conceito de auto- vida privada. Tolera-se que alguns, em privado,
nomia implica a aptidão para emergir de situa- se comportem «segundo o seu prazef», mas a
ções conflituais criando aliados em número su- forma do indivíduo grego mantém-se essencial-
ficiente. Pensar a autonomia é pensar as suas re- mente social. A sua prossecução é determinada
lações com os outros, com a dupla finalidade de pelo «desejo de se ilustrar, de adquirir aos olhos
não lhes ficar submetido e de lhes mostrar os dos seus pares, pelo seu estilo de vida, pelos seus
benefícios que podem retirar da autonomia. méritos, pelas suas liberalidades, pelas suas ex-
Mais do que independência, comporta uma plorações, renome suficiente para fazer da sua
modalidade relacional. Esta implica, por um existência singular o bem comum de toda a ci-
lado, identificar perigos, alguns dos quais amea- dade, ou mesmo de toda a Grécia».
çam o exercício da autonomia, e por outro re- A imortalidade, para os que a atingem, não é
conhecer a necessidade de estabelecer acordos uma componente da sua autonomia pessoal.
com os outros, cujos recursos são indispensáveis Aliás, não é acessível a todos. É produzida pela
à criação de leis próprias e ao seu respeito, pelas «glória imperecível e pelo respeito de todos, para
quais a cidade se torna autónoma. todo o sempre [...]. É a garantia, para quem soube
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AUTONOMIA

merecê-Ia, de uma perenidade estabelecida no uma coerência pessoal através dos papéis assu-
próprio cerne da existência social dos vivos». midos e das mudanças consentidas. Comporta
Serão necessários cerca de vinte séculos para momentos fortes e privilegiados, nos quais o su-
se adquirir a ideia de que uma interioridade jeito se encontra no início de um começo. Mas
subjectiva consistente pertence, com as suas leis pode regredir, desaparecer em situações alienan-
próprias, ao indivíduo humano, conferindo-lhe tes mal dominadas. A aquisição da autonomia
a possibilidade de viver a sua vida de forma au- individual não se encontra definitivamente ga-
rónoma, por sua própria conta. rantida, tal como o conceito se encontra ainda
o que se refere à língua francesa, o dicioná- num estádio de elaboração inacabada;
'0 etimológico Robert indica que as primeiras - a autonomia individual comporta um certo
ocorrências da autonomia com um significado afastamento do grupo, que admite e institui
:adividual datam do século XIX. Mesmo depois, como legítima esta separação. Este aspecto de
o conceito é mais frequentemente utilizado nas independência que confere ao indivíduo uma
suas dimensões sociais e políticas. garantia fundada em si e a disposição para viver
Este afastamento no tempo leva-nos a reflec- a sua vida a seu modo implica um risco de re-
:ir sobre a dificuldade de constituir o indivíduo gressão se a independência assumir a forma de
znmo ser autónomo. uma inaptidão relacional.
Entre os autores que tentaram empreender Marcel Gauchet (1988) analisa a emergência
bosquejo sobre a história da individuação de um «hiperindividualisrno- contemporâneo
.::umana, referimo-nos aqui à tese de Ignace que caracteriza pela perda de uma relação posi-
_ !eyerson (1951). Este autor apresenta uma his- tiva com uma precedência social e cultural. Esta
:ória da noção de pessoa, sublinhando a sua forma de individualismo produz uma regressão
mplexidade, não linearidade e estado inaca- das aptidões para a autonomia pessoal que de-
o. Mostra diferentes aspectos cuja conver- grada o princípio das relações com os outros, a
~. cia ajuda a elaborar o conceito de autonomia da precedência social.
:JeSSOal,enquanto os momentos em que apare-
;::::.nas línguas e nas obras, se encontram muito Construção da autonomia
- dos uns dos outros. e subjectividade individual

-ria da noção de pessoa A autonomia individual é uma mudança de


segundo I. Meyerson alteridade. Tal como as sociedades compreende-
ram a sua autonomia colectiva muito antes da
_leyerson, ao fundar a psicologia histórica, das pessoas, cada sujeito individual nasce sob o
- um domínio de pesquisa específico: a evo- regime da heteronomia antes de poder aceder
•- das funções do psiquismo humano. Ao ao da autonomia .
ntro de uma ideia recebida segundo a qual O sujeito inicia a sua vida sob a lei de um ou-
~, a consciência de si, a ideia de ser uma tro que não ele mesmo. Leis, normas, valores e
, seriam dados de forma directa, imediata ideais precedem-no. No exterior de si, a realida-
~ ::sim-itiva,o autor estabelece que estas noções de social impõe as suas organizações. No inte-
- construídas, complexas, tardias, e que têm rior de si, as suas primeiras instâncias psíquicas
história. E possível constituir abordagens dão às ligações que o fazem viver a forma e o
=inando compilações de factos sociais, lin- significado de uma sujeição necessária e desejá-
icos, religiosos e morais. vel. Um outro que o precede é interiorizado
:leste bosquejo histórico, que não podemos como Superego e como ideal do Ego. O Ego en-
~ pormenorizar, retemos três pontos em es- contra, ou julga encontrar, aí as suas regras.
A autonomização implicará, assim, uma des-
- a autonomia do sujeito individual é solidá- locação do sujeito relativamente àquilo que pri-
com os processos sociais favoráveis à indivi- mitivamente interiorizou do outro, já nessa oca-
•- 0, de que resulta o individualismo con- sião precedente .
râneo;
autonomia é instável. Constitui-se numa A heteronomia precede a autonomia
- entre processos de imitação, de dispersão,
o efeito dos constrangimentos exteriores e de Freud mostrou que as pulsões e os desejos
ovimento de retoma de si, para elaborar inconscientes obedecem a significantes. Assim,
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representações de coisas, cenários e palavras es- tência, é igualmente desejável e provisória. Exis-
cutadas assumiram o poder sobre os movimen- te uma plasticidade do narcisismo; é nesta me-
tos e as emoções do sujeito. Estes significantes dida que, em seguida, o narcisismo, uma vez se-
são determinantes sem serem produzidos por cundarizado, poderá sustentar e valorizar sub-
uma qualquer deliberação, pensamento ou de- jectivamente a lenta marcha em direcção à au-
cisão pessoais. É por esta razão, tal como a psi- tonomização, cuja direcção é apontada pela
canálise mostra, que eles não são falados porque fórmula bem conhecida de Freud: «Onde está o
primeiramente foram pensados, mas poderão Id; o eu deve advir,»
ser pensados somente depois de terem sido fala-
dos, na medida, sempre limitada, em que o su-
Do «sujeito a ... » ao «sujeito de ... »;
jeito conseguirá apropriar-se daquilo de que fala
a função sujeito
e reconhecer o que diz.
O poder dos desejos inconscientes, estrutura-
No começo deste percurso existe uma dor psí-
do por significantes, é tal sobre o comporta-
quica, uma queixa que se repete. O sujeito, não-
mento do indivíduo que nos sentimos inclina-
-sujeito-vítima, isto é, «sujeito a» sofrer os im-
dos a julgar que os seus desejos lhe pertencem
pedimentos ao seu desejo «de que o Eu surja»,
por direito próprio. Todavia, a exploração do in-
queixa-se das suas alienações. Se fala deste sofri-
consciente pode estabelecer que o significante
mento, refere, à sua maneira singular, através do
se inscreve no psiquismo do sujeito, a partir dos
sintoma, os objectos negativos, hostis ou ator-
alectos, das palavras e dos desejos de qualquer
mentadores. O seu efeito é o de lhe imporem a
outro que se encontre na sua origem, mãe e pai.
sua lei e assim impedirem que conheça a sua
Neste estado, a lei do sujeito é a de alguns ou-
própria lei. Neste estado, o sujeito-vítima quei-
tros e os seus desejos estão-lhe submetidos. Ve-
xoso não pode imaginar que tem acesso, legiti-
mos assim que a heteronomia é simultanea-
mamente, ao desejo de ser ele mesmo. Além dis-
mente primária, pois que precede, e por esse
so, não poderá identificar em si mesmo tal de-
facto transcende, os acessos ulteriores à autono-
sejo senão quando se tiver desligado suficiente-
mia, e primordial, porque fundamenta os movi-
mente da sujeição para poder formular um
mentos do sujeito rumo à sua vida, à sua con-
pensamento positivo sobre si.
servação e ao seu desenvolvimento.
O arranque para este desligamento é a activa-
ção daquilo a que Paul-Laurent Assoun (1993)
Autonomia e narcisismo chamou a função sujeito. Sublinhando que
Freud utilizou pouco o conceito de sujeito, ele
Podemos questionar-nos sobre um eventual mostra, todavia, que o dispositivo da psicanáli-
germe de autonomização no regime primeiro da se, concebido para trabalhar sobre o inconscien-
heteronomia. O sujeito, antes de estar no seu te e o pré-consciente, faz emergir uma função
lugar, situado na vida a seu talante, apto a go- psíquica que consiste em se introduzir, ou rein-
vernar a sua capacidade desejante segundo a lei troduzir-se, como «sujeito de» qualquer aspecto
do seu ser para a vida, autónomo, retira um be- da sua própria vida psíquica onde, por necessi-
nefício narcísico da sua sujeição ao Outro. Na dade, por erro ou por acidente, fôramos antes
fusão com o outro, ele toma gosto pelo Id que precedidos ou excluídos. A precedência pode ser
não pode saber ainda quem ele é. Neste gosto acompanhada pelo significado de exclusão,
por este Id, ser vivo anteriormente à formação como acontece na cena primitiva, dando um
do Ego, podemos avançar a hipótese de um ger- fundamento inconsciente à fórmula: «Eu não
me de autonomia. Esta aproximação do narci- pedi para existir.»
sismo primário e da autonomia é certamente Mas o facto de ter sido precedido pode tam-
paradoxal, pois o efeito do narcisismo não é o bém introduzir um significado capaz de alimen-
de fundar o sujeito, mas a ilusão da sua omni- tar fortemente o narcisismo. Roussillon (1991)
potência por meio da sua indiferenciação no ou- empregou a este respeito o conceito de «crédito
tro. Todavia, diga-se também que a heterono- de subjectivação», Este constitui-se quando o
mia retira a sua força de imposição não só das desejo do outro se antecipa ao momento em
realidades fisiológicas evidentes mas provisórias, que o Eu poderia tornar-me sujeito por sua pró-
as que criam a vulnerabilidade do bebé e da pria conta. Outros pensam, com Roussillon,
criança muito pequena, mas também de uma que se este crédito estivesse totalmente ausente,
realidade psíquica cuja imagem, a da omnipo- o sujeito seria forcluído. Sem este vestígio, no
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AUTONOMIA

indivíduo, da função sujeito, o caminho para a Este regime de heteronomia é também um re-
autonomia não se poderia abrir. gime de idealização cuja carga de violência de-
Aquele começa pelos deslocamentos que con- termina as figuras da alteridade. Face ao deten-
duzem o indivíduo, em seguida à postura de ter tor do monopólio da lei, o Ego é ameaçado de
estado «sujeito a» suportar o regime da hetero- inconsistência. Uma das suas resultantes imagi-
no mia, à posição em que se reconhece «sujeito nárias é a de se identificar com aquele que o
dos» seus sintomas, dos conflitos que eles indi- ameaça, que por vezes considera arbitrário ou
cam, dos desejos que eles ocultam. Uma vez ini- perseguidor. A sua relação com os outros é en-
ciado este percurso, com o auxílio dos recursos tão marcada pelo desejo, pela paixão de possuir
de um crédito de subjectivação originária, a o que eles parecem possuir, de ocupar o lugar no
emergência do Eu «sujeito da» sua própria vida qual eles parecem beneficiar de certas vantagens.
pode ser narcisicamente investido, enquanto Assim actuando, o Ego projecta as compensa-
objecto desejável. ções masochistas e as autocensuras que teve que
desenvolver para se adaptar ao regime da hete-
ronorma,
Desconstruir as figuras do Outro
Este conjunto de representações relativas à al-
no regime da heteronomia
teridade está, sem dúvida, na base das socieda-
des que se organizam sobre a desconfiança mú-
Abrir o caminho da autonornização pessoal
tua. Estas sociedades impeliram a independên-
comporta um preço a pagar. Sair da heterono-
cia dos indivíduos para um nível elevado. Mas
mia implica uma mudança de economia psíqui-
as figuras da alteridade que são produzidas por
ca. Esta mudança não se produz naturalmente
este individualismo não correspondem a um ní-
com o tempo, exige um trabalho subjectivo de
vel de autonomia pessoal muito desenvolvido.
desconstrução das representações interiorizadas
O desenvolvimento da autonomia passa, com
do Outro.
efeito, pelo trabalho psíquico de desconstrução
Por exemplo, certos fantasmas relativos à ori-
destas representações, que pode parecer estar
gem podem afectar a representação do Outro,
fora do alcance da capacidade do sujeito, sub-
na medida em que ele possui ·0 monopólio de
metido, como está, às exigências do Superego
um poder, de ameaças de destruição. Se qual-
que, ao mesmo tempo que estas o socializam, o
quer circunstância contribuir para reactivar es-
confrontam com o medo e a culpabilidade.
zes fantasmas no imaginário do indivíduo, este
É por isso que o indivíduo não inicia sozinho
pode ser submergido por um sentimento de pâ-
uma desconstrução que vai afectar profunda-
nico que, nesse instante, lhe barra todo o acesso
mente a sua organização psíquica. Aquela passa
2. sua verdade de sujeito.
pelo reconhecimento do laço intersubjectivo,
um estádio mais avançado de desenvolvi-
que diferencia a autonomia da independência
mente psíquico, o Superego e o Ideal do Ego
individual.
