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Arte Barroca

Aula 2 - Introdução
Terminologia

Igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, Rio de Janeiro

A complexidade do Barroco se evidencia desde o momento em que os primeiros críticos do estilo se


debruçaram sobre ele. Foi no século XVIII que, pela primeira vez, os críticos que não viveram na
sociedade barroca do século XVII e, influenciados pelo retorno aoclassicismo, denominaram “barroco” o
estilo predominante no século XVII.

Advinda da palavra “barrueco”, que significava pérola imperfeita, a denominação Barroco à produção
artística do século XVII deixava aparente o descrédito que até o século XX dominaria a historiografia da
arte em relação a esse estilo.

A palavra, de origem portuguesa, era utilizada para denominar as pérolas irregulares chegadas ao
Ocidente nos navios que vinham do Oriente recheados com produtos diferentes de tudo que o Ocidente
conhecia. Bizarrices, coisas estranhas invadiam os portos de cidades como Amsterdam e daí se
espalhavam pela Europa, difundindo-se entre as classes abastadas e as cortes.

Pouco a pouco, a palavra barroco ampliou seu sentido e se tornou um adjetivo para a designação de tudo
que era extravagante e tabu para todos com gosto neoclássico. Em arte, representava algo de mau gosto,
estágio no qual permaneceu até o final do século XIX, quando o Barroco se tornou objeto de estudos de
teóricos de grande prestígio na Áustria, na Alemanha e, mais tarde, na França.

Munidos de um arsenal teórico baseado no Formalismo e no Idealismo, esses estudiosos e críticos do


Barroco traçaram, no final do século XIX, um panorama bastante favorável ao Barroco, seja como estilo,
seja como tendência. Suas análises vieram contrariar frontalmente a ideia corrente no século XVIII.

Geografia e cronologia

É preciso que fique claro que, assim como todos os estilos, razões específicas fizeram surgir o estilo
Barroco primeiramente na Itália, onde o movimento da Contrarreforma exigiu uma linguagem mais
compreensível para a pregação religiosa.

As imagens barrocas, com sua retórica teatral, eram o elemento principal na propagação do drama
religioso fundamental na recuperação dos fiéis católicos, afastados da Igreja de Roma e do papado após a
Reforma Protestante.

Assim sendo, os países católicos foram os primeiros a incorporar as novidades plásticas do Barroco,
exportando-as para as áreas sob sua influência, como a América do Sul.

Mas não foram só os países católicos que adotaram a retórica barroca. Se as imagens santas foram o
grande bastião da Igreja Católica, os cânticos e as palavras da Bíblia pregadas pelos pastores cumpriram
papel fundamental na expansão da religião protestante.

Por isso mesmo podemos dizer que o Barroco foi um estilo universal dentro do Ocidente durante os
séculos XVII e XVIII. A expansão barroca foi rápida e eficiente. Ordens religiosas, pregadores e
administradores percorreram os territórios europeu e americano no intuito de conquistar corações e
mentes. E a cada conquista uma igreja, um lugar de culto ou mesmo outro tipo de construção laica era
erguido, a fim de reunir e impressionar o maior número de seguidores.

Assim, da Itália o Barroco se propagou para a Península Ibérica e mais tarde para toda a Europa do Leste,
onde, depois da Guerra de Trinta Anos, várias regiões, como a Alemanha do Sul, a Áustria, a Polônia
adotaram o Barroco como estilo, produzindo obras de rara beleza e gosto refinado.

O caso francês difere um pouco dos citados, haja vista a independência do poder civil, encarnado pelo
monarca absolutista de direito divino, face à Igreja Católica. A produção de obras barrocas foi muito mais
prolífera nos espaços públicos e nos elementos de exibição do poder do monarca. Praças, palácios e
castelos são os principais vestígios deixados pelo poder civil no território francês.

Outro território onde o Barroco dominou no século XVII foi aquele dos países protestantes, em que se
destaca a Holanda. Nesse território protestante no século XVII, de riqueza abundante e classes abastadas,
o Barroco se manifestou sobretudo na pintura de paisagens, naturezas mortas e de retratos.
Jacob van Ruysdael, El molino de Wijk bij Duurstede (1670).

Jan Davidsz De Heem. Natureza morta com frutas e torta (1951).

Esse breve resumo deixa clara a diversidade que vamos encontrar nas obras barrocas, fazendo desse
estilo um dos mais complexos pelas variações sofridas ao longo de 150 anos e em territórios tão diversos.

