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Curso de Formação em História e Cultura Afro Brasileira e Africana

2ª etapa
Maio – Julho/2007

Realização: Ágere Cooperação em Advocacy


Apoio: Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade/MEC

Autoria: Álvaro Sebastião Teixeira Ribeiro


Bárbara Oliveira Souza
Edileuza Penha de Souza
Iglê Moura Paz Ribeiro

MÓDULO II
Aula 4: Propostas para uma Educação Anti-Racista

Problematização do tema:

- Qual a importância da discussão sobre a educação anti-racista na escola?

- Quais as potencialidades e dificuldades na abordagem do tema relações étnico-raciais


na escola?

Desenvolvimento do Tema:

Para edificar uma educação anti-racista é necessário repensar o universo simbólico


da civilização africana que durante séculos foi negado à população brasileira. É preciso
atentar-se para a “invisibilidade” da existência das crianças, dos adolescentes e dos
jovens negros na escola. E ainda, observar qual tem sido o papel da escola em identificar
como essas crianças, adolescentes e jovens reagem à discriminação por sua condição de
negros. Pensar, portanto, uma educação anti-racista leva-nos a refletir sobre o
conhecimento quase nulo que temos sobre a história da África, ao mesmo tempo em que
nos permite diferenciar as idéias sobre teorias pseudo-científicas ao abordar a história
africana e a história afro-brasileira.

A luta contra o sistema escravista amparou-se em infinitos atos. Individual ou


coletivamente. A resistência ao sistema opressor acompanhou a população negra antes
mesmo da chegada ao “novo continente”. O grande contingente de negros e negras
arrancados de seu solo natal e trazidos para as Américas resistiu incansavelmente às
estruturas do poder escravista colonial. Atitudes simples como quebrar ferramentas e
louças, o “corpo mole”, ou aquelas que demandaram precisão para serem elaboradas,
como o suicídio – o banzo, o assassinato de feitores e senhores, as fugas, as revoltas, as
irmandades e os quilombos são alguns dos exemplos que ilustram que os negros e
negras escravizados/as sempre estiveram distantes dos valores imperialistas dos
colonizadores (SOUZA, 2006).

Durante séculos, a escola brasileira tem reproduzido a falsa idéia de que o

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escravismo colonial mercantil em nada teria mudado a vida da população africana, uma
vez que, segundo esse pensamento, os povos africanos já praticavam a escravização
entre si e que os europeus meramente se engajaram na comercialização já estabelecida.
Ora, primeiro é preciso que se entenda essa visão como uma idéia racista, simplista e
discriminatória. Ao retirar dos povos africanos sua humanidade, o mercantilismo europeu
implantou durante três séculos um tipo de genocídio jamais visto na história mundial. Na
África, como em outros continentes, a existência da escravidão baseava-se na captura de
prisioneiros de guerra, em que o estado servil era reversível e não reduzia as pessoas à
categoria de mercadoria.

É preciso que se saiba que o continente africano desenvolveu primorosos sistemas


de escritas (egípcio, núbio). A civilização africana em diferentes reinos e países
desenvolveu, muito antes dos europeus, elevados conhecimentos de astronomia e de
matemática, o que possibilitou o desenvolvimento da agricultura, da navegação, da
metalurgia, da arquitetura e da engenharia.
Há registros históricos de cesarianas e autópsias praticadas por povos africanos cerca de
6.000 anos antes da era cristã. Construíram-se cidades e centros urbanos, criaram-se
filosofias religiosas, complexos e duráveis sistemas políticos, além de obras de arte de
alta sensibilidade e sofisticação. (DIOP, 1960, 1967, 1981 e 1987; KI-ZERBO, 1999;
LARKIN, 2006).

Por múltiplas formas, a evolução dos povos africanos influiu nas diversas
sociedades do mundo, de modo que somente um enfoque do estudo da História que
privilegie tanto as relações intra-africanas quanto a interação do continente com o mundo
exterior permitirá preencher lacunas do conhecimento mundial, inclusive sobre fenômenos
e períodos. No entanto, em muitas instâncias ainda se isola a história da África da história
do resto do mundo, o que, além de concorrer para ocultar parte da história dos povos
extra-africanos, torna ininteligível a história dos povos africanos. As exigências analítico-
interpretativas requeridas para a compreensão da evolução das sociedades africanas
podem, simplificadamente, resumir-se a (WEDDERBURN, 2005):

• Enfoque histórico-temporal de longa duração.