_roduzem figuras de alteridade que deverão ser
A psicanálise não é, sem dúvida, o único
saficienrernente desconstruídas para abrir a via
modo de conduzir esta desconstrução. Mas
-- auronomização pessoal, pois no trabalho de
constitui um processo privilegiado de acompa-
znnstruçâo da autonomia, as representações do
nhamento da autonomia.
Outro produzidas por estas instâncias psíquicas
- comparáveis a um andaime. Antes de mais
zecessárias para fundar o Ego, elas podem, se se O Outro de outra forma
tiverem inalteradas, contrariar o seu desen-
imento. Na análise, qual é o papel da relação entre
Um sistema de representações solidariza-se analisado e analista?
ramo da de um referente da lei cuja figura- «Sujeito a» inconsciente, o indivíduo ignora
:20 põe em cena um monopólio transcendente, uma parte de si mesmo. Ele não é o único a po-
sentido em que o sujeito dele é excluído e a der abordar aquilo que o move sem que o saiba.
= submetido. O Ego constrói a capacidade de É através da transferência para o analista que ele
ter as suas pulsões e de organizar os seus sen- faz perante si mesmo uma representação do Ou-
entos, as suas relações e os seus investimen- tro enquanto detentor da verdade, que forma o
de objectos, sob o controlo da representação núcleo central do regime inicial da heterorio-
um Outro cujas ameaças, gratificações e aura mia. É desta posição que o analista poderá aco-
as regras do seu desenvolvimento. lher o que o sujeito tem necessidade de dirigir
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«àquele que conhece a verdade», sem poder crer Cruzamento das autonomias
ainda que as chaves deste saber se encontram colectivas e individuais
em si mesmo, que as discute sem as reconhecer.
E é também desta posição que o analista resti- Como vimos, a autonomia colectiva precede,
tuirá ao sujeito aquilo que este se torna capaz de de longe, a autonomia individual. É por essa ra-
adquirir. zão que, na opinião geral, um indivíduo é con-
Nesta situação entre-dois, o analisando e o siderado livre e autónomo desde que pertença a
analista, tornou-se possível uma outra forma de um corpo social que adquiriu as condições da
alteridade. A medida que o sujeito entra no pro- sua autonomia.
cesso da sua auronomização, reconhecendo a Todavia, o conhecimento, adquirido mais tar-
consistência do seu ser dividido, esfuma-se a fi- diamente e ainda inacabado, das condições que
gura do Outro à qual era vital submeter-se para permitem a um indivíduo passar de um regime
evitar um abandono mortal. A alteridade já não heteronómico que, anteriormente, lhe é indis-
tem por atributos principais e primordiais a do- pensável e primordial, ao psiquicamente mais
minação e a subserviência. A diferença, a reci- oneroso da autonomia, leva a pensar que a au-
procidade e possibilidades de igualdade podem tonomia colectiva e a autonomia pessoal não se
desde então entrar em jogo para formar outras sobrepõem. Ainda não, acrescentarão os que
representações do Outro. pensam que a mútua complementaridade entre
a autonomia política de um corpo social e a au-
tonomia psíquica dos seus membros aponta na
A segunda origem direcção da marcha da nossa civilização.
Antes de se encontrarem em condições de
Este trabalho psíquico é como uma segunda pensar esta mutualidade, os sociólogos têm com
origem. A autonomia é simultaneamente refun- mais frequência que compreender crises, nas
dação do sujeito e transformação da alteridade. quais vemos que as organizações e os sistemas de
A psicanálise, que escolhemos como paradig- constrangimentos impõem regras e leis nas
ma da autonomização individual, não basta para quais uma parte da população não se reconhece.
esclarecer as consequências sociais destas refun- A psicossociologia nasceu no contexto cultural
dações. Conferindo um novo alento à âcção co- que solicitava as ciências sociais pelas suas capa-
lectiva, elas introduzem novas exigências nas for- cidades para analisar as crises e propor trata-
ças e nas lógicas instituidoras da sociedade. mentos colectivos.
Os ideais colectivos em correspondência com A psicossociologia, no momento do seu nas-
o Ideal do Ego perdem o seu vigor socializante cimento, introduziu a autonomia dos actores
quando pretendem impor-se a sujeitos que se nos dados relativos ao funcionamento da orga-
envolveram na intersubjectividade autonomi- nização. Nasceu da intuição de que as crises mo-
zante. A sociedade não deve colocar a si mesma dernas têm necessidade de ser analisadas em ter-
os problemas inerentes às mudanças dos ideais mos de relações conflituais entre, por um lado
colectivos e das figuras da alteridade. Paul-Lau- lógicas de organização que visam a eficácia, e
rent Assoun, tratando, durante uma conferên- por outro processos psíquicos de construção da
cia, do indivíduo como sujeito, enunciou que autonomia individual em condições difíceis e
«o social regressa regularmente à paranóia de contrárias a muitos dos seus aspectos. A psicos-
não colocar este problema do Outro enquanto sociologia entrou em cena inventando dispositi-
constituinte simbólico do social». Com efeito, o vos de intervenção em organização, cuja parti-
desenvolvimento de sujeitos autónomos empe- cularidade é a de solicitar os actores para uma
nhados nos processos intersubjectivos de modi- postura de autonomia, ao mesmo tempo que ló-
ficação das representações do Outro exige que a gicas institucionais lhes impõem leis, necessa-
sociedade reexamine a forma como assume a riamente constrangedoras, alguns de cujos as-
sua função simbólica. Porque o reconstituinte pectos lhes são estranhos. A finalidade desta in-
simbólico do social não se pode manter imutá- venção é a de renovar a compreensão de mal-es-
vel quando a autonomia colectiva encontra em tares colectivos, introduzindo um parâmetro
si mesma o impulso para percursos de subjecti- mais individual. A renovação visada passa pelo
vação, que marcam a acção colectiva das suas facto de ultrapassar os pontos de vista dos de-
exigências de autonomias pessoais. tentores do poder, comparando-os com outros.
O mesmo é considerar que os turbilhões pro-
duzidos num corpo social pelas tensões e
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AUTONOMIA

contradições entre regras de heteronomia e pro- Todavia, para constituir a sua problemática, a
cessos interiores de auronornização exprimem a psicossociologia clínica deve recusar esta relação
vida real, com os seus mal-estares e patologias. de causalidade unívoca, a fim de preservar a
Aqueles devem, por isso, ser actualizados e iden- diferença de natureza entre uma organização de
tificados para poderem ser tratados. Com a psi- produção ou de serviços, e uma organização psí-
cossociologia, os factos sociais em crise já não quica das capacidades desejantes e relacionais, e
são somente tratados como «coisas». São per- de constituir a autonomia relativa de cada uma
meados por movimentos psíquicos. Desde logo, delas.
a finalização da vida psíquica rumo à auto no- Esta distinção de autonomias é necessária
mização pessoal torna-se uma chave de com- para analisar as modalidades diversas segundo as
preensão das crises. A psicossociologia terá que quais elas comunicam ou não. Além disso, aqui-
inventar as modalidades pertinentes da sua uti- lo que tende a ocultar uma das duas cenas em
lização. que se constitui a autonomia reduzindo-a a não
ser mais do que o produto da outra é retido pela
clínica como sintoma a analisar por meio de dis-
Abordagem psicossociológica
positivos pertinentes.
da autonomia Um exemplo servir-nos-a para esclarecer a
problemática da articulação entre duas autono-
A fim de poder analisar os modos segundo os
mias. Situa-se no campo da gestão de empresas.
quais os actores individuais investem o funcio-
Sabe-se com que insistência, desde a década de
namento de uma organização e, inversamente, 1980, os actores são solicitados a comportar-se
segundo os quais as organizações solicitam as com autonomia. No discurso institucional das
subjecrividades pessoais, importa em primeiro empresas, considera-se que este termo é com-
sar diferenciar estas duas cenas, constituindo preensível directamente e de forma unívoca.
cada uma segundo os seus cat:acteres próprios, Ora, uma acção-pesquisa realizada em meio in-
colecrivos para a primeira, singulares para a dustrial (B. Ollivier e A. C. Giust, 1995) per-
sesunda. mitiu-nos evidenciar que, no espírito e na prá-
Terão de ser enfrentados, a partir daí, dois tica dos responsáveis, o sentido da autonomia se
táculos. Um é a clivagem produzida pelos refere a diferentes representações.
_ e consideram que a vida da organização e a 1. Uma primeira concepção confunde-se com
economia psíquica individual nada têm a fazer a independência e dá lugar a expressões por
em conjunto. Neste caso, a diferença entre as imagens, como o das coutadas ou atribuições e
cenas é constituída por meio de uma recu- direitos de alguém nos quais o outro não se deve
= recusa das formas segundo as quais a organi- aventurar. Chamar-lhe-em os autonomia indivi-
• - o afecta os actores e recusa dos processos dualista.
jecrivos pelos quais alguns utilizam funcio- Nesta forma de considerar a autonomia, a re-
emos instituídos para seu benefício, benefí- presentação dos outros é dual. São bons se
da carreira, satisfação narcísica, necessidade forem competentes e se se mantiverem no seu
-~ domínio, jogo de rivalidades ou ajuste de lugar, definido pelo sistema. Senão, melhor será
desconfiar deles e, no pior dos casos, combatê-
blematizar a articulação entre as duas ce- -los ou mesmo excluí-los.
nas quais se passam as condições de autono- A representação da relação de si com a hierar-
>- o exige que estas clivagens sejam situadas quia torna legítimo dar a conhecer-lhe os pro-
lI:glÜdamente desconstruídas. blemas encontrados, mas não participar nas de-
_--outra forma do obstáculo consiste em con- cisões a tomar.
a organização colectiva o poder de produ- Quanto à representação de si na forma de rea-
estados psíquicos nos indivíduos, motiva- lizar a sua missão, ela ultrapassa pouco o que foi
necessidades de sujeição, de fusão identi- no sistema tayloriano. A margem de autonomia
ou, pelo contrário, capacidades de autono- do trabalhador em cadeia de montagem, en-
Este modo de ver constitui uma relação de quanto obedece aos gestos automáticos prescri-
.dade directa entre um sistema de cons- tos, consiste na sua capacidade para imaginar
:." entos e comportamentos pessoais. Nes- um estratagema singular.
.2SO, a cena das subjectividades desaparece 2. Uma segunda forma de autonomia pessoal
üás da da organização colectiva, à qual to- permite uma mais ampla dimensão de respon-
- poderes são concedidos. sabilidade, mas num universo protegido.
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DICIONÁRIO DE PSICOSSOCIOlOGIA

O poder conquista-se principalmente pela in- Postura do interveniente


teligência, que descobre os meios racionais para
melhorar um rendimento, ou pela pedagogia, J. Dubost (1980) mostrou a forma como a
que permite obter mais dos seus subordinados. posição do interveniente psicossociológico evo-
A representação dos outros é dual. Os que se- luiu entre as décadas de 1950 e 1970: tendo co-
guem a linha definida pela política da empresa meçado como especialista do «factor humano»,
são os bons. Os outros têm de ser convencidos, rompeu em seguida com o papel de perito espe-
ou de ser suportados em nome da tolerância, ou cializado para se posicionar como «consultor da
mesmo como a parte a ser sacrificada, ou ainda organização enquanto unidade», e mais tarde o
eles são, neste sistema clivado, os maus, que de- trabalho em meio empresarial foi um pouco
vem ser excluídos. abandonado em prol do desenvolvimento, em
A representação da relação de si à hierarquia é grupos, de consultas mais clínicas.
determinada principalmente por um ideal in- Por fim, o desenvolvimento de diversas for-
vestido nos modelos. Esta autonomia implica o mas de pesquisa-acção levou o interveniente a
sentimento de que existe um «justo combate» a reflectir sobre a sua implicação, fazendo assim
travar, uma "boa causa» a servir. surgir cada vez mais a necessidade, para a eficá-
Também a representação de si mesmo na de- cia do seu trabalho, de assegurar a sua autono-
terminação da forma de realizar a sua missão mia relativamente a quem contratou o trabalho.
implica o prazer de inovar, de estar na origem de Assim, a sua postura diferencia-o do especialis-
um progresso, mas dentro dos limites da linha ta, para facilitar a activação de um imaginário
definida como boa. social e a explicitação de um sistema simbólico
que conferem às autonomias individuais um lu-
3. Uma terceira forma de autonomia, que
gar mais visível e valorizado do que a instituição
definimos como autonomia exposta, está, mais
em crise poderia fazer, mas suficientemente
do que as duas precedentes, orientada para a
fundado nas necessidades reais da sua organiza-
construção de laços sociais diferentes dos já ins-
ção para que a mesma instituição possa, a favor
tituídos.
da intervenção, accionar a sua capacidade e o
O poder de realizar é preferido ao poder con-
seu próprio desejo de dele se apropriar.
ferido pela categoria hierárquica.