Essa diversidade de lugar e tempo deixa claro que o estudo do Barroco não é uniforme. É certo que
diferenças de espaço e tempo marcaram todas as manifestações artísticas barrocas, trazendo para dentro
deste estudo uma nomenclatura diferenciada e que classifica a arte dos séculos XVII e XVIII em ao menos
três grandes momentos: Barroco, Barroco tardio e Rococó.
Mapa do Barroco – As formulações barrocas e sua conceituação têm seu ponto de origem e de máxima difusão em Roma. As cidades

relacionadas no mapa são: 1. México; 2. Lima; 3. Londres; 4. Antuérpia; 5. Utrecht; 6. Paris; 7. Santiago de Compostela; 8. Turim; 9.

Veneza; 10. Valladolid; 11. Gênova; 12. Lisboa; 13. Madri; 14. Barcelona; 15. Valência; 16. Roma; 17. Nápoles; 18. Sevilha. Durante o

século XVII, suas diversas tipologias expandir-se-ão por toda a Europa, por uma via tríplice: artistas estrangeiros que chegam à Itália e

adotam o novo estilo; artistas italianos que viajam pelo continente; e, por último, a influência dos modelos-obras originais e reproduções

– que constituirão a base de muitas obras do século XVII. Não podemos esquecer uma dinâmica própria, que faz as formas evoluírem e

se adapta às novas ideologias do poder, como nos casos da Espanha, Portugal e França. A Holanda representa um exemplo particular

e invariante, derivado mais de seus próprios modelos quinhentistas do que das formulações italianas. A Inglaterra sofreu influência

neerlandesa e flamenga, que se desenvolveu plenamente no século XVIII. Por último, o novo continente americano assimilará os

exemplos europeus, via Espanha e Portugal.

3 - Os teóricos do Barroco

Com o advento da filosofia iluminista e do Neoclassicismo, a arte barroca passou a viver seus dias mais
inglórios. Na passagem do século XVIII para o XIX, os teóricos partidários do antigo e renovadores de uma
arte clássica empregaram o adjetivobarroco para designar o que achavam de extravagante e contrário à
regra e ao bom gosto na obra dos mestres dos seiscentos (século XVII).
O final do século XIX e o início do século XX foram dois momentos fundamentais para a teorização do
Barroco. Três grandes nomes se destacam no estudo deste tema:Wolfflin, Eugenio d’Ors e Argan.

Heinrich Wolfflin (1864-1945) foi durante muito tempo o teórico do Barroco mais conhecido de nossos
meios acadêmicos. Defensor de uma teoria formalista, em que se privilegiava a forma e não o contexto
histórico, Wolfflin escreveu desde 1888 sua primeira obra sobre o assunto: Renascença e Barroco,
trabalho traduzido em vários idiomas 1.

1
- WOLFFLIN, H- Renascença e Barroco. São Paulo: Perspectiva.

Diversas são as influências da Escola de Viena de História da Arte presentes na teoria formalista de
Wolfflin. Profundo conhecedor da filosofia psicológica neo-kantiana, a obra de Wolfflin é uma obra sempre
em evolução. Ele não se contentou em utilizar apenas os conhecimentos já incorporados a seu
pensamento; constantemente inseriu elementos novos em sua teoria. Isso explica as diferenças que
existem entre seus primeiros escritos e aqueles do final de sua vida, sobretudo em Princípios fundamentais
da História da Arte2, livro ainda muito lido e discutido nos meios acadêmicos.

2
- Conceitos fundamentais da História da Arte. São Paulo: Martins Fontes, (1ª edição de 1915).
Da respeitosa Escola de Viena, Wolfflin aproveitou diversos princípios teóricos. Um dos elementos
privilegiados por ele é o conceito de “visibilidade pura” desenvolvido por outros estudiosos do assunto 3.

3
- Na passagem para o século XX, a teoria da visibilidade pura deu origem a uma escola importante que por vezes é chamada de Esc ola de Viena. Essa escola reuniu autores bastante

diversificados, apresentando dentre seus nomes mais famosos o de Alois Riegl e o de Heinrich Wolfflin. Acompanhando os movimentos que já vinham se dando desde meados do

século XIX no campo de interesses filosóficos pelos padrões de visualidade trazidos à tona pelas obras de arte, a Escola de V iena opôs-se frontalmente à corrente “positivista” de sua

época – esta que de um lado preocupava-se com o desenvolvimento da técnica e de outro lado assumia muito habitualmente um padrão de narratividade associado à história dos

grandes homens. Ao contrário, a Escola de Viena procurou focar mais especialmente o fenômeno da visualidade, da expressão da visualidade, bem como dos modos como a obra de

arte é organizada para a expressão das ideias do artista e para a posterior fruição do espectador.

