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Miguel P. Caldas
Carlos Osmar Bertero
(Coordenadores)
Maurício C. Serafim
e dição/ p reparação dos O riginais
Apresentação, xv
Andrew J. Grimes
Ph.D. em Administração pela University of Minnesota. Professor de Adminis-
tração e membro do Comitê de Teoria Social na University of Kentucky.
Seus interesses de pesquisa incluem organizações alternativas, poder, episte-
mologia, perspectivas críticas à administração e teoria organizacional radical.
E-mail: grimes@uky.edu
Armen A. Alchian
Professor emérito do Departamento de Economia, University of California –
Los Angeles.
Seus interesses de pesquisas incluem as áreas de teoria econômica, custos de
informação, organização econômica e economia da firma.
E-mail: alchian@econ.ucla.edu
Endereço: Bunche Hall 8262, Department of Economics, UCLA, Box 951477,
Los Angeles – CA – USA, 90095-1477.
Chris Grey
Gareth Morgan
Gibson Burrell
Harold Demsetz
Professor emérito do Departamento de Economia, University of California –
Los Angeles.
Seus interesses de pesquisa incluem os temas de organização industrial, di-
reito e economia, monopólio e competição, economia da firma e políticas públi-
cas voltadas a empresas.
E-mail: hdemsetz@econ.ucla.edu
Endereço: Bunche Hall 8262, Department of Economics, UCLA, Box 951477,
Los Angeles – CA – USA, 90095-1477.
John Freeman
Professor de Empreendedorismo e Inovação na Haas School of Business, Uni-
versity of California – Berkeley.
Seus interesses de pesquisa incluem os temas de empreendedorismo, inova-
ção, comportamento organizacional e grupos industriais.
E-mail: freeman@haas.berkeley.edu
Endereço: University of California, Berkeley, Haas School of Business 350,
Barrows Hall, Berkeley – CA – USA, 94720-1900.
Karl E. Weick
Professor de Psicologia e Comportamento Organizacional na Stephen M. Ross
School of Business – University of Michigan.
Seus interesses de pesquisa envolvem as temáticas de comportamento orga-
nizacional, psicologia, sensemaking coletivo sob pressão, erros médicos, desem-
penho de alta confiabilidade, improvisação e mudança.
E-mail: karlw@umich.edu
Endereço: Stephen M. Ross School of Business, University of Michigan, 701
Tappan St., Ann Arbor – MI – USA, 48109-1234.
Marianne W. Lewis
Michael T. Hannan
Miguel P. Caldas
Professor da FGV-EAESP.
E-mail: mpcaldas@hotmail.com
Paul J. DiMaggio
Professor de Sociologia na Princeton University.
Seus interesses de pesquisa envolvem as áreas de análise organizacional, so-
ciologia da cultura, estratificação social, sociologia econômica, análise de redes
sociais, sociologia da arte e da literatura e organizações sem fins lucrativos.
E-mail: dimaggio@princeton.edu
Endereço: Department of Sociology, 2-N-2 Green Hall, Princeton University,
Princeton – NJ – USA, 08544.
Richard L. Daft
Robert Cooper
Professor visitante no Centre for Culture, Social Theory & Technology – Kee
le University.
Seus interesses de pesquisa incluem as temáticas de produção social e cultu-
ral, relações entre tecnologia e organização moderna e aspectos culturais e so-
ciais da informação.
E-mail: cooper.robert@talk21.com
Endereço: Centre for Culture, Social Theory & Technology, Darwin Building,
Keele University, Keele, Staffordshire – UK, ST5 5BG.
Roberto Fachin
Valérie Fournier
W. Graham Astley
Walter W. Powell
Miguel P. Caldas
Com este primeiro módulo, composto por esta introdução e os dois artigos
a seguir, inauguramos a série “RAE-Clássicos”. O objetivo é proporcionar à co-
munidade acadêmica brasileira matéria-prima para reflexão e orientação em seu
trabalho de pesquisa. O papel deste texto introdutório é apresentar e contextuali-
zar a série, além de situar os dois artigos que compõem este primeiro módulo no
quadro da teoria das organizações no Brasil.
Nos últimos anos, a RAE trouxe aos seus leitores textos publicados em revis-
tas acadêmicas internacionais de primeira linha. Como crítico constante da im-
portação exagerada e acrítica de modelos estrangeiros também no campo da teo-
ria administrativa, minha percepção sobre a inclusão desses textos em periódicos
nacionais foi sempre ambivalente. Por um lado, creio ser o papel das publicações
nacionais a veiculação de investigação científica que, antes de mais nada, derive
da realidade local e a informe. Por outro lado, devemos considerar que nossos
periódicos também têm outra missão, com a qual compartilho em intento e es-
forço, de inserir a produção científica nacional no cenário internacional. No que
se refere à decisão de publicar textos estrangeiros já veiculados em outros países,
esses dois objetivos são até certo ponto contraditórios: a abordagem mais local
tenderia a reprovar a iniciativa, enquanto aquela que advoga inserção internacio-
nal talvez a apoiasse.
O que me motivou a participar da iniciativa desta série foi o seu caráter pri-
mordialmente didático e de formação de pesquisadores. Nos últimos anos, tive
contato freqüente com as conseqüências negativas das deficiências de formação
conceitual básica em teoria organizacional no Brasil. Como professor em cursos
de mestrado e doutorado, não foram poucas as ocasiões em que me choquei
ao ver alunos em situações quase absurdas, por pura falta de acesso a algumas
referências básicas. Muitos desses alunos estudavam temas fundamentados em
teorias das quais nunca haviam lido os principais expoentes, a não ser por meio
de apuds; muitas vezes, porque tais clássicos nunca haviam sido publicados em
português. Outros alunos, diante de seus problemas de pesquisa, propunham me
todologias quantitativas e hipotético-dedutivas, embora sua base teórica indicas-
se uma orientação indutiva e de caráter subjetivo. Outros ainda manifestavam
“gostar de etnografia” e queriam usá-la para testar hipóteses de base objetivista
e funcional! Uma boa parte queria juntar e citar em seu apoio (e não para sobre-
por ou “metatriangular”, como se discute nos textos a seguir) tudo o que havia
lido na vida, de Karl Marx a Peter Drucker, passando eventualmente por Lair Ri-
beiro. Lembro-me de um aluno que experimentou severa crise ao descobrir que
sua “idéia original” era, na verdade, o objeto básico da teoria neo-institucional, à
época em voga havia mais de 20 anos.
A lista de eventos desse tipo é longa na vida de qualquer docente brasilei-
ro envolvido com programas de mestrado e doutorado. Ainda mais embaraçoso
é perceber que tais problemas atingem também colegas em estágios avançados
da carreira, o que pode ser constatado pela qualidade discutível e pela limitada
contribuição dos artigos submetidos a eventos e periódicos brasileiros. De fato,
a baixa qualidade e a limitada contribuição científica na produção brasileira em
Administração têm sido tratadas em muitos estudos, nas áreas de Estudos Orga-
nizacionais (Machado-da-Silva et al., 1990), Finanças (Leal et al., 2003), Marke-
ting (Vieira, 2003), Tecnologia da Informação (Hoppen et al., 1998) e Recursos
Humanos (Tonelli et al., 2003), assim como na Administração como um todo
(Quintella, 2003; Bertero et al., 1999; Caldas; Tinoco, 2004). De forma comple-
mentar, análises bibliométricas e de conteúdo têm mostrado que tais deficiências
colocam em cheque a legitimidade de uma parcela relevante de nossa produção
(veja Tonelli et al., 2002; Vergara; Carvalho, 1995, 1996; Vergara; Pinto, 2000;
Caldas; Tinoco, 2004).
De forma geral, minha opção tem sido por mitigar o problema mediante a su-
gestão de longas listas de leituras complementares, que compreendem em geral
artigos e livros não disponíveis em português. Nunca deixei de me surpreender
com o impacto positivo que tão singela incursão na literatura essencial do campo
provocou nos alunos, bem como à sua trajetória intelectual posterior.
Na raiz da questão está um problema de acesso: há centenas de pesquisado-
res e estudantes que, devido à indisponibilidade de textos em português, acabam
sem tomar contato com teorias e autores que poderiam ser cruciais à sua forma-
ção e ao seu trabalho de pesquisa. Nos últimos anos, testemunhei várias tentati-
vas de publicar em português alguns desses textos essenciais ou “clássicos” (na
falta de uma denominação mais adequada), que, entretanto, esbarraram na aná-
lise de viabilidade comercial das editoras.
É justamente nesse ponto que se situa este projeto, convergente com a mis-
são da RAE, de “fomentar e disseminar a produção científica em Administração
no Brasil”. A revista tem enorme influência e, portanto, responsabilidade na di-
fusão do pensamento administrativo desde sua formação (veja Bertero; Keinert,
1994). Análises bibliométricas ainda inéditas revelam ser a RAE o periódico na-
cional com maior impacto no campo, nas várias áreas da Administração. Milhares
de docentes, estudantes, profissionais e pesquisadores em formação usam a RAE
para atualizar-se e também para dar apoio em formação teórica básica. De certa
forma, a RAE contrapõe a danosa influência nesse mesmo âmbito de conhecidos
compêndios de teoria administrativa, caracterizados por atualidade, profundida-
de e qualidade duvidosas.
Assim, o projeto, que surgiu como uma simples proposta de introdução a um
texto clássico, rapidamente evoluiu para a organização de uma série, que tem
como objetivo a criação de um referencial básico de textos essenciais, nunca an-
tes disponíveis em português. Desejamos partilhar esse trajeto e as respectivas
apresentações dos textos com colegas que comungam os mesmos ideais.
Cabe observar que não há aqui nenhuma veneração aos textos e autores in-
cluídos. Esta série tampouco deve ser vista como uma desconsideração em rela-
ção à produção local. Trata-se, na verdade, de uma coleção de textos representa-
tivos da melhor produção internacional, cuja divulgação em português deve ser
vista como um incentivo à reflexão crítica e eventual incorporação. Desejamos
incentivar a produção nacional “bem informada”, contribuindo para sanar o pro-
blema de falta de acesso a pelo menos uma pequena parte daquilo que julgamos
básico e que deveria ser conhecido.
concorrentes”. Por sua vez, cada um desses campos de conhecimento iniciaria ci-
clos (ditos “paradigmáticos”) semelhantes aos que Kuhn (1962) havia descrito a
partir de seu conceito de “resolução de quebra-cabeças” (McCourt, 1997).
De forma didática, Burrell e Morgan (1979) apresentaram à academia de Ad-
ministração norte-americana um modelo de categorização dos campos paradig-
máticos. Os autores sobrepunham dois eixos: um representaria os pressupostos
metateóricos sobre a natureza da ciência, opondo a ciência “objetivista” à ciência
“subjetivista”, enquanto o outro simbolizaria as premissas metateóricas sobre a
natureza da sociedade, contrastando uma sociologia da “regulação” a uma socio-
logia da “mudança radical”.
O conhecido diagrama que resulta da sobreposição desses dois eixos define
o que os autores entendem ser os quatro principais paradigmas que fundamenta-
riam – ou que poderiam fundamentar – a análise organizacional. Seu argumento
é de que o desconhecimento dessa realidade paradigmática inconsciente e indis-
cutida, bem como a aceitação tácita quase hegemônica do paradigma funciona-
lista (no quadrante objetivista e regulacionista do diagrama), estariam aprisio-
nando e limitando o desenvolvimento do campo, e seria sua missão “libertá-lo”
e expandir seus limites. Ou seja, a intenção seria a de, em primeiro lugar, sugerir
que o campo cresceria em reflexividade e riqueza se os distintos paradigmas pu-
dessem se reconhecer e eventualmente dialogar no processo de desenvolvimento
científico e, em segundo lugar, desvendar caminhos metateóricos pouco explora-
dos e promissores, além do funcionalismo dominante, especialmente os referen-
ciais críticos e interpretativos.
O segundo elemento apresentado pelo texto de Morgan é sua conceituação da
visão metafórica da teoria organizacional e da realidade organizacional, que foi di-
vulgada no Brasil pela publicação, em 1996, do livro Imagens da organização (Edi-
tora Atlas). Em função da ampla divulgação deste segundo elemento, ele não será
aqui comentado. Vale, entretanto, registrar que: (a) ambos os elementos originam-
se do mesmo trabalho de Morgan com Burrell, seu professor em Lancaster; (b) a
discussão sobre metáforas que Morgan inicia nesse artigo em 1980 é um esforço
de refinamento e aprofundamento do criticado conceito de “analogia” utilizado
no livro de 1979 (McCourt, 1997; Oswick; Keenoy; Grant, 2002); (c) o trabalho
marca também um afastamento entre mestre e aluno – enquanto Morgan focali-
za a análise metafórica, aprofundando e popularizando seu trabalho com Burrell
(Palmer e Dunford, 1996), este último segue um caminho de busca e exploração
de rumos alternativos aos próprios quatro paradigmas, divulgando e patrocinando
o movimento pós-modernista em análise organizacional (Burrell, 1996; Cooper;
Burrell, 1988) e a corrente feminista em organizações (Burrell, 1984); e (d) o ca-
minho que Morgan iniciou guindou-o à condição de superstar na análise organiza-
cional (especialmente fora dos EUA), levou-o cada vez mais a legitimar o conceito
de metáforas organizacionais e, ao menos nos últimos dez anos, conduziu-o a uma
carreira de palestrante e consultor internacional (para observar a vida e a traje-
Referências
Gareth Morgan
Introdução
* Artigo originalmente publicado sob o título “Paradigms, metaphors, and puzzle solving in organiza-
tion theory”, por Gareth Morgan, na revista Administrative Science Quarterly, v. 25, n. 4, p. 605-622,
1980. Publicado com autorização da Johnson Graduate School of Management, Cornell University.
© Johnson Graduate School of Management, Cornell University. <www.johnson.cornell.edu/ASQ>.
Paradigmas
Realidades alternativas
Metáforas
Bases das escolas de pensamento
Fragmentação
Teoria antiorganização Teoria organizacional radical
Catástrofe
SUBJETIVO OBJETIVO
Paradigma interpretativista Paradigma funcionalista
Behaviorismo,
determinismo Máquina
Pluralismo
Hermenêutica, e empiricismo
etnometodologia e abstrato
Realização e interacionismo simbólico Organismo
Estrutura Teoria
produção de fenomenológico de referência dos sistemas Ecologia
sentido
da ação sociais populacional
Sistema
SOCIOLOGIA Sistema cibernético
Jogos de Texto político
linguagem DA REGULAÇÃO Sistema frouxamente
Cultura Teatro acoplado
usar novas metáforas para criar novas maneiras de ver as organizações, que supe-
rem as fraquezas e os pontos cegos das metáforas tradicionais, oferecendo aborda-
gens suplementares ou até contraditórias para a análise organizacional.
X Y X Y X Y
táfora sensibiliza os cientistas para a idéia de que as disciplinas não científicas po-
dem conter insights, abordagens e métodos de investigação relevantes e capazes
de contribuir para a análise organizacional (Brown, 1977). A consciência de que,
em sua pesquisa específica, os cientistas em geral estão tentando operacionalizar
uma metáfora serve como uma influência sensata para o comprometimento com
a pesquisa empírica e a resolução de quebra-cabeças como um fim em si mesmo.
Esta consciência enfatiza a necessidade de se lograr um firme entendimento dos
elos que existem entre teoria e método e a extensão das abordagens metodológicas
para investigar diferentes pontos de vistas metafóricos (Morgan; Smircich, 1980).
cional têm, todas elas, raízes nas ciências naturais e todas, de uma maneira ou de
outra, enfatizam a idéia de que as organizações podem ser vistas como sistemas
adaptáveis. O feedback negativo, o acoplamento frouxo e a seleção natural são os
três diferentes tipos de mecanismos de adaptação ressaltados por essas metáforas.
As metáforas do teatro, da cultura e do sistema político introduzem uma dimen-
são explicitamente social ao estudo das organizações e dão atenção particular à
maneira como os seres humanos podem tentar moldar as atividades organizacio-
nais. Na medida em que as atividades culturais, políticas e de artes dramáticas tra-
tadas aqui são vistas como se ocorressem num cenário contextualmente definido
e, portanto, ontologicamente real, e consideradas como uma forma de atividade
adaptável, essas metáforas também desenvolvem uma abordagem funcionalista
para o estudo das organizações. Elas tentam captar e articular aspectos de uma
visão subjacente da realidade, mas a partir de ângulos e maneiras diferentes.
As metáforas interpretativistas questionam os fundamentos sobre os quais se
edifica a teoria funcionalista, focalizando a maneira como as realidades organiza-
cionais são criadas e sustentadas. A metáfora do jogo de linguagem (Wittgenstein,
1968), por exemplo, nega que as organizações tenham status ontológico concreto
e apresenta a atividade organizacional como sendo apenas pouco mais que um
jogo de palavras, pensamentos e ações. Ela sugere que as realidades organizacio-
nais emergem como estruturas simbólicas governadas por regras, na medida em
que os indivíduos se envolvem em seus mundos por intermédio do uso de práticas
e códigos específicos, com a finalidade de atribuir uma forma significativa a suas
situações. Desse ponto de vista, as realidades organizacionais repousam sobre o
uso de diferentes tipos de linguagem verbal e não verbal. A linguagem não ape-
nas comunica e descreve: ela é ontológica. Assim, ser administrador numa orga-
nização envolve uma maneira particular de estar no mundo, definida pelo jogo de
linguagem que uma pessoa deve praticar para ser reconhecida e para atuar como
administrador. Os conceitos organizacionais que dão forma a noções como racio-
nalidade, estrutura burocrática, delegação, controle etc. são conceitos gerenciais
(Bittner, 1974) que rotulam e tornam concreto o mundo em que os administra-
dores podem atuar como tais. De modo semelhante, o conceito e a linguagem es-
pecífica da liderança criam e definem a natureza da liderança como um processo
contínuo (Pondy, 1978). Vistas em termos da metáfora do jogo de linguagem, as
organizações são criadas e sustentadas como padrões de atividade social pelo uso
da linguagem; elas constituem não mais que uma forma especial de discurso.
A metáfora do texto (Ricoeur, 1971) sugere que o teórico de organizações
deveria ver a atividade organizacional como um documento simbólico e empre-
gar métodos hermenêuticos de análise como um meio de decifrar sua natureza e
seu significado. Os textos dão forma a tipos particulares de jogos de linguagem,
explicam temas e usam expressões metafóricas para transmitir padrões relevan-
tes de significado. Uma vez produzido, o texto está disponível para interpretação
e tradução por outros indivíduos, que podem atribuir-lhe significados e sentidos
diferentes dos pretendidos pelo autor. Todas essas qualidades são evidentes na
Conclusões
estabelece a base para sua eventual destruição. A ordem que a teoria interpretati-
vista tenta compreender e que a teoria funcionalista procura promover é, a partir
das perspectivas humanista radical e estruturalista radical, uma ordem superfi-
cial que mascara as contradições fundamentais. O desafio para a teoria organiza-
cional que emana desses paradigmas é penetrar por sob a aparência superficial
do mundo empírico e desvendar a profunda estrutura de forças que explicam a
natureza, a existência e a transformação contínua das organizações dentro de
todo o contexto mundial. Com base nas perspectivas humanista radical e estrutu-
ralista radical, a teoria organizacional não é capaz de oferecer uma compreensão
adequada da natureza da organização pela focalização exclusiva nas organiza-
ções e em seu comportamento. Esses paradigmas sugerem que o estudo de tais
fenômenos deve estar ligado ao modo mais amplo de organização societária para
a qual eles oferecem formas e conteúdos empíricos circunstanciais.
O desafio apresentado à teoria organizacional ortodoxa por esses diferentes
paradigmas é repensar a própria natureza do objeto do qual ela trata. Diferentes
paradigmas corporificam visões de mundo que favorecem metáforas que definem
a natureza das organizações de maneiras fundamentalmente diferentes, e co-
bram um repensar total a respeito do que deve tratar a teoria organizacional. O
desafio levantado se relaciona com os pressupostos fundamentais sobre os quais
se baseia a teorização, e só pode ser resolvido considerando-se a adequação des-
ses fundamentos rivais como base para a análise organizacional.
Notas
A importância desse ponto nem sempre foi apreciada e certamente não re-
1
cebeu a atenção que merece. A noção de Kuhn de que a ciência se baseia em pa-
radigmas gerou inúmeros debates (Lakatos; Musgrave, 1970; Suppe, 1974). Isso
levou Kuhn a modificar sua posição em relação a determinados pontos (Kuhn,
1970, 1974, 1977, 1979), embora mantendo seu compromisso com a idéia básica
que sustenta o conceito de paradigma – de que as comunidades científicas estão
ligadas por vários vínculos e compromissos. Este artigo, dando seqüência a Bur-
rell e Morgan (1979), parte deste insight central, da premissa de que o mais fun-
damental desses vínculos está na visão de mundo que os cientistas compartilham
e que assegura a abordagem deles à investigação científica.
Nota da Redação
Agradecimento
Desejo agradecer a Richard Brown, Peter Frost, Walter Nord e Linda Smircich
pelos preciosos comentários a uma versão anterior deste artigo.
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Marianne W. Lewis
Andrew J. Grimes
Introdução
Há duas décadas, Burrell e Morgan (1979) marcaram o início de uma onda
de tentativas de caracterização dos paradigmas empregados na teoria organiza-
cional (por exemplo, Pondy; Boje, 1981; Zey-Ferrell; Aiken, 1981). Estes esfor-
ços passaram a sensibilizar os teóricos para a noção de paradigmas – premissas,
práticas e acordos compartilhados numa comunidade científica – e a legitimar
alternativas menos convencionais. Embora o funcionalismo-positivismo continue
dominante, os teóricos estão baseando, cada vez mais, seus trabalhos em para-
digmas mais críticos e interpretativos. O resultado é um campo vibrante, com
visões teóricas distintas que podem enriquecer nossa compreensão da comple-
xidade, da ambigüidade e dos paradoxos organizacionais. No entanto, a “men-
talidade paradigmática”, que agora se generalizou, está ao mesmo tempo proli-
ferando e polarizando as perspectivas, muitas vezes inibindo o diálogo entre os
paradigmas, predispondo os teóricos contra as explicações contrárias às suas e
encorajando o desenvolvimento de teorias de visão estreita (Bouchikhi, 1998;
Reed, 1996). Conforme preveniram Pondy e Boje (1981, p. 84), a teoria organi-
zacional enfrenta um problema de fronteira: “como conduzir pesquisas baseadas
em vários paradigmas?”
* Artigo originalmente publicado sob o título “Metatriangulation: building theory from multiple
paradigms”, na Academy of Management Review, v. 24, n. 4, p. 672-690, 1999.
Copyright © 1999 Academy of Management. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste
artigo pode ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a permissão por escrito da Academy
of Management. Para obter autorização, entre em contato com Copyright Clearence Center: <www.
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Revisões multiparadigmáticas
Fenômeno
Modelo Técnica Resultado
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Bradshaw-Camball Paralela Política organizacional Visão trifocal
e Murray (1991)
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trabalho
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Sims (1989)
Gioia e Thomas Seqüencial Mudança estratégica Estudo subjetivo-objetivo
(1996)
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Sutton e Rafaeli Seqüencial Demonstração Estudo triangulado
(1988) emocional
Construção teórica metaparadigmática
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Grimes e Rood Metateorização Epistemologia local Epistemologias de
(1995) interligação
Morgan (1983) Metateorização Métodos de pesquisa Conversação reflexiva
Poole e Van de Ven Metateorização Estrutura Estratégias paradoxais
(1989)
Bouchikhi (1998) Interação Paradoxos Tensões dialéticas
organizacionais
Clegg (1990) Interação Poder Teoria metaparadigmática
Gaventa (1980) Interação Poder Teoria metaparadigmática
Reed (1997) Interação Estrutura-ação Ontologia estratificada
Schultz e Hatch Interação Cultura Interação paradigmática
(1996)
Spender (1998) Interação Conhecimento Epistemologia pluralista
Ybema (1996) Interação Cultura Teoria metaparadigmática
Pesquisa multiparadigmática
tiva le do trabalho
Implantação: Processo de negociação Implantação: Processo de determinismo
de retórica, identidades e entendi- social e político, movido por interesses
mentos relacionados com o trabalho políticos e diferenças de classe
da TPA Questões-chave: Como o design da ma-
Questões-chave: Por que os atores quinaria e das tarefas da TPA acentua a
com freqüência utilizam e reforçam racionalização e promove a desqualifica-
ideologias dominantes e preconceitos ção do trabalho do operador e reforça
existentes? Como podem os atores ne- as assimetrias de poder existentes dentro
gociar entendimentos mais democráti- da organização?
cos de TPA? Teorias: Processos ortodoxos de trabalho
Teorias: Crítica e antiorganizacional (marxistas); teorias weberianas radicais
Interpretativista Funcionalista
sUBJETIVO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . oBJETIVO
Traduzir uma teoria de visão de mundo para a nossa própria língua não
significa torná-la nossa. Para isso, é preciso que nos tornemos nativos, que
nos descubramos pensando nessa língua que antes era estranha, e não me-
ramente traduzindo-a (Kuhn, 1970, p. 204).
Da mesma forma que muitas estratégias de construção teórica, uma fase subs-
tancial da metatriangulação gira em torno da análise de dados. Na investigação
multiparadigmática, entretanto, o “trabalho analítico de detetive” (Mintzberg,
1979), necessário para a indução tradicional, também requer que se aumente as
distinções entre os paradigmas, para se evitar interpretações excessivamente sim-
plificadas. A fase II aplica técnicas capazes de auxiliar os teóricos a mergulharem
em paradigmas alternativos, rastrearem padrões nos dados e gerarem explicações
contrastantes sobre o fenômeno de interesse (veja Quadro 2). A adoção de para-
digmas “estranhos” serve a dois propósitos fundamentais. Em primeiro lugar, pode
aprofundar o entendimento dos teóricos, na medida em que eles aprendem por
experiência o foco de observação, os métodos analíticos e os estilos de expressão
redacional de cada paradigma. Em segundo, os relatos resultantes podem ser úteis
para a construção teórica de metaparadigmas, ao capacitarem os teóricos a justa-
por interpretações paradigmáticas de um referente empírico comum (Reed, 1997).
Como observa Martin (1992, p. 5), ao cultivarem imagens conflitantes, os teóricos
podem explorar “pressupostos não enunciados, para explicar por que as discor-
dâncias entre [...] as perspectivas são tão profundas, intensas e produtivas”.