Por outro lado, André Lévy (1997) mostrou
A representação dos outros tende a ultrapassar
que a autonomização do interveniente se joga
as partições dualistas valorizando a experiência
na sua relação com o pedido do capitalista.
para descobrir as diferenças e nelas se apoiar
Aquela contém os vestígios dos desconhecimen-
para inventar novas modalidades de reflexões, tos, ou mesmo recusas, sem os quais a interven-
de práticas e de decisões comuns. Comporta a ção psicossociológica não teria, sem dúvida, ra-
pesquisa activa de confrontações e de debates zão de ser. Nestas circunstâncias, o acordo entre
com a finalidade de constituir os outros como o interveniente e a direcção implica um equívo-
parceiros «suficientemente bons» para acções co. Se por exemplo este acordo tem a ver com o
em comum. objectivo de desenvolver a autonomia dos acto-
A representação da relação de si com a hierar- res e certas comunicações entre eles, podemos
quia é marcada por uma experiência individual compreender que a intervenção deva iniciar-se
de provas, de mobilidades e de encontros que antes que o capitalista esteja em situação de ade-
contribuíram para dessacralizar os poderes esta- rir inteiramente às dimensões do objectivo de
belecidos, para perder as ilusões. Esta relativiza- que o psicossociólogo tem um conhecimento
ção da influência moral dos ideais levou o indi- não imediatamente partilhável com ele. Toda-
víduo a conceber uma construção contínua de via, será necessário que este venha, a seu tempo
si, para além do ideal, que procura a sua coe- e a seu modo, a produzir uma forma de adesão
rência e a sua capacidade em contar essencial- útil a um desfecho positivo desta acção em co-
mente consigo e com os outros. mum. Ora esta não terá lugar se o interveniente
Estar na origem de um processo, de uma prá- se sujeitar às formas de ver de quem faz o pedi-
tica, de uma construção de laços sociais consti- do, já que este possui o poder e o dinheiro. Tam-
tui indivíduos que não crêem nas soluções sem bém não ocorrerá se a postura for somente de
alternativas. A sua forma de autonomia coloca- independência em relação aos constrangimentos
-os entre os antecipadores de práticas diferentes do director. A autonomia deverá tornar-se aqui
e de complementaridades despercebidas. relacional. Na medida em que comporta a apti-
dão para a identificação com as necessidades do
30
AUTONOMIA

;:ômece também a capacidade para tirar de decepção, estas propostas de análise ensinam
iro de uma competência adquirida com a aos participantes a possibilidade de acrescenta-
da análise através da qual se percebem os rem à sua capacidade de julgamento sobre a rea-
:iculos subjectivos que o Outro terá inte- lidade objectiva, uma nova possibilidade de
ente que desconstruir para se tornar sujei- pensarem a sua intimidade e os efeitos excluso-
-- uilo que pede. A autonomia relacional do res das suas desilusões.
__ CIlÍenre exige-lhe, não só que entenda estes A partir daí, os participantes conseguem rela-
: os, mas também que acompanhe a sua tivizar as coisas, conferir menos importância às
çâo. Assim, a autonomia do interveniente, declarações de intenção e às afirmações de ideias
.i. =:!.ida que o dispositivo produz os seus efei- do que às situações, à evolução dos contextos e
- rurge como um factor determinante para à análise dos efeitos.
_~ se desenvolvam os processos de autonorni-
- dos seus clientes e parceiros.
Autonomia e democracia

- onomia é intersubjectiva Estas intervenções e pesquisas-acções psicos-


sociológicas mostram a relação estreita que exis-
ror meio da sua autonomia, o interveniente te entre o desenvolvimento dos processos de au-
cstirui-se como outro e algures. É ourro por- tonomização individual e o de uma forma de in-
_--z não está implicado nos funcionamentos tersubjectividade na qual o outro adquire o es-
nas relações conflituais para as quais o pe- tatuto de um igual, numa ética da discussão e
":0 solicita mudança. Encontra-se algures, em compromissos mútuos.
.: ue aquele que pede não se implica na cena Nesta medida, contribuem para a construção
psiquismo individual, especialmente onde de uma certa forma de democracia. Qual, pou-
ze=eria estar mais empenhado, enquanto o in- co importa. Conhecemos a forma como a socie-
=-CIlÍente segue as leis próprias da sua postura, dade civil dos EUA desenvolveu a prática dos
~~ o posicionam entre a cena colectiva da or- processos. A maioria dos conflitos não se regula
~;ÜZ<lção e a cena individual das economias psí- frente-a-frente, mas entre advogados, o que mo-
_~CI.S e das capacidades desejantes. difica os seus efeitos de socialização e de respon-
O que é que produz, para o colectivo, esta po- sabilização pessoal. Antoine Garapon (1996)
;20 autónorna entre duas cenas, entre duas mostrou que o Código Civil desta sociedade se
_ '!!ens, entre duas referências? funda na desconfiança de cada indivíduo relati-
õ, actores vão falar dos problemas que a orga- vamente aos ourros. Este tipo de individualis-
::iz.ação Ihes coloca, que simultaneamente os mo, assente no direito, não pode conduzir a
em e dividem, não só entre eles próprios, mas uma forma de autonomia individual muito ela-
=bém com um outro. Esta alteridade aumen- borada, devido ao enfraquecimento do seu cons-
~ ainda mais a sua possibilidade de analisar as tituinte relaciona!. Referimo-nos à lógica do
relações, de outra forma que não o modo projecto que consiste em aperfeiçoar a corres-
:::eas reproduzir dizendo-as, porque o outro res- pondência entre as autonomias colectivas e in-
:::all coisas ditas sem serem compreendidas pelo dividuais. Quanto a este processo, referimo-nos
_ e significam. Os actores são levados a proble- a Cornelius Castoriadis (1975), que definiu a
ziarizar melhor as suas interrogações e a utilizar democracia como a transformação da sociedade
czn modo de desconstrução que interrompe a pela acção autónoma dos homens e de cada um.
reprodução das queixas de que se encontravam O artigo que lhe é consagrado neste trabalho
zanvos. recorda a sua concepção da força instituidora
_ o decurso deste trabalho de grupo o recurso das sociedades. Esta força tem origem num ali-
:::a intersubjectividade, cuja activação é autori- cerce de significantes que formam o imaginário
zada pela presença do Outro. No ponto de che- socia!. O seu valor determina o sentido da vida
gada desta história de grupo, uma intersubjecti- e da acção nas sociedades que se baseiam nestes
idade melhorada pela autonomização indivi- significantes. E, se nos perguntarmos porque
'::ual, pela libertação de certas autocensuras e das devemos ater-nos a um projecto, atendendo às
_róprias repetições, constitui um recurso reno- lentidões e reticências das instituições a consen-
do para o colectivo. ti-Ias e a organizarem-se em conformidade,
Por intermédio do tratamento das reacções atendendo também às resistências individuais
:::legativas, autodesvalorizadoras, dos discursos a ousar em conjunto, cada um, a sua própria
31
DICIONÁRIO DE PSICOSSOCIOLOGIA

autonornizaçâo, sem dúvida que será necessário tice et dérnocratie», Dialogue, n." 136, Paris, Odile
responder que é esta insistência, sem garantia de [acob, pp. 105-107.
sucesso, que caracteriza a nossa sociedade. Ela GAUCHET, M. (1998), «Essai de psychologie con-
reconhece na autonomia e nos desenvolvimen- temporaine. Un nouvel âge de Ia personnalité», Le
Débat.
tos que lhe foram fornecidos pela necessidade
GIUST, A. c., Repenser Ia liberte de l'acteur.
de articular com as suas formas colectivas a di- LÉVY, A. (1997), Sciences cliniques et organisations so-
mensão individual, um dos significantes mais ciales, Paris, PUE
importantes que a fundamentam. MEYERSON, L (1948), Les fonctions psychologiques et
les auures, Paris, Vrin; Paris, Albin Michel, 1995.
OLLlVIER, B. (1995), Eacteur et le sujet, Paris, Desclée
Bibliografia de Brouwer.
OLLlVIER, B.; SANSAULlEU,R. (dirs.) (2001), L'entre-
AsSOUN, P.-L. (1993), Introduction à Ia métapsycholo- prise en débat dans Ia société démocratique, Paris,
gie fteudienne, Paris, PUE Presses de Sciences Po.
BLANCHET, A. et al. (1985), Eentretien dans les scien- Revue française de psychanalyse (1991), n.? 6, Paris,
ces sociales, Paris, Dunod. PUE
CASTORlADIS, C. (1975), L'institution imaginaire de ROUSSILLON, R. (1991), «Un sujet qui ne va pas
Ia société, Paris, Le Seuil. de soi», Revue française de psychanalyse, romo LV,
DUBOST, J. (1980), «Linrervenrion institurionnelle», Paris, PUF, p. 1753.
Paris, Payot, pp. 56-58. VERNANT, J.-P. (1996), Entre mythe et politique, Paris,
GARAPON, A. (1996), «Le gardien des promesses. Jus- Le Seuil.

32
COMPLEXIDADE Max Pages

A reflexão e isternológica sobre a noção de dos constituintes heterogéneos separa-os sem os


c~mplexi aa *" nass~lLfloLmovimentos clã 1sõTaLe:.permit~~ asslffi:unnos2~ - ----
ciência 1]0 decurso dQst_c.ulQ..~sãão.Voltãndo Nas ciências da natureza, progressos decisivos
ã questionar os princípios e conceitos mais for- foram frequentemente, ou mesmo sempre, pro-
temente estabelecidos, ~naram os E!ó- vocados por cruzamentos, por mestiçagens en-
f>rios fU!.l.4~SI1.tos._daxeflexã_0-fientífica. Basta tre linhas de pesquisa diferentes. François Gros
recordar os abalos mais notórios: na física, o (1986) caracteriza uma fase importante do de-
princípio da incerteza de Heisenberg, que pos- senvolvimento da genética, aquela que liga ao
tula a impossibilidade de se determinar simul- funcionamento dos genes o fabrico de enzimas,
taneamente a velocidade e a posição de uma como o estabelecimento de uma relação entre o
partícula, a indeterminação quântica, que in- objecto dominante das ciências da hereditarieda-
troduz uma ruptura de continuidade da rnaté- . de e o da bioquímica. Ele mostra como, a partir
ria, a natureza à escala microfísica que procede, da descoberta das leis matemáticas da distribui-
de certa forma, «por saltos», a relatividade res- ção dos caracteres por Mendel, o objecto da ge-
trita e geral que liga as noções de espaço e de nética se enriquece e se torna progressivamente
tempo ... A imperrnanência das leis físicas é pos- mais preciso, incorporando pontos de vista co-
ta em causa. O universo físico tem uma histó- lhidos na embriologia (descoberta dos cromos-
ria, tanto à escala microfísica como macrofísica somas), na teoria das mutações, na fisiologia, na
(Prigogine e Stengers, 1979). Em física, e tam- patologia, na bioquímica (laço entre genes e en-
bém em biologia, interrogamo-nos sobre as re- zimas e posterior descoberta central do ADN),
lações entre ordem e desordem, entre acaso e na físico-química e na cristalografia, eviden-
necessidade (Monod, 1970). A ordem não é ciando em seguida a estrutura interna e as pos-
imutável, nem eterna, nasce da desordem, no sibilidades combinatórias do ADN. A concep-
entanto impõe-se a ela numa certa medida pro- ção do gene (que é assim nomeado apenas de
babilista, A cibernética, a teoria dos jogos (Wie- passagem) passa da noção de carácter para as
ner, 1%2; Ashby, 1%0; Luce e Raiffa, 1957), propriedades de uma molécula, atravessando di-
as teorias dos sistemas (von Bertalanffy, 1968, versas fases, esclarecendo cada disciplina dife-
1973), do caos (Thom, 1972), da auto-organi- rentes facetas do objecto. Mais fascinante ainda,
zação (von Neumann, 1966), propõem concep- a verificação de que o isolamento químico do
tualizações destas relações'. ADN a partir de núcleos celulares foi realizado
_ A um nível mais geral, Edgar Morin (1990) no mesmo ano da descoberta de Mendel, em
situa o pensamento complexo como uma ultra- 1865, sem que nenhuma associação fosse feita
passagem ôo pensamento slmphhcante, pôSifi: entre as duas descobertas. Foram necessários
~31sta la clencla
~~~~,~.~~--~~~~~~~~
c aSSlca, gue proce e por ISO a- quase oitenta anos para que a pesquisa fran-
mento e disjunção das diferentes dimêi1SõeScfo queasse esta distância e estabelecesse os elos in-
-real, e que pretenae uma coerência perfeitãetõ= termediários (Gros, 1986).
- tal, do conhecimento, por adição dos conheci- Da mesma forma, seriam necessários quase
mentos parciais. A com lexidade «é um tecido quarenta anos antes que a hipótese de uma se-
(complexus: aquilo que é tmClõ emCõ1ijúntoTde- lecção e de uma transmissão hereditária dos
constitUIntes e erogeneos Inseparavelmen~
ciados» (Morin, 19.2.º-t-ypensa~~~.:..