• Preeminência histórica absoluta e exclusiva do continente africano na emergência
da humanidade, na sua configuração antiga e moderna e no povoamento do
planeta.
• Anterioridade histórica da civilização egípcio-núbio-meroítica.
• Evolução multilinear das sociedades africanas a partir de matrizes político-
econômicas, filosófico-morais e lingüístico-culturais comuns.
• Delimitação de fases específicas de evolução sócio-histórica, segundo momentos
socioeconômicos precisos.
• Enfoque societário centrado na estratificação social, nos modos de produção e nas
estruturas políticas.
• Delimitação das evoluções societárias segundo espaços civilizatórios específicos.

A lei nº 10.639/2003 traz a possibilidade de descortinar essa história e encurtar


caminhos para se apoderar de uma Educação anti-racista. Entretanto, construir uma
educação anti-racista é, antes de mais nada, edificar a identidade da comunidade
educacional como definidora da cosmovisão africana, como sublinha Oliveira:

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A cosmovisão africana redefine as concepções filosóficas a
partir de sua própria dinâmica civilizatória, de acordo com o
escopo de sua forma cultural. Assim, o universo é pensado
como um todo integrado; a concepção de tempo privilegia o
tempo passado, o tempo dos ancestrais, e sustenta toda a
noção histórica da cosmovisão africana. (OLIVEIRA, 2003. p.
173-174):

Para solidificar o desejo de mudar e transformar a escola em espaço lúdico e


prazeroso, é preciso compreender e criar mecanismos para romper a cristalização do
racismo, do preconceito e da discriminação que permeia nossas escolas, “como forma de
romper a omissão e o silêncio dos profissionais da escola, possibilitando o respeito à
diversidade e mudanças no cotidiano da escola” (CAVALLEIRO, 2005, p.11).

Os conceitos de racismo, preconceito e discriminação, formulados por Nilma Lino


(2005), podem orientar professores e professoras a se posicionarem ante as diferentes
situações e ações do cotidiano escolar, no sentido de subsidiar os(as) estudantes
negros(as) e não-negros(as) a respeitarem a si, mutuamente e àqueles com quem
convivem, bem como possibilitarem a construção pessoal e coletiva da auto-estima e de
práticas político- pedagógicas capazes de conceber e dar consistência a uma educação
anti-racista:

Racismo – Ideologia que postula a existência de hierarquia entre grupos raciais


humanos. É um conjunto de idéias e de imagens vinculadas aos grupos humanos,
baseado na existência de raças superiores e inferiores. O racismo individualizado
manifesta-se por práticas discriminatórias de indivíduos contra outros indivíduos. O
racismo institucional está presente, por exemplo, no isolamento de negros(as) em
determinados bairros, escolas e empregos. Também está presente no currículo escolar e
nos meios de comunicação.

Preconceito Racial – Uma indisposição, um julgamento prévio negativo que se faz de


pessoas estigmatizadas por estereótipos de grupo racial de pertença, etnia, religião. Esse
julgamento prévio tem como característica principal a tendência de ser mantido, mesmo
diante de fatos que se contraponham a ele.

Discriminação – É o nome que se dá para a conduta (ação ou omissão) que viola direitos
das pessoas com base em critérios injustificados e injustos, tais como a raça, o gênero, a
idade, a orientação sexual, a opção religiosa e outros. A discriminação racial é tida como
a prática do racismo, onde o preconceito se efetiva.

Etnocentrismo – É um termo que designa a pretensa superioridade de uma cultura em


relação a outras. Consiste em postular indevidamente como valores universais os valores
próprios da sociedade e da cultura a que o indivíduo pertence. O etnocêntrico acredita
que os seus valores e a sua cultura são os melhores, os mais corretos e isso lhe é
suficiente.

Discriminação Racial – Pode ser considerada como a prática do racismo e a efetivação


do preconceito. Enquanto o racismo e o preconceito encontram-se no âmbito das
doutrinas e dos julgamentos, das concepções de mundo e das crenças, a discriminação é
a adoção de práticas que os efetivam.

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Xenofobia - Segundo Rocha-Trindade (1995: 381), xenofobia é “a predisposição de um
indivíduo ou de um grupo para a aversão ou a rejeição dos indivíduos cujos padrões de
cultura e práticas sociais considera diferentes dos seus, sendo por isso encarados como
estranhos e indesejáveis".