Planejar roteiro para paradigmas. Segundo Eisenhardt (1989), a utilização
sistemática de uma série de análises ajuda os teóricos a administrar suas capa-
cidades limitadas de processamento de informação. De modo semelhante, se-
guir um roteiro (isto é, uma ordem planejada de análise de paradigmas) pode
enriquecer a jornada por meio de paradigmas múltiplos. Independentemente de
como os teóricos “paralelos” tentam manter seus esforços indutivos, os insights
de análises paradigmáticas anteriores exercerão alguma influência sobre análises
posteriores. Um roteiro pode elevar a consciência dos teóricos sobre essa influên
cia, permitindo-lhes que equilibrem melhor as imagens contrastantes. Hassard
(1991) propôs que os interesses específicos dos teóricos deveriam guiar sua esco-
lha de roteiro. Por exemplo, em alguns modelos os scholars transitaram de para-
digmas objetivos para subjetivos, buscando, inicialmente, visões gerais amplas e
generalizáveis e, depois, significados mais minuciosos e localizados sobre o fenô-
meno de interesse (por exemplo, Gioia et al., 1989; Graham-Hill, 1996). Outros
utilizaram lentes funcionalistas para sublinhar entendimentos gerencialistas, se-
guidas por visões mais críticas, com o interesse de expor fragmentações e confli-
tos (por exemplo, Bradshaw-Camball; Murray, 1991; Martin, 1992).
Escolhemos o nosso roteiro – de funcionalista para estruturalista radical,
para interpretativista e para humanista radical – por duas razões. Em primeiro
lugar, sentimos que esse caminho intensificaria nossas próprias experiências de
aprendizagem, porquanto refletia um movimento do conforto da perspectiva “fa-
miliar” básica do investigador e do paradigma dominante da TPA (funcionalis-
ta) rumo à sua antítese (humanista radical). Em segundo lugar, perseguimos de
A construção teórica a partir de dados exige que os teóricos dêem “saltos cria-
tivos” – fujam do é simplificado e esperado e expliquem os fenômenos sob nova
ótica (Mintzberg, 1979, p. 584). No entanto, na metatriangulação, os saltos são
para um nível acima e além dos paradigmas, porque quando se abstrai “o quan-
to for necessário, as diferenças entre as práticas de pesquisa ficam embaçadas,
revelando os contornos do panorama de pesquisa” (Stablein, 1996, p. 510). As
análises multiparadigmáticas apóiam e elaboram visões marcadamente distintas,
adicionando profundidade aos entendimentos dos teóricos sobre o fenômeno e os
paradigmas utilizados. A construção teórica, no entanto, requer que os teóricos
transcendam os dualismos paradigmáticos e pensem paradoxalmente: conside-
rem, simultaneamente, visões conflitantes. As técnicas metaparadigmáticas aju-
dam os teóricos a explorar metaconjecturas, a alcançar uma perspectiva metapa-
radigmática e a articular suas auto-reflexões (veja Quadro 2).
Explorar metaconjecturas. A exploração de metaconjecturas considera e
amplia o apelo de Weick (1989) no sentido de que os teóricos conduzam diver-
sos e inúmeros experimentos mentais. As metaconjecturas denotam proposições
Vantagens
Limitações
ria possível dentro dos limites de um único paradigma. O objetivo, como explica
Morgan, é
Aplicações futuras
Conforme mencionamos anteriormente, a metatriangulação é particular-
mente apropriada para investigar os vastos e vibrantes domínios da teoria orga
nizacional, marcada por constantes debates e/ou conclusões contraditórias. Por
exemplo, Gioia e Pitre (1990) propuseram aplicar a metatriangulação para ex-
plorar a comunicação e a socialização, e Schultz e Hatch (1996) sugeriram que
se examinem questões de identidade organizacional, aprendizagem e cognição.
Ao longo de nosso estudo, tomamos conhecimento de debates calorosos nos do-
mínios de outras tecnologias organizacionais – tais como equipes laborais de auto
gestão, gestão da qualidade total e práticas de estocagem just-in-time – que indi-
cavam possíveis fenômenos de pesquisa. Nossas lentes paradigmáticas também
proporcionaram imagens muito variadas sobre questões mais amplas de confian-
ça, autoridade e controle. Como assevera Teunissen (1996), as mudanças drás-
ticas na tecnologia, a diversidade na força de trabalho e a competição e glo-
balização estão provocando a utilização de lentes alternativas e aumentando a
necessidade de interpretações que acomodem as tensões organizacionais, em vez
de simplificá-las ou racionalizá-las em demasia.
Os apelos para se retornar a uma ortodoxia intelectual – paradigma comum,
coerente e hegemônico (por exemplo, Donaldson, 1985; Pfeffer, 1997) – ou em
favor de uma contínua proliferação e polarização de paradigmas – abordagens
pós-modernas de um relativismo desenfreado (por exemplo, Feyerabend, 1975;
Jackson; Carter, 1993) – estão se multiplicando no “contestado terreno” da teoria
organizacional (Reed, 1996). Entretanto, a provisão de uma teoria mais percep-
tiva, inovadora e ampla para o novo milênio pode exigir uma consciência mais
profunda dos modos alternativos de investigação e de suas complexas conexões.
A investigação multiparadigmática conta com um potencial considerável, e
em grande parte ainda não realizado, para expandir os entendimentos atuais
dos fenômenos organizacionais complexos e paradoxais. Este artigo oferece um
extenso guia para os modelos multiparadigmáticos e um mapa explícito para se
construir teoria a partir de paradigmas múltiplos. Ao impor uma moldura refe-
rencial sistemática sobre o processo inerentemente confuso de construção teóri-
ca, a metatriangulação pode ajudar os teóricos a reconhecer o foco e as viseiras
possibilitadas pelas diferentes lentes paradigmáticas, cultivar suas representa-
ções contrastantes e acomodar seus díspares insights. A experiência resultante
pode corresponder à observação provocativa, embora otimista, de Popper:
Apêndice
Nota da Redação
Agradecimento
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Miguel P. Caldas
Roberto Fachin
Introdução
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to do que foi incorporado nos anos 1980 e 1990, em vez de buscar atualização
nos últimos desenvolvimentos teóricos desse paradigma, abrigou-se na ortodoxia
estruturalista-sistêmica que dominou o funcionalismo até a década de 1970, em
especial no contingencialismo. Com isso, salvo raras exceções (como as abaixo
citadas no caso do neo-institucionalismo no Brasil desde os anos 1990), predomi-
nou no campo um distanciamento, por um lado, entre os debates mais recentes
do paradigma funcionalista que parece ter abraçado, e, por outro, as replicações
estruturalista-sistêmicas e contingencialistas que a maioria da nossa produção
de cunho funcionalista parecia espelhar. O resultado é uma geração de pesqui-
sadores de orientação funcionalista que acabou tendo menor acesso a esses no-
vos debates e às novas teorias desse paradigma, e com ênfase maior nas revisitas
infindáveis a lugares-comuns do contingencialismo sistêmico. Foi abraçada uma
ortodoxia, no mais das vezes, sem manter com ela um mínimo vínculo de atuali-
zação. O resultado desse distanciamento é fácil de visualizar, seja na nossa pes-
quisa ou no ensino de teoria organizacional que oferecemos.
No âmbito da pesquisa, é possível notar essa lacuna por estudo de conteúdo
ou por análise bibliométrica da nossa produção. Enquanto o funcionalismo efer-
vescia nos anos 1980 e 1990 por acalorados debates intrafuncionalistas, a maior
parte da nossa produção de mesma orientação desconhecia ou ignorava as teo-
rias no centro desse debate, como o neo-institucionalismo, a ecologia populacio-
nal, as teorias da agência e de custos de transação, e o neocontingencialismo. As
honrosas exceções saíam dos principais programas de pós-graduação filiados à
ANPAD, cujos pesquisadores tinham acesso às principais publicações estrangei-
ras, ou tinham se familiarizado com os novos desenvolvimentos do campo ao de-
senvolverem seus doutoramentos em instituições estrangeiras.
Obviamente, tendemos a não ensinar o que não conhecemos, e o resultado é
que, nos cursos de graduação e pós-graduação em todo o Brasil, repetia-se o fe-
nômeno: a teoria organizacional ensinada era tipicamente um funcionalismo de-
satualizado, comumente pré-contingencialista. Novos pesquisadores e docentes
que emergiam desse tipo de educação repetiam o ciclo, passando adiante uma
versão ainda limitada e desconectada do debate corrente da ortodoxia funciona-
lista. Por sua vez, livros-texto de “teoria de Administração” que surgiram na épo-
ca – e ainda amplamente adotados no Brasil – praticamente ignoram qualquer
desenvolvimento teórico posterior ao estruturalismo sistêmico ou, na melhor das
hipóteses, ao contingencialismo do final da década de 1970.
Como prometido no primeiro módulo deste livro, iremos neste e nos pró-
ximos capítulos procurar estreitar esta lacuna, veiculando textos dos principais
debates nos quais o funcionalismo se engajou desde a década de 1980. Neste se-
gundo módulo, nosso interesse é oferecer um texto que sirva de guia das direções
que esses debates e novas teorias funcionalistas tomaram nos últimos 25 anos, e
iniciar a viagem por uma das teorias que o funcionalismo engendrou no último
quarto de século: o neo-institucionalismo.
O texto, de Astley e Van de Ven (Capítulo 5), é hoje um texto clássico no en-
sino do funcionalismo em teoria organizacional, e pode ser um excelente guia
para compreender os caminhos do desenvolvimento teórico desse paradigma
hegemônico no campo depois da predominância contingencialista até o final da
década de 1970.
Como mencionado anteriormente, o funcionalismo encontrava-se, em 1979,
severamente entrincheirado na ortodoxia estruturalista-sistêmica, mais especifi-
camente no determinismo contingencialista, e no foco da relação organização-
ambiente, ambos amplamente inspirados nos achados da chamada Escola de As-
ton (Westwood; Clegg, 2003, p. 5).
É preciso lembrar que, em 1983, Astley e Van de Ven limitavam a teoria or-
ganizacional ao estruturalismo sistêmico, por entenderem que este abrangia a to-
talidade do campo. O seu maior mérito é ter, naquele momento, acertadamente
fornecido ao funcionalismo organizacional, estreitamente definido, uma agenda
de desenvolvimento teórico que iria centrar-se nesses debates fundamentais.
Astley e Van de Ven previam que entre as quatro perspectivas teóricas cen-
trais que viam no campo emergiriam ao menos seis debates principais, que orien-
tariam o desenvolvimento teórico da área. Não que esses autores tenham acerta-
do em todos os debates principais; na verdade, deixaram de ver diversas forças
latentes à época e deram atenção demais a alguns vetores teóricos que acabaram
não tendo expressão. No entanto, a simples constatação de que o determinismo
sistêmico não mais simbolizava um consenso no campo, e de que o contingen-
cialismo não mais expressava a única teoria possível, parece o bastante para dar
ao leitor ainda não iniciado em tais debates um ponto de partida para explorar o
funcionalismo, além do tradicional contingencialismo.
Ao menos quatro desses debates de fato emergiram fortemente no campo,
geraram tradições teóricas concorrentes que expandiram a tradição funciona-
lista e povoaram suas publicações nos últimos 25 anos. O primeiro deles é de
natureza intrinsecamente determinista, entre perspectivas de “adaptação” e de
“seleção”; o segundo, entre perspectivas deterministas e voluntaristas; o terceiro
é o debate entre ação individual e ação coletiva; e o quarto, entre modelos ra-
cionais e modelos normativo-institucionais, que eles chamam de “organizações”
versus “instituições”.
É do debate entre as perspectivas deterministas de “adaptação” e de “seleção”
que surgem as separações entre os contingencialistas (adaptação) e os teóricos
da chamada ecologia populacional (seleção). Este embate permitiu uma expan-
são teórica do campo. Na essência, Astley e Van de Ven acertaram ao sugerir que
a perspectiva da seleção expandiria o campo ao mostrar empiricamente como o
determinismo contingencialista era simplista em superestimar a capacidade de as
organizações perceberem, reagirem e responderem a ditames ambientais, e subes
noutros termos, por que elementos normativos como legitimidade social ou ade-
rência cultural importariam mais do que ditames técnicos do ambiente? A teoria
neo-institucional é um excelente exemplo dessa inflexão subjetivista e menos ra-
cionalista que o funcionalismo testemunhou nos últimos 25 anos, como veremos
na discussão do texto seguinte deste módulo.
Nota de Agradecimento
Referências
W. Graham Astley
Andrew H. Van de Ven
Introdução
* Artigo originalmente publicado sob o título “Central perspectives and debates in organization theo
ry”, por W. Graham Astley e Andrew H. van de Ven, na Administrative Science Quarterly, v. 28, n. 2,
p. 245-273, 1983, com autorização da Johnson Graduate School of Management, Cornell University.
© Johnson Graduate School of Management, Cornell University. <www.johnson.cornell.edu/ASQ>.
Apesar de essas questões terem sido debatidas até certo ponto na literatura,
não apareceram quaisquer soluções satisfatórias – nem é provável que surja algu
ma. O problema é que as diferentes escolas de pensamento têm a tendência de
focar apenas um dos lados das questões e usam estes diferentes vocabulários e
lógicas sem falarem diretamente sobre eles entre si. Como disse Poggi (1965, p.
284), “uma maneira de ver é uma maneira de não ver”. Uma certa integração se-
ria, assim, desejável, mas, ao mesmo tempo, deve ser uma integração que preser-
ve a distintividade das diferentes perspectivas analíticas envolvidas. Sustentamos
que essa integração é possível se houver o reconhecimento de que as diferentes
perspectivas podem apresentar descrições bem diferentes do mesmo fenômeno
organizacional, sem que se anulem mutuamente. E isso se consegue com o uso de
diferentes lentes analíticas destinadas a examinar os lados opostos ou contraditó-
rios da mesma questão. Neste artigo, em vez de proclamar certos pontos de vis-
ta como “corretos”, reconciliamos as contradições entre teorias contrastantes ao
reunirmos uma variedade de interpretações dialéticas sobre a vida organizacio-
nal. Essas reconciliações preservam a autenticidade das teorias “incompatíveis”,
mas ao mesmo tempo logram uma certa medida de integração ao ressaltarem as
fontes de tensão dialética entre as teorias.
Essa abordagem é aplicada a cada um dos debates referidos, no contexto de
um esquema metateórico suficientemente amplo para interligar os diferentes de-
bates. Se tratamos os seis debates como interdependentes, ressaltamos ao mesmo
tempo os pontos contrastantes e os tangenciais que existem entre a maior parte
das principais abordagens teóricas aos estudos organizacionais. A intenção não é
Visão sistêmico-estrutural
Orientação Orientação
determinista voluntarista
Cada uma dessas quatro perspectivas representa somente uma visão parcial da
realidade, de tal forma que em conjunto elas proporcionam um repertório de for-
mas complementares de distribuição dos fenômenos organizacionais nas respec-
tivas divisões quadrangulares. Isso sugere o quanto é desejável ou recomendável
justapor as quatro perspectivas para propiciar um entendimento organizacional
mais compreensivo. Ao mesmo tempo, cada uma dessas perspectivas contradiz as
demais em aspectos-chave, porquanto cada uma apresenta sua própria interpreta-
ção distinta da realidade. O que sugere as condições desejáveis de se contraporem
sistematicamente as quatro perspectivas, para se dar o destaque dialético aos pon-
tos de divergência. Conseqüentemente, voltamo-nos agora para uma análise dos
seis debates que são gerados a partir da interação das quatro perspectivas.
que a ação individual está sempre, em certa medida, voltada a evitar a desinte-
gração total do sistema. Entretanto, o sistema também nunca está totalmente
integrado num corpo perfeitamente coeso. As organizações de fato mantêm um
certo grau de coesão, mas este deve sempre ser administrado por meio de uma
supressão parcial do antagonismo interno. Para Crozier e Friedberg (1980), este
balanceamento e gestão de tensões internas complexas se assemelha a uma parti-
da de “jogo”. O jogo tem regras que devem ser obedecidas para que a associação
coletiva possa continuar a existir. Com essas regras, entretanto, sempre são pos-
síveis diversas estratégias diferentes. Além disso, as regras podem ser quebradas,
mas apenas até um certo ponto. O jogador permanece livre, mas, se quiser vencer,
deve adotar uma estratégia que esteja em razoável harmonia com as regras, pois
o abandono total do jogo impede que ele satisfaça seus interesses.
Um debate paralelo surgiu nas discussões sobre racionalidade na tomada de
decisão. Conforme as abordagens estrutural-funcionais predominantes, argumen
ta-se que a tomada de decisão é mormente racional, no sentido de que ela exibe
um comportamento funcional orientado para resultados. Presume-se que se opere
uma lógica objetiva de eficácia, baseada em “racionalidade técnica” (Thompson,
1967, p. 14). Representa-se o processo de tomada de decisão como um exercício
de engenharia; ele se orienta por leis inferidas de um cálculo de custo-benefício,
de uma “lógica de custo e eficiência” (Roethlisberger; Dickson, 1939), que secun-
da a ação gerencial.
Para os teóricos contemporâneos da decisão, que usam modelos de ação
como referência, esta “racionalidade” é apenas um verniz mistificador, que obscu
rece os elementos irracionais que permeiam a tomada de decisão. March e Olsen
(1976) e Weick (1979) sugeriram que a tomada de decisão não é concebida como
algo planejado de modo racional para o alcance instrumental dos objetivos or-
ganizacionais; pelo contrário, os eventos simplesmente se desenvolvem por uma
razão ou por outra, seja por acaso, hábito ou por conveniência ou preferência
pessoal. Na realidade, as ações podem preceder os objetivos. Os objetivos podem
ser reconstruções imaginativas, que atribuem ordem e racionalidade aos atos e
decisões depois que eles já ocorreram. Os arranjos organizacionais, portanto, não
devem ser mal-interpretados como se fossem funcional e logicamente necessá-
rios. Eles se tornam indispensáveis apenas em virtude de nossas reflexões cons-
cientes, que sobrepõem a qualidade da lógica a uma ordem já estabelecida. Eis
aí a dialética: é o sistema racionalmente planejado e construído, ou é a ação que
simplesmente emerge para ser em seguida racionalizada?
O debate sobre sistema/ação também está presente na tensão entre a teoria
da contingência, de um lado, e as teorias da gestão estratégica e dependência de
recursos, de outro. A teoria da contingência presume que as restrições contextu-
ais têm efeitos restritivos sobre as operações organizacionais. Em outras palavras,
o contexto tem primazia causal; a gestão meramente responde de maneira tecni-
camente adequada. Em contrapartida, os teóricos da gestão estratégica e depen-
dência de recursos apontam para o tamanho da liberdade discricionária de que
nas subunidades contidas num nicho, a organização é capaz de manter sua vita-
lidade e seu vigor no nível corporativo.
Conquanto essa explicação da adaptabilidade das grandes organizações com-
plemente a visão da ecologia populacional, superando uma das maiores defici-
ências desta, ela contribui pouco para desafiar a adequação de outra perspectiva
que foca especificamente as grandes organizações, mesmo que se mantendo con-
sistente com a visão da seleção natural. Trata-se do modelo das “falhas de merca-
do”, oferecido por Williamson (1975). Esse modelo se classifica como uma visão
de seleção natural, no sentido de que aborda o modo como o ambiente econômi-
co “acolhe” uma espécie nova e importante de organização, que Chandler (1977)
descreveu como “a moderna empresa multiunitária”.
A tese geral é de que os “mercados” são suplantados por “hierarquias” quan-
do deixam de funcionar de forma apropriada em função do “grau de impacto da
informação”, uma distribuição assimétrica de informação que interfere na alo-
cação ótima dos recursos na troca de mercado. A monitoração “superior” da or-
ganização e seus recursos de controle superam esse problema: elas reduzem os
“custos de transação” e restauram a eficiência. O crescimento das grandes orga-
nizações hierárquicas é, portanto, determinado, economicamente, no sentido de
que a organização interna reestabeleça a operação natural da racionalidade eco-
nômica quando os mercados já não conseguem mais exercer essa função. Ao mes-
mo tempo, essa racionalidade econômica opera no nível populacional de análise,
pois governa a operação de todo o mercado ou indústria. A mudança dos merca-
dos para as hierarquias é explicada como um triunfo dos interesses do “sistema”
econômico como um todo sobre as tendências oportunistas de seus membros
constituintes (Williamson, 1975, p. 27). A otimização da eficiência em alocar re-
cursos por toda a economia é a força dominante em funcionamento.
Quando o modelo das falhas de mercado estende, de forma plausível, a vi-
são da seleção natural para as grandes organizações, ela também fica aberta à
reinterpretação dialética pela visão sistêmico-estrutural. Thompson deu uma ex-
plicação bem diferente sobre como os mercados são superados pelas hierarquias,
enquanto as “organizações governadas por normas de racionalidade procuram
abrigar em seus limites as atividades que, se deixadas por conta da ação ambien-
tal, representariam contingências cruciais” (Thompson, 1967, p. 39). De acordo
com a explicação dada por Thompson a este fenômeno, não é o funcionamento
racional de um sistema econômico que importa, mas as normas da racionalida-
de técnica que governam as operações internas das organizações particulares.
São os interesses da organização em foco que estão em jogo, não os interesses
do mercado econômico. As hierarquias não são subprodutos da deficiência de
mercado que simplesmente atuam como mecanismos alternativos para a aloca-
ção dos recursos econômicos em beneficio da sociedade; ao contrário, elas são
instrumentos gerenciais para controlar, reduzir e remover as contingências que
ameaçam o funcionamento técnico da organização. De acordo com essa visão,
interpretada como uma restrição externa, pois ela é uma força libertadora, segun-
do Commons e Durkheim. Ao possibilitar padrões estáveis de associação coletiva,
ela livra as organizações da necessidade de criar novos padrões de atuação para
cada situação que enfrentam. O cumprimento das normas é antes voluntário do
que forçado. Isso significa a adoção de uma orientação coletiva, com a qual os
gestores e suas organizações se identificam.
Em resumo, os grupos organizacionais são ao mesmo tempo atores indepen-
dentes e membros envolvidos de uma coletividade maior. De um lado, eles agem,
de maneira autônoma, de forma a maximizar suas chances de alcançar todos os
seus objetivos individuais, à parte dos da coletividade. De outro, aderem a pa-
drões unificadores de ordem social e cultural, na medida em que assumem res-
ponsabilidades como parte de uma entidade social maior. Em outras palavras, o
gestor atua como um homem de jogo e como um estadista. A necessidade de esta-
belecer um equilíbrio entre essas pressões contrárias está por trás do que Thomp-
son (1967, p. 48) descreveu como “o paradoxo da administração”. A existência
desse paradoxo produz não apenas contradições na prática da vida organizacio-
nal de todo dia, mas também, como vimos, uma tensão dialética na teorização.
Discussão
a nova síntese temporária. Essa síntese surge agora como tese, em um novo
ciclo de conflito, e assim o processo se repete na medida em que organizado-
res inovadores ou gestores empreendedores vão em busca de sua satisfação
a partir da acumulação contínua de tensões, com o objetivo de deleitar-se
com sua liberação subseqüente. A história da gestão pode ser interpretada
como esse tipo de processo dinâmico (Gomberg, 1964, p. 52-53).
Conclusão
Notas
1
As abreviações Q1, Q2, Q3 e Q4 serão usadas em todo o artigo para denotar os
quadrantes numerados da figura esquemática.
2
Na realidade, a rotatividade declinou de forma marcante, durante o século XX,
nas grandes corporações (Scherer, 1980, p. 54-56), provavelmente porque elas
estão em posição vantajosa em relação às demais para tirar vantagem de adapta-
ções institucionais (Meyer; Rowan, 1977; J. Meyer, 1978).
3
Embora a absorção corporativa das contingências seja uma adaptação artificial da
organização a seu ambiente, Thompson deixa claro que esta adaptação é determina-
da por racionalidade técnica. A expansão das operações no ambiente ocorre no sen-
tido das contingências cruciais e estas são determinadas por considerações de tecno-
logia e de tarefa. Assim, as tecnologias de integração ampla estimulam a expansão
por meio da integração vertical, enquanto as tecnologias intermediárias encorajam
a expansão geográfica (Thompson, 1967, p. 40-42). Em outras palavras, a absorção
de elementos ambientais é uma reação defensiva, uma forma de amortecer o núcleo
técnico. Ela não representa, por exemplo, uma tentativa de aumentar o domínio de
mercado da organização. Obviamente, este seria o tipo de explicação que o volunta-
rismo da escolha estratégica ofereceria em relação a este mesmo fenômeno.
4
Apesar do fato de a segunda metade do livro de Aldrich (1979) estar repleto de
exemplos que apontam aspectos sociais e políticos “não naturais” do ambiente,
esses exemplos não são gerados nem refletem enunciados como os aqui citados,
que são centrais a seu modelo formal de seleção natural.
5
Deve-se reconhecer, entretanto, que enquanto enquadramos os trabalhos de
vários autores numa visão, em vez de outra, isso não significa implicar qualquer
inflexibilidade de visão por parte desses autores. Muitos autores referidos escre-
veram de modo muito mais amplo e adotaram uma orientação mais equilibrada
do que talvez insinue a discussão. Assim, não gostaríamos, por exemplo, de ro-
tular autores como “deterministas” ou “reducionistas” por causa da perspectiva
analítica particular que adotaram numa determinada ocasião. Como bem se sabe,
a maioria dos autores adota perspectivas singulares para circunstâncias e propó-
sitos específicos e limitados.
Nota da Redação
Agradecimento
Pelas sugestões úteis que fizeram às versões anteriores deste artigo, agradece-
mos a Charles Fombrun, John Bryson, William Gomberg e aos revisores anônimos
da ASQ. Agradecemos também ao Center for the Study of Organizational Innova-
tion, da Universidade da Pensilvânia, pelo apoio recebido, e à Charles F. Kettering
Fundation, pela liberação do tempo necessário à elaboração deste artigo.
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Paul J. DiMaggio
Walter W. Powell
Introdução
* Este artigo foi publicado originalmente sob o título “The iron cage revisited: institutional isomor-
phism and collective rationality in organizational fields”, por Paul J. DiMaggio e Walter W. Powell,
na American Sociological Review, v. 48, n. 2, p. 147-160, em abril de 1983. Ele foi publicado com a
autorização da American Sociological Association. © American Sociological Association. <www.
asanet.org>.
não a variação. Nos estágios iniciais de seu ciclo de vida, os campos organizacio-
nais apresentam uma considerável diversidade de abordagens e formas. No en-
tanto, tão logo um campo fica bem estabelecido, há uma pressão inexorável no
sentido da homogeneização.
Coser, Kadushin e Powell (1982) descrevem a evolução das publicações norte-
americanas de livros universitários, desde um período de diversidade inicial até a
homogeneidade atual de apenas dois modelos, o grande generalista burocrático e
o pequeno especialista. Rothman (1980) descreve a redução dos diversos modelos
competitivos de educação jurídica a dois modelos dominantes. Starr (1980) apre-
senta evidências de mimetismo no desenvolvimento do campo hospitalar; Tyack
(1974) e Katz (1975) mostram um processo semelhante em escolas públicas; Bar-
nouw (1966-68) descreve o desenvolvimento de formas dominantes na indústria
do rádio; e DiMaggio (1981) ilustra a emergência dos modelos organizacionais
dominantes que se voltavam a prover educação superior no final do século XIX.
O que vemos em cada um desses casos é, em primeiro lugar, a emergência e es-
truturação de um campo organizacional como resultado das atividades de um con-
junto diverso de organizações; em segundo lugar, vemos a homogeneização dessas
organizações bem como dos novos membros, tão logo o campo se estabeleça.