I Devemos a Guy Palmade ter-nos dado a conhecer 2
{2lexo visa «ex 2licar..~ões* entre_~s_~o..::.... obra de Ashby e a sua interessante noção de ultra-estabili-
mínios disciplinares que são quebrack>.s p<:lo_, dade (estabilidade de segunda ordem, obtida pela variaçâe
pensanrento--ctisjilluivo». l?roc~Ji não por iso- aleatória dos sistemas de regulação de primeira ordem).
2 Consultar também E. Morin e J.-L. le Moigne, 1999
lamento-e disjunção das dimensões do real, das
C. Castoriadis, «Science moderne et interrogation philoso-
metodologias e das disciplinas correspondentes, phique», em Les carrefours du labyrinthe, 1978.

36
~-
mas sim or distinção e conjunção. A distinção
..•
• Os asteriscos remetem pata as definições no fim do artig
COMPLEXIDADE

comportamentos, análogas às que regem os ca- nas. Não trataremos do carácter científico ou
racteres morfológicos, em embrião no trabalho não científico de certas práticas, nomeadamen-
de Darwin sobre as emoções (1981), fosse reto- te da psicanálise e da psicoterapia. Esse carácter
mada no início do século pelos fundadores da foi posto em cheque, como se sabe, por corren-
etnologia. Em ambos os casos, as ideias recebi- tes psicanalíticas inspiradas pela filosofia da
das sobre o que é normal, ou não procurar e en- existência (Binswanger, Médard, Boss), pelo
contrar, sobre a identidade do objecto científico próprio Sartre e, numa via vizinha, pela psicote-
legítimo, desempenham um papel de travão não rapia compreensiva de Carl Rogers. Mais recen-
negligenciável. Isto mostraria, talvez, que o pro- temente, Lacan sublinhou a radical contradição
cesso científico progride, pelo contrário, como entre a subjectividade e o projecto conhecedor
qualquer condução inteligente, por desvios, des- de um «sujeito que se supõe saber». Sem ignorar
centração, por separação dos seus objectos su- a importância desta questão, abordárno-la de
cessivos e enxerto transversal de outros objectos. forma diferente, numa perspectiva de com ple-
O processo complexo está, assim, longe de se mentaridade e de «conílitualidade criativa» en-
sans azefCõillãCoi1 usão do real, com o pulular tre o projecto científico da psicoterapia e a im-
das determinantes, com uma ordem arbitrária plicação existencial do psicorerapeuta no diálo-
que lhe seria imposta à força, ou com uma sín- go intersubjectivo com o seu cliente".
tese englobante que reduzisse a sua diversidade.
Procura novos rincípios de~m...que a~
dam à diversid~.ãs partes e ~~_suas.elaç.ões, Hegemonismo
a formas de conhecirríêrítôs menos mutilantes e
ilusórias. Não renuncia nem à clareza e à preci- As ciências humanas encontram-se, actual-
são do trabalho científico nem à própria ciência, mente, perante o aéSâ 10 de abandonarem o
bem pelo contrário, mas a um ideal científico hegemolllsmõ. A nõSSãfierança é, com Jeito,
megalómano, habitado pela vontade da ornni- paradoxal. Por um lado, é de uma riqueza in-
potência: «O pensamento complexo é animado c:omparave ~ a a durante mais e um sé-
por uma tensão permanente entre a aspiração a - culo soo o impulso ae sistemas poderosos, mar-
um saber não parcelar, não cornpartimentado, xismo, funcionalismo, interaccionismo, estrutu-
não redutor, e pelo reconhecimento do estado ralismo, behaviourismo, cognitivismo, psicanáli-
de inacabamento e incompletude de todo o co- se, com todas as suas ramificações e dissidências,
nhecimento.» (Morin, 1990.) sem contar com as influências das correntes filo-
A noção de complexidade resulta assim da sóficas e artísticas. Por outro lado, cada um dos
l~n~agem com~ na quãlõcom lexo.áe_con=.. sistemas pretendeuFêihar sempartilhar a...sita
Nn e com o comp zcaão, o confuso, o em~ disciplina, ou mesmo-a:n-el1:ãrâisClp"mas vizi-
nnaoo.1í: complexiâã~ru.iJiQ_episte.ffio- n as, e colocou-se em posição de hegemonism_o..
làgico, procurãã:esco rir uma ordem entre os Nãose-tratá apenas-anutãila cena sõcial pelo
;lemêntõs ~;rit~eS'UêConscrva~a s~ poder intelectual e pelo reconhecimento, de ba-
liêterogeneidade. A comphcação, pelõ ~ talhas de escolas, de estratégias de rivalidade e
no, resultá frequememente da tentativa de fazer de exclusão que conhecemos, assentes na igno-
entrar à força, num sistema único, elementos rância mútua e no desprezo. Mais profunda-
cuja origem é exterior a ele. Nesta operação, mente, o hegemonismo cria raízes nos próprios
perdem muitas vezes, além disso, a sua origina- sistemas de pensamento, constituídos em escolas
lidade. Podemos citar, neste sentido, as tenta- de pensamento que procedem da palavra de um
tivas redutoras feitas pela psicanálise para assi- mestre, reverenciado como um dogma, e de
milar contributos de escolas vizinhas (e rivais) princípios pan-explicativos com vocação univer-
relativos às técnicas do corpo e às técnicas de ex- sal: líbido, instinto de morte, energia sexual, luta
pressão em geral: psicodrama analítico, relaxa- de classes... Apesar da sua riqueza, é um pensa-
mento analítico. A construção da escola domi- mento com tendência monista, que tende a
nante assume então, com o correr dos anos, o
aspecto dos palácios árabes nos quais aparta-
mentos novos se juntam uns aos outros na de- 3 Devemos a Jacques Ardoino a distinção importante en-
sordem, para criar lugar para as novas concubi- tre complexidade e complicação, que a linguagem corrente
nas do harém real", ' tende a confundir.
4 Ver M. Pagês, «Foi et raison en psychothérapie», em
Limitar-nos-e os neste arti o aos aSEectos Mouvance Rogérienne, 1997, e «L'approche complexe en
cientl ICOS da complexidade nas ciências hurna- psychothérapie», Bull. Psych., no prelo.
---_.~ 37
DICIONÁRIO DE PSICOSSOCIOLOGIA

transmudar-se em sistema de crença universal. fenómenos, mas em oposição irredutível quan-


Um pensamento em termos de contraditórios, e to às teorias globais. Por razões práticas, e ha-
de tudo ou nada, que não procura explicações vendo antes de mais a necessidade de redigir um
senão no seu universo próprio e que é difícil, por relatório comum, o responsável pela pesquisa,
essa razão, articular ou combinar com outros. Max Pages, propôs uma regra de «suspensão
Uma explicação considerada boa num domínio teórica» ao nível das teorias últimas, para se ater
é espontan,eame_nte considerada contraditérja ao que fosse possível formular em comum. Os
eexcludente de uma explicação de outro tipo. pesquisadores descobriram então que podiam,
Assim, será tão difícil para um psicanalista ad- na realidade, pôr-se de acordo sobre o conjunto
~h:írã-pertinência da determinação social dos da análise! Podiam descrever o funcionamento
fenómenos psíquicos, como para um sociólogo da organização, as estratégias de poder, a mode-
crer na determinação psíquica de fenómenos so- lagem recíproca das políticas organizacionais e
'ciais ao asso que nenhum deles hesitará em dos investimentos inconscientes dos indivíduos,
aplicar as suas nipÓteses ao 90míniõ do ;ut;o. em resumo, as interacções entre o funciona-
ASs~ f~ramentas intelectuais-e os seus hábitos mento psíquico e a organização social que eram
de espírito interditam a fertilização cruzada das o próprio objecto do seu estudo, aquilo que de-
suas abordagens. Na nossa he ança-rnisturarn-se, signaram como um «sistema sociornental». Isto
<J.!)~irn_ckiorrna indissociável, contributos cien- colocava-os na via das noções mais gerais de
-1íficos incont~s.E..áveis, aos quais não devemos re- objecto complexo e de articulação, e teve reper-
nunciar, e um modo de pensamento quase reli- cussões na pesquisa, para além do campo da or-
gioso, espécies de religiões científicas que se com- ganização, em psicoterapia, em sociologia da
batem umas às outras sem conseguirem dialo- família e noutros domínios.
gar. É desta situação contraditória de rigidez e de
dispersão, ou de eclosão não controlada, que nos
Anexação, redução, sectarismo
devemos esforçar por sair.
Isto coloca a questão das relações entre siste-
Uma epistemologia concreta mas teóricos e disciplinas. Numa perspectiva
da complexidade hegemónica, trata-se mais ou menos da mesma
dificuldade, porque as disciplinas tendem então
A tarefa dos l'esquisadores-práticos é de fazer a identificar-se com os sistemas teóricos domi-
frutificarasu;. heran ,desem5araçan o-se ao nantes, a psicologia_com a psicanálise, por
·-hegemmilsmo. rara-se de construir uii1ãep1ste- exemplo, ou a sociologia com o-marxismõ;' ê as
rnologia concreta ãCom eiZi(lã(fe nas clencias - dificuraa:-des de articITtaçao mteralsci rr;;:;res
Ííwn.anas eguindo a via aberta or Ed ar 0- ~m ~~patlb-i1ídadecrõSsistemas teó-
riIl..DQ...J;1lanQ..filosófiS2:.- - =ricrrs. As relaçõês entre-di-sciphnassãõêTítãõ
Tal escolha ideológica não se faz de forma fria marcãdas, seja pela anexação pura e simples,
e asséptica._Não~ escolhe uma episte~É .J?Ecolo ização do ~1....Q1U..ociologiz;l..Çã,Q~
ou outra como quem escõlhe um proouto no sí uico, psicologização do biológico ou inver-
jiíI2ermercado das ideias. A escolha da com samente, seja por diferentes formas de reducio-
xidade ressu õe um amcil tra o e luto da rusmo.
crença na ossibilidade de uma ex lica ão uni- No primeiro caso, os fenómenos de uma or-
_versa, gue se joga na confluência da história in- dem são subsumidos às leis de outro. Por exem-
dividual e da história colectiva. plo, interpretar-se-ão as estruturas sociais em
Uma pesquisa sobre «o domínio da organiza- termos de projecções inconscientes, ou a sín-
ção», empreendida há cerca de vinte anos, de- drome depressiva em termos fisiológicos ou ge-
sempenhou, a este título, o papel motor de uma néticos. Qualquer que seja o ponto de partida,
experiência princeps (Pages, Bonerti, de Gaule- procede-se de cada vez por extrapolação, testan-
jac, Descendre, 1979). No seio da equipa de do a validade de um raciocínio para lá do seu
pesquisa enfrentavam-se três concepções, uma domínio aparente de aplicação. Processo heurís-
de inspiração marxista, outra de inspiração psi- tico conquistador, muitas vezes com muitos re-
canalítica e uma terceira, libertária, que a psi- sultados interessantes, e decerto inteiramente
cossociologia se esforçava mais ou menos por legítimo se não caminhasse sempre no mesmo
unir como um todo. Curiosamente, os pesqui- sentido e não excluísse implicitamente o pro-
sadores estavam de acordo sobre a descrição dos cesso inverso, não obsrante idêntico ao seu.