De maneira geral, o que caracteriza a teoria da visibilidade pura é o princípio de que a arte deve ser
prioritariamente analisada por meio de uma “teoria do olhar artístico” e não do desenvolvimento técnico,
dos reflexos sociopolíticos, das biografias dos artistas criadores ou quaisquer outros elementos exteriores
à obra de arte.
Trata-se em parte de compreender a História da Arte como a história da emergência e do desenvolvimento
de elementos puramente formais. As ideias de “progresso” ou “decadência”, bem como de superioridade
de um estilo em relação a outro que o precedeu, não tem qualquer acolhida possível aqui, e esta foi
certamente uma contribuição bastante importante da Escola de Viena. Quando se desliga a História da
Arte da história de uma evolução tecnológica ou funcional e se passa a enfocá-la como a história de
deslocamentos entre padrões de visibilidade, mesmo a utilização da palavra “evolução” esvazia-se de
sentido.

Esse tipo de abordagem foi primordial para o estudo da obra de arte a partir dela mesma. Diferentemente
dos estudos e críticas feitos até o século XIX, esta abordagem, apesar de suas incoerências, iniciou na
História da Arte uma etapa decisiva para a autonomia da obra de arte.

As análises das obras de arte tinham estado até o século XIX dependentes de explicações que fugiam aos
elementos intrínsecos à obra. Muitas vezes centradas na biografia dos artistas, nas razões da realização
da obras, nas dificuldades de todos os gêneros, as críticas de arte deixavam de lado o vocabulário plástico
da obra e passavam a descrevê-la a partir de um olhar de longe.

Wolfflin instaurou uma nova maneira de abordar a obra de arte. Ele usou os elementos básicos da
arquitetura, da pintura e da escultura, como espaço, linhas e cores e formulou sua teoria de cinco pares de
conceitos que distinguiriam o Barroco do estilo clássico. Esses pares conceituais resumiriam, segundo
Wolfflin, o que havia de invisível na obra de arte. Seu olhar de perto colocaria a obra de ponta-cabeça,
deixando a nu suas entranhas.

A teoria formalista de Wolfflin até hoje é importante para o estudo da História da Arte e pode-se dizer que
ela se revigorou com o impulso dado pelos críticos formalistas americanos do século XX ao estudarem a
arte americana, especialmente o Expressionismo Abstrato, como o fez Clement Greenberg.

O trabalho de Wolfflin foi desenvolvido pela observação e comparação de diferentes obras de arte datadas
dos séculos XVI e XVII. A escolha de obras desse primeiro período por si só coloca-nos um problema:
Wolfflin desconhecia o trabalho de Hauser sobre o Maneirsimo, que só foi publicado em 1930. Até a data
em que escreveRenascença e Barroco, Wolfflin não levou em conta a transformação ocorrida no século
XVI na produção clássica renascentista. As características não clássicas aparecem claramente nas obras
do inicio do século XVI em obras de artistas muito famosos, como Michelangelo.

O excelente livro de Wolfflin sem dúvida esclarece com facilidade o Barroco. Por meio de uma comparação
entre o Renascimento (arte clássica) e o Barroco, o teórico assinala a tendência evolutiva de uma
tendência artística a outra, indo da mais estrita à outra mais livre.

As categorias que ele utiliza são:

 Linear e pictórico - o estilo renascentista seria marcado claramente por uma


linha marginal que contornaria as criações, limitando-as. As formas seriam contidas
por essa linha, enquanto no Barroco a ausência de limites da forma, a expansão
desta para além dos contornos daria a impressão de ilimitado, incomensurável e
infinito.
 Superficial e profundo - a tendência da superfície ao fundo expressa o mesmo
sentido dinâmico da vida, a resistência contra o permanente e contra todo o fixado,
contra o delimitado. A preferência barroca para fazer sensível a profundidade
espacial é o emprego dos primeiros planos demasiadamente grandes, de figuras
que parecem brotar do fundo na direção do espectador e a brusca diminuição da
perspectiva dos temas do fundo.

 Forma fechada e forma aberta - a inclinação do Barroco em substituir o


absoluto pelo relativo, o mais estrito pelo mais livre se manifesta com mais
intensidade na forma aberta. Numa composição fechada, clássica, o representado é
um fenômeno limitado em si mesmo. As formas barrocas produzem sempre um
efeito mais ou menos incompleto e desconexo.
 Claridade e falta de claridade - Talvez fosse melhor falar aqui de clareza e
falta de clareza, pois a análise Wolfflin se dirige sobretudo à ausência de dúvida do
estilo renascentista, em que as mensagens são claras, e a clareza relativa do
Barroco, em que o observador se vê obrigado a penetrar na obra para apreendê-la.
A forma barroca produz um efeito quase sempre estranho em quem a observa. Nem
sempre a mensagem é explicita, e o espectador tem que ser um participante da
obra para compreendê-la, diferentemente do Renascimento, em que a mensagem é
explícita e facilmente apreendida pelo observador. É claro que o uso de cores
escuras do Barroco ajuda a criar essa atmosfera de incerteza no Barroco.
 Variedade e unidade - Wolfflin insiste numa característica importante do
Barroco, que é a totalidade. Enquanto a obra do Renascimento é um somatório de
partes independentes com o objetivo de formar um conjunto, o Barroco trata a obra
como um todo indivisível, em que uma parte leva à outra por meio de linhas, cores,
movimentos, de maneira que não se pode escapar da visão do todo antes de
analisar as partes.
Esses cinco pares de conceitos antagônicos sem dúvida dão conta das características mais importantes da
arte barroca e de sua diferença para a arte clássica, parâmetro utilizado durante muito tempo para a
análise de outras linguagens da arte.