Por campo organizacional entendemos aquelas organizações que, em seu
conjunto, constituem uma área reconhecida de vida institucional: fornecedores-
chave, consumidores de recursos e produtos, agências regulatórias e outras orga-
nizações que produzem serviços e produtos semelhantes. O valor dessa unidade
de análise está no fato de que ela dirige nossa atenção não simplesmente para
empresas concorrentes, como faz a abordagem populacional de Hannan e Free-
man (1977), ou para redes de organizações que de fato interagem, como o faz a
abordagem de rede interorganizacional, de Laumann et al. (1978), mas para a
totalidade dos atores relevantes. Ao fazer isso, a idéia de campo capta a impor-
tância tanto da conectividade (veja Laumann et al., 1978) como da equivalência
estrutural (White et al., 1976).1
A estrutura de um campo organizacional não pode ser determinada a priori,
mas deve ser definida com base na investigação empírica. Os campos existem so-
mente na medida em que são definidos institucionalmente. O processo de defini-
ção, ou “estruturação”, institucional consiste de quatro elementos: um aumento
na amplitude de interação entre as organizações presentes no campo; a emergên
cia de estruturas de dominação e padrões de coalizão interorganizacional, cla-
ramente definidos; um aumento no volume de informação com o qual as orga-
nizações de um campo têm que lidar; e o desenvolvimento de uma consciência
mútua, entre os participantes de um grupo de organizações, de que eles estão
envolvidos num empreendimento comum (DiMaggio, 1982).
Tão logo organizações díspares, no mesmo ramo de negócios, se estruturam
num campo real (por competição, por Estado e por categorias profissionais, con-
forme demonstraremos), emergem forças poderosas, que as levam a se tornar
Identificamos três mecanismos por meio dos quais ocorre a mudança isomór
fica institucional, cada um com seus próprios antecedentes: (1) o isomorfismo
coercivo, que provém da influência política e do problema da legitimidade; (2) o
isomorfismo mimético, que resulta de respostas padrão à incerteza; e (3) o iso-
morfismo normativo, associado à profissionalização. Essa é uma tipologia analíti-
ca: os tipos nem sempre são empiricamente distintos. Por exemplo, atores exter-
nos podem induzir uma organização a se conformar a seus pares, obrigando-a a
realizar uma determinada tarefa e especificando a profissão responsável por seu
desempenho. A mudança mimética também pode refletir incertezas ambiental-
mente construídas.7 No entanto, apesar de os três tipos se mesclarem no contexto
empírico, eles tendem a provir de condições diferentes e podem levar a resulta-
dos diferentes.
Isomorfismo coercivo. O isomorfismo coercivo resulta das pressões ao mesmo
tempo formais e informais exercidas sobre as organizações por outras organiza-
ções das quais dependem e por expectativas culturais da sociedade em que as
organizações atuam. Essas pressões podem ser sentidas como força, persuasão,
ou como convite para se associar em conluio, conspiração. Em algumas circuns-
tâncias, a mudança organizacional é uma resposta direta a uma determinação
governamental: os produtores industriais adotam novas tecnologias de controle
da poluição para se adequarem às regulamentações ambientais; as organizações
sem fins lucrativos mantêm contabilidade e contratam contadores, a fim de aten-
der a requisitos legais do fisco; e as organizações empregam funcionários a partir
de critérios de ação afirmativa, para se defenderem de alegações de discrimina-
ção. As escolas admitem estudantes especiais em classes regulares e contratam
professores de educação especial, cultivam relações com as associações de pais
e mestres e com os administradores com quem se identificam e promulgam os
currículos que estão de acordo com os padrões do Estado (Meyer et al., 1981). O
fato de essas mudanças serem em grande parte apenas formais não significa que
sejam inconseqüentes. Como argumenta Ritti e Goldner (1979), os funcionários
se envolvem na prática da defesa, por causa de suas funções que podem alterar
as relações de poder dentro das organizações no longo prazo.
A existência de um ambiente jurídico comum afeta muitos aspectos do com-
portamento e da estrutura da organização. Weber salientou o profundo impac-
to de um sistema racionalizado e complexo de direito contratual, que exige que
controles organizacionais necessários honrem os compromissos legais. Outros re-
quisitos legais e técnicos do Estado – as vicissitudes do ciclo orçamentário, a ubi-
qüidade de alguns anos fiscais, os relatórios anuais e as exigências de relatórios
financeiros que asseguram elegibilidade para o recebimento de fundos ou fecha-
mento de contratos federais – também moldam as organizações de maneira seme-
lhante. Pfeffer e Salancik (1978, p. 188-224) discutiram como as organizações,
em face de interdependências não administráveis, procuram utilizar o poder mais
forte do sistema social mais amplo e de seu governo para eliminar as dificuldades
ou prover pelas necessidades. Eles observam que os ambientes construídos em
termos políticos possuem dois aspectos característicos: os tomadores de decisões
políticas muitas vezes não experimentam diretamente as conseqüências de suas
ações, e aplicam-se decisões políticas a classes inteiras de organizações, tornando
dessa forma essas decisões menos adaptáveis e menos flexíveis.
Meyer e Rowan (1977) argumentaram de forma convincente que, à medida
que os Estados e outras grandes organizações racionalizadas estendem seus do-
mínios sobre outras arenas da vida social, as estruturas organizacionais acabam
refletindo cada vez mais as regras institucionalizadas e legitimadas pelo Estado e
no Estado (veja também Meyer; Hannan, 1979). Como conseqüência, as organi-
zações ficam cada vez mais homogêneas em certos domínios e se organizam cada
vez mais em torno de rituais de conformidade com instituições maiores. Ao mes-
mo tempo, as organizações são cada vez menos determinadas estruturalmente
por restrições impostas pelas atividades técnicas e cada vez menos integradas por
controles de resultados. Nessas circunstâncias, as organizações utilizam controles
ritualizados de credenciais e solidariedade grupal.
a imitadora pode utilizar. Os modelos podem ser difundidos de uma forma não
intencional, de modo indireto, por meio de transferência ou rotação de funcioná-
rios, ou de forma explícita por organizações como firmas de consultoria ou asso-
ciações de negócios industriais. Até mesmo as inovações podem ser creditadas à
modelagem organizacional. Como observou Alchian (1950):
minam alguns modelos organizacionais por todo o território. Esses modelos são
poderosos, porque as mudanças estruturais são observáveis, enquanto que as mu-
danças em política e estratégia são menos facilmente notadas. Com a orientação
de uma importante empresa de consultoria, uma grande estação pública metro-
politana de televisão substituiu o modelo funcional por uma estrutura multidi-
visional. Os executivos da estação estavam céticos em relação à possibilidade de
a nova estrutura ser mais eficiente; de fato, alguns serviços duplicaram entre as
divisões. Mas eles estavam convencidos de que o novo modelo traria uma men-
sagem poderosa para as empresas com as quais a estação com freqüência se re-
lacionava. Essas empresas, tanto no papel de subscritoras de ações como no de
potenciais parceiros em joint ventures, veriam essa reorganização como um sinal
de que “a sonolenta estação não lucrativa estava assumindo mais uma mentali-
dade de negócios” (Powell). A história da reforma administrativa nos órgãos go-
vernamentais dos Estados Unidos, que são conhecidos por sua ambigüidade de
objetivos, é praticamente um caso didático sobre modelagem isomórfica, desde o
PPPB (orçamento-programa) da era McNamara até o orçamento de base zero da
administração Carter.
As organizações tendem a se espelhar em outras organizações de seu campo,
que elas percebem como mais legítimas ou bem-sucedidas. A ubiqüidade de cer-
tos tipos de arranjos estruturais pode mais provavelmente ser creditada à univer-
salidade dos processos miméticos do que a qualquer evidência concreta de que os
modelos adotados incrementam a eficiência. John Meyer (1981) argumenta que
é fácil prever a organização da gestão de uma nação que acaba de nascer, mesmo
que nada se saiba a respeito da nação em si, pois “as nações periféricas são muito
mais isomórficas – em relação à forma administrativa e ao padrão econômico –
do que qualquer teoria sobre sistema mundial de divisão econômica do trabalho
poderia levar alguém a crer”.
Pressões normativas. Uma terceira fonte de mudança organizacional isomór-
fica é normativa e provém, principalmente, da profissionalização. Seguindo Lar-
son (1977) e Collins (1979), interpretamos a profissionalização como uma luta
coletiva dos membros de uma ocupação para definir as condições e os métodos
de seu trabalho, para controlar a “produção dos produtores” (Larson, 1977, p.
49-52) e para estabelecer uma base e legitimação cognitivas para sua autonomia
ocupacional. Como destaca Larson, o projeto profissional é raramente atingido
com pleno sucesso. Os profissionais têm que fazer concessões aos clientes, che-
fes ou reguladores não profissionais. O principal crescimento recente entre as
profissões aconteceu entre os profissionais organizacionais, particularmente os
gestores e os funcionários especializados de grandes organizações. A maior pro-
fissionalização dos trabalhadores, cujos futuros estão indissociavelmente ligados
aos destinos das organizações que os empregam, fez com que se tornasse obsoles-
cente (senão obsoleta) a dicotomia entre o comprometimento organizacional e a
lealdade profissional, que caracterizou os profissionais tradicionais nas primeiras
organizações (Hall, 1968). As profissões estão sujeitas às mesmas pressões coer-
civas e miméticas a que estão as organizações. Além disso, enquanto vários tipos
de profissionais dentro de uma organização podem se distinguir uns dos outros,
eles apresentam muita semelhança com suas contrapartes profissionais em outras
organizações. Ainda mais, em muitos casos, o poder profissional é algo conferido
pelo Estado tanto quanto criado pelas atividades das profissões.
Dois aspectos da profissionalização são fontes importantes de isomorfismo.
Um deles é o fato de a educação formal e a legitimação se apoiarem numa base
cognitiva produzida por especialistas universitários; o segundo aspecto é o cres-
cimento e a elaboração de redes profissionais que perpassam as organizações e
por meio das quais novos modelos se difundem rapidamente. As universidades e
as instituições de formação profissional são centros importantes para desenvolver
normas organizacionais entre os administradores profissionais e seus funcioná-
rios. As associações profissionais e de investigação constituem outro veículo para
a definição e promulgação de regras normativas sobre o comportamento orga-
nizacional e profissional. Esses mecanismos criam um pool de indivíduos quase
intercambiáveis que ocupam posições semelhantes numa série de organizações e
possuem uma similaridade de orientação e inclinação que podem anular as varia-
ções na tradição e controle que, em caso contrário, poderiam moldar o compor-
tamento organizacional (Perrow, 1974).
Um mecanismo importante para estimular o isomorfismo normativo é a se-
leção de pessoal. Dentro de muitos campos organizacionais a seleção ocorre pela
contratação de indivíduos de empresas da mesma indústria; pelo recrutamento
de pessoal de alto desempenho junto a um grupo restrito de instituições de trei-
namento; pelas práticas comuns de promoção, como, por exemplo, contratação
constante de executivos de topo junto a departamentos financeiros ou jurídicos;
e pela cobrança de competência para tarefas particulares. Muitas carreiras pro-
fissionais são guardadas de forma tão ciosa, tanto ao nível de entrada quanto du-
rante a progressão na carreira, que os indivíduos que alcançam o topo são quase
totalmente indistinguíveis. March e March (1977) descobriram que os indivídu-
os que chegaram à posição de superintendente de escola em Wisconsin eram tão
parecidos em termos de background e orientação, que todo avanço ulterior em
suas carreiras se tornava aleatório e imprevisível. Hirsch e Whisler (1982) cons-
tataram uma ausência semelhante de variação entre os membros dos “500 Mais
da Revista Fortune”. Além disso, num campo organizacional os indivíduos passam
por uma socialização preventiva das expectativas comuns sobre seu comporta-
mento pessoal, o estilo próprio de vestuário, o vocabulário organizacional (Ci-
courel, 1970; Williamson, 1975) e os métodos padrão de falar, fazer piadas ou de
se dirigir aos outros (Ouchi, 1980). Particularmente em indústrias que têm uma
orientação financeira ou de serviço (Collins, 1979, argumenta que a importância
de credenciais é mais forte nessas áreas), a seleção de pessoal se aproxima daqui-
lo a que Kanter (1977) se refere como “a reprodução homossexual da gestão”. Na
medida em que os executivos e funcionários-chave procedem das mesmas univer-
sidades e são selecionados a partir de um conjunto comum de atributos, eles ten-
Hipótese A-3: Quanto mais incerta for a relação entre meios e fins, tanto
maior será a chance de a organização moldar-se às organizações que ela con-
sidera bem-sucedidas. O processo de pensamento mimético envolvido na
busca por modelos é característico da mudança nas organizações cujas tec-
nologias-chave são mal compreendidas (March; Cohen, 1974). Aqui nossa
previsão diverge um pouco de Meyer e Rowan (1977), que argumentam,
como nós, que as organizações que não têm tecnologias bem definidas
irão importar regras e práticas institucionalizadas. Meyer e Rowan pos-
tulam um acoplamento frouxo entre práticas externas legitimadas e com-
portamento organizacional interno. Do ponto de vista de um ecologista, as
organizações frouxamente acopladas têm maior probabilidade de variar
internamente. Em contraste, esperamos mudanças internas substanciais,
associadas a práticas mais cerimoniosas, e, portanto, maior homogeneida-
de e menos variação e mudança. Uma consistência interna desse tipo é um
meio importante de coordenação interorganizacional. Ela também aumen-
ta a estabilidade organizacional.
Hipótese A-4: Quanto mais ambíguas forem as metas de uma organização,
mais ela se moldará de acordo com as organizações que ela julgar bem-suce-
didas. Há duas razões para isso. Em primeiro lugar, as organizações com
metas ambíguas ou questionadas têm probabilidade de serem altamente
dependentes de aparências para se legitimarem. Essas organizações po-
dem achar que é vantajoso satisfazer às expectativas de clientes importan-
tes quanto ao modo como devem ser modeladas e geridas. Contrariamen-
te à nossa visão, os ecologistas argumentariam que as organizações que
copiam outras em geral não têm vantagem competitiva. Nós sustentamos
que, na maioria das situações, a confiança em procedimentos estabelecidos
e legitimados promove a legitimidade organizacional e as características
As duas hipóteses finais dessa seção provêm de nossa discussão sobre a sele-
ção, socialização e estruturação profissional.
Enquanto há evidência que sugere que este de fato é às vezes o caso – a expli
cação de Barnouw sobre os primeiros dias da difusão radiofônica ou o trabalho
de Weinstein (1968) sobre os Progressistas são bons exemplos –, outros historia-
dores foram menos bem-sucedidos em sua procura de elites com consciência de
classe. Em casos como o desenvolvimento dos programas do New Deal (Hawley,
1966) ou a expansão da guerra do Vietnã (Halperin, 1974), parece que a classe
capitalista atuou de maneira confusa e desunida.
Além disso, sem monitoramento constante, indivíduos que perseguem inte-
resses organizacionais paroquiais ou parciais podem rapidamente desfazer o tra-
balho que até as mais previdentes elites tinham. Perrow (1976, p. 21) observou
que, apesar de recursos superiores e do poder de sanção, as elites organizacionais
são muitas vezes incapazes de maximizar suas preferências, porque “a complexi-
dade das organizações modernas torna difícil o controle”. Ademais, as organiza-
ções se tornaram cada vez mais o veículo para numerosas “gratificações, necessi-
dades e preferências, de tal maneira que diversos grupos, de dentro e de fora da
organização, procuram usá-la para fins que restringem o retorno a seus donos”.
Não rejeitamos, de pronto, os argumentos da seleção natural nem os do con-
trole da elite. As elites exercem, com efeito, influência considerável sobre a vida
moderna, e as organizações aberrantes ou ineficientes às vezes de fato morrem.
Mas sustentamos que nenhum desses processos é suficiente para explicar o quan-
to as organizações se tornaram estruturalmente mais semelhantes. Argumenta-
mos que a teoria do isomorfismo institucional pode ajudar a explicar as observa
ções de que as organizações estão se tornando mais homogêneas e de que as
elites muitas vezes acabam prevalecendo, enquanto, ao mesmo tempo, nos permi
te compreender a irracionalidade, a frustração do poder e a falta de inovação,
que são tão comuns na vida organizacional. Além disso, a nossa abordagem é
mais consoante com a literatura etnográfica e teórica sobre as formas de funcio-
namento das organizações do que o são a teoria funcionalista ou a teoria das eli-
tes com respeito à mudança organizacional.
Um foco no isomorfismo institucional também pode acrescentar uma pers-
pectiva muito necessária à luta política pelo poder e a sobrevivência organizacio-
nal, que está ausente em boa parte da ecologia populacional. A abordagem da
institucionalização, associada a John Meyer e a seus discípulos, postula a impor-
tância do mito e da cerimônia, mas não questiona como esses modelos emergem
e a que interesses eles inicialmente servem. Uma atenção explícita à gênese dos
modelos legitimados e à definição e elaboração dos campos organizacionais deve
responder a essa questão. O exame da difusão de estratégias e estruturas organi-
zacionais semelhantes deveria constituir um meio produtivo para avaliar a influ-
ência dos interesses das elites. Uma consideração dos processos isomórficos tam-
bém nos leva a uma visão bifocal do poder e sua aplicação na política moderna.
Na medida em que a mudança organizacional é algo não planejado e em grande
parte acontece sem o conhecimento dos grupos que desejariam influenciá-la, nos-
sa atenção deve se voltar para duas formas de poder. A primeira, como assina-
laram, alguns anos atrás, March e Simon (1958) e Simon (1957), é o poder de
estabelecer premissas, de definir as normas e padrões que moldam e canalizam
o comportamento. A segunda é o ponto de intervenção crítica (Domhoff, 1979)
em que as elites podem definir modelos apropriados de estrutura e política or-
ganizacionais, que ficam então sem questionamento pelos anos vindouros (veja
Katz, 1975). Essa visão está em consonância com alguns dos melhores trabalhos
recentes sobre poder (veja Lukes, 1974); pesquisas sobre a estruturação de cam-
pos organizacionais e sobre processos isomórficos podem ajudar a dar-lhe um
conteúdo mais empírico.
Por fim, uma teoria mais desenvolvida sobre o isomorfismo organizacional
pode ter implicações importantes para a política social nos campos em que o Es-
tado trabalha por intermédio de organizações privadas. Na medida em que o plu-
ralismo é um valor que orienta as deliberações de política pública, precisamos
descobrir novas formas de coordenação intersetorial que antes estimulem a diver-
sificação do que acelerem a homogeneização. Uma compreensão da maneira pela
qual os campos se tornam mais homogêneos evitaria que os formuladores e ana-
listas de políticas confundissem o desaparecimento de uma forma organizacional
com sua falência substantiva. Os esforços atuais para estimular a diversidade ten-
dem a ser conduzidos num vazio organizacional. Os formuladores de políticas in-
teressados no pluralismo deveriam considerar o impacto de seus programas sobre
a estrutura dos campos organizacionais em sua totalidade e não apenas sobre os
programas das organizações individuais.
Acreditamos que há muito a ganhar quando se presta atenção à similarida-
de como também à variação entre as organizações e, em particular, à mudança
no grau de homogeneidade ou variação ao longo do tempo. Nossa abordagem
procura estudar a mudança incremental como também a seleção. Levamos a sé-
rio as observações dos teóricos organizacionais sobre o papel da mudança, da
ambigüidade e da restrição e apontamos as implicações dessas características
organizacionais para a estrutura social como um todo. Os focos e as forças moti-
vadoras da burocratização (e, mais amplamente, da homogeneização em geral)
se transformaram, como argumentamos, desde o tempo de Weber. Mas a impor-
tância de compreender as tendências para as quais ele chamou a atenção nunca
foi tão imediata.
Notas
Uma versão preliminar deste artigo foi submetida por Powell para a sessão
da American Sociological Association, em agosto de 1981, em Toronto. Fomos mui-
to beneficiados com os comentários dos seguintes autores sobre as versões ini-
ciais deste artigo: Dan Chambliss, Randall Collins, Lewis Coser, Rebecca Friedkin,
Connie Gersick, Albert Hunter, Rosabeth Moss Kanter, Charles E. Lindblom, John
Meyer, David Morgan, Susan Olzak, Charles Perrow, Richard Peterson, Arthur
Stinchcombe, Blair Wheaton e dois revisores anônimos da ASR. Por questão de
conveniência, os nomes dos autores estão listados em ordem alfabética. Esse foi
um esforço inteiramente colaborativo.
1
Por conectividade entendemos a existência de transações que vinculam as organi
zações umas às outras: essas transações poderiam incluir relações contratuais for-
mais, participação de pessoal em empresas comuns, como associações profissio-
nais, sindicatos de trabalhadores ou conselhos de diretores, ou vínculos em nível
organizacional informal, como fluxos de pessoal. Um conjunto de organizações
que estão fortemente conectadas umas às outras e apenas fracamente conecta-
das a outras organizações constituem uma clique. Por equivalência estrutural nos
referimos à similaridade de posição numa estrutura de rede: por exemplo, duas
organizações são estruturalmente equivalentes se possuem vínculos de mesmo
tipo com o mesmo conjunto de outras organizações, mesmo que elas próprias não
estejam conectadas entre si: nesse caso, a estrutura-chave é o papel ou bloco.
2
Por mudança organizacional queremos dizer mudança na estrutura formal, na
cultura organizacional e nos objetivos, programa ou missão. A mudança organiza
cional varia em sua correspondência a condições técnicas. Neste artigo, estamos
interessados, acima de tudo, nos processos que afetam as organizações num de-
terminado campo: na maioria dos casos, essas organizações empregam bases téc-
nicas semelhantes; assim, não tentaremos destacar a importância relativa das for-
mas tecnicamente funcionais versus outras formas. Embora venhamos a mencionar
diversos exemplos de mudança organizacional à medida que avançamos, nosso
propósito aqui é antes identificar uma classe ampla de processos organizacionais,
que são relevantes a uma ampla gama de problemas substantivos, do que identifi-
car de modo determinístico as causas de arranjos organizacionais específicos.
Knoke (1982, p. 1337), numa análise de um evento histórico sobre a amplia-
3
Nota da Redação
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Miguel P. Caldas
Miguel Pina e Cunha
Introdução
textos e teorias que por falta de tradução são ainda desconhecidos de boa parte
da comunidade, apesar de poderem ser aplicados em diversas subáreas do cam-
po, decidimos publicar o texto de Alchian e Demsetz, de 1972, um dos clássicos
sobre a “teoria da agência”.
Essa teoria é, em boa parte, inspirada nos trabalhos pioneiros de Coase
(1937), que visualiza a firma como um arranjo de contratos. A contribuição de
Alchian e Demsetz foi sugerir que a gestão das organizações iria se dar não pela
via da autoridade, mas por contratos que regulariam trocas voluntárias e permi-
tiriam a supervisão das atividades dos administradores e da firma por acionistas
que nela não têm envolvimento direto. A teoria da agência nasce desses trabalhos
pioneiros que discutem a existência, o funcionamento e a dinâmica das relações
contratuais (ou “relação de agência”) que se estabelecem entre um principal (um
acionista) e seus agentes (administradores), a quem delegam decisões em troca
da defesa de seus interesses. No âmago dessa relação, que se justifica pela sepa-
ração entre a propriedade da firma e sua gestão, estão os “conflitos de agência”.
O agente pode, por múltiplas circunstâncias e motivos, agir em causa própria e
contrariamente ao interesse do principal. Dentro desse quadro, o que boa parte
da teoria da agência desenvolveu nos últimos 30 anos foi o estudo dos conflitos,
distorções, imperfeições e desenvolvimento de tais relações entre agentes e prin-
cipais, bem como a expansão do conceito para outros atores e públicos ao redor
da organização.
Diferentemente de outras subcorrentes ditas “mais estratégicas” (Zawislak,
2004) das teorias econômicas das organizações, a teoria da agência tem múlti-
plas aplicações e possibilidades de interação com diversos objetos e interesses de
pesquisa em países como o Brasil. De fato, a contribuição da teoria da agência
ao campo é significativa e multifacetada. Ela pode auxiliar no entendimento da
natureza política e menos do que racional dos atores dentro das organizações.
Exemplos seriam os comportamentos menos do que nobres que certos adminis-
tradores podem desenvolver para o gerenciamento da impressão de desempenho,
objetivando maximizar bonificações de curto prazo em detrimento da saúde or-
ganizacional a médio e longo prazo. Conseqüentemente pode ser útil no entendi-
mento da dinâmica organizacional que condiciona e gera escândalos financeiros
tão comuns hoje em dia, especialmente no relacionamento entre o comportamen-
to de administradores e os interesses de acionistas. Ela também pode oferecer
subsídios à compreensão da complexa dinâmica de interesses e de mecanismos
de proteção a investidores que derivam de tentativas de administradores e acio-
nistas majoritários de frustrar expectativas e interesses de minoritários. Nesse
sentido, ela pode ser essencial para o fortalecimento do campo de pesquisa em
governança corporativa.
Dessa forma, não faltam possibilidades de pesquisa. O que parece faltar é
o conhecimento do modelo em diversas subáreas do campo da Administração,
como a de Estudos Organizacionais, e a falta de diálogo entre as áreas que o uti-
Referências
Michael T. Hannan
John Freeman
Introdução
* Artigo originalmente publicado sob o título “The population ecology of organizations”, por Mi-
chael T. Hannan e John Freeman, em The American Journal of Sociology, v. 82, n. 5, p. 929-964,
1977, com a autorização de The University of Chicago Press. © The University of Chicago Press,
<www.journals.uchicago.edu/AJS/>.
As pressões externas pela inércia parecem ter, pelo menos, a mesma força.
Elas incluem pelo menos os seguintes fatores:
1. As barreiras legais e fiscais para entrar e sair dos mercados (definidos
em termos amplos) são numerosas. As discussões sobre o comportamen
to organizacional enfatizam, de modo característico, as barreiras à en-
trada (por exemplo, as posições de monopólio autorizadas pelo Estado).
As barreiras de saída são igualmente interessantes. Existe um número
crescente de casos em que as decisões políticas impedem as empresas
de abandonar certas atividades. Todas essas restrições à entrada e à saí
da limitam a amplitude das possibilidades de adaptação.
2. As restrições internas sobre a disponibilidade de informações são com-
paráveis às restrições externas. A obtenção de informações sobre am-
bientes relevantes é cara, particularmente em situações turbulentas
onde elas são absolutamente essenciais. Além disso, o tipo de especia-
listas empregados pela organização restringe ao mesmo tempo a natu-
reza das informações a serem provavelmente obtidas (veja Granovet-
ter, 1973) e o tipo de informação especializada que se pode processar
e utilizar.
3. As restrições de legitimidade também emanam do ambiente. Toda forma
de legitimidade que uma organização for capaz de gerar constitui um
trunfo para manipular o ambiente. Na medida em que a adaptação (por
exemplo, pela eliminação do ensino de graduação em universidades
públicas) viola os reclamos de legitimidade, ela incorre em custos con-
sideráveis. Portanto, as considerações de legitimidade externa também
tendem a restringir a adaptação.