38
Porque se o psicológico, por exemplo, determi- de uma espécie de homenag=;::;: r.;-~.,,~~-,-,-
na o social, não poderemos sustentar com igual de. Mas a função "p~i.meira das c,s -:: -=- -
força que o social determina o psíquico e que es- putádas éãae assegurar a coeréncia c;;.:= " ._-
tas duas proposiçóes, dialecticamente opostas, na que as produz. Trata-se de disciplinas ::::::-
não são de forma nenhuma contraditórias? Mas cias, inventadas por um sistema teórico para lhe
tudo se passa, no pensamento hegemónico, servirem de contraste ou de complernenro. Os
como se esta possibilidade estivesse permanen- psicólogos, assim, não cessam/de inventar socio-
temente oculta e os contrários, com o seu cor- logias e biologias que lhes s~o cómodas. É um
rejo de frutuosas oposiçóes, constantemente processo análogo ao do ocupante que antes quer
confundidos com contraditórios. Porque este colaborar com um governo fantoche do que ne-
pensamento repousa, no fim de contas, num gociar com a resistência.
monismo pan-explicativo, qualquer que seja a Nesta forma de raciocínio, as disciplinas vizi-
complicação interna. nhas são em geral reduzidas a constantes (a lei,
As tentativas reducionistas são mais subtis. a necessidade) ou a dados empíricos. Não são
Com mam-se,""'ffiúitas vezes, com as preced;~- consideradas como locais de dinâmicas, fontes
res. As outras disciplinas têm, desta vez, direito autónomas de variaçóes. Aquelas são reservadas
à existência, mas uma existência reduzida. Ob- à disciplina rainha, única produtora e criadora
servamos neste caso, no interior de uma disci- de «verdadeiras» mudanças.
plina, representaçóes simplificadas das discipli- 9uE!3.$stratégia,. mais clássica, é a d~ ~s;har:
nas vizinhas, disciplinas de certo modo amputa- -se n~~Win'!.Rr.Q ria,Jillistindo na.irreduti-,
das, incorporadas no sistema teórico dominante bilidade dos seus princípios, dos seus conceitos,
e necessárias ao seu funcionamento. Uma das das suas práticas, o que os torna incomparáveis
mais conhecidas é a do Homo economicus, uma com os das outras disciplinas. Os grupos cientí-
espécie de psicologia simplista reduzida à satis- ficos fecham-se, segmentam-se, transformam-se
ração das necessidades, inventada pelos econo- em seitas de iniciados. O debate científico trans-
mistas em ligação com as teorias da utilidade, forma-se numa glosa, no comentário talmúdico
das quais se começam dificilmente a libertar das Escrituras.
ttali, Guillaume, 1974). Outro exemplo é a Anexionismo, reducionismo, sectarismo, são
noção de lei, à qual se reduz frequentemente o outras tantas modalidades de defesa contra «a
funcionamento social na reflexão psicanalítica insustentável diversidade» do conhecimento
ou, do lado da biologia, a oposição necessidade- que faria surgir uma mais autêntica confronta-
desejo ou instinto-pulsão, que tendem cada vez ção interdisciplinar. São acompanhados de dis-
mais a incorporar-se como um artigo do dogma positivos de poder que interditam ou limitam o
na vulgata psicanalítica. De um lado, o automa- confronto, de forma mais ou menos subtil: colo-
cismo do instinto, do outro, apoiando-se nele, o nização, pelos lobbies intelectuais, da edição,
iogo mais livre do desejo, passando pela possibi- da universidade, dos locais de debate ... Existe
idade de representação do objecto ausente, que assim um parentesco, uma homologia, entre o
introduz uma fonte de variação. Aqui seria mar- conteúdo dos sistemas de pensamento hegernó-
cada a fronteira entre biologia e psicologia. Bela
nicos e os métodos de controlo social que asse-
construção, na verdade, infelizmente desmenti-
guram a sua reprodução. Encontramo-nos pe-
da pelo desenvolvimento da etologia, por no-
rante verdadeiros núcleos de influência ideoló-
ções tais como comportamento de apetência,
gico-políticos, sistemas sociomentais que afer-
interacção, duplo feedback, que fazem do indi-
rolham a diversos níveis a produção intelectual.
ríduo, animal ou humano, não um conjunto de
utomatismos ou de reflexos, mas um centro ac-
zivo que estimula o seu ambiente e interage com Análise dialéctica*
de (Lorenz, 1978).
As disciplinas am utadas são testemunho da Fomos assim conduzidos, sob a designação de
- so uta n~ e que uma lSClp ma tem de an'ilise-di:a:lé-ct'ica, ãn'ecessidi"de de uma análise
~ as disciplinas vizin as, ISto r,efe ~ar 2rftica das-teorias, dôs métod'õs e das práticas.
as suas ró nas Fronteiras. Estritamente falan- Indiquemos as bãI~s essenciais deste método.
o, é impossível construir uma psicologia sem Isso levou-nos -ª tentar raciocinar,..sem.pre-qJ.le
uma representação mínima do social e do bioló- ~_p-o.ssLY.cl,..s!::gl! o cgn.tJ;drios,que·s~m
~co; mutatis mutandis, o mesmo acontece com mas não se excluem, mais do que segundo con-
as outras disciplinas. Em certo sentido, trata-se tra~ ,
39
DICIONÁRIO DE PSICOSSOCIOLOGIA

A tónica desloca-se do plano dos princípios tendo-se reg~p-~eu~RrQÇessos própr_ios.


pan-explicativos universais para o, mais modes- 1'Jê'StêCãSã, é ao nível de uma relação entre os
to, dos processos, das rnetateorias com teorias in- próprios processos que se estabelece o laço entre
termediárias, situadas a um nível médio de abs- as séries. Assim acontece com a sequência que
tracção. Esta regra de «suspensão rnatateórica» acabámos de evocar entre repressão (social), re-
abre um espaço de interrogação entre sistemas calcamento (psicológico), inibição (emocional)
teóricos que se excluem e que não toleram nas e tensão (muscular), como com qualquer outro
suas fronteiras senão o nada ou a heterogenei- encadeamento que ligue processos que perten-
dade total. ~aml2Q~_dis,ÇÍplinares teórico- cem a esferas de observação e a disciplinas dife-
-p!átj,çp~_são as.slf!Lsolocados de certa forma, rentes. O interesse de um raciocínio em termos
tanto uns como outros, em estaao âe «Rutuação», de autonomia relativa é o de ele permitir reco-
m uenciando-se mUlual!!eJlte,_ao. m~em~ nhecer a especificidade «local» de certos proces-
R2... ue ~~ a sua especificidade. A ima- sos, admitindo os seus laços com domínios vizi-
ginação dos pesquisadores pode implantar-se nhos. Também não pressupõe laços automáti-
neste espaço, criando-se um tecido intersticial cos entre os níveis, mas antes relações de tipo
entre os campos. Passa-se de uma pesquisa ,,~- probabilista, porque cada nível tem a sua pró-
tical .9ue associa prindplOs, proCeSsos e obser- pria complexidade interna, nomeadamente a
vações no interior de um campo, para uma ex- sua história, que influencia directamente o seu
pJor-as;ã0-t sversal entre os camp-.os. - porvir em cada ponto, mesmo que seja atraves-
.AP-esquisa,.que-assim.se..toxna_B.os~lxeLtem_p.2r sado por influências externas. Desta forma, se o
J:undamen.to_as_ar.úculaçõJ:Ltransversaj~re social «solicita» o psíquico (Huguet, 1987), se
processos de ordens diferentes: psicológicos, certas estruturas sociais mobilizam por eleição
~ais, corporais; familiares, grupais, ma- certas estruturas psíquicas, se existem entre elas
crossociais ... Evidencia cadeias de ligações inter- «sistemas sociomentais», a diversidade das res-
processuais tais como, por exemplo, os laços entre postas individuais num mesmo ambiente reflec-
processos de tensão muscular, de inibição da tirá a da história individual, familiar e social''.
expressão emocional, de recalcamento das repre- Um indivíduo confirmará, por exemplo, outro
sentações, de repressão social. Define objectos desmentirá as solicitações de um meio opressivo
complexos nos quais se entrecruzam determinan- por comportamentos depressivos. Vemos como
tes de proveniências diversas. Uma síndrome fenómenos tão essenciais como a patogenia
neurótica, por exemplo, é considerada como um poderão encontrar-se na intersecção de diversos
objecto complexo que liga entre si conflitos edi- campos de pesquisa, social, psíquica, biológica ...
pianos, conflitos de ordem sociofamiliar e con- e não situados num deles",
flitos arcaicos que têm a ver com o sistema emo- As noções de articulação e de objecto com-
cional, eles próprios em relação com o ambiente plexo assumem assim um sentido preciso e tor-
familiar e social (Pagês, 1990, 1991, 1993). nam-se conceptualizáveis como locais de inter-
Aduas n~ões, roblematiza ão múlti lri' e secção de problemáticas diferentes, para lá da
Izutonomta relativri', afirmam o senti o estes sua acepção vaga do sentido comum, que evoca
conceitos. A primeira si nifica que um mesmo uma confusão, uma mistura ou uma adição de
fenómeno é erspectivado de iversas formas di- determinações, em poucas palavras, a complica-
erentes, conce i o como o onto e cruzamen- ção, ou mesmo uma variância múltipla em sen-
to de diversas o lCas autónomas, or exem 10 tido estatístico", ou a simples extensão a um
micro e macrossociais, psicológicas, sociológicas,
_ IQ ~glcas ... Torna-se um oc -aei'iitei'ãCçao en-
5 Morin assinala a «causalidade recursiva- que liga cada
tre pro~âmico~neos que se In-
elemento de um conjunto complexo ao próprio conjunto •
. fluenciam mutuamente, mas que não são, de tornando-os reciprocamente produtores um do outro. As-
forma al uma, re utlvelS uns aos outros. sim. a sociedade ou a organização produzem indivíduos. tal
~Ã. noção de autonomia re ãüva é conexa. como eles por sua vez a produzem (Morin, op. cit .• p. 115).
G Daniel Widléicher. no seu excelente trabalho sobre a
O õe::-; ~ d;- epenaêncla e ae m e endência.
depressão. mostra a legitimidade e a especificidade das di-
Uma série aefenomenos if-se-á dependente de versas abordagens (1983). Ver também a nossa obra sobre o
outra se obedecer aos mesmos processos e leis stress (Aubert e Pages, 1989).
de variação que aquela, e independente se não 7 A análise factorial permite medir o peso de diferentes

existirem entre elas relações de covariação. Em facrores de variação na produção de um fenómeno romado
isoladamente. e o da interacçâo de fenómenos dois a dois •....
contrapartida, JllilJ)l:eL- entre si lal;.o ~ na n, sem por isso necessitar de hipóteses sobre a natureza
omia relativa se se influenciarem, mas rnan- dos processos de covariação.

40
COMPLEXIDADE

domínio dos processos que regem um outro. quentemente impostos, por muito elaborados
Podem ser identificados pares ou núcleos mais que sejam, são lineares. Muitas vezes não per-
complexos de processos, que desempenham um mitem atender de forma satisfatória à complexi-
papel mediador importante entre domínios e dade de tais profissões. Além <ils~<?!.
o problema
entre disciplinas, como espécies de sinapses com lifa-ss or ues0_es. e.pr~tigi9 e de estil-
acessíveis por diversos lados, locais de passagem, turo profissional. Os técnicos encontram-se
de encontro e de conversão de um tipo de pro- muitasvezes dilacerados entre tal ou tal dimen-
cesso noutro". são da sua prática, que eles não podem conceber
O método é de alcance geral. A organização, como um conjunto que articula e opõe dimen-
a família, o próprio indivíduo, podem ser abor- sões diferentes. A nQ.ção dq2rática complexa. é,
dados desta forma. Vimos que se podia cons- a este respeito, um campo promissor de experi-
truir a organização como tal objecto, como local e
men ração ae -;eflexã09."·· ", ~ ,

de articulação entre processos de mediação de


conflitos sociais e sistemas de defesa contra con-
Fronteiras
flitos psíquicos (Pages et al., 1979). O método
mostrou-se frutuoso noutros domínios: os da so- O processo com lexo reavalia o trabalho so-
ciologia familiar e das histórias de vida (de Gau- bté"áSfronteiras1 em nmeirQJugar a enterra
lejac, 1987), da emoção (Pagês, 1986), do stress 'entre reãlidade psíquica e realidade social, e a
(Aubert e Pages, 1989), da psicoterapia (Pages, ronteira corpo-psique. Volta a pôr em cheque
1993; Prayez, 1994), da educação (Herbert, os dogmas e interditos relativos ao trabalho
1995), do desemprego e da exclusão (Hérelle- transfronteiriço.
-Dupuy, 1994). Assim, na colaboração com um sociólogo
(Vincent de Gaulejac) convidado a animar se-
Prática complexa* minários de análise de histórias de vida para pa-
cientes que se encontravam em psicoterapia
A noção de objecto complexo conduz à de connosco, tivemos oportunidade de observar
pcltic;{ co~121exa. A psicoterapia, por exemplo, surpreendentes interacções entre o processo ob-
aepenâe de tal abordagem. O material produzi- jectivante da análise sociológica e o processo
do pelos pacientes pertence a diversos registos subjectivante do psicoterapeuta. O modo de
de interpretação e portanto de intervenção, aos questionar típico do sociólogo, que interrogava
registos emocional, discursivo, social ... É situá- de forma insistente as relações do sujeito com a
vel, não de forma linear, mas num espaço com realidade social objectiva, as suas questões rela-
diversas dimensões. tivas aos locais, às personagens, aos nomes de
Isto conduz a estratégias terapêuticas combina- família, ao dinheiro, que podíamos entender
das que põem em relação diversas formas de tra- como instrumentos de luta contra a negação da
balho: trabalho analítico, emocional, sociológi- realidade, produziam por vezes uma aceleração
co, trabalho individual e de grupo. Cada tera- notável do trabalho terapêutico. Em certos ca-
peuta alarga assim as suas competências a cam- sos, a emergência na entrevista terapêutica de
pos vizinhos do seu, tal como pode ser levado a uma palavra «esquecida» assemelhava-se ao le-
formas de colaboração interessantes entre espe- vantamento do recalcamento que intervinha pa-
cialistas diferentes. A prática clínica e a pesqui- radoxalmente na sequência de, e em ligação
sa, assim reorientadas, alimentam-se mutua- com, um processo activo de interrogação da rea-
mente (Pages, 1993). lidade objectiva nos seus aspectos sociais, que se
De forma geral, podemos pensar que a maio- considerava restringir mais, segundo a teoria
ria das profissões das ciências humanas estão no
mesmo caso: psicomotristas, psicopedagogos, 8 Jacques Selosse fala de conceitos mediadores. No seio
sicossociólogos, com duplo nome revelado r, e das sinapses, zonas de junção entre neurónios ou entre neu-
~ut~a pr:o 'SSOeS:"-Situam-se o cruza- rónios e outrOS tipos de células, as membranas celulares da
terminação axónica e da superfície inervada justapõem-se,
mento de diversas práticas, também elas, sem mas não se fundem. Para certas categorias de sinapses, os si-
úvida, já complexas: pSICoteraplãeedUCação, nais eléctricos propagam-se direcrarnenre, e para outros a
por exemp o, cuidados corporais e psicoterapia transmissão eléctrica passa pela intervenção de um processo
como no caso dos cinesiterapeutas e, muito sim- químico (Changeux, 1983).
