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Teoria das Organizações

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Série RAE-Clássicos

Miguel P. Caldas
Carlos Osmar Bertero
(Coordenadores)

Teoria das Organizações


Andrew H. Van de Ven Michael T. Hannan
Andrew J. Grimes Miguel P. Caldas
Armen A. Alchian Miguel Pina e Cunha
Chris Grey Paul J. DiMaggio
Gareth Morgan Richard L. Daft
Gary Alan Fine Robert Cooper
Gibson Burrell Roberto Fachin
Harold Demsetz Sylvia Constant Vergara
John Freeman Valérie Fournier
Karl E. Weick W. Graham Astley
Marcelo Milano Falcão Vieira Walter W. Powell
Marianne W. Lewis

Francisco Gabriel Heidemann


r evisão t écnica

Cláudio Bica, Felipe Zambaldi,


José Luiz Celeste e Rebeca Alves Chu
t radução

Maurício C. Serafim
e dição/ p reparação dos O riginais

Com apoio de Ilda Fontes, Cláudia Cristina S. Martins,


Denise F. Cândido, Camila Dayan de Almeida,
Rafael Valente P. de Siqueira

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Sumário

Apresentação, xv

Parte I ­– Paradigmas em Estudos Organizacionais, 1

1 Paradigmas em estudos organizacionais: uma introdução à série (Miguel P. Caldas), 3


2 Paradigmas, metáforas e resolução de quebra-cabeças na
teoria das organizações (Gareth Morgan), 12
3 Metatriangulação: construção teórica com base em
paradigmas múltiplos (Marianne W. Lewis e Andrew J. Grimes), 34

Parte II – Introdução ao Paradigma Funcionalista, 67

4 Paradigma funcionalista: desenvolvimento de teorias e institucionalismo


nos anos 1980 e 1990 (Miguel P. Caldas e Roberto Fachin), 69
5 Debates e perspectivas centrais na teoria das organizações
(W. Graham Astley e Andrew H. Van de Ven), 80
6 Jaula de ferro revisitada: isomorfismo institucional e racionalidade coletiva nos
campos organizacionais (Paul J. DiMaggio e Walter W. Powell), 117

Parte III – O Paradigma Funcionalista no Final do Século XX, 143

7 Ecologistas e economistas organizacionais: o paradigma funcionalista em expansão


no final do século xx (Miguel P. Caldas e Miguel Pina e Cunha), 145
8 Ecologia de população das organizações (Michael T. Hannan e John Freeman), 154
9 Produção, custos de informação e organização econômica
(Armen A. Alchian e Harold Demsetz), 191

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vi  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

Parte IV – O Paradigma Interpretacionista, 221

10 Paradigma interpretacionista: a busca da superação do objetivismo funcionalista nos


anos 1980 e 1990 (Sylvia Constant Vergara e Miguel P. Caldas), 223
11 Organizações como sistemas interpretativos: em busca de um modelo
(Richard L. Daft e Karl E. Weick), 235
12 O melancólico declínio, o misterioso desaparecimento e o glorioso triunfo do
interacionismo simbólico (Gary Alan Fine), 257

Parte V – Abordagens Críticas e Pós-modernas, 289

13 Teoria crítica e pós-modernismo: principais alternativas à hegemonia funcionalista


(Marcelo Milano Falcão Vieira e Miguel P. Caldas), 291
14 Modernismo, pós-modernismo e análise organizacional:
uma introdução (Robert Cooper e Gibson Burrell), 312
15 Hora da verdade: condições e prospectos para os estudos
críticos de gestão (Valérie Fournier e Chris Grey), 335

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Sobre os autores

Andrew H. Van de Ven


Professor da Carlson School of Management – University of Minnesota.
Seus interesses de pesquisa incluem as áreas de inovação e mudança organi-
zacional, comportamento organizacional e métodos de pesquisa.
E-mail: avandeven@csom.umn.edu
Endereço: Carlson School of Management – University of Minnesota, 321,
19th Avenue South, Minneapolis – Minnesota – USA, 55455.

Andrew J. Grimes
Ph.D. em Administração pela University of Minnesota. Professor de Adminis-
tração e membro do Comitê de Teoria Social na University of Kentucky.
Seus interesses de pesquisa incluem organizações alternativas, poder, episte-
mologia, perspectivas críticas à administração e teoria organizacional radical.
E-mail: grimes@uky.edu

Armen A. Alchian
Professor emérito do Departamento de Economia, University of California –
Los Angeles.
Seus interesses de pesquisas incluem as áreas de teoria econômica, custos de
informação, organização econômica e economia da firma.
E-mail: alchian@econ.ucla.edu
Endereço: Bunche Hall 8262, Department of Economics, UCLA, Box 951477,
Los Angeles – CA – USA, 90095-1477.

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viii  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

Chris Grey

Professor de teoria das organizações no Judge Institute of Management Stu-


dies – Cambridge University.
Seus interesses de pesquisa contemplam estudos críticos de gestão (em es-
pecial pós-estruturalismo e pesquisa qualitativa), aprendizagem e conhecimento
em gestão, história da administração, gestão e política.
E-mail: c.grey@jbs.cam.ac.uk
Endereço: Judge Business School, University of Cambridge, Trumpington
Street, Cambridge, UK – CB2 1AG.

Gareth Morgan

Professor, Co-Director, Ph.D. Program, York University – Schulich School of


Business.
E-mail: morgan@imaginiz.com
Endereço: Schulich School of Business – York University, 4700 Keele Street,
Toronto – Ontario, M3J 1P3, Canada.

Gary Alan Fine

Professor do Departamento de Sociologia da Northwestern University.


Seus interesses de pesquisa estão nas áreas de psicologia social, sociologia
da cultura, sociologia da ciência, sociologia qualitativa, teoria social e comporta-
mento coletivo.
E-mail: g-fine@northwestern.edu
Endereço: Department of Sociology, Northwestern University, 1810 Chicago
Avenue, Evanston, Illinois – USA, 60208-1330.

Gibson Burrell

Professor de teoria das organizações no Management Centre – University of


Leicester.
Seus interesses de pesquisa compreendem a teoria social e suas conexões
com a teoria das organizações.
E-mail: g.burrell@le.ac.uk
Endereço: Management Centre, Ken Edwards Building, University of Leices-
ter, University Road, Leicester, UK – LE1 7RH.

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Sobre os autores  ix

Harold Demsetz
Professor emérito do Departamento de Economia, University of California –
Los Angeles.
Seus interesses de pesquisa incluem os temas de organização industrial, di-
reito e economia, monopólio e competição, economia da firma e políticas públi-
cas voltadas a empresas.
E-mail: hdemsetz@econ.ucla.edu
Endereço: Bunche Hall 8262, Department of Economics, UCLA, Box 951477,
Los Angeles – CA – USA, 90095-1477.

John Freeman
Professor de Empreendedorismo e Inovação na Haas School of Business, Uni-
versity of California – Berkeley.
Seus interesses de pesquisa incluem os temas de empreendedorismo, inova-
ção, comportamento organizacional e grupos industriais.
E-mail: freeman@haas.berkeley.edu
Endereço: University of California, Berkeley, Haas School of Business 350,
Barrows Hall, Berkeley – CA – USA, 94720-1900.

Karl E. Weick
Professor de Psicologia e Comportamento Organizacional na Stephen M. Ross
School of Business – University of Michigan.
Seus interesses de pesquisa envolvem as temáticas de comportamento orga-
nizacional, psicologia, sensemaking coletivo sob pressão, erros médicos, desem-
penho de alta confiabilidade, improvisação e mudança.
E-mail: karlw@umich.edu
Endereço: Stephen M. Ross School of Business, University of Michigan, 701
Tappan St., Ann Arbor – MI – USA, 48109-1234.

Marcelo Milano Falcão Vieira


Professor Adjunto da FGV-EBAPE – Escola Brasileira de Administração Públi-
ca e de Empresas.
Seus interesses de pesquisa contemplam as áreas de poder, instituições e es-
truturação de organizações culturais, cultura e desenvolvimento, organizações e
desenvolvimento socioterritorial.
E-mail: marcelo.vieira@fgv.br

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  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

Marianne W. Lewis

Ph.D. em Administração pela University of Kentucky. Professora assistente de


Administração pela University of Cincinnati.
Em seus interesses de pesquisa, ela se dedica a explorar tensões, conflitos e
paradoxos que impedem e possibilitam a inovação, particularmente nas áreas de
tecnologia de produção industrial avançada, desenvolvimento de produtos e teo­
ria organizacional.
E-mail: marianne.lewis@uc.edu
Endereço: 102a Carl H. Lindner Hall, PO Box 210165, Cincinnati – Ohio – Es-
tados Unidos, 45221-0165.

Michael T. Hannan

Professor de Administração e Sociologia na Graduate School of Business,


Stanford University.
Seus interesses de pesquisa contemplam as temáticas de ecologia organiza-
cional, recursos humanos em empresas emergentes, estratégia organizacional e
modelos formais de estrutura social.
E-mail: hannan@stanford.edu
Endereço: Stanford University, Graduate School of Business, Stanford – CA –
USA, 94305-5015.

Miguel P. Caldas
Professor da FGV-EAESP.
E-mail: mpcaldas@hotmail.com

Miguel Pina e Cunha

Professor na Faculdade de Economia, Universidade Nova de Lisboa. Doutor


em Gestão, licenciado em psicologia social e das organizações e mestre em com-
portamento organizacional.
Seus interesses de pesquisa contemplam as temáticas de mudança organi-
zacional não intencional, nomeadamente processos emergentes, improvisação,
bricolagem, acaso.
E-mail: mpc@fe.unl.pt

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Sobre os autores  xi

Paul J. DiMaggio
Professor de Sociologia na Princeton University.
Seus interesses de pesquisa envolvem as áreas de análise organizacional, so-
ciologia da cultura, estratificação social, sociologia econômica, análise de redes
sociais, sociologia da arte e da literatura e organizações sem fins lucrativos.
E-mail: dimaggio@princeton.edu
Endereço: Department of Sociology, 2-N-2 Green Hall, Princeton University,
Princeton – NJ – USA, 08544.

Richard L. Daft

Professor de Administração da Owen Graduate School of Management – Van-


derbilt University.
Seus interesses de pesquisa incluem as temáticas de modelos mentais de lide-
rança, mudança organizacional e projeto de sistema de desempenho para gran-
des organizações.
E-mail: dick.daft@owen.vanderbilt.edu
Endereço: Owen Graduate School of Management, Vanderbilt University,
Nashville – TN – USA, 37205.

Robert Cooper

Professor visitante no Centre for Culture, Social Theory & Technology – Kee­
le University.
Seus interesses de pesquisa incluem as temáticas de produção social e cultu-
ral, relações entre tecnologia e organização moderna e aspectos culturais e so-
ciais da informação.
E-mail: cooper.robert@talk21.com
Endereço: Centre for Culture, Social Theory & Technology, Darwin Building,
Keele University, Keele, Staffordshire – UK, ST5 5BG.

Roberto Fachin

Professor do Mestrado Profissional de Administração da PUC-Minas e da


Fundação Dom Cabral.
Seus interesses de pesquisa contemplam as relações entre estratégia e orga-
nizações, aspectos políticos na organização.
E-mail: rcfachin@portoweb.com.br

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xii  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

Sylvia Constant Vergara

Professora Titular da FGV-EBAPE – Escola Brasileira de Administração Públi-


ca e de Empresas.
Seus interesses de pesquisa contemplam as áreas de metodologia de pesqui-
sa, comportamento organizacional, desenvolvimento gerencial e gestão da edu-
cação corporativa.
E-mail: sylvia.vergara@fgv.br

Valérie Fournier

Professora de estudos organizacionais no Management Centre – University


of Leicester.
Seus interesses de pesquisa em economia e organizações alternativas in-
cluem: economia rural e desenvolvimento sustentável, formas alternativas de tro-
cas e mercados, cooperativas e pedagogia crítica.
E-mail: vf18@le.ac.uk
Endereço: Management Centre, Ken Edwards Building, University of Leices-
ter, University Road, Leicester, UK – LE1 7RH.

W. Graham Astley

Ex-professor da University of Pennsylvania.


In memoriam

Walter W. Powell

Professor de educação, comportamento organizacional, sociologia e comuni-


cação na Stanford University.
Seus interesses de pesquisa contemplam as áreas de teoria das organizações,
sociologia econômica e redes sociais e interorganizacionais.
E-mail: woodyp@stanford.edu
Endereço: 509 Ceras Bld., Stanford University, Stanford – CA – USA, 94305-
3084.

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Diretores da RAE

Maio/1961 a junho/1965 Raimar Richers


Julho/1965 a dezembro/1966 Yolanda F. Balcão
Janeiro/1967 a junho/1968 Carlos Osmar Bertero
Julho/1968 a junho/1969 Ary Bouzan
Julho/1969 a junho/1971 Orlando Figueiredo
Julho/1971 a dezembro/1972 Manoel Tosta Berlinck
Janeiro/1973 a junho/1975 Robert N. V. C. Nicol
Julho/1975 a março/1980 Luiz Antonio de Oliveira Lima
Abril/1980 a março/1982 Sérgio Micelli Pessoa de Barros
Abril/1982 a dezembro/1983 Yoshiaki Nakano
Janeiro/1984 a setembro/1985 Sérgio Micelli Pessoa de Barros
Outubro/1985 a setembro/1989 Maria Cecília Spina Forjaz
Outubro/1989 a dezembro/1989 Maria Rita Garcia L. Durand
Janeiro/1990 a setembro/1991 Gisela Taschner Goldenstein
Outubro/1991 a novembro/1995 Marilson Alves Gonçalves
Dezembro/1995 a dezembro/2000 Roberto Venosa
Janeiro/2001 a dezembro/2004 Thomaz Wood Jr.
Janeiro/2005 a agosto/2007 Carlos Osmar Bertero
Agosto/2007 Francisco Aranha

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Apresentação

Nas últimas décadas os Estudos Organizacionais experimentaram vigoroso


impulso no Brasil, tendo se acumulado razoável produção científica.
A RAE – revista de administração de empresas, com 47 anos de publicação
ininterrupta, acompanhou e fez parte desse processo. Em 2002, a RAE ganhou
a companhia de mais duas publicações: a RAE-eletrônica, também voltada para
pesquisadores e professores, e a GV-executivo, voltada para o público empresarial
e para estudantes de Administração.
“RAE-Clássicos”: Teoria das Organizações é o primeiro texto da série e con-
tém uma coletânea de textos essenciais. A obra reúne textos inéditos em língua
portuguesa, freqüentemente referidos tanto na literatura internacional como na
produção de autores brasileiros, mas cujo acesso nem sempre é facilitado à maio-
ria pelo fato de estarem noutros idiomas. Ao entregar estes textos ao público bra-
sileiro, traduzidos para nossa língua e precedidos de comentários dos editores,
estamos seguros de estar contribuindo para o aprimoramento da formação de no-
vos pesquisadores e estudiosos das questões organizacionais entre nós.
Esta edição foi possível graças ao esforço de toda a Equipe RAE – Maurício
Custódio Serafim, Ilda Fontes, Cláudia Cristina de Souza Martins, Denise Francisco
Cândido, Camila Dayan de Almeida, Rafael Valente Pedroso de Siqueira, Rosa Maria
Cadete de Almeida Kluska, Camila Tiemi Okazaki, Thalita Souza Salgado, José Ru-
bens Izzo e Pedro F. Bendassolli –, e ao apoio de Ailton Brandão, da Editora Atlas.
Expressamos aqui o desejo de todos os autores de que esta obra constitua
para os leitores fonte de reflexão crítica e orientação prática.
Boa leitura!

Miguel P. Caldas Carlos Osmar Bertero


Professor da FGV-EAESP Editor e Diretor – RAE-Publicações

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Parte I
Paradigmas em
Estudos Organizacionais

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1
Paradigmas em estudos
organizacionais: uma introdução à série*

Miguel P. Caldas

Com este primeiro módulo, composto por esta introdução e os dois artigos
a seguir, inauguramos a série “RAE-Clássicos”. O objetivo é proporcionar à co-
munidade acadêmica brasileira matéria-prima para reflexão e orientação em seu
trabalho de pesquisa. O papel deste texto introdutório é apresentar e contextuali-
zar a série, além de situar os dois artigos que compõem este primeiro módulo no
quadro da teoria das organizações no Brasil.

Produção internacional e contexto local

Nos últimos anos, a RAE trouxe aos seus leitores textos publicados em revis-
tas acadêmicas internacionais de primeira linha. Como crítico constante da im-
portação exagerada e acrítica de modelos estrangeiros também no campo da teo-
ria administrativa, minha percepção sobre a inclusão desses textos em periódicos
nacionais foi sempre ambivalente. Por um lado, creio ser o papel das publicações
nacionais a veiculação de investigação científica que, antes de mais nada, derive
da realidade local e a informe. Por outro lado, devemos considerar que nossos
periódicos também têm outra missão, com a qual compartilho em intento e es-
forço, de inserir a produção científica nacional no cenário internacional. No que
se refere à decisão de publicar textos estrangeiros já veiculados em outros países,
esses dois objetivos são até certo ponto contraditórios: a abordagem mais local
tenderia a reprovar a iniciativa, enquanto aquela que advoga inserção internacio-
nal talvez a apoiasse.

*  Artigo originalmente publicado na RAE – revista de administração de empresas, v. 45, no 1, p. 53-


57, jan./mar. 2005.

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  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

O que me motivou a participar da iniciativa desta série foi o seu caráter pri-
mordialmente didático e de formação de pesquisadores. Nos últimos anos, tive
contato freqüente com as conseqüências negativas das deficiências de formação
conceitual básica em teoria organizacional no Brasil. Como professor em ­cursos
de mestrado e doutorado, não foram poucas as ocasiões em que me choquei
ao ver alunos em situações quase absurdas, por pura falta de acesso a algumas
referências básicas. Muitos desses alunos estudavam temas fundamentados em
teo­rias das quais nunca haviam lido os principais expoentes, a não ser por meio
de apuds; muitas vezes, porque tais clássicos nunca haviam sido publicados em
português. Outros alunos, diante de seus problemas de pesquisa, propunham me­
todologias quantitativas e hipotético-dedutivas, embora sua base teórica indicas-
se uma orientação indutiva e de caráter subjetivo. Outros ainda manifestavam
“gostar de etnografia” e queriam usá-la para testar hipóteses de base objetivista
e funcional! Uma boa parte queria juntar e citar em seu apoio (e não para sobre-
por ou “metatriangular”, como se discute nos textos a seguir) tudo o que havia
lido na vida, de Karl Marx a Peter Drucker, passando eventualmente por Lair Ri-
beiro. Lembro-me de um aluno que experimentou severa crise ao descobrir que
sua “idéia original” era, na verdade, o objeto básico da teoria neo-institucional, à
época em voga havia mais de 20 anos.
A lista de eventos desse tipo é longa na vida de qualquer docente brasilei-
ro envolvido com programas de mestrado e doutorado. Ainda mais embaraçoso
é perceber que tais problemas atingem também colegas em estágios avançados
da carreira, o que pode ser constatado pela qualidade discutível e pela limitada
contribuição dos artigos submetidos a eventos e periódicos brasileiros. De fato,
a baixa qualidade e a limitada contribuição científica na produção brasileira em
Administração têm sido tratadas em muitos estudos, nas áreas de Estudos Orga-
nizacionais (Machado-da-Silva et al., 1990), Finanças (Leal et al., 2003), Marke-
ting (Vieira, 2003), Tecnologia da Informação (Hoppen et al., 1998) e Recursos
Humanos (Tonelli et al., 2003), assim como na Administração como um todo
(Quintella, 2003; Bertero et al., 1999; Caldas; Tinoco, 2004). De forma comple-
mentar, análises bibliométricas e de conteúdo têm mostrado que tais deficiências
colocam em cheque a legitimidade de uma parcela relevante de nossa produção
(veja Tonelli et al., 2002; Vergara; Carvalho, 1995, 1996; Vergara; Pinto, 2000;
Caldas; Tinoco, 2004).
De forma geral, minha opção tem sido por mitigar o problema mediante a su-
gestão de longas listas de leituras complementares, que compreendem em geral
artigos e livros não disponíveis em português. Nunca deixei de me surpreender
com o impacto positivo que tão singela incursão na literatura essencial do campo
provocou nos alunos, bem como à sua trajetória intelectual posterior.
Na raiz da questão está um problema de acesso: há centenas de pesquisado-
res e estudantes que, devido à indisponibilidade de textos em português, acabam
sem tomar contato com teorias e autores que poderiam ser cruciais à sua forma-

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Paradigmas em estudos organizacionais: uma introdução à série  

ção e ao seu trabalho de pesquisa. Nos últimos anos, testemunhei várias tentati-
vas de publicar em português alguns desses textos essenciais ou “clássicos” (na
falta de uma denominação mais adequada), que, entretanto, esbarraram na aná-
lise de viabilidade comercial das editoras.
É justamente nesse ponto que se situa este projeto, convergente com a mis-
são da RAE, de “fomentar e disseminar a produção científica em Administração
no Brasil”. A revista tem enorme influência e, portanto, responsabilidade na di-
fusão do pensamento administrativo desde sua formação (veja Bertero; Keinert,
1994). Análises bibliométricas ainda inéditas revelam ser a RAE o periódico na-
cional com maior impacto no campo, nas várias áreas da Administração. Milhares
de docentes, estudantes, profissionais e pesquisadores em formação usam a RAE
para atualizar-se e também para dar apoio em formação teórica básica. De certa
forma, a RAE contrapõe a danosa influência nesse mesmo âmbito de conhecidos
compêndios de teoria administrativa, caracterizados por atualidade, profundida-
de e qualidade duvidosas.
Assim, o projeto, que surgiu como uma simples proposta de introdução a um
texto clássico, rapidamente evoluiu para a organização de uma série, que tem
como objetivo a criação de um referencial básico de textos essenciais, nunca an-
tes disponíveis em português. Desejamos partilhar esse trajeto e as respectivas
apresentações dos textos com colegas que comungam os mesmos ideais.
Cabe observar que não há aqui nenhuma veneração aos textos e autores in-
cluídos. Esta série tampouco deve ser vista como uma desconsideração em rela-
ção à produção local. Trata-se, na verdade, de uma coleção de textos representa-
tivos da melhor produção internacional, cuja divulgação em português deve ser
vista como um incentivo à reflexão crítica e eventual incorporação. Desejamos
incentivar a produção nacional “bem informada”, contribuindo para sanar o pro-
blema de falta de acesso a pelo menos uma pequena parte daquilo que julgamos
básico e que deveria ser conhecido.

Como selecionar o essencial

Se a qualquer de nós, acadêmicos brasileiros da área de Administração, fos-


se perguntado quais são os textos essenciais para quem desejar se aventurar no
ensino e na pesquisa em estudos organizacionais, a diversidade de respostas se-
ria enorme. Apesar de sermos relativamente poucos, a “diáspora” que ocorreu no
campo desde sua constituição no Brasil (veja Bertero; Caldas; Wood, 1999) mul-
tiplicou o número de “cultos”, aos quais nos afiliamos, em palavra ou ação, como
pesquisadores. No entanto, alguns textos apareceriam com maior freqüência, por
constituírem passagem obrigatória na formação do acadêmico nacional, em dis-
ciplinas como Teoria Geral da Administração ou Teoria Organizacional, ou por
serem clássicos inquestionáveis, como os principais trabalhos de Herbert Simon

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  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

e Max Weber, ou dos brasileiros Alberto Guerreiro Ramos, Maurício Tragtenberg


e Fernando C. Prestes Motta.
Nesta série, trataremos especificamente de artigos acadêmicos ainda não
disponíveis em português. Não focalizaremos textos que sejam localmente co-
nhecidos, por sua publicação em livros ou artigos. Cabe notar que a inserção do
pri­meiro texto da série, de Gareth Morgan, foi feita menos por sua conhecida
abor­dagem metafórica (divulgada e conhecida no Brasil) do que por sua defesa
da caracterização paradigmática que alicerça a teoria organizacional. Também
não focalizaremos somente textos clássicos, no sentido mais restrito da palavra.
Entre dois artigos que possam introduzir uma mesma teoria ou conceito essen-
cial, escolhemos o mais recente, ou tentamos incluir um texto complementar
reflexivo que lhe dê perspectiva, como é o caso do segundo capítulo deste pri-
meiro módulo.
Alguns textos são de correntes teóricas que têm atingido popularidade no
Brasil, como o neo-institucionalismo, mas cujos textos-base não estão ainda dis-
poníveis em português. Outros são incluídos para prover conceitos-chave, como
os debates em torno de voluntarismo versus determinismo organizacional, ou a
questão dos níveis de análise, cujas bases não foram divulgadas em nosso idio-
ma. Mesmo assim, devemos admitir que muitos artigos relevantes são excluídos,
seja pela indisponibilidade de obtenção de direitos autorais, seja pela limitação
de espaço físico neste livro.

Paradigmas, metáforas e metatriangulações

A discussão sobre os paradigmas em estudos organizacionais, que Gareth


Mor­gan toma por empréstimo de seu trabalho de 1979 com Gibson Burrell, é,
em nosso entender, essencial ao pesquisador do campo. Com esse artigo de 1980,
que ora reproduzimos, Morgan – à época um doutorando galês saído de Lancas-
ter, na Inglaterra, e começando a vida acadêmica na América do Norte – conse-
guiu veicular sua perspectiva pouco convencional sobre teoria organizacional na
mais tradicional publicação do campo: a Administrative Science Quarterly.
O artigo apresenta dois elementos. O primeiro é a exposição de seu modelo
de “paradigmas sociológicos”, ou seja, uma base ontológica e epistemológica que,
segundo Morgan e Burrell, fundamentariam as teorias organizacionais modernas.
No livro publicado no ano anterior, que Morgan procura sintetizar no artigo, Bur-
rell e Morgan (1979) sugeriam que o campo de teoria organizacional seria forma-
do por uma série de posições epistemológicas e ontológicas de base, as quais for-
mariam algumas posições metateóricas a priori no desenvolvimento científico em
análise organizacional. Cada um desses quase-paradigmas paralelos coexistiria na
área e influenciaria teorias que seriam aprisionadas por seus próprios pressupos-
tos e desconheceriam ou ignorariam os demais “silos” representados por “campos

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Paradigmas em estudos organizacionais: uma introdução à série  

concorrentes”. Por sua vez, cada um desses campos de conhecimento iniciaria ci-
clos (ditos “paradigmáticos”) semelhantes aos que Kuhn (1962) havia descrito a
partir de seu conceito de “resolução de quebra-cabeças” (McCourt, 1997).
De forma didática, Burrell e Morgan (1979) apresentaram à academia de Ad-
ministração norte-americana um modelo de categorização dos campos paradig-
máticos. Os autores sobrepunham dois eixos: um representaria os pressupostos
metateóricos sobre a natureza da ciência, opondo a ciência “objetivista” à ciência
“subjetivista”, enquanto o outro simbolizaria as premissas metateóricas sobre a
natureza da sociedade, contrastando uma sociologia da “regulação” a uma socio-
logia da “mudança radical”.
O conhecido diagrama que resulta da sobreposição desses dois eixos define
o que os autores entendem ser os quatro principais paradigmas que fundamenta-
riam – ou que poderiam fundamentar – a análise organizacional. Seu argumento
é de que o desconhecimento dessa realidade paradigmática inconsciente e indis-
cutida, bem como a aceitação tácita quase hegemônica do paradigma funciona-
lista (no quadrante objetivista e regulacionista do diagrama), estariam aprisio-
nando e limitando o desenvolvimento do campo, e seria sua missão “libertá-lo”
e expandir seus limites. Ou seja, a intenção seria a de, em primeiro lugar, sugerir
que o campo cresceria em reflexividade e riqueza se os distintos paradigmas pu-
dessem se reconhecer e eventualmente dialogar no processo de desenvolvimento
científico e, em segundo lugar, desvendar caminhos metateóricos pouco explora-
dos e promissores, além do funcionalismo dominante, especialmente os referen-
ciais críticos e interpretativos.
O segundo elemento apresentado pelo texto de Morgan é sua conceituação da
visão metafórica da teoria organizacional e da realidade organizacional, que foi di-
vulgada no Brasil pela publicação, em 1996, do livro Imagens da organização (Edi-
tora Atlas). Em função da ampla divulgação deste segundo elemento, ele não será
aqui comentado. Vale, entretanto, registrar que: (a) ambos os elementos originam-
se do mesmo trabalho de Morgan com Burrell, seu professor em Lancaster; (b) a
discussão sobre metáforas que Morgan inicia nesse artigo em 1980 é um esforço
de refinamento e aprofundamento do criticado conceito de “analogia” utilizado
no livro de 1979 (McCourt, 1997; Oswick; Keenoy; Grant, 2002); (c) o trabalho
marca também um afastamento entre mestre e aluno – enquanto Morgan focali-
za a análise metafórica, aprofundando e popularizando seu trabalho com Burrell
(Palmer e Dunford, 1996), este último segue um caminho de busca e exploração
de rumos alternativos aos próprios quatro paradigmas, divulgando e patrocinando
o movimento pós-modernista em análise organizacional (Burrell, 1996; Cooper;
Burrell, 1988) e a corrente feminista em organizações (Burrell, 1984); e (d) o ca-
minho que Morgan iniciou guindou-o à condição de superstar na análise organiza-
cional (especialmente fora dos EUA), levou-o cada vez mais a legitimar o conceito
de metáforas organizacionais e, ao menos nos últimos dez anos, conduziu-o a uma
carreira de palestrante e consultor internacional (para observar a vida e a traje-

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  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

tória intelectual de Morgan, veja, entre outros, <www.schulich.yorku.ca e www.


imaginiz.com>).
De qualquer forma, o impacto do trabalho de Burrell e Morgan no campo é
inquestionável, em grande parte pelo artigo de 1980 e por sua seqüência (Mor-
gan, 1983). Nos últimos 25 anos, Burrell e Morgan tiverem um papel crucial:
primeiro, na popularização e crescente aceitação de tradições teóricas críticas e
interpretativas na teoria organizacional; e, segundo, na promoção de diálogos in-
terparadigmáticos, dos quais o texto de Lewis e Grimes, também aqui traduzido,
irá se ocupar extensivamente.
No Brasil, a popularização do conceito de paradigmas de Burrell e Morgan
na década de 1980, bem como do trabalho de Morgan sobre metáforas durante
os anos 1990, foi crucial na popularização e legitimação de perspectivas críticas
em organizações. Trabalhos hoje clássicos no Brasil (e.g., Machado-da-Silva et al.,
1990) usaram os quatro paradigmas para analisar a produção científica, o que
desde então foi reproduzido como protocolo de análise, quase sempre evidencian-
do a preocupante hegemonia do funcionalismo na teoria organizacional que se
faz e se reproduz no Brasil, e promovendo a diversidade paradigmática na direção
de outros referenciais. O uso de Burrell e Morgan para a formação de mestres e
doutores foi intensivo, especialmente entre meados da década de 1980 e meados
da década de 1990, pelas mãos de professores tais como Fernando C. Prestes Mot-
ta, Carlos Osmar Bertero, Maria Tereza Fleury, Sylvia Vergara, Clóvis Machado-
da-Silva, Roberto Fachin e Tânia Fischer, entre muitos outros.
Paradoxalmente, a partir de meados da década de 1990, talvez pela divulga-
ção do livro Imagens da organização, o trabalho de Burrell e Morgan cai drastica-
mente de uso. Por exemplo, entre 1997 e 2002, dentre as quase 50 mil citações
registradas em todos os trabalhos publicados nos Enanpads, apenas 14 são feitas
ao livro de Burrell e Morgan, de 1979. No mesmo período, Morgan é citado qua-
se 200 vezes (um terço delas na área de organizações), dois terços das quais são
citações ao livro Imagens da organização. Ou seja, a redução do uso desse impor-
tante trabalho, que o livro de Morgan não substitui em nenhuma medida, faz de
“Paradigmas sociológicos e análise organizacional” um dos textos mais influen-
tes, porém menos efetivamente lidos, da teoria organizacional. Desejamos que
a disponibilização desse artigo de Morgan abra novamente caminho para a sua
utilização no Brasil.
Por outro lado, o trabalho de Burrell e Morgan também passou a ser critica-
do. De acordo com alguns críticos, o modelo de paradigmas simultâneos que Bur-
rell e Morgan propuseram catalisou a proliferação de perspectivas concorrentes,
ou ao menos sua popularização e aceitação no campo. Além disso, também gerou
polarização e segregação. Assim, ao evidenciar diferenças elementares, Burrell e
Morgan promoveram a segregação das perspectivas.
Muitos críticos (veja revisão, por exemplo, em McCourt, 1997; Oswick; Kee­
noy; Grant, 2002) apontaram a excessiva ortodoxia da chamada “incomensura-

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Paradigmas em estudos organizacionais: uma introdução à série  

bilidade paradigmática” e o banimento do diálogo e o crescimento interparadig-


mático com conseqüências negativas do trabalho de Burrell e Morgan. Morgan
respondeu a essa polêmica aprofundando a discussão de analogias e metáforas
e advogando a maximização da reflexividade e da capacidade analítica que tal
abordagem geraria, tanto para pesquisadores quanto para profissionais (Mor-
gan, 1996). Por sua vez, Burrell (1996) reagiu a Morgan, criticando a excessiva
promiscuidade paradigmática e sugerindo que Morgan poderia estar dando a
falsa impressão de que paradigmas e modelos metateóricos são intercambiáveis
como produtos em prateleiras de supermercados. Outros teóricos argumenta-
ram que a proliferação paradigmática promoveu a “anarquia” no campo, que
deveria ater-se a um paradigma dominante, em geral aquele relacionado ao
postulante (por exemplo, veja Donaldson, 1985) ou por ele escolhido (Pfeffer,
1993).
Nesta primeira edição da série, selecionamos também o instigante texto
de Lewis e Grimes, publicado em 1999 na prestigiosa Academy of Management
­Review, para exemplificar a corrente que defende o diálogo e co-desenvolvimen-
to interparadigmático e que procura desenvolver pesquisa e gerar conhecimento
por meio da oposição sistemática e proposital de perspectivas opostas.
O texto é bem construído e atualizado. Além disso, oferece recursos impor-
tantes ao pesquisador. Em primeiro lugar, o texto registra a produção dos pesqui-
sadores “multiparadigmáticos” e “interparadigmáticos”, incluindo vários tipos e
formas de manifestação dessas abordagens. Acredito que, como eu, o leitor que
já admirava ou aplicava abordagens interparadigmáticas irá achar curiosa e re-
levadora a sua desconstrução na tipologia de aplicações levada a cabo pelos au-
tores. Em segundo lugar, o trabalho tem grande mérito também pela prescrição
estruturada da abordagem de pesquisa interparadigmática, denominada “meta-
triangulação”, uma técnica que eles revisam e ampliam nesse artigo. Em terceiro
lugar, cabe registrar que o texto tem grande valor também para leitores não aca-
dêmicos, ou leitores acadêmicos mais próximos da prática gerencial, pois traz um
exemplo de aplicação da técnica de metatriangulação a um caso de tecnologia
avançada de produção. Lewis e Grimes revêem e ampliam significativamente o
trabalho de Burrell e Morgan 20 anos após a publicação do livro que popularizou
a categorização paradigmática em estudos organizacionais.
Estimo que o leitor – seja para sua própria formação ou desenvolvimento,
seja para o seu uso em pesquisa ou no ensino – verá grande utilidade nestas
duas obras.

Referências

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1993). RAE – revista de administração de empresas, v. 34, n. 3, p. 81-90, 1994.

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10  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

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Paradigmas em estudos organizacionais: uma introdução à série  11

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2
Paradigmas, metáforas e
resolução de quebra-cabeças na
teoria das organizações*

Gareth Morgan

Introdução

Para o filho de um camponês que cresceu dentro das estreitas fronteiras


de seu vilarejo e que passa a vida toda no lugar em que nasceu, o modo
de pensar e de falar característico desse vilarejo é algo que ele tem como
inteiramente dado e certo. Mas para o rapaz da zona rural que vai para a
cidade e gradualmente se adapta à vida urbana, o modo de viver e de pen-
sar do campo deixa de ser algo tido como dado e seguro. Ele ganhou um
certo “distanciamento” desse modo de vida e consegue fazer agora uma
distinção, talvez bastante consciente, entre as idéias e os modos de pensar
“rurais” e “urbanos”. Nesse tipo de distinção repousa o início da aborda-
gem que a sociologia do conhecimento procura desenvolver com todos os
detalhes. Aquilo que, dentro de um certo grupo, é aceito como absoluto
parece, para quem está fora, condicionado pela situação do grupo e reco-
nhecido como algo parcial (nesse caso, “rural”). Esse tipo de conhecimento
pressupõe uma perspectiva mais imparcial (Mannheim, 1936).

Mannheim utiliza esse exemplo de urbanização de um jovem camponês como


um meio para ilustrar como os modos de pensar sobre o mundo são mediados

*  Artigo originalmente publicado sob o título “Paradigms, metaphors, and puzzle solving in organiza-
tion theory”, por Gareth Morgan, na revista Administrative Science Quarterly, v. 25, n. 4, p. 605-622,
1980. Publicado com autorização da Johnson Graduate School of Management, Cornell University.
© Johnson Graduate School of Management, Cornell University. <www.johnson.cornell.edu/ASQ>.

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Paradigmas, metáforas e resolução de quebra-cabeças na teoria das organizações  13

pelo ambiente social e como a aquisição de novos modos de pensar depende de


um afastamento da antiga visão de mundo. O exemplo é um ponto de partida
bem adequado para uma análise da teoria das organizações que procura exami-
nar como os teóricos de organizações tentam compreender seu objeto de estudo e
também como eles podem lograr um certo distanciamento do modo ortodoxo de
vê-lo. Os teóricos de organizações, assim como os cientistas de outras disciplinas,
com freqüência abordam seu objeto de estudo a partir de um marco de referência
baseado em pressuposições inquestionáveis. Na medida em que esses pressupos-
tos são afirmados e reafirmados de forma contínua pelos cientistas da área e por
outros com os quais os teóricos de organizações interagem, eles podem ficar sem
questionamento, como também fora e além da percepção consciente. Nesse sen-
tido, a visão de mundo ortodoxa pode vir a assumir o status de real, corriqueira
e inquestionável, como a visão de mundo do jovem camponês de Mannheim que
permaneceu em casa. A natureza parcial e auto-sustentadora da ortodoxia so-
mente se torna evidente na medida em que o teórico explicita as pressuposições
básicas, que desafiam os modos alternativos de visão, e começa a apreciar essas
alternativas em seus próprios termos.

Paradigmas, metáforas e resolução de quebra-cabeças

Para compreender a natureza da ortodoxia, na teoria das organizações, deve-


se entender a relação entre os modos específicos de teorização e pesquisa e as vi-
sões de mundo que eles refletem. Será útil começar com o conceito de paradigma
popularizado por Kuhn (1962), apesar de este conceito ter sido exposto a uma
ampla e confusa variedade de interpretações (Morgan, 1979). O que se deve, em
parte, ao próprio Kuhn ter usado o conceito de paradigma pelo menos de 21 mo-
dos distintos (Masterman, 1970) e consistentes com três sentidos amplos do ter-
mo: (1) como um modo de ver, ou visão cabal de realidade; (2) como referência
à organização social da ciência, em termos de escolas de pensamento associadas
a tipos particulares de realizações científicas; e (3) como referência ao uso con-
creto de tipos específicos de ferramentas e textos para o processo de resolução de
quebra-cabeças científicos (veja Figura 1).
É provável que uma das implicações mais importantes do trabalho de Kuhn
provenha da identificação dos paradigmas como realidades alternativas; e o uso
indiscriminado do conceito de paradigma de maneira diversa tende a mascarar
esse insight básico. O termo paradigma é, portanto, utilizado aqui em seu sen-
tido metateórico ou filosófico, para denotar uma visão implícita ou explícita da
realidade. Toda análise adequada do papel dos paradigmas na teoria social deve
desvendar as pressuposições centrais que caracterizam e definem uma visão de
mundo, de modo que se torne possível apreender o que há de comum nas pers-
pectivas dos teóricos, cujos trabalhos poderiam, em caso contrário, num nível
mais superficial, parecer distintos e de alcance amplo.1

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14  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

Paradigmas
Realidades alternativas

Metáforas
Bases das escolas de pensamento

Atividades de resolução de quebra-cabeças


Baseadas em ferramentas e textos específicos

Figura 1 Paradigmas, metáforas e a resolução de quebra-cabeças: três conceitos para


se compreender a natureza e a organização da ciência social.

Toda visão de mundo, ou paradigma metateórico, pode incluir diversas esco-


las de pensamento, que com freqüência constituem diferentes maneiras de abor-
dar e estudar uma realidade compartilhada, ou visão de mundo (o nível de metá-
fora, na Figura 1). Argumentar-se-á neste artigo que, na ciência social, as escolas
de pensamento – aquelas comunidades de teóricos que subscrevem a perspecti-
vas relativamente coerentes – se baseiam na aceitação e no uso de diferentes ti-
pos de metáfora como base para investigação.
No nível de análise da resolução de quebra-cabeças (Figura 1), é possível
identificar muitos tipos de atividade de pesquisa que procuram operacionalizar
as implicações específicas da metáfora que define uma certa escola de pensa-
mento. Nesse nível de análise detalhada, muitos textos, modelos e instrumentos
específicos de pesquisa competem pela atenção dos teóricos, e grande parte da
pesquisa e do debate nas ciências sociais está focada nesse nível. Isso inclui o que
Kuhn (1962) descreveu como “ciência normal”. Na teoria das organizações, por
exemplo, o livro de Thompson Organizations in action (1967) serviu de modelo
e ponto de partida fundamental para os teóricos interessados em teoria contin-
gencial, que desenvolve insights gerados pela metáfora do organismo (Burrell e
Morgan, 1979). As numerosas proposições apresentadas no livro de Thompson
geraram uma grande quantidade de pesquisas voltadas para a resolução de que-
bra-cabeças, em que as pressuposições metafóricas subjacentes ao modelo de
Thompson foram consideradas seguras e inquestionáveis como uma maneira de
compreender as organizações.
Ao apreciar como as atividades específicas de resolução de quebra-cabeças
estão relacionadas com as metáforas preferidas que, por sua vez, estão de acordo
com uma visão preferencial da realidade, o teórico pode perceber com muito mais
consciência o papel que exerce em relação à construção social do conhecimento
científico. Como no caso do jovem camponês “urbanizado” de Mannheim, uma

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Paradigmas, metáforas e resolução de quebra-cabeças na teoria das organizações  15

perspectiva cosmopolita sobre teorização depende de o teórico deixar, em algum


momento, a comunidade dos praticantes com os quais se sente confortável, a fim
de avaliar os domínios da teorização definidos por outros paradigmas e a varieda-
de de metáforas e métodos pelos quais se pode conduzir a teoria e a pesquisa.

Paradigmas como realidades alternativas

O papel dos paradigmas, como visões da realidade social, foi recentemen-


te explorado em detalhe por Burrell e Morgan (1979), que argumentaram que
a teoria social em geral e a teoria das organizações em particular poderiam ser
utilmente analisadas em termos de quatro amplas visões de mundo, que são re-
presentadas em diferentes conjuntos de pressuposições metateóricas sobre a na-
tureza da ciência, a dimensão subjetiva-objetiva, e a natureza da sociedade, a di-
mensão da mudança por regulação ou por via radical (Figura 2). Cada um desses
quatro paradigmas – funcionalista, interpretativista, humanista radical e estrutu-
ralista radical – representa uma rede de escolas de pensamento inter-relaciona-
das, diferenciadas em abordagem e perspectiva, mas que compartilham pressu-
postos fundamentais sobre a natureza da realidade de que tratam.

SOCIOLOGIA DA MUDANÇA RADICAL


Paradigma humanista Paradigma estruturalista
radical radical
Instrumento
Prisão psíquica de dominação

Fragmentação
Teoria antiorganização Teoria organizacional radical
Catástrofe

SUBJETIVO OBJETIVO
Paradigma interpretativista Paradigma funcionalista
Behaviorismo,
determinismo Máquina
Pluralismo
Hermenêutica, e empiricismo
etnometodologia e abstrato
Realização e interacionismo simbólico Organismo
Estrutura Teoria
produção de fenomenológico de referência dos sistemas Ecologia
sentido
da ação sociais populacional

Sistema
SOCIOLOGIA Sistema cibernético
Jogos de Texto político
linguagem DA REGULAÇÃO Sistema frouxamente
Cultura Teatro acoplado

Figura 2  Paradigmas, metáforas e escolas relacionadas de análise organizacional.

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16  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

O paradigma funcionalista se baseia na pressuposição de que a sociedade


tem existência concreta e real e um caráter sistêmico orientado para produzir um
estado de coisas ordenado e regulado. Ele estimula uma abordagem para a teoria
social que focaliza o entendimento do papel dos seres humanos na sociedade. O
comportamento é sempre visto como algo que está contextualmente atado a um
mundo real de relacionamentos sociais concretos e tangíveis. Os pressupostos
ontológicos estimulam a crença na possibilidade de uma ciência social objetiva
e isenta de conotações de valor, em que o cientista se distancia da cena que ele
ou ela está analisando com o rigor e a técnica do método científico. A perspec-
tiva funcionalista é fundamentalmente reguladora e prática, em sua orientação
básica, e está interessada em compreender a sociedade de maneira que produza
conhecimento empírico útil.
O paradigma interpretativista, por outro lado, se baseia na visão de que o
mundo social possui uma situação ontológica duvidosa e de que o que passa por
realidade social não existe em sentido concreto, mas é produto da experiência
subjetiva e intersubjetiva dos indivíduos. A sociedade é entendida a partir do
ponto de vista do participante em ação, em vez do observador. O teórico social
interpretativista tenta compreender o processo pelo qual as múltiplas realidades
compartilhadas surgem, se sustentam e se modificam. Da mesma forma que a
abordagem funcionalista, a interpretativista se baseia na pressuposição e na cren-
ça de que há uma ordem e um padrão implícito no mundo social; no entanto, o
teórico interpretativista vê a tentativa do funcionalista de estabelecer uma ciên-
cia social objetiva como um fim inatingível. A ciência é considerada uma rede de
jogos de linguagem, baseada em grupos de conceitos e regras subjetivamente de-
terminados, que os praticantes da ciência inventam e seguem. Vê-se que a situa­
ção do conhecimento científico é, portanto, tão problemática quanto o conheci-
mento do senso comum da vida diária.
O paradigma humanista radical, como o paradigma interpretativista, enfatiza
como a realidade é socialmente criada e socialmente sustentada, mas vincula sua
análise ao interesse em alguma coisa que pode ser descrita como uma patologia
da consciência, pela qual os seres humanos se aprisionam dentro de fronteiras
da realidade que eles mesmos criam e sustentam. Essa perspectiva se baseia na
visão de que o processo de criação da realidade pode ser influenciado por proces-
sos psíquicos e sociais que canalizam, restringem e controlam as mentes dos seres
humanos de maneira a aliená-los em relação às potencialidades inerentes à sua
verdadeira natureza de humanos. A crítica contemporânea do humanismo radi-
cal enfoca os aspectos alienadores dos vários modos de pensamento e ação que
caracterizam a vida nas sociedades industriais. Vê-se, por exemplo, o capitalismo
como algo essencialmente totalitário, a idéia da acumulação de capital como algo
que modela a natureza do trabalho, da tecnologia, da racionalidade, da lógica,
da ciência, dos papéis, da linguagem, que mistifica conceitos ideológicos como
escassez, lazer, e assim por diante. Os conceitos que o teórico funcionalista pode
considerar como blocos de construção da ordem social e da liberdade humana

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Paradigmas, metáforas e resolução de quebra-cabeças na teoria das organizações  17

são, para o humanista radical, modos de dominação ideológica. O humanista ra-


dical está interessado em descobrir como as pessoas podem associar pensamento
e ação (práxis) como um meio para transcender sua alienação.
A realidade definida pelo paradigma estruturalista radical, assim como a do
humanista radical, fundamenta-se na visão de que a sociedade é uma força po-
tencialmente dominadora. No entanto, ela está vinculada a uma concepção mate-
rialista do mundo social, definida por estruturas sólidas, concretas e ontologica-
mente reais. Vê-se a realidade como uma coisa que existe por si própria, de uma
forma independente de como é percebida e reafirmada pelas pessoas em suas
atividades do dia-a-dia. Vê-se essa realidade como algo que se caracteriza por
tensões e contradições intrínsecas entre elementos antagônicos, o que, inevitavel-
mente, leva a uma mudança radical no sistema como um todo. O estruturalista
radical está interessado em compreender essas tensões intrínsecas e a maneira
como os detentores do poder na sociedade procuram controlá-las por meio de
vários modos de dominação. Põe-se a ênfase sobre a importância da práxis como
meio de transcender esta dominação.
Cada um desses quatro paradigmas define os fundamentos dos modos anta-
gônicos de análise social e tem implicações radicalmente diferentes para o estudo
das organizações.

Status epistemológico da metáfora

Os seres humanos estão constantemente tentando formular concepções so-


bre o mundo e, como argumentaram Cassirer (1946, 1955) e outros, o fazem em
termos simbólicos, tentando tornar o mundo concreto, dando-lhe uma forma. Por
meio da linguagem, da ciência, da arte e dos mitos, por exemplo, os seres huma-
nos estruturam seu mundo de maneira tal que ela faça sentido para eles. Essas
tentativas de objetificar a realidade incorporam intenções subjetivas aos signi-
ficados que sustentam os construtos simbólicos utilizados. O conhecimento e a
compreensão do mundo não são dados aos seres humanos por eventos externos;
os humanos tentam objetificar o mundo por meio de processos essencialmente
subjetivos. Como enfatizou Cassirer, todos os modos de compreensão simbólica
possuem essa qualidade. Palavras, nomes, conceitos, idéias, fatos, observações
etc. não denotam tanto “coisas” externas quanto concepções de coisas, ativadas
na mente por uma forma seletiva e significativa de observar o mundo, que po-
dem ser compartilhadas com os outros. Elas não devem ser vistas como uma re-
presentação da realidade que “está lá fora”, mas como ferramentas para captar
e lidar com o que se percebe que “está lá fora”. Nesse aspecto, o cientista, como
os outros na vida cotidiana, recorre a construtos simbólicos para estabelecer re-
lações concretas entre o mundo subjetivo e o objetivo, num processo que capta
apenas uma pálida e breve visão de ambos. A ciência, como os outros modos de
atividade simbólica, é construída com base no uso de ferramentas epistemológi-

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18  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

cas imperfeitas, abrigando o que Cassirer (1946) descreveu como “a maldição da


mediação” e propiciando o que Whitehead (1925) descreveu como “ficções úteis”
para lidar com o mundo.
Para se compreender de que maneira se constrói a teoria científica como uma
forma simbólica, deve-se prestar atenção ao papel da metáfora, pois o processo
de concepção metafórica é um modo básico de simbolismo, central para o modo
como os humanos modelam sua experiência e seu conhecimento do mundo em
que vivem. A metáfora é com freqüência considerada não mais que um artifício
literário e descritivo para efeitos decorativos; mas ela é, fundamentalmente, uma
forma criativa que produz seu efeito pela intersecção ou sobreposição de ima-
gens. A metáfora atua por meio de afirmações de que o objeto A é ou se asseme-
lha a B, em que os processos de comparação, substituição e interação entre as
imagens de A e B atuam como geradores de um novo sentido (Black, 1962).
Demonstrou-se que a metáfora exerce uma influência importante sobre o de-
senvolvimento da linguagem (Muller, 1871); enquanto o sentido muda de uma
situação para outra, novas palavras e novos sentidos, criados como sentidos de
referência, são utilizados metaforicamente para captar novas aplicações. Isso é
bem ilustrado, por exemplo, na história da palavra organização. O Oxford English
Dictionary indica que, antes de 1873, o termo organização era usado principal-
mente para descrever a ação de organizar ou o estado de estar organizado, par-
ticularmente em sentido biológico. Em 1816, o termo foi utilizado para ordenar
e coordenar as partes em um todo sistêmico. Por volta de 1873, Herbert Spencer
usou o termo para se referir a “um corpo, sistema ou sociedade organizados”. O
estado de ser organizado em sentido biológico constituiu a base da metáfora da
ação de criar arranjos ou de coordenar, em sentido geral, como também da me-
táfora do corpo, sistema ou sociedade, em sentido geral. O uso do termo organi-
zação para descrever uma instituição social é razoavelmente moderno e cria um
novo significado pela extensão metafórica dos sentidos antigos.
Mostrou-se também que a metáfora exerce um papel importante no uso da
linguagem, no desenvolvimento cognitivo e na maneira geral pela qual os seres
humanos formam concepções sobre suas realidades (Burke, 1945, 1954; Jakob-
son e Halle, 1956; Ortony, 1979). Deu-se atenção considerável ao papel exercido
pela metáfora no desenvolvimento da ciência e do pensamento social (Berggren,
1962, 1963; Black, 1962; Schön, 1963; Hesse, 1966), e Brown (1977) fez uma
análise da influência da metáfora sobre a sociologia.
O trabalho de pesquisa desses diferentes teóricos contribui para uma visão
da investigação científica como um processo criativo em que os cientistas vêem
o mundo metaforicamente, por meio da linguagem e dos conceitos que filtram e
estruturam suas percepções de seus objetos de estudo e por meio das metáforas
que eles implícita ou explicitamente escolhem para desenvolver seus modelos de
análise. É a esta última utilização das metáforas que se volta o foco de atenção
deste artigo, com vistas a mostrar como as escolas de pensamento dedicadas à

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Paradigmas, metáforas e resolução de quebra-cabeças na teoria das organizações  19

teoria das organizações se baseiam em insights associados a diferentes metáforas


para o estudo das organizações e como a lógica da metáfora possui importantes
implicações para o processo de construção teórica.
A utilização da metáfora serve para gerar uma imagem para o estudo de um
objeto. Essa imagem pode prover o fundamento para a pesquisa científica deta-
lhada que se baseia em tentativas de descobrir até que ponto as características da
metáfora são encontradas no objeto de investigação. Grande parte da atividade
de resolução de quebra-cabeças da ciência normal é desse tipo, com os cientis-
tas tentando examinar, operacionalizar e mensurar as implicações minuciosas do
insight metafórico sobre o qual suas pesquisas implícita ou explicitamente se ba-
seiam. Esta limitação da atenção cobra muito de um comprometimento prévio e
algo irracional para com a imagem do objeto de investigação, já que todo insight
metafórico proporciona uma visão apenas parcial e unilateral do fenômeno ao
qual ele se aplica.
O potencial criativo da metáfora depende de que haja algum grau de dife-
rença entre os objetos envolvidos no processo metafórico. Por exemplo, um bo-
xeador pode ser descrito como “um tigre no ringue”. Ao escolher o termo tigre,
evocamos impressões específicas de um animal feroz que, ora e ao mesmo tem-
po, se move com graça, dissimulação, poder, força e velocidade, ao encalço de
sua presa. Por implicação, a metáfora sugere que o boxeador possui essas quali-
dades, ao lutar com seu adversário. O uso dessa metáfora requer que se ignore a
pele de listras alaranjadas e pretas do tigre, as quatro patas, as garras, os dentes
caninos e o rugido ensurdecedor, em favor de uma ênfase sobre as característi-
cas que o boxeador e o tigre têm em comum. A metáfora, portanto, se baseia so-
mente numa verdade parcial; ela requer da pessoa que a utiliza uma abstração
algo unilateral, em que certas características sejam enfatizadas e outras sejam
suprimidas, numa comparação seletiva. A Figura 3 ilustra o significado crucial
da diferença numa metáfora. Se os dois objetos são percebidos como totalmente
distintos, por exemplo, boxeador e panela (Figura 3a), ou são vistos como quase
idênticos, por exemplo, boxeador e homem (Figura 3c), o processo metafórico
produz um imaginário fraco ou sem sentido. O uso mais poderoso da metáfora
surge nos exemplos tipificados na Figura 3b, em que as diferenças entre os dois
fenômenos são percebidas como significativas, mas não totais. A metáfora é uma
forma de expressão criativa que confia na falsidade construtiva como meio para
liberar a imaginação.
A lógica das metáforas possui, portanto, implicações importantes para a teo-
ria das organizações, pois sugere que nenhuma metáfora pode captar toda a natu-
reza da vida organizacional. Em vez da tentativa de forjar uma síntese sobre bases
limitadas, emerge como meta apropriada um pluralismo teórico consciente e de
alcance amplo. Metáforas diferentes podem constituir e captar a natureza da vida
organizacional de maneiras diferentes, cada uma gerando tipos de insight pode-
rosos, distintos, mas essencialmente parciais. Aqui, a lógica sugere que se podem

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20  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

usar novas metáforas para criar novas maneiras de ver as organizações, que supe-
rem as fraquezas e os pontos cegos das metáforas tradicionais, oferecendo aborda-
gens suplementares ou até contraditórias para a análise organizacional.

X Y X Y X Y

(a) (b) (c)

Figura 3  Papel da diferença na metáfora.

Reconhecer que a teoria das organizações é metafórica é reconhecer que ela


é um empreendimento essencialmente subjetivo, interessado em produzir análi-
ses parciais da vida organizacional, o que tem conseqüências importantes, pois
estimula um espírito de investigação crítica e uma precaução contra um compro-
metimento excessivo com pontos de vista favorecidos. As abordagens tradicionais
de análise organizacional, com freqüência, se baseiam em conceitos e métodos
bem testados, que são considerados axiomáticos, no que concerne à compreen-
são da organização. Nessa situação, perde-se de vista a natureza metafórica da
imagem que gerou esses conceitos e o processo de análise organizacional se torna
excessivamente concreto, na medida em que os teóricos e os pesquisadores tra-
tam os conceitos como descrições da realidade. Retornando à ilustração anterior,
o boxeador é tratado como um tigre e é sobre a “natureza do tigre” que se põe
o foco da teoria e da pesquisa, muitas vezes em prejuízo de todo o resto. Esta
perspectiva resulta num enclausuramento prematuro do pensamento e também
da investigação. As escolas de teóricos comprometidos com abordagens e con-
ceitos particulares, com freqüência, consideram que as perspectivas alternativas
estão desorientadas ou representam ameaças à natureza de seu empreendimento
básico. As abordagens, as técnicas, os conceitos e as descobertas que essas pers-
pectivas alternativas geram são, muitas vezes, interpretadas e avaliadas de ma-
neira não apropriada, com grande perda de valor significativo. O que se segue,
com freqüên­cia, são mal-entendidos, hostilidade ou indiferença calculada, com o
efeito de dificultar ou impossibilitar debates abertos e construtivos. A consciência
da natureza metafórica da teoria pode ajudar a romper a compartimentalização
falsa e restritiva da investigação e do entendimento que caracteriza a moderna
teoria das organizações. Para compreender qualquer fenômeno organizacional,
devem-se entreter muitos insights metafóricos diferentes.
O status metafórico da teorização científica também tem implicações impor-
tantes para o modo pelo qual se pode conduzir a pesquisa, estimulando uma am-
pliação de perspectiva e flexibilidade de abordagem. Ao quebrar a divisão rígida
entre o que constitui arte e ciência, a consciência do status epistemológico da me-

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Paradigmas, metáforas e resolução de quebra-cabeças na teoria das organizações  21

táfora sensibiliza os cientistas para a idéia de que as disciplinas não científicas po-
dem conter insights, abordagens e métodos de investigação relevantes e capazes
de contribuir para a análise organizacional (Brown, 1977). A consciência de que,
em sua pesquisa específica, os cientistas em geral estão tentando operacionalizar
uma metáfora serve como uma influência sensata para o comprometimento com
a pesquisa empírica e a resolução de quebra-cabeças como um fim em si mesmo.
Esta consciência enfatiza a necessidade de se lograr um firme entendimento dos
elos que existem entre teoria e método e a extensão das abordagens metodológicas
para investigar diferentes pontos de vistas metafóricos (Morgan; Smircich, 1980).

A metáfora na teoria das organizações

Na teoria das organizações, a visão ortodoxa baseou-se de forma predomi-


nante nas metáforas da máquina e do organismo. A metáfora da máquina alicerça
as obras dos teóricos clássicos da Administração (Taylor, 1911; Fayol, 1949) e a
especificação weberiana de burocracia como tipo ideal (Weber, 1946). Embora as
concepções que fundamentam o trabalho de teóricos tão distintos tivessem a in-
tenção de servir a diferentes fins, isto é, à melhoria da eficiência na teoria clássica
de Administração e à nossa compreensão da sociedade na teoria weberiana, as
duas linhas de pensamento se fundiram para proporcionar as bases da moderna
teoria organizacional. O imaginário mecânico é muito claro. As máquinas são con-
cebidas em termos racionais para realizar o trabalho, visando alcançar fins pré-es-
pecificados; a metáfora da máquina na teoria das organizações expressa esses fins
como metas, e a relação entre meios e fins como uma racionalidade intencional.
Na realidade, os modelos mecânicos de organização foram descritos de diversas
maneiras, na literatura da teoria das organizações, como “modelos de racionali-
dade” (Gouldner, 1973; Thompson, 1967) e “modelos de meta” (Georgiou, 1973;
Etzioni, 1960). Os detalhes desses modelos de máquina são tirados de conceitos
mecânicos. Por exemplo, eles dão importância crucial aos conceitos de estrutura
e tecnologia na definição das características organizacionais. As máquinas são en-
tidades tecnológicas cujas relações entre os elementos constitutivos formam uma
estrutura. Na teoria organizacional clássica e burocrática, dá-se ênfase principal-
mente à análise e ao modelo da estrutura formal de uma organização e sua tecno-
logia. De fato, essas teorias essencialmente constituem mapas de ação para esse
modelo; elas procuram modelar as organizações como se elas fossem máquinas,
e os seres humanos previstos para trabalhar dentro dessas estruturas mecânicas
devem ser avaliados por suas habilidades instrumentais. A concepção tayloriana
de homem econômico e o conceito weberiano de burocrata sem rosto ampliam os
princípios da metáfora da máquina para definir a visão de natureza humana que
melhor se ajusta à máquina organizacional. De fato, como sugere Weber, o modo
burocrático de organização desenvolve mais perfeitamente esse modo de organi-
zação, na medida em que ele elimina dos negócios oficiais o amor, o ódio e todos
os elementos puramente emocionais, irracionais e pessoais (Weber, 1946, p. 216).

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22  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

Além do mais, o funcionamento de toda empresa burocrática é julgado em termos


de sua eficiência, outro conceito que deriva da concepção mecânica de organiza-
ção como um instrumento para alcançar fins predeterminados.
A outra metáfora central na teoria das organizações é a do organismo. O
termo organismo veio a ser utilizado para se referir a qualquer sistema de par-
tes mutuamente interligadas e dependentes, constituídas para compartilhar uma
vida comum, e focaliza sua atenção sobre a natureza das atividades da vida. Vê-
se o organismo, tipicamente, como uma combinação de elementos diferenciados,
mas integrados, que tentam sobreviver no contexto de um ambiente mais amplo
(Spencer, 1873, 1876-1896). São fortes e claras as ligações entre esta metáfora
do organismo e grande parte da teoria contemporânea das organizações. A ênfa-
se principal da abordagem de sistemas abertos, por exemplo, é a estreita relação
interativa entre a organização e o ambiente e como a vida ou a sobrevivência da
organização depende de conseguir uma relação apropriada. Também se enfatiza
a idéia de que a organização tem necessidades ou funções imperativas que de-
vem ser satisfeitas para que ela logre essa relação com o ambiente. Os estudos de
Hawthorne (Roethlisberger e Dickson, 1939), as teorias funcionalistas estrutu-
rais de Selznick (1948) e Parsons (1951, 1956), a abordagem de sistemas socio-
técnicos (Trist e Bamforth, 1951), a abordagem de sistemas gerais (Katz; Kahn,
1966) e grande parte da moderna teoria da contingência (Burns; Stalker, 1961;
Lawrence; Lorsch, 1967) baseiam-se todos no desenvolvimento da metáfora do
organismo. Enquanto na metáfora da máquina o conceito de organização é como
uma estrutura um tanto estática e fechada, na metáfora do organismo o conceito
de organização é como uma entidade viva, em constante fluxo e mutação, intera-
gindo com seu ambiente na tentativa de satisfazer a suas necessidades. A relação
entre organização e meio-ambiente enfatizava que certos tipos de organização
são mais capazes de sobreviver em certos ambientes do que outros. O foco sobre
as necessidades e funções imperativas permitiu que os teóricos identificassem
atividades essenciais à sustentação da vida. O imperativo de satisfazer às necessi-
dades psicológicas dos membros organizacionais (Trist; Bamforth, 1951; Argyris,
1952, 1957) e de adotar os estilos gerenciais apropriados (McGregor, 1960; Li-
kert, 1967), a tecnologia (Woodward, 1965), os modos de diferenciação, integra-
ção e resolução de conflito (Lawrence; Lorsch, 1967) e os modos de escolha estra-
tégica e de controle (Child, 1972; Miles; Snow, 1978) foram todos incorporados
à teoria contingencial contemporânea, que, em essência, leva as implicações da
metáfora do organismo às suas conclusões lógicas, porque se vêem as organiza-
ções, a partir dessa perspectiva, não somente em termos da rede de relações que
caracterizam a estrutura interna dos organismos, mas também em termos das re-
lações que existem entre a organização (organismo) e seu ambiente.
A distinção entre máquina e organismo serviu de base para o continuum das
formas organizacionais (Burns; Stalker, 1961) e influenciou muitas tentativas de
mensurar as características organizacionais. Desde o final da década de 1960, por
exemplo, a pesquisa sobre organizações foi dominada por tentativas de conduzir

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Paradigmas, metáforas e resolução de quebra-cabeças na teoria das organizações  23

estudos empíricos detalhados sobre vários aspectos da abordagem contingencial,


como indicam os volumes da revista Administrative Science Quarterly (ASQ) ao
longo dos últimos dez anos. Apesar de esses estudos terem gerado numerosos
insights, que informam nossa compreensão das organizações como máquinas ou
organismos, deve-se reconhecer que o tipo de insights gerados é limitado pelas
metáforas em que eles se baseiam. Recentemente, os teóricos organizacionais
acabaram reconhecendo isso e se deram conta de que observar as organizações
sob a ótica de novas metáforas torna possível entendê-las de novas maneiras. Po-
demos adicionar dimensões ricas e criativas à teoria das organizações, quando as
vemos em termos sistemáticos como sistemas cibernéticos, sistemas frouxamen-
te acoplados, sistemas ecológicos, teatros, culturas, sistemas políticos, jogos de
linguagem, textos, realizações, representações teatrais, prisões psíquicas, instru-
mentos de dominação, sistemas cismáticos etc.
A metáfora cibernética estimula os teóricos a ver as organizações como pa-
drões de informação e faz ver como os estados de equilíbrio homeostático podem
ser sustentados por processos de aprendizagem baseados em feedback negativo.
Alguns teóricos começaram a explorar as implicações dessa metáfora para a orga-
nização e a administração (Buckley, 1967; Hage, 1974; Argyris; Schön, 1978), e a
cibernética passou então a ser amplamente usada como uma técnica para melho-
rar os sistemas de controle organizacional (Lawler; Rhode, 1976). A metáfora de
sistema frouxamente acoplado, introduzida na teoria das organizações por Weick
(1974, 1976), tenta especificamente se contrapor às pressuposições implícitas nas
metáforas da máquina e do organismo de que as organizações são sistemas preci-
sos, eficientes e bem coordenados. A metáfora da ecologia populacional (Hannan;
Freeman, 1977) revela a importância de focalizar a competição e a seleção nas
populações de organizações, em vez da adaptação das organizações ao ambien-
te. A metáfora do teatro mostra como os membros das organizações são, essen-
cialmente, atores humanos que se engajam em vários papéis e outras performan-
ces oficiais e não oficiais (Goffman, 1959, 1961). A metáfora da cultura chama a
atenção para os aspectos simbólicos da vida organizacional e para o modo como
a linguagem, os rituais, as histórias, os mitos etc. corporificam redes de significa-
do subjetivo que são cruciais para compreender como as realidades organizacio-
nais são criadas e sustentadas (Turner, 1971; Pondy; Mitroff, 1979). A metáfora
do sistema político enfoca os conflitos de interesse e o papel do poder nas organi-
zações (Crozier, 1964; Pettigrew, 1973; Pfeffer; Salancik, 1978).
Essas metáforas criam meios para enxergar as organizações e seu funcionamen­
to de modo que as metáforas da máquina e do organismo não conseguem fazer.
No entanto, todas elas podem ser utilizadas de maneira funcionalista, gerando
modos de teorização baseados na pressuposição de que a realidade da vida orga-
nizacional se ampara numa rede de relações ontologicamente reais, que são mais
ou menos ordenadas e coesas. Como conseqüência, elas podem simplesmente
desenvolver diferentes abordagens para o estudo de um paradigma comum. As
metáforas da cibernética, do sistema frouxamente acoplado e da ecologia popula­

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24  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

cional têm, todas elas, raízes nas ciências naturais e todas, de uma maneira ou de
outra, enfatizam a idéia de que as organizações podem ser vistas como sistemas
adaptáveis. O feedback negativo, o acoplamento frouxo e a seleção natural são os
três diferentes tipos de mecanismos de adaptação ressaltados por essas metáforas.
As metáforas do teatro, da cultura e do sistema político introduzem uma dimen-
são explicitamente social ao estudo das organizações e dão atenção particular à
maneira como os seres humanos podem tentar moldar as atividades organizacio-
nais. Na medida em que as atividades culturais, políticas e de artes dramáticas tra-
tadas aqui são vistas como se ocorressem num cenário contextualmente definido
e, portanto, ontologicamente real, e consideradas como uma forma de atividade
adaptável, essas metáforas também desenvolvem uma abordagem funcionalista
para o estudo das organizações. Elas tentam captar e articular aspectos de uma
visão subjacente da realidade, mas a partir de ângulos e maneiras diferentes.
As metáforas interpretativistas questionam os fundamentos sobre os quais se
edifica a teoria funcionalista, focalizando a maneira como as realidades organiza-
cionais são criadas e sustentadas. A metáfora do jogo de linguagem (Wittgenstein,
1968), por exemplo, nega que as organizações tenham status ontológico concreto
e apresenta a atividade organizacional como sendo apenas pouco mais que um
jogo de palavras, pensamentos e ações. Ela sugere que as realidades organizacio-
nais emergem como estruturas simbólicas governadas por regras, na medida em
que os indivíduos se envolvem em seus mundos por intermédio do uso de práticas
e códigos específicos, com a finalidade de atribuir uma forma significativa a suas
situações. Desse ponto de vista, as realidades organizacionais repousam sobre o
uso de diferentes tipos de linguagem verbal e não verbal. A linguagem não ape-
nas comunica e descreve: ela é ontológica. Assim, ser administrador numa orga-
nização envolve uma maneira particular de estar no mundo, definida pelo jogo de
linguagem que uma pessoa deve praticar para ser reconhecida e para atuar como
administrador. Os conceitos organizacionais que dão forma a noções como racio-
nalidade, estrutura burocrática, delegação, controle etc. são conceitos gerenciais
(Bittner, 1974) que rotulam e tornam concreto o mundo em que os administra-
dores podem atuar como tais. De modo semelhante, o conceito e a linguagem es-
pecífica da liderança criam e definem a natureza da liderança como um processo
contínuo (Pondy, 1978). Vistas em termos da metáfora do jogo de linguagem, as
organizações são criadas e sustentadas como padrões de atividade social pelo uso
da linguagem; elas constituem não mais que uma forma especial de discurso.
A metáfora do texto (Ricoeur, 1971) sugere que o teórico de organizações
deveria ver a atividade organizacional como um documento simbólico e empre-
gar métodos hermenêuticos de análise como um meio de decifrar sua natureza e
seu significado. Os textos dão forma a tipos particulares de jogos de linguagem,
explicam temas e usam expressões metafóricas para transmitir padrões relevan-
tes de significado. Uma vez produzido, o texto está disponível para interpretação
e tradução por outros indivíduos, que podem atribuir-lhe significados e sentidos
diferentes dos pretendidos pelo autor. Todas essas qualidades são evidentes na

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Paradigmas, metáforas e resolução de quebra-cabeças na teoria das organizações  25

vida organizacional do dia-a-dia, em que todos são ao mesmo tempo autores e


leitores, embora alguns, de maneira mais significativa que outros. O teórico das
organizações que adota a metáfora do texto está interessado em entender como
as atividades organizacionais são produzidas, lidas e interpretadas e como a es-
trutura do discurso pode explorar certos temas-chave e desenvolver tipos particu-
lares de imagem. A metáfora pode ser usada para analisar os documentos (Huff,
1979) e as falas e ações da organização (Manning, 1979).
As metáforas da realização ou conquista (Garfinkel, 1967) e da produção re-
presentada de sentido (Weick, 1977) oferecem duas outras abordagens interpre-
tativas para o estudo das organizações. A etnometodologia de Garfinkel enfoca
como os seres humanos realizam e sustentam situações sociais que são inteligíveis
para si e os outros. A metáfora da produção de sentido de Weick desenvolve insi-
ghts relacionados, enfatizando de que modo as realidades são representadas pelos
indivíduos por meio de racionalizações pós-eventos sobre o que ocorreu. Vistas
em termos dessas metáforas, as realidades organizacionais devem ser entendi-
das como construções sociais contínuas, que emergem das hábeis realizações por
meio das quais os membros organizacionais se impõem sobre seu mundo para
criar uma estrutura sensível e de sentido. Da mesma forma que as outras metáfo-
ras interpretativistas, elas enfatizam que a rotina, os aspectos tidos como certos
da vida organizacional são muito menos concretos e reais do que parecem.
Quando as organizações são abordadas pela perspectiva do paradigma huma-
nista radical, todos os conceitos e modos de ação simbólica que sustentam a vida
organizacional são minuciosamente perscrutados em relação a suas propriedades
alienadoras. Aqui, a metáfora guia é a da prisão psíquica, uma imagem que res-
salta como os seres humanos podem ser levados a representar as realidades orga-
nizacionais vivenciadas como algo que restringe e exerce dominação. Essa metá-
fora está presente em inúmeras correntes do pensamento social. Na teoria crítica
derivada do trabalho de Marx (1844) e Lukács (1971), enfatiza-se o processo de
reificação, pelo qual os indivíduos concebem seu mundo de um modo demasia-
damente concreto, percebendo-o como algo objetivo, real e independente de sua
própria vontade e ação. Na forma como foi desenvolvida no trabalho da assim
chamada Escola de Frankfurt (Marcuse, 1955, 1964; Habermas, 1970, 1972), a
ênfase principal se coloca sobre como os modos ideológicos de dominação podem
ser manipulados pelos detentores do poder em sua busca por atingir seus próprios
fins. Os membros das organizações são efetivamente vistos como prisioneiros de
um modo de consciência que é moldado e controlado por processos ideológicos.
Muitos processos específicos da vida organizacional foram examinados a partir
desse ponto de vista. Marcuse (1964) abordou os aspectos alienadores da racio-
nalidade intencional; Clegg (1975), a linguagem da vida organizacional; Dickson
(1974), o culto à tecnologia; e Anthony (1977), a ideologia do próprio trabalho.
Quando vista a partir da perspectiva da teoria crítica, a vida no trabalho constitui
um modo de vida alienado em que os indivíduos são moldados, controlados e em
geral tornados subservientes às necessidades artificialmente inventadas e reifica-

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26  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

das da organização moderna. Os trabalhos de Freud (1922), Jung (1953-1965) e


de outros teóricos psicanalíticos também articulam perspectivas consistentes com
a metáfora da prisão psíquica, com os indivíduos sendo vistos como prisioneiros
de processos inconscientes. A partir da perspectiva freudiana, as organizações po­
dem ser vistas como se tivessem base na externalização de tendências repressi-
vas que operam na psique humana (Marcuse, 1955); e da perspectiva junguiana,
como a manifestação de alguma forma de arquétipo que expressa relações entre
os mundos subjetivo e objetivo. A metáfora da prisão psíquica estabelece a base
para uma “teoria antiorganização” (Burrell; Morgan, 1979), que desafia de mui-
tas maneiras as premissas da teoria funcionalista das organizações.
O paradigma estruturalista radical gera uma teoria radical das organizações,
com base em metáforas como as de instrumento de dominação, sistemas cismá-
ticos e de catástrofe. A análise clássica de Weber da burocracia como um modo
de dominação (Weber, 1946), a análise de Michels da “lei de ferro da oligarquia”
(Michels, 1949) e as análises marxistas de organizações (Baran; Sweezy, 1966;
Braverman, 1974; Benson, 1977), por exemplo, são todas imbuídas ou informa-
das pela imagem das organizações como poderosos instrumentos de dominação
a serem entendidos como parte integral de um processo mais amplo de domina-
ção que existe na sociedade como um todo. Apesar de essas análises utilizarem
com freqüência insights que derivam da metáfora da máquina, as organizações
são estudadas enquanto máquinas por causa de suas qualidades opressivas. Isso
é claramente evidente, por exemplo, no trabalho de Weber, o qual, excluindo-se
sua dimensão radical, é a base de muita teoria funcionalista baseada na metáfora
da máquina. Os teóricos que usam idéias de Weber com base num ponto de vista
funcionalista ignoram totalmente o fato de que ele considerava a burocracia uma
“jaula de ferro”. A metáfora de instrumento de dominação dá muita atenção a
esse aspecto negligenciado da organização e estimula uma análise dos meios pe­
los quais os modos de dominação operam e se sustentam. Essa metáfora possibi-
lita compreender como a estrutura de poder interna das organizações se liga às
estruturas de poder da economia política mundial e como as divisões da socieda-
de em classes, grupos étnicos, homens e mulheres etc. são evidentes no local de
trabalho. Os insights gerados pela metáfora da prisão psíquica são, muitas vezes,
usados no contexto da teoria estruturalista radical, como um meio para articular
a natureza da dominação ideológica enquanto parte de um modo de dominação
socioeconômica de bases mais amplas. Concebem-se os controladores das orga-
nizações como pessoas que usam meios ideológicos, políticos e econômicos para
dominar seus membros (Friedman, 1977) e para dominar o contexto mais amplo
em que operam. O estudo do papel das empresas multinacionais na economia po-
lítica mundial (Barnet; Muller, 1974) e do papel do estado moderno (Holloway;
Picciotto, 1978) proporciona aqui um forte centro de interesse.
A metáfora dos sistemas cismáticos (Morgan, 1980) ajuda a mostrar como
as organizações podem ter a tendência de se fragmentar e desintegrar, em con-
seqüência de pressões e tensões geradas internamente. Ela contraria, especifica-

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Paradigmas, metáforas e resolução de quebra-cabeças na teoria das organizações  27

mente, a premissa funcionalista de que as organizações são entidades unificadas


que procuram se adaptar e sobreviver, enfocando os processos por meio dos quais
as organizações se dividem em facções em função de forças de origem cismáti-
ca (Bateson, 1936) e do desenvolvimento de padrões de autonomia funcional
(Gouldner, 1973).
A metáfora da “catástrofe” foi utilizada na teoria marxista para analisar as
contradições internas da economia política mundial (Bukharin, 1925, 1972) que
estabeleceu a base para as formas revolucionárias de mudança. Uma versão um
pouco diferente é desenvolvida na “teoria da catástrofe” de René Thorn (1975).
As duas versões têm relevância para o estudo do papel das organizações na eco-
nomia mundial contemporânea, no processo de trabalho e nas relações entre
trabalho e gestão. Embora essa metáfora tenha sido usada, de muitas maneiras,
numa perspectiva funcionalista, como base para os modelos específicos de reso-
lução de quebra-cabeças, ela não foi utilizada em termos sistemáticos para desen-
volver uma análise estruturalista radical de organizações de alcance amplo.

Conclusões

Na teoria das organizações, a ortodoxia se desenvolveu com base em metáfo-


ras que refletem os pressupostos do paradigma funcionalista. Esses pressupostos
são raras vezes explicitados e com freqüência não são apreciados, ocorrendo por
conseqüência que a teorização se desenvolve sobre bases não questionadas. Os
pressupostos dos paradigmas interpretativista, humanista radical e estruturalista
radical desafiam, de maneira fundamental, os pressupostos do paradigma funcio-
nalista. Eles geram uma série de metáforas para a análise organizacional que re-
sultam em perspectivas que com freqüência contradizem os cânones da teoria or-
todoxa. Por exemplo, enquanto a teoria funcionalista enfatiza que as organizações
e seus membros podem orientar suas ações e comportamentos pelo propósito de
atingir estados futuros, a teoria interpretativista enfatiza que as ações se orientam
para dar sentido ao passado tanto quanto ao futuro. Enquanto a teoria funciona-
lista vê as organizações e seus membros como atores que interagem e se compor-
tam num contexto ou ambiente de certo tipo, a teoria interpretativista questiona
o status e a existência desses fatores contextuais, exceto como construções sociais
compartilhadas dos indivíduos. A teoria funcionalista se fundamenta sobre pre-
missas que a teoria interpretativista considera fundamentalmente equivocadas.
O paradigma humanista radical e o estruturalista radical oferecem um tipo
semelhante de desafio, que chama a atenção para aspectos políticos e ludibriosos
da vida organizacional. Da perspectiva desses paradigmas, tanto a teoria funcio-
nalista quanto a interpretativista não conseguem compreender que a ordem apa-
rente da vida social não é tanto resultado de um processo de adaptação ou de um
ato livre de construção social, quanto de um processo de dominação social. Desse
ponto de vista, as organizações oprimem e exploram, e contêm uma lógica que

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28  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

estabelece a base para sua eventual destruição. A ordem que a teoria interpretati-
vista tenta compreender e que a teoria funcionalista procura promover é, a partir
das perspectivas humanista radical e estruturalista radical, uma ordem superfi-
cial que mascara as contradições fundamentais. O desafio para a teoria organiza-
cional que emana desses paradigmas é penetrar por sob a aparência superficial
do mundo empírico e desvendar a profunda estrutura de forças que explicam a
natureza, a existência e a transformação contínua das organizações dentro de
todo o contexto mundial. Com base nas perspectivas humanista radical e estrutu-
ralista radical, a teoria organizacional não é capaz de oferecer uma compreensão
adequada da natureza da organização pela focalização exclusiva nas organiza-
ções e em seu comportamento. Esses paradigmas sugerem que o estudo de tais
fenômenos deve estar ligado ao modo mais amplo de organização societária para
a qual eles oferecem formas e conteúdos empíricos circunstanciais.
O desafio apresentado à teoria organizacional ortodoxa por esses diferentes
paradigmas é repensar a própria natureza do objeto do qual ela trata. Diferentes
paradigmas corporificam visões de mundo que favorecem metáforas que definem
a natureza das organizações de maneiras fundamentalmente diferentes, e co-
bram um repensar total a respeito do que deve tratar a teoria organizacional. O
desafio levantado se relaciona com os pressupostos fundamentais sobre os quais
se baseia a teorização, e só pode ser resolvido considerando-se a adequação des-
ses fundamentos rivais como base para a análise organizacional.

Notas

  A importância desse ponto nem sempre foi apreciada e certamente não re-
1

cebeu a atenção que merece. A noção de Kuhn de que a ciência se baseia em pa-
radigmas gerou inúmeros debates (Lakatos; Musgrave, 1970; Suppe, 1974). Isso
levou Kuhn a modificar sua posição em relação a determinados pontos (Kuhn,
1970, 1974, 1977, 1979), embora mantendo seu compromisso com a idéia básica
que sustenta o conceito de paradigma – de que as comunidades científicas estão
ligadas por vários vínculos e compromissos. Este artigo, dando seqüência a Bur-
rell e Morgan (1979), parte deste insight central, da premissa de que o mais fun-
damental desses vínculos está na visão de mundo que os cientistas compartilham
e que assegura a abordagem deles à investigação científica.

Nota da Redação

Artigo traduzido e publicado sob o título: “paradigmas, metáforas e resolu-


ção de quebra-cabeças na Teoria das Organizações”, na RAE – revista de adminis-
tração de empresas, v. 45, n.1, p. 58-71, jan./mar. 2005.

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Paradigmas, metáforas e resolução de quebra-cabeças na teoria das organizações  29

Agradecimento

Desejo agradecer a Richard Brown, Peter Frost, Walter Nord e Linda Smircich
pelos preciosos comentários a uma versão anterior deste artigo.

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3
Metatriangulação: construção teórica
com base em paradigmas múltiplos*

Marianne W. Lewis
Andrew J. Grimes

Introdução
Há duas décadas, Burrell e Morgan (1979) marcaram o início de uma onda
de tentativas de caracterização dos paradigmas empregados na teoria organiza-
cional (por exemplo, Pondy; Boje, 1981; Zey-Ferrell; Aiken, 1981). Estes esfor-
ços passaram a sensibilizar os teóricos para a noção de paradigmas – premissas,
práticas e acordos compartilhados numa comunidade científica – e a legitimar
alternativas menos convencionais. Embora o funcionalismo-positivismo continue
dominante, os teóricos estão baseando, cada vez mais, seus trabalhos em para-
digmas mais críticos e interpretativos. O resultado é um campo vibrante, com
visões teóricas distintas que podem enriquecer nossa compreensão da comple-
xidade, da ambigüidade e dos paradoxos organizacionais. No entanto, a “men-
talidade paradigmática”, que agora se generalizou, está ao mesmo tempo proli-
ferando e polarizando as perspectivas, muitas vezes inibindo o diálogo entre os
paradigmas, predispondo os teóricos contra as explicações contrárias às suas e
encorajando o desenvolvimento de teorias de visão estreita (Bouchikhi, 1998;
Reed, 1996). Conforme preveniram Pondy e Boje (1981, p. 84), a teoria organi-
zacional enfrenta um problema de fronteira: “como conduzir pesquisas baseadas
em vários paradigmas?”

*  Artigo originalmente publicado sob o título “Metatriangulation: building theory from multiple
paradigms”, na Academy of Management Review, v. 24, n. 4, p. 672-690, 1999.
Copyright © 1999 Academy of Management. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste
artigo pode ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a permissão por escrito da Academy
of Management. Para obter autorização, entre em contato com Copyright Clearence Center: <www.
copyright.com>.

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Metatriangulação: construção teórica com base em paradigmas múltiplos  35

Ao reconhecerem esse desafio, Poole e Van de Ven (1989, p. 563) propuse-


ram que os pesquisadores “saiam em busca de oposições ou tensões teóricas e as
utilizem como estímulos para o desenvolvimento de teorias mais inclusivas”. Es-
tes autores entenderam os paradigmas conflitantes como paradoxos da teoria or-
ganizacional, realçando facetas contraditórias, porém interligadas, de fenômenos
complexos. Pouco depois, Gioia e Pitre (1990) detalharam as diferenças na cons-
trução teórica entre paradigmas e propuseram a metatriangulação: uma estra­
tégia de aplicação da diversidade paradigmática para promover maior insight e
criatividade. Como resposta, testemunhamos, nas últimas décadas, o afluxo de
modelos multiparadigmáticos (por exemplo, Bradshaw-Camball; Murray, 1991;
Graham-Hill, 1996; Grimes; Rood, 1995; Grint, 1991; Hassard, 1991; Martin,
1992; Reed, 1997; Schultz; Hatch, 1996; Spender, 1998; Weaver; Gioia, 1994;
Willmott, 1993; Ybema, 1996).
Entretanto, a investigação multiparadigmática é ainda provocativa, na medi-
da em que persistem e se intensificam os debates sobre a comensurabilidade e o
valor dos paradigmas múltiplos (veja Organization, 1998). Alguns funcionalistas
lamentam a proliferação “anárquica” de paradigmas, defendendo que haja um
paradigma dominante, voltado a enaltecer a influência acadêmica e política da
teoria organizacional (por exemplo, Donaldson, 1985; Pfeffer, 1997). Ao mesmo
tempo, muitos pós-modernistas criticam a hegemonia paradigmática, defenden-
do estratégias do tipo “tudo-vale” e mais alinhadas com discursos organizacionais
ecléticos (por exemplo, Deetz, 1996; Feyerabend, 1975).
Em contrapartida, a pesquisa multiparadigmática proporciona um ponto de
equilíbrio entre o dogmatismo e o relativismo (Scherer, 1998); e acreditamos que
ela oferece um potencial enorme e ainda não explorado para a construção teóri-
ca. Os teóricos multiparadigmáticos dão valor heurístico aos paradigmas, o que
pode ajudar os estudiosos a explorar a complexidade teórica e organizacional, e
a ampliar o escopo, a relevância e a criatividade da teoria organizacional. Entre-
tanto, as atuais abordagens multiparadigmáticas são ambíguas e fragmentadas.
Os estudos empíricos, muitas vezes, apresentam poucos detalhes metodológicos
e, raramente, seus esforços resultam em teorias (por exemplo, Bradshaw-Cam-
ball; Murray, 1991; Graham-Hill, 1996), ao passo que as descrições da teorização
contribuem com técnicas abstratas e quase nunca ilustram suas utilizações (por
exemplo, Gioia; Pitre, 1990; Grimes; Rood, 1995).
Nosso objetivo neste artigo é ajudar os teóricos a aplicar os insights de para­
digmas múltiplos, por intermédio da apresentação de um processo explícito e
ilus­trado de construção teórica conhecido como metatriangulação. Inicialmente,
revemos a literatura sobre multiparadigmas, oferecendo um guia para os mode-
los e suas várias abordagens. Em seguida, interligamos as abordagens de multipa-
radigmas existentes em uma estratégia coesa de construção teórica, para explo-
rar visões teóricas divergentes, desafiar premissas tidas como corretas e retratar
as organizações sob novos enfoques. Para oferecer um mapa útil do processo de
construção teórica, comparamos cada fase da metatriangulação às atividades in-

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36  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

dutivas tradicionais e utilizamos um estudo da tecnologia de produção industrial


avançada (TPA) para ilustrar o processo na prática. Concluímos com uma discus­
são das implicações da construção teórica, situando a metatriangulação no con-
texto mais amplo da teoria organizacional, ao tratarmos de suas vantagens e li-
mitações e sugerirmos aplicações futuras.

Investigação multiparadigmática: um guia para os modelos

Muitos estudiosos analisaram em profundidade o debate sobre os paradig-


mas, observando o crescimento da investigação multiparadigmática (por exem-
plo, Deetz, 1996; Reed, 1996; Scherer, 1998). No entanto, são ainda escassos
os exames completos sobre essa literatura diversificada e crescente (para uma
bre­ve e esclarecedora visão geral, veja Schultz; Hatch, 1996). Com o intuito de
con­tribuir com um guia útil para os modelos, distinguimos três abordagens: (1)
as revisões multiparadigmáticas, (2) a pesquisa multiparadigmática e (3) a cons-
trução teórica metaparadigmática. Usamos o termo multiparadigma para deno-
tar perspectivas paradigmáticas distintas, e metaparadigma, para significar uma
visão mais holística, que vai além das distinções paradigmáticas e busca revelar
disparidade e complementaridade.
As revisões multiparadigmáticas envolvem o reconhecimento de divisões e
interligações na teoria existente (por exemplo, pela caracterização dos paradig-
mas X e Y), ao passo que a pesquisa multiparadigmática envolve a utilização em-
pírica de lentes paradigmáticas (X e Y) para a coleta e análise dos dados e para
o cultivo de suas diversas representações dos fenômenos organizacionais. Final-
mente, na construção teórica metaparadigmática, os teóricos se empenham no
sentido de justapor e fazer ligações entre os insights paradigmáticos conflitan-
tes (X e Y), com vistas a obter um novo entendimento (Z). Revemos agora es-
sas abordagens, discutindo seus diversos objetivos e técnicas, e detalhamos sua
utilização na seção subseqüente sobre metatriangulação. O Quadro 1 resume as
abordagens e seus modelos.

Revisões multiparadigmáticas

Nas revisões multiparadigmáticas, os pesquisadores procuram revelar o im-


pacto das premissas que os teóricos sustentam, e muitas vezes têm como certas, a
respeito de seus entendimentos dos fenômenos organizacionais. Duas técnicas – a
agrupação e a interligação de paradigmas – com freqüência ajudam os revisores.
A agrupação de paradigmas implica a diferenciação entre conjuntos variados de
premissas. Hassard (1991) explicou que os teóricos “agrupam” as premissas dos
outros paradigmas para se familiarizarem com as tradições, linguagens e méto-
dos de um paradigma específico e aplicarem-nos. Essas agrupações permitem que
os teóricos ignorem determinados aspectos de fenômenos complexos e enfoquem

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Metatriangulação: construção teórica com base em paradigmas múltiplos  37

facetas e questões de interesse particular (Weaver; Gioia, 1994). Na investigação


multiparadigmática, a agrupação de paradigmas explicita premissas divergentes,
delineando assim distinções paradigmáticas e servindo à consciência, utilização e
crítica de perspectivas alternativas.
A agrupação de paradigmas teve sua origem nas primeiras tentativas que vi-
savam distinguir e legitimar premissas paradigmáticas menos convencionais (por
exemplo, Pondy; Boje, 1981; Zey-Ferrell; Aiken, 1981). Burrell e Morgan (1979),
por exemplo, definiram os paradigmas como ideologias, ontologias, epistemo-
logias e metodologias estreitamente acopladas, que guiam os modos de análise
organizacional. A tipologia deles descreve criticamente quatro paradigmas pela
polarização das premissas relativas à natureza das ciências sociais (objetividade/
subjetividade) e da sociedade (regulação/mudança radical). A objetividade pres-
supõe que há uma realidade externa, com relações determinísticas e previsíveis,
enquanto a subjetividade presume construções sociais contextualmente limita-
das e fluidas. A regulação pressupõe relações sociais harmônicas e ordenadas,
ao passo que a mudança radical presume assimetrias de poder e conflito. Burrell
e Morgan (1979) categorizaram as teorias existentes em sua tipologia, para de-
monstrar como premissas diferentes sustentam visões contrárias (para discussões
detalhadas sobre a tipologia, veja Deetz, 1996; Gioia; Pitre, 1990).

Quadro 1  Abordagens e modelos multiparadigmáticos


Fenômeno
Modelo Técnica Resultado
de interesse
Revisões multiparadigmáticas
Alvesson (1987) Agrupação Trabalho Quadros interpretativos
Astley e Van de Agrupação Teoria organizacional Debates
Ven (1983)
Morgan (1983) Agrupação Métodos de pesquisa Formas de envolvimento
Morgan (1997) Agrupação Organização Metáforas/imagens
Reed (1996) Agrupação Estudos organizacionais Narrativas analíticas
Smircich (1983) Agrupação Cultura Programas de pesquisa
Gioia e Pitre (1990) Agrupação e Construção teórica; Paradigmas; estruturalismo
interligação estrutura de zonas de transição
Grint (1991) Agrupação e Tecnologia Debates; teoria de rede de
interligação ator de zona de transição
Kaghan e Phillips Interligação Conhecimento Perspectiva construtivista
(1998)
Weaver e Gioia Interligação Estrutura Estruturalismo
(1994)
Willmott (1993) Interligação Processo de trabalho Teoria radical do processo de
trabalho

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38  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

Fenômeno
Modelo Técnica Resultado
de interesse
Pesquisa multiparadigmática
Bradshaw-Camball Paralela Política organizacional Visão trifocal
e Murray (1991)
Graham-Hill (1996) Paralela Estratégia de pequena Quatro estudos de caso
empresa
Hassard (1991) Paralela Organização do Quatro estudos empíricos
trabalho
Martin (1992) Paralela Cultura Três modelos conceituais de
perspectivas
Gioia, Donnellon e Seqüencial Scripts cognitivos Estudo objetivo-subjetivo
Sims (1989)
Gioia e Thomas Seqüencial Mudança estratégica Estudo subjetivo-objetivo
(1996)
Lee (1991) Seqüencial Organização Estratégia seqüencial
Sutton e Rafaeli Seqüencial Demonstração Estudo triangulado
(1988) emocional
Construção teórica metaparadigmática
Gioia e Pitre (1990) Metateorização Estrutura organizacional Inversão de conjectura
Grimes e Rood Metateorização Epistemologia local Epistemologias de
(1995) interligação
Morgan (1983) Metateorização Métodos de pesquisa Conversação reflexiva
Poole e Van de Ven Metateorização Estrutura Estratégias paradoxais
(1989)
Bouchikhi (1998) Interação Paradoxos Tensões dialéticas
organizacionais
Clegg (1990) Interação Poder Teoria metaparadigmática
Gaventa (1980) Interação Poder Teoria metaparadigmática
Reed (1997) Interação Estrutura-ação Ontologia estratificada
Schultz e Hatch Interação Cultura Interação paradigmática
(1996)
Spender (1998) Interação Conhecimento Epistemologia pluralista
Ybema (1996) Interação Cultura Teoria metaparadigmática

Embora a tipologia de Burrell e Morgan continue sendo um marco referen-


cial proeminente de agrupação paradigmática, alguns modelos relaxam os con-
tornos paradigmáticos para descrever os diversos debates e metáforas existentes
na teoria organizacional (por exemplo, Astley; Van de Ven, 1983; Morgan, 1997;
Reed, 1996). Nessas revisões, os pesquisadores criticam o provincianismo e a par-

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Metatriangulação: construção teórica com base em paradigmas múltiplos  39

cialidade, estimulando os teóricos a refletir sobre o foco e as viseiras das várias


lentes paradigmáticas. Por exemplo, Smircich (1983) e Grint (1991) agruparam
as visões de cultura e tecnologia, respectivamente, com o objetivo de destacar a
existência de entendimentos igualmente viáveis, mas limitados. Alvesson (1987)
examinou três perspectivas sobre a vida organizacional. Sua revisão demons-
tra como diferentes “marcos referenciais interpretativos” sensibilizam os teóricos
para determinados conceitos e questões e fomentam insights divergentes sobre a
qualidade, degradação e auto-regulação do trabalho.
A segunda técnica de revisão – interligação de paradigmas – propõe zonas de
transição: visões teóricas que interligam paradigmas. Nos modelos, os estudiosos
afirmam que, embora as premissas paradigmáticas possam entrar em conflito, os
limites entre os paradigmas são imprecisos e, potencialmente, permeáveis (por
exemplo, Willmott, 1993). Por exemplo, Gioia e Pitre (1990) explicam que o estru-
turalismo não separa os processos estruturantes das estruturas formais. Pelo con-
trário, defende que os agentes utilizem regras e normas generativas para produzir
estrutura, o que, por sua vez, influencia e restringe as atividades de estruturação.
As teorias de zona de transição, como o estruturalismo, não constituem em
si um metaparadigma; elas fomentam representações unidimensionais que inte-
gram insights paradigmáticos e enfatizam similaridades entre paradigmas, poden-
do favorecer um dos lados de um dualismo (isto é, uma distinção do tipo ou/ou,
como entre a estrutura ou a ação, a objetividade ou a subjetividade; Reed, 1997;
Schultz; Hatch, 1996). De acordo com Cock, Rickards, Weaver e Gioia (1995), o
estruturalismo não permite a coexistência de diferenças paradigmáticas em nível
mais elevado, metaparadigmático, mas opera numa zona cinzenta entre para-
digmas, em que as ações e as estruturas são processos mutuamente influentes. A
descoberta de zonas de transição, no entanto, ilustra a possibilidade e o valor da
comunicação entre paradigmas e pode ajudar os teóricos a compreender “como
os fenômenos em questão podem ser, legitimamente, submetidos a várias estra-
tégias de pesquisa, mesmo que continuem sendo uma classe relacionada de fenô-
menos” (Weaver; Gioia, 1994, p. 577).

Pesquisa multiparadigmática

Os estudiosos da pesquisa multiparadigmática vão além das revisões da lite-


ratura existente e aplicam empiricamente as lentes de paradigmas divergentes.
Ao conduzirem estudos paralelos ou seqüenciais, os teóricos utilizam paradigmas
múltiplos (seus respectivos métodos e focos) na coleta e análise de dados e no
cultivo das diversas representações de um fenômeno complexo. Os estudos para-
lelos preservam os conflitos teóricos, ao descreverem vozes, imagens e interesses
organizacionais amplificados pelas lentes contrárias. Os modelos representam
respostas ao apelo de Morgan (1983) por estudos de casos multifacetados, seme-
lhantes às explicações dadas por Allison (1971) à crise dos mísseis de Cuba, mas

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40  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

fundadas em premissas mais contrastantes (por exemplo, Bradshaw-Camball;


Murray, 1991; Martin, 1992). Hassard (1991), por exemplo, estudou o Serviço
Britânico do Corpo de Bombeiros através das quatro “câmeras analíticas” propos-
tas por Burrell e Morgan (1979). Seguindo Wittgenstein (1963), ele apresentou
os relatos resultantes como jogos locais de linguagem – discursos construídos
sobre regras culturais distintas. De forma similar, Graham-Hill (1996) analisou
os dados de arquivos e de entrevistas espontâneas com o presidente de uma em-
presa. Utilizando os métodos de estudos de caso próprios de cada paradigma, ele
redigiu quatro histórias que, em conjunto, descrevem a complexidade e as con-
tradições da estratégia de uma pequena empresa.
Nos estudos seqüenciais, os pesquisadores cultivam diversas representações
com o propósito de informar uns aos outros, pois os resultados de um estudo ins-
pirado num paradigma específico proporcionam elementos para estudos subse-
qüentes. Ao aplicarem lentes, de maneira sucessiva, os teóricos procuram refinar
seus pontos focais distintos, mas complementares. Por exemplo, Gioia, Donnellon
e Sims (1989) empregaram técnicas lingüísticas para explorar os significados lo-
cais de um construto (scripts cognitivos), identificados num estudo funcionalista
anterior. Lee (1991) propôs uma ordem inversa: utilizar a etnografia para desco-
brir significados mantidos pelos atores que vivenciam um fenômeno e, em segui-
da, métodos positivistas para operacionalizar, testar e generalizar os construtos
propostos. Gioia e Thomas (1996) seguiram esse caminho, para examinar que
sentido faziam as mudanças estratégicas que ocorriam na academia. Sutton e Ra-
faeli (1988) conduziram um estudo mais triangulado: eles encontraram relações
inesperadas em suas análises dedutivas e depois usaram métodos interpretativis-
tas para identificar vários padrões subjacentes que influenciam as manifestações
emocionais dos funcionários de vendas em ambientes calmos versus agitados, o
que serviu para a reanálise dos dados.

Construção teórica metaparadigmática

A terceira abordagem multiparadigmática auxilia os teóricos a administrar


suas racionalidades limitadas e, assim, a acomodar as visões contrárias dentro
de uma perspectiva metaparadigmática. Um metaparadigma denota um nível de
abstração superior, em que a “acomodação” não implica unificação ou síntese,
mas, em vez disso, a habilidade de compreender diferenças, similaridades e in-
ter-relações paradigmáticas (Gioia; Pitre, 1990). O objetivo é construir um cam-
po de visão mais rico, holístico e contextualizado. As técnicas de metateorização
ajudam os teóricos a explorar padrões que fazem ligações entre entendimentos
conflitantes. Nos modelos ideais, os pesquisadores presumem que os paradigmas
oferecem verdades parciais, muitas vezes radicadas em diferentes espaços e tem-
pos (por exemplo, Poole; Van de Ven, 1989). Grimes e Rood (1995) propuseram
tratar os paradigmas como “vozes em debate”, defendendo suas visões em busca
de uma base comum. Modelados pelas “conversações” de Morgan (1983) entre

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Metatriangulação: construção teórica com base em paradigmas múltiplos  41

os métodos divergentes de pesquisa, estes debates podem revelar como as lentes


representam vários interesses de pesquisa, posições na hierarquia organizacional
ou períodos de tempo. Essas técnicas servem para “testar” metaconjecturas: pro-
posições interpretáveis a partir de paradigmas múltiplos. Idealmente, a sobrepo-
sição de explicações paradigmáticas pode ajudar os teóricos a transpor construtos
para um nível metaparadigmático e a montar um sistema teórico de referência
capaz de unir representações contrastantes (Gioia; Pitre, 1990).
As técnicas de interação ajudam os teóricos a avançar ainda mais no aperfei-
çoamento e interpretação da teoria metaparadigmática. Schultz e Hatch (1996)
definiram a interação como a percepção de como se pode reconhecer ou distin-
guir melhor os insights e vieses paradigmáticos em relação a seus opostos. O re-
alçamento das contradições e da interdependência produz uma tensão criativa,
capaz de inspirar os teóricos a questionar os dualismos paradigmáticos. Em seus
modelos, os estudiosos propõem vários meios para fomentar a interação, ao pas-
so que as teorias metaparadigmáticas existentes ilustram sua utilização. Reed
(1997) propôs que os teóricos adotem uma ontologia estratificada para ver as re-
presentações paradigmáticas interagindo nos níveis abrigados de abstração. Por
exemplo, Gaventa (1980) empregou as três “faces do poder” de Lukes (1974)
como lentes para construir uma teoria multidimensional da quiescência. Spen-
der (1998) defendeu o uso de uma epistemologia pluralista para avaliar como
diversas formas de conhecimento se complementam e reconciliam suas diferen-
ças. De modo similar, Clegg (1990) analisou organizações multinacionais a partir
de “modos múltiplos de racionalidade”, fundindo perspectivas institucionais e de
poder, para sondar anomalias negligenciadas pela teoria da contingência. Bou-
chikhi (1998) recomendou que os teóricos considerassem os conflitos paradig-
máticos como tensões dialéticas que revelam paradoxos organizacionais. Ybema
(1996), por exemplo, utilizou visões opostas de cultura para teorizar sobre a di-
nâmica da coesão e da fragmentação.

Metatriangulação: um mapa do processo de construção teórica

Embora, na maioria dos modelos multiparadigmáticos, os teóricos apliquem


apenas uma das abordagens apresentadas, vemos que essas abordagens funcio-
nam como recursos suplementares que podem ajudá-los a reconhecer, cultivar e
depois acomodar os diversos insights paradigmáticos. Na falta dessa estratégia,
elaboramos e implantamos a visão de metatriangulação de Gioia e Pitre (1990):
um processo de construção teórica que parte de paradigmas múltiplos e é ligei-
ramente semelhante ao processo de triangulação tradicional (isto é, de um único
paradigma).
A descrição da triangulação teórica de Denzin (1978) nos ajuda a conceitu-
ar o processo. As fases propostas por ele aproximam as abordagens multipara-
digmáticas: os fundamentos iniciais para definir as perspectivas teóricas a serem

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42  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

utilizadas (revisão multiparadigmática); a análise dos dados com o uso de uma


lente por vez (pesquisa multiparadigmática); e a construção teórica para contra-
por e dar conta das diferentes interpretações de dados (construção teórica me-
taparadigmática). Segundo Denzin, esse processo desafia os teóricos a ter o pro-
pósito de perseguir interpretações conflitantes, em vez de evitar ou ignorá-las.
Contudo, ele defendeu ainda que as visões opostas (visões que diferem, mas se
baseiam em premissas paradigmáticas comuns) sejam testadas de modo deduti-
vo, para se determinar a “verdade”. Em contraste, a metatriangulação requer que
se utilize – com fidelidade – paradigmas múltiplos, para explorar suas disparida-
des e interações, e assim chegar a um entendimento ampliado e esclarecido do
fenômeno de interesse, bem como dos paradigmas empregados. Com o intuito de
oferecer um mapa útil para o processo de construção teórica, comparamos a me-
tatriangulação às tradicionais estratégias indutivas e apresentamos um exemplo
de sua aplicação (veja Quadro 2).
Propomos um processo semelhante à indução tradicional, mas com variações
importantes, criadas para respeitar as premissas dos paradigmas alternativos. Ao
detalhar o processo, comparamos cada fase a atividades de estratégias bem co-
nhecidas – estratégias que procuram ampliar os insights potenciais disponíveis,
partindo de três fontes: literatura existente, dados empíricos e intuição dos teóri-
cos (isto é, seu senso comum e sua experiência; por exemplo, Eisenhardt, 1989;
Glaser; Strauss, 1967; Mintzberg, 1979; Weick, 1989). O Quadro 2 descreve um
processo seqüencial, ordenado; mas, assim como na indução tradicional, a cons-
trução de teoria a partir de paradigmas múltiplos é algo confuso e longe de es-
quemático. A metatriangulação na prática é altamente iterativa, porquanto os
teóricos precisam, obrigatoriamente, alternar as atividades. Por exemplo, o pro-
cesso começa quando os teóricos procuram uma compreensão multiparadigmá-
tica do fenômeno de interesse. No entanto, a base se expande e muda, quando
os teóricos ganham novos insights sobre os paradigmas alternativos e revisam a
literatura adicional para lidar com temas emergentes e avaliar teorias resultan-
tes. De modo semelhante, na última fase, os teóricos avaliam os métodos e resul-
tados da metatriangulação. A auto-reflexão crítica, contudo, deve permear todo
o processo. Porque, enquanto as técnicas multiparadigmáticas podem servir para
ampliar de forma dramática a visão periférica dos teóricos, a teoria metaparadig-
mática resultante terá raízes dentro de suas premissas iniciais, forçando-os cons-
tantemente a questionar seus vieses paradigmáticos.
Para servir a usos futuros de metatriangulação, ilustramos cada fase do pro-
cesso. Além dos modelos ideais revistos, apresentamos nosso estudo sobre a tec-
nologia de produção industrial avançada (TPA). Desde sua criação, no final da
década de 1970, a TPA (por exemplo, a produção integrada por computador)
tem se revelado altamente problemática e controversa, gerando mudanças de-
sintegradoras no trabalho, nas relações sociais e na organização, e alimentan-
do a utilização de lentes paradigmáticas discrepantes (Alvesson, 1987; Dean;
Yoon; Susman, 1992). Os catalisadores de nosso estudo foram ao mesmo tempo

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Metatriangulação: construção teórica com base em paradigmas múltiplos  43

Quadro 2 Processos de construção teórica da indução tradicional e da metatrian-


gulação.
Paradigma único: Multiparadigma
atividade induti- Variação da ativi- Propósito com meta- Implicações para o es-
va tradicional dade indutiva triangulação tudo da TPA
Fase I: Fundamentos
Especificar Definir fenômeno de Prover foco, mas permi- Incorporação de diversos
pergunta de interesse tindo flexibilidade inter- tipos e teorias de TPA
pesquisa pretativa
Rever bibliografia Focar lentes para- Ganhar entendimento Divisões e conexões
relevante digmáticas – agru- multiparadigmático e percebidas entre
par paradigmas e reconhecer paradigma perspectivas existentes
encontrar zonas de familiar
transição
Escolher fonte de Coletar amostra me- Mirar lentes em referên- Estudos de caso sele-
dados tateórica (dados in- cias empíricas, comuns cionados de contextos
terpretáveis a partir diversos de TPA e visões
de lentes múltiplas) teóricas
Fase II: Análise de dados
Desenhar o pro- Planejar o itinerário Reconhecer influências Afastamento do para-
cesso de análise dos paradigmas (uso paradigmáticas; enfati- digma familiar domi-
ordenado de lentes) zar contrastes e manter nante
equilíbrio
Codificar dados de Conduzir a codifica- Cultivar diversas inter- Detalhamento de visões
modo sistemático ção multiparadig- pretações de dados; re- contrastantes da TPA e
mática alçar diferentes insights sua implementação
paradigmáticos
Tabular e/ou apre- Redigir relatos para- Vivenciar linguagem Reconhecimento de con-
sentar análise digmáticos em uso de paradigma; flitos e sobreposições
administrar os entendi- nas imagens de tensões
mentos cumulativos da TPA
Fase III: Construção de teorias
Desenvolver e tes- Explorar metacon- Conduzir experiências Análise dos padrões e
tar proposições jecturas mentais; justapor in­ discrepâncias entre as
sights paradigmáticos explicações
Construir teoria Obter perspectiva Abarcar disparidades e “Espaço” e “tempo” uti-
metaparadigmática complementaridades; lizados para acomodar
motivar interação explicações distintas
Avaliar teoria Articular auto-refle- Determinar qualidade Rastreamento de ten-
resultante xão crítica teórica e processo de sões e paradoxos expe-
construção teórica rimentados no próprio
trabalho

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44  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

substantivos e epistemológicos. Fomos conduzidos pelo desejo de compreender


a complexidade da TPA como também pelos paradigmas de seus pesquisadores.
Procuramos explorar perspectivas alternativas e suas imagens conflitantes de TPA
e construir uma teoria metaparadigmática que pudesse contrastar, interligar e
ampliar os entendimentos existentes. O uso de exemplos de nosso estudo ao lon-
go da discussão que se segue serve a dois propósitos. Inicialmente, o estudo apre-
senta uma ilustração unificadora, já que outros modelos descrevem apenas partes
do processo de construção teórica. Em segundo lugar, coloca à disposição a nossa
experiência de primeira mão com técnicas, desafios e insights de metatriangula-
ção (para mais detalhes, veja Lewis, 1996).

Fase I: Fundamentos prévios

Para entender os pontos de vista alternativos, importa que o teórico esteja


plenamente consciente das premissas sobre as quais se apóia sua própria
perspectiva. Esta avaliação envolve uma jornada intelectual, que o leva
para fora do campo de seu domínio familiar [...]. Somente então ele pode-
rá olhar para trás e avaliar, em toda a extensão, a natureza precisa de seu
ponto de partida (Burrell; Morgan, 1979, p. ix).

O lançamento das bases da metatriangulação requer que se defina o fenôme-


no de interesse, enfocando lentes paradigmáticas e coletando uma amostra meta-
teórica (veja Quadro 2). Como na indução tradicional, esta fase inicial determina
limites que ao mesmo tempo restringem e possibilitam a construção teórica (Ei-
senhardt, 1989). O estabelecimento de limites traz riscos de reduzir a metatrian-
gulação a um exercício de “preencher de lacunas”, em que os teóricos utilizam os
dados para apoiar as visões paradigmáticas iniciais. Mas estes limites podem au-
xiliar os teóricos a administrar uma possível sobrecarga de dados e perspectivas,
fazer comparações com trabalhos existentes e esclarecer e criticar suas próprias
premissas, enquanto caminham através de paradigmas múltiplos.
Definir fenômeno de interesse. A construção teórica através de paradig-
mas começa com a seleção de um tema de estudo (Gioia; Pitre, 1990). As estra-
tégias tradicionais de indução quase sempre são utilizadas para explorar fenô-
menos em campos teoricamente esparsos. A especificação de uma pergunta de
pesquisa clara e experimental oferece foco e dá flexibilidade interpretativa na
análise de dados (Glaser; Strauss, 1967; Mintzberg, 1979). A metatriangulação,
entretanto, é a estratégia mais apropriada para estudar fenômenos multifaceta-
dos, que se caracterizam por campos de pesquisa amplos e controversos (isto é,
com inúmeras teorias, muitas vezes conflitantes). A especificação de uma per-
gunta de pesquisa na investigação multiparadigmática é algo problemático, pois
a legitimidade de uma pergunta pode variar de acordo com os paradigmas. Em
seu influente trabalho, Hassard (1991) enfrentou esse desafio, ao relacionar,

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Metatriangulação: construção teórica com base em paradigmas múltiplos  45

com discernimento, cada lente a uma questão diferente e compatível com um


paradigma. Em outros modelos – para permitir comparações mais diretas e po-
tencialmente mais esclarecedoras – os pesquisadores defenderam amplamente a
definição de um fenômeno de interesse comum. Nesses estudos, os pesquisado-
res vêem o fenômeno de interesse como abstrato e relacional – construído con-
forme os teóricos o utilizam, interpretam e experimentam, através de cada lente
paradigmática (por exemplo, Graham-Hill, 1996). Por exemplo, em seus mode-
los os acadêmicos examinaram fenômenos organizacionais tão complexos e bem
pesquisados quanto o poder (Clegg, 1990; Gaventa, 1980), a cultura (Martin,
1992; Ybema, 1996), a política (Bradshaw-Camball; Murray, 1991) e o trabalho
(Alvesson, 1987).
A metatriangulação oferece um meio excepcional para se estudar a TPA, por-
que este campo tem sido cada vez mais criticado como vasto, polarizado e cheio
de contradições teóricas, que impedem comparações investigativas e um enten-
dimento mais completo (Grint, 1991). Definimos essa tecnologia de produção
industrial avançada (TPA) como tarefas operacionais e maquinaria computadori-
zada que controlam e executam um processo produtivo. Essa definição ampla nos
deu liberdade para explorar os vários desígnios sociais e técnicos da TPA, bem
como as visões diferenciadas de sua implantação (por exemplo, sistemas, proces-
sos de trabalho, construção social e teorias críticas).
Enfocar lentes paradigmáticas. A revisão da literatura relevante reforça a
indução tradicional, ao ajudar os teóricos a associar a teoria emergente ao tra-
balho existente e a reconhecer a influência de suas próprias inclinações teóricas
(Weick, 1989). Uma base teórica rica pode estimular uma análise esclarecedora,
“sensibilizando” os teóricos para certas características e sutilezas presentes nos
dados (Glaser; Strauss, 1967). A metatriangulação altera dramaticamente o pa-
pel da sensibilização teórica, exigindo que os teóricos enfoquem e depois empre-
guem lentes paradigmáticas divergentes. Uma visão em dois estágios – agrupação
de paradigmas e determinação de zonas de transição – pode ajudar os teóricos
a obter um entendimento multiparadigmático do fenômeno de interesse, assim
como uma consciência maior de seus paradigmas iniciais, ou familiares.
A agrupação impõe que se explicitem as premissas e o foco seletivo de cada
perspectiva, categorizando em seguida a literatura existente sobre os paradigmas
com vistas a acentuar as discrepâncias teóricas (Gioia; Pitre, 1990). Essencial-
mente, as agrupações delimitam o escopo operacional das lentes discrepantes,
especificando o que é e o que não é de interesse – limitando os pesquisadores a
um campo de visão administrável, mas aprofundando os detalhes desse escopo
(­Poole; Van de Ven, 1989). Nos modelos, os pesquisadores classificam a litera-
tura de acordo com uma tipologia paradigmática existente (por exemplo, Gioia;
Pitre, 1990; Grint, 1991), ou criam um marco referencial sob medida (por exem-
plo, Alvesson, 1987; Reed, 1996), procurando agrupações que se ajustem à varie-
dade requerida na literatura e que enfatizem conflitos teóricos proeminentes.

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46  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

O reconhecimento do paradigma de um autor, no entanto, pode ser uma ta-


refa árdua e questionável. Smircich (1983) notou que não somente os autores
poucas vezes enunciam seus paradigmas, mas muitas vezes os escolhem de forma
inconsciente. Ela propôs categorizar os trabalhos de acordo com o uso metafórico
que um autor faz da linguagem – por exemplo, as organizações são instrumen-
tos sociais, organismos adaptáveis ou padrões de um discurso simbólico. Outros
estão de acordo (por exemplo, Cannella; Paetzold, 1994; Willmott, 1993), afir-
mando que um paradigma favorecido é mais facilmente reconhecível pelo uso de
termos como conhecimento, discurso e práxis, termos que implicam compartilha-
mento de seus significados por todos os leitores.
Em seguida, a descoberta de zonas de transição entre os paradigmas auxilia
os teóricos a criticar os limites de suas “agrupações” e reconhecer a complementa-
ridade potencial das lentes paradigmáticas (Gioia; Pitre, 1990). Nos modelos, os
scholars quase sempre exploram elos entre os paradigmas objetiva e subjetivamen-
te orientados. Por exemplo, as teorias estruturalista (por exemplo, Weaver; Gioia,
1994) e construtivista (por exemplo, Kaghan; Phillips, 1998) possibilitam que ar-
tefatos institucionais “objetivos” sejam estudados como produtos e meios de pro-
cessos “subjetivos” de construção social. A identificação dessas perspectivas revela
como as premissas epistemológicas e metodológicas existem ao longo de extensões
contínuas. Os paradigmas podem parecer incomensuráveis nos extremos, mas en-
trelaçados em suas bordas. As teorias de zona de transição também sugerem pontes
entre os paradigmas que podem facilitar a metateorização (Grimes; Rood, 1995).
Assim como Grint (1991), “agrupamos” as premissas da TPA com o uso da
tipologia de Burrell e Morgan (1979), porque suas dimensões refletem debates
tecnológicos acalorados. As “agrupações” resultantes, ilustradas na Figura 1, afi-
nam o foco de cada lente paradigmática, ao caracterizarem as várias visões da
TPA e sua implantação, as questões centrais de pesquisa e as teorias dominantes.
Essa revisão esclareceu como, em sua maioria, os estudos realçam as restrições
determinísticas da implantação da TPA ou os processos fluidos de atribuição de
sentido, ao polarizarem as premissas de objetividade e subjetividade, e como re-
alçam o potencial de desqualificação ou de aumento da qualificação da TPA, ao
separarem, respectivamente, as premissas da mudança radical e da regulação.
Em seguida, exploramos as zonas de transição dos paradigmas. Por exemplo,
o estruturalismo (que liga a visão funcionalista à interpretativista) sugere que os
atores atuam por intermédio de papéis de trabalho e tecnologias existentes, na
medida em que atribuem sentido a uma nova TPA, contribuindo para mudanças
contínuas em sua construção social (por exemplo, Roberts; Grabowski, 1996). De
maneira semelhante, na teoria radical dos processos de trabalho (que liga a visão
estruturalista radical à humanista radical), os scholars postulam que as ideologias
e a retórica dos atores podem atrapalhar os significados da TPA, enquanto a reifi-
cação de artefatos institucionais (por exemplo, estrutura e autoridade) reforça as
ideologias e retóricas existentes (por exemplo, Willmott, 1993). O reconhecimen-

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Metatriangulação: construção teórica com base em paradigmas múltiplos  47

Mudança Humanista radical Estruturalista radical


radical
TPA: Veículo de distorção comunica- TPA: Ferramenta de dominação e contro-
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

tiva le do trabalho
Implantação: Processo de negociação Implantação: Processo de determinismo
de retórica, identidades e entendi- social e político, movido por interesses
mentos relacionados com o trabalho políticos e diferenças de classe
da TPA Questões-chave: Como o design da ma-
Questões-chave: Por que os atores quinaria e das tarefas da TPA acentua a
com freqüência utilizam e reforçam racionalização e promove a desqualifica-
ideologias dominantes e preconceitos ção do trabalho do operador e reforça
existentes? Como podem os atores ne- as assimetrias de poder existentes dentro
gociar entendimentos mais democráti- da organização?
cos de TPA? Teorias: Processos ortodoxos de trabalho
Teorias: Crítica e antiorganizacional (marxistas); teorias weberianas radicais
Interpretativista Funcionalista

TPA: Construção constante de experi- TPA: Sistema de produção para aumen-


ências intersubjetivas tar a eficiência e a adaptabilidade
Implantação: Processo de fazer sen- Implantação: Processo de determinismo
tido e de aprender enquanto atores tecnológico, refreado pelas condições
usam e vivenciam a TPA competitivas e organizacionais
Questões-chave: Como os atores Questões-chave: Como as diferentes
desenvolvem entendimentos compar- especificações de projeto da TPA in-
tilhados de TPA? Como as normas cul- fluenciam o controle e a flexibilidade da
turais, os mitos e os símbolos influen- produção? Que métodos levam à imple-
ciam as interpretações? mentação efetiva?
Teorias: Teoria interacionista simbólica Teorias: Contingência, sistemas e teorias
REGULAÇÃO e teoria de construção social tradicionais da engenharia

sUBJETIVO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . oBJETIVO

Fonte: Adaptado de Burrell e Morgan (1979)


Figura 1 Paradigmas agrupados da Tecnologia de Produção industrial Avançada
(TPA).
to dessas pontes nos ajudou a questionar os limites fictícios de nossos paradigmas
e a reconhecer interpretações complementares na construção teórica ulterior.
Coletar amostra metateórica. Assim como nas estratégias tradicionais de in-
dução (por exemplo, Eisenhardt, 1989; Glaser; Strauss, 1967), os dados servem
como referências empíricas, aproximando mais o teórico e a teoria resultan­te do
fenômeno de interesse do que seria possível apenas com a utilização da li­te­ratura
preexistente. Entretanto, a escolha de uma fonte de dados para a investigação mul-
tiparadigmática é controversa, pois a questão do que constitui dado é condiciona-
da ao paradigma (Gioia; Pitre, 1990). Para administrar este dilema requer-se a co-
leta de uma amostra metateórica: dados interpretáveis a partir das perspectivas de

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48  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

paradigmas múltiplos. Embora em alguns modelos os pesquisadores colham da-


dos diferentes para usar com cada lente (por exemplo, Gioia; Thomas, 1996; Has-
sard, 1991), a utilização de uma fonte comum de dados facilita as comparações e
a construção teórica (Ybema, 1996). Partindo de um metanível, os teóricos podem
ver os dados como representações de uma realidade empírica desenvolvidas para
um determinado propósito/audiência e suscetível de interpretação/análise (Sta-
blein, 1996). Por exemplo, Bradshaw-Camball e Murray (1991), Martin (1992) e
Graham-Hill (1996) coletaram dados extensos e não estruturados em entrevistas,
que puderam ser analisados depois através de lentes divergentes.
Procuramos dados que nos permitiriam analisar a implantação da TPA em
diversos contextos e aplicar diversas lentes analíticas, selecionando uma fonte
muito particular: os estudos de casos existentes. Os estudos de casos experimen-
taram um renascimento entre os paradigmas nas duas últimas décadas, consti-
tuindo assim uma fonte de metadados potencialmente abundante, inspiradora e
raras vezes explorada (Stablein, 1996). No campo da TPA, os estudos de casos
se tornaram o “modo predominante de investigação” (Dean et al., 1992, p. 204).
Enquanto o exame dos casos existentes tinha a desvantagem óbvia de nos dis-
tanciar mais do trabalho de campo original e dos atores locais, ele nos propiciou
a oportunidade de explorar as interpretações discrepantes dos autores de casos
bem como dos autores citados em numerosos cenários organizacionais.
Começamos com a montagem de um conjunto amplo e eclético de casos re-
levantes. Ao definir caso de forma ampla (isto é, um estudo compreensivo de
implantação de TPA, em um contexto específico) e ao utilizar diversas fontes de
casos sugeridas por nossa revisão multiparadigmática (por exemplo, publicações
periódicas de administração, engenharia, sociologia e antropologia, assim como
casos didáticos, monografias de pesquisa e artigos não publicados), tivemos a
chance de encontrar mais de 100 estudos de caso. Selecionamos então, em bases
teóricas, 20 casos para análise detalhada. Seguindo as sugestões de Eisenhardt
(1989), escolhemos os casos que ressaltavam os extremos (por exemplo, TPAs
altamente automatizadas versus TPAs de mão-de-obra intensiva) e que permane-
ciam abertos a interpretações (por exemplo, que ofereciam descrições elaboradas
e citações extensas de atores locais) para estimular a teorização criativa. Entre-
tanto, também ampliamos os critérios de Eisenhardt para favorecer as análises
multiparadigmáticas. Procuramos casos representativos de cada uma das quatro
lentes paradigmáticas, para confrontar os diferentes interesses, métodos e retó-
ricas de pesquisa adotados pelos autores de casos (para uma lista completa dos
casos reunidos, ver Lewis, 1996).

Fase II: Análise dos dados

Traduzir uma teoria de visão de mundo para a nossa própria língua não
significa torná-la nossa. Para isso, é preciso que nos tornemos nativos, que

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Metatriangulação: construção teórica com base em paradigmas múltiplos  49

nos descubramos pensando nessa língua que antes era estranha, e não me-
ramente traduzindo-a (Kuhn, 1970, p. 204).

Da mesma forma que muitas estratégias de construção teórica, uma fase subs-
tancial da metatriangulação gira em torno da análise de dados. Na investigação
multiparadigmática, entretanto, o “trabalho analítico de detetive” (Mintzberg,
1979), necessário para a indução tradicional, também requer que se aumente as
distinções entre os paradigmas, para se evitar interpretações excessivamente sim-
plificadas. A fase II aplica técnicas capazes de auxiliar os teóricos a mergulharem
em paradigmas alternativos, rastrearem padrões nos dados e gerarem explicações
contrastantes sobre o fenômeno de interesse (veja Quadro 2). A adoção de para-
digmas “estranhos” serve a dois propósitos fundamentais. Em primeiro lugar, pode
aprofundar o entendimento dos teóricos, na medida em que eles aprendem por
experiência o foco de observação, os métodos analíticos e os estilos de expressão
redacional de cada paradigma. Em segundo, os relatos resultantes podem ser úteis
para a construção teórica de metaparadigmas, ao capacitarem os teóricos a justa-
por interpretações paradigmáticas de um referente empírico comum (Reed, 1997).
Como observa Martin (1992, p. 5), ao cultivarem imagens conflitantes, os teóricos
podem explorar “pressupostos não enunciados, para explicar por que as discor-
dâncias entre [...] as perspectivas são tão profundas, intensas e produtivas”.
Planejar roteiro para paradigmas. Segundo Eisenhardt (1989), a ­utilização
sistemática de uma série de análises ajuda os teóricos a administrar suas capa-
cidades limitadas de processamento de informação. De modo semelhante, se-
guir um roteiro (isto é, uma ordem planejada de análise de paradigmas) pode
enriquecer a jornada por meio de paradigmas múltiplos. Independentemente de
como os teóricos “paralelos” tentam manter seus esforços indutivos, os insights
de análises paradigmáticas anteriores exercerão alguma influência sobre análises
posteriores. Um roteiro pode elevar a consciência dos teóricos sobre essa influên­
cia, permitindo-lhes que equilibrem melhor as imagens contrastantes. Hassard
(1991) propôs que os interesses específicos dos teóricos deveriam guiar sua esco-
lha de roteiro. Por exemplo, em alguns modelos os scholars transitaram de para-
digmas objetivos para subjetivos, buscando, inicialmente, visões gerais amplas e
generalizáveis e, depois, significados mais minuciosos e localizados sobre o fenô-
meno de interesse (por exemplo, Gioia et al., 1989; Graham-Hill, 1996). Outros
utilizaram lentes funcionalistas para sublinhar entendimentos gerencialistas, se-
guidas por visões mais críticas, com o interesse de expor fragmentações e confli-
tos (por exemplo, Bradshaw-Camball; Murray, 1991; Martin, 1992).
Escolhemos o nosso roteiro – de funcionalista para estruturalista radical,
para interpretativista e para humanista radical – por duas razões. Em primeiro
lugar, sentimos que esse caminho intensificaria nossas próprias experiências de
aprendizagem, porquanto refletia um movimento do conforto da perspectiva “fa-
miliar” básica do investigador e do paradigma dominante da TPA (funcionalis-
ta) rumo à sua antítese (humanista radical). Em segundo lugar, perseguimos de

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50  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

modo progressivo imagens “mais profundas” e contrastantes da TPA. As análises


funcionalistas versaram sobre a natureza dos sistemas técnicos e sociais, enquan-
to as análises estruturalista-radicais criticaram o seu impacto sobre as habilida-
des e o poder dos operadores. Nos paradigmas subjetivos, vimos descrições de
propriedades e comportamentos que poderiam ser observados como “pontos de
entrada” em processos de construção social mais latentes. As análises interpreta-
tivistas ressaltaram as normas culturais que influenciam os significados compar-
tilhados, ao passo que as análises humanistas radicais criticaram sua legitimidade
e os papéis dos atores em favor de sua manutenção. A disparidade de cada lente
nos ajudou a descongelar e flexibilizar nossos pressupostos iniciais, alimentando
insights mais criativos, na medida em que elaboramos e questionamos constante-
mente as análises anteriores.
Conduzir codificação multiparadigmática. De acordo com Glaser e Strauss
(1967), a codificação envolve a abertura, interpretação e conceituação dos dados.
A sensibilidade teórica é vital, pois as premissas dos teóricos fomentam idéias e
vieses. Abordar a análise com várias questões em mente pode ajudar os teóricos
a abrir os dados e a ver com maior profundidade analítica. A investigação multi­
pa­radigmática muda e intensifica o papel da sensibilidade teórica. As lentes para­
dig­máticas sugerem perguntas de pesquisa antagônicas e revelam inúmeras in-
terpretações dos dados. No entanto, os pressupostos conflitantes não permitem
o uso de uma abordagem analítica comum, exigindo que os teóricos empreguem
métodos paradigmáticos próprios (Gioia e Pitre, 1990, e Guba e Lincoln, 1998,
revisaram vários métodos).
A codificação multiparadigmática é tipicamente um processo de duas partes:
os teóricos se familiarizam com os dados e depois lhes aplicam diferentes con-
tornos. Na análise inicial, fazer anotações detalhadas auxilia os teóricos a desen-
volver suas primeiras impressões de matizes e padrões observáveis nos dados. Os
teóricos seguem então seu roteiro paradigmático, lendo os dados através de cada
lente (Morgan, 1983). Suas interpretações se tornam uma combinação “do que
eles já sabem, do que lêem e das lentes que trazem para a análise”, permitindo dessa
forma a construção de diversas interpretações possibilitadas por cada paradigma.
A recodificação dos dados, durante cada análise subseqüente, concentra esforços
para detalhar e comparar os entendimentos dos temas emergentes.
Os modelos retratam variações dessa atividade. Graham-Hill (1996) anali-
sou seus dados, utilizando métodos alternativos de construção de casos, que va-
riavam de abordagens convencionais (por exemplo, Yin, 1989) a reconstituições
de casos (por exemplo, Mangham; Overington, 1983). Martin (1992) empregou
uma técnica diferente, aplicando suas três lentes como instrumentos de sensibi-
lização para desvendar os significados múltiplos de uma cultura organizacional.
Ela codificou as expressões dos atores, que retratavam percepções de uma cultura
clara e unificada, como “integração”; de visões subculturais variadas, como “dife-
renciação”; de sentimentos conflitantes e ambigüidade, como “fragmentação”.

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Metatriangulação: construção teórica com base em paradigmas múltiplos  51

Em nosso estudo, a codificação multiparadigmática revelou-se uma experiên-


cia de abertura de dados e de mente. A agrupação de paradigmas sugeriu ques-
tões fundamentais para facilitar e diferenciar análises (veja Figura 1). Também
iniciamos toda análise de paradigma com a codificação de casos relatados sob a
mesma perspectiva, utilizando o foco, a linguagem e os métodos empregados por
seus autores para orientar a codificação dos casos remanescentes. A codificação
funcionalista requeria que as análises comparativas e causais de manifestações
superficiais (por exemplo, explicações gerenciais e especificações de projeto da
TPA) convergissem para construtos e relações generalizáveis (por exemplo, Eisen­
hardt, 1989). No paradigma estruturalista radical, utilizamos ciclos dialéticos de
observação e crítica (por exemplo, Benson, 1977) para revelar como a capaci-
dade de controle do trabalho pela TPA foi reforçada por artefatos institucionais
inter-relacionados (por exemplo, a estrutura organizacional) e por estruturas so-
cioeconômicas mais amplas (por exemplo, as classes sociais). As análises inter-
pretativistas envolveram a codificação da linguagem e dos símbolos, para des-
crever os processos pelos quais os atores atribuíam sentido (por exemplo, Guba;
Lincoln, 1989). As técnicas hermenêuticas nos ajudaram a identificar os signifi-
cados compartilhados pelos membros subculturais em relação à TPA e os papéis
relacionados com o trabalho. Finalmente, para o humanismo radical, analisamos
as ideologias e os significados hegemônicos (por exemplo, Steffy; Grimes, 1986).
Ao reinterpretarmos criticamente os casos e as nossas anotações acumuladas,
codificamos discursos determinísticos, masculinos e pró-gerenciais, para expor
a retórica preconceituosa utilizada pelos atores organizacionais, pelos autores
dos casos e por nós mesmos. As análises multiparadigmáticas redundaram em
quatro grupos de codificações, cada um dos quais lidando com facetas distintas,
mas interligadas, dos casos: conceituações da TPA e processos problemáticos de
implantação.
Redigir relatos paradigmáticos. Ao tabular ou exibir os resultados das análi­
ses de dados, os pesquisadores ordenam as evidências para que sirvam à indu-
ção tradicional (Eisenhardt, 1989; Mintzberg, 1979). A metatriangulação amplia
essa atividade, na medida em que os teóricos utilizam codificações para redigir
explicações distintas do fenômeno de interesse. A redação serve a três propósitos.
Em primeiro lugar, inscreve os entendimentos paradigmáticos em representações
coe­rentes, ajudando os teóricos a administrar os diversos insights proporcionados
pelas análises multiparadigmáticas. Em segundo lugar, o ato de escrever pode
aprofundar a compreensão dos teóricos, na medida em que eles experimentam
a linguagem em uso do paradigma. A comparação de cada descrição à respecti-
va literatura paradigmática pode ajudar os teóricos a garantir que as represen-
tações proliferem, em vez de subjugarem ou homogeneizarem as diferenças de
paradigma. Em terceiro lugar, ao escrever, após completar a análise, os teóricos
podem focar suas descrições sobre temas que abarcam os paradigmas com vistas
a enfatizar imagens conflitantes e auxiliar a metateorização. Martin (1992), por
exemplo, demonstrou como as lentes divergentes estimularam diferentes percep-

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52  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

ções de três temas culturais de uma organização: igualitarismo, inovação e inte-


resse pelo bem-estar dos funcionários. De maneira semelhante, toda descrição
de Bradshaw-Camball e Murray (1991) retrata um entendimento coerente, mas
limitado, ao tratar de questões variadas sobre estrutura, processos e resultados
da política organizacional.
Concentramos os nossos relatos sobre o tema das tensões. Em todos os es-
tudos de caso, o confronto das demandas, interesses e percepções frustrava as
implantações da TPA. No entanto, as lentes paradigmáticas revelaram conflitos
diferentes e ciclos viciosos. O cotejo das descobertas a partir das nossas análises
de dados com a literatura paradigmática existente nos ajudou a aprimorar cada
descrição e a detalhar as variações nos insights paradigmáticos. Uma breve leitu-
ra dos relatos resultantes (veja Apêndice) demonstra que cada um oferece uma
representação igualmente plausível e internamente consistente, ainda que par-
cial, ressaltando a necessidade de um entendimento mais compreensivo da natu-
reza complexa e desintegradora da TPA.

Fase III: Construção teórica

Estamos numa turbulência de contradições [...] O paradoxo vive e se mo-


vimenta neste campo; ele é a arte do equilíbrio entre os opostos, de modo
que eles não se neutralizam, mas atiram faíscas de luz em seus pontos po-
lares. Ele olha para nossas desesperadas incertezas e nos diz que a realida-
de é constituída de tudo isso – que a vida é maior que os nossos conceitos
e que, se permitirmos, ela pode abarcar nossas contradições (Morrison, M.
C. In: Smith; Berg, 1987, p. 3).

A construção teórica a partir de dados exige que os teóricos dêem “saltos cria-
tivos” – fujam do é simplificado e esperado e expliquem os fenômenos sob nova
ótica (Mintzberg, 1979, p. 584). No entanto, na metatriangulação, os saltos são
para um nível acima e além dos paradigmas, porque quando se abstrai “o quan-
to for necessário, as diferenças entre as práticas de pesquisa ficam embaçadas,
revelando os contornos do panorama de pesquisa” (Stablein, 1996, p. 510). As
análises multiparadigmáticas apóiam e elaboram visões marcadamente distintas,
adicionando profundidade aos entendimentos dos teóricos sobre o fenômeno e os
paradigmas utilizados. A construção teórica, no entanto, requer que os teóricos
transcendam os dualismos paradigmáticos e pensem paradoxalmente: conside-
rem, simultaneamente, visões conflitantes. As técnicas metaparadigmáticas aju-
dam os teóricos a explorar metaconjecturas, a alcançar uma perspectiva metapa-
radigmática e a articular suas auto-reflexões (veja Quadro 2).
Explorar metaconjecturas. A exploração de metaconjecturas considera e
amplia o apelo de Weick (1989) no sentido de que os teóricos conduzam diver-
sos e inúmeros experimentos mentais. As metaconjecturas denotam proposições

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Metatriangulação: construção teórica com base em paradigmas múltiplos  53

interpretáveis a partir de paradigmas múltiplos. Os teóricos repetem sempre de


novo a literatura revista, suas análises multiparadigmáticas e sua própria intui-
ção, com a finalidade de explorar visões divergentes dos temas que perpassam os
relatos paradigmáticos. Os modelos sugerem duas técnicas que podem ajudar os
teóricos a desenvolver e “testar” metaconjecturas. Em primeiro lugar, a inversão
de conjecturas exige que se reenquadre uma questão ampla dentro de paradig-
mas múltiplos (Gioia; Pitre, 1990). Ao procurar por algo inesperado ou não res-
pondido nos relatos paradigmáticos, os teóricos podem examinar de que modo os
aspectos de uma situação são vistos como anomalia ou explicados através de len-
tes alternativas. Em segundo lugar, técnicas de conversação auxiliam os teóricos a
sondar debates paradigmáticos e descobrir meios criativos para justificar contra-
dições (Grimes; Rood, 1995). Ao justapor insights paradigmáticos, as explicações
discrepantes podem parecer que estão inter-relacionadas, mas tratam de facetas
temporais e espaciais variadas do fenômeno (Poole; Van de Ven, 1989).
Utilizamos a inversão de conjecturas para investigar por que as tensões aumen­
tam durante a implantação da TPA. Perguntamos: “por que as demandas confli-
tantes (abordagem funcionalista), os interesses políticos (estruturalista radical),
os esquemas interpretativos (interpretativista) e as identidades sociais (humanis-
ta radical) se intensificam e inibem a mudança?” As lentes paradigmáticas revela-
ram como a flexibilidade e as ambigüidades da automação exacerbam as tensões
existentes, mas sugeriram que, respectivamente, as restrições inerciais, as assime-
trias de poder, as normas subculturais ou as distorções de comunicação desesti-
mulam outros projetos inovadores e entendimentos mútuos de TPA. As técnicas
de conversação nos ajudaram então a explicar estas discrepâncias. Além de em-
pregar conversações hipotéticas, começamos a fazer debates entre nós, de forma
deliberada, já que nos baseávamos em paradigmas opostos, e com outros teóricos
alinhados com paradigmas que nos eram menos familiares. Acabamos observan-
do que os paradigmas abarcam diferentes dimensões espaciais e temporais.
A análise da TPA a partir de “espaços” distintos (uma metáfora para hierar-
quia e interesses ocupacionais divergentes) nos ajudou a compreender o debate
sobre o incremento e a deteriorização da qualificação para o trabalho. Os paladi-
nos das visões reguladoras externaram preocupações gerenciais, observando as
novas rotinas e maiores habilidades conceituais necessárias aos operadores e pro-
jetistas que trabalham com automação, e os detentores de visões radicais enfati-
zaram os interesses trabalhistas, expondo mecanismos de controle e ideologias
dominantes que reforçavam as relações de poder existentes. Perspectivas tempo-
rais variadas (uma metáfora para estrutura e processos de representação) suge-
riram propriedades estáveis, observáveis, além de dinâmicas sociais e cognitivas
mais latentes. As lentes objetivas revelaram as restrições dos artefatos materiais e
das práticas institucionalizadas, e as visões subjetivas indicaram o fluxo da cria-
ção de significado em curso. Assim, os quatro relatos resumidos no Apêndice, em
conjunto, mostraram-se necessários para se compreender a natureza emaranhada
e desagregadora da implantação da TPA.

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54  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

Lograr perspectiva metaparadigmática. A teoria indutiva tradicional pro-


porciona um conjunto ordenado de afirmações sobre o fenômeno de interesse,
ambos com base em dados específicos e suficientemente abstratos para permitir
conclusões generalizáveis (Glaser; Strauss, 1967). A investigação multiparadig-
mática amplia as definições convencionais da teoria para denotar um entendi-
mento coerente e que é capaz de acomodar representações diversas (Gioia; Pitre,
1990). Os teóricos perseguem uma perspectiva metaparadigmática, a partir da
qual podem reconhecer a interação de insights paradigmáticos conflitantes, mas
interdependentes. Nos modelos, os scholars recomendam que se aplique uma po-
sição, estrutura ou conceito teórico inclusivo, que possa servir como “ponto de
contato” entre os paradigmas. Por exemplo, Schultz e Hatch (1996) sugeriram
que se empregue uma visão pós-moderna para reconhecer a disparidade e a simi-
laridade entre os paradigmas essencialmente modernos. Reed (1997) defendeu
a criação de uma moldura multidimensional e Bouchikhi (1998) propôs utilizar
a dialética e o paradoxo para propiciar uma compreensão rica e profunda do fe-
nômeno de interesse.
As teorias metaparadigmáticas existentes ilustram a utilização e o valor des-
sas técnicas. Por exemplo, Gaventa (1980) procurou explicar por que os mineiros
de uma pequena cidade dos montes Appalaches permaneciam em silêncio, em
vez de resistirem às condições de trabalho desmoralizantes e inseguras. Ao apli-
car as três lentes de Lukes (1974), ele detalhou as dimensões variadas do poder
e seus mecanismos de controle: comportamentais (por exemplo, tentativas vol-
tadas para a influência interpessoal e as práticas correntes de supervisão), estru-
turais (por exemplo, os contratos de trabalho e as divisões institucionalizadas de
trabalho) e ideológicos (por exemplo, os discursos e as premissas dominantes).
Gaventa, no entanto, transcendeu as distinções de Lukes, vinculando estes meca-
nismos de controle, para explicar como as interações sutis das dimensões preser-
vam a quiescência. Enquanto os gestores mobilizam os recursos para garantir que
os usos pouco freqüentes do poder pelos mineiros não sejam eficazes, os contra-
tos e as práticas formais mantêm as assimetrias de poder e os usos correntes da
retórica hegemônica de consenso influenciam as preferências dos mineiros e re-
duzem sua consciência política. O resultado foi uma elaborada e contextualizada
visão de poder como algo observável, imerso e continuamente reproduzido.
Ybema (1996) recorreu às lentes divergentes de integração e diferenciação
de Martin (1992), para ir além dos relatos paradigmáticos discrepantes, rumo a
uma teoria metaparadigmática de coesão e fragmentação organizacional. Ao es-
tudar um pequeno parque de diversões holandês com a lente da integração, Ybe-
ma desvendou uma forte cultura organizacional, marcada por mitos compartilha-
dos e por colegialidade; as lentes de diferenciação expuseram discrepâncias de
grupos e práticas de bisbilhotice. De modo criativo, Ybema justificou estas con-
tradições de duas maneiras. Em primeiro lugar, ele conceituou as manifestações
culturais como meios pelos quais os significados mistos podem ser expressos.
Por exemplo, as histórias das tradições e das realizações ou conquistas da orga-

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Metatriangulação: construção teórica com base em paradigmas múltiplos  55

nização fomentaram o desenvolvimento de um senso comum de orgulho e soli-


dariedade. No entanto, “o pessoal dos velhos tempos” utilizava as histórias para
romantizar o passado e seus papéis na história da companhia, reforçando suas
identidades e diferenças sociais frente aos “novos profissionais” que invadiam a
gestão. Em segundo lugar, utilizando uma metáfora dramatúrgica, Ybema via as
lentes como se estivessem iluminando os diferentes estágios sobre os quais as in-
terações sociais eram encenadas, ou reconstituídas. Ao banir os sinais abertos de
conflito, as normas culturais incentivavam a abertura e a cordialidade “no palco”
(por exemplo, em reuniões e corredores) e empurravam as animosidades para
“fora de cena” (por exemplo, para conversas a portas fechadas). Paradoxalmente,
estas reconstituições separadas tornaram-se inversões uma à outra. As demons-
trações públicas sustentavam normas de acordo e coesão, e as bisbilhotices par-
ticulares reforçavam os sentimentos de intimidade dentro do grupo e de discor-
dância entre os grupos.
Para acomodar as visões divergentes das tensões da TPA, aplicamos a noção
de paradoxo. Os paradoxos denotam construções sociais, criadas na medida em
que os atores polarizam fenômenos inter-relacionados para compreender a in-
certeza e a complexidade. No entanto, as polaridades podem se tornar reificadas
ao longo do tempo, inibindo os atores de reconhecer e administrar sua intera-
ção (Bouchikhi, 1998). Durante a implantação da TPA, mudanças dramáticas na
automação revelaram as inadequações das polaridades existentes, tais como as
distinções artificiais entre as necessidades de controle e flexibilidade ou entre as
competências dos projetistas e operadores da TPA. Essas revelações se mostraram
capazes de fomentar a inovação e o esclarecimento e também a rigidez e a domi­
nação. Alguns casos demonstraram o valor de repensar as premissas relativas à
tecnologia e ao trabalho, de negociar papéis mais democráticos na produção e
de experimentar projetos e estruturas organizacionais mais criativos de TPA. En-
tretanto, os atores se apegaram, com maior freqüência, às polaridades passadas,
alimentando ciclos viciosos. A utilização de ideologias, práticas e artefatos insti-
tucionais existentes provocou conseqüências negativas, que intensificaram ainda
mais os desejos dos atores por ordem e simplicidade. Por exemplo, os projetistas
enxergavam a TPA, tipicamente, como uma oportunidade de manter seu controle
sobre a produção e o trabalho. No entanto, a limitação do envolvimento do ope-
rador no processo de implantação, a ênfase sobre o “poder” dos computadores e
a formalização das tarefas do operador resultaram em sistemas altamente cen-
tralizados, que separaram a programação da execução e se mostraram inadmi-
nistráveis na prática. Enquanto isso, os operadores procuraram manter o controle
sobre suas competências. No entanto, a ênfase sobre a masculinidade de suas ha-
bilidades manuais e sobre sua prevenção em relação à automação e às intenções
da administração inibiram os operadores de desenvolver habilidades conceituais
mais amplas e defender papéis mais influentes na implantação.
Ao urdir um conjunto de relatos paradigmáticos, teorizamos sobre a intera-
ção entre a objetividade (por exemplo, projetos formais de TPA e divisões enrai-

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56  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

zadas de trabalho) e a subjetividade (por exemplo, processos fluidos de criação


de sentido e construção de identidade). Enquanto as posturas reguladoras enfo-
cam rotinas comuns e representam subculturas ocupacionais coesas, as posturas
radicais criticam os mecanismos sutis de controle e expõem as distorções contí-
nuas de especialização que podem subverter as tentativas em favor de comunica-
ções mais abertas entre os níveis da hierarquia organizacional.
Articular auto-reflexão crítica. A metatriangulação termina com uma críti­
ca da teoria resultante e do processo de construção teórica. Quando avaliam a
qualidade de uma teoria, os teóricos descobrem que os critérios tradicionais – va-
lidade e consistência interna (Eisenhardt, 1989) – são incongruentes com para-
digmas alternativos, já que enfocam a redução da ambigüidade e da diversidade
(Morgan, 1983). Para respeitar os objetivos de paradigmas variados, a metatrian-
gulação envolve critérios amplos: criatividade, relevância e inclusividade. Uma
teoria criativa proporciona meios estimulantes de considerar perspectivas diver-
gentes, enquanto a relevância depende de seu potencial para estimular o discurso
interparadigmático e de promover correspondências entre a teoria e a realidade
organizacional de múltiplas facetas (Poole; Van de Ven, 1989). Com a metatrian-
gulação, os acadêmicos se esforçam, não para encontrar a verdade, mas para des-
cobrir a inclusividade que provém de visões de mundo diversas e parciais (Gioia;
Pitre, 1990). Em termos ideais, a teoria metaparadigmática tanto acomoda como
desafia insights paradigmáticos opostos, e reflete a ambigüidade, a complexidade
e os conflitos vivenciados pelos atores organizacionais.
No entanto, estes resultados apresentam uma visão particular, ainda que
mais ampla e inclusiva. A auto-reflexão crítica pode ajudar os teóricos a não se
enclausurarem dentro dos limites das agrupações paradigmáticas ou de uma te-
oria metaparadigmática, e a avaliar a influência de seus interesses pessoais no
processo indutivo (Willmott, 1993). Em alguns modelos multiparadigmáticos, os
teóricos empregam noções pós-modernas para criticar sua utilização dos para-
digmas existentes (por exemplo, Hassard, 1991; Martin, 1992). Outros guardam
“anotações de campo” para refletir de forma contínua sobre os impactos de seus
vieses paradigmáticos e para apresentar descobertas experimentais dos temas de
pesquisa com o objetivo de lograr congruência nos significados (por exemplo,
Graham-Hill, 1996).
No estudo da TPA, o rastreamento de nossas percepções emergentes nos aju-
dou a permanecer criticamente atentos aos paradoxos que surgiam em nosso
próprio trabalho. Por exemplo, uma autora se deu conta de que suas predileções
teóricas, de fundo basicamente funcionalista, estavam acentuando e frustrando
seus insights. Enquanto ela se aventurava para além de seu paradigma familiar,
cada vez mais observava conflitos ideológicos entre os paradigmas e as tensões
sociais aparentes nos interesses dos colegas sobre sua pesquisa “radical” e “ar-
riscada”, ameaçando levá-la de volta para a corrente funcionalista dominante. A
administração desse paradoxo se tornou um esforço contínuo, auto-reflexivo, na

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Metatriangulação: construção teórica com base em paradigmas múltiplos  57

medida em que ela examinaria suas anotações, os relatos paradigmáticos alterna-


tivos e a teoria metaparadigmática, sempre atenta a uma retórica pró-gerencial.
Retrospectivamente, essas experiências se interligaram no processo de constru-
ção teórica, aprofundando nossa avaliação do valor e dos desafios da investiga-
ção multiparadigmática.

Implicações da construção teórica

A metatriangulação não substitui a construção teórica de paradigma único,


mas, em vez disso, é uma alternativa para explorar fenômenos complexos a partir
de perspectivas teóricas e epistemológicas diferentes. Na realidade, vemos este
processo como uma extensão das estratégias tradicionais, que visam a aumentar
os potenciais insights disponíveis a partir da literatura, dos dados e da intuição
dos teóricos. A metatriangulação segue muitas prescrições de Weick (1989) sobre
construção teórica, utilizando a “imaginação disciplinada”, elevando deliberada e
incrivelmente a quantidade e a diversidade de literatura revista, de métodos ana-
líticos usados e de conjecturas examinadas. Para alinhar ainda mais a metatrian-
gulação entre as estratégias existentes, concluímos com uma discussão sobre suas
vantagens, limitações e aplicações futuras.

Vantagens

Propomos que a metatriangulação pode dar orientação epistemológica e


substantiva aos teóricos. Em termos epistemológicos, esta estratégia de constru-
ção teórica pode dirigir a atenção para o impacto (1) dos interesses dos teóricos
sobre suas escolhas de paradigmas, métodos e temas de pesquisa (Habermas,
1971), (2) da epistemologia sobre a construção teórica substantiva, uma vez que
a última deriva da primeira, e (3) do poder sobre a criação do conhecimento
(Foucault, 1980). A exploração de paradigmas “estranhos” proporciona aos teóri-
cos uma experiência que pode propiciar uma quebra de referência. Ao explicitar
as premissas e o processo de aprendizagem, a metatriangulação pode ajudar os
teóricos a apreciar um possível conhecimento e a reduzir seu comprometimento
com um ponto de vista preferido e provinciano. Os teóricos podem reconhecer
que a construção teórica não é somente um processo metódico e definido por re-
gras, mas também um compromisso ideológico, político e moral por cujo inter-
médio eles se criam e recriam (Morgan, 1983).
Em termos substantivos, a metatriangulação facilita a mudança de uma teo-
ria provinciana para uma teoria mais rica, contextualizada e multidimensional.
Lidar com contradições teóricas pode fazer com que os teóricos construam teo-
rias mais alinhadas com a complexidade e os paradoxos da vida organizacional
(Poole; Van de Ven, 1989; Teunissen, 1996). As abordagens de multiparadigmas

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58  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

ajudam os teóricos a harmonizar a variedade necessária da teoria organizacional


e a investigar a diversidade experimentada (ou construída) pelos atores organi-
zacionais (Schultz; Hatch, 1996). Bouchikhi (1998) sustentou que os teóricos, ao
empregar paradigmas múltiplos, podem ajudar os atores organizacionais a com-
preender e administrar demandas que, isoladamente, parecem lógicas, mas, se
vistas em conjunto, são contraditórias ou absurdas –, por exemplo, a necessidade
de controle e flexibilidade, a coordenação coletiva e a expressão individual, sis-
temas internos seguros e sistemas externos abertos, continuidade e mudança, e
tomada de decisão e descoberta afortunada ao acaso.
A teoria metaparadigmática resultante – desde que as pesquisas, teorizações
e discursos acadêmicos subseqüentes apóiem sua plausibilidade – pode oferecer
um modelo que amplie a teoria e a pesquisa. A futura investigação multiparadig-
mática pode manter o interesse pela eficácia organizacional, mas pode criticar os
artefatos institucionais e refletir os significados locais, “encorpando” as descri-
ções com o intuito de representar de forma mais completa as sutis complexida-
des tecnológicas, sociais e políticas. Ao explorar visões divergentes, a teoria e o
debate acadêmico podem se tornar mais complexos e produtivos, silenciando o
dualismo entre a objetividade e a subjetividade e oferecendo insights para os di-
versos atores organizacionais, em vez de produzir prescrições para seu controle
pelas elites. O conhecimento substantivo produzido a partir destes esforços pode
ser contextualizado pelos significados locais e pelos paradigmas explorados, mas
as reflexões dos pesquisadores sobre os limites de seus métodos e interpretações
podem se tornar mais numerosas, justas e legítimas.

Limitações

Enquanto a construção teórica é sempre um processo de atribuição de sen-


tido, influenciado pelos pressupostos subjacentes dos teóricos (Weick, 1989), a
natureza inerentemente provocativa da investigação multiparadigmática gira em
torno da pergunta: “É possível que você, algum dia, se livre do paradigma que,
atualmente, o governa, de seu paradigma familiar?” Embora se possa continuar a
disputar essa questão, a metatriangulação coopera com as abordagens existentes
de multiparadigmas para ajudar os teóricos a reconhecer e a lidar com esse desa-
fio em todas as fases do processo da construção teórica.
A fase inicial da fundamentação exige que os teóricos explicitem seus pres-
supostos paradigmáticos. Entretanto, os críticos alertam que a agrupação de
paradigmas pode reproduzir os mesmos dualismos que ela tenta superar (por
exemplo, Deetz, 1996). Para evitar a reificação dos limites paradigmáticos na
metatriangulação, os teóricos devem fazer a crítica dos vieses de cada lente e
demarcar as perspectivas da zona de transição. As agrupações devem ser vistas
como guias heurísticos valiosos, mas fictícios, para que se possa distinguir dife-
rentes visões, possibilitando uma amplitude maior de entendimento do que se-

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Metatriangulação: construção teórica com base em paradigmas múltiplos  59

ria possível dentro dos limites de um único paradigma. O objetivo, como explica
Morgan, é

ir além da reprodução das diferenças que nos separam, em busca de um


entendimento do por que estamos separados. Ao agirmos assim, chega-
mos aos únicos meios com poder de avaliar a natureza e as limitações da
prática de pesquisa – adquirindo a capacidade de conhecer o que estamos
fazendo, por que o estamos fazendo e de que forma poderíamos fazê-lo de
maneira diferente, se assim o decidíssemos (Morgan, 1983, p. 382).

Entretanto, os teóricos devem constantemente se questionar sobre os limites


das lentes que escolheram e se seus esforços alimentam ou não a proliferação ou
tenacidade paradigmática (Feyerabend, 1975).
A fase da análise de dados exige que os teóricos mergulhem no interior de
cada paradigma. Os críticos, no entanto, desafiam a própria possibilidade de ado-
tar outras perspectivas, observando a potencialidade de um viés etnocêntrico – a
contaminação dos relatos paradigmáticos a partir da cultura familiar dos teóricos
(por exemplo, Deetz, 1996). Parker e McHugh (1991) sugeriram que uma abor-
dagem mais realista seria comportar-se “como se” você fosse um membro de uma
comunidade paradigmática. A condução de análises paradigmáticas separadas
ajuda a respeitar os interesses e as premissas das comunidades de pesquisa alter-
nativas (Hassard, 1991). Os relatos resultantes podem então servir como repre-
sentações – imagens de uma realidade empírica demarcadas por lentes divergen-
tes – para auxiliar os teóricos a compreender os diversos insights e interpretações
entre paradigmas, pois, assim como acontece nos métodos antropológicos, os te-
óricos podem mergulhar em culturas de paradigmas menos familiares, ou mesmo
estranhas, mas raramente se tornam parte delas.
A fase de construção teórica requer que se alcance uma perspectiva metapa-
radigmática; contudo, este objetivo também é desafiador. Os críticos (por exem-
plo, Parker; McHugh, 1991; Scherer, 1998) perguntam: “Onde ‘se posiciona’ um
teórico, quando está vendo representações paradigmáticas simultaneamente?”
Em alguns modelos, os pesquisadores vêem essa fase como um exercício de pen-
samento paradoxal, forçando os teóricos a reconhecer a complementaridade e a
disparidade das lentes paradigmáticas (por exemplo, Gioia; Pitre, 1990; Poole;
Van de Ven, 1989; Ybema, 1996). A partir deste domínio alternativo de abstração,
vê-se que cada paradigma oferece um patamar de sentido. As lentes paradigmá-
ticas oferecem vários “instrumentos para resolução de problemas que preenchem
as lacunas entre a imagem dos fenômenos e os próprios fenômenos” (Morgan,
1983, p. 21). A auto-reflexão crítica ajuda a reconhecer tanto o teórico quanto o
que é teorizado como partes de um todo, na medida em que a metatriangulação
explora e critica o processo de criação de conhecimento, ao prometer um maior
potencial de explicação.

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60  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

Aplicações futuras
Conforme mencionamos anteriormente, a metatriangulação é particular-
mente apropriada para investigar os vastos e vibrantes domínios da teoria orga­
nizacional, marcada por constantes debates e/ou conclusões contraditórias. Por
exemplo, Gioia e Pitre (1990) propuseram aplicar a metatriangulação para ex-
plorar a comunicação e a socialização, e Schultz e Hatch (1996) sugeriram que
se examinem questões de identidade organizacional, aprendizagem e cognição.
Ao longo de nosso estudo, tomamos conhecimento de debates calorosos nos do-
mínios de outras tecnologias organizacionais – tais como equipes laborais de auto­
gestão, gestão da qualidade total e práticas de estocagem just-in-time – que indi-
cavam possíveis fenômenos de pesquisa. Nossas lentes paradigmáticas também
proporcionaram imagens muito variadas sobre questões mais amplas de confian-
ça, autoridade e controle. Como assevera Teunissen (1996), as mudanças drás-
ticas na tecnologia, a diversidade na força de trabalho e a competição e glo-
balização estão provocando a utilização de lentes alternativas e aumentando a
necessidade de interpretações que acomodem as tensões organizacionais, em vez
de simplificá-las ou racionalizá-las em demasia.
Os apelos para se retornar a uma ortodoxia intelectual – paradigma comum,
coerente e hegemônico (por exemplo, Donaldson, 1985; Pfeffer, 1997) – ou em
favor de uma contínua proliferação e polarização de paradigmas – abordagens
pós-modernas de um relativismo desenfreado (por exemplo, Feyerabend, 1975;
Jackson; Carter, 1993) – estão se multiplicando no “contestado terreno” da teoria
organizacional (Reed, 1996). Entretanto, a provisão de uma teoria mais percep-
tiva, inovadora e ampla para o novo milênio pode exigir uma consciência mais
profunda dos modos alternativos de investigação e de suas complexas conexões.
A investigação multiparadigmática conta com um potencial considerável, e
em grande parte ainda não realizado, para expandir os entendimentos atuais
dos fenômenos organizacionais complexos e paradoxais. Este artigo oferece um
extenso guia para os modelos multiparadigmáticos e um mapa explícito para se
construir teoria a partir de paradigmas múltiplos. Ao impor uma moldura refe-
rencial sistemática sobre o processo inerentemente confuso de construção teóri-
ca, a metatriangulação pode ajudar os teóricos a reconhecer o foco e as viseiras
possibilitadas pelas diferentes lentes paradigmáticas, cultivar suas representa-
ções contrastantes e acomodar seus díspares insights. A experiência resultante
pode corresponder à observação provocativa, embora otimista, de Popper:

Admito que, a todo instante, somos prisioneiros de nossos modelos teó-


ricos; de nossas expectativas; de nossas experiências passadas; de nossa
linguagem. Mas somos prisioneiros no sentido de Pickwick; se tentarmos,
poderemos escapar de nossos modelos a qualquer momento. Supostamen-
te, vamos nos encontrar de novo num modelo, mas este será um modelo
melhor e mais espaçoso; e poderemos nos afastar dele, novamente, a qual-
quer momento (Popper, 1970, p. 86).

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Metatriangulação: construção teórica com base em paradigmas múltiplos  61

Apêndice

Relatos multiparadigmáticos: tensões da tecnologia de produção


industrial avançada

O nosso relato funcionalista representou os projetos da TPA como interações


sistêmicas entre os programas de tarefas (grau de formalização do trabalho) e
os programas de maquinaria (grau de automação) que podem aumentar a flexi-
bilidade e o controle dos processos. Entretanto, as organizações se empenharam
para atender demandas contraditórias de inovação e eficiência. Enquanto algu-
mas testaram projetos criativos (por exemplo, equipes autônomas de operado-
res responsáveis pela programação computacional), a maioria delas se limitou a
rotinas e lógicas existentes. Ciclos viciosos e inerciais apareceram na medida em
os atores reagiram aos novos problemas de TPA (por exemplo, gargalos e maqui-
naria não confiável), seguindo padrões do passado (por exemplo, os engenheiros
ampliaram os programas de atividades e de maquinaria, para melhorar o contro-
le do processo, o que exacerbou a sensibilidade do sistema).
O nosso relato estruturalista radical representou a TPA como um mecanismo
tecnocrático que permite aos projetistas (gestores e engenheiros) objetificar seus
interesses dentro de controles de trabalho menos impertinentes, como monitora-
mento computadorizado. A implantação da TPA tipificou um processo dialético
alimentado por interesses políticos antagônicos. O fato de os projetistas depende-
rem das habilidades dos operadores, não obstante seu impulso por aumentar as
assimetrias de poder, como também o desejo dos operadores de controlar seu tra-
balho, não obstante sua desconfiança em relação à automação e às intenções da
gerência, levou a crises freqüentes (por exemplo, resistência e acidentes de pro-
dução). Enquanto os operadores, por vezes, utilizaram estas oportunidades para
reafirmar o valor de suas habilidades, os projetistas com freqüência alegavam cri-
ses como pretextos para excluir os operadores do processo de implantação e para
racionalizar ainda mais a produção, o que intensificou os conflitos.
O nosso relato interpretativista representou os significados locais da TPA e
do trabalho, que emergiram das experiências dos atores com a TPA e entre cada
um deles. Os atores procuraram fazer sentido de suas tarefas computadorizadas
mais conceituais e ambíguas. A comunicação aberta entre as subculturas ocupa-
cionais às vezes serviu para desenvolver linguagens novas e compartilhadas e
habilidades conceituais. Entretanto, as subculturas dos operadores e dos proje-
tistas, com freqüência, filtraram as interações sociais através de seus esquemas
interpretativos conflitantes. Na medida em que se intensificava a ansiedade em
relação às mudanças, as subculturas interpretavam os problemas de produção e
os comportamentos recíprocos, de maneira a reafirmar suas normas e crenças
nas respectivas competências ocupacionais, promovendo desentendimentos en-
tre as subculturas.

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62  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

O nosso relato humanista radical representou a flexibilidade da automação e


o trabalho conceitual mais homogeneizado dos atores, enquanto expôs a ilegiti-
midade das identidades sociais mutuamente excludentes (isto é, “operador” e “pro-
jetista”). Alguns atores se envolveram em debates esclarecedores, negociando
sentidos mais democráticos de TPA e dos papéis deles em sua programação. No
entanto, irrompiam lutas territoriais, com maior freqüência, conforme os atores
mistificavam suas habilidades especializadas. Os projetistas enfatizavam, muitas
vezes, seu discernimento técnico e o “poder” dos computadores, ao passo que os
operadores ressaltavam o valor do trabalho físico e a virilidade de suas habilida-
des manuais. Os ciclos de distorção comunicativa surgiam quando os atores ten-
tavam reproduzir noções de superioridade e masculinidade, remontando a velhos
preconceitos de classe e sexo.

Nota da Redação

Artigo traduzido e publicado sob o título: “Metatriangulação: a construção


de teorias a partir de múltiplos paradigmas”, na RAE – revista de administração de
empresas, v. 45, n. 1, p. 72-91, jan./mar. 2005.

Agradecimento

Agradecemos ao editor David Whetten e aos três revisores anônimos, assim


como a Blake Ashforth, Greg Bigley, Mark Davis, Gordon Dehler, David Kang,
Mihaela Keleman, Ajay Mehra, Deb Rood e Kristen Taylor, por seus comentários
elucidativos às versões preliminares deste artigo. Apresentamos uma versão ini-
cial do trabalho em 1998, no encontro anual da Academy of Management.

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Parte II
Introdução ao
Paradigma Funcionalista

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4
Paradigma funcionalista:
desenvolvimento de teorias e
institucionalismo nos anos 1980 e 1990*

Miguel P. Caldas
Roberto Fachin

Introdução

Como discutido na introdução ao primeiro módulo deste livro, em 1979 Bur-


rell e Morgan mostravam que, dentre os quatro paradigmas sociológicos em seu
modelo, o funcionalismo – no quadrante da objetividade e da sociologia da regu-
lação – constituía até aquele momento a “ortodoxia” em estudos organizacionais.
Embora o funcionalismo ainda seja a ortodoxia do campo, o texto de Burrell e
Morgan (1979) não visualizava a expansão do paradigma interpretacionista como
ocorreu nas décadas de 1980 e 1990, nem a inflexão crítica e pós-moderna que
foi infundida no campo a partir da influência européia, em especial na década de
1990. Mas, apesar de tudo, é indiscutível que – em boa parte devido à represen-
tatividade institucional do mainstream norte-americano – o funcionalismo conti-
nuou a expandir sua hegemonia até hoje no campo de estudos organizacionais.
De 1980 até o momento, o campo de estudos organizacionais cresceu expo-
nencialmente, e, como já foi mostrado em inúmeros estudos sobre o desenvol-
vimento da área (por exemplo, Machado-da-Silva et al., 1990; Bertero; Keinert,
1994), abraçou especialmente a ortodoxia funcionalista como plataforma, apesar
do crescimento relativo também de vertentes interpretacionistas, críticas e, mais
recentemente, pós-modernistas.
No entanto, como também discutido em outros trabalhos sobre o campo (por
exemplo, Bertero et al., 1999), a adoção do paradigma funcionalista no Brasil

*  Artigo originalmente publicado na RAE – revista de administração de empresas, v. 45, n. 2, p. 46-51,


abr./jun. 2005.

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70  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

teve até certo ponto qualidade questionável e critérios duvidosos. Com isso, mui-
to do que foi incorporado nos anos 1980 e 1990, em vez de buscar atualização
nos últimos desenvolvimentos teóricos desse paradigma, abrigou-se na ortodoxia
estruturalista-sistêmica que dominou o funcionalismo até a década de 1970, em
especial no contingencialismo. Com isso, salvo raras exceções (como as abaixo
citadas no caso do neo-institucionalismo no Brasil desde os anos 1990), predomi-
nou no campo um distanciamento, por um lado, entre os debates mais recentes
do paradigma funcionalista que parece ter abraçado, e, por outro, as replicações
estruturalista-sistêmicas e contingencialistas que a maioria da nossa produção
de cunho funcionalista parecia espelhar. O resultado é uma geração de pesqui-
sadores de orientação funcionalista que acabou tendo menor acesso a esses no-
vos debates e às novas teorias desse paradigma, e com ênfase maior nas revisitas
infindáveis a lugares-comuns do contingencialismo sistêmico. Foi abraçada uma
ortodoxia, no mais das vezes, sem manter com ela um mínimo vínculo de atuali-
zação. O resultado desse distanciamento é fácil de visualizar, seja na nossa pes-
quisa ou no ensino de teoria organizacional que oferecemos.
No âmbito da pesquisa, é possível notar essa lacuna por estudo de conteúdo
ou por análise bibliométrica da nossa produção. Enquanto o funcionalismo efer-
vescia nos anos 1980 e 1990 por acalorados debates intrafuncionalistas, a maior
parte da nossa produção de mesma orientação desconhecia ou ignorava as teo-
rias no centro desse debate, como o neo-institucionalismo, a ecologia populacio-
nal, as teorias da agência e de custos de transação, e o neocontingencialismo. As
honrosas exceções saíam dos principais programas de pós-graduação filiados à
ANPAD, cujos pesquisadores tinham acesso às principais publicações estrangei-
ras, ou tinham se familiarizado com os novos desenvolvimentos do campo ao de-
senvolverem seus doutoramentos em instituições estrangeiras.
Obviamente, tendemos a não ensinar o que não conhecemos, e o resultado é
que, nos cursos de graduação e pós-graduação em todo o Brasil, repetia-se o fe-
nômeno: a teoria organizacional ensinada era tipicamente um funcionalismo de-
satualizado, comumente pré-contingencialista. Novos pesquisadores e docentes
que emergiam desse tipo de educação repetiam o ciclo, passando adiante uma
versão ainda limitada e desconectada do debate corrente da ortodoxia funciona-
lista. Por sua vez, livros-texto de “teoria de Administração” que surgiram na épo-
ca – e ainda amplamente adotados no Brasil – praticamente ignoram qualquer
desenvolvimento teórico posterior ao estruturalismo sistêmico ou, na melhor das
hipóteses, ao contingencialismo do final da década de 1970.
Como prometido no primeiro módulo deste livro, iremos neste e nos pró-
ximos capítulos procurar estreitar esta lacuna, veiculando textos dos principais
debates nos quais o funcionalismo se engajou desde a década de 1980. Neste se-
gundo módulo, nosso interesse é oferecer um texto que sirva de guia das direções
que esses debates e novas teorias funcionalistas tomaram nos últimos 25 anos, e
iniciar a viagem por uma das teorias que o funcionalismo engendrou no último
quarto de século: o neo-institucionalismo.

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Paradigma funcionalista: desenvolvimento de teorias e institucionalismo nos anos 1980 e 1990  71

Debates do funcionalismo em teoria organizacional nos anos 1980 e 1990

O texto, de Astley e Van de Ven (Capítulo 5), é hoje um texto clássico no en-
sino do funcionalismo em teoria organizacional, e pode ser um excelente guia
para compreender os caminhos do desenvolvimento teórico desse paradigma
hegemônico no campo depois da predominância contingencialista até o final da
década de 1970.
Como mencionado anteriormente, o funcionalismo encontrava-se, em 1979,
severamente entrincheirado na ortodoxia estruturalista-sistêmica, mais especifi-
camente no determinismo contingencialista, e no foco da relação organização-
ambiente, ambos amplamente inspirados nos achados da chamada Escola de As-
ton (Westwood; Clegg, 2003, p. 5).
É preciso lembrar que, em 1983, Astley e Van de Ven limitavam a teoria or-
ganizacional ao estruturalismo sistêmico, por entenderem que este abrangia a to-
talidade do campo. O seu maior mérito é ter, naquele momento, acertadamente
fornecido ao funcionalismo organizacional, estreitamente definido, uma agenda
de desenvolvimento teórico que iria centrar-se nesses debates fundamentais.
Astley e Van de Ven previam que entre as quatro perspectivas teóricas cen-
trais que viam no campo emergiriam ao menos seis debates principais, que orien-
tariam o desenvolvimento teórico da área. Não que esses autores tenham acerta-
do em todos os debates principais; na verdade, deixaram de ver diversas forças
latentes à época e deram atenção demais a alguns vetores teóricos que acabaram
não tendo expressão. No entanto, a simples constatação de que o determinismo
sistêmico não mais simbolizava um consenso no campo, e de que o contingen-
cialismo não mais expressava a única teoria possível, parece o bastante para dar
ao leitor ainda não iniciado em tais debates um ponto de partida para explorar o
funcionalismo, além do tradicional contingencialismo.
Ao menos quatro desses debates de fato emergiram fortemente no campo,
geraram tradições teóricas concorrentes que expandiram a tradição funciona-
lista e povoaram suas publicações nos últimos 25 anos. O primeiro deles é de
natureza intrinsecamente determinista, entre perspectivas de “adaptação” e de
“seleção”; o segundo, entre perspectivas deterministas e voluntaristas; o terceiro
é o debate entre ação individual e ação coletiva; e o quarto, entre modelos ra-
cionais e modelos normativo-institucionais, que eles chamam de “organizações”
versus “instituições”.
É do debate entre as perspectivas deterministas de “adaptação” e de “seleção”
que surgem as separações entre os contingencialistas (adaptação) e os teóricos
da chamada ecologia populacional (seleção). Este embate permitiu uma expan-
são teórica do campo. Na essência, Astley e Van de Ven acertaram ao sugerir que
a perspectiva da seleção expandiria o campo ao mostrar empiricamente como o
determinismo contingencialista era simplista em superestimar a capacidade de as
organizações perceberem, reagirem e responderem a ditames ambientais, e subes­

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72  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

timava forças ambientais aleatórias e de longo prazo que tornariam a ação do


administrador muito menos significativa para a sobrevivência organizacional do
que faziam crer os contingencialistas. O argumento central dos ecologistas popu-
lacionais é que não são as “organizações” que se adaptam ou não a seus ambien-
tes, mas (a) as “populações organizacionais” que têm ou não tal adaptação; e (b)
nem organizações nem populações se adaptam: elas já estão adaptadas ou não a
variações ambientais aleatórias quando estas ocorrem. Um outro mérito impor-
tante desse debate é a sugestão de que a pesquisa sobre sobrevivência e adapta­
ção organizacional deveria ser deslocada do âmbito organizacional de análise
para o âmbito populacional, ou seja, a “população”, e não a “organização” indivi-
dual, seria a unidade de análise adequada. Pouco no Brasil tem sido escrito sobre
esse debate, à exceção do trabalho de Carvalho (2002). E menos ainda sobre as
limitações da perspectiva contingencialista, mesmo usando a ecologia populacio-
nal como base. A despeito da idade avançada desse debate, o Brasil ainda poderia
se beneficiar de agendas de pesquisa que, mesmo numa tradição determinista,
procurassem investigar indústrias inteiras em cortes longitudinais de longo pra-
zo, em vez de se concentrarem apenas em alguns representantes esparsos e em
um corte transversal de tempo.
O segundo debate ocorreu de fato entre os representantes do “determinis-
mo” – ou seja, aqueles que assumem que as organizações apenas sobrevivem
quando obedecem a ditames exógenos, seja de eficiência ou ambientais –, repre­
sentados em especial pelo contingencialismo até então imperante e por perspec-
tivas em expansão, como a ecologia populacional e as teorias econômicas da or-
ganização (ambas discutidas neste livro, Capítulos 8 e 9 respectivamente), e os
representantes do “voluntarismo”, que questionavam a existência ou necessidade
dessa dependência passiva da organização a ditames externos. Astley e Van de
Ven citam, como exemplos de teorias voluntaristas, correntes como a da escolha
estratégica (Child, 1972), que inserem, na ação organizacional, componentes de
cognição do corpo dirigente e coalizões políticas que filtrariam e escolheriam
quais ditames externos perceber e atender, e quais ignorar. Mais importante do
que tentar estabelecer um grupo de teorias voluntaristas, o que o debate determi-
nismo-voluntarista propiciou foi o fim da hegemonia da hipótese determinista, e
em seu lugar o estabelecimento de um espectro que iria do alto determinismo ao
alto voluntarismo, dentro do qual uma variedade de teorias poderia emergir. E
isso, de fato, representa um rico debate que surgiu e expandiu o campo nos últi-
mos 25 anos. Teorias como o neo-institucionalismo e a teoria da agência, que são
representadas neste livro, são exemplos de vertentes nascidas em parte da expan-
são desse espectro, ao permitir abordagens mais distantes do extremo determi-
nista, para posições mais intermediárias. No Brasil poderia ser muito melhorado
o entendimento, em termos de posicionamento e potencial teórico, dessa simples
diferença na visão da ação organizacional com relação ao ambiente. O artigo de
Machado-da-Silva, Fonseca e Crubellate (2005) é exemplo de posição intermediá­
ria no contexto brasileiro ao defender uma perspectiva estrutural-fenomenológi-

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Paradigma funcionalista: desenvolvimento de teorias e institucionalismo nos anos 1980 e 1990  73

ca para o neo-institucionalismo, no sentido de superar diversas dicotomias nos


estudos organizacionais, em especial a dicotomia determinismo-voluntarismo.
O terceiro debate, localizado na oposição entre a ação individual e a ação
coletiva, é mais importante por simbolizar o caminho seguido pela expansão do
campo na direção da análise do ambiente organizacional como unidade de aná-
lise. Tanto no exterior como no Brasil, essa expansão é bem exemplificada pela
mudança de foco da organização, em particular para redes organizacionais, do-
tadas de maior nível de análise e maior fluidez interacional. Em nosso país, essa
extensão do campo foi sentida tanto nos estudos sobre redes organizacionais,
como é o exemplo da linha de redes feitas a partir da UFBA, sob a liderança de
Tânia Fischer, como nas áreas de estratégia e estudos organizacionais, a partir
de vários centros de pesquisa e pós-graduação entre os quais foram exemplos a
FGV/EAESP e o CEPPAD/UFPR nas décadas de 1990 e 2000. Ainda há muito no
Brasil para se compreender sobre a dinâmica interorganizacional nesse nível de
análise, e o artigo de Astley e Van de Ven pode ser uma referência inicial para o
pesquisador ainda não iniciado nesse novo veio de pesquisa.
Por fim, o quarto debate é aquele entre modelos racionais e modelos nor-
mativo-institucionais, ou entre “organizações” e “instituições”. De todos, talvez
esse tenha sido o debate mais frutífero do funcionalismo nos últimos 25 anos em
termos de desenvolvimento e expansão teórica. No seio do próprio funcionalis-
mo, esse debate já vinha das discussões provocadas por March e Simon a partir
do conceito de racionalidade limitada. Mas, mesmo além dessa origem, diversas
outras confluências – entre elas o interesse crescente sobre cultura organizacio-
nal na práxis dos anos 1980 e os desenvolvimentos em teoria sociológica difíceis
de ser ignorados entre os anos 1960 e 1980, como o interacionismo simbólico, o
construtivismo social e a etnometodologia – provocaram debates internos no fun-
cionalismo entre objetivistas-racionalistas e os que defendiam posturas teóricas e
abordagens metodológicas mais próximas do que Burrell e Morgan (1979) cha-
maram de “interpretacionismo”. Na tradição funcionalista dominante até o iní-
cio da década de 1980, dominada pelo imperativo objetivista-racional de teorias
como contingencialismo e economia organizacional, os atores organizacionais
seriam objetivos e racionais. Como tal, não apenas respondem a ditames técnicos
e ambientais, mas o fazem como “instrumentos” de eficiência e racionalidade, em
prol de objetivos organizacionais compartilhados e incontestes. Desde o início da
década de 1970, novas perspectivas passaram a questionar essa natureza exclu-
sivamente técnica e racional do ator organizacional, e a salientar elementos po-
líticos, cognitivos, e mesmo culturais ou normativos do ambiente, que limitariam
a ação organizacional racional e neutra, e favoreceriam outros elementos inter-
nos e externos da ação organizacional. Em todo o mundo, inclusive no Brasil, co-
meçou-se a ver novas explicações e abordagens teóricas que passaram a atribuir
significado, valor simbólico e/ou político à ação organizacional, o que tornaria
mais viável explicar, por exemplo, por que organizações tecnicamente ineficazes
teimariam em sobreviver – e, por outro lado, as eficazes desapareceriam. Ou,

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noutros termos, por que elementos normativos como legitimidade social ou ade-
rência cultural importariam mais do que ditames técnicos do ambiente? A teoria
neo-institucional é um excelente exemplo dessa inflexão subjetivista e menos ra-
cionalista que o funcionalismo testemunhou nos últimos 25 anos, como veremos
na discussão do texto seguinte deste módulo.

Contribuição do (neo-)institucionalismo ao desenvolvimento de


teorias funcionalistas

O Capítulo 6 deste livro traz o famoso artigo de DiMaggio e Powell sobre o


isomorfismo, que, junto com o texto de Meyer e Rowan, de 1977, é provavel-
mente o principal alicerce da chamada “teoria neo-institucional”, que se distin-
gue em certos aspectos do institucionalismo de Selznick e seus seguidores, que
o neo-institucionalismo busca expandir.
Escolhemos esse texto e o neo-institucionalismo porque são exemplos ideais,
no funcionalismo organizacional, daquilo que, no texto de Astley e Van de Ven
discutido anteriormente, se referia a vertentes menos voluntaristas, e que supe-
rava a barreira do nível organizacional para mostrar a interdependência entre
organizações e os campos interorganizacionais, que, conceitualmente, situam-se
no nível de análise seguinte. Além disso, o neo-institucionalismo é um dos me-
lhores exemplos de como o próprio funcionalismo de inclinação estruturalista vi-
veu, na década de 1980 em diante, um processo de contínuo questionamento e
superação do modelo voluntarista-racionalista, classicamente representado pelo
contingencialismo e suas ramificações administrativistas. Como previam Burrell
e Morgan (1979), o funcionalismo procurava, em elementos mais subjetivistas da
teoria sociológica, caminhos para sua extensão territorial.
Desde o início, a teoria organizacional tem se preocupado em identificar a
melhor forma de organizar, e, particularmente, a literatura sobre estratégia tem
acentuado a competência distintiva (Selznick, 1971) que define o caráter de uma
organização em relação às demais existentes no mercado. Mas, em termos da
melhor forma de organizar, dentre os textos mais citados – e talvez menos lidos –
está o do sociólogo alemão Max Weber, que cunhou o termo burocracia como
exemplo de uma estrutura de poder que, universalmente adotada, define a me-
lhor forma de obter conformidade das pessoas na organização.
O texto de DiMaggio e Powell, que foi publicado na American Sociological Re-
view e, agora, é publicado em português (Capítulo 6; DiMaggio; Powell, 2005),
constitui-se em um bom exemplo da vertente sociológica nos estudos organiza-
cionais. É com a iron cage (stahlhartes Gehäuse) ou “jaula de ferro”, nomeada por
Max Weber em A ética protestante e o espírito do capitalismo, que provoca o leitor,
já no início, explicitamente afirmando que “a ordem racionalista se tornara uma
jaula de ferro na qual a humanidade foi [...] aprisionada” (Weber apud DiMaggio;
Powell, 1983, p. 147). A burocratização passou a ter características de irreversibi-

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Paradigma funcionalista: desenvolvimento de teorias e institucionalismo nos anos 1980 e 1990  75

lidade, e, embora Weber afirmasse que a burocratização se originara de uma eco-


nomia de mercado capitalista, a tese defendida pelos autores do texto em exame é
que foram modificadas as causas da burocratização e da racionalização, não sendo
mais a economia capitalista de mercado a causa por excelência, mas o “Estado” e
as “profissões”, de onde surgem, posteriormente, os mecanismos isomórficos ins-
titucionais. Em tese, a grande proposição de DiMaggio e Powell é que a mudança
estrutural acontece, hoje, não por razões de eficiência ou da necessidade de en-
frentamento da concorrência, mas em razão de outros processos que tornam as
organizações mais semelhantes sem necessariamente fazê-las mais eficientes. É
nesse ponto que os autores acentuam a importância da percepção e entendimento
da “estruturação de campos organizacionais” (Giddens, 1989) para a compreen-
são do processo de isomorfismo institucional. Destacamos que a preocupação com
os “campos organizacionais” está fortemente presente na introdução do livro de
Vieira e Carvalho (2003), que constitui a primeira coletânea de artigos de autores
representativos da teoria institucional e da teoria crítica no Brasil.
O segundo momento do artigo de DiMaggio e Powell introduz a questão prin-
cipal de seus estudos, que é buscar explicar por que as organizações apresentam
tanta “homogeneidade” em suas estruturas, diferentemente da busca da “variação”
entre as diferentes organizações, como em Hannan e Freeman (1977) – traduzido
neste livro –, que questionam por que há tantos tipos diferentes de organizações.
É nesse segundo momento que os autores lidam mais extensamente com o
conceito de campo organizacional, e buscam explicar por que as inovações orga-
nizacionais, ou novas práticas, normalmente impulsionadas por desejos de me-
lhoria de desempenho, podem ficar impregnadas de valor além das exigências
técnicas da tarefa, como Selznick (1971) já afirmara. E, portanto, como Meyer
e Rowan (1977) concluíram, a adoção da inovação consegue legitimidade, mas
não chega a melhorar o desempenho. A partir desse ponto, com exemplos de pes-
quisas pertinentes, o texto avança no tratamento do isomorfismo como o conceito
que melhor capta o processo de homogeneização, descrevendo, em seguida, dois
tipos de isomorfismo – o competitivo e o institucional – e três mecanismos de mu-
dança institucional isomórfica – a coercitiva, a mimética e a normativa –, já sobe-
jamente trabalhada nos textos brasileiros (veja os trabalhos de Machado-da-Silva
e Fonseca, 1993, 1996; e de Machado-da-Silva e Gonçalves, 1998).
No Brasil, a teoria neo-institucional teve grande acolhida no campo de estu-
dos organizacionais. A origem pioneira dessa popularidade é o trabalho de Cló-
vis Luiz Machado-da-Silva, que publicou o primeiro texto com uso da perspectiva
institucional de análise no campo dos estudos organizacionais no país (Macha-
do-da-Silva, 1991), e que desde meados da década de 1980 já indicava os tex-
tos de Meyer e Rowan, bem como o presente artigo de DiMaggio e Powell, para
gerações de orientandos que teve em Santa Catarina (UFSC), ­Paraná (UFPR) e,
mais recentemente, na FGV-EAESP. Esses orientandos difundiram o conceito para
muitos outros Estados, em especial Alagoas, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Rio
de Janeiro e São Paulo. O conceito de isomorfismo, em particular, foi também

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popularizado por pesquisadores não diretamente influenciados por Machado-da-


Silva, vindos de instituições tão diversas quanto a FGV, FEA-USP, PUC-RJ, UFMG,
UFRGS e Univali. A maioria dos trabalhos produzidos investigou a difusão de
modismos ou modelos de gestão, a homogeneização organizacional ou estrutu-
ral, e a questão de campos institucionais.
Naturalmente, tanto com sua difusão no Brasil quanto com a passagem do
tempo propriamente dita, vieram também os muitos críticos do modelo institu-
cional. Segundo tais críticos, o neo-institucionalismo “deu o que tinha que dar”,
e, portanto, desencorajam o prolongamento de sua adoção aos dias de hoje (por
exemplo, Donaldson, 2001; Donaldson; Hilmer, 1996). Muitas dessas críticas
procedem. Por exemplo, ao afirmarem que, embora o institucionalismo tenha
tido seu papel ao estabelecer limites ao voluntarismo e ao racionalismo exacer-
bados de postulados contingenciais clássicos, ele pode ter se limitado demais aos
aspectos normativos da realidade organizacional e interorganizacional. Com isso,
acreditam que ele deixa tanto de indicar caminhos para a melhoria do desempe-
nho – na tradição funcionalista – quanto para a superação de limitações cogniti-
vas que impedem a autonomia constitutiva de organizações.
Por outro lado, é também verdade que o institucionalismo pode ser ainda um
rico veio de pesquisa no Brasil, razão que nos levou à escolha deste texto para a
série, pelo menos por duas dimensões. A primeira, como plataforma para ampliar
o conhecimento teórico do campo, inserindo-se no avanço científico internacio-
nal dessa linha teórica; a segunda, talvez mais realista no caso brasileiro, é o uso
da teoria institucional como veículo para o entendimento de fenômenos sociais
passíveis de institucionalização.
Quanto à primeira dimensão de contribuição potencial da teoria institucional
no Brasil, é verdade que muito do que tem sido pesquisado no país usando essa
teoria teria dificuldade de oferecer avanços no campo de conhecimento interna-
cionalmente, pois tende a se limitar à replicação de postulados feitos em traba-
lhos estrangeiros há mais de uma década. Mas também é verdade que isso não
se aplica a todos os estudos acerca do institucionalismo no Brasil. Os esforços de
Machado-da-Silva e seus diversos colaboradores, nos últimos anos, no sentido de
tentar ligar institucionalismo e cognição, trabalhando fortemente a noção cultu-
ral-cognitiva, mas sem dissociá-la dos pilares normativo e regulativo, podem ser
um rico veio de pesquisa, mesmo em âmbito internacional. Em especial, a pers-
pectiva “estruturacionista” que adotam no tratamento da relação entre estrutu-
ra e agência desde 1993 (Machado-da-Silva; Fonseca, 1993), mas que ganhou,
recentemente, mais densidade mediante o uso e o aprofundamento de conceitos
como estruturas cognitivas e múltiplas lógicas institucionais em diferentes ní-
veis de análise: organizações, redes organizacionais e campos organizacionais
(Machado-da-Silva; Fonseca; Crubellate, 2005; Machado-da-Silva; Guarido Fi-
lho; Rossoni, 2006). Outro exemplo é a ligação entre institucionalismo e face-
tas mais ou menos evidentes de “poder”, particularmente pela associação com o

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Paradigma funcionalista: desenvolvimento de teorias e institucionalismo nos anos 1980 e 1990  77

neo-estruturalismo em sociologia, e a expansão e o resgate do trabalho de Bour-


dieu, como têm buscado os esforços de pesquisadores como Marcelo Milano Fal-
cão Vieira (FGV-EBAPE), Cristina Carvalho (UFPE), Rosimeri Carvalho da Silva
(UFSC) e Maria Ceci A. Misoczky (UFRGS), bem como seus colaboradores. Essas
e outras tentativas nacionais de expandir a teoria institucional são possibilidades
concretas de contribuir para o desenvolvimento teórico do institucionalismo.
No entanto, a realidade é que, em nosso país, o uso da teoria institucional
como veículo para o entendimento de fenômenos sociais passíveis de institu-
cionalização parece ser mais promissor em termos de volume, ou seja, usar o
institucionalismo mais para entender melhor outros objetos – eis que, aí, tanto
modelos racionalistas quanto voluntaristas têm menor poder explicativo  – do
que para estender a teoria per se. Foi esse o maior uso que já se fez no Brasil do
institucionalismo, inclusive do texto de DiMaggio e Powell. Por exemplo, o uso
de isomorfismo mimético para entender a difusão dos mais variados elementos,
desde modismos em gestão até teorias e modelos científicos entre campos orga-
nizacionais; ou a utilização do isomorfismo coercitivo para entender a institucio-
nalização e aplicação de elementos tão diversos quanto programas de qualidade
e burocratização em diversos campos organizacionais; ou, ainda, a aplicação do
isomorfismo normativo para compreender a institucionalização de objetos diver-
sos, desde códigos de ética e programas de mudança organizacional até a pro-
fissionalização de empresas familiares e a “empresarialização” de organizações
do terceiro setor. Múltiplas outras possibilidades surgem ao se tomarem outras
dimensões do trabalho do institucionalismo, desde a discussão do processo de
institucionalização como uma resultante, e não apenas determinante, na ação
organizacional e interorganizacional ou, ainda, as respostas cognitivas e intra-
organizacionais a pressões institucionais exteriores, até a expansão em múltiplos
níveis de análise do conceito de campos institucionais. Vários teóricos de orien-
tação institucionalista no país, em especial aquele já mencionado grupo de pes-
quisadores liderado por Clóvis Luiz Machado-da-Silva, têm-se dedicado a procu-
rar colaborar para o desenvolvimento da teoria no Brasil, em especial mediante
o uso da perspectiva estruturacionista na análise da dinâmica da mudança ins-
titucional, o que parece uma iniciativa louvável e oportuna ao campo. Enfim, as
possibilidades são inúmeras.
Nossa esperança é que, com a publicação desse importante trabalho neo-ins-
titucionalista na série “RAE-Clássicos”, maior número de pesquisadores brasilei-
ros possa ter acesso a esse veio de pesquisa, e que novas possibilidades de aplica-
ção possam surgir, além das abordagens racionalistas, voluntaristas e da análise
limitada ao nível organizacional. E, por extensão, que esses novos pesquisadores
possam levá-lo não apenas a replicações de pouca profundidade ou novidade,
mas a novas fronteiras teóricas que expandam, no Brasil e no campo internacio-
nal criado em torno dessa tradição acadêmica, o entendimento da realidade or-
ganizacional que nos cerca.

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78  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

Nota de Agradecimento

Os autores reconhecem e agradecem ao Prof. Dr. Clóvis Luiz Machado-da-Sil-


va pelas diversas sugestões de melhoria que nos fez nesta revisão do texto para
sua primeira edição em livro. A versão de 2007, editada com suas recomendações,
corrige muitas injustiças que foram apontadas após a publicação original deste ar-
tigo na RAE. Como sempre, o Prof. Clóvis não é apenas fundamental às correntes
aqui discutidas, como mencionado desde a primeira versão do texto, mas também
um bom amigo e um mestre dedicado ao esmero de sua obra e trabalho.

Referências

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5
Debates e perspectivas centrais
na teoria das organizações*

W. Graham Astley
Andrew H. Van de Ven


Introdução

Nos últimos anos, aumentou o pluralismo teórico na literatura organizacio-


nal, o que reflete em parte a conscientização crescente sobre a complexidade das
organizações e em parte o refinamento dos interesses e das preocupações dos
teóricos a seu respeito. De um lado, esse pluralismo teórico deve ser estimula-
do, para que os pesquisadores descubram novos aspectos da vida organizacional
e agucem sua indagação crítica. Mas, por outro, esse pluralismo fomenta uma
compartimentalização teórica excessiva, e fica fácil perder de vista como as vá-
rias escolas de pensamento se relacionam. É a interação entre as diferentes pers-
pectivas que facilita ao estudioso chegar a um entendimento mais compreensivo
da vida organizacional, uma vez que toda e qualquer escola individual de pen-
samento oferece, invariavelmente, apenas uma explicação parcial da realidade.
Além disso, a justaposição das diferentes escolas de pensamento realça as visões
de mundo contrastantes que estão por trás dos principais debates que caracteri-
zam a teoria organizacional contemporânea.
Por conseguinte, neste artigo, examinamos seis debates sobre a natureza e a

*  Artigo originalmente publicado sob o título “Central perspectives and debates in organization theo­
ry”, por W. Graham Astley e Andrew H. van de Ven, na Administrative Science Quarterly, v. 28, n. 2,
p. 245-273, 1983, com autorização da Johnson Graduate School of Management, Cornell University.
© Johnson Graduate School of Management, Cornell University. <www.johnson.cornell.edu/ASQ>.

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Debates e perspectivas centrais na teoria das organizações  81

estruturação das organizações que permeiam atualmente a literatura. Eles revol-


vem em torno das seguintes questões:

1. São as organizações sistemas funcionalmente racionais, tecnicamente


limitados, ou são elas personificações socialmente construídas, subjeti-
vamente significativas, da ação individual?
2. São as mudanças nas formas organizacionais explicadas por adaptação
interna ou por seleção ambiental?
3. É a vida organizacional determinada por restrições ambientais intratá-
veis, ou é ela criada ativamente por decisões gerenciais estratégicas?
4. Deve o ambiente ser visto como um agregado simples de organizações
governadas por forças econômicas externas, ou como uma coletividade
integrada de organizações governadas por suas próprias forças políticas
e sociais internas?
5. Preocupa-se o comportamento organizacional, principalmente, com a
ação individual ou com a ação coletiva?
6. São as organizações instrumentos técnicos neutros, programados para
lograr metas, ou são elas manifestações institucionalizadas de interes-
ses fundados e estruturas de poder da sociedade mais ampla?

Apesar de essas questões terem sido debatidas até certo ponto na literatura,
não apareceram quaisquer soluções satisfatórias – nem é provável que surja algu­
ma. O problema é que as diferentes escolas de pensamento têm a tendência de
focar apenas um dos lados das questões e usam estes diferentes vocabulários e
lógicas sem falarem diretamente sobre eles entre si. Como disse Poggi (1965, p.
284), “uma maneira de ver é uma maneira de não ver”. Uma certa integração se-
ria, assim, desejável, mas, ao mesmo tempo, deve ser uma integração que preser-
ve a distintividade das diferentes perspectivas analíticas envolvidas. Sustentamos
que essa integração é possível se houver o reconhecimento de que as diferentes
perspectivas podem apresentar descrições bem diferentes do mesmo fenômeno
organizacional, sem que se anulem mutuamente. E isso se consegue com o uso de
diferentes lentes analíticas destinadas a examinar os lados opostos ou contraditó-
rios da mesma questão. Neste artigo, em vez de proclamar certos pontos de vis-
ta como “corretos”, reconciliamos as contradições entre teorias contrastantes ao
reunirmos uma variedade de interpretações dialéticas sobre a vida organizacio-
nal. Essas reconciliações preservam a autenticidade das teorias “incompatíveis”,
mas ao mesmo tempo logram uma certa medida de integração ao ressaltarem as
fontes de tensão dialética entre as teorias.
Essa abordagem é aplicada a cada um dos debates referidos, no contexto de
um esquema metateórico suficientemente amplo para interligar os diferentes de-
bates. Se tratamos os seis debates como interdependentes, ressaltamos ao mesmo
tempo os pontos contrastantes e os tangenciais que existem entre a maior parte
das principais abordagens teóricas aos estudos organizacionais. A intenção não é

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82  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

apenas refinar e aprofundar a teoria atual, mas também promover o entendimen-


to das estruturas subjacentes de pensamento que geram teorias particulares. Des-
sa forma, tentamos uma integração não apenas dentro dos debates, mas entre os
debates, em nível metateórico. A propósito, a meta final é semelhante ao apelo de
Rank (1941), no sentido de que as comparações entre as “diferentes psicologias”
sejam substituídas por uma “psicologia da diferença”. Enquanto distinguimos di-
ferenças nas teorias organizacionais, esperamos contribuir para uma teoria da
diferença entre elas, que se baseie numa consciência explícita dos pressupostos
metateóricos contrastantes que as calçam. Colocando as coisas em outros termos,
tentamos identificar os alicerces paradigmáticos das metáforas teóricas vigentes
no campo (Morgan, 1980).

Perspectivas centrais da teoria organizacional

O Quadro 1 esboça um esquema metateórico de classificação das principais


escolas de pensamento da teoria organizacional e gerencial em quatro visões bá-
sicas. Estas quatro visões se baseiam em duas dimensões analíticas: (1) o nível
de análise organizacional e (2) a ênfase relativa dada às premissas deterministas
versus voluntaristas sobre natureza humana.
Alguns autores, recentemente, fizeram distinções entre teorias organiza-
cionais, utilizando a dualidade clássica entre determinismo social e livre-arbí-
trio – a visão segundo a qual os seres humanos e suas instituições ou são deter-
minados por forças externas ou são autonomamente escolhidos e criados pelos
próprios homens (Weeks, 1973; Driggers, 1977; Burrell; Morgan, 1979; Van de
Ven; Astley, 1981). Do ponto de vista da orientação voluntarista, os indivíduos
e as instituições criadas por eles são agentes autônomos, proativos, que se au-
todirigem; os indivíduos são considerados a unidade básica de análise e a fonte
de mudança na vida organizacional. Já a orientação determinista não põe o foco
nos indivíduos, mas nas propriedades estruturais do contexto em que a ação se
desenrola, e considera que o comportamento individual é determinado e reage
a restrições estruturais que proporcionam estabilidade e controle geral à vida
organizacional.
Historicamente, o intercâmbio de visões entre as abordagens voluntarista
e determinista à análise organizacional se envolveu com mais uma distinção
entre os níveis de análise organizacional que são usados. Tradicionalmente, as
organizações individuais constituíram o foco principal; no entanto, alguns te-
óricos recentes elevaram o nível da análise para estudar populações totais de
organizações, sob a pressuposição de que as populações exibem características
e dinâmicas distintivas muito próprias, que não são discerníveis em organiza-
ções individuais. A principal razão de fazermos esta distinção micro-macro é
focalizar as relações entre o todo e as partes que existem em todos os fenôme-
nos organizacionais. As discussões sobre os níveis de análise apropriados coin-

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Debates e perspectivas centrais na teoria das organizações  83

cidiram em parte com o argumento do voluntarismo-determinismo, mas isso


não apaga a distinção analítica entre estas duas dimensões sobre as quais estes
debates se baseiam.
A classificação das escolas de pensamento nessas duas dimensões produz
quatro perspectivas básicas: a visão organizacional sistêmico-estrutural, a visão
da escolha estratégica, a da seleção natural e a da ação coletiva. Argumentamos
que as escolas de pensamento, em sua maioria, senão todas, podem ser classifi-
cadas em termos dessas dimensões, quer os autores se refiram explicitamente a
elas ou não. Como indica o Quadro 1, as quatro perspectivas representam, qua-
litativamente, visões diferentes de estrutura, comportamento, mudança e papéis
gerenciais na organização. Elas oferecem um repertório de maneiras de abordar
e compreender a teoria organizacional.

Visão sistêmico-estrutural

Em nível de organizações individuais, o funcionalismo estrutural e a teo-


ria de sistemas foram as escolas dominantes do pensamento organizacional (Sil-
verman, 1970). Essas escolas influenciaram a teoria clássica de gestão (Gulick;
Urwick, 1937; Fayol, 1949) e a teoria da burocracia (Merton, 1940; Blau; Scott,
1962), que, por sua vez, precederam o desenvolvimento das teorias estruturais
de contingência (Woodward, 1965; Lawrence; Lorsch, 1967; Thompson, 1967).
Apesar da diversidade e dos debates consideráveis que existem entre essas
escolas, elas compartilham uma orientação determinista segundo a qual se con-
sidera que o comportamento organizacional é moldado por uma série de me-
canismos impessoais que atuam como restrições externas sobre os atores. Pre-
sume-se que os elementos estruturais são inter-relacionados de tal forma que,
instrumentalmente, eles servem para alcançar as metas organizacionais e são,
portanto, “funcionais”. Os componentes básicos da estrutura são os papéis. Os
papéis predefinem o conjunto de expectativas comportamentais, bem como de
obrigações e responsabilidades associadas a uma certa posição. São os papéis, e
não os indivíduos, que são estruturados; os seres humanos ocupam esses papéis
e devem, portanto, ser cuidadosamente selecionados, treinados e controlados
para corresponder aos requisitos das posições que ocupam. As metas organiza-
cionais compartilhadas impõem a necessidade de conformidade e coerência. Os
indivíduos são, portanto, absorvidos como participantes de uma coletividade in-
terdependente – um sistema estruturado e engrenado, que molda e determina o
seu comportamento.
De acordo com a visão sistêmico-estrutural, o papel básico do gestor é rea­
tivo. Trata-se do papel de um técnico que faz o ajuste “fino” da organização, de
acordo com os requisitos desse papel. A mudança assume a forma de “adapta-
ção”; ela ocorre como produto de alterações exógenas no ambiente. O gestor
deve perceber, processar e responder ao ambiente instável e promover a adapta-

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84  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

ção da organização pelo rearranjo de sua estrutura interna, para garantir-lhe a


sobrevivência ou eficácia. O foco da tomada de decisão gerencial, portanto, não
está na escolha, mas na coleta de informações corretas sobre as variações am-
bientais e no emprego de critérios técnicos para examinar as conseqüências das
respostas às demandas alternativas.

Visão da escolha estratégica

As críticas à abordagem sistêmico-estrutural surgiram sob a forma de um


“quadro-ação de referência” defendido por quem adere a uma orientação de viés
voluntarista (Silverman, 1970). Este ponto de vista é utilizado para atacar as
abordagens sistêmicas e estruturais-funcionais, por inferirem estas a existência
de mecanismos auto-reguladores que servem às “necessidades” e “funções” do
sistema. Este é o problema da reificação. Em contraste, de acordo com a teoria
da ação, as organizações são continuamente construídas, mantidas e alteradas
pelas definições da situação feitas pelos atores – os significados e interpretações
subjetivos que os atores imputam a seus mundos quando negociam e represen-
tam suas circunstâncias organizacionais. Foi nesse sentido que emergiram várias
abordagens, a saber: de intercâmbio (Blau, 1964), simbólica (Feldman; March,
1981), de interação (Goffman, 1961), de ordem negociada (Strauss et al., 1963),
fenomenológica (Weick, 1979) e etnometodológica (Bittner, 1965).
A teoria da ação na análise organizacional foi aplicada principalmente à “es-
colha estratégica” nas situações de tomada de decisão (Child, 1972). De acordo
com esta visão, a escolha está disponível na delineação da estrutura organiza-
cional, que pode ser modelada preferencialmente de acordo com considerações
políticas do que com critérios técnicos. Os teóricos da decisão enfatizaram que a
ambigüidade está suficientemente disseminada nas organizações, para se darem
a chance de construir com freqüência tal resultado (March; Olsen, 1976). A esco-
lha estratégica também se estende ao ambiente da organização. Assim, os teóri-
cos de gestão estratégica e dependência de recursos argumentam que o ambiente
não deve ser visto como um conjunto de restrições intratáveis; ele pode ser alte-
rado e manipulado por meio de negociação política, para se ajustar aos objetivos
da administração superior (Pfeffer; Salancik, 1978; Lorange, 1980).
Como mostra o Quadro 1, a visão da escolha estratégica dirige a atenção
para os indivíduos, suas interações, construções sociais, autonomia e escolhas,
em oposição às restrições de suas obrigações de papel e inter-relações funcionais
no sistema. Tanto o ambiente quanto a estrutura são representados no sentido
de incorporar os sentidos e as ações dos indivíduos – particularmente dos que es-
tão no poder. Considera-se que os gestores exercem papel proativo; suas escolhas
são vistas como autônomas e seus atos, como forças energizantes que moldam o
mundo organizacional.

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Debates e perspectivas centrais na teoria das organizações  85

Visão da seleção natural


Contrastando com as abordagens sistêmico-estruturais e da escolha estraté-
gica, surgiu uma visão mais macro das relações entre organização e ambiente, na
forma de uma visão de seleção natural, que não enfoca organizações individuais,
mas características estruturais e demográficas de populações inteiras de organi-
zações ou indústrias. Entre os que adotam essa perspectiva incluem-se os ecolo-
gistas de população, os economistas industriais e os historiadores econômicos.
O modelo da ecologia de população baseia-se na noção de que os recursos
ambientais estão estruturados na forma de “nichos”, cuja presença e distribuição
na sociedade são mais ou menos insuscetíveis à manipulação por organizações
isoladas. Em conseqüência, esta visão enfatiza, em termos um tanto quanto de-
terminísticos, que há limites definitivos ao grau em que existe escolha estratégica
autônoma (Aldrich, 1979, cap. 6). Ao mesmo tempo, vê-se que as organizações
são severamente limitadas em sua habilidade de adaptar suas “formas” internas a
nichos diferentes. Por conseqüência, as organizações são postas à mercê de seus
ambientes, já que elas ou bem “se ajustam” fortuitamente a um nicho, ou são “ex-
cluídas” dele e se extinguem (Hannan; Freeman, 1977). Esta visão também im-
plica um nível de análise de população, visto que se observa que espécies inteiras
de organizações sobrevivem ou perecem, independentemente das ações tomadas
por organizações isoladas dentre elas.
Um paralelo ao conceito de nicho do ecologista de população pode ser en-
contrado na noção do economista industrial sobre estrutura industrial, definida
como sendo as dimensões econômicas e técnicas relativamente estáveis de uma
indústria, a qual provê o contexto em que ocorre a competição. A estrutura in-
dustrial inibe o movimento entre mercados, por meio de “barreiras de entrada”, e
delimita claramente a viabilidade e propriedade econômicas de diferentes alter-
nativas estratégicas a contextos industriais particulares (Caves; Porter, 1977). A
“conduta de mercado”, tradicionalmente compreendida, ou a estratégia de uma
firma, apenas reflete o ambiente (Porter, 1981).
Além disso, historiadores econômicos, como Chandler (1977), e economis-
tas institucionais, como Williamson (1975), sustentam que a estrutura industrial
evolui de uma maneira determinada. A tese geral sustenta que uma economia
competitiva, governada pelas transações de mercado entre muitas pequenas em-
presas tradicionais, evoluiu para uma economia regulada e dominada pelas tran-
sações hierárquicas internas dos grandes negócios. Isso aconteceu como resposta
a forças ambientais variáveis, sobre as quais as organizações individuais exercem
pouco controle. Na visão desses autores, as transformações estruturais do am-
biente industrial moderno são governadas por leis e injunções econômicas impes-
soais de eficiência administrativa, não sendo logradas por estratégia de gestão.
Os grandes negócios prevalecem, não porque tiveram êxito no acúmulo e explo-
ração do poder de mercado, mas porque são um instrumento mais eficiente que
o mercado para minimizar os custos de transação (Williamson, 1975), ou para
coordenar os fluxos de bens e serviços na economia (Chandler, 1977).

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86  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

Em resumo, de acordo com a visão da seleção natural, a evolução da socie-


dade corporativa e de sua infra-estrutura econômica é governada por forças am-
bientais. Explica-se a mudança, antes em termos do curso ou fluxo natural dos
recursos através da economia, do que em termos da ação gerencial interna. Nes-
se sentido, pode-se dizer que o papel gerencial é inativo (veja Quadro 1) ou, no
máximo, simbólico (Pfeffer; Salancik, 1978, p. 263).

Quadro 1  Quatro visões de organização e de gestão.


Nível macro Visão de seleção natural Visão de ação coletiva
(populações e
Escolas: Ecologia populacional, econo- Escolas: Ecologia humana, economia
comunidades
mia industrial, história econômica política, pluralismo.
organizacionais)
Estrutura: Competição ambiental e ca- Estrutura: Comunidades ou redes de
pacidade de manutenção predefinem grupos semi-autônomos que interagem
nichos. Estrutura da indústria é econô- para modificar ou construir o ambiente,
mica e tecnicamente determinada. as regras e as opções da coletividade. En-
quanto ação coletiva, a organização con-
trola, libera e expande a ação individual.
Mudança: Evolução natural da variação, Mudança: Barganha, conflito, negocia-
seleção e manutenção dos ambientes. ção e concessões coletivas por meio de
Contexto econômico circunscreve dire- ajustes mútuos parciais.
cionamento e amplitude do crescimento
organizacional.
Comportamento: Seleção ambiental Comportamento: Ordens razoáveis co-
alea­tória, natural ou econômica. letivamente construídas e politicamente
negociadas.
Papel do gestor: Inativo Papel do gestor: Interativo.
Q3 Q4
Visão sistêmico-estrutural Q1 Q2 Visão de escolha estratégica
Escolas: Teoria de sistemas, funcionalis- Escolas: Teoria da ação, teoria de deci-
mo estrutural, teoria da contingência. são contemporânea, gestão estratégica.
Estrutura: Posições e papéis hierarquica- Estrutura: Pessoas e seus relacionamen-
mente ordenados para lograr eficiente- tos organizados e socializados para ser-
mente a função do sistema. vir às escolhas e propósitos dos deten-
tores do poder.
Mudança: Dividir e integrar papéis para Mudança: Ambiente e estrutura são re-
adaptar os subsistemas às mudanças no presentados e incorporam os sentidos
ambiente, tecnologia, tamanho e neces- da ação das pessoas que detêm poder.
sidades de recursos.
Comportamento: Determinado, restrito Comportamento: Construído, autôno-
Nível micro
e adaptável. mo e representado.
(organizacões
individuais) Papel do gestor: Reativo. Papel do gestor: Proativo

Orientação Orientação
determinista voluntarista

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Debates e perspectivas centrais na teoria das organizações  87

Visão de ação coletiva

Em vez de conceber a sociedade corporativa como sujeita a uma evolução


determinada pelo ambiente, é possível concebê-la como um ser guiado e cons-
truído por escolhas e propósitos coletivos. Essa observação foi feita por ecologis-
tas sociais (Emery; Trist, 1973), estudiosos de ecologia humana (Hawley, 1950,
1968) e teóricos de planejamento social (Vickers, 1965; Schön, 1971; Michael,
1973; Ackoff, 1974; Warren; Rose; Bergunder, 1974). Eles argumentam que as
condições da sociedade contemporânea são ou deveriam ser reguladas por ação
intencional (voluntária), acontecendo em nível coletivo. Em vez de ver as orga-
nizações engalfinhadas em batalha campal e competitiva pela sobrevivência, por
meio de um confronto direto com o ambiente natural e exógeno, esses autores
enfatizam a sobrevivência coletiva lograda pela colaboração entre as organiza-
ções, por intermédio da construção de um ambiente social, regulado e controla-
do, que faz a mediação entre os efeitos do ambiente natural.
A noção-chave envolvida na idéia da sobrevivência coletiva é a da rede in-
terorganizacional. Uma rede é um sistema interconectivo de relações de troca,
negociada entre os membros de diversas organizações, enquanto moldam seus
ambientes em conjunto (Cook, 1977). Essa rede consiste em um sistema de ação
social de organizações simbioticamente interdependentes, que, ao longo do tem-
po, assumem papéis especializados, num quadro de expectativas normativas que
definem os direitos e as condutas (Van de Ven; Emmett; Koenig, 1974; Benson,
1975). Essas normas – que Commons (1950) descreveu como “regras operacio-
nais de ação coletiva” – permitem que a rede funcione como uma unidade e tome
as decisões necessárias à satisfação dos interesses individuais e coletivos das or-
ganizações que a integram.
A estrutura política interna das redes interorganizacionais foi representa-
da de diferentes formas: tanto como um sistema pluralista de interação (Schön,
1971; Metcalfe, 1974; Trist, 1979) quanto como uma economia política (Benson,
1975), ambos incorporados em estruturas de dominação ou “controle hegemôni-
co” (Clegg, 1981; Perrow, 1981). Mas, nos dois casos, entende-se que a mudança
é antes produzida ativamente por negociação política e definição social do que
determinada por forças econômicas e ambientais neutras.
A visão da ação coletiva enfoca as redes de organizações simbioticamente
interdependentes, ainda que semi-autônomas, que interagem para construir ou
modificar o ambiente, regras operacionais e opções coletivas delas. O papel do
gestor é interativo. Ele transaciona com os outros barganhando, fazendo nego-
ciações, concessões, manobra política etc. Os movimentos em busca de soluções
se orientam por normas, costumes e leis, que são regras de funcionamento da
ação coletiva.

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88  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

Debates centrais na teoria das organizações

Cada uma dessas quatro perspectivas representa somente uma visão parcial da
realidade, de tal forma que em conjunto elas proporcionam um repertório de for-
mas complementares de distribuição dos fenômenos organizacionais nas respec-
tivas divisões quadrangulares. Isso sugere o quanto é desejável ou recomendável
justapor as quatro perspectivas para propiciar um entendimento organizacional
mais compreensivo. Ao mesmo tempo, cada uma dessas perspectivas contradiz as
demais em aspectos-chave, porquanto cada uma apresenta sua própria interpreta-
ção distinta da realidade. O que sugere as condições desejáveis de se contraporem
sistematicamente as quatro perspectivas, para se dar o destaque dialético aos pon-
tos de divergência. Conseqüentemente, voltamo-nos agora para uma análise dos
seis debates que são gerados a partir da interação das quatro perspectivas.

Sistema versus ação: Q1 vs Q21

São as organizações sistemas funcionalmente racionais e tecnicamente res-


tritos, ou são elas corporações socialmente construídas, subjetivamente significa-
tivas de ação individual? Esse debate se preocupa com “as duas sociologias” de
Dawe (1970): uma que vê a ação individual como se derivasse do sistema social,
outra que vê o sistema social como se derivasse da ação individual.
Na teoria organizacional, Crozier e Friedberg (1980) lidaram com esse deba­
te, contrastando um “argumento sistêmico” (visão sistêmico-estrutural) a um “ar-
gumento estratégico” (visão da escolha estratégica). O argumento sistêmico ini-
cia a análise partindo da organização como um todo e situa a ação individual de
acordo com o seu lugar e função dentro do sistema. O indivíduo é apenas um
componente do sistema, um incômodo a ser controlado, para que se possa man-
ter uma integração funcional geral (ver Howton, 1969).
O argumento estratégico, por outro lado, começa com o indivíduo e segue
adiante apenas para se dar conta de que o sistema é o resultado agregado de atos
individuais. Ele critica a explicação funcional, argumentando que esta tenta an-
tes explicar os comportamentos de forma indireta, por referência a suas supostas
conseqüências, do que de forma direta, por referência aos atos específicos que os
causam (Silverman, 1970). Para evitar a reificação da organização, o argumento
estratégico trata a ação individual subjetivamente significativa como a força cen-
tral do comportamento organizacional. De acordo com essa visão, a organização
não é mais um monólito funcionalmente coeso; ela se torna uma coalizão mutá-
vel (March, 1962; Georgiou, 1973; Keeley, 1980), um sistema frouxamente aco-
plado (Weick, 1976), ou até mesmo uma anarquia organizada (Cohen; ­March;
Olsen, 1972).
Uma resolução dialética que foge ao subjetivismo unilateral da teoria da ação,
enquanto ao mesmo tempo resiste ao determinismo funcional, deve reconhecer

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Debates e perspectivas centrais na teoria das organizações  89

que a ação individual está sempre, em certa medida, voltada a evitar a desinte-
gração total do sistema. Entretanto, o sistema também nunca está totalmente
integrado num corpo perfeitamente coeso. As organizações de fato mantêm um
certo grau de coesão, mas este deve sempre ser administrado por meio de uma
supressão parcial do antagonismo interno. Para Crozier e Friedberg (1980), este
balanceamento e gestão de tensões internas complexas se assemelha a uma parti-
da de “jogo”. O jogo tem regras que devem ser obedecidas para que a associação
coletiva possa continuar a existir. Com essas regras, entretanto, sempre são pos-
síveis diversas estratégias diferentes. Além disso, as regras podem ser quebradas,
mas apenas até um certo ponto. O jogador permanece livre, mas, se quiser vencer,
deve adotar uma estratégia que esteja em razoável harmonia com as regras, pois
o abandono total do jogo impede que ele satisfaça seus interesses.
Um debate paralelo surgiu nas discussões sobre racionalidade na tomada de
decisão. Conforme as abordagens estrutural-funcionais predominantes, argu­men­
ta-se que a tomada de decisão é mormente racional, no sentido de que ela exibe
um comportamento funcional orientado para resultados. Presume-se que se opere
uma lógica objetiva de eficácia, baseada em “racionalidade técnica” (Thompson,
1967, p. 14). Representa-se o processo de tomada de decisão como um exercício
de engenharia; ele se orienta por leis inferidas de um cálculo de custo-benefício,
de uma “lógica de custo e eficiência” (Roethlisberger; Dickson, 1939), que secun-
da a ação gerencial.
Para os teóricos contemporâneos da decisão, que usam modelos de ação
como referência, esta “racionalidade” é apenas um verniz mistificador, que obscu­
rece os elementos irracionais que permeiam a tomada de decisão. March e Olsen
(1976) e Weick (1979) sugeriram que a tomada de decisão não é concebida como
algo planejado de modo racional para o alcance instrumental dos objetivos or-
ganizacionais; pelo contrário, os eventos simplesmente se desenvolvem por uma
razão ou por outra, seja por acaso, hábito ou por conveniência ou preferência
pessoal. Na realidade, as ações podem preceder os objetivos. Os objetivos podem
ser reconstruções imaginativas, que atribuem ordem e racionalidade aos atos e
decisões depois que eles já ocorreram. Os arranjos organizacionais, portanto, não
devem ser mal-interpretados como se fossem funcional e logicamente necessá-
rios. Eles se tornam indispensáveis apenas em virtude de nossas reflexões cons-
cientes, que sobrepõem a qualidade da lógica a uma ordem já estabelecida. Eis
aí a dialética: é o sistema racionalmente planejado e construído, ou é a ação que
simplesmente emerge para ser em seguida racionalizada?
O debate sobre sistema/ação também está presente na tensão entre a teoria
da contingência, de um lado, e as teorias da gestão estratégica e dependência de
recursos, de outro. A teoria da contingência presume que as restrições contextu-
ais têm efeitos restritivos sobre as operações organizacionais. Em outras palavras,
o contexto tem primazia causal; a gestão meramente responde de maneira tecni-
camente adequada. Em contrapartida, os teóricos da gestão estratégica e depen-
dência de recursos apontam para o tamanho da liberdade discricionária de que

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90  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

dispõe a gestão para criar e definir o contexto da organização. Os gestores se-


lecionam de maneira proativa as prioridades e o contexto operacional relevante
para eles. É claro que há custos envolvidos por se ignorar certos fatores contex-
tuais, mas há apenas custos a serem ponderados contra custos alternativos; eles
não são determinantes.
Child (1972) tentou conciliar essas visões, indicando que, enquanto a “quali-
dade do ajuste” entre o contexto e a estrutura das organizações pode apresentar
implicações de desempenho restritivas aos gestores, essas mesmas limitações de
desempenho são socialmente definidas; elas podem ser estabelecidas em níveis
tão baixos que permitem a busca de objetivos outros, não relacionados a desem-
penho. Em outras palavras, o desempenho econômico pode ser apenas um dos
múltiplos pontos de referência que influenciam a tomada de decisão. Enquanto
os gestores ainda continuam a sentir restrições, eles apenas as sofrem no sentido
de que escolheram o que atuará como restrição para eles. Novamente, vemos que
os dois lados do argumento são ao mesmo tempo complementares, contraditórios
e convergentes.

Adaptação versus seleção: Q1 vs Q3

São as mudanças nas formas organizacionais explicadas pela adaptação inter­


na ou pela seleção ambiental? A primeira dessas explicações, a visão da adapta­
ção interna, dominou historicamente a teoria organizacional. Valendo-se dos teó-
ricos de sistemas que analisam as organizações sociais como “complexos sistemas
adaptáveis” (Buckley, 1968), os teóricos da contingência enfatizaram que as orga­
ni­zações respondem à mudança pela modificação ou elaboração de suas estrutu-
ras internas, com o objetivo de manter uma relação isomórfica com o ambiente.
Por exemplo, a heterogeneidade ambiental deve ser combinada com diferencia-
ção e integração internas para que o desempenho organizacional não venha a so-
frer (Lawrence; Lorsch, 1967).
Os ecologistas populacionais reagiram a essa perspectiva da adaptação, argu­
men­tando que ela exagera quanto ao grau de flexibilidade que os gestores das
organizações têm para ajustar suas formas estruturais (Aldrich; Pfeffer, 1976). Os
custos “enterrados” ou “empatados”, o precedente histórico e a resistência políti­
ca a mudanças são alguns dos fatores responsabilizados por levar a uma “inér-
cia estrutural” (Hannan; Freeman, 1977). Dada essa inércia, se o nicho ocupado
por uma organização já não continuar a atrair recursos suficientes para susten-
tar uma forma particular de organização, essa forma se tornará obsoleta e será
“excluída” ou eliminada. Simultaneamente, os recursos se transferem para novas
áreas, criando nichos novos o bastante para que as adaptações limitadas das orga­
ni­zações existentes possam se ajustar adequadamente. Assim, devem ser “incluí­
das” formas organizacionais inteiramente novas. A seleção ambiental substitui,
dessa forma, a adaptação interna como o principal veículo de mudança.

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Debates e perspectivas centrais na teoria das organizações  91

Tanto a perspectiva da seleção como da adaptação compartilham uma orien-


tação determinística segundo a qual a origem última da mudança é o ambiente.
Mas elas diferem em relação ao nível de análise (McKelvey, 1979). Na perspecti-
va da adaptação, as organizações respondem à mudança se ajustando de modo
preciso ou às contingências de seus ambientes locais de tarefa. A análise é estrita-
mente baseada na unidade. Mas, na visão da seleção, não há quantidade de ajus-
te fino adequada dentro das fronteiras demarcadas do nicho de uma organização,
pois a longo prazo o nicho de um tipo particular de organização pode simples-
mente desaparecer. Assim, o foco muda para espécies ou populações inteiras de
organizações, que vêm e vão em “ondas”, enquanto indústrias inteiras nascem e
se extinguem (Aldrich, 1979).
Entretanto, os ecologistas populacionais admitem que o modelo da seleção
natural funciona bem melhor para organizações pequenas e sem poder, que ope-
ram em ambientes com recursos dispersos, do que para organizações grandes e
politicamente bem relacionadas, que operam em ambientes com recursos con-
centrados (Aldrich, 1979, p. 111-112). Isso sugere uma possível conciliação entre
as perspectivas da seleção e da adaptação. O problema é que as grandes organi-
zações somente raras vezes são excluídas ou desaparecem (Edwards, 1979, p. 84-
85).2 Por essa razão, Lawrence (1981) argumentou que a perspectiva da seleção
natural precisa ser complementada por uma perspectiva de adaptação por apren-
dizagem. Ele argumentou que se uma organização sobreviver à seleção ambiental
nos estágios iniciais de crescimento e se expandir em todas as linhas (por exem-
plo, por mix de produto ou por área geográfica), ela é capaz de se adaptar melhor
a mudanças ambientais subseqüentes, que seriam fatais num estágio inicial.
A explicação para isso pode estar no fato de que as pequenas organizações
experimentam maior risco de serem “excluídas”, porque estão tipicamente presas
a um nicho isolado, ao passo que as grandes organizações se distribuem crescen-
temente por muitos nichos e, por isso, fortalecem suas posições pela expansão e
diversificação geográfica (Pennings, 1980). Considerando que as forças da ins-
titucionalização invariavelmente induzem à inércia estrutural (Kimberly, 1980),
falta explicar, no entanto, de que modo algumas organizações pequenas conse-
guem a proeza de se tornarem grandes empresas, antes de serem “excluídas”.
Isso pode ocorrer na medida em que a institucionalização inibe a adaptação de
pequena escala e curto prazo e leva a uma escalada de tensões, na medida em
que a organização se torna cada vez mais desajustada em relação a seu ambiente.
Aí, essa tensão é finalmente resolvida, não pela “mudança no sistema”, mas pela
“mudança do sistema” (Parsons, 1961). Isso explica as transformações “meta-
mórficas” (Starbuck, 1965, 1968) que as organizações empreendem quando suas
operações se estendem para novos espaços do mercado de produtos (Chandler,
1962). Uma vez tendo postos os pés num ou mais nichos, a organização consegue
evitar a exclusão pelo ajuste de sua carteira de produtos ou serviços, transferindo
recursos das áreas em declínio para esferas mais pródigas de operação. Mesmo
que uma focalização míope da atividade possa ainda induzir à inércia estrutural

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nas subunidades contidas num nicho, a organização é capaz de manter sua vita-
lidade e seu vigor no nível corporativo.
Conquanto essa explicação da adaptabilidade das grandes organizações com-
plemente a visão da ecologia populacional, superando uma das maiores defici-
ências desta, ela contribui pouco para desafiar a adequação de outra perspectiva
que foca especificamente as grandes organizações, mesmo que se mantendo con-
sistente com a visão da seleção natural. Trata-se do modelo das “falhas de merca-
do”, oferecido por Williamson (1975). Esse modelo se classifica como uma visão
de seleção natural, no sentido de que aborda o modo como o ambiente econômi-
co “acolhe” uma espécie nova e importante de organização, que Chandler (1977)
descreveu como “a moderna empresa multiunitária”.
A tese geral é de que os “mercados” são suplantados por “hierarquias” quan-
do deixam de funcionar de forma apropriada em função do “grau de impacto da
informação”, uma distribuição assimétrica de informação que interfere na alo-
cação ótima dos recursos na troca de mercado. A monitoração “superior” da or-
ganização e seus recursos de controle superam esse problema: elas reduzem os
“custos de transação” e restauram a eficiência. O crescimento das grandes orga-
nizações hierárquicas é, portanto, determinado, economicamente, no sentido de
que a organização interna reestabeleça a operação natural da racionalidade eco-
nômica quando os mercados já não conseguem mais exercer essa função. Ao mes-
mo tempo, essa racionalidade econômica opera no nível populacional de análise,
pois governa a operação de todo o mercado ou indústria. A mudança dos merca-
dos para as hierarquias é explicada como um triunfo dos interesses do “sistema”
econômico como um todo sobre as tendências oportunistas de seus membros
constituintes (Williamson, 1975, p. 27). A otimização da eficiência em alocar re-
cursos por toda a economia é a força dominante em funcionamento.
Quando o modelo das falhas de mercado estende, de forma plausível, a vi-
são da seleção natural para as grandes organizações, ela também fica aberta à
reinterpretação dialética pela visão sistêmico-estrutural. Thompson deu uma ex-
plicação bem diferente sobre como os mercados são superados pelas hierarquias,
enquanto as “organizações governadas por normas de racionalidade procuram
abrigar em seus limites as atividades que, se deixadas por conta da ação ambien-
tal, representariam contingências cruciais” (Thompson, 1967, p. 39). De acordo
com a explicação dada por Thompson a este fenômeno, não é o funcionamento
racional de um sistema econômico que importa, mas as normas da racionalida-
de técnica que governam as operações internas das organizações particulares.
São os interesses da organização em foco que estão em jogo, não os interesses
do mercado econômico. As hierarquias não são subprodutos da deficiência de
mercado que simplesmente atuam como mecanismos alternativos para a aloca-
ção dos recursos econômicos em beneficio da sociedade; ao contrário, elas são
instrumentos gerenciais para controlar, reduzir e remover as contingências que
ameaçam o funcionamento técnico da organização. De acordo com essa visão,

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Debates e perspectivas centrais na teoria das organizações  93

a “internalização” representa uma absorção da ameaça externa, não uma falha


de mercado. Ela incorpora a lógica da adaptação organizacional, não a lógica da
evolução ambiental. Trata-se de um determinismo tecnológico aplicado a organi-
zações isoladas, não de um determinismo econômico aplicado a populações or-
ganizacionais no sistema de mercado.3 Vemos aqui, novamente, uma tensão dia-
lética; o assunto é o mesmo, o ângulo da câmera é que muda.

Nichos restritos versus domínios representados: Q2 vs Q3

É a vida organizacional determinada por restrições ambientais inadministrá-


veis ou é ela criada ativamente por escolhas gerenciais estratégicas? Esse debate
foi recentemente ressaltado na discussão de Porter (1981) sobre a relação entre
a economia industrial e a gestão estratégica. Num contraste sistemático entre os
dois campos, Porter aponta para diferenças de orientação, que se referem direta-
mente às duas dimensões constantes no Quadro 1. Em primeiro lugar, enquanto
os economistas industriais foram capazes de tomar a indústria em sua totalidade
como sua unidade de análise, ao supor que todas as firmas da indústria reagi-
riam de maneira idêntica ao mesmo contexto econômico, os teóricos da gestão
estratégica se interessaram pelos problemas da firma individual, como entidade
única, dotada de forças e fraquezas únicas. Em segundo lugar, os economistas in-
dustriais apresentaram uma visão algo determinística, por causa de sua análise
estática e estrutural das indústrias, ao passo que o “campo da política possui uma
longa tradição de enfatizar o insight, a criatividade e até mesmo a visão que algu-
mas firmas demonstraram para encontrar formas únicas de mudar as regras do
jogo em suas indústrias” (Porter, 1981, p. 613).
Dadas essas contrastantes orientações, não é surpreendente que Aldrich
(1979) tenha confiado na literatura da economia industrial para delimitar até
que ponto a escolha estratégica está disponível nas organizações. Esse argumento
parte da premissa da existência de nichos, ou combinações distintas de recursos
e outras restrições no ambiente. O conceito de nicho implica foco nas populações
organizacionais em vez de nas organizações individuais, pois a distribuição dos
recursos econômicos e de outros tipos, que formam os nichos, provê suporte a
espécies inteiras de organizações. O destino de cada organização individual está
atrelado ao fato de pertencer a um tipo particular de população, pois as organiza-
ções não conseguem se adaptar facilmente a nichos diferentes. As forças macroe-
conômicas, sociais e políticas que apóiam o surgimento e a dissolução de nichos
subjugam a ação gerencial estratégica a longo prazo, pois apenas algumas poucas
organizações, poderosas e politicamente bem relacionadas, conseguem reagir de
forma significativa a essas forças.
Em contrapartida, os teóricos da escolha estratégica enxergam o ambiente
como um “domínio”, que os gestores representam, definem e influenciam (Levi-
ne; White, 1961). Rumelt (1979) reagiu, pois, à posição da seleção natural, ar-

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94  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

gumentando que a capacidade de adaptação a novos nichos se reflete numa pos-


tura estratégica particular adotada pelos gestores de organizações individuais. A
presença de estratégias idiossincráticas produz variação no desempenho entre
organizações que pertencem à mesma espécie, mas que, no entanto, criam seus
próprios nichos distintos de mercado-produto. Assim, são as transações particu-
lares em que os gestores das organizações se engajam que alteram sua posição
ambiental, “sem alterar o próprio ambiente” (Rumelt, 1979). Outros teóricos ar-
gumentaram que até mesmo a macroestrutura do ambiente muda em resposta
à estratégia da corporação. Caves e Porter (1977) e Salop (1979), por exemplo,
mostraram como os gestores podem influenciar ou mesmo impedir a entrada de
suas firmas em indústrias, pela seleção cuidadosa de suas estratégias. Essas ob-
servações exigem que a premissa tradicional da economia industrial – de que a
estrutura da indústria é relativamente constante e é o determinante principal
da estratégia – seja contrapesada por uma “teoria de estruturas industriais dinâ-
micas”, que, em vez de considerar a indústria isoladamente como uma variável
independente a determinar o comportamento da firma, trate também a estrutu-
ra de mercado como uma variável dependente, que venha a refletir ao longo do
tempo as estratégias passadas das firmas na indústria (Brock, 1981).
O contraste entre as visões da seleção natural e da escolha estratégica se
cris­taliza na modificação feita por Weick (1979) no modelo de variação-sele-
ção-e-retenção utilizado pelos ecologistas populacionais (por exemplo, Aldrich,
1979), que ele re-rotula como um modelo de “representação-seleção-e-retenção”.
A substituição feita por Weick da variação pela representação significa enfatizar
que “os gestores constroem, rearranjam, selecionam e demolem muitas caracte-
rísticas ‘objetivas’ que os cercam”, na medida em que, literalmente, definem e
criam suas próprias restrições (Weick, 1979, p. 164). Os critérios de seleção não
estão tão incorporados nas condições ambientais externas quanto repousam nos
próprios membros organizacionais. A seleção acontece na medida em que os in-
divíduos aplicam sig­ni­ficado e extraem sentido de seus dados brutos representa-
dos. Esses padrões de dados que se ajustam a seus esquemas de interpretação e
repertórios cognitivos são acolhidos, enquanto o resto é excluído, eliminado. Os
critérios de seleção são, dessa forma, específicos para os indivíduos particulares
de organizações isoladas, e não transmitidos a espécies inteiras de organizações
enquanto restrições de nicho. Mais uma vez, o processo de retenção não é ine-
rente às características do ambiente, mas a “mapas causais”, construídos a partir
da experiência passada dos indivíduos. Esses mapas causais realimentam proces-
sos de representação e seleção, provendo-os com sugestões, padrões de atenção e
processos de exame e monitoração, todos os quais desempenham um papel ativo
na construção de um ambiente “artificial” a partir do ambiente objetivo. Conse-
qüentemente, Weick insiste que ambientes significativos são produtos da orga-
nização, não insumos dela, como argumentariam os ecologistas populacionais.
O modelo da variação-seleção-e-retenção parece, assim, também compatível, ao
mesmo tempo, com as visões da seleção natural e da escolha estratégica.

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Debates e perspectivas centrais na teoria das organizações  95

O fato de nada haver de inerente ao modelo da variação-seleção-e-retenção


que tenda para uma orientação determinística sugere que o sucesso dos ecologis-
tas populacionais de atribuir primazia causal ao ambiente se apóia mais que nada
na adoção característica de um nível de análise populacional. Imagina-se que as
ações de organizações isoladas pouco contam para as tendências demográficas
de longo prazo que afetam populações inteiras. Se for verdade, contudo, que a
aplicação bem-sucedida do modelo de ecologia populacional à seleção ambiental
repousa sobre seu nível de análise (Aldrich, 1979, p. 107), então as conclusões
teóricas da ecologia populacional que enfatizam a importância da restrição am-
biental externa se baseiam numa combinação analítica das duas dimensões cons-
tantes da figura-síntese.
Em outras palavras, o modelo de ecologia populacional atribui ao ambiente o
que o nível de análise populacional de fato colhe. Se colocarmos o foco sobre po-
pulações de organizações, as escolhas estratégicas das organizações individuais
devem assumir importância mínima. Isso é assim, simplesmente, porque a troca
do nível de análise visa lograr apenas aquele efeito. Ao tentar entender a dinâmi-
ca subjacente às distribuições agregadas de organizações por meio de condições
ambientais, adotamos um foco macro sobre a população, abdicando, assim, au-
tomaticamente, de uma visão micro das atividades das organizações individuais.
Mas a conclusão – a partir de enfoques restritos, de que o ambiente tem primazia
e de que é “o ambiente que seleciona” (Hannan; Freeman, 1977) – menospreza
de forma incorreta o papel do voluntarismo na vida organizacional. Apesar de
ainda ser verdade que as ações de organizações pequenas e isoladas pouco con-
tam para as tendências de longo prazo discernidas no nível populacional, não se
deve sucumbir à tentação de representar esse fato em termos de forças naturais
vagas e de restrições externas localizadas num ambiente anônimo. Isso é confir-
mado pelo fato de que é bem possível usar um nível populacional de análise em
conjunção com uma orientação voluntarística, como mostra o seguinte contraste
entre as visões de seleção natural e de ação coletiva.

Agregados econômicos versus coletividades políticas: Q3 vs Q4

Deve-se ver o ambiente como um simples agregado de organizações governa­


das por forças econômicas externas, ou como uma coletividade integrada de or-
ganizações governadas por suas próprias forças sociais e políticas internas? No
nível populacional de análise, a dialética do voluntarismo-determinismo entre as
teorias ecológicas enfoca duas questões: (1) a definição de “população” propria-
mente dita; e (2) se as populações organizacionais são governadas por dinâmicas
econômicas ou por dinâmicas sociais e políticas. Essas duas questões inter-rela-
cionadas serão separadas, para fins de clareza analítica.
Na visão da ecologia populacional, define-se a população como um “agrega-
do” de organizações que são “relativamente homogêneas” (Hannan; Freeman,

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1977). Todas as organizações da população compartilham certos “elementos-cha-


ve” que constituem sua “forma comum”. Conseqüentemente, elas também com-
partilham uma vulnerabilidade ao ambiente, que é mútua. Essa vulnerabilidade
comum explica a ocorrência e distribuição de diferentes espécies de organizações
em diferentes condições ambientais.
Em contrapartida, os estudiosos da ecologia humana (Hawley, 1950, 1968;
Duncan, 1964; Boulding, 1978) não definem uma população em termos da sus-
cetibilidade comum ao ambiente, mas em termos da padronização interna das re-
lações entre os membros que a constituem. Para a ecologia humana, a população
não é uma aglomeração incoerente, mas uma organização coerente – um “siste-
ma integrado, com algum grau de caráter unitário” (Hawley, 1968). A “organiza-
ção” interna é o verdadeiro atributo que transforma o conjunto de organizações
numa coletividade, com suas características distintivas muito próprias.
A concepção de comportamento coletivo da ecologia humana se estende,
portanto, para além da noção de populações de espécies singulares, de Hannan
e Freeman. Essas populações de espécies isoladas se compõem de um conjunto
homogêneo de organizações que compartilham uma relação “intra-específica” e
competitiva, conhecida como “comensalismo”. Para a ciência da ecologia huma-
na, uma população só emerge quando a qualidade de unidade corporativa ou de
coesão interna pode ser atribuída a ela. Esta coesão deriva de uma interdepen-
dência funcional, que se desenvolve com base em diferenças complementares en-
tre unidades heterogêneas, especialmente entre as que compartilham uma “rela-
ção interespecífica”, conhecida como “simbiose”.
Na visão da ecologia humana, a adaptação acontece por meio do mecanismo
da formação de redes fechadas. A simbiose resulta do fato de que algumas orga-
nizações se tornam funcionalmente especializadas em obter recursos diretamente
do ambiente, enquanto outras asseguram os recursos indiretamente por meio de
organizações que transpõem fronteiras. Dessa forma, o funcionamento interno
da população é protegido dos efeitos ambientais, e isto representa um esforço co­
le­tivo e criativo da população para administrar e controlar sua existência, parcial­
mente livre da necessidade de reagir às intromissões do ambiente. “A união sim-
biótica incrementa a eficiência da produção ou esforço criativo; como suas partes
são homogêneas, a união comensal pode somente reagir, e se presta, pois, somen-
te para ações de proteção e conservação” (Hawley, 1968, p. 332).
Por seu enfoque sobre as populações de organizações homogêneas, que se
relacionam de forma comensalística (isto é, que se relacionam de modo indireto,
por causa da dependência comum do ambiente), a visão da seleção natural cha-
ma a atenção para a condição de sistema aberto, no qual cada membro da popu-
lação interage diretamente com o ambiente e, por isso, é diretamente influencia-
do por ele. A influência ambiental é ressaltada pela definição da população em
termos de sua vulnerabilidade ambiental compartilhada. Por definição, quanto
maior for essa vulnerabilidade, maior será o efeito da população.

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Debates e perspectivas centrais na teoria das organizações  97

Por seu enfoque sobre a interdependência simbiótica e o movimento em prol


de redes fechadas, removendo a maioria dos participantes da população do con-
tato direto com o ambiente, a visão da ecologia humana minimiza, automatica-
mente, os efeitos do ambiente, enquanto ressalta as construções sociais da ação
coletiva. Por definição, quanto maior for o isolamento da influência ambiental
pelo fechamento do sistema, maior será o efeito da população.
Em resumo, a ecologia populacional foca a atenção sobre o ambiente “natu-
ral”, que se constitui de forças que estão além do controle organizacional. As or-
ganizações podem lutar entre si pelos recursos ambientais, numa disputa compe-
titiva pela sobrevivência, mas, em última análise, seu destino é determinado pelo
ambiente. Em contrapartida, a ecologia humana foca a atenção na construção ati-
va de um ambiente “social” protetor, que remove o ambiente natural como uma in-
fluência crítica. Com efeito, as partes organizacionais conspiram, simbioticamente,
para assegurar a existência contínua da rede interorganizacional como um todo.
Esse enfoque contrastante sobre ambiente “natural” versus ambiente “social”
também tem implicações para a avaliação de cada visão constitutiva da dinâmica
essencial que fundamenta a atividade organizacional. Assim, para os ecologistas
populacionais, “as pressões ambientais fazem da competição por recursos a força
central nas atividades organizacionais” (Aldrich, 1979, p. 27-28) e requer-se que
o modelo de ecologia populacional funcione da melhor maneira nos ambientes
dotados de “recursos dispersos” (Aldrich, 1979, p. 111), ou seja, nos ambientes
que se aproximam de mercados de concorrência perfeita.4 Toda a noção de que
as relações entre as organizações são mediadas de forma indireta por processos
ambientais naturais implica que algo semelhante à “mão invisível” de Adam Smi-
th (1937) está funcionando. A dinâmica é essencialmente a mesma da competi-
ção econômica.
Por outro lado, a ênfase dos estudiosos da ecologia humana sobre ambientes
socialmente construídos e regulados tende a sublinhar mais a importância das
forças sociais e políticas do que das econômicas. O poder passa a desempenhar
um papel explícito na medida em que as unidades responsáveis pela obtenção de
recursos diretamente do ambiente “natural” forem capazes de regular as condi-
ções essenciais para o funcionamento de outras unidades na rede, que têm apenas
relações indiretas com esse ambiente. Enquanto algum grau de poder é mantido
por todas as unidades, esse poder varia inversamente ao número de etapas em
que cada unidade está distante do contato direto com o ambiente, com o resul-
tado de que as relações de poder entre as organizações se tornam cada vez mais
elaboradas na medida em que as redes interorganizacionais atingem um grau
maior de enclausuramento (Hawley, 1968). Quando isso ocorre, a negociação
política desempenha um papel cada vez mais importante na regulação do fluxo
dos recursos econômicos em toda a rede. Apesar de se poder ainda caracterizar
esses fluxos de recursos como trocas econômicas, na medida em que os membros
poderosos da rede consigam definir seus próprios termos de troca e impô-los aos

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98  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

demais, requer-se uma análise político-econômica. Benson (1975) argumentou,


por isso, que o processo de aquisição de recursos em redes interorganizacionais
está inevitavelmente ligado à distribuição de poder, e deve por conseqüência ser
analisado como uma “economia política”.
Outro aspecto desse mesmo debate emergente entre economistas industriais,
por um lado, e economistas políticos, por outro, relaciona-se com o crescente do-
mínio do grande negócio no coração das redes interorganizacionais. A construção
de um ambiente social artificial numa comunidade de organizações é uma manei-
ra de assegurar imunidade contra as duras realidades da competição no ambien-
tal natural. Uma maneira igualmente importante é controlar o ambiente natural,
absorvendo-o no interior dos limites corporativos das empresas individuais. Gal-
braith (1967) e Edwards (1979) chamaram a atenção para essa eliminação da
troca de mercado como o principal método de promover o controle econômico
por uma elite de corporações gigantes. Edwards (1979, p. 83) oferece evidências
em apoio a esta tese, observando que as fusões de empresas que controlam me-
nos de 50% de seus mercados fracassam com uma freqüência quase três vezes
maior do que as empresas que têm maior controle de mercado, enquanto as últi-
mas obtêm lucros de mais ou menos 30% acima das primeiras.
Enquanto esses autores destacam mais o significado político desse fenômeno
do que o econômico, outros o enquadraram no modelo da seleção natural. Como
observamos anteriormente, Williamson (1975) argumentou que os grandes ne-
gócios crescem quando os mercados não conseguem alocar de forma eficiente
os recursos, de tal forma que se torna necessário uma monitoração hierárquica
das transações para restaurar a racionalidade econômica mediante a redução
dos custos. De maneira semelhante, Chandler (1977) argumentou que o grande
negócio se expande mediante a eficiência administrativa, porque ele provê uma
programação e coordenação de melhor nível para produtos padronizados em in-
dústrias de grande capacidade. Em outras palavras, as forças econômicas (em
especial as vantagens econômicas da integração vertical) levaram ao surgimento
de empresas de grande escala, já que as firmas que não se ajustaram às condições
variáveis de mercado e tecnologia, pela internalização do ambiente, não conse-
guiram competir e foram excluídas.
Perrow (1981) criticou essa explicação da eficiência neutra, por não levar
em conta a possibilidade de que a integração vertical aconteça mais pelo moti-
vo um tanto maldoso de cortar os suprimentos dos competidores, ou de dominar
os meios de distribuição, do que simplesmente de reduzir os custos econômicos.
Embora ele concordasse que os fatores econômicos proporcionam as condições
necessárias a que a integração vertical aconteça (já que nem todas as indústrias
realizam ou podem realizar a integração vertical), é antes o controle do poder e
do mercado do que a eficiência econômica que provê a motivação essencial para
esse crescimento. Assim, novamente, surge a dialética: a concentração industrial
é poder hegemônico; o sucesso econômico é dominação política; a organização
corporativa é controle social.

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Debates e perspectivas centrais na teoria das organizações  99

Ação individual versus ação coletiva: Q2 vs Q4

Preocupa-se o comportamento organizacional, principalmente, com a ação


individual ou com a coletiva? Essa questão enfoca a tensão básica entre os mode-
los de referência individual versus coletivo, enquanto eles são apresentados nos
micro e macro níveis de análise organizacional. Essencialmente, as teorias orga-
nizacionais e gerenciais assumiram uma orientação de auto-interesse, pela ade-
são ao modelo racional de comportamento administrativo. Em contrapartida, o
problema do interesse coletivo permanece em grande medida ignorado.
O axioma básico do comportamento racional é “maximizar” ou, pelo menos,
“satisfazer” interesses próprios (Simon, 1976). Aceita-se uma ordem de preferên-
cia consistente, em que os indivíduos ou organizações têm uma função objetiva
claramente específica da qual conseguem selecionar a melhor alternativa de uma
série delas. “Enquanto aceitarmos que as organizações possuem objetivos e que
estes objetivos têm algumas propriedades clássicas de estabilidade, precisão e
consistência, podemos concordar que a organização é um tipo de ator racional”
(March, 1981, p. 215). De fato, toda a teoria do comportamento racional nas or-
ganizações se apóia na premissa de que seus participantes compartilham objeti-
vos comuns, sem o que, pois, o “trabalho em equipe de molde cooperativo” não
seria possível (Simon, 1976).
Mas os stakeholders organizacionais, com freqüência, possuem objetivos con-
flitantes, particularmente em situações de escassez. Depois, o modelo racional ou
se converte numa teoria competitiva de jogos, com matrizes de prêmios proba-
bilísticos para cada participante, ou tentamos alterar as preferências das partes
discordantes em busca de um consenso, de tal forma que o “trabalho em equi-
pe” possa voltar a prevalecer. As teorias clássicas da firma lidam com esse pro-
blema em dois estágios. No primeiro, as demandas conflitantes são convertidas
em preços, com cada indivíduo negociando os termos necessários a concordar
em seguir as preferências de outro. No segundo, os gestores e empreendedores
impõem seus objetivos à organização em troca de salários negociados pagos aos
empregados (March, 1981). Além dessas negociações salariais, as organizações
utilizam elaborados sistemas de motivação, promoção, compensações e contro-
les, para manter a ordem e o consenso entre os participantes organizacionais. As-
sim, o contrato de trabalho é reforçado por um sistema de incentivos que dá aos
administradores os meios de assegurar o consenso dos empregados em prol dos
objetivos organizacionais.
É nesse sentido que Mancur Olson (1965) argumentou que, por causa do
“problema do parasita”, não há justificativa racional para os indivíduos contribuí-
rem para os “bens coletivos”. Nos pequenos grupos, ou oligarquias, os indivíduos
podem querer contribuir voluntariamente para lograr bens coletivos, por causa
da norma comum da reciprocidade, confiança interpessoal, amizade, pressão so-
cial ou preocupação altruística em favor do bem-estar do grupo todo. Entretanto,

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100  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

nos grupos grandes esses incentivos diminuem e o problema da geração da ação


coletiva se torna cada vez mais agudo. Para Olson (1965, p. 51), “somente um in-
centivo individual e ‘seletivo’ estimulará um indivíduo racional, num grupo laten­
te, a atuar por influência do grupo”.
Reagindo a esse ímpeto individualístico dos economistas clássicos, para
quem “o indivíduo humano atuaria de modo semelhante a um átomo” (1950, p.
36), Commons argumentou que “os indivíduos não são entidades independentes,
auto-suficientes; e a sociedade não é a soma dos membros individuais” (Com-
mons, 1950, p. 14). A liberdade individual não é um direito inato; é uma con-
quista coletiva. A única maneira de se obter a liberdade individual é por meio da
adesão coletiva às “obrigações” que definem e protegem os “direitos” individuais
de todos. Os direitos e as obrigações não são determinados individualmente; eles
vêm de normas, costumes e leis impostas e fortalecidas por uma soberania. Com-
mons se referiu a essas normas, costumes e leis como “as regras de funcionamen-
to da ação coletiva”, uma noção baseada no conceito legal de “homem razoável”.
O homem razoável segue uma lógica bem diferente daquela do homem racional
(Van de Ven; Freeman, 1983). Na lei, o homem razoável deve corresponder a um
padrão de conduta uniforme e coletivo. Este padrão é determinado por referência
a uma avaliação comunitária e deve ser o mesmo para todas as pessoas, “pois a
lei não deve ter favoritos” (Prosser, 1971, p. 150).
O comportamento razoável, porém, não nega o comportamento racional; ele
proporciona um modelo institucional no qual consegue atuar. De uma maneira
clara, os indivíduos buscam, efetivamente, seus próprios objetivos e tentam ma-
ximizar seus outros interesses da melhor maneira possível, dentro das condições
dadas. Conseqüentemente, o conflito e a ruptura são tão presentes e importan-
tes quanto são o consenso e a ordem, um fato que é reconhecido na perspectiva
pluralística de Lindblom (1965), Wilson (1973) e Dahl e Lindblom (1976). Esses
autores analisam a ação coletiva como um processo incremental que resulta de
ajustes mútuos entre grupos de interesse múltiplos e partidários. Embora os ato-
res partidários persigam seus próprios interesses, eles o fazem, no entanto, den-
tro de limites, e devem negociar com os demais para encontrar concessões que se-
jam aceitáveis de um ponto de vista coletivo. Essa é a função servida pelas regras
da ação coletiva: elas incorporam uma ordem institucional, que define os limites
dentro dos quais os indivíduos podem realizar suas próprias vontades.
Esse debate sobre ação individual versus ação coletiva está muito evidente na
literatura que trata das relações entre a organização e o ambiente. Novamente,
prevalece a perspectiva do indivíduo-como-ator-racional, um fato refletido na ten-
dência dos autores de adotar o ponto de vista da organização sob foco. Por exem-
plo, a teoria da dependência de recursos (Pfeffer; Salancick, 1978) sustenta que
os gestores astutos procuram aumentar seu poder em relação a fontes críticas de
dependência do ambiente, firmando, por um lado, barganhas favoráveis com seus
parceiros de troca, e por outro, evitando envolvimentos custosos com eles. Os re-

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Debates e perspectivas centrais na teoria das organizações  101

cursos necessários precisam ser adquiridos, mas apenas de maneira a preservar a


organização de conceder autonomia em excesso e tornar-se abertamente depen-
dente dos grupos externos (Thompson; McEwen, 1958). A interação resultante é
vista como um tipo de jogo: os gestores reagem estrategicamente às manobras uns
dos outros. Até os casos aparentes de colaboração são analisados sob o ponto de
vista da teoria dos jogos. Assim, joint ventures, coalizões, acordos informais etc.
são vistos como jogos de motivação mista. Trata-se de alianças feitas por conveni-
ência, mas são alianças temporárias, que recebem adesão apenas enquanto e na
medida em que servirem ao auto-interesse de cada parceiro da coalizão.
Por outro lado, uma orientação genuinamente coletiva também começou a
apa­recer na literatura sobre a relação entre organização e ambiente. Assim, Ben-
son (1975) e Pfeffer e Salancick (1978, p. 147) esboçaram algumas normas (ou
regras de funcionamento da ação coletiva) que operam nas redes interorganiza­
cionais. Essas normas estabilizam o funcionamento coletivo dos sistemas inter-
dependentes de organizações e, no entanto, não suprimem completamente a
auto­nomia, a busca do interesse localizado ou a emergência do conflito entre or-
ganizações. Em vez disso, elas facilitam ajustes mútuos entre interesses parciais
múltiplos, num sistema pluralista que não é individualista e anárquico, nem é to-
talitário. Como salientaram Metcalfe (1974) e Van de Ven (1980), a participação
pluralista pode conciliar tanto os interesses sectários como o bem-estar coletivo
nas relações interorganizacionais.
Mas um problema permanece: se as organizações representam interesses sec-
tários, por que aderem elas voluntariamente a regras coletivas de funcionamen-
to – particularmente, às que não são legalmente suscetíveis à fiscalização – em
vez de tentar explorar implacavelmente as dependências umas das outras? A res-
posta está no entendimento de que, enquanto os representantes das organizações
interagem, suas relações se fundem com os valores compartilhados que transfor-
mam os interesses parciais em orientações coletivas. Quando se descobre, por
tentativa e erro, padrões de atuação que são úteis, eles tendem a se repetir. No
fim, os gestores que interagem continuamente passam a compartilhar a idéia de
que “esses são os caminhos de como as coisas devem ser feitas”. Com este desdo-
bramento, as normas se dissociam das situações específicas de onde surgiram no
início e são generalizadas para cobrir amplas áreas de atividade coletiva. Como
tais, elas assumem o caráter de forças sociais autônomas, que conduzem e regu-
lam a ação coletiva. Essa é a função a que servem as “estruturas de pensamento
institucionalizadas”, de Warren, Rose e Bergunder (1974), e a racionalidade da
classe toda de Useem (1982), nas redes interorganizacionais.
Assim, os padrões normativos de interação interorganizacional estão impreg-
nados daquilo que Durkheim (1933) chamou de “base moral dos contratos so-
ciais”. Isto é, as normas adquirem antes um senso de moralidade do que de mero
pragmatismo, de tal modo que os tomadores de decisão organizacionais se sen-
tem compelidos a aquiescer a elas. No entanto, a obrigação moral não deve ser

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102  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

interpretada como uma restrição externa, pois ela é uma força libertadora, segun-
do Commons e Durkheim. Ao possibilitar padrões estáveis de associação coletiva,
ela livra as organizações da necessidade de criar novos padrões de atuação para
cada situação que enfrentam. O cumprimento das normas é antes voluntário do
que forçado. Isso significa a adoção de uma orientação coletiva, com a qual os
gestores e suas organizações se identificam.
Em resumo, os grupos organizacionais são ao mesmo tempo atores indepen-
dentes e membros envolvidos de uma coletividade maior. De um lado, eles agem,
de maneira autônoma, de forma a maximizar suas chances de alcançar todos os
seus objetivos individuais, à parte dos da coletividade. De outro, aderem a pa-
drões unificadores de ordem social e cultural, na medida em que assumem res-
ponsabilidades como parte de uma entidade social maior. Em outras palavras, o
gestor atua como um homem de jogo e como um estadista. A necessidade de esta-
belecer um equilíbrio entre essas pressões contrárias está por trás do que Thomp-
son (1967, p. 48) descreveu como “o paradoxo da administração”. A existência
desse paradoxo produz não apenas contradições na prática da vida organizacio-
nal de todo dia, mas também, como vimos, uma tensão dialética na teorização.

Organização versus instituição: Q1 vs Q4

São as organizações instrumentos técnicos, neutros, construídos para atingir


metas, ou são elas manifestações institucionalizadas dos interesses fundados e da
estrutura de poder da sociedade mais ampla? O ponto de partida desse debate
é a distinção feita por Selznick (1957) entre “organizações” e “instituições”. De
acordo com Selznick, as “organizações” são concebidas, projetadas, de acordo
com uma “lógica de eficiência”; são “instrumentos técnicos” que visam mobilizar
atividades em favor de um conjunto de objetivos. Elas podem ser consideradas
“ferramentas a despender” ou “instrumentos racionais construídos para realizar
uma tarefa”. As “instituições”, por sua vez, “incorporam valores, que vão além
dos requisitos técnicos da tarefa em questão”. Elas são “organismos adaptáveis
e responsivos”, produtos das “necessidades e pressões sociais”, que as moldam e
lhes dão forma. Como tais, elas incorporam uma resposta para os interesses fun-
dados que residem em seus ambientes. Como indicam Meyer e Rowan (1977),
as instituições são menos significativas por seus atributos técnicos do que pelos
papéis que exercem na sociedade mais ampla; elas, simplesmente, refletem as es-
truturas institucionais em que estão imersas.
Há pouca dúvida de que a imagem da organização como uma ferramenta
dominou a história da teoria organizacional, como mostrou o “Modelo Racional”
de Gouldner (1959), que ainda prevalece. Mas houve uma reação contemporâ-
nea a essa escola de pensamento, desde que Child (1972) atacou a explicação
dada pela teoria da contingência ao comportamento organizacional, por refe-
rência antes aos imperativos funcionais do que aos da ação política. Essa crítica

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Debates e perspectivas centrais na teoria das organizações  103

ganhou força, em particular, a partir do trabalho dos teóricos radicais, marxistas


e da economia política (Marglin, 1974; Stone, 1974; Clegg; 1975, 1979, 1981;
Benson, 1977a; Goldman; Van Houten, 1977; Salaman, 1978; Burawoy, 1979;
Edwards, 1979; Clegg; Dunkerly, 1980; Clawson, 1980). Esses autores rejeita-
ram a idéia de que a estrutura organizacional é delineada com base numa lógica
neutra de eficácia técnica. Em vez de ver as restrições estruturais como necessi-
dades funcionais, cuja existência se justifica por referência a ideais relacionados
de “eficiência” e “racionalidade”, eles chamaram a atenção para as funções e
vantagens parciais dos elementos organizacionais visivelmente neutros, e apre-
sentaram a eficiência e a racionalidade como ideologias que reforçam, disfarçam
e justificam a natureza não igualitária da estrutura organizacional. Argumenta-
se que, em vez da eficiência técnica, é a dominação política que fundamenta o
projeto de estrutura organizacional.
O argumento convencional de que os métodos capitalistas de produção são
mais produtivos que as formas anteriores de organização do trabalho – por se-
rem mais eficientes – é normalmente contraposto pela questão “eficiente para
quem?” (Perrow, 1980). A crítica aqui é de que a eficiência é definida de forma
favorável aos interesses da gestão. Uma definição neutra mediria a eficiência de
um processo de transformação pelo quociente dos resultados sobre os insumos:
quanto maior for este quociente, mais eficiente será o processo de transformação.
Entretanto, acusa-se