4. Finalmente, há o problema da racionalidade coletiva. Um dos temas
mais difíceis na teoria econômica contemporânea diz respeito ao equilí
brio geral. Se for possível encontrar uma estratégia ótima para um com-
prador ou um vendedor individual, num mercado competitivo, não se
conclui que há, necessariamente, um equilíbrio geral logo que todos os
jogadores começam a exercer o intercâmbio comercial. De um modo
mais geral, é difícil dizer que uma estratégia que é racional para um
tomador de decisão singular será também racional se for adotada por
um grande número de tomadores de decisão. Muitas soluções para esse
problema foram propostas na teoria do mercado competitivo, mas des-
conhecemos qualquer tratamento para as organizações de um modo
geral. Antes que este tratamento seja claro, não devemos presumir que
um curso de ação que se ajusta a uma organização singular que enfren-
ta um ambiente instável também se ajuste a muitas organizações con-
correntes que adotam estratégia semelhante.
que, para lidar com as várias pressões inerciais, a perspectiva da adaptação deve
ser suplementada com uma orientação de seleção.
Primeiramente, consideramos duas questões amplas que são preliminares
para a modelagem ecológica. A primeira diz respeito às unidades apropriadas de
análise. As análises típicas sobre a relação das organizações com os ambientes as-
sumem o ponto de vista de uma organização isolada que se defronta com um am-
biente. Defendemos um enfoque explícito que envolva populações de organiza-
ções. A segunda questão ampla refere-se à aplicabilidade dos modelos de ecologia
populacional ao estudo da organização social humana. Nossa proposta substan-
tiva se inicia com o enunciado clássico de Hawley (1950, 1968) sobre a ecologia
humana. Procuramos estender a obra de Hawley de duas maneiras: pelo uso de
modelos explícitos de competição, para especificar o processo de produção do iso-
morfismo entre a estrutura organizacional e as demandas ambientais, e pelo uso
da teoria do nicho para estender o problema a ambientes dinâmicos. Argumenta-
mos que a perspectiva de Hawley, modificada e estendida desse modo, serve como
um ponto inicial útil para as teorias organizacionais da ecologia populacional.
pondem aos três níveis discutidos em relação à ecologia geral, com a organização
individual tomando o lugar do organismo individual. A complexidade adicional
se deve a que as organizações estão mais perto de se decomporem nas partes
constitutivas do que os organismos. Os membros individuais e as subunidades
podem se mudar ou mover de uma organização para outra de uma forma nunca
vista numa organização não humana.
Exemplos de teoria e pesquisa que lidam com os efeitos dos ambientes sobre
as organizações são encontrados em todos os cinco níveis. Por exemplo, a bem co-
nhecida análise de Crozier (1964) que trata dos efeitos da cultura sobre a buro-
cracia focaliza os materiais culturais que os membros trazem para as organizações.
Na outra extremidade do continuum, encontramos as análises dos “campos organi-
zacionais” (Turk, 1970; Aldrich; Reiss, 1976). Contudo, o enfoque mais comum é
sobre a organização e seu ambiente. De fato, essa escolha é tão difundida que pa-
rece haver uma compreensão tácita de que as organizações individuais são as uni-
dades apropriadas para o estudo das relações entre a organização e o ambiente.
Argumentamos em favor de um desenvolvimento paralelo da teoria e pesqui-
sa ao nível da população (e, em última análise, da comunidade). Por causa das
diferentes opiniões sobre os níveis de análise, a “população” tem, pelo menos,
dois referentes. Os tratamentos convencionais da ecologia humana sugerem que
as populações relevantes ao estudo das relações entre organização e ambiente
são aqueles agregados de membros associados à organização ou, talvez, servidos
pela organização. Nesse sentido, a organização é vista como análoga à comuni-
dade: ela tem meios coletivos de se adaptar a situações ambientais. O caráter de
unidade de uma população definida dessa maneira depende de um destino com-
partilhado. Todos os membros compartilham, até certo ponto, das conseqüências
do sucesso ou fracasso da organização.
Usamos o termo população num segundo sentido: para se referir mais a agre-
gados de organizações do que a membros. As populações de organizações devem
ser semelhantes em algum sentido; isto é, devem ter um certo caráter de unida-
de. Infelizmente, não é tarefa fácil identificar uma população de organizações. A
abordagem ecológica sugere que se enfoque o destino comum em relação a varia-
ções ambientais. Como todas as organizações são distintas, não existem duas que
sejam afetadas de modo idêntico por qualquer choque exógeno dado. No entan-
to, podemos identificar classes de organizações que são relativamente homogê-
neas em termos de vulnerabilidade ambiental. Observe-se que as populações de
interesse podem mudar um pouco entre uma investigação e outra, dependendo
do interesse do analista. As populações de organizações referidas não são objetos
imutáveis na natureza, mas abstrações úteis para propósitos teóricos.
Se tivermos que seguir a orientação dos biólogos populacionais, temos que
identificar uma analogia para a noção de espécie do biólogo. Várias espécies são
definidas, fundamentalmente, em termos de estrutura genética. Como indica Mo-
nod (1971), é útil pensar sobre o conteúdo genético de qualquer espécie como
uma matriz (blueprint). Essa matriz contém as regras para transformar energia
em estrutura. Conseqüentemente, toda a capacidade de adaptação de uma es-
pécie está resumida na matriz. Se tivermos que identificar o equivalente a uma
espécie para as organizações, devemos ir em busca de tais matrizes. Elas consisti-
rão de regras ou procedimentos voltados a obter ou atuar sobre os insumos, com
vistas a produzir um produto ou resposta organizacional.
O tipo de matriz identificada depende de preocupações substantivas. Por exem
plo, Marschak e Radner (1972) empregam o termo forma organizacional4 para ca-
racterizar os elementos-chave da matriz, conforme eles são vistos dentro de uma
estrutura de tomada de decisão. Para eles, a matriz ou a forma tem duas funções:
uma função de informação, que descreve as regras usadas para obtenção, proces-
samento e transmissão de informações sobre os estados dos ambientes externos; e
uma função de atividade, que enuncia as regras usadas para agir em relação à in-
formação recebida, de forma a gerar uma resposta organizacional. Na medida em
que se podem identificar classes de organizações que difiram com respeito a essas
duas funções, podem-se estabelecer classes ou formas de organização.
Como as nossas preocupações vão além da tomada de decisão, porém, acha-
mos que é muito limitada a definição de formas, de Marschak e Radner. De fato,
não há razão para se limitar a priori a variedade de regras ou funções que podem
definir matrizes relevantes. Assim, para nós, uma forma organizacional é uma ma-
triz de ação organizacional para transformar insumos em produtos. Via de regra,
a matriz pode ser inferida, ainda que de formas um pouco diferentes, pelo exame
de qualquer uma das seguintes áreas: (1) a estrutura formal da organização em
sentido restrito – tabelas de organização, regras escritas de operação etc.; (2) os
padrões de atividade dentro da organização – o que, de fato, é feito por quem; ou
(3) a ordem normativa – os modos de organizar, a serem definidos como corretos
e próprios tanto pelos membros quanto pelos setores relevantes do ambiente.
Para completar a analogia da espécie, devemos buscar diferenças qualitativas
entre as formas. Parece de todo provável que iremos encontrar estas diferenças
na primeira e terceira áreas listadas acima: estrutura formal e ordem normativa.
A última delas oferece, de modo particular, possibilidades intrigantes. Sempre
que a história de uma organização, sua política e sua estrutura social são codifi-
cadas em experiências normativas (por exemplo, profissionalização e autoridade
colegiada), podem-se usar essas experiências para identificar formas e definir po-
pulações para a pesquisa.
Tendo definido a forma organizacional, podemos fornecer uma definição
mais precisa de uma população de organizações. Do mesmo modo que o analista
organizacional deve escolher uma unidade de análise, ele também deve escolher
um sistema para estudo. Os sistemas relevantes para o estudo das relações entre
organização e ambiente são, em geral, definidos pela geografia, pelas fronteiras
políticas, por considerações de mercado ou de produto etc. Dada a definição do
sistema, a população de organizações consiste de todas as organizações que es-
tão cercadas por uma fronteira particular e que têm uma forma comum. Isto é,
a população é a forma nos moldes em que ela existe ou se realiza dentro de um
sistema específico.
Os dois usos do termo população (e as teorias ecológicas daí decorrentes)
são provavelmente úteis para o estudo da estrutura organizacional. A primeira
visão, mais comum, sugere que a estrutura organizacional deve ser vista como
resultado de um processo de adaptação coletivo. De acordo com essa visão, a
estrutura e a mudança devem depender da capacidade de adaptação das subu-
nidades e do acesso diferenciado das subunidades aos recursos ambientais. A
segunda visão ignora as atividades de adaptação dos elementos de dentro da or-
ganização, exceto na medida em que elas constituem a estrutura organizacional.
Esta focaliza a organização como uma unidade em adaptação. Certamente as
duas perspectivas são necessárias. Entretanto, neste artigo estamos preocupados
apenas com a segunda.
Finalmente, gostaríamos de identificar as propriedades das populações que
são de maior interesse para os ecologistas populacionais. Elton (1927) expressou
com clareza a principal preocupação a esse respeito: “Ao resolver problemas eco-
lógicos, estamos interessados no que os animais fazem em sua condição de ani-
mais vivos, inteiros, não como animais mortos ou como uma série de partes de
animais. Em seguida, devemos estudar as circunstâncias sob as quais eles fazem
essas coisas e, o que é mais importante, os fatores limitantes que os impedem de
fazer certas outras coisas. Com a resolução desses problemas, é possível desco-
brir as razões para a distribuição e os números de animais existentes na natureza.”
Hutchinson (1959), no subtítulo de seu famoso ensaio Homage to Santa Rosalia,
expressou o foco principal de forma ainda mais sucinta: “Por que existem tantos
tipos de animais?” Com base nas orientações desses diferentes ecologistas, suge-
rimos que a ecologia populacional de organizações deve procurar compreender
as distribuições de organizações no seio das condições ambientais e as limitações
existentes às estruturas organizacionais em diferentes ambientes e, de maneira
mais geral, tentar responder à seguinte pergunta: por que existem tantos tipos
de organizações?
O princípio do isomorfismo
Teoria da competição
– X1 – a12X2
dX1
= r1X1 k 1
dt k1
– X2 – a21X1
dX2
= r2X2 k 2
(3)
dt k2
Os coeficientes a12 e a21, chamados de coeficientes de competição, denotam
a magnitude do efeito dos aumentos numa população sobre o crescimento da ou-
tra. Nessa simples formulação, a única conseqüência da competição é de baixar a
capacidade de sustentação do ambiente para uma população de organizações.
A análise de (3) produz resultados qualitativos interessantes. Não é difícil
mostrar que existe um equilíbrio estável de duas populações para o sistema em
(3), somente se
1 k
< 2 < a12 (4)
a21 k1
Portanto, as populações muito semelhantes (isto é, as populações com coe-
ficientes de competição próximos à unidade) podem coexistir, somente sob um
coeficiente k2 / k1 muito preciso. Como resultado, quando a21 = a12 = 1, nenhum
equilíbrio de duas populações pode ser estável; todo choque de fora resultará na
eliminação de uma das populações. Esse resultado confirma a generalidade do
amplamente citado “princípio da exclusão competitiva” (Gause, 1934).7 De acor-
do com esse princípio, duas populações não podem ocupar continuamente o mes-
mo nicho. Diz-se que duas populações ocupam o mesmo nicho na medida em que
dependem de recursos ambientais idênticos. Se são idênticos, então a adição de
um elemento a X2 tem as mesmas conseqüências para o crescimento de X1 e vice-
versa; em outras palavras, os coeficientes de competição são a unidade. Chega-se
à conclusão ampla de que quanto maior a similaridade entre dois competidores
de recursos limitados, menor será a viabilidade de um único ambiente conseguir
manter os dois em equilíbrio.
dXi
= ri Xi (ki – Xi – ∑aij Xj )/ ki (i = 1, ... , M). (5)
dt
O sistema geral (5) tem um equilíbrio de comunidade:
k = Ax (7)
1 a . . 12
a1m
a 1
A = .
21
.
.
. .
. .
a . . .
m1
1
cujos elementos são os coeficientes de competição.
A assim chamada teoria da estrutura comunitária implica uma análise do
comportamento de equilíbrio do sistema da equação (7) na perspectiva dos pro-
cessos de competição postulados.8 Os resultados, embora enunciados em ter-
mos da diversidade das espécies, são consideravelmente gerais. Particularmente,
pode-se mostrar que, quando o crescimento na população é limitado somente
pela disponibilidade do recurso, o número de recursos distintos estabelece um
limite superior à diversidade no sistema.9 Em termos ainda mais gerais, o limite
superior à diversidade é igual ao número dos recursos distintos mais o número de
restrições adicionais ao crescimento (Levin, 1970).
É difícil aplicar diretamente um ou outro resultado no sentido de calcular o
limite superior à diversidade, mesmo em contexto não humano. A principal di-
ficuldade é a de identificar restrições distintas. Requer-se um grande número de
trabalhos empíricos, caso se deva julgar como duas restrições diferentes devem
Teoria do nicho
Aptidão B
(fitness)
(w)
m E n
p = 1,0 p = 1,0
W1 . . .
W1
. . . . . . . .
. . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . .
p = .5 . . . .
. . . . . p = .5
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . .
W2 W2
(a) (b)
p = .5
p = 1,0
. . . p = 1,0
. . . . . . . .
. . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . .
W1 . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . W1 . .
. . . p = .5
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . p = 1,0 . . . . .
. . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
W2 W2
(a) (b)
Discussão
Notas
1
Esta pesquisa foi apoiada, em parte, por verbas da Fundação Nacional de Ciên-
cia (GS-32065) e da Fundação Spencer. Fomos agraciados com comentários úteis
por parte de Amos Hawley, François Nielsen, John Meyer, Marshal Meyer, Jeffrey
Pfeffer e Howard Aldrich.
2
Existe uma relação sutil entre seleção e adaptação. A aprendizagem de adapta-
ção para indivíduos em geral consiste na seleção de respostas comportamentais.
A adaptação para uma população envolve a seleção de tipos de membros. De um
modo mais geral, os processos que envolvem seleção comumente podem ser re-
formulados em processos de adaptação, num nível mais elevado de análise. En-
tretanto, logo que se escolhe uma unidade de análise, não há mais ambigüidade
para distinguir a seleção da adaptação. As organizações muitas vezes se adaptam
em conjunto às condições ambientais, o que sugere um efeito sistêmico. Embora
poucos teóricos neguem a existência desses efeitos sistêmicos, a maioria não os
considera um tema central de interesse. É importante observar que, do ponto de
vista dos sociólogos, cujos interesses enfocam o sistema social mais amplo, a sele-
ção que favorece organizações com um conjunto de propriedades, em detrimento
de outras com outras propriedades é, muitas vezes, um processo de adaptação.
As sociedades e comunidades, formadas em parte de organizações formais, se
adaptam parcialmente por meio de processos que ajustam o conjunto dos vários
tipos de organizações encontrados dentro delas. Enquanto uma teoria completa
ou acabada sobre organização e ambiente teria de levar em conta tanto a adap-
tação como a seleção, reconhecendo que estas são processos complementares, o
nosso propósito aqui é mostrar o que pode ser aprendido com o estudo isolado
da seleção (veja Aldrich e Pfeffer [1976], para uma revisão sintética da literatura
que focaliza essas diferentes perspectivas).
3
A discussão de Meyer (1970) sobre o estatuto da organização fortalece o apoio
ao argumento de que esses acordos normativos alcançados no início da história
de uma organização limitam muito a extensão da adaptação organizacional às
restrições ambientais.
4
A expressão forma organizacional é usada amplamente na literatura sociológica
(veja Stinchcombe, 1965).
5
Nas aplicações biológicas, supõe-se que o poder (no sentido físico) é otimizado
pela seleção natural, de acordo com a assim chamada lei de Darwin-Lotka. Para
o caso da organização social humana, poder-se-ia argumentar que a seleção oti-
miza a utilização de um conjunto específico de recursos, incluindo o poder e o
tempo dos membros, mas não se restringindo a eles.
6
Em nosso modelo de competição, incluímos apenas o primeiro e o terceiro está-
gios de Hawley. Preferimos tratar a uniformidade de resposta e a diversidade da
comunidade como conseqüências das combinações de certos processos competi-
tivos e características ambientais.
7
Este assim chamado princípio tem acima de tudo valor sugestivo (veja MacAr-
thur [1972, p. 43-46] para uma crítica penetrante das tentativas de derivar im-
plicações quantitativas do princípio de Gause; a maior parte dessas críticas não
se aplica às inferências qualitativas que consideramos).
ças na forma. Este será quase certamente o caso, quando as organizações fundi-
das tiverem estruturas bem diferentes. Estes dados também indicam uma forte
vantagem seletiva para uma forma conglomerada de organização industrial.
Nota da Redação
Referências
Armen A. Alchian
Harold Demsetz
Introdução
* Artigo originalmente publicado sob o título “Production, information costs, and economic organi
zation”, de Armen A. Alchian e Harold Demsetz, em The American Economic Review, v. 62, n. 5,
p. 777-795, 1972. Publicado com autorização da American Economic Review. ©American Economic
Review/American Economic Association. Disponível em: <www.aeaweb.org/aer>.
de, nem ação disciplinar que seja minimamente diferente, em qualquer grau, da
contratação ordinária de mercado que ocorre entre duas pessoas. Eu, por exem-
plo, posso “punir” você somente pela sustação de negócios futuros ou pela bus-
ca de indenização na justiça por você não honrar nosso acordo de troca. É isso
exatamente tudo o que qualquer empregador pode fazer. Ele pode demitir ou
processar, tal como eu posso dispensar a mercearia, deixando de comprar dela
ou processá-la por vender produtos com defeito. Qual é, pois, o conteúdo desse
poder presumido de administrar e designar funcionários para várias tarefas? É
exatamente igual ao poder que tem um pequeno consumidor de administrar e re-
portar seu merceeiro a várias tarefas. O consumidor individual pode atribuir ao
dono da mercearia a tarefa de conseguir qualquer coisa que ele consiga levá-lo a
prover-lhe por um preço que seja aceitável a ambos. Isso é precisamente tudo o
que um empregador pode fazer para seu empregado. Falar de administrar, dirigir,
ou designar trabalhadores para várias tarefas é uma forma falaciosa de observar
que o empregador está continuamente envolvido na renegociação de contratos
em termos que devem ser aceitáveis a ambas as partes. Mandar um empregado
digitar esta carta em vez de arquivar aquele documento é como eu dizer ao dono
da mercearia que me venda esta marca de atum em vez daquela de pão. Assim
como não tenho contrato para continuar a comprar da mercearia, o empregador
ou o empregado não são obrigados por qualquer contrato a continuar a sua rela-
ção. Contratos de longo prazo entre empregador e empregado não são a essência
da organização chamada firma. O meu merceeiro pode contar com meu retorno
todos os dias, com minhas compras de seus bens e serviços, mesmo que os pre-
ços não estejam sempre estampados nas mercadorias – pois eu os conheço – e ele
adapta sua atividade para se ajustar às instruções que lhe passo quanto ao que
quero a cada dia... ele não é meu empregado.
Onde a relação entre o dono da mercearia e seu empregado é, então, diferen-
te da relação entre o dono da mercearia e seus clientes? A diferença está no uso
de uma equipe de membros (inputs) e na posição centralizada de um dos interes-
sados nos arranjos contratuais de todos os outros. É, pois, o agente contratual cen-
tralizado num processo produtivo por equipe – e não uma diretiva superior autori-
tária ou poder disciplinar. O que é exatamente um processo de equipe e por que
ele induz a forma contratual chamada firma? São esses problemas que motivam
a investigação deste artigo.
O problema da medição
Dois homens carregam juntos uma carga pesada para dentro de um cami-
nhão. Se observarmos somente a carga total carregada por dia, é impossível deter
minar a produtividade marginal de cada pessoa. Com a produção por equipe é
difícil – se observarmos unicamente o produto total – definir ou determinar a
contribuição de cada indivíduo para esse produto dos insumos (membros) co-
operantes. Por definição, o produto é construído por uma equipe, e não é uma
soma de produtos separáveis de cada um de seus membros. A produção de equipe
Z envolve pelo menos dois insumos, Xi e Xj , com ∂2Z/∂Xi∂Xj ≠ 0.4 A função pro-
dução não é separável em duas funções, cada qual envolvendo apenas insumos
A firma clássica
sugere que não são tanto os custos de negociar contratos espontaneamente nos
mercados entre os grupos, para uma produção de equipe, que exigem o tipo de
organização que está em jogo aqui, quanto é a verificação do desempenho dos
membros individuais da equipe.
O especialista que receber as recompensas residuais será o monitor dos mem-
bros da equipe (isto é, administrará o uso dos insumos cooperativos). O monitor
produz o seu ganho residual pela redução de gazeta que ele consegue obter, não
apenas pelos preços que ele concorda pagar aos donos dos insumos, mas tam-
bém pela observação e direcionamento das ações ou dos usos desses insumos. A
administração ou o exame das maneiras às quais os insumos são postos a uso na
produção por equipe é um método de medir a produtividade marginal dos insumos
individuais para o produto da equipe.
Para disciplinar os membros da equipe e reduzir a gazeta, o monitor residual
deve ter o poder de rever os termos contratuais e os incentivos dos membros in-
dividuais sem ter que dar fim ou alterar o contrato de cada um dos outros insu-
mos. Portanto, os membros da equipe que procuram aumentar sua produtividade
darão ao monitor não somente o direito de reclamante residual, mas também o
direito de alterar as filiações individuais à equipe e seu desempenho nela. Natu
ralmente, cada membro da equipe pode interromper sua participação (isto é, dei-
xar a equipe), mas somente o monitor pode cortar unilateralmente a vinculação
de qualquer outro membro, sem necessariamente dissolver a própria equipe ou
encerrar sua associação a ela; e somente ele pode expandir ou reduzir o número
de membros, alterar a composição de membros, ou vender o direito de ser o mo-
nitor-reclamante-residual da equipe. É todo este conjunto de direitos – viz.: (1)
ser o titular ou reclamante residual; (2) observar o comportamento do insumo;
(3) ser o elemento central e comum a todos os contratos com insumos; (4) alterar
a composição de membros da equipe; e (5) vender esses direitos – que define a
propriedade (ou o empregador) da firma clássica (capitalista ou de livre iniciati-
va). A conjunção desses direitos surgiu, segundo indica nossa análise, porque ela
resolve melhor o problema da produção por equipe – no que tange à informação
sobre gazeta – do que o arranjo contratual não centralizado.
A relação de cada membro da equipe com o dono da firma (isto é, o elemento
comum a todos os contratos de insumos e o reclamante residual) é simplesmente
um contrato de troca mútua de bens ou serviços. Cada um faz uma compra e uma
venda. O empregado “ordena” ao dono da equipe que o compense com dinheiro
da mesma forma que o empregador orienta o membro da equipe a realizar certos
atos. O empregado pode encerrar o contrato tão prontamente quanto o empre-
gador e, por isso, os contratos de longo prazo não são um atributo essencial da
firma. Da mesma forma, atributos autoritários, arbitrários ou de fiat não são re-
levantes para o conceito de firma ou de sua eficiência.
Em suma, há duas condições necessárias para o surgimento da firma, a par-
tir do pressuposto prévio de que elas – além da riqueza pecuniária – fazem parte
dução por equipe, e não com base na aversão menor a riscos de iniciativa numa
economia dinâmica. Conjeturamos que a “distribuição de risco” não é um funda-
mento racional válido para a existência e organização da firma clássica.
Embora tenhamos enfatizado que a produção de equipe cria uma tarefa onero
sa de medição e tenhamos tratado a produção por equipe como uma condição es-
sencial (necessária?) para a firma, não haveria outros obstáculos à medição bara-
ta que também exigiriam o mesmo tipo de arranjo contratual aqui caracterizado
como firma? Suponha-se, por exemplo, que um fazendeiro produza trigo numa
quantidade facilmente averiguada, mas com variações de qualidade sutis e difí-
ceis de se detectar, que são determinadas pelo modo como ele cultiva o trigo. A
integração vertical poderia permitir que um comprador controlasse o comporta-
mento do fazendeiro, a fim de estimar a produtividade de um modo mais econô-
mico. Mas esse não é um caso de produção conjunta ou por equipe, a menos que
a “informação” possa ser considerada parte do produto. (Embora se possa montar
um bom caso dessa concepção mais ampla de produção, vamos deixá-la de lado
aqui.) Em vez de formar uma firma, um comprador pode contratar um inspetor
para ficar no local de produção, exatamente da mesma forma que os construto-
res de casas contratam arquitetos para supervisionar os contratos de construção;
este arranjo não é uma firma. Ainda assim, poder-se-ia organizar uma firma para
a produção de muitos produtos sem envolver qualquer produção por equipe ou
por uso conjunto de recursos de propriedade distinta.
Essa possibilidade indica, de uma forma muito clara, uma abordagem mais
ampla ou complementar àquela que escolhemos. (1) Como fazemos neste artigo,
pode-se argumentar que a firma é um artifício de fiscalização particular utilizado
quando há produção por equipe. Se aparecerem outras fontes de custos de fisca-
lização elevados, como no caso do trigo, será usada uma outra forma de arranjo.
Assim, para cada fonte de custo informacional pode haver um tipo diferente de
arranjo contratual e de fiscalização. (2) Por outro lado, pode-se dizer que onde é
difícil fiscalizar mercados, são imaginadas várias formas de arranjos contratuais.
Mas não há razão para que a assim chamada firma se relacione exclusivamen-
te ou mesmo tenha alta correlação com a produção por equipe, como definida
aqui. Ele poderia ser usado também de forma provável e viável em outras fontes
com alto custo de fiscalização. Não analisamos de forma intensa outras fontes e
podemos apenas observar que a nossa conjectura atual e rapidamente revisável
é a de que a (1) é válida e nos levou a esta iniciativa. Em todo o caso, o teste da
teoria proposta aqui é ver se as condições que identificamos são necessárias para
que as firmas tenham viabilidade de longo prazo em vez de apenas nascimentos
com alta taxa de mortalidade infantil. As firmas conglomeradas ou conjuntos de
agentes isolados de produção reunidos numa única organização autônoma po-
dem ser interpretadas como um truste de investimento ou como um instrumento
de diversificação de investimentos – provavelmente em linha com o que motivou
a interpretação de Knight. Uma empresa holding pode se chamar firma, em vir-
tude da associação comum da palavra firma a qualquer unidade de propriedade
que possui fontes de renda. O termo firma, na forma como normalmente se usa,
está tão carregado de sentido que não podemos ter a esperança de explicar toda
entidade à que se associa este nome na literatura comum ou mesmo técnica. Em
vez disso, procuramos identificar e explicar um arranjo contratual particular in-
duzido pelo custo dos fatores de informação analisados neste artigo.