9 Ver os trabalhos interessantes de Suzanne Roberr-Ou-
plesmente, os médicos. Ora, os sistemas teórico- vray, Au carrefour de Ia psychomotricité, de Ia kinésithérapie et
-práticos que lhes são propostos, ou mesmo fre- de Ia psychothérapie, 1993.

41
DICIONÁRIO DE PSICOSSOCIOLOGIA

psicanalítica, a evocação da produção psíquica que o compõem, aquilo que abandonamos,


inconsciente. Mas é verdade que a recordação aquilo que se transforma, para o tornar compa-
«reaparecia» noutro quadro de interrogação e de tível com as outras componentes do processo, e,
escuta, de ordem analítica. Estes fenómenos si- last but not least, aquilo que acrescentamos ou
tuavam-se na interface entre dois campos de in- descobrimos. Nesta operação, as teorias e as prá-
tervenção que correspondem a duas regiões psí- ticas, ao mesmo tempo que conservam uma
quicas. Como se se tratasse de um efeito lateral identidade reconhecível, não se mantêm in-
.~ ,. , . '10
entre reglOes pSlqmcas e praticas contIguas . demnes.
, .Não se trata, em tais casos, nem de uma re- Assim, nas tentativas de integração das dou-
~dú.ÇKOSl;ealis~..aJ~~~mo ao social nem de trinas terapêuticas, existe o risco de se obscure-
~ma redução «idealista» do social à realidade cer as disciplinas constitutivas do melting-pot
Psíquica, mas da análi;e das interacções _entre procurando os elementos comuns a todas. Este é
( uma e outra por interconexão de dois processos um risco ao qual alguns dos nossos colegas ame-
, antagonistas e complementares que,~além.....disso, ricanos não escaparam 11. Por nosso lado, mais
I possuem zonas de sobreposição. _0_ que está em do que uma síntese teórica, procurámos articu-
LQ.11'estão, para o psicólogo, é a possibilidade de lar e dinamizar as oposições entre pontos de vista
acolher intelectualmente a ideia de uma causa- conservando uma identidade própria, diferen-
lidade social do psiquismo, cuja exploração prá-
tica recorre a outras vias que não a sua.
ciólogo, por seu lado, aceita que o encaminha-
° so-
tes mas não contraditórios entre si, que permi-
tem captar de forma complementar a realidade
psicossocial. É por esse motivo que preferimos o
mento dos determinismos sociais passe pelo termo complexidade ao de integração.
intermédio de processos de interiorização, de À censura que nos poderia ser feita de falta de
identificação, de conflitos vivenciados na trans- rigor quando nos afastamos dos cânones desta
ferência com os terapeutas. Cada uma destas ou daquela doutrina que utilizamos livremente,
séries de prs>cesso~goza d~_a'Utonoml~~ respondemos convidando os críticos a não con-
mente à outra, tal como as pessoas e os dispo si-
'tivos que os psicólogos e os sociólogos clínicos
fundirem rigor e rigorismo. °
espaço é estreito,
mas existe uma diferença essencial entre a atitu-
fazem actuar. de que prefere um verdadeiro culpado a um in-
A outra fronteira essencial é a fronteira corpo- vestigador incerto (matar a incerteza, mais do
-psique. As noções de sistema emocional e de tra- que procurar respostas) e a que prefere cornba-
balho emocional voltam a pôr em questão o in- ter a incerteza deixando as questões abertas sus-
terdito dogmático do toque em psicoterapia, pensas durante o máximo de tempo possível, a
pronunciado pela psicanálise e que se considera fim de que neste espaço possam surgir respostas
garantir a produção fantasmática e a elaboração inesperadas.
psíquica. A prática do trabalho emocional em Este tempo de suspensão é primordial. Marca
condições precisas que garantem a manutenção a passagem dos contraditórios aos contrários, ao
do quadro e do contrato terapêutico mostra que mesmo tempo que a renúncia à omnipotênc' .
este falso interdito não se justifica, tal como a
Durante esta passagem a re-se um espaço que
hipótese em que se baseia (Pages, 1986, 1993;
se torna local de criação entre dois conjuntos
Prayez, 1994). Em psicoterapia, foi-nos possí- teóricos que se excluíam. É libertado um lugar
vel observar efeitos laterais comparáveis aos que
no qual o investigador vai poder imaginar, sem
acabamos de descrever entre o trabalho sociop-
mesmo se dar inicialmente conta, dispositivos
sicológico e o trabalho analítico sobre esta outra
teóricos e técnicos imprevistos, articulações, es-
fronteira, na interface entre trabalho emocional
tratégias de intervenção complexas, que se si-
e trabalho analítico, no caso dos pacientes cujos
tuam entre os dois sistemas teórico-técnicos e
protocolos analisámos. Correspondem a impul-
que fazem apelo aos dois registos. Ele observará
sos conjuntos do sistema emocional arcaico e do
sistema edipiano.
10 O sistema sociofamiliar (SSF) e o sistema discursivo-
-edipiano (50) (Pagos, op. cit., pp. 159-162). Discutimos
Integração ou complexidade um caso em pormenor nesta obra e em «Lécoute complexe»
(Revue Internationale de psychosociologie, n.? 14,2000).
II Cf. J.-c. Norcross, M. R. Goldfried et al., Ia psycbo-
Na construção de um processo complexo, co-
thérapie intégrative, 1992. Estão representados na obra dife-
loca-se inevitavelmente a questão de saber aqui- rentes tipos de integração, alguns dos quais são próximos de
lo que conservamos das teorias e das práticas um processo complexo e outros muito afastados.

42
COMPLEXIDADE

efeitos inesperados da sua intervenção, como os Definições


efeitos laterais ou de enxerto que descrevemos.
Esta construção repousa, na origem, na abertu- Análise dialéctica: análise crí~a d,~"!~Q.ri~,
ra de um espaço interior de interrogação, em dos métodos, das práticas,~na perspectivade
vez e no lugar das poderosas barreiras mentais uma epistemologia da c.Q.mpk.xidade.
preexistentes entre sectores diferentes da reali- Articulãções: a no ão de,sigIla os laços trans-
dade e do pensamento, que podemos interpre- versais entre processos de ordens diferentes: psi-
tar como espécies de defesas contra o risco da cológicos, emocionais, corporais; familiares,
criação intelectual. grupais e macrossociais.
Isto tem por efeito fazer dialogar entre si, ao > -Autonomia reláfiva: a nQção de autonomia
nível teóricoep;rtico, as diferentes raclições relativa op,õe-se às.de_dependência e de inde-
científicas que nos alimentaram, manTermo-nos p~Ddência_ Uma série de fenómenos dir-se-á de-
fiéis a elas, ao mesmo tempo que derrubamos pendente de outra se obedecer aos mesmos pro-
faIsoLdogmas e falsos interditos, e abrirmos no- cessos e leis de variação que esta, e independen-
vas vias. Passamos assim, esperamos, da guerra te se não existirem entre elas relações de cova-
ideológica para um estado de conflitualidade riação. Em contrap<lltiçla,JI?-3nter~0 entre si
criativa. laços de autonomia relativa se se Influenciarem,
A via do rigor intelectual consiste em manter mas se se mantiverem regidas pelos seus Rroces-
sos próprios. Neste caso, é ao nível de. uma rela-
a brecha aberta, em não esquecer que não se po-
çao entTeõspróprios processóS que se estabele-
dem ligar frutuosamente senão conjuntos dis-
ce o laço entre as séries. ---'-.
cintos e claramente separados.
Complexidade; o processo complexo, em
O método com lexo não consiste em fundir,
sentido epistemológico, procura descobrIr uma
agregar, integrar, comp icar o edifício, construir
oraem entre élementos constiruinres, que_çgp-
sinteses umllcaâõfâSêi1tre SIstemas teõriCõ:téc~
rncos,màs em fêdefinuos seus laços tornaI.!..<!2
~Tsià, heterogeneidade., Visa «exp,lli:'ll'>
.articulações entre domínios discipjiIlªI.!:.S_o;;di-
mais precisos os contornos de cada um, no mes-
nariamente separados por sistemas de J2enJa-
momovimeme:-5epa1'ãrãã" mesmo tempo que
m:.!!!º-h~g~ic~~ tais_~gIô o_lD"iírxii-mo,.o
seliga, igãrão" mesrri-o'Tempo que se se' ara,'
'cj'lD turalism~~oj;nitivismo e a psicanálise.
num mesmo movimen:to~éc.!ico.
Objectos complexos: o pensamenro.comple-
ão se trata, orta!llQ, de construir uma dou-
xo Constrói os objectos <2~ntíf~os !!!f!.1!2..!!.ÉifÇ!qs
rrina a to a a rova, de definir de uma vez por
~ptexos, _Qncl'esê entrecruZillll_determinantes.
rodas asd~nsões da complexidade sociopsi-
redlversas roveruencias. Uma síndrome neu-
coemocional a levar em conta e as suas vias de rótica, por exemplO,-[êllcarada como ligando
exploração . .5ão.co cebíveis várias abordagens a entre si conflitos edipianos, conflitos de ordem
esta c~m lexidade, fl.ue,_aliás,-eom-e am a ser ex-
~~-- sociofamiliar e conflitos arcaicos que respeitam
..p ora as. A abordagem comp exa é sem re si- ao sistema emocional, eles próprios em relação
ruada. AlllvelL"eorico, âe en e das dimensões com o ambiente familiar e social.
leva as em conta pelo investigador, das suas es- Prática complexa: noção de obkç~
colhas, o que não o dispensa e as vaIÍcrar:Eum plexo conduz à de uma f!rática complexa que
;ens---ento em re e que co oéãem ígação uma coloca em relãção diferentes formas de trabalho.
multi licidade de pontos e vista q~ Vor exemplo, em psicoterapia, consIderar-se-á
constrói com a qual estamÕsãIndã pouco famÍ- que a expressão dos pacientes pertence a diver-
iarizados. VemsubStitüir os moaosefepêD.Sã- sos registos de interpretação, e portanto de in-
;nen~ escolas, que conservam um aspecto tervenção, aos registos emocional, discursivo,
gregário, e reorganiza simultaneamente a episte- social, que ela é situável, não de forma linear,
mologia, as estruturas intelectuais e o modo de mas num espaço com diversas dimensões. Isto
relação entre os pesquisadores. conduz a estratégias terapêuticas combinadas: tra-
A nível clínico, a abQlda em com lexa encar- balho analítico, emocional, sociológico, traba-
=-se aindãITíais. Compete a ca a intervenien- lho individual e de grupo (complexidade, objec-
i elaborar e definir a sua própria prática, num tos complexos, articulações).
;:üálogo incessante com os autores e os colegas Princípios pan-explicativos; processos: no
::os quais se sente próximo e que em nada o seio do pensamento com lexo a tó.nica..d~a-·
=x:onera da sua responsabilidade. -se do-pla:!10 .Q§ pri!J:cipigs P1:!!::0Elicativos com
vocação universal - líbido, instinto Jemorte,
43
DICIONÁRIO DE PSICOSSOCIOLOGIA

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44
MUDANÇA Jacques Rhéaume

A noção de mudança é fortemente polissérni- ménides, para quem o Ser é permanência sob a
ca, tal como comprova a utilização muito fre- aparência das mudanças. Esta oposição radica,
quente, ou mesmo banalizada, do termo na lin- atravessa as teorias da mudança. Encontra-se fi
guagem corrente e as suas múltiplas referências cerne da mudança dialéctica" do pensamenro
em todas as disciplinas das ciências humanas e alemão do século XIX (de Hegel a Marx), Encon-
sociais. Os dicionários indicam toda a variedade tra-se igualmente na dialéctica existencialista e
de significados ligados a esta noção e aos termos fenomenológica (Sartre, Merleau-Ponty). Mas.
que lhe estão associados. É interessante notar mais globalmente, atravessa as relações entre es-
que o termo «mudança» (changement), em fran- trutura e subjectividade", sistema e experiência,
cês, tem por origem primeira o termo que pro- E estes debates vão ser retomados, de outra for-
vém do baixo latim, cambiare, que quer dizer: ma, nas diversas teorias da mudança elaboradas
trocar, substituir uma coisa por outra. A inte- em ciências humanas e sociais, e em especial eu:
racção e a troca encontram-se assim no cerne da psicossociologia. Cinco tradições de pensamemo
mudança. Por abstracção e generalização, a mu- vão marcar o campo psicossociológico:
dança designa também a passagem de um esta- - a dinâmica da mudança;
do a outro. Isso conduz a uma definição sim- - a abordagem sistémica;
ples da mudança psicológica ou social: uma - a mudança planificada, the planning of
mudança é a passagem do estado x, definido change;
num tempo t, para um estado Xl' num tempo tI' - o desenvolvimento (pessoal, organizacional
em que X e XI podem representar um ser huma- ou social);
no ou um meio social que, depois da «mudan- - a mudança e o inconsciente.