Ao analisarmos as obras a seguir podemos compreender melhor as posições de Wolfflin.

Antonello da MessinaA crucificação, c. 1474


Rubens - O rapto das filhas de Leucipo

Essas obras trabalham temas narrativos sobre a religião católica e sobre a mitologia romana. Se aplicamos os pares de conceitos de

Wolfflin, podemos notar que A crucificação de Cristo, de Antonello da Messina, deixa entrever claramente o que Wolfflin quis chamar

de linear: o Cristo divide a cena em duas metades simétricas, e os corpos crucificados e os personagens de Maria e José são

perfeitamente bem delineados. Seus contornos são claros e marcados por uma linha que deixa perceber seus limites corporais, não se

misturando com o entorno. As linhas dominantes são as linhas verticais e as horizontais.

O segundo par de conceitos se aplica ao escalonamento das linhas da perspectiva: o primeiro plano e o plano de fundo são claros,

bastante diferenciados. A representação da paisagem ao fundo, bem característica do pensamento renascentista, mantém a distancia

adequada pela lei da perspectiva linear.

Nada é confuso na representação da cena religiosa, e até mesmo um leigo, desconhecedor das histórias bíblicas, percebe a grande

importância do personagem central, já que o pintor o coloca no centro da cena. Ou seja, a obra é fechada, não deixando espaço

para interpretações diferentes.

A incidência da luz que tomba de maneira homogênea sobre o todo da composição aumenta o grau de compreensão da obra. Não há

sombras excessivas e todos os personagens são vistos com nitidez. Os contornos lineares dão autonomia às partes componentes do

todo, criando uma obra em que as partes são independentes, apesar da acentuação do centro, como se fosse um somatório de partes

em torno de um ponto principal.

Passemos para a obra de Rubens, O rapto das filhas de Leucipo ou O rapto das Sabinas; ela conta a lenda da formação de

Roma pelo rapto de mulheres sabinas pelos romanos. Estes são representados em plena ação, no momento preciso em que as

mulheres são capturadas. O efeito fotográfico de captura de instante é visível nas expressões de surpresa e medo das mulheres. A

composição se organiza numa diagonal descendente fortemente marcada pelos movimentos de mãos e cabeças dos romanos.

Ocupando quase a totalidade do espaço, a imagem é extremamente densa e seus personagens estão centralizados e misturados uns

aos outros sem clara definição de seus contornos. Nossa atenção é dirigida para a totalidade da cena, já que não podemos separar as

partes componentes do todo.

Uma distância muito curta separa o primeiro plano do plano de fundo. Exagera-se o tamanho do primeiro plano, que esconde a

paisagem ao fundo. O recurso de aumento da dimensão da cena principal nos livra de dúvidas, apesar de que, formalmente, a obra é

confusa, já que as partes se misturam e escondem as linhas definidoras dos personagens, criando uma totalidade significante.
Uma grande linha em S pode ser percebida contornando os corpos e o gestual dos componentes da obra.

A movimentação da cena completa esta comparação entre a obra renascentista, em geral estática, como se se tratasse de uma pose

estudada, e a obra barroca, cheia de movimentos, envolvente e da qual emana a sensação de fotografia instantânea, a captura de um

momento único.

As linhas diagonais e curvas são ainda responsáveis pela clara sensação de continuidade, de um movimento infinito, de uma obra que

continua no espaço e na imaginação do observador.

Rafael, A bela jardineira, 1507-08

Vermeer, Jovem com cântaro, c. 1664-65

Essas duas obras são exemplos das distintas linguagens que tratam da representação feminina. A de Rafael obedece à representação

clássica e é facilmente reconhecida como de Rafael Sanzio, pintor que, apesar de ter morrido jovem, encarna com precisão o

Renascimento durante a fase inicial de sua carreira. Apesar do tratamento não religioso do tema da Madonna com seu filho e São João
Batista, a impressão de sagrado está presente em alguns sinais religiosos. Diferentemente, a composição de Vermeer anuncia de

maneira clara a preferência por temas do cotidiano, frequentes na pintura holandesa.