Tipos de firmas
Firmas socialistas
A corporação
tão fazendo um bom trabalho com a empresa. Não estamos comparando a capa-
cidade de resposta ou a responsividade da empresa com a de propriedade de um
dono só; pelo contrário, estamos indicando aspectos da estrutura corporativa que
são induzidos pelo problema da autoridade delegada a monitores de gestão.15
Os benefícios obtidos pela nova gestão são maiores se as ações puderem ser
compradas e vendidas, porque isso possibilita a capitalização de melhorias fu-
turas previstas em riqueza atual para os novos administradores que compraram
ações e criaram um capital maior por suas mudanças gerenciais. Mas em em-
presas sem fins lucrativos, faculdades, igrejas, clubes de campo, bancos de pou-
pança pública, companhias de seguro em grupo e “cooperativas”, as conseqüên-
cias futuras da gestão melhorada não são capitalizadas em riqueza atual para
os acionistas. (Para tornar por assim dizer mais difícil essa disputa entre novos
aspirantes a monitoria, ações múltiplas de propriedade não podem ser adquiri-
das por uma só pessoa nessas empresas.) Portanto, é de se esperar mais gazeta
ou desleixo em empresas de propriedade mútua e sem fins lucrativos. (Este fato
sugere que as empresas sem fins lucrativos são apropriadas nos campos de atu-
ação em que se deseja mais gazeta e menos usos redirecionados da empresa em
resposta a valores revelados pelo mercado.)
Parcerias
Sindicatos de trabalhadores
Todo membro de equipe preferiria uma equipe em que ninguém, nem mesmo
ele próprio, praticasse gazeta. Assim, os verdadeiros custos e valores marginais
poderiam ser equacionados para se alcançar posições mais elevadas. Se se pudes-
se promover o interesse comum sem gazeta em nome da lealdade ou do espírito
de equipe, a equipe seria mais eficiente. Nos esportes em que mais claramente
aparece a atividade de equipe cobra-se, de forma muito forte, o senso de lealdade
e o espírito de equipe. Obviamente, com espírito de equipe e lealdade, a equipe é
melhor, porque se tem menos gazeta – não porque haja algum outro aspecto ine-
rente à lealdade ou ao espírito em si.16
As empresas e firmas de negócios tentam instilar um espírito de lealdade.
Isso não deve ser visto simplesmente como um artifício para aumentar os lucros
via sobrecarga de trabalho ou tentativa de enganar os empregados, nem como
um anseio juvenil de ser membro de um grupo. Promove uma maior aproximação
em relação às verdadeiras taxas potencialmente disponíveis de substituição entre
produção e lazer e possibilita a cada membro da equipe conquistar uma situação
mais avançada. A dificuldade, naturalmente, é criar esse espírito de equipe e essa
lealdade em termos econômicos. Isso pode ser pregado com uma aura de código
moral de conduta – uma moralidade que tem literalmente a mesma base dos Dez
Mandamentos – para refrear a nossa conduta em relação ao que escolheríamos se
arcássemos com todos os nossos custos.
Até aqui a discussão examinou por que as firmas – como as definimos – exis-
tem. Isto é, por que existe um dono empregador que é a parte interessada comum
nos contratos com os outros proprietários de insumos na atividade de equipe? A
resposta a essa questão deveria também indicar o tipo de recursos que o monitor
proprietário central provavelmente utilizaria conjuntamente enquanto dono e o
tipo de recursos que provavelmente seria contratado de pessoas que não são do-
nos de equipe. Podemos identificar características ou traços dos vários insumos
que os fazem ser contratados ou ser de propriedade da firma?
Como pode o reclamante residual, o proprietário empregador central, demons
trar a capacidade de pagar aos outros insumos contratados a quantia prometida em
caso de prejuízo? Ele pode pagar adiantado ou pode consignar riqueza em volume
suficiente para cobrir saldos negativos. Esta última assumirá a forma de máquinas,
terra, edifícios ou matéria-prima consignada à firma. Considerando-se os direitos
de propriedade assistidos às pessoas, as consignações de riqueza em forma de tra-
balho (isto é, riqueza humana) são menos viáveis. Essas considerações sugerem que
os reclamantes residuais – os proprietários de firmas – serão investidores de equipa-
mento de capital passível de revenda em sua firma. Os bens ou insumos – em que
os proprietários da empresa mais provavelmente investirão, em vez de usarem por
aluguel – terão valores de revenda mais altos em relação ao custo inicial e terão ex-
pectativa de uso mais longa numa firma em relação à vida econômica do bem.
Mas, além desses fatores, há aqueles desenvolvidos acima para explicar a
existência da instituição conhecida como firma: os custos de detectar o desem-
penho da produção. Quando se utiliza um recurso durável, ele terá um produ-
to marginal e uma depreciação. Sua utilização exige um pagamento para cobrir
pelo menos a depreciação induzida pelo uso; a menos que esse custo do usuário
possa ser especificamente detectado, seu pagamento será cobrado de acordo com
a depreciação esperada. E podemos apurar as circunstâncias para cada caso. Um
martelo indestrutível, com um produto marginal facilmente determinável, tem
custo zero de usuário. Mas suponha-se que o martelo seja destruível e que seu
uso sem cuidado (que é mais fácil que seu uso com cuidado) seja mais abusivo
e cause maior depreciação do martelo. Suponha-se, além disso, que o abuso seja
mais fácil de detectar pela observação da maneira como ele é usado do que pela
observação do martelo somente depois de seu uso, ou pela medição da produção
obtida com o martelo pelo operário. Se o martelo fosse alugado e usado na au-
sência do proprietário, a depreciação seria maior do que se o uso fosse observado
pelo dono e o usuário fosse cobrado de acordo com a depreciação imposta. (O
uso descuidado é mais provável do que o uso cuidadoso – caso não se pague pela
depreciação maior.) Um proprietário ausente cobraria, portanto, uma taxa de
aluguel mais alta por causa do custo esperado maior do usuário do que se o item
fosse usado por ele mesmo. A expectativa é mais alta por causa da dificuldade
maior de observar o custo específico do usuário pela inspeção do martelo após o
uso. Portanto, o aluguel é, nesse caso, mais dispendioso do que o uso pelo pro-
prietário. Esse é o conteúdo válido das expressões enganosas de que a proprieda-
de é mais econômica do que o aluguel – ignorando-se todos os demais fatores que
possam funcionar em sentido oposto, como a provisão para impostos, ocupação
de curto prazo e a prevenção ao risco do capital.
Exemplos melhores são as ferramentas das profissões. Os relojoeiros, os enge-
nheiros e os carpinteiros tendem a ter suas próprias ferramentas, especialmente
se forem portáteis. É mais provável que os caminhões pertençam ao empregado
do que outros insumos igualmente caros de equipe, porque é relativamente bara-
to para o motorista fiscalizar os cuidados necessários ao uso de um caminhão. A
fiscalização do uso de caminhões feita por um proprietário não motorista é mais
provável de acontecer com veículos que não são especializados ou destinados a
um motorista exclusivo, como é o caso dos ônibus de transporte coletivo.
O fator que nos interessa aqui é o que se refere aos custos de monitoração
não apenas do desempenho bruto de produção de um insumos, mas também do
abuso ou da depreciação imposta sobre o insumos no curso de seu uso. Se a de-
preciação ou o custo do usuário pode ser detectado de uma forma mais barata
quando o proprietário puder ver seu uso do que apenas por ver o insumos antes
e depois, ele preferirá usá-lo a alugá-lo. Os recursos cujo custo de usuário é mais
difícil de detectar, quando usados por outros, tendem, por essa razão, a ser usa-
dos pelo dono. A propriedade ausente, na linguagem leiga, será menos provável.
Suponha-se momentaneamente que o serviço da mão-de-obra não possa ser rea-
lizado na ausência de seu proprietário. O dono da mão-de-obra pode monitorar
qualquer abuso seu de forma mais barata do que se, de alguma maneira, os servi-
ços laborais pudessem ser providos sem que o proprietário do trabalho observas-
se seu modo de uso ou soubesse o que estava acontecendo. Da mesma forma, o
incentivo para abusar de si aumenta se ele não é dono de si mesmo.17
A similaridade entre a análise precedente e a questão do senhorio ausente e
do arranjo de meeiros não é acidental. Os mesmos fatores que explicam os arran-
jos contratuais conhecidos como firma ajudam a explicar a incidência de proprie-
dade arrendada, a contratação de mão-de-obra ou os arranjos de meeiros.18
Resumo
Notas
1
Fiat é uma alusão à ordem divina da criação, no livro do Gênesis. Essa ordem é
incondicionada e por isso não é contingente (N. do T.)
2
Medir significa mensurar e também ratear ou dividir em partes proporcionais.
Pode-se medir (mensurar) o produto e pode-se também medir (controlar) o pro-
duto. Usamos a palavra para denotar os dois sentidos; o contexto indicará qual.
3
A riqueza de quem produz seria reduzida pelo valor presente capitalizado da
renda futura perdida com a perda de reputação. A reputação, isto é, a credibili
dade, é um ativo, o que equivale a dizer que a informação confiável acerca do de
sempenho esperado é um bem tão custoso quanto valioso. Por motivos de força
maior que interferem no desempenho do contrato, ambas as partes têm incen-
tivos para chegar a um acordo semelhante àquele que poderia ter sido logrado
se esses eventos tivessem sido cobertos por cláusulas contingenciais específicas.
A razão, novamente, é que a reputação por negociações “honestas” – isto é, por
ações semelhantes às que provavelmente teriam sido alcançadas, se o contrato
tivesse contemplado essa contingência – é uma riqueza.
Quase todo o contrato é flexível, no sentido de que muitas contingências não
são contempladas. Por exemplo, se um incêndio atrasa a produção de um produ-
to prometido por A a B, e se B argumenta que A não cumpriu o contrato, como se
resolve a controvérsia e que compensação, se houver, A vai conceder a B? Uma
pessoa leiga ou não iniciada nessas questões pode se surpreender com a extensão
em que os contratos permitem a ambas as partes evadir-se de seus compromis-
sos ou anular o contrato. De fato, é difícil imaginar algum contrato que, quando
tomado unicamente em termos de suas estipulações, não possa ser descumprido
por uma de suas partes. No entanto, esse é o tipo de contrato dominante, viável.
Por quê? A melhor discussão que vimos sobre esse assunto é, sem dúvida, a de
Steward Macauley.
Há meios, não somente para detectar ou prevenir a fraude, mas também para
decidir como alocar as perdas ou ganhos oriundos de eventos ou qualidade im-
previsíveis de itens trocados. Os contratos de venda incluem cartas de garantia
contra defeitos, garantias de reembolso, cauções, direitos de devolução e cláu-
sulas de penalidade por falhas específicas de funcionamento. Esses são meios
de reconhecer riscos de perda por fraude. Um preço menor sem garantia – uma
compra de um item “no estado em que está” – traz mais riscos para o comprador,
enquanto o vendedor compra seguro contra as perdas de sua “fraude”. Por outro
lado, uma garantia ou privilégio de devolução ou contrato de um serviço impõe
mais riscos ao vendedor com o seguro adquirido pelo comprador.
A função é separável em funções aditivas se a derivada parcial cruzada for igual
4
utilidade”. Para simplificar a exposição, o lazer representa toda a renda não pe-
cuniária.
7
Não suponha que o único resultado do custo de detectar a gazeta seja uma for-
ma de pagamento (mais lazer e menos dinheiro no bolso no fim do mês). Cada
um, entre os vários membros da equipe, tem um incentivo para fraudar cada um
dos outros ao se envolver acima da média com esse lazer, se o empregador não
for capaz de identificar, a custo zero, que empregado está gazeando acima da
média. Por conseqüência, toda a produtividade da equipe cai. Assim, os custos de
detecção da gazeta mudam a forma de pagamento e também resultam em recom
pensas totais menores. Como as derivadas parciais cruzadas são positivas, a ga-
zeta reduz os produtos marginais das outras pessoas.
O que se quer dizer com performance, ou desempenho? Energia de insumos,
8
socialista.
Sobre esse assunto, deve-se reconhecer também as investigações seminais de
10
equipe, esse será apenas um dos muitos fatores que determinam esse tamanho,
de forma que, à guisa de aproximação, podemos considerar que o tamanho da
equipe é exogenamente determinado. Com certas premissas sobre a forma da
função de utilidade “típica”, pode-se medir o incentivo para evitar gazeta com
compartilhamento desigual de lucros por meio do índice de Herfindahl.
O uso da palavra atuante será esclarecido em nossa discussão da corporação,
12
que se segue.
Alguns contratos de compartilhamento – como os de partição de colheita, ou os
13
são todos apenas ou parcialmente direitos sobre o “patrimônio próprio” sem po-
der de voto, muito embora possam ser convertidas em ações com esse direito.
Em suma, emana a relação investidor-acionista da divisão da propriedade en-
tre diversas pessoas, ou será que o fator subjacente é o conjunto de fundos de in-
vestimento de pessoas com previsões variantes? Se for este último o caso, por que
deveriam quaisquer deles ser entendidos como proprietários em quem deveriam
residir os direitos de voto, independentemente do que signifiquem e de como
possam ser exercidos, a fim de melhorar a eficiência? Por que haveria direitos de
voto para quaisquer investidores participantes de fora?
Nossa percepção inicial dessa diferença possivelmente significativa na inter-
pretação foi precipitada por Henry Manne. A leitura de seu artigo torna claro
que é difícil entender por que razão um investidor que deseja bancar e “compar-
tilhar” as conseqüências de algum novo empreendimento deva necessariamente
adquirir poder de voto (isto é, poder de mudar o administrador-operador) para
investir no negócio. De fato, investimos em alguns empreendimentos na espe-
rança de que nenhum outro acionista seja “tolo” a ponto de tentar defenestrar a
administração vigente. Desejamos que ela tenha o poder de se manter no posto
e compramos ações ordinárias sem direito a voto na expectativa de compartilhar
de sua fortuna. Nossa disposição de investir é aumentada pelo conhecimento de
que podemos agir legalmente via fraude, malversação e outras leis que ajudem a
assegurar que não sejamos explorados, enquanto investidores externos, além de
nossas previsões iniciais, já devidamente descontadas.
“Ligas esportivas”: os campeonatos ou torneios esportivos profissionais entre
16
equipes são tipicamente organizados e conduzidos por uma liga de equipes. Nós
supomos que os consumidores de esportes não estão interessados apenas em ha-
bilidade esportiva absoluta, mas também em habilidades em relação às outras
equipes. Ser ligeiramente melhor do que as equipes adversárias permite-nos rei-
vindicar uma porção maior das receitas; a equipe inferior não libera recursos nem
reduz custos, já que estes são esperados na prática do torneio. Portanto, a habili-
dade absoluta é desenvolvida para além da igualdade do investimento marginal
em habilidade esportiva com seu verdadeiro produto de valor marginal social.
Segue-se que haverá uma tendência a investir em excesso no treinamento de atle-
tas e no desenvolvimento de equipes. Aparece “gazeta reversa” quando jogadores
jovens são induzidos a uma excessiva prática hiperativa em relação ao valor mar-
ginal social de suas habilidades superiores. Para evitar o investimento excessivo,
as equipes procuram fazer acordos umas com as outras para restringir a prática,
o tamanho das equipes e até o pagamento dos membros do time (o que reduz
os incentivos das pessoas jovens no sentido de se excederem no investimento em
desenvolvimento de habilidades). Em termos ideais, se todos os times que dis-
putam o campeonato pertencessem a um único dono, evitar-se-ia o investimento
excessivo em esportes, da mesma forma que a propriedade de pesqueiros comu-
nais, ou de petróleo subterrâneo, ou de reservas de água evitaria os excessos de
aos atletas “às expensas do dono da equipe”, no caso em que os serviços futuros
dos atletas pertencem ao dono da equipe, com o tipo em que os valores futuros
dos serviços laborais pertencem ao próprio atleta. Por que os serviços atléticos fu-
turos dos atletas pertencem aos donos dos times, em vez de serem por eles contra-
tados, é uma questão que deveríamos ser capazes de responder. Uma presunção é
a cartelização e ganhos de monopsônio para os donos de equipes. A outra é exata-
mente a teoria que está sendo exposta neste artigo – os custos de monitoração da
produção de atletas; não sabemos em qual das duas devemos confiar.
A análise usada por Cheung para explicar a prevalência de acordos de meação e
18
Nota da Redação
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Introdução
Mencionou-se na introdução do primeiro módulo deste livro (Caldas, 2005)
que os mapeamentos abrangentes do campo de estudos organizacionais revelam
consistentemente que, dentre os quatro paradigmas sociológicos do modelo de
Burrell e Morgan (1979), o funcionalismo – marcado pelo objetivismo e por uma
sociologia focada na regulação – tem constituído por muitas décadas a “ortodo-
xia” na pesquisa científica da área.
Também já se apontou nesta série que o funcionalismo continua a expandir
sua hegemonia até hoje no campo de estudos organizacionais, em boa parte de-
vido à representatividade institucional do mainstream norte-americano, inclusive
no Brasil, como mostram diversas revisões, mapeamentos e análises bibliométri-
cas a esse respeito (por exemplo, Bertero et al., 2005; Vergara; Carvalho, 1995;
Machado-da-Silva et al., 1990). O que tais retratos da produção acadêmica brasi-
leira deixam evidente é, por um lado, um histórico apego ao funcionalismo como
fonte praticamente hegemônica de alicerce epistemológico e, por outro, focos de
resistência a essa tendência que se dividem fundamentalmente em duas vertentes
contrárias à predominância funcionalista: o interpretacionismo, que cresce desde
o final da década de 1970, e os referenciais críticos e pós-modernos, que se ex-
pandem principalmente após o final da década de 1980.
Com a predominância do funcionalismo como fundação epistemológica da
nossa pesquisa e da educação de docentes, produziu-se no Brasil uma geração de
pesquisadores e educadores em estudos organizacionais que tiveram acesso res-
Realismo e idealismo
Para nos dar lições preliminares de filosofia, Morente (1980) conduz toda a
sua argumentação orientada pela seguinte questão: o que é o que existe? Apresen
ta diferentes respostas de diferentes filósofos, inclusive as dos racionalistas e as
dos idealistas. Para os primeiros, iluminados por Aristóteles, a resposta é dada
pelo conhecimento advindo da lógica, da matemática e da física. Põem ênfase na
razão, na problemática do método e na crítica. As coisas formadas pelo mundo
formam o conjunto das coisas reais. Para os idealistas, a resposta é outra. O que
existe é o absoluto, o incondicionado, o espiritual, que se manifesta fenomenolo-
gicamente. A Kant (1724-1803) muito se deve da elaboração desse pensamento,
pois é de sua ontologia e epistemologia que os filósofos pós-kantianos partem,
embora em muitos aspectos possam dele se afastar e até negá-lo (Burrell; Mor-
gan, 1979; Marcondes, 1997). Tais filósofos conformam o idealismo alemão pós-
kantiano, cujos expoentes são Johann Fichte (1762-1814) e Friederich Schelling
(1775-1854). Ao idealismo eles se referem como transcendental, subjetivo e abso
luto. Fichte busca superar a dicotomia sujeito-objeto, unificando o mundo do sen
sível e o do inteligível e justificando a existência de um objeto sobre o qual recai a
ação, essência do eu. Diferentemente de Fichte, Schelling assevera que a essência
do eu é a harmonia, a identidade, a síntese dos contrários. Esses filósofos abando
nam a crítica e a fundamentação do conhecimento, características do racionalis-
mo moderno, e buscam superar os limites daí advindos, pela intuição e pela expe
riência estética (Abbagnano, 1970; Marcondes, 1997; Morente, 1980).
Os racionalistas e os idealistas têm servido de suporte ao estudo das organiza
ções. Os primeiros, iluminando o funcionalismo, tão caro à prática da Administra
ção, bem como pesquisas cuja metodologia é amparada pelos pressupostos
positivistas. Os idealistas, por seu turno, têm iluminado reações ao funcionalis-
mo/positivismo. Veja-se, por exemplo, os trabalhos de David Silverman, de Karl
Weick e os da linha marxista. Silverman, em The Theory of Organization (1971),
apresenta uma teoria com enfoque subjetivista, orientada para uma interpreta-
ção da ação humana. Weick, cuja influência em estudos organizacionais tem sido
expressiva, argumenta em sua clássica obra The Social Psychology of Organizing
(1969) que as organizações são processos de natureza dinâmica e fluida. Tais
processos, produzidos pela interação humana, mudam cooperativa e conflitante-
mente. Organizações são verbos, não substantivos.
Paradigma interpretacionista
o que é a realidade para elas. Como se baseia no fato relatado, a fala das pessoas
assume relevância na etnometodologia. A modificação do ambiente e a busca de
teorização não é preocupação desse estudo (Haguette, 1987).
O interacionismo simbólico tem suas origens no trabalho de George Herbert
Mead (1863-1947), porém esse termo (interacionismo simbólico) foi cunhado
por Herbert Blumer, seguidor de Mead (Blumer, 1986). Ao de Blumer se contra-
põe o trabalho de Manford Kuhn. O primeiro personifica a Escola de Chicago e
o segundo, a de Iowa (Fine, 1993; Haguette, 1987). Embora os dois pensadores
discordem em termos de campo metodológico e níveis de interação simbólica,
eles têm em comum a crença segundo a qual a pessoa age em relação a algo –
pessoas ou coisas –, com base nos significados que esse algo tem para ela. Tal
significado não só se origina de algum tipo de interação social, como também é
estabelecido e modificado pela interpretação das pessoas sobre outras pessoas e
coisas (Blumer, 1986; Bryman, 1995). As situações de interação são construções
fenomenológicas (Denzin, 1983). O interacionismo simbólico sublinha o aspecto
subjetivo do comportamento humano presente no grupo social e tem como prin-
cípio fundamental que pessoas, individual ou grupalmente, existem em ação. É o
organizing, de que nos fala Weick.
Burrell e Morgan (1979, p. 271) apresentam a sutil diferença entre a etnome
todologia e o interacionismo simbólico. Ela diz respeito ao grau de atenção dado
à maneira segundo a qual a realidade é negociada por meio da interação. A etno
metodologia geralmente focaliza o modo como os indivíduos se responsabilizam
por seu mundo e lhe dão um sentido. O interacionismo simbólico focaliza o con-
texto social no qual os indivíduos, ao interagir, empregam uma variedade de prá-
ticas para criar e manter definições particulares do mundo; realidades e fatos são
criações sociais.
No escopo do interpretacionismo, o interacionismo simbólico tem sido consi-
derado de grande importância. Incluem-se nessa corrente de pensamento os estu-
dos organizacionais que buscam desvendar as ações, os sentidos que orientam as
ações, a interação social da qual emergem os sentidos e as formas como as pessoas
interpretam as coisas e, com base nessa interpretação, modificam os sentidos.
Em termos metodológicos, o interacionismo simbólico se vale da observa-
ção simples ou participante, de entrevistas individuais ou grupais, de histórias
de vida, de cartas, diários, de painéis de discussão, de conversas, de documentos
públicos. O estudo de caso também lhe é pertinente (Godoy, 1995; Maines, 1977;
Mendonça, 2001; Stryker, 1987).
Para concluir
Morente, que invocamos no início deste texto, nos provoca: o que é o que exis-
te? Podemos perguntar: o que é uma organização? Empaticamente nos colocan
23/10/2007 12:57:39
232 Teoria das Organizações • Caldas e Bertero
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Richard L. Daft
Karl E. Weick
Introdução
Imagine o Jogo das 20 perguntas. Normalmente, nesse jogo, uma pessoa sai
da sala e as demais escolhem uma palavra que essa pessoa deve adivinhar quan-
do retornar, sendo que a única dica dada sobre a palavra é que ela se refere a um
animal, vegetal ou mineral. No esforço de adivinhar qual é a palavra, a pessoa que
tenta descobri-la pode fazer até 20 perguntas, que podem ser respondidas com um
sim ou um não. Cada pergunta destina-se a fornecer uma nova informação acerca
da palavra correta. Em seu conjunto, as perguntas e as respostas constituem o pro-
cesso pelo qual a interpretação é elaborada pela pessoa que deve deduzir.
As organizações praticam o Jogo das 20 perguntas. Elas têm limites de tempo
e de perguntas e se empenham a fundo para conseguir a resposta. A resposta é
descobrir o que os consumidores desejam que as outras organizações não provi-
denciam; é descobrir que existe um mercado para biscoitos de cachorro, patins
de rodas, grupos de encontro, esferográficas de tinta que pode ser apagada ou
crescimento populacional zero. Muitas organizações presumem que haja uma
resposta correta para o quebra-cabeça de 20 perguntas. Elas sondam o ambien-
Pressupostos operacionais
Definição de interpretação
eventos, dando atenção a alguns deles, ignorando a maior parte deles e conver-
sando com outras pessoas para ver o que elas estão fazendo (Braybrooke, 1964).
A interpretação é o processo de tradução desses eventos, de desenvolvimento de
modelos para compreendê-los, de desvendamento de sentido e de montagem de
esquemas conceituais entre os gestores-chave.
O processo de interpretação nas organizações não é simples nem bem en-
tendido. Há muitas imagens de interpretação na literatura, como sondagem,
monitoramento, produção de sentido, interpretação, entendimento e aprendi-
zagem (Duncan; Weiss, 1979; Hedberg, 1981; Weick, 1979; Pfeffer; Salancik,
1978). Esses conceitos podem ser organizados mais ou menos em três estágios
que constituem o processo global de aprendizagem, como se vê na Figura 1. O
primeiro estágio é o rastreamento, que é definido como o processo de monitorar
o ambiente e de prover dados ambientais para os gestores. O rastreamento diz
respeito à coleta de dados. A organização pode usar sistemas formais de coleta
de dados, ou os gestores podem adquirir dados sobre o ambiente por meio de
contatos pessoais.
Na Figura 1, a interpretação acontece no segundo estágio. Nessa etapa, atri-
bui-se sentido aos dados. Aqui se envolve a mente humana. Compartilham-se
percepções e constroem-se mapas cognitivos. Forma-se uma espécie de coalizão
informacional. A organização vivencia a interpretação quando se apresenta ou
introduz um novo construto em seu mapa cognitivo coletivo. A interpretação or-
ganizacional é definida formalmente como o processo de traduzir eventos e de
desenvolver um entendimento compartilhado e esquemas conceituais entre os
membros da administração superior. A interpretação dá sentido aos dados, mas
isso ocorre antes da aprendizagem e da ação da organização.
A aprendizagem, como terceiro estágio, distingue-se da interpretação pelo
conceito de ação. A aprendizagem envolve uma resposta ou ação nova com base
na interpretação (Argyris; Schon, 1978). A aprendizagem organizacional é defi-
nida como o processo pelo qual se desenvolve o conhecimento sobre as relações
do resultado da ação entre a organização e o ambiente (Duncan; Weiss, 1979).
A aprendizagem é o processo de colocar as teorias cognitivas em ação (Argyris;
Schon, 1978; Hedberg, 1981). A interpretação organizacional é análoga à apren-
dizagem de uma nova habilidade por parte de um indivíduo. O ato de aprender
também proporciona novos dados para interpretação. O feedback das ações orga-
nizacionais pode propiciar novos insights coletivos para os membros da coalizão.