ça», se torna simultaneamente outra coisa e o
mesmo. Uma pessoa mudou, mas é ainda a Abordagens da mudança
mesma pessoa. Um grupo, ou organização, ou
sociedade mudaram, mas são ainda o mesmo Pioneiro da psicossociologia, o psicólogo ame-
grupo, a mesma organização, a mesma socieda- ricano de origem alemã, Kurt Lewin, desenvol-
de. Senão, haverá mais do que mudança: have- ve uma concepção da mudança caracterizada
rá desaparecimento e emergência de uma outra pela preocupação de fundar uma teoria científi-
realidade, morte ou criação. A aposta identitá- ca das relações entre pessoas e sociedade, à ima-
ria, pessoal ou social, encontra-se, neste contex- gem das ciências da natureza: a física e a mate-
to, no cerne da noção de mudança. Evoquemos mática. A teoria do campo psicológico é, com
também aqui toda a gama ou os cambiantes efeito, definida nos mesmos termos de um cam-
possíveis quanto à extensão ou à profundidade po de forças, de vectores, de intensidade e de
das mudanças sugeridas por termos como des- equilíbrio que evocam constantemente um
locação, movimento, alteração, ajustamento, campo energético no sentido da física. Metáfo-
modificação, evolução, desenvolvimento, refor- ra do psicológico e do social, o campo é forma-
ma, transformação, mutação, revolução, ruptu- lizado na concepção de uma matemática descri-
ra, metamorfose. tiva que é a topologia de espaços materiais e
A noção de mudança na história das ideias, simbólicos de proximidade, de fronteiras, de
por exemplo, em filosofia, é indissociável da po- barreiras, de canais. A dinâmica da mudança.
laridade estabelecida entre a permanência (estru- pessoal, de grupo ou social, é assim definida
tura)" e a mudança (duração). Este debate fun- como uma série de estados sucessivos quase
dador faz-nos remontar aos filósofos pré-socráti- estacionários do campo social que constitui
cos, em particular à oposição entre Heraclito, uma totalidade actual das relações entre pessoas.
para quem a mudança é a essência do Ser sempre
em movimento e em conflito entre as figuras dos
elementos materiais, o fogo em especial, e Par- . Os asteriscos remetem para as definições no fim do artigo.

138
MUDANÇA

sociedade e ambiente material. Esta totalidade John Dewey*, concebia assim a teoria da mu-
mais ou menos estável evolui um pouco ao dança como a réplica operacional, na vida quo-
zaodo das relações forma/fundo tal como são tidiana e no senso comum, do raciocínio cientí-
_efinidas pelos defensores da Gestalt", ou teóri- fico experimental: coloca-se uma questão de in-
oos da forma, que tinham marcado o início dos vestigação, forma-se uma hipótese, cria-se um
trabalhos de Lewin na Alemanha. A mudança é plano de experimentação, obtêm-se resultados
;:escrita como um processo iterativo que com- que são avaliados em função dos objectivos de
preende três fases: descristalização, deslocação e mudança desejados. Na acção quotidiana, o
zristalizaçâo. Esta concepção dinâmica da mu- sentimento de um mal-estar ou de uma necessi-
aança será sobretudo conhecida através de tra- dade de mudar uma situação leva os actores so-
oalhos sobre a dinâmica de grupos restritos. ciais a identificar os obstáculos ou os problemas
Esta primeira visão da mudança será rapida- a resolver, a fixar objectivos e um plano de ac-
zaente substituída e ampliada pela concepção ção, a traduzir em estratégias* e em tácticas" esta
- émica que se irá impor na década de 1950. acção para obter os resultados desejados.
~ sistema, individual, grupal, social é esta rota- A avaliação deste estado final é susceptível de
de de elementos interdependentes que se relançar o processo de mudança se persistirem
- rma em interacção com um ambiente com- afastamentos entre o desejado e o actual. Esta
_ o e outros sistemas. Estes sistemas mantêm- concepção do «planeamento da mudança»
-se ou mudam de acordo com processos com- (planning o/ change) está bem representada em
=: os de regulação, desde as regulações mais duas séries de trabalhos, americanas e canadia-
- ples, mecânicas, como o comando termostá- nas: as de Bennis, Benne e Chin (1961,1984) e
::Xo, a regulações mais complexas do ser vivo, as de Tessier e Tellier (1990-1993).
znmo a autopoiese (auto-referência e autoprodu- Uma terceira tradição de pensamento, muito
::20 do sistema). Mas, em todos os casos, trata-se influente nas concepções psicossociológicas da
pre de uma estruturação dinâmica de ele- mudança, é a do desenvolvimento: desenvolvi-
tos em interacção e que formam um todo. mento de grupos, desenvolvimento organizacio-
7sra teorização da mudança, em psicossociolo- nal, desenvolvimento pessoal (ou crescimento
- conduz na sua aplicação a traçar primeiro pessoal). No domínio da psicologia, o conceito
retrato, o mais completo possível, da situa- de desenvolvimento está muitas vezes associado
::m de partida vivenciada por uma pessoa ou a autores pioneiros como Gordon Allport e Carl
~po de pessoas, no seu contexto actual: moti- Rogers. O desenvolvimento, tal como a ideia de
> - es, recursos, objectivos, alianças, oposições crescimento, são noções próximas da metáfora
~ resistências à mudança pretendida. Em segui- biológica do ser vivo e do organismo. Tal como
são identificados os factores ou as «forças» a estrutura do organismo inspirou numerosos
eptíveis de facilitar a descristalização do sistemistas, também a passagem progressiva, por
=po psicológico e social, permitindo formar fases, do germe originário ao organismo adulto
_rojecto de agir ou intervir nestes factores; por é fonte de inspiração dos teóricos do desenvol-
o processo termina pela avaliação do novo vimento. Pressupõe-se sempre um estado in-
=do do campo ou do sistema assim mudado. completo, inacabado, virtual de um todo orgâ-
Outra concepção de mudança sustentada nico, vivo, que em seguida cresce, solta as velas
~ente pelos defensores de uma abordagem e se actualiza plenamente em toda a sua maturi-
. iana é a da mudança planificada. Inte- dade. Isso vem modificar ou mitigar o sentido
F2Ddo vários elementos da abordagem sistérni- mais radical associado à ideia de uma mudança
::<. ou da dinâmica da mudança, baseia-se, não que pode ser definida como ruptura, desorgani-
te, numa tradição de pensamento com- zação, transformação estrutural de um estado
:::.cramente diferente, com origens bem ameri- para outro. O desenvolvimento é antes a conti-
zzaas, que é a filosofia pragmática social. A rnu- nuidade e o progresso, a mudança definida por
ça planificada é a mudança definida como uma série de fases de crescimento. Realizar-se,
tante de um plano, de uma vontade e de actualizar-se plena ou optimamente, são as pa-
intervenção de chegar a um novo estado lavras-chave. O desenvolvimento pode implicar
zesejado, individual, de grupo ou organizacio- conflitos, rupturas, tal como passagens ou crises
Mas esta mudança intencional produz-se para uma maior maturação integrativa.
termo de um processo racional, que é o da A quarta tradição de pensamento associada a
lução de problemas. O filósofo educador, uma psicossociologia da mudança é a da mudança
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DICIONÁRIO DE PSICOSSOCIOLOGIA

institucional, que se baseia em referências múl- te-americanas fizeram, pelo contrário, maior
tiplas ao pensamento crítico, no sentido apelo à sociologia de inspiração funcionalista e
sociológico do termo, bem representada pelas às psicologias behavioristas (cornportamentalis-
diversas tradições marxistas ou pós-marxistas. tas) ou humanistas.
A crítica social pode ser caracterizada pela in- Como qualquer tentativa de classificação, esta
trodução da centralidade das relações de poder identificação de cinco tradições de pensamento
na prática dos grupos, das organizações, das ins- e de práticas bem distintas - dinâmica da mu-
tituições. A análise institucional de um René dança, mudança planificada, desenvolvimento,
Lourau ou de um Georges Lapassade, ou ainda mudança crítica - pode parecer bastante sumá-
a sociopsicanálise de Gérard Mendel, são exem- ria relativamente ao exame mais pormenorizado
plos dessa abordagem crítica, que será definida de autores ou de trabalhos sobre a mudança.
na maioria dos casos criticando outras teorias da Convém introduzir gradações e variações que
mudança psicossociológica, qualificando-as mostram bem a proximidade, ou mesmo coinci-
como adaptadoras, manipuladoras, reproduto- dências, entre estas diversas concepções da mu-
ras da ordem estabelecida. Serão, assim, ataca- dança. Mas o exame destas variações permitir-
das a mudança planificada, a prática dos grupos -nos-á mostrar alguns núcleos irredutíveis de
de crescimento, o desenvolvimento organizacio- sentidos que implicam a necessidade de repensar
nal. Na verdade, estas críticas serão integradas hoje o lugar e o sentido da mudança como pers-
pectiva essencial do projecto psicossociológico.
em muitos trabalhos psicossociológicos, permi-
Um primeiro cruzamento, muito frequente no
tindo uma reactualização dos valores em jogo
pensamento norte-americano, é o da visão da
em termos de poder e da mudança institucional
mudança como «dinâmica da mudança planifi-
presente. Por exemplo, o projecro da democra-
cada». A mudança intencional e pragmática cen-
cia social de Kurt Lewin era chamado a colocar
trada na resolução de problemas sociais e organi-
em cheque qualquer tentação totalitária de go-
zacionais (mudança planificada) é aqui assimila-
verno; de igual forma, a abordagem «não direc-
da à concepção teórica das modificações ou
tiva- de Rogers consistia, no empreendimento
transformações de um campo ou de um sistema
de mudança, em deslocar o centro de poder
social dado. Esta aproximação apeia-se numa
mais para o que necessita de ajuda do que para tensão entre os elementos mais estruturais" e glo-
o que a presta, mais para o grupo do que para o bais de um sistema e na irrupção do actor-sujei-
organizador. São estes verdadeiramente os ele- to social portador de projectos e de intenções. A
mentos essenciais de uma concepção psicosso- intervenção roma-se então uma prática actuante
ciológica da mudança. e transformadora dos sistemas, e também comi-
Podemos também identificar uma quinta tra- da pelos constrangimentos e regras sistémicos..
dição como contribuição original para uma Um outro cruzamento, muito presente tam-
abordagem psicossociológica da mudança. Ela bém no pensamento norte-americano, está im-
exprime-se, por excelência, na crítica psicológi- plícito na noção de «desenvolvimento organiza-
ca da mudança fundada na teoria psicanalítica cional», que representa então uma variante da
do grupo ou do laço social colectivo, pondo em ideia da dinâmica de uma mudança planifica-
relevo a importância decisiva do inconsciente e da, com o contributo particular de uma COD-
do Imaginário como fomes ou obstáculos à mu- cepção histórica ou evolutiva da organização.
dança. Os trabalhos pioneiros do Instituto Ta- passando de um estádio mais ou menos incom-
vistock, com teóricos e clínicos como W Bion, pleto, potencial, para um estado mais acabado e
e trabalhos franceses como os de D. Anzieu ou mais realizado. A versão mais individual desta
R. Kaes irão operar uma redeíinição das bases concepção do desenvolvimento repousa assim
psicológicas da mudança. É assim, por exemplo, numa visão mais naturalista e menos volunta-
que Anzieu falará da «ilusão grupal» como do rista: a pessoa humana, diria Carl Rogers, tende
ponto cego de muitas práticas da «dinâmica de de forma inata para se realizar completamente.
grupos». Não é sem dúvida um acaso que a trata-se de uma tendência «organísmica». É in-
abordagem crítica psicanalítica tenha sido de- teressante sublinhar esta designação, utilizada
senvolvida principalmente nas correntes de pen- mais especificamente em França na década de
samento europeias, em especial em França e na 1960, do Grupo de Evolução para falar do gru-
Grã-Bretanha. Com efeito, a psicanálise e as po de formação (training graup) resultante da
suas muitas variantes ocuparam um lugar im- teoria da dinâmica de grupos, ou ainda do gru-
portante nas culturas europeias. As culturas nor- po diagnóstico para evocar o mesmo tipo ~

--- 140
MUDANÇA

grupo. No primeiro caso, encontramos a ideia a preocupação com a mudança continua a ser
de um desenvolvimento do grupo para um está- central: como tornar o conhecimento e a pes-
dio de maturidade. No outro, pelo contrário, é quisa mais pertinentes e mais úteis à prática so-
antes questão de uma fase de tomada de cons- cial. Quer seja na perspectiva pragmática de re-
ciência da situação como passagem obrigatória solver os problemas sociais ou na abordagem
para uma fase de acção reflectida, próxima, por crítica dirigida a pôr em causa a instituição do-
. o, da mudança intencional. minante ou as desigualdades sociais, os saberes
Convém chamar a atenção para o conjunto das ciências humanas e sociais são interpelados.
de trabalhos que, tanto na Europa como na Inversamente, a prática social torna-se uma re-
América do Norte, especialmente no Quebe- ferência primeira para questionar a adequação
• e, vão tentar integrações parciais destas diver- da pesquisa e o desenvolvimento das teorias em
sas tradições teóricas e críticas sobre a mudança. ciências humanas e sociais. A validação dos sa-
ideias de «mudança complexa», «abordagem beres resulta de um confronto com a prática so-
ãaléctica» da mudança, «sistemas sociomentais» cial. Esta posição afasta-se da construção exclu-
~ -abordagem clínica» são outras tantas noções siva em laboratório experimental ou da especu-
!DI que se tentaram aproximações entre diversos lação teórica. A psicossociologia apeia-se, de
zontributos teóricos da mudança. Estes autores certo modo, na práxil' social, numa prática re-
_ icossociólogos vão sustentar conjuntamente flexiva, numa teoria praticada. Isto em nada in-
_ mos de vista tão diferentes, quanto aos seus firma a autonomia relativa do momento de ela-
- damentos teóricos, como a abordagem exis- boração teórica. Mas esse momento inscreve-se
cia! e fenomenológica, a sociologia crítica e a no processo global de uma prática teorizada,
álise. E os desenvolvimentos teóricos pro- fonte de mudança social.