A composição de Rafael se escalona em forma piramidal, e a incidência da luz se faz de maneira uniforme sobre a superfície do

quadro. Na obra de Vermeer, a luz incide pela janela numa diagonal acentuada e curta, tocando a jovem de forma a esconder

relativamente os objetos sobre a mesa e a mascarar sua ação de segurar o cântaro. A Madonna se encontra no centro geométrico de

sua composição, o equilíbrio garantido pelo gestual das mãos e do menino Jesus, contrabalançando o panejamento. Claramente se

delineia a paisagem ao fundo, e a perspectiva garante o escalonamento do primeiro plano e do plano de fundo. Na obra barroca, uma

relativa escuridão deixa passar despercebidos os outros objetos presentes. A jovem não se encontra no centro geométrico da obra, e

um equilíbrio instável é resultado do contraste das áreas de luz e sombra. Se a mensagem na primeira obra é clara, pois reconhecemos

com rapidez a ação, na obra barroca temos certa dificuldade de entender a ação da jovem e o significado de alguns elementos da

composição, como o grande mapa que está por trás dela.

A composição renascentista se organiza num eixo vertical em que o rosto e as mãos seguem uma mesma direção, diferentemente da

diagonal que domina a obra barroca, garantindo a continuidade da obra.

A obra renascentista, apesar dos traços humanizados da santa, trabalha com um naturalismo idealizado, perfeito, como se tudo tivesse

sido planejado. A obra barroca inspira um sentimento distinto, traz a sensação de estar penetrando num universo íntimo. Parece que

estamos vendo um instante fotográfico.

Antonello da Messina, Retrato de jovem, c.1430


Hals
Isaac Massa, 1626

Nos dois retratos podemos aplicar todas as noções de Wolfflin e da análise formalista defendida por ele. Basta um olhar para perceber

os exatos princípios da representação dominante nestas obras.. Na primeira, a pose do retratado é estudada em seus mínimos

detalhes: as cores, a luz, as sombras que delineiam o rosto do jovem, tudo é perfeito. No rosto do comerciante Isaac Massa, feito por

Franz Hals, a primeira sensação que temos é de algo incidental, como se o retratado tivesse sido pego em flagrante. Apesar da

distância histórica, o conceito de simulacro – “parece mas não é” –invade a análise e nos transporta para o mundo contemporâneo da

fotografia.

As características de Wolfflin podem ser aplicadas até mesmo na arquitetura. Basta ver os dois exemplos acima, apesar do caráter

diferente das construções. O palácio urbano dos séculos XIV-XV da cidade de Florença é um universo fechado no corpo da cidade.

Voltado para ele mesmo, suas linhas são bem delimitadas e suas aberturas para o exterior não integram esta visão para fora do objeto.

Diferentemente, a continuidade da forma, numa antecipação do “all over” de Pollock, característica do Palácio de Versalhes na França,

é percebida pelos jardins, pelos reflexos, pelo tamanho das alas laterais da construção.

Eugenio d’Ors, (1881-1954), escritor catalão que desenvolveu sua obra sobre o Barroco após sua estadia
na França, partia de um outro princípio: “o espírito do tempo”. Mas o que seria isso?
Para ele, o Barroco era uma ideia que percorreria todos os estilos, estaria presente em todos os momentos
e se desenvolveria nos interstícios do estilo dominante. Ela seria recorrente em todos os tempos e
espaços, mais uma ideia do que um conceito histórico. Segundo ele, existiria o que Riegl chamou de
vontade de arte imanente em todos os momentos históricos, o que faria com que certos princípios viessem
à tona de tempos em tempos.
Usando a terminologia botânica de Lineu, Eugenio d’Ors considera o Barroco um “gênero” que agruparia
fenômenos culturais diferentes, mas reunidos em uma categoria geral. Por isso mesmo, longe de ser um
estilo historicamente determinado, o Barroco se apresentaria sob diferentes formas, segundo o momento
em que aparecesse.

Por mais estranho que possa parecer, apesar dessa aparência frágil, a tese de d’Ors tomou amplitude e
está presente nas discussões do mundo contemporâneo. Os grandes teóricos da incerteza pós-moderna,
Guattari e Deleuze, e Foucault e Edgard Morin não dispensam a classificação de “barroco” à análise do
mundo em que vivemos.

Por isso mesmo, retomar o estudo do Barroco neste curso não é apenas falar de um estilo do século XVII,
mas falar também das fantasias comuns em todos os períodos históricos que ainda assolam nossos dias
por meio de mídias diversas.