Assim, os três estágios são interconectados pelo elo de feedback na Figura 1.
A Figura 1 e as definições de rastreamento, interpretação e aprendizagem
simplificam processos complexos de forma excessiva. Fatores como crenças, polí-
tica, objetivos e percepções podem complicar o ciclo de aprendizagem organiza-
cional (Staw, 1980). O propósito da Figura 1 é ilustrar a relação da interpretação
em relação ao rastreamento e à aprendizagem, como base para um modelo de
interpretação organizacional.
Rastreamento Interpretação
Aprendizagem
(coleta (dados dotados
(tomada de ação)
de dados) de sentido)
Enquanto ele está fora, os outros jogadores decidem mudar as regras. Eles
não selecionam palavra alguma; em vez disso, cada um deles responderá
“sim” ou “não” conforme lhe apraz – desde que tenha em mente uma pala-
vra que corresponda tanto à sua própria resposta como a todas as respostas
anteriores. O jogador ausente retorna e, sem suspeitar, começa a fazer per-
guntas. Finalmente, ele arrisca um palpite: “A palavra é ‘nuvens’?” – “Sim”,
vem a resposta, e os jogadores explicam o jogo (Newsweek, 1979, p. 62).
A intrusão organizacional
O modelo
Com base na idéia de que as organizações podem variar em suas crenças so-
bre o ambiente e em suas intromissões no ambiente, elas podem ser categoriza-
das de acordo com modalidades de interpretação. As duas dimensões subjacentes
são usadas como base para o modelo de sistema de interpretação apresentado no
Quadro 1, que descreve quatro categorias de comportamento interpretativo.
A organização de tipo criadora (enacting) reflete ao mesmo tempo uma estra
tégia intromissiva e uma presunção de que o ambiente não é analisável. Essas
organizações constroem seus próprios ambientes. Elas reúnem informações, ten-
tando novos comportamentos e observando o que acontece. Elas fazem experi-
mentos, testam e simulam, e ignoram os precedentes, as regras e as expectati-
vas tradicionais. Este tipo de organização se torna altamente ativa, talvez por
acreditar que ela deva ser assim para ser bem-sucedida. Ela tende a desenvolver
e comercializar um produto, como as máquinas Polaroid, com base no que ela
pensa que pode vender. Uma organização pensada segundo essa modalidade de
interpretação tende antes a construir mercados do que a esperar por uma avalia
ção da demanda que lhe diga o que produzir. Essas organizações, mais que as
outras, tendem a exibir o comportamento de criação (enactment) descrito por
Weick (1979).
presumem que o ambiente não é analisável. Os gestores atuam com base em in-
formações tênues, limitadas, para criar o ambiente que percebem. Essas organi-
zações não são condicionadas por sistemas de gestão formais em seu interior e
estão abertas a uma variedade de indícios sobre o ambiente que provêm de mui-
tas fontes. Nessas organizações, os gestores se assemelham aos encontrados por
Aguilar (1967), que confiavam nas informações obtidas em contatos pessoais e
em encontros causais de informação. Fahey e King (1977) também descobriram
que algumas coletas de informação organizacional eram irregulares e se basea-
vam em oportunidades fortuitas.
As modalidades de visão condicionada e de visão não dirigida são ilustradas
com exemplos de empresas de vestuário na Inglaterra (Daft; Macintosh, 1978).
Essas empresas desenvolveram diferentes sistemas de interpretação no decorrer
do tempo, embora estivessem numa indústria semelhante. A administração de
cúpula, na organização de visão condicionada, usava um sistema de coleta de da-
dos para registrar, de forma rotineira, coisas como condições econômicas, vendas
passadas e previsão do tempo. Esses dados eram utilizados para prever vendas e
programar a produção. Esses sistemas se desenvolveram ao longo dos anos e eram
usados rotineiramente para interpretar os problemas que ocorriam. A outra em-
presa coletava informação por meio de contatos pessoais com alguns poucos com-
pradores, vendedores e informantes em empresas distintas. Os gestores também
visitavam algumas lojas para observar e discutir de uma maneira casual o que pa-
recia atrair vendas. Essa empresa usava a visão não dirigida. A interpretação se
baseava em vários indícios subjetivos que porventura estivessem disponíveis.
Também se podem ilustrar os estilos de interpretação pelas relações entre as
empresas e seus acionistas (Keim, 1981). Poucas empresas influenciam e mol-
dam ativamente as atitudes do acionista. A organização de visão criadora (enac-
ting) pode tentar manipular as questões ambientais, os candidatos políticos ou as
percepções dos acionistas em seu favor, enviando-lhes informações por meio de
várias mídias. As empresas centradas na descoberta permanecem ativamente em
contato com os acionistas para saber o que eles pensam, e conduzem levantamen-
tos ou utilizam outros artifícios para descobrir atitudes. Algumas empresas admi-
nistram as relações com o acionista por meio de transações rotineiras de dados
(votações de acionistas, expedição de cheques de dividendo), o que é típico de
sua visão condicionada. Finalmente, algumas confiam em contatos pessoais in-
formais com os acionistas (visão não dirigida). Os gestores usam todas as oportu-
nidades que aparecem (encontros anuais, contatos telefônicos sobre reclamações
e perguntas) para conhecer as opiniões dos acionistas e dar-lhes satisfação.
O modelo pode ser completado pela realização de predições sobre outras ca-
racterísticas organizacionais associadas às modalidades de interpretação. As pre-
Características do rastreamento
organização de visão criadora (enacting) também usará dados que de certa forma
são irregulares e ela representará um feedback sobre iniciativas ambientais sele-
cionadas. Segundo um padrão geral observável entre as organizações, as infor-
mações sobre o ambiente são mais regulares quando o ambiente é analisável e há
mais estudos e informações disponíveis quando a organização é ativa na aquisi-
ção de informações.
Processo de interpretação
que circular entre os membros antes que se chegue a uma interpretação comum.
Quanto menor for a equivocidade, menos ciclos serão necessários. Os números de
regras e ciclos de montagem tendem a ser inversamente relacionados.
As organizações de visão não dirigida, que recebem informação equívoca,
terão poucas regras, mas usarão muitos ciclos durante o curso de montagem da
interpretação. Em contraste, os gestores de uma organização de visão dirigida re-
cebem informação inequívoca, que será tratada de acordo com inúmeras regras,
mas são poucos os ciclos necessários para se chegar a um entendimento comum.
A organização descobridora também usará muitas regras, embora possa ser ne-
cessário um número moderado de ciclos por causa de alguma equivocidade pre-
sente nos relatórios e dados apresentados aos gestores. A equivocidade na inter-
pretação do sucesso das iniciativas na organização de criação estará associada ao
número moderado de regras de montagem e ciclos de informação.
dades e são aplicados, a menos que irrompa uma verdadeira crise. As crises são
raras, mas, se ocorrer alguma, os gestores reagirão com uma busca problemística
(problemistic search) (March; Simon, 1958). A busca problemística significa que
a organização realiza uma pesquisa local em seu banco de memória imediato em
busca de uma solução. Somente depois de respostas tradicionais exaustivas, a or-
ganização avança para algum tipo de resposta nova.
Implicações
Pesquisa organizacional
Talvez o processo de interpretação seja tão familiar que ele é tido como dado
e inquestionável, o que pode explicar por que se tem feito tão pouca pesquisa so-
bre essa questão. Mas a interpretação pode ser uma das mais importantes funções
que as organizações desempenham. De fato, a segunda implicação de pesquisa
da perspectiva do sistema de interpretação é que as atividades de rastreamento e
produção de sentido estão no centro das coisas. Quase todas as atividades organi-
zacionais, de uma forma ou de outra, estão sujeitas à interpretação. Por exemplo,
um dos princípios mais amplamente sustentados na teoria das organizações é o
de que o ambiente externo há de influenciar a estrutura e o design organizacional
(Duncan, 1972; Pfeffer; Salancik, 1978; Thug, 1979). Mas essa relação só pode
ser manifestada se os participantes que estão na organização perceberem e inter-
pretarem o ambiente e responderem a ele. Quase todos os resultados em termos
de estrutura e design organizacional, causados ou não pelo ambiente, pela tecno-
logia ou pelo tamanho, dependem da interpretação dos problemas ou das opor-
tunidades que os tomadores de decisão situados em posições-chave realizarem.
Quando a interpretação acontece, a organização pode formular uma resposta.
Muitas atividades nas organizações – iniciadas ou acionadas via estrutura, toma-
da de decisão, formulação de estratégias, aprendizagem organizacional, estabe-
lecimento de objetivos, ou inovação e mudança – podem estar ligadas à modali-
dade de interpretação do ambiente externo.
O paradoxo é que a pesquisa sobre as relações entre estrutura e ambiente dá
escassa atenção à interpretação. Trata-se de uma questão que parece crucial para
explicar por que a forma organizacional produziu tão pouca pesquisa sistemáti-
ca. Um dos valores do modelo proposto aqui é, pois, a introdução de um modelo
de interpretação e de um conjunto de relações que poderão ser pesquisadas em
termos empíricos no futuro.
Gestão
Conclusão
idéias propostas neste artigo sugerem um novo ponto de vista – talvez um certo
ponto de partida – a partir do qual se possam interpretar a riqueza e a complexi-
dade da atividade organizacional.
Nota
Nota da Redação
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Introdução
∗ Artigo originalmente publicado sob o título “The sad demise, mysterious disappearance, and
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Copyright © 1993 by Annual Reviews Inc. Todos os direitos são reservados.
tumava ser. Ela ocupa hoje, na sociologia, um lugar muito diferente daquele de
há 20 anos, quando era rotulada “oposição leal” (Mullins, 1973) – uma postura
prontamente reconhecível como qualitativa, micro, subjetivista e sociopsicológi-
ca. Tal visão sugeria que o interacionismo era antes “meramente” reativo do que
capaz de criar uma nova visão. Qual é o lugar da interação simbólica na sociolo-
gia contemporânea, e qual é o papel que dela se espera no futuro?
Fragmentação
Expansão
Incorporação
Adoção
ou mesmo que eles sempre reconhecem de onde vêm suas idéias, mas que, cada
vez mais, os construtos interacionistas estão integrados ao corpo do pensamento
sociológico.4 Com certeza, algumas dessas coisas envolvem “a nova síndrome de
Colombo”, dando novos nomes ao que já existiu anteriormente, mas em outros
casos os autores estão bem conscientes de seu débito. Saxton (1989) argumenta
com vigor que os autores interacionistas têm uma epistemologia científica social
que resolve problemas genéricos de análise no período pós-positivista. Os con-
textualistas e construtivistas na psicologia social (Gergen, 1982; Shotter, 1986;
Rosnow; Georgeourdi, 1986) e os novos etnógrafos e teóricos interpretacionistas
da antropologia (Clifford; Marcus, 1986; Geertz, 1980), a despeito de suas di-
vergências, descobriram uma tradição epistemológica semelhante àquela que os
interacionistas simbólicos estavam desenvolvendo há meio século. De maneira
análoga, a revolução na teoria das comunicações absorveu muito da análise inte-
racionista (Carey, 1989).
O apelo dos conceitos interacionistas embaçou ainda mais a fronteira entre
os que são e os que não são interacionistas. Com essas idéias tão amplamente dis-
persas, pode-se afirmar que o interacionismo, como uma perspectiva sociológica
definida, está em perigo, mesmo em seu período de maior triunfo. As páginas dos
catálogos de livros e dos periódicos mais importantes estão cheias de uma lite-
ratura compatível com o interacionismo, mas que não se identifica com ele; são
exemplos as teorias fundadas nos escritos de Bakhtin, Foucault e Derrida. Com
uma perspectiva tão fragmentada por dentro e com tantos outros se aproprian-
do dela, está se estreitando a diferença entre os que se auto-identificam com o
interacionismo e os muitos outros que não o fazem, embora aceitem premissas
interacionistas básicas.
Debates interacionistas
O debate macro–micro
O debate agência/estrutura
prometidos podem ser uma leitura desconfortável, mas se moldam aos requisitos
da fenomenologia social: captar a experiência vivida.
land, 1984), focalizou a maneira como os atores sociais administram seus de-
sempenhos em seus aspectos verbais, paraverbais e não verbais. Até mesmo nos
seus escritos iniciais, Goffman enfatiza que as emoções são estratégicas e que os
atores sociais são socializados em seu uso. As emoções estão ligadas ao trabalho
de identidade (Snow; Anderson, 1987; Clark, 1987). Da mesma forma que os in-
divíduos selecionam as emoções a serem mostradas, assim também outros atores
podem delimitar a propriedade de certas emoções, como o pesar, por exemplo
(Rosenblatt, 1988; Lofland, 1985). As demandas organizacionais e os papéis ocu-
pacionais modelam a forma em que as pessoas expressam a emoção e, às vezes,
podem até mesmo afetar a maneira como elas se sentem (Hochschild, 1983; Zur-
cher, 1985; Gubrium, 1992). Nesse sentido, as emoções são um comportamento
aprendido e são controláveis, e existem “regras de sentimento” que determinam
quando e que emoções serão exercidas.
Construcionismo social
dados por um universo fixo em termos temporais, mas são construídos em termos
sociais, com o significado simbólico correspondente. Assim, igualmente, construí
mos a memorização dos acontecimentos e das pessoas (Schwartz, 1987; Wag-
ner-Pacifici; Schwartz, 1991), que podem ser a fonte de dramas (Gross, 1986),
de identificação comunitária (Billig, 1991), de discórdia (Gregory; Lewis, 1988)
e de individualidade ou self (Davis, 1979). Potencialmente, tudo está à mercê de
quem quiser lançar mão; que, de fato, nem tudo está, deve-se ao caráter obstina-
do da estrutura, do poder e dos significados sedimentados.
gia, mas em nenhum lugar de forma mais significativa do que na pesquisa do self.
Dado o argumento freqüente, embora não universal, de que o gênero é construí
do socialmente (Kaufman, 1991; Krieger, 1983), a sociologia feminista é uma
aliada natural do interacionismo (veja Deegan; Hill, 1987).
O self é gerado por meio da retórica e das histórias contadas pela própria
pessoa (Denzin, 1987; Miller, 1991) ou por outros (Adler; Adler, 1991, cap. 6) e
da manipulação de outros símbolos (Schwalbe, 1983). A criação literária do self
tornou-se proeminente na literatura interacionista (Richardson, 1992; Rambo
Ronai, 1992). O self é o texto. Alguns fazem uma ligação jocosa do “I” de Mead
com “irony” (Tam, 1984). A construção simbólica, verbal, literária do self é um
dos pólos da abordagem interacionista ao self.
Um segundo pólo é a teoria da identidade, que concorda que o self é construí
do, mas, em vez de ver essa construção como uma criação, o self é construído por
ajustamento. O problema consiste em que o ator adeque o seu self ao caráter do-
minante da situação ou estrutura, ajustando-o a uma realidade obstinada (Bro-
wn, 1991). Isso se compara às ênfases na teoria do controle do afeto. Assim como
nesta, a teoria da identidade pode ser testada por intermédio de técnicas expe-
rimentais e de questionários. Teóricos como Stryker (1980) e Rosenberg (1979)
tentam especificar o processo previsível pelo qual acontecem a construção do pa-
pel e as mudanças na auto-imagem. Outros, como Ralph Turner, Viktor Gecas e
Louis Zurcher, examinam a fluidez dos construtos de papel, enquanto admitem
que essas individualidades (selves) “mutáveis” (Zurcher, 1977) possuem estabili-
dade temporal, institucional e espacial.
Todos os interacionistas – por mais diversos que sejam seus fundamentos teóri-
cos, suas opções metodológicas e pressupostos sobre o nível apropriado de estabili-
dade e reificação – concordam que o self não é um objeto que possui um significa-
do inerente, mas um construto a que o ator dá sentido por meio de suas escolhas,
mediadas que são pelas relações, situações e culturas em que ele está imerso.
Macrointeracionismo
A acusação mais fácil sempre foi a de que a interação simbólica era uma pers-
pectiva microssociológica, sem interesse na estrutura, ou crença no poder das
organizações e instituições e sem construtos para examinar essas questões (Mai-
nes, 1988; Strauss, 1991; Hall, 1987). Conforme foi observado anteriormente,
quando se tratou de debate macro–micro, essa acusação sempre foi enganosa,
porquanto Blumer (1969), por exemplo, regularmente se referia em seus textos
a “unidades atuantes”, e não a atores. Recentemente, contudo, os interacionistas
discorreram de forma mais consciente sobre questões macrossociológicas, usan-
do o nível intermediário da meso-estrutura.
Essa ênfase ganhou proeminência no influente artigo de survey de David Mai-
nes (1977) na Annual Review of Sociology, intitulado “Social organization and social
structure in symbolic interactionist thought”, que enfatiza a tradição interacionista
do interesse pela estrutura, pelas organizações e pelas instituições (veja Overing-
ton; Mangham, 1982). Os conceitos de ordem negociada (Kahne; Schwartz, 1978),
restrição (Denzin, 1977; Farberman, 1975), rede (Fine; Kleinman, 1983; Faulkner,
1983), atividade coletiva (Becker, 1982; Gilmore, 1988) e significado simbólico
(Schmitt, 1991; Manning, 1992) proporcionam uma entrée à macroanálise.
Uma perspectiva compatível foi desenvolvida por teóricos organizacionais
que reconhecem a importância da experiência existencial de viver em organiza-
ções (DiMaggio; Powell, 1991; Hodson, 1991) e os efeitos das redes de signifi-
cado e de cultura na vida organizacional (Pfeffer, 1981; Ouchi; Wilkins, 1985).
Alguns teóricos organizacionais sugerem que as organizações são caracteriza-
das por sistemas “frouxamente acoplados” (Weick, 1976), são fundamentalmente
anárquicas (Cohen et al., 1972) e têm culturas reconhecíveis (Zucker, 1977; Ka-
mens, 1977). O fato de os atores serem “corporativos”, no sentido de que repre-
sentam posições ou agências, não significa que a perspectiva interacionista sobre
a ação social é irrelevante. O fato de que estas são “pessoas simbólicas” torna a
perspectiva dramatúrgica e interpretativa mais poderosa, caso se admita que es-
ses atores são motivados pelo gerenciamento da impressão corporativa e limita-
dos pelas estruturas organizacionais.
Enquanto, por um lado, os interacionistas têm muito a ganhar com a abertu
ra de sua abordagem à análise política e econômica dos sistemas sociais (veja,
porém, Burawoy, 1979; Smith, 1991), existe um poderoso argumento, por outro
lado, de que os campos organizacionais (Strauss, 1982) são estruturados por
meio da negociação simbólica e que, por conseqüência, há pouca diferença de
negociações de pequena escala. Por fim, uma organização econômica localiza-
da – um mercado de vendedores e compradores – tem sua origem nas condições
estruturais em que está imersa. Embora estejam, aparentemente, muito distantes
do exame dos sistemas de interação, todos os sistemas de larga escala estão, em
última análise, fundamentados nos construtos simbólicos que os indivíduos usam
para enfrentar sua realidade local.
Declínio
Desaparecimento
Triunfo
Nota da Redação
Notas
1
Há inúmeras histórias sobre o desenvolvimento do interacionismo simbólico
e sua ligação com a escola de sociologia de Chicago (veja, por exemplo, Fisher;
Strauss, 1978; Harvey, 1987; Lewis; Smith, 1980).
2
A interação simbólica foi declarada extinta anteriormente, de forma mais notó-
ria na infame alegação – segundo os interacionistas – de Nicholas Mullins (1973,
p. 98) de que a influência do interacionismo simbólico “chegara ao fim”. Institu-
cionalmente, a interação simbólica, com seus diversos periódicos e sua vibrante
organização – a Society for the Study of Symbolic Interaction, fundada em resposta
ao obituário de Mullins e à dura crítica de Huber (1973) –, está muito viva.
Isso não significa que não haja interacionistas interessados nesses tópicos “fora de
3
moda”, mas antes que agora há menos interesse neles do que já houve no passado.
4
Deve-se admitir que alguns estudiosos entendem que a disciplina está dividida
em campos hostis (por exemplo, Lofland, 1990). Analiso a mesma evidência e
vejo uma condição mais pastoral. Em termos interacionistas de verdade, não exis-
te uma condição “verdadeira”, mas um conjunto de preferências analíticas.
Agradecimento
Agradeço a Carl Couch, Fred Davis, Norman Denzin, Jaber Gubrium, Lori
Holyfield, Michael Katovich, Sherryl Kleinman e John Lofland por seus comentá-
rios às versões anteriores deste capítulo.
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Introdução
Observamos em outras partes deste livro (Vergara; Caldas, 2005) que, a des-
peito da predominância da ortodoxia funcionalista no campo de estudos orga-
nizacionais, ao menos desde o final da década de 1980, vertentes de resistência
têm surgido para enfrentar tal hegemonia na área. Por um lado, ainda mais pró-
ximo do que Burrell e Morgan (1979) chamariam de “sociologia da regulação”,
surge a alternativa interpretacionista, à qual dedicamos um módulo deste livro.
Por outro, afastando-se da sociologia da regulação, surgem a teoria crítica das
organizações – mais orientada à mudança social – e, mais recentemente, aborda-
gens pós-modernas em estudos organizacionais, cuja alocação nos quadrantes de
Burrell e Morgan é problemática, pois, embora surja da contradição à ortodoxia
positivista, nega igualmente a teoria crítica e os modelos mais radicais.
Neste último módulo, oferecemos aos vários docentes que não tiveram até
hoje muito acesso a tais abordagens críticas e pós-modernas uma primeira apro-
ximação às alternativas epistemológicas mais recentes ao mainstream funciona-
lista. A eles dirigimos esta introdução, com o pedido de escusas aos muitos já ini-
ciados, para quem ela parecerá um tanto básica. Além de introduzir os dois textos
incluídos nesta parte como amostras da produção acadêmica crítica (no caso do
texto de Valérie Fournier e Chris Grey) e da pós-moderna (artigo de Robert Coo
per e Gibson Burrell), objetivamos aqui oferecer uma primeira aproximação a
tais tradições alternativas, procurando mostrar as diferenças entre as duas ver-
tentes, bem como sua diversidade interna, posto que, longe de serem monolíticas
e convergentes, possuem grande diversidade e variância internas. Objetivamos
também analisar brevemente sua utilização no Brasil nos últimos 20 ou 25 anos,
bem como discutir possíveis direcionamentos para pesquisa futura dentro dessas
tradições alternativas.
De início, precisamos esclarecer alguns pontos de partida, de forma que o
leitor possa entender, consistentemente ao tópico em discussão, os pontos de
vista aqui expressos de maneira crítica, reflexiva e relativa, e não confundi-los
com uma pretensa expressão da “verdade”, neutra e distanciada, tão típica da
hegemonia funcionalista. Primeiro, devemos deixar patente que nós, autores des-
ta introdução, não somos neutros, temos nossa posição e percepção de mundo,
da teoria e do nosso campo, subordinadas a nossas posições sociais e contextos
pessoais. Por exemplo, escrevemos ambos no contexto da análise organizacional,
que per se apresenta diferenças fundamentais em relação à análise crítica e pós-
moderna em outros campos, como filosofia, artes, ou mesmo sociologia de forma
geral. Ambos tivemos ao menos parte de nossa formação acadêmica no exterior, o
que indica que nossa visão de mundo foi até certo ponto parametrizada por essa
experiência. Ambos, embora um mais do que o outro, distanciamos nossa própria
produção da tradição mais funcionalista, o que direciona certo viés em prol das
vertentes alternativas ao mainstream funcionalista que aqui apresentamos. Am-
bos temos pessoalmente mais simpatia intelectual e epistemológica por uma de-
las do que pela outra e, portanto, nela vemos mais potencial no Brasil.
Segundo, precisamos também deixar patente que, para nós, a mera coloca-
ção dessas duas vertentes alternativas – crítica e pós-moderna – no mesmo espa-
ço (como aqui se faz, ou como também fez o próprio Handbook de estudos orga
nizacionais (Alvesson; Deetz, 1999)) é problemática, e pode confundir mais do
que elucidar o leitor não bem informado. Pode-se entender por que isso é feito:
afinal, todo espaço editorial que ainda se consegue hoje em dia para vertentes
epistemológicas alternativas à hegemonia funcionalista e positivista é raro e pre-
cioso. No entanto, a dificuldade reside em que, freqüentemente, o leitor ou aluno
que têm sua primeira aproximação a essas alternativas epistemológicas ao mains-
tream funcionalista por esse tipo de via – em que ambas são apresentadas conjun-
tamente – pode cair no erro de achar que, por serem justamente “alternativas”,
seriam semelhantes ou coincidentes. Nada mais incorreto: teoria crítica e pós-mo-
dernismo, de fato, têm em comum a sua clara intenção – dentre outras intenções
distintas que cada uma apresenta – de serem vertentes epistemológicas resistentes
e alternativas ao positivismo lógico. Mas praticamente param aí as suas semelhan-
ças, tal como a física newtoniana e a física quântica, que têm em comum a crença
em leis abstratas que governam a natureza e o distanciamento da tradição pré-
científica de união da ciência com a filosofia, mas que não são nem de longe idên-
ticas ou coincidentes entre si; ou ainda as geometrias não euclidianas, e tantos
outros exemplos do gênero. Críticos e pós-modernos têm em comum praticamen-
te apenas a sua oposição ao mainstream que os precedeu. Vários textos no nosso
campo, dentro e fora do Brasil, tendem a reincidir nesse erro e até certo ponto
pluralizar essas duas vertentes distintas. Em nossa opinião, a união de correntes
tão distintas sob o rótulo de “crítica” é um erro de ordem ontológica.
Teoria crítica
tegoria “crítica”. Criticar não significa abdicar de conhecer o mundo como ele é e
tampouco de pensar como ele deveria ser.
A base da teoria crítica está, pois, no seguinte postulado: é impossível mostrar
as coisas como realmente são, senão a partir da perspectiva de como elas deveriam
ser. Na verdade, o “dever ser” se refere às possibilidades não realizadas pelo mun-
do social. Não tem caráter utópico, mas analisa o que o mundo poderia ter de me-
lhor se suas potencialidades se realizassem. A identificação das potencialidades
permite entender mais claramente como o mundo funciona e, dessa forma, iden-
tificar os obstáculos à realização das suas potencialidades. Assim, a teoria crítica
aponta para a prática a partir da realização desses potenciais, por meio da identi-
ficação e rompimento dos obstáculos. É a teoria no ato. O ato é aquele da realiza-
ção dos potenciais do mundo, e tais potenciais são de natureza necessariamente
emancipatória.
Para os teóricos críticos, aqueles que se dedicam apenas a descrever o mundo
como ele é acabam por fazê-lo sempre de forma parcial e incompleta, pois abdi-
cam de identificar o que ele poderia ser, ou seja, o que ele tem potencialmente
de melhor. Isso nos remete à segunda parte de nossa reflexão: a origem da teoria
crítica e seus desdobramentos contemporâneos.