_ os acompanham a afirmação igualmente • Necessária complexidade multidisciplinar.
zara de uma metodologia de intervenção com- Qualquer perspectiva psicossociológica da mu-
que é susceptível de permitir uma tal dia- dança repousa simultaneamente numa concep-
..e:::ricaem domínios tão diferentes como a inter- ção psicológica da mudança individual ou pes-
çã o ou a consulta organizacional, a interven- soal e numa concepção da mudança social.
- comunitária ou em meio aberto, a formação A referência a diversas disciplinas e pelo me-
_ ~upo restrito, a abordagem biográfica, e até nos aos contributos da psicologia e da sociologia
rerapia, A abordagem clínica em ciências hu- é uma constante dos trabalhos sobre a mudança
ou sociais (sociologia clínica) representa psicossociológica. Quer seja a perspectiva da
bom exemplo destes avanços metodológicos mudança de atitude ou de valores das pessoas
zeéricos que permitem redefinir uma psicos- «agentes de mudança» no caso dos lewinianos, o
. logia da mudança, na qual as exigências da desenvolvimento óptimo da pessoa na concep-
- podem ser ligadas a uma perspectiva críti- ção existencial-humanista" dos rogerianos, ou a
:::emancipadora. elaboração simbólica ao encontro do incons-
ciente no caso dos psicanalistas, a mudança pes-
a de algumas proposições soal situa-se no cerne da perspectiva psicosso-
is sobre a mudança ciológica. Mas esta mudança é inseparável das
mudanças sociais, no grupo, na organização, na
:::Dnvém desvelar um certo número de caracte- sociedade. Mudança sistémica, movimento so-
essenciais que se encontram em diversas cial ou reprodução social, a acção individual
ções psicossociológicas da mudança que inscreve-se no quadro mais amplo da acção so-
os de esboçar. Apresentamos e comenta- cial. E muitas outras disciplinas são então im-
sumariamente as sete características seguintes: plicadas na análise da mudança: antropologia,
-lnculo teórico e prático. O primeiro postu- ciências políticas, história, etc. Em todos os ca-
da perspectiva psicossociológica da mu- sos, a questão central é a de desenvolver as bases
• é que a teoria e a pesquisa em ciências hu- psicológicas e sociológicas de uma teoria do su-
e sociais constituem um motor essencial jeito e de uma teoria da acção social.
•- o e da prática social. Que inversamente, • Historicidade e democracia. Uma concepção
volvimento da teoria se apeia no da prá- psicossociológica da mudança estende-se por
social. um horizonte social, cultural e político, em que
action research (pesquisa-acção) de Lewin cada um e todos são convidados a realizar acti-
. recentes trabalhos em psicossociologia, vamente uma democracia participativa.
141
DICIONÁRIO DE PSICOSSOCIOLOGIA

O apelo a diferentes saberes disciplinares, a se encontram na base da construção da socieca-


uma psicossociologia da mudança não pode de e da produção dos indivíduos como sui -
economizar no empenhamento. Todos os pio- O funcionamento das grandes instituições
neiros, como Lewin, e a grande maioria dos psi- ciais, como o desenvolvimento dos indiví
cossociólogos contemporâneos partilham esta realiza-se pela mediação destes meios in
orientação ética de trabalhar para a emancipa- dios de acção.
ção do sujeito humano e do grupo social, outra • Uma teoria da intervenção e da com
formulação para fundar uma democracia de É uma característica central da história da
participação, de solidariedade, de igualdade. O cossociologia ter desenvolvido uma con _.-
trabalho psicossociológico é o de fazer crescer específica da intervenção. E, com efeito, a
uma consciência mais crítica, uma compreensão sequência das dimensões precedentes: ligar
e um domínio acrescido da sua situação pessoal ria e prática, pessoa e sociedade, num COIllf
e social. E isto perante o reconhecimento de re- misso concreto para uma democratização -
lações sociais desiguais, do risco sempre presen- práticas sociais implica uma teoria corr
te da tentação totalitária, da convicção de tornar dente da intervenção.
os indivíduos e os colectivos mais «sujeitos» da Mudança planificada, desenvolvimento 0--:
sua história. As formas concretas deste ernpe- nizacional ou comunitário, análise instiruci
nhamento podem variar e estar em oposição. o processo de intervenção coloca face a face - -
Quer seja o modelo americano da democracia vestigadores-intervenientes que recebem .
valorizado pelos lewinianos ou a utopia auto- designações: analistas, consultores, conselheir
gestionária dos institucionalistas, com toda a facilitadores, agentes de mudança. Estes p - -
gama de posições intermédias, as condições de tos executam-se segundo diversas fases-tipo: ~
um viver em conjunto mais democrático estão lise do pedido, estabelecimento de um con
na base de uma concepção psicossociológica da diagnóstico dos problemas, definição de obi
mudança. E estas condições variam de acordo vos e de um plano de acção, experimen .-
com os contextos societários e os períodos his- avaliação. A participação de todos os actores --
tóricos considerados. A utopia autogestionária, volvidos numa intervenção, convidados a pz.--
por exemplo, assume hoje a forma, sem dúvida lhar a análise de situação, a planificação e a rea-
mais modesta, de uma democracia de participa- lização de uma mudança, faz parte das r_~
ção tornada um verdadeiro desafio em contex- habituais de intervenção psicossociológica. E
tos culturais, especialmente na América do Nor- cessário acrescentar-lhe uma reflexão constarze-
te, marcados pelo individualismo e pelo pensa- mente retomada sobre o estatuto e a abordas
mento neo liberal. dos «intervenientes». Animador democ ~
• Estruturas intermédias e mediação. A mu- (Lewin), «monitor- ou «facilitador- cen
dança é estudada e favorecida principalmente no cliente, ou não directivo (Rogers), an
nas unidades sociais intermédias entre as socie- (Anzieu), «rnaiêuticos» (jean Maisonneuve), -
dades ou os grandes conjuntos macrossociais e o outras tantas posturas e modos de intervençâ
universo individual. O grupo restrito, a organi- que testemunham esta preocupação constante
zação formal, a vida associativa, representam lo- favorecer a expressão e a participação, mas
cais privilegiados portadores de mudança social bém o empenhamento e a análise crítica.
e individual. Estas formas organizadas são en- • Pensamento crítico. A questão do poder
tendidas como componentes-chave do funcio- relações sociais é o tema que, por excelên -
namento democrático da vida social. permite definir o alcance e os limites da abo
A dinâmica dos grupos (incluindo o sistema gem psicossociológica da mudança.
familiar), o desenvolvimento organizacional ou Na medida em que o processo psicossoci
comunitário são exemplos-tipo do quadro de gico se mantém ancorado numa intenção -
acção da psicossociologia. Isto baseia-se na ideia mudança para uma maior democracia e -
de que estas estruturas sociais intermédias re- emancipação dos actores sociais, ele é indissoca-
presentam locais de estudo ou de mudança nos vel de uma perspectiva crítica. A reflexão cá--
quais as relações pessoa-sociedade são mais fácil sobre as apostas do poder na intervenção e
e directamente observáveis do que, por exem- cepção psicossociológicas das mudanças s -
plo, no contexto da terapia individual ou no das foi frequentemente ocasião de confronto
grandes estruturas políticas ou societárias. Porém, as correntes psicossociológicas europeias, funC:é.
existe mais do que uma exigência meto do lógica. das na sociologia crítica ou na psicanálise, e as
F<tas estruturas sociais são meios de acção que América, fundadas numa sociologia funcio .
MUDANÇA

e numa psicologia humanista ou behaviorista. da filosofia alemã do século XIX (dialéctica his-
Mas, em todos os casos, coloca-se a questão do tórica hegeliana: tese-antítese-síntese, e depois
poder: poder dos pesquisadores-intervenientes marxista) e do existencialismo (dialéctica para-
relativamente aos grupos que expressam o pedi- doxal das relações sujeito-mundo em M. Mer-
do; estrutura de poder dos quadros sociais da leau-Ponry, por exemplo). Max Pages, em psi-
acção: alcance das mudanças e da intervenção. cossociologia, utiliza esta noção em conjunto
Além disso, nos debates críticos sobre o alcance com a de complexidade para designar as formas
da mudança psicossociológica reconhece-se cla- múltiplas de oposição ou de conflito que estão
ramente que as mudanças que podem ser pro- na origem da mudança pessoal e social.
duzidas nos grupos ou nas organizações se Estratégia: termo de origem militar, que de-
apeiam em mudanças individuais e societárias signa o plano de conjunto das operações a reali-
que sustentam a acção social destas instituições zar até à obtenção da finalidade ou do objectivo
intermédias. Se é verdade que estes meios de ac- geral.
çâo servem de mediação privilegiada para a Estrutura: conjunto organizado de relações
construção de sujeitos-actores sociais, se é ver- entre elementos interdependentes. A estrutura
::kde que o projecto psicossociológico consiste representa o pólo de regularidade e de estabili-
em trabalhar a articulação do psíquico e do so- dade das entidades humanas e sociais.
cial, é também verdade que as mudanças nestes Gesta/t: termo alemão que significa «forma».
locais intermédios são largamente dependentes Concepção teórica inovadora de psicólogos da
za qualidade da mudança do indivíduo e do percepção (W Kõhler, K. Koffka e M. Werthei-
:;uadro social das mudanças sociais, que apelam mer) que exerceram uma influência directa em
ci. outras abordagens da mudança. K. Lewin. O jogo dialéctico do fundo e da for-
• Inconsciente e liberdade. A questão do in- ma para explicar a formação das percepções iria
zonsciente atravessa a reflexão sobre a mudança, conhecer uma extensão importante aplicada ao
como a da liberdade dos sujeitos. campo social e à personalidade. Recordemos,
Os contributos da psicanálise, desenvolvidos neste primeiro caso, a terapia gestaltista desen-
~cipalmente na Europa, permitiram que se volvida por F. Perls.
lrasse a colocar em causa toda a abordagem Humanista: designa aqui a corrente de pen-
zemasiado voluntarista ou racionalista da mu- samento em psicologia que se apoia geralmente
zança, introduzindo a parte irredutível das for- nos contributos filosóficos fenomenológicos e
inconscientes na determinação da conduta existenciais, centrada no sujeito existencial, na
=ana. Por outro lado, os trabalhos humanis- importância da percepção subjectiva das situa-
dos psicossociólogos norte-americanos, em es- ções sociais. Autores como C. Rogers, A. Mas-
ial, sublinham o carácter igualmente irredutí- low, G. Allport e J. Bugental são representativos
da liberdade humana e do projecto como fon- deste movimento, que teve uma influência mui-
de mudança intencional, voluntária ou não. to importante no desenvolvimento da psicosso-
~ esta dialéctica das determinações e da liberda- ciologia.
que representa melhor, possivelmente, a aven- Práxis: designa a acção teorizada ou cons-
da mudança numa perspectiva psicossocio- ciente do sujeito sócio-histórico. No pensamen-
_oca. Esta dialéctica funda-se neste paradoxo to marxista, designa a acção consciente de clas-
- eiro no qual se diz que o homem nunca é se. Por extensão, designa qualquer forma de prá-
ente determinado nem totalmente livre. tica social dos actores orientada para a mudan-
ça social e opõe-se à noção mais redutora de
nições prática técnica ou instrumental.
Subjectividade: qualidade ou maneira de ser
Dewey (John): filósofo americano, 1859- de um sujeito (cf artigo sujeito) humano. A sub-
-2. Autor representativo da corrente prag- jectividade evoca o pólo de liberdade criadora
. ta americana, com W James, G. H. Mead na vida humana e social e é frequentemente co-
aos. Esta corrente exerceu uma influência locada em oposição à regularidade formal da es-
al no desenvolvimento da psicossociologia trutura.
e-amencana. Táctica: termo complementar do termo es-
ialêctica: designa qualquer forma de rnu- tratégia (ver), numa relação da parte com o
> fundada na oposição de contrários. Este todo. Designa um subconjunro de actividades
iro representa uma visão maior da mudan- que visam um objectivo intermédio. Um con-
em particular a partir dos desenvolvimentos junto de tácticas forma a estratégia.
143
DICIONÁRIO DE PSICOSSOCIOLOGIA

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