Devemos falar ainda da excelente contribuição de Arnold Hauser (1892-1978) em seu livro História Social
da Literatura e da Arte. A linha mestra da obra desse teórico marxista da Arte, cujo livro foi editado em
1950, é de que não se podia estudar a História da Arte sem relacionar forma e conteúdo, tentando sempre
encontrar as relações entre estes dois termos e as condições históricas inerentes à criação artística.
O mercado de arte

Discussões teóricas à parte, passemos para um tema mais profano, mas nem por isso menos importante.
Ele é um elemento nem sempre considerado pelos grandes teóricos do Barroco, mas o estudo do mercado
acrescenta elementos importantes para a análise das obras de arte.

O mercado de arte no século XVII é um grande exemplo de transição do mecenato para um mercado de
livre iniciativa.

O conhecido lema de Rembrandt, “Liberdade, pintura e dinheiro”, resume várias questões correntes na
época envolvendo a criação e a comercialização da obra de arte.

Antes de tudo, temos como discutir o sistema misto da produção e comercialização da obra de arte
corrente no século XVII. Ainda se mantinha vigente e atuante o sistema de mecenato: o artista era um
empregado privilegiado de um nobre, de um religioso ou de um rei e produzia quase que exclusivamente
para eles. Sua subserviência deveria ser uma de suas melhores qualidades, além de sua reconhecida
competência artística.

O ensino de arte se fazia dentro das corporações de ofício; em geral era o mestre que controlava a
produção das encomendas recebidas das pessoas endinheiradas. Capacidade criativa controlada, mas
pagamento garantido, quando não a sobrevivência, o artista – que muitas vezes morava na casa do cliente
para melhor conhecer seus hábitos e poder melhor representá-lo seja em retratos individuais ou em família
– abdicava de sua liberdade em prol da segurança.

Os caminhos dessa relação, contudo, sempre foram muito tortuosos. Uma tipologia variada de contratos
entre mecenas e artistas dá conta das diferentes formas de produção e venda de obras de arte.

Entretanto, um aspecto era sempre recorrente: o artista que trabalhava, individualmente ou com sua
equipe de aprendizes, não conseguia ser independente dos desejos de seus comanditários.
Foi Baxandall, em seu livro sobre o mercado de arte na Renascença, que mostrou com detalhes até que
ponto iam as exigências dos clientes e como eles interferiam até no efeito estético da obra ao limitar o uso
de certas cores, seja por preferência, por gosto ou por questões econômicas.

Os artistas europeus do século XVII tentaram uma série de estratégias para fugir do controle das guildas e
das corporações de ofícios. Eles se organizavam em confrarias cujo objetivo maior era sua
profissionalização, embora muito dificilmente eles escapassem das exigências dos comanditários.

O caso holandês representa um caso à parte. A produção de obras para o mercado era a regra e não a
exceção, apesar dos inúmeros casos de encomendas de certos setores da sociedade. Acredita-se que, por
falta de terras, era muito comum que o holandês investisse em obras de arte, dinamizando um mercado
por natureza bastante restrito.

Era difícil um artista conseguir a façanha de Rembrandt4: ignorar muito frequentemente as exigências dos
clientes e usar suas obras como moeda de troca para pagar suas despesas pessoais sem cumprir os
compromissos de entrega, no que se refere às datas ou ao acabamento das obras.

4
- Alpers, Svetlana - L’atelier de Rembrandt.

Essa liberdade em relação a seus clientes era um aspecto do reconhecimento público de Rembrandt nos
meios artísticos holandeses e que lhe servia de base para seu comportamento livre como pintor e como
homem. A genialidade do pintor, suas pinturas em relevo acentuado faziam sucesso na Holanda do século
XVII e amealhavam numerosos clientes endinheirados.

O atelier de Rembrandt é, sem dúvida, um exemplo de uma nova relação entre artista e cliente e será
dominante a partir do século XIX. Os infortúnios financeiros do pintor advindos de uma administração
perdulária de seus bens confirmam também uma mentalidade diferente da do capitão da indústria do
século XIX, o empreendedor que geria com mão de ferro a produção e seus lucros.
Saiba mais
BALIÑO, Norberto. Cuerpos barrocos. Disponível em:
http://www.internet.com.uy/arteydif/SEM_UNO/PDF/Hipertelia%20cuerpos%20barrocos.pdf.

BRANDÃO, Angela. Interpretações da arte barroca: um esboço bibliográfico. Disponível em:


http://www.ifch.unicamp.br/pos/hs/anais/2006/posgrad/(7).pdf.
OLIVEIRA, Carla Mary. Eckhout e Post. Disponível em:
http://books.google.com.br/books?id=2NJYAwAAQBAJ&pg=PA120&lpg=PA120&dq=mercado+
de+arte+no+século+XVII&source=bl&ots=79O6RXjYsZ&sig=dfW5cNr9hpesdWl0pDVYqORBVk
g&hl=pt-
BR&sa=X&ei=76cDVPKeLePMsQSKkoKICw&ved=0CCMQ6AEwATgK#v=onepage&q=mercado
%20 de%20arte%20no%20século%20XVII&f=false

VAREJÃO, Adriana. Disponível em:


http://portais4.ufes.br/posgrad/teses/tese_3576_disserta%E7%E3o%20MESTRADO.pdf

Texto complementar
Algumas noções sobre a arte do Renascimento

Eliane Considera

O texto que se segue não pretende ser um texto erudito sobre a arte do período do Renascimento, mas
apenas algumas considerações minhas, baseadas em leituras variadas, e que podem localizá-lo neste
complexo mundo (não só da arte e da estética),que se delineia a partir dos séculos XIV e XV no mundo
ocidental, em particular na Europa, já que a América e a África sul-saariana não faziam parte da carta
geográfica mundial traçada pelos viajantes e geógrafos deste período.

Esta maneira de abordar a arte e a estética já pressupõe que minha posição teórica sobre a disciplina que
estudamos a vê como um processo bem mais amplo do que aquele que procurará, sobretudo a partir do
movimento romântico do início do século XIX, retirar a arte das ingerências externas a elas, como por
exemplo das exigências do mercado e do gosto do mercado consumidor de arte, criando o conceito de arte
autônoma (arte pela arte) e analisada sobretudo pela forma e não pelo seu conteúdo.

Em relação ao movimento do Renascimento, apesar das visíveis diferenças de estilo das diversas
correntes (que geram ora formas mais densas, ora formas mais etéreas), este movimento foi aos poucos
se tornando um movimento geral e amplo abrangendo sobretudo os diferentes incipientes estados
nacionais, tendo sido ele característico sobretudo das cidades-estado italianas num primeiro período, final
do século XIII e no século XIV e dos estados modernos em escala nacional nos séculos XV e XVI em
formação em vários países europeus como a França, a Espanha, Portugal e vários países do leste
europeu onde as monarquias nacionais custaram mais a consolidar seu poder.

Sendo assim, a variação de tratamento de temas semelhantes é tão grande que somos obrigados a tomar
algumas características bem gerais para que possamos classificar de clássicas as composições das artes
e cujas características serviram de padrão para a critica de arte desde o século XIV até o modernismo do
século XX.(o que não exclui o aproveitamento do gosto clássico nos dias atuais)
Uma das principais características do movimento do Renascimento foi se apropriar de princípios estéticos
de tempos bem mais remotos, da Grécia e da Roma antigas, num

movimento de rejeição à forma estereotipada do período gótico que procurava sobretudo idealizar as
representações religiosas. Baseando-se em princípios matemáticos e geométricos, valorizando assim o
pensamento racional e não apenas o valor espiritual das representações, os artistas do Renascimento
desenvolveram um sistema de proporções rígido que fazia de suas representações um espelho quase
verdadeiro da realidade. Hábeis observadores da realidade, os artistas do Renascimento buscaram a
verossimilhança, a ilusão de realidade em suas obras mais diversas, num esforço sensível de
convencimento da representação num naturalismo muitas vezes idealizado, mas onde o humano
sobrepujava o espiritual.

Apesar deste naturalismo, desta quase realidade, temos que ter sempre em mente que a obra
renascentista era fruto de uma construção teórica, de um projeto intelectual do artista que não escapava
contudo das limitações impostas pelo seu cliente.

É preciso aqui falarmos um pouco desta clientela, deste mercado de arte que no século XV é bem diverso
daquele de hoje. A obra de arte era, no período do Renascimento, uma encomenda, seja de importantes
políticos, religiosos, ou burgueses enriquecidos que procuravam preservar para sempre sua memória, seu
valor social, fazendo-se ver pelos amigos e parentes mais próximos ou para um público mais extenso
como aquele que freqüentava igrejas e se deparava não só com os personagens do sagrado, mas também
com os doadores da obra que se faziam representar dentro das cenas religiosas. Ou seja, a função da
propaganda através da arte embora escamoteada estava sempre presente, subliminarmente em
belíssimas obras visitadas por nós nos dias atuais.

Em relação aos temas, a presença do sagrado nas inúmeras obras sobre o nascimento e paixão de Cristo,
os milagres e a vida de vários santos, rivalizava-se com os retratos individuais ou familiares que serviam
de decoração aos espaços dos palácios ou moradias burguesas.

Mas a sobriedade , a harmonia entre as partes, a simetria , o centro, a inexistência de dúvidas marcaram a
obra do Renascimento, fazendo com que dela nada se pudesse tirar nem acrescentar sob pena de se
quebrar o equilíbrio da composição.Após um longo aprendizado em ateliers privados, os artistas
renascentistas sabiam dominar perfeitamente a geometria e a perspectiva, a anatomia, conheciam
profundamente a religião e a filosofia, e buscavam a perfeição em suas composições.s Partindo de um
ponto central, equilibravam o

espaço num jogo de compensações, usando volumes e cores diversas para que o objeto central do tema
ocupasse também o centro geométrico. Este esquema centralizado funcionava para as ditas artes nobres
(arquitetura, pintura e escultura) como para as artes ditas menores (gravura, ourivesaria, tapeçaria).

Mesmo tendo modos de representação distintos, os artistas do Renascimento obedeciam seriamente este
sistema de regras, onde o espaço era milimetralmente dividido, as cores mais vibrantes eram colocadas na
frente e as mais neutras ficavam para trás, onde os planos de frente e de fundos se escalonavam em
graduações simulando nossa maneira de ver.

Além de um artista, o homem ideal do Renascimento era também, se possível, um sábio que se
interrogava sobre a origem do universo, o movimento dos astros, o mecanismo da visão, o funcionamento
do corpo, numa tentativa de harmonizar ciência e fé. E isto era visível em suas obras: poucas são aquelas
onde a natureza não está representada em seus quatro elementos principais (terra, ar, água e fogo),
mostrando o quanto o artista era observador, mesmo quando o tema de sua obra dizia respeito à religião.

O desejo em se tentar dotar as representações da realidade de uma aparência verossímil, a ponto de o


artista corrigir os “defeitos” da realidade, representou um grande esforço dos artistas durante este largo
período, e a conquista do naturalismo foi um processo marcado sobretudo pelo progresso de técnicas e
idéias que não se confinaram apenas ao século XV. Durante o século XVII este naturalismo parece ter
atingido seu auge dentro do movimento barroco, e com o desenvolvimento das idéias cientificistas do
século XVIII, a realidade deixou definitivamente de ser uma coisa mental e metafísica para se tornar
sensível (captável pelos sentidos) e imanente. Este é o momento de síntese do homem moderno, daquele
que acredita em sua capacidade criadora, que procura explicações lógicas, científicas e coerentes para
tudo. Podemos dizer que o século XVIII é o coroamento da gênese do homem moderno começada no
Renascimento.

A noção de naturalismo não se aplica apenas às pinturas e outras obras de arte, mas serve também para
embasar a estética de outros meios de comunicação, como a literatura, a fotografia e o cinema, e ás vezes
até a novela (quando esta não exagera nos estereótipos).

Mas, por mais que seja naturalista, a obra do Renascimento vista sob nossa ótica de hoje é uma obra
estática e pouco envolvente deixando uma grande parte de reflexão

racional daquele que a observa, criando uma certa distância entre o observador e a obra e ao mesmo
tempo deixando pouca margem para a imaginação.

É necessário, contudo, ter-se em mente que, assim como as características do estilo clássico do
Renascimento não se forjaram de uma hora para outra, elas também não se mantiveram estáveis durante
500 anos: as inúmeras apropriações que delas são feitas, como no século XVIII pelo movimento
neoclássico, os desvios constantes, que muitas vezes a historiografia da arte, numa atitude tendenciosa,
tentou abafar, também são numerosos e significativos.

Mesmo que queiramos passar por cima destes “erros” da forma clássica, não podemos deixar de citar
sobretudo o movimento do Maneirismo, onde a forma clássica do Renascimento, aquela forma que não
deixa dúvida, aquela forma equilibrada de onde nada se tira e nada se acrescenta , deixou lugar para uma
singular maneira de se tratar o espaço onde as figuras se amontoavam de um lado só da composição,
criando espaços cheios e vazios, que causam estranheza e desconforto no observador. A primeira metade
do século XVI é cheia destes exemplos, dentro da obra de grandes pintores como o próprio Rafael.
Exagero das formas, desproporção entre as partes (vide a obra de Michelangelo), uso de uma perspectiva
colorida insólita e contrastante, sensação de não acabado, falta de clareza na composição, tudo isto se
refere diretamente à crise que o homem do Renascimento sofreu no início do século XVI: crise religiosa
(reforma protestante), crise política (guerras de religião e entre casas nobres), crise do conhecimento
(descoberta do heliocentrismo, com o sistema de Copérnico), crise do humanismo cristão (descoberta do
homem americano, do “outro” pagão, mas capaz), crise da Europa (descoberta de outros continentes).

Mas, da mesma maneira que as crises são geradas, elas são solucionadas na prática e na teoria: o final do
século XVI e o século XVII vêem aparecer uma outra maneira de se representar o real: mais segura, mas
cônscia de seu poder sobre as massas populares, apelativa das emoções mais banais, inclusive sexuais.
O Barroco e sua maneira extremamente envolvente de representar o real, de seduzir do espectador, tudo
isto contribuiu para o fortalecimento do poder político e religioso dos Estados nacionais.

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