A teoria crítica aponta para a prática como a realização dos potenciais eman-
cipatórios do mundo. Para tanto, parte do princípio de que o mundo se organiza
em torno de dois grupos de tendências estruturais. O primeiro grupo de tendên-
cias são os agentes da permanência dos obstáculos à realização das “potencialida-
des melhores” do mundo. O segundo grupo são os agentes potenciais da ação que
permite superar os obstáculos. Assim, a teoria crítica dá sentido à ação e a ação
vira objeto da teoria. Portanto, os embates políticos e ideológicos são centrais na
teoria. Ela não se quer neutra.
O primeiro a utilizar o termo “teoria crítica” foi Horkheimer no livro Teoria
tradicional e teoria crítica, publicado em 1937. Nele o autor deixa explícito que
“produz teoria crítica todo aquele que quer continuar a obra de Marx”. Ao afir-
mar isso, Horkheimer define o campo teórico da teoria crítica como o marxismo,
e este como um campo de conhecimento distinto de outros campos.
Jameson (1991) afirma que a importância contemporânea de Marx se deve
exatamente ao fato de que ele foi o filósofo político que se dedicou a tratar
do capitalismo. Neste momento de exuberância e exacerbação do capitalismo,
como ignorar que Marx tem uma importância relativamente mais destacada?
Quem, senão ele, forneceu a maior base da crítica ao que mais tarde se denomi-
nou capitalismo?
Entretanto, cabe salientar que, mesmo reconhecendo a grande importância
e contemporaneidade de Marx, a visão de que “faz teoria crítica todo aquele que
quer continuar o trabalho de Marx” é, no nosso entendimento, uma visão par-
cial e, em certa medida, excludente. Wacquant (2004), por exemplo, esclarece
que existem dois sentidos para a noção de crítica, no que se refere à sua origem:
diferente. Sabe-se, ainda, que liberdade e igualdade não são conceitos aplicáveis
quando a lógica é a da competição.
A teoria crítica dedica-se, assim, a examinar o mercado e suas relações à luz
da emancipação, que significa a busca da realização concreta da liberdade e da
igualdade. O conceito de emancipação está no centro da teoria crítica, atribuin-
do-lhe unidade. Podemos, portanto, enunciar dois princípios básicos da teoria:
A teoria crítica não admite a neutralidade positivista por achá-la parcial. Nes-
ta, a distinção entre cientista e cidadão é um pressuposto básico, enquanto na-
quela é uma impossibilidade lógica.
Uma vez difundida essa teoria em vários campos das ciências sociais, logo
apareceram teóricos críticos em Administração, especialmente na área de estudos
organizacionais, opondo-se ao mainstream funcionalista. Enquanto no Brasil esse
grupo teve forte influência no campo, como discutimos a seguir, no mundo anglo-
saxão sua recepção foi menos acolhedora e sofreu ampla resistência (para uma
revisão, veja, por exemplo, Alvesson, 1987). Como qualquer grupo científico que
tende a politizar-se, que busca definir territórios e excluir desavenças, e também
combater a falta de espaço editorial e de debate para abordagens não positivis-
tas na hegemonia norte-americana, muitos desses teóricos críticos estrangeiros
acabaram se organizando em torno do grupo hoje conhecido como Estudos Críti-
cos em Administração (Critical Management Studies, ou CMS). O CMS tornou-se
hoje, depois de quase duas décadas de constituição, um grupo restrito e até certo
ponto restritivo de teóricos, com suas próprias definições e parâmetros das fron-
teiras do que seria ou não crítico em estudos organizacionais (veja, por exemplo,
Alvesson; Wilmott, 1992). Mas é preciso notar (como discutiremos mais adiante)
que tal quase-associação e seus parâmetros de inclusão crítica não estão ainda
definitivamente aceitos e resolvidos, nem devem necessariamente pautar o seu
uso e expansão em terra brasilis.
Na área de Administração no Brasil, temos a tradição de pensamento crítico,
embora ele não represente o mainstream da academia nacional. Um ótimo exem-
plo é o trabalho de Alberto Guerreiro Ramos (1989, 1996), particularmente nas
obras A redução sociológica e A nova ciência das organizações. Na primeira, critica-
va a ciência domesticada, fundamentada na reprodução não criativa e distancia-
da do nosso tempo-espaço e, conseqüentemente, dos nossos problemas; incapaz,
portanto, de oferecer soluções apropriadas e emancipatórias. Na segunda, criti-
cava o mercado como forma dominante de organização da vida social. Chamava
portanto, ignora a tradição crítica dos países não europeus. Apenas para ficar no
contexto latino-americano, lembramos os desenvolvimentos teórico-práticos que
têm por base a filosofia da libertação, que passam pela teologia, pela educação e
pela cultura (veja, por exemplo, Freire, 1994).
No Brasil, o espaço em que trabalhamos a crítica é bem mais amplo do que
a academia britânica permite e, seguramente, deve optar por uma visão apro-
priada ao nosso tempo-espaço, diferente do eurocêntrico. Alguns autores brasi-
leiros, entretanto, parecem preferir a crítica institucionalizada. Ao defenderem
o pluralismo das abordagens que se abrigam sob o manto do CMS (Alcadipani,
2005), acabam por adotar uma posição conservadora, de manutenção do status
quo, desvinculada de um dos princípios da teoria crítica, a ação transformado-
ra. A revista Ephemera: Theory & Politics in Organization, em 2004, oferece uma
ótima reflexão sobre essa questão, particularmente no editorial de Steffen Böhm
e Sverre Spoelstra (Böhm e Spoelstra, 2004) e na resenha de Stephen Ackroyd
(2004) sobre o livro Studying management critically, organizado por Alvesson e
Willmott (2003).
O espaço dos estudos organizacionais no Brasil nos possibilita a oportunida-
de de romper com a dependência acadêmica. Permite-nos pensar que só é pos-
sível discutir emancipação quando resgatarmos a consciência da nossa posição
relativa no mundo, e que dela decorrem outras relações no âmbito interno de
nossas organizações. Talvez seja útil o resgate dos conceitos de centro e periferia.
Eles nos permitem ações transformadoras, pois não contêm o falso rótulo de neu-
tralidade que esconde, quase sempre, relações perversas de dominação.
Pós-modernismo
Alan Sokal, por exemplo, sintetiza esse tipo de ponto de vista segundo o qual o
movimento pós-modernista não passaria de exercícios de verborragia e semânti-
ca, sem maior significado ou propósito além do de demarcar um território para si
mesmo. Para provar seu argumento, Sokal – um físico – submeteu a um periódi-
co pós-modernista um artigo propositadamente sem sentido (sobre perspectivas
pós-modernas da física e da matemática); o artigo foi aceito e publicado (veja re-
lato e discussão em Sokal e Bricmont, 1998).
Talvez não seja preciso chegar a tanto. Não há dúvida de que o pós-modernis-
mo trouxe importantes contribuições, ao menos em análise organizacional, como
discutiremos a seguir, na conclusão.
Considerações finais
mos ser nosso dever discutir aqui, um pouco, tanto essas potencialidades quanto
suas limitações.
Quanto às potencialidades, o pós-modernismo legitimou metodologias como
a desconstrução de narrativas e análises genealógicas que vêm crescentemente se
expandindo nas últimas décadas. Trouxe também ao campo, em função da visão
representacionista da teoria, a pertinência de se demandar do pesquisador ou do
ator produtor de conhecimento a explicitação do propósito (para que e para quem
se cria conhecimento) e do contexto (tempo, espaço e ambiente) em que esse co-
nhecimento é produzido. E trouxe, além disso, a forçosa revisão da propriedade
de elementos da modernidade e do projeto iluminista que se manifestam nas or-
ganizações de hoje. Enfim, sem dúvida ofereceu ao campo a visão fresca de que
uma teoria pode ser construída de forma distinta do que até então se praticava
(Calás; Smircich, 1999a). Mais especificamente no Brasil, o pós-modernismo de
fato oferece um sem-número de novos caminhos, metodologias e questões de
análise em estudos organizacionais.
Do ponto de vista metodológico, embora Derrida argumente não ser essa
uma metodologia apenas, é sem dúvida bem-vindo o uso rigoroso de análise e
desconstrução de narrativas, bem como competentes análises genealógicas. Tal-
vez muito da nossa produção no campo que tenta distanciar-se do funcionalismo
esteja excessivamente baseado em ensaios, e a crítica de falta de base empírica
demande esse tipo de aporte metodológico. E talvez muito da nossa produção de
conhecimento seja descontextualizada, e o sujeito desse conhecimento de fato
possa ser colocado em questão.
Do ponto de vista temático, vários dos mais atuais temas preferidos pelo mo-
vimento parecem ter grande potencial no Brasil. Por exemplo, a perspectiva pós(e
neo)-colonialista parece bem apropriada a um país e uma realidade que vivem à
margem de países ditos desenvolvidos, em uma relação que está longe de ter sido
bem mapeada e resolvida, inclusive no campo organizacional. Os estudos pós-
estruturalistas de gênero também parecem especialmente apropriados: por um
lado, o crescimento da produção brasileira em temas de gênero ressente-se das
mesmas limitações que o paradigma funcionalista, as quais as abordagens (e es-
pecialmente metodologias) pós-modernas podem ajudar a superar. Por outro lado,
o foco em gênero poderia aqui ser expandido para a análise de outras dimensões
e desconstruções de exclusões, como de raça, condição social e orientação sexual.
Afinal, a verdade é que o país e suas organizações ainda sofrem os elementos e
múltiplos efeitos das muitas exclusões que reproduzimos, e que nossos teóricos
têm majoritariamente ignorado.
No entanto, é difícil deixar de mostrar os dilemas que uma leitura mais pu-
rista do pós-modernismo pode trazer. Em um mundo crescentemente conflituo-
so, abundante em iniqüidades e em miséria, a postura pós-modernista radical de
questionar o projeto e as potencialidades da crítica e da autonomia humana pa-
rece, no mínimo, de difícil aceitação.
Ou talvez, como diria Zygmunt Bauman, aceitá-las por completo fosse até
imoral. Em recente trilogia – Globalização (1999), Em busca da política (2000),
e A modernidade líquida (2001) –, Bauman analisa as mudanças nas condições
da vida social e política entre fins do século XX e início do século XXI. Para ele,
essas mudanças caracterizam uma transformação, mas dentro da modernidade.
Enquanto em estágios anteriores a modernidade parecia sempre preservar algum
elemento de permanência e imutabilidade que lhe daria sentido, nos dias de hoje,
ditos “pós-modernos”, tudo, inclusive a identidade do indivíduo e as relações hu-
manas, teria se tornado efêmero e volátil. Bauman acredita fundamentalmente
na busca da autonomia. A transmutação da identidade, nesse mundo de “mo-
dernidade fluida”, pode enganosamente nos levar a crer que somos livres para
escolher o que somos e quem somos. Porém, Bauman não vê nisso liberdade ou
efetiva emancipação, mas a gênese, nesta modernidade fluida, de um mundo ex-
cessivamente egoísta e competitivo, onde não há lugar para solidariedade, e onde
se abre espaço para uma evolução ainda mais sinistra do capital do que na época
do surgimento do capitalismo. O autor admite que não oferece soluções, embora
sua defesa da política e da assunção do papel de cidadão pelo indivíduo seja pun-
gente. Contudo, defende sua busca incansável do diagnóstico e do alerta profun-
dos do que entende ser uma era alarmante para a humanidade. E nesse ponto,
distanciando-se dos pós-modernos, afirma que olhar a miséria humana subliman-
do qualquer alento de consciência ou dando de ombros à escassez de soluções ad-
vinda da descrença da razão e da emancipação, vendo-as como “metanarrativas”,
implica não apenas cumplicidade, mas também um ato de absoluta imoralidade.
Enfim, como sugerimos desde o início, as alternativas mais radicais que se
colocam hoje em dia ao funcionalismo em análise organizacional são ao mesmo
tempo diversas e multifacetadas, mas também carregam, como qualquer projeto
epistemológico, seus próprios dilemas e limitações. Nada é de graça. Nossa espe-
rança é de que, nesta introdução, possamos ter oferecido pistas ao leitor que se
inicia no entendimento dessas polêmicas vertentes em estudos organizacionais, e
que anseia chegar às suas próprias conclusões.
Nota
1
Apesar de alguns autores brasileiros noutros campos, como em psicologia e
educação, usarem a expressão teoria de rede de atores, não nos pareceu que essa
tradução esteja suficientemente validada e aceita localmente e, portanto, preferi-
mos a indicação em inglês. Referências ao tema podem ser vistas pelas indicações
bibliográficas de Rafael Alcadipani e Christine McLean, na revista de administra-
ção de empresas, v. 42, n. 2, p. 122, 2002.
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Robert Cooper
Gibson Burrell
Preâmbulo
* Artigo de Robert Cooper e Gibson Burrell publicado originariamente sob o título “Modernism,
postmodernism and organizational analysis: an introduction”, na revista Organization Studies, v. 9,
n. 1, p. 91-112, 1988. Publicação autorizada pela Sage Publications Ltd. Copyright EGOS, 2006 &
SAGE Publications, 2006. www.sagepublications.com
ridade com as questões em jogo. O ônus que pagamos por pretender esta posição
intermediária é a extensão do texto. O presente artigo oferece uma visão geral
do debate e faz uma breve referência à obra de modernistas como Bell, Luhmann
e Habermas. Também nos reportamos a Nietzsche, Derrida, Lyotard e Foucault,
a quem se atribuiu o epíteto de pós-modernistas. Em nosso segundo artigo, re-
tornaremos ao trabalho de Michel Foucault e discutiremos sua relevância direta
para o mundo da análise organizacional. A seguir, em edições subseqüentes de
Organization Studies, as obras de Derrida, Habermas e Luhmann também serão
objeto da mesma investigação crítica. Portanto, deve-se pensar que o presente
artigo aponta para o que pode ser, para alguns, uma nova área de esforço e con-
centração intelectual. Ele deve ser seguido por considerações substantivas mais
detalhadas de teóricos sociais individuais cujo trabalho seja relevante para os es-
tudos da organização e que são figuras importantes na confrontação modernista
versus pós-modernista.
Introdução
Modernismo
las aos problemas cada vez mais momentosos de governo, administração e plane-
jamento, desencadeados pela industrialização da sociedade. Descobrimos, assim,
que os rudimentos do pensamento organizacional estavam presentes na filoso-
fia iluminista. Mas, nessa altura da história, ocorre um cisma dentro da própria
Razão, mostrando que ela também está sujeita aos deslocamentos intrínsecos
da auto-referência: a Razão é apropriada por uma forma pioneira de pensamen-
to sistêmico, que subverte sua força crítica às exigências funcionais dos grandes
sistemas. Os seguidores de Saint-Simon elaboraram um plano para o sistème de
la Mediterranée, uma “associação universal” projetada dos povos da Europa e do
Oriente, por meio de uma rede ampla de estradas de ferro, rios e canais. O Canal
de Suez, iniciado em 1854 e terminado em 1869, representou parte da realiza-
ção desse sonho. Comte, quiçá o primeiro filósofo organizacional, via a organi-
zação industrial (a organização científica do trabalho e do conhecimento para a
produção de riqueza) como a fonte de unidade e progresso da humanidade. Foi
sua uma teoria da organização aplicada à administração da sociedade como um
todo, mas que estabeleceu especificações detalhadas para o nível das microfun-
ções: os papéis precisos dos políticos, industriais, banqueiros; o número ótimo de
habitantes para cada cidade etc. O espírito dessa razão funcional foi bem captado
e representado por Goethe no caráter de Fausto, que traduziu a razão passiva,
mero pensamento, em razão ativa, a façanha lograda pela transformação tecnoló-
gica de todo o mundo (Berman, 1983). Assim, a modernização apareceu no início
como a organização do conhecimento expressa em termos das necessidades dos
sistemas tecnológicos de grande escala. Os vitorianos celebraram essa conquista
na Grande Exposição de 1851.
O modernismo tem, portanto, duas versões: o modernismo crítico, uma revita
lização do programa iluminista de Kant, e o modernismo sistêmico, a instrumen-
talização da razão prefigurada por Saint-Simon e Comte.
O modernismo sistêmico é visto atualmente como a forma dominante da ra-
zão, agora mais comumente expressa como “racionalidade instrumental”. Isso
é bem colocado na tese de Bell (1974) de que a sociedade moderna (ou pós-in-
dustrial) difere das sociedades anteriores por depender ou confiar num conhe-
cimento que é essencialmente teórico. Bell menciona a indústria química como
a primeira indústria verdadeiramente moderna, porque sua origem repousa na
ligação íntima entre ciência e tecnologia: é necessário ter conhecimento teórico
das macromoléculas que são manipuladas, para se criar uma síntese química (re-
combinação e transformação de compostos). A visão de Bell sobre como se usaria
o conhecimento teórico na era pós-industrial revela seu caráter tecnocrático e sis-
têmico. “A sociedade pós-industrial é organizada em torno do conhecimento com
vistas ao controle social e ao direcionamento da inovação e da mudança” (Bell,
1974, p. 20). O ponto é mais elaborado ainda com o argumento de que o conhe-
cimento teórico oferece uma “promessa metodológica” para a gestão de sistemas
complexos e de larga escala que distinguem o mundo moderno. As principais
questões políticas, econômicas e sociais da era pós-industrial giram em torno do
por Bell. Em sua, às vezes, chamada “nova teoria dos sistemas”, Luhmann explica
em detalhe a racionalidade inexorável do modernismo sistêmico em que a noção
kantiana do sujeito criticamente racional está inteiramente restrita aos interes-
ses de um sistema de funcionalidade social de tipo máquina. A própria sociedade
torna-se uma organização gigantesca: “O verdadeiro objetivo do sistema, a razão
pela qual ele se programa como um computador, é a otimização da relação global
entre insumo e produto – em outras palavras, performatividade” (Lyotard, 1984,
p. 11). Agora, no modernismo sistêmico, a performatividade supõe uma função
mais fundamental do que o critério da performance observado por Bell; ela se tor-
na uma capacidade generalizada de “produzir bens” efetivamente e, portanto, é
também um princípio de realização e objetificação. Portanto, ela precede o próprio
pensamento na mente social. Luhmann reconhece esse ponto quando diz que nas
sociedades pós-industriais a normatividade das leis é suplantada pela legitima-
ção da performatividade. Mais especificamente, a fonte da legitimação torna-se
a capacidade do sistema de controlar seu contexto (uma forma de teoria con-
tingencial) pela redução da complexidade interna e externa a ele; as aspirações
individuais devem, portanto, se contentar com um papel subordinado. De fato,
Luhmann argumenta que o sistema precisa tornar as ações individuais compatí-
veis a seus próprios objetivos globais por meio de um processo de “aprendizagem
sem perturbação”. “Os procedimentos administrativos devem fazer os indivíduos
‘quererem’ o que o sistema precisa, de forma a ter um bom desempenho” (Lyo-
tard, 1984, p. 62). Percorremos um longo caminho desde Saint-Simon e Comte,
e Kant foi completamente obliterado.
O modernismo crítico se opõe ao monolitismo de tipo cibernético do moder
nismo sistêmico. Seu expoente máximo na ciência social contemporânea é Jürgen
Habermas, cujo projeto foi resgatar o espírito do racionalismo iluminista para o
modernismo recente. Novamente, o discurso é o objeto de análise. Para Habermas,
a linguagem é o meio da razão: “Toda linguagem ordinária permite alusões refle-
xivas ao que permaneceu não proferido” (Habermas, 1972, p. 168). Isso coloca
a linguagem ordinária, com suas origens nas atividades espontâneas do mundo
da vida comum, contra a linguagem instrumental-calculista dos sistemas orga-
nizados. Oculta – mas ainda ativa na linguagem ordinária – está uma espécie
“natural” de razão que nos fala com a sabedoria instintiva de um oráculo antigo,
guiando assim nossos trabalhos comunais. O destino contemporâneo dessa “ra-
cionalidade comunicativa” foi sua repressão pelo discurso do modernismo sistê-
mico. Para Habermas, o discurso do mundo da vida comum é a base de seu mo-
dernismo crítico, e é pela “linguagem da comunidade” que podemos reencontrar
o sentido do iluminismo, hoje perdido, que Kant em primeira mão nos revelou.
Além disso, a necessidade dessa razão crítica é agora mais urgente do que nunca,
precisamente por causa da colonização do mundo da vida pela razão sistêmica.
A razão kantiana assume um significado adicional; não é mais uma medida da
“maturidade” humana, mas se tornou uma condição sine qua non para emancipar
os indivíduos do controle totalizante da lógica sistêmica.
Pós-modernismo
Análise organizacional
existe um não-programa, para toda norma existe uma a-norma, uma não-norma.
Os desvios e erros não devem mais ser concebidos como efeitos adventícios de ra-
cionalidade imperfeita, pois eles estão imersos nos próprios instrumentos que pro-
curam anulá-los. Os programas e tecnologias são, portanto, nesse estranho sen-
tido, antifuncionais. Entre outras coisas, isso significa que “todo programa provê
antecipadamente para a eventualidade de sua própria falência” (Gordon, 1980, p.
250). Foucault dá o exemplo das prisões como organizações que – na medida em
que são continuamente combatidas, por não atingirem seus objetivos planejados
enquanto reformatórios –, procuraram da mesma forma reorganizar-se continua-
mente, com base no modelo malogrado de seu programa original:
apreende esse espaço intratável e “lhe dá vida”. “Dar vida” significa transcrever os
discursos inertes dos programas e tecnologias em corpos vivos. A transcrição en-
volve a tradução do inerte e heterogêneo na unidade elementar do corpo humano
“poliestético”, considerado como “uma potencialidade multissensorial” que tem a
“capacidade de ver, ouvir, tocar, mover-se [...]” (Lyotard, 1977, p. 88). Ela envolve
um movimento do registro referencial dos programas e tecnologias para o regis-
tro auto-referencial da mise-en-scène, que agora se deve entender como a origem
ativa da organização. As organizações não preexistem, inicialmente, para depois
criar suas relações; elas ocorrem em hiatos existenciais que se encontram além do
discurso inteligente. Esses hiatos são os locais de operação da mise-en-scène e das
estratégias, que voltam suas atenções para o não-programável e o não-discursivo e
deles emergem. A racionalidade organizada, longe de ter origem em modelos per-
feitos e lógicas consumadas de eficiência, fundamenta-se em golpes ou truques de
mágica, contendas ferozes e pudenda origo (“origens vergonhosas”). Essa é a lição
de revisão que o pós-modernismo traz para a análise organizacional.
Post scriptum
Notas do tradutor
1
Uma necessidade que se acredita estar subjacente.
2
Aude sapere é a máxima dos alquimistas. É citada por Kant no prólogo de seu
livro Sobre a filosofia da história.
3
Tradução do original economizing mode.
4
Construir uma aura, que é uma essência.
Nota da Redação
Referências
Valérie Fournier
Chris Grey
Introdução
* Artigo originalmente publicado sob o título “At the critical moment: conditions and prospects
for critical management studies”, na Human Relations, v. 53, n. 1, p. 7-32, 2000. Publicado com
autorização da Sage Publications Ltd. Copyright The Tavistock Institute, 2006 & SAGE Publications,
2006. <www.sagepublications.com>
levar avante essa causa. Ao contrário, queremos dar um passo atrás e tentar en-
tender de que modo a gestão crítica apareceu. De fato, temos alguma apreensão
e inquietude a seu respeito, de forma que esta é também uma oportunidade para
sermos um pouco críticos da própria gestão crítica.
Abordaremos três temas amplos neste artigo. Em primeiro lugar, discutimos
o surgimento dos estudos críticos de gestão: depois de apontar brevemente para
o fato de que a prática da gestão, desde os seus primórdios, sempre foi acompa-
nhada de uma certa crítica, esta discussão toma a forma de um delineamento das
condições que tornam a gestão crítica possível. Essas condições incluem a Nova
Direita e o Novo Trabalhismo (New Labour), a gerencialização;** a crise interna
da gestão; as mudanças na natureza da ciência social, como também fatores es-
pecíficos concernentes às escolas de negócios do Reino Unido. A segunda parte
do artigo trata com mais detalhe dos tipos de coisas a que se refere a palavra
“crítica”: apontamos para a pluralidade dos estudos críticos de gestão, enquanto
também identificamos alguns aspectos unificadores. Estes incluem a postura an-
tiperformativa e um compromisso com (alguma versão de) desnaturalização. Na
terceira seção principal do artigo, consideramos a política dos ECGs, dando aten-
ção especial aos debates entre o neomarxismo e o pós-estruturalismo e à questão
do envolvimento dos ECGs nas práticas de gestão – se devem se envolver ou não
e de que forma.
Desde que a gestão surgiu como uma prática social, no final do século XVIII
e início do século XIX (Pollard, 1968), ela esteve sujeita a vários tipos de crítica.
Por exemplo, nos idos de 1776, numa passagem famosa da Riqueza das nações,
Adam Smith argumentou que:
caminho para uma gestão eficiente e inovadora. Mas a preocupação da Nova Di-
reita com a gestão era mais profunda que isso. O setor público, em particular, tor-
nou-se o campo de um esforço maciço de gerencialização (Pollitt, 1993; Clarke;
Newman, 1997). Conduzida em nome da eficiência e da accountability, a geren-
cialização do setor público também pode ser lida ou entendida como um ataque
sustentado, embora nem sempre com êxito, às esferas do poder profissional e,
para muitos neoliberais, ao dogma socialista. Particularmente em relação ao go-
verno local, à educação e ao serviço social, a gerencialização tanto parecia tratar
de um projeto de reestruturação ideológica como de controle de custos.
A gestão foi enaltecida e até glamorizada de maneiras mais difusas também.
Os gestores eram vistos como detentores de algum insight especial que os quali-
ficava a falar com autoridade sobre um grande número de questões. Na educa-
ção, foram convocados os gestores individuais seniores para ajudar a construir o
Currículo Nacional, como também aconteceu no serviço de saúde com a recente
criação dos conselhos hospitalares de gestão. Embora esses desenvolvimentos
fossem muitas vezes vistos como “político-partidários”, no sentido de atraírem
simpatizantes conservadores, eles talvez tivessem uma maior importância onto-
lógica porquanto os gestores eram vistos como se tivessem um conhecimento pri-
vilegiado do mundo real. A gerencialização, inscrita nas técnicas de accountability
e simulação de mercado, se destinava a trazer o setor público para a realidade de
mercado, ao transformar o problema da prestação de serviços públicos em ques-
tões de calculabilidade e eficiência (por exemplo, “valor por dinheiro”).
Mas essas práticas não se restringiram às administrações conservadoras. O
Novo Trabalhismo (New Labour) tem a mesma crença tocante na competência
gerencial. Seus dirigentes deram continuidade aos processos de gerencialização
no setor público (em termos, por exemplo, de uma preocupação continuada com
a “qualidade” e as mensurações ou a convocação para a “modernização” – que
equivale à gerencialização – do governo local). Eles também tendem a ver que as
questões políticas são passíveis de solução “técnica”, mediante gestão por especia-
listas, uma propensão indicada pelo uso de executivos empresariais para presidir
comissões de revisões políticas, como as relacionadas com pensões; pela designa-
ção de David Sainsbury a status de ministro; pelo love affair com Richard Branson;
pela atribuição do poder de decidir sobre taxas de juros ao Banco da Inglaterra e
assim por diante. Assim, a Nova Direita e o Novo Trabalhismo uniram forças para
construir um status emblemático para a gestão, um status legitimado em bases on-
tológicas (os gestores como os sustentáculos do mundo real), epistemológicos (a
gestão como a personificação do conhecimento especializado) e morais (tornando
a gerencialização sinônimo de mais justiça, accountability, democracia e qualida-
de nos serviços públicos).
É o uso crescente da gestão como um “valor”,2 no domínio político, e o poder
gerencial cada vez mais ilimitado nos setores público e privado que constituem
a primeira parte dos fundamentos dos ECGs. Quando a gestão foi elevada a uma
posição mais importante e visível, ela também se tornou objeto de atenção cres-
cente por parte daqueles que se interessam pela análise do trabalho e pelas orga-
nizações. Evidentemente, nem todo esse interesse crescente, nem mesmo a maior
parte dele, era de “natureza crítica”, e grande parte da análise da gestão realiza-
da nas décadas de 1980 e 1990 simplesmente reproduziu o status emblemático
da gestão. Por definição, dizer que a gestão está em ascensão é postular um en-
tendimento amplamente não crítico de seu valor. Mas, ao mesmo tempo, o en-
volvimento da gestão com mudanças altamente contestadas (por exemplo, com
a reestruturação do setor público, o downsizing, a reengenharia cultural) ofere-
ceu um campo fértil para uma apreciação mais crítica da gestão. Com certeza, a
gestão sempre podia ser lida ou entendida como uma prática política, em vez de
simplesmente como um conjunto neutro de técnicas administrativas, mas o status
da gestão no contexto da Nova Direita tornou isso muito mais visível.
Entretanto, a relação entre a gestão e a Nova Direita foi mais complexa do
que uma simples elevação do status da primeira por força da influência da segun-
da. Pois, ao mesmo tempo em que a gestão constituía solução para um conjunto
díspar de problemas e questões, ela mesma também se tornava um problema. Em
primeiro lugar, de uma maneira muito simples, ficou óbvio que a erosão dos direi-
tos dos sindicatos trabalhistas não abriu o caminho para uma nova era de eficácia
administrativa. De fato, ela pode muito bem ter eliminado apenas uma das des-
culpas que existiam anteriormente para a incompetência gerencial. Em segundo
lugar, como veremos na próxima seção, parece que a gestão caminhou para uma
espécie de crise interna, ao mesmo tempo em que ganhava proeminência.
e glória com que os gestores (da espécie certa) foram canonizados pela literatura
popular serviu para aumentar o poder e o status potenciais da gestão e proporcio-
nou um campo fértil para estudos críticos (por exemplo, Willmott, 1993; Du Gay
et al., 1996). Entretanto, a niponização também sinalizou o início de uma espiral
cada vez mais rápida de novidades e modismos (Kieser, 1997). Longe de nascer
como um conjunto estável, confiável e estabelecido de técnicas, o conhecimento
e a ciência gerencial mostraram-se fragmentados e instáveis. Para dizê-lo de uma
maneira diferente, se o sonho da gestão no pós-guerra era o estabelecimento de
uma ciência gerencial reconhecida, nas décadas de 1980 e 1990 esse sonho não
somente não se realizou, como também se revelou, de uma forma cada vez ób-
via, irrealizável.
Para os próprios gestores, essa talvez não tenha sido uma questão candente.
Mas, apesar disso, os modismos e as novidades das décadas recentes constituíram
uma arma poderosa nas mãos dos acionistas, gestores de fundos e consultores
para bater nos gestores. Os gestores sempre podem ser criticados por não estarem
suficientemente a par da última técnica e, sem a legitimação de uma base de co-
nhecimentos científicos, são vulneráveis a tais ataques. Entretanto, a falta de sta-
tus científico dos gestores provavelmente tenha sido mais problemática para os
acadêmicos do que para os próprios gestores, embora seja razoável afirmar – já
que os ECGs são basicamente um fenômeno acadêmico – que essa crise interna
da gestão é a segunda condição para a possibilidade de existência dos ECGs. Em-
bora, com certeza, ainda existam os que afirmem que o surgimento de uma ver-
dadeira ciência da gestão está prestes a ocorrer (Koontz, 1980; Kay, 1994), esta
tornou-se antes um clamor de fé de uma minoria do que uma expectativa ampla-
mente compartilhada. Uma visão mais cética sugere que “[...] o objetivo de uma
‘ciência da gestão’ integrada, coerente e relevante parece pelo menos mais distan-
te dos anos dourados da década de 1950” (Whitley, 1984, p. 331).
É o colapso da certeza e autoconfiança que torna os gestores e os pesquisado-
res de gestão, se não receptivos à crítica, pelo menos conscientes das deficiências
de sua própria base de conhecimento. Isso levou, como sugeriremos adiante, os
acadêmicos de gestão a alguns compromissos bizarros com idéias críticas.
losofia da ciência e, de forma mais óbvia, com o trabalho de Kuhn (1962), que
problematizou o suposto objetivismo da própria ciência natural. Isso abriu cami-
nho para a “virada lingüística”, com um renovado interesse pela fenomenologia,
em especial depois da publicação de A construção social da realidade, de Berger
e Luckmann, em 1966. De maneira mais geral, essa obra pavimentou o caminho
para a fragmentação das ciências sociais numa série de perspectivas concorrentes
(Bernstein, 1976) e, finalmente, para o aparecimento da influência generalizada
do pós-modernismo.
Esses temas, que tangenciamos apenas de forma bem superficial (pois são
seguramente muito familiares), afetaram as ciências sociais em geral e a socio-
logia em particular. De um modo geral, o estudo da gestão e das organizações
inspirou-se nas tradições das ciências sociais, mas de uma maneira muito defa-
sada. Por exemplo, os métodos qualitativos só muito recentemente começaram a
conquistar uma certa legitimidade (Morgan; Smircich, 1980), mas se observa um
crescimento regular no envolvimento com a ciência social não positivista e, ainda
que um tanto retardatariamente, com o pós-modernismo (por exemplo, Hassard;
Parker, 1993). Embora a rejeição do positivismo não signifique automaticamente
um movimento em favor da crítica (da mesma forma que ser positivista não signi-
fica automaticamente estar desprovido de senso crítico) existe uma certa ligação
entre essas coisas. No mínimo, o reconhecimento da natureza socialmente cons-
truída dos arranjos sociais deixa bem evidentes a sua contingência e a possibili-
dade de sua reconstrução segundo diferentes linhas.
Americana, embora com certeza abrigue dissidentes, não abriu o mesmo tipo de
acesso a recursos críticos, prontamente disponíveis aos scholars de gestão, quan-
do estes começaram a desenvolver os ECGs. Um exemplo disso é a maneira como
a tradição weberiana foi utilizada na teoria organizacional dos EUA basicamente
em termos de planejamento organizacional normativo, e não em termos de críti-
ca da racionalização, à qual é freqüentemente associada no Reino Unido.
Portanto, argumenta-se que as escolas de gestão do Reino Unido tinham uma
tradição crítica pronta em que podiam se inspirar, o que não era tão verdadeiro
nos Estados Unidos. O ímpeto de se valer dessas tradições é também parcialmen-
te explicável em termos das condições específicas que prevaleciam no Reino Uni-
do. Um dos impactos da Nova Direita sobre as universidades britânicas foi o corte
drástico no financiamento das ciências sociais. Como no caso do gerencialismo,
isso ocorreu em parte por causa do corte de custos, mas também em função de
uma percepção de que os departamentos de sociologia eram antros de militância
esquerdista. Dadas essas circunstâncias, muitos aspirantes à carreira em ciências
sociais nos anos 1980 encontraram mais oportunidades de financiamento e de
trabalho nas escolas de gestão, mas trouxeram consigo um compromisso com
suas disciplinas de origem, complementando assim a fertilização cruzada que já
existia entre os estudos de gestão e a ciência social de base crítica. Deve-se dizer
que isso é mais evidente nas disciplinas organizacionais (por exemplo, Clegg;
Dunkerley, 1977) do que em outras, embora tenha havido, por outro lado, uma
florescente disciplina de contabilidade crítica, a partir dos anos de 1970, pratica-
mente pelas mesmas razões. Além disso, muitos estudiosos da gestão crítica estão
entre os pesquisadores mais produtivos, em termos de publicações em periódicos
acadêmicos tradicionais, e isso conferiu um impulso considerável à sua legitimi-
dade, quando essa medida de produção se tornou de importância fundamental
nos anos de 1990.
Além de um clima mais favorável a tradições críticas, houve outras circuns-
tâncias específicas particularmente auspiciosas para os ECGs no Reino Unido.
Nos Estados Unidos, já havia escolas de administração desde o final do século
XIX. No período que se seguiu ao fim da Segunda Guerra Mundial, houve uma
tentativa conjunta de recriar essas escolas como empreendimentos científicos ri-
gorosos e levar a pesquisa de gestão a um nível mais elevado (isto é, mais cientí-
fico) (Locke, 1989, 1996; Thomas, 1997). Muitas escolas de negócios norte-ame-
ricanas tinham apenas um contato limitado com os departamentos de ciências
sociais. No Reino Unido, ao contrário, não havia escolas de administração até os
anos de 1960 – e, daí em diante, apenas duas (Whitley et al., 1981). Nos anos
de 1980, porém, a maior parte das universidades desenvolveu escolas de negó-
cios ou de gestão, a administração se tornou o curso de graduação mais popular
e a oferta de MBAs cresceu rapidamente. Esses desenvolvimentos refletiram um
panorama ideológico em mudança e uma visão daquilo que as universidades de-
veriam ser, e ofereceram a estas uma fonte alternativa de renda em face dos con-
gelamentos e cortes de despesas.
Um dos efeitos dessa expansão foi criar uma demanda por postos de docência
a serem preenchidos, abrindo assim a possibilidade, referida acima, de cientis-
tas sociais encontrarem novo emprego nessas escolas. Mas há também a questão
de que essas novas escolas de negócios eram muitas vezes configuradas como se
fossem parte dos departamentos de ciências sociais, de tal forma que havia uma
razão muito grande para se inspirar nessas tradições.3 Quiçá de forma crucial, o
atraso na expansão das escolas de administração no Reino Unido tenha significa-
do que foi questionada a ortodoxia positivista dos anos de 1950 – que informara
o crescimento das escolas de negócios norte-americanas – de tal forma que as es-
colas de administração do Reino Unido se tornaram provavelmente mais capazes
de se nutrir de uma ciência social não positivista de um certo matiz.
É claro que não pretendemos pintar um quadro das escolas de administração
do Reino Unido como se fossem incubadoras de fervor revolucionário, ou como
se estivessem comprometidas, em geral, com uma ciência social não positivista.
Pelo contrário, a maior parte do trabalho de pesquisa empreendido nessas esco-
las se inspira em versões positivistas de economia ou psicologia, muitas vezes em
forma bem rude (Anthony, 1986). Os métodos quantitativos continuam a predo-
minar e, em termos ideológicos, há pouca dúvida de que prevalece uma orienta-
ção gerencial. De acordo com nossa opinião, assim como existiram pelo menos
algumas condições que indicavam um rumo diferente, da mesma forma – já que
as práticas de gestão, nos anos de 1980, assumiram um caráter duplo de pana-
céia e crise – houve estudiosos que tiveram (em parte por opção, em parte por
necessidade) interesse em gestão e estavam (por formação ou predisposição) in-
clinados à análise crítica.
A fronteira mais óbvia pareceria ser entre o trabalho de gestão que possui
uma intenção ou uma premissa performativa e o que não a possui. Uma intenção
performativa (Lyotard, 1984) significa aqui o propósito de desenvolver e valo
rizar o conhecimento que contribui para a produção de produto máximo com
insumo mínimo; ela significa pôr o conhecimento a serviço do cálculo dos meios
e fins. O estudo não crítico de gestão é governado pelo princípio da performa-
tividade, que serve para subordinar o conhecimento e a verdade à produção da
eficiência. No estudo não crítico de gestão, a performatividade é tida como um
imperativo, que comanda todo o conhecimento e prática e dispensa questiona-
mento. Em outras palavras, o objetivo é contribuir para a eficácia da prática de
Desnaturalização
É esse interesse de registrar toda essa literatura que parece ligar muitos tex-
tos críticos sobre gestão, os quais, de outra forma, não pareceriam ter algo em
comum. Não resta dúvida de que esse interesse pode ser percebido de formas di-
ferentes. Em primeiro lugar, os críticos podem não concordar sobre o significado
relativo do que se escreveu – para alguns o mais importante pode ser dissociar gê-
nero de gestão; para outros, é a obliteração da classe. Em segundo lugar, alguns
críticos (em especial os marxistas, mas não só eles) argumentam que o que está
escrito é a realidade, enquanto outros (sobretudo os pós-estruturalistas) se con-
tentam em indicar que é possível reconhecer o sentido da gestão e das organiza-
ções de maneiras alternativas, sem conferir prioridade ontológica a esses enten-
dimentos. No entanto, sem o desejo de suavizar diferenças teóricas substantivas
(e voltaremos a essas questões um pouco adiante), parece-nos que estes projetos
têm mais em comum entre si do que com os relatos gerencialistas que supõem ou
procuram justificar as relações sociais e organizacionais existentes como se fos-
sem naturais e/ou inevitáveis.
Esse compromisso com a desnaturalização sugere que os ECGs não são uma
entidade estática. Eles estão sujeitos a mudanças e revisões constantes, tanto
em relação à amplitude das tradições e teorizações que invocam, quanto em
relação às mudanças na natureza do conhecimento e das práticas de gestão.
O compromisso dos ECGs com a crítica sobre a desnaturalização os coloca em
movimento permanente, pois a crítica tem que seguir as práticas que consti-
tuem seu alvo e haurir ecleticamente de uma pluralidade de tradições intelec-
tuais, para lançar e refinar seus ataques. Os ECGs envolvem crítica permanente
(Deetz; Mumby, 1990), inclusive crítica de si mesmos, conforme implica sua
ênfase na reflexibilidade.
Reflexibilidade
Isso nos leva a uma linha final de demarcação entre o trabalho crítico e o
não crítico: os ECGs poderiam ser diferenciados em termos da extensão de sua
reflexibilidade filosófica e metodológica. Não se trata apenas que os estudos de
gestão convencionais são positivistas, enquanto os ECGs não são, mas também
que raramente se argumenta e se faz a defesa explícita do positivismo que calça
a corrente dominante (ver Donaldson, 1996, sobre uma rara exceção). Em geral,
simplesmente supõe-se alguma versão (muitas vezes um tanto quanto fraca) de
positivismo, não se faz qualquer reflexão explícita sobre epistemologia e ontolo-
gia, e a discussão sobre metodologia limita-se a questões restritas de método e
técnica estatística (Ackroyd, 1996).
Em seu nível básico, os ECGs são um projeto político, no sentido de que com
ele se almeja desmascarar as relações de poder em torno das quais se tece a vida
social e organizacional. Além disso, a noção de emancipação (Alvesson; Willmott,
1992b), em qualquer forma imaginada, figura de modo proeminente nas várias
tradições intelectuais que dão forma aos ECGs (sejam elas o feminismo, as teo-
rias neomarxistas, o pós-estruturalismo); existe um compromisso para libertar os
sujeitos individuais das relações de poder em que estão inscritos, inclusive sua
própria subjetividade (Knights; Willmott, 1989). Mas as formas em que essas
relações de poder devem ser concebidas, desvendadas e derrubadas constituem
assunto de muitas discussões dentro dos ECGs, discussões que espelham a frag-
mentação das ciências sociais em termos mais gerais.
Os ECGs estão lacerados pelas diferentes posições ontológicas e epistemoló-
gicas das várias tradições intelectuais em que eles se inspiram; mas é talvez no
nível político que essas diferenças se expressem de forma mais tenaz (não que se
possa separar a política da epistemologia ou da ontologia). Em vez de tentar es-
boçar um projeto político comum e evasivo, articulamos as questões em torno das
quais se combateu a política dos ECGs, especificamente a disputa entre realismo
e relativismo e entre engajamento e prática gerencial.
Realismo/relativismo
reconciliar o relativismo epistemológico com certas visões morais são fúteis e hi-
pócritas (Carter, 1995; Jackson, 1995); a crítica permanente, inclusive a crítica a
toda promesse de bonheur (promessa de felicidade), é tudo o que podemos fazer,
diante do pós-modernismo, por mais penosa que essa limitação possa ser.
Essas várias polêmicas – entre neomarxistas e pós-modernistas, entre os que
procuram reconciliar o relativismo epistemológico com alguma forma de com-
promisso ético e os que argumentam em favor de uma crítica permanente – tive
ram algumas implicações importantes, não apenas para articular as diferentes
políticas em que os ECGs podem se engajar, mas também no sentido de encorajar
um maior grau de reflexividade nos escritos dos ECGs. Esses debates levaram os
autores dos ECGs a questionar os fundamentos da crítica, seus direitos e capaci-
dade de fazer crítica, e os alertaram sobre a natureza paradoxal e até absurda de
sua posição como autores acadêmicos, condenados a fazer uma crítica que oculta
ou se apropria das vozes daqueles em cujo nome dizem que falam. Esses debates
certamente foram provocadores e serviram como esmeril para afiar a crítica (Pa-
rker, 1995, p. 562).
Que forma deve tomar essa educação necessária [do gestor] e qual deve
ser seu propósito? Essas questões, quando são pelo menos debatidas, são
apresentadas fora das agendas oficiais das escolas de negócios e de ges-
tão, fora do contexto próprio, em colóquios e seminários de público re-
duzido, mas de elite, que provavelmente não chegarão ao conhecimento
dos diretores e seus planejadores de programas. A natureza ligeiramente
sombria das discussões contribui para uma excitação perigosa em gran-
de parte porque elas estão cercadas por um consenso segundo o qual a
formação para a gestão não deve, de forma alguma, ser concebida como
algo útil, e que, portanto, o melhor seria que os empregadores dos parti-
cipantes desses encontros não estivessem a par dos assuntos tratados ali
(Anthony, 1998, p. 270).
cil de encontrar muita coisa crítica nesses artigos. Além disso, é notável como se
tornou lugar-comum invocar a aura do pós-modernismo de uma maneira que
tem pouca semelhança com o trabalho de, digamos, Baudrillard, Lyotard ou Kris-
teva. Por exemplo, um dos artigos da BAM de 1996 afirmava que Mintzberg,
Peters e Ohmae representam “posições teóricas pós-modernistas”, que servem
para reconceitualizar a gestão estratégica como uma fusão engenhosa de ações
espontâneas e caóticas (Joyce; Woods, 1996). Um outro artigo inspirou-se numa
análise pós-estruturalista da linguagem para sugerir que os gestores devem aper-
feiçoar sua prontidão mental e o uso da linguagem para desenvolver seu enten-
dimento cultural (Tietze, 1996).
Podemos esperar que esse desenvolvimento ainda modesto dos conceitos e
recursos teóricos dos ECGs se torne mais difundido na medida em que a pressão
para publicar e construir reputação acadêmica atraia os pesquisadores de gestão
convencional em maior número para esses recursos relativamente “inexplora-
dos”. Por sua vez, é provável que isso leve, pelo menos até certo ponto, a uma sua
vização dos conceitos críticos e dos projetos emancipatórios dos ECGs, como já é
evidente, por exemplo, nas tentativas de se reivindicar uma reconciliação entre o
marxismo e os estilos pós-burocráticos de gestão (Aktouff, 1992), ou nos livros-
texto sobre pós-modernismo e gestão (por exemplo, Boje et al., 1996).
Enquanto a questão da desejabilidade e da possibilidade do engajamento
com a prática gerencial continua a ser uma das principais clivagens nos ECGs, tal-
vez valha a pena concluir que boa parte do debate foi conduzida de uma manei-
ra particularmente tendenciosa. Pois o engajamento é tipicamente apresentado
como se fosse da gestão (daí os temores de corrupção etc.). No entanto, os ECGs
mal começaram a considerar os engajamentos com o administrado,7 com os sindi-
calistas, com os grupos de mulheres e assim por diante, que poderiam constituir
uma clientela mais óbvia para esse empreendimento. Quebrar a ligação entre os
estudos de gestão e a gestão não precisa implicar o tipo de intelectualismo auto-
referenciado e hermeticamente selado que Peter Anthony e outros criticaram.
Conclusão
de ECGs, também é possível ver que essas diferenças são menos importantes do
que as que existem entre os ECGs e a gestão sem crítica. Com certeza, se os ECGs
devem ter algum futuro como “movimento” – se é isso o que se espera –, então
seria mais importante criar alianças entre marxistas e pós-estruturalistas (para ci-
tar a principal clivagem) do que se pôr tudo a perder com altercações recônditas
sobre as diferenças.
Terminamos a seção anterior com o exame do significado político dos ECGs, e
é a essa questão que retornamos agora. Nossa análise indicou que os ECGs estão
numa situação difícil. Para resumir: devemos guardar nossa crítica para nós mes-
mos e simplesmente gozar o prazer estético que o ato de escrever criticamente
pode nos proporcionar (ou sofrer em silêncio por nossa incapacidade de fazer a
diferença)? Ou devemos defender a causa dos oprimidos com o risco de contri-
buir ainda mais para sua dominação, ao permitir que nossa crítica seja apropria-
da e traduzida em “conhecimento performativo”?
Nenhuma dessas alternativas parece particularmente atraente, nem compatí-
vel com o projeto de caráter emancipatório dos ECGs. Mas, até certo ponto, pode
ser necessário que os ECGs simplesmente aceitem esta tensão irreconciliável, que,
num certo sentido, é um aspecto inevitável de todos os esforços políticos poten-
ciais. Além disso, essa não é uma escolha que nós (autores acadêmicos) temos
o poder de fazer – porque enquanto nós nos comprazemos com o debate dessas
questões, outras pessoas “lá fora” estão ocupadas com a mensuração do gênero,
do “verde”, do poder, da cultura etc., e com a articulação dessas novas contin-
gências para a produção de maior lucro, ou “valor por dinheiro”. E, pela mesma
razão, há também muitas pessoas “lá fora” que se interessaram pelas condições
de opressão, exclusão e dominação, por muito mais tempo do que nós, e que ex-
pressaram suas inquietudes de uma forma mais incisiva do que jamais consegui-
remos – de sindicalistas a feministas, a movimentos de homossexuais, a ativistas
negros e até a gestores. Tudo o que podemos fazer talvez seja garantir que essa
cacofonia – que a teoria de gestão dominante tratou como irrelevante para a aná-
lise das organizações ou como um conjunto de recursos e de restrições para a bus-
ca da performatividade – seja ouvida pelos estudantes de gestão, “não distorcida”
pelo propósito performativo (daí a importância particular da educação do gestor
para os ECGs). Assim, para retornar a um ponto que já defendemos antes, temos
que libertar a noção de engajamento da camisa-de-força em que foi envolvida pe-
los debates que promoviam ou recusavam o diálogo com os gestores, e imaginar
novamente o engajamento em termos de uma clientela organizacional maior.
Mas uma questão permanece em aberto: será que esse projeto requer ou é
compatível com a publicação de estudos críticos sobre gestão enquanto um espa-
ço ou “fórum” a partir de onde se pode formular e emitir críticas? Se a crítica está
sempre em movimento, pode muito bem ter chegado a hora de ela partir do lar
temporário em que o rótulo dos ECGs a abrigou. Como sugerimos anteriormente,
o rótulo da “crítica” parece que é agora usado de uma forma eclética para incluir
ao mesmo tempo o trabalho que se orienta pelos termos performativos como o que
não dá atenção à teoria social sobre a qual se fundamentam os ECGs. Ao teste-
munhar o espetáculo da apropriação da “crítica” de uma forma tão extensiva que
seu sentido se torna indistinguível daquele que anteriormente era alvo da crítica,
fica-se tentado a considerar que o rótulo dos Estudos Críticos de Gestão já não se
sustenta mais. Entretanto, rótulos à parte, apesar de todas as dificuldades que a
acompanham, não gostaríamos de abrir mão da crítica, como um esforço que vale
a pena na gestão.
Notas
1
Em 1996, a British Academy of Management Conference dedicou seu encontro
anual a uma abordagem crítica da gestão, e fez o mesmo em 1999. Em 1998, a
American Academy of Management Conference ofereceu um workshop sobre es-
tudos críticos de gestão e um simpósio sobre educação crítica de gestores, tam-
bém com o propósito de repeti-los. Desde 1995, há uma rede de estudos críticos
de gestão por e-mail. Também há uma série de seminários do ESRC [Conselho de
Pesquisa Econômica e Social], a cada dois anos, sobre educação crítica de gesto-
res. Há um mestrado (Master of Philosophy – Mphil) em Estudos Críticos de Ges-
tão na Universidade de Lancaster, uma disciplina de Estudos Críticos de Gestão
na Universidade de Derby e outros programas com conteúdo crítico, mesmo na
ausência do título. Temos conhecimento de pelo menos um doutorado (Ph.D.) em
andamento sobre o fenômeno dos estudos críticos de gestão. Em 1999, realizou-
se na Universidade de Manchester a I Conferência de Estudos Críticos de Gestão.
2
A elevação da gestão como técnica ao status de valor já é, naturalmente, há
muito tempo, um interesse central na literatura crítica inspirada na tradição we-
beriana (por exemplo, Ritzer, 1996), onde esta visão foi considerada como um
dos mecanismos a possibilitar que a racionalidade formal e a busca de soluções
técnicas acabassem deslocando a racionalidade substantiva.
3
Como foi observado de forma proveitosa por um dos avaliadores anônimos
deste artigo, também é digno de nota que as escolas de negócios e gestão no Rei-
no Unido não foram somente integradas (frouxamente) com as ciências sociais,
como também dependeram menos de patrocínios comerciais do que suas contra-
partes norte-americanas. Além disso, não houve o mesmo nível de intercâmbio
entre os estudiosos e os profissionais e os formuladores de políticas no Reino Uni-
do e seus equivalentes em outros países europeus.
4
Grande parte da literatura gerencialista recente é extremamente “crítica” da
gestão; os gestores são pressionados a se converterem e ouvem que será neces-
sária nada menos que uma revolução se eles quiserem pilotar “organizações ven-
cedoras” ou permanecer na corrida pela excelência. Embora se deva ver a decla-
ração de uma crise em gestão e a defesa de uma “revolução” como parte de um
Notas do tradutor
dade. Dessa forma, o termo queer theory surgiu por derivação dos estudos de gê-
nero, os quais por sua vez tiveram origem no pensamento feminista da segunda
metade do século XX. Mais amplamente, queer significa “coxo”, “torto”, “fora das
regras” ou simplesmente “desviante”. Neste texto, pode significar uma das bases
dos ECGs que, juntamente com as demais, se afastam das teorias dominantes no
campo da gestão.
Nota da Redação
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