Apoderar-se desses e de muitos outros conceitos é uma das formas de


potencializar nossas escolas em direção a uma sociedade anti-racista e igualitária. É
trazer a nossas disciplinas a luz de ações dos movimentos sociais negros, como
possibilidade de criar debates em torno da dinâmica das relações raciais na sociedade
brasileira, como prática para construir um universo em que o processo de educação
esteja amplamente potencializado como energia vital e espiritual “que se transforma em
poder, em sucesso, em orgulho de seu pertencimento à raça negra” (SIQUEIRA, 2006, p.
169).

Praticando

Educar para a igualdade étnico-racial pressupõe romper com estigmas, com lingua-
gens explicitas ou não de inferioridade de negros(as) e indígenas. Como educadores(as)
temos a responsabilidade de ampliar e “deslocar” os conhecimentos, superar o velho, in-
ventando o novo.

No momento de rever nossas práticas, de remodelar nossos currículos, de elaborar


o Projeto-Político Pedagógico da Escola, precisamos refletir sobre algumas questões,
como a descrita a seguir:

- De que forma queremos abordar a África em sala de aula? Qual África devemos apre-
sentar aos estudantes? Como essa apresentação poderá favorecer a mudança de olhar
sobre a contribuição do continente africano para a humanidade?

REFERÊNCIAS

CAVALLEIRO, Eliane. In: Educação anti-racista: caminhos abertos pela Lei Federal nº
10.639/03. Brasília Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade /
Ministério da Educação (Coleção Educação para todos), 2005.

GOMES, Nilma Lino. Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre relações
raciais no Brasil: uma breve discussão. In: Educação anti-racista: caminhos abertos pela
Lei Federal nº 10.639/03. Brasília, Ministério da Educação, SECAD, 2005.

DIOP, Cheik Anta. Antériorité des civilisations négres, mythe ou vérité historique? Paris :
Présence Africaine, 1967
_______Civilisation ou Barbárie. Paris : Présence Africaine, 1981
______ L'Afrique noire précoloniale. Présence Africaine, 1960, 1987

KI-ZERBO, Joseph. História da África negra. Portugal : Publicações Europa-América, LTD


1999

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LARKIN-NASCIMENTO, Elisa. Introdução à Historia da África. In. Educação, Africanidade,
Brasil, Brasília : UnB/SECAD, 2006.
OLIVEIRA, Eduardo. Cosmovisão africana no Brasil: elementos para uma filosofia
afrodescendente. Fortaleza: Ibeca, 2003

SOUZA, Edileuza Penha de. Tamborizar: a formação de crianças e adolescentes negros.


In. OLIVEIRA, Iolanda de, SILVA, Petronilha B. G. e; PINTO, Regina Pahim. Negro e
educação: escola, identidade, cultura e política pública. São Paulo: Ação Educativa,
ANPED, 2006.
SIQUEIRA, Maria de Lourdes. Siyavuma_ uma visão africana do mundo. Salvador: Ed.
Autora, 2006.
ROCHA-TRINDADE, Maria Beatriz e outros. Sociologia das Migrações. Lisboa: Universi-
dade Aberta, 1995.
WEDDERBURN, Carlos Moore. Novas bases para o ensino da história da África no Brasil.
In: Educação anti-racista: caminhos abertos pela Lei Federal 10.639/03. Brasília,
Ministério da Educação, SECAD, 2005.

Filme

Sarafina: o som da liberdade


Direção: Darrel Roodt. “Em pleno Apartheid, num escola de Soweto, em que o exército
patrulha de armas e as crianças gritam “Libertem Mandela”, uma professora ensina
história de forma censurável fugindo ao currículo aprovado pelo regime. Sarafina é uma
aluna negra que relata a história sobre a forma de uma carta dirigida a Nelson Mandela e
que, como tantos outros adolescentes, sente-se revoltada em face das injustiças do
sistema. Um sistema que as incentiva a estudarem para terem uma hipótese de vida,
mas que nunca lhe explica declaradamente que não terão uma hipótese de igualdade
social” (Negritude Cinema e Educação – 2006, p.172).

Sítios
www.acordacultura.org.br
www.unidadenadiversidade.org.br
www.ceafro.org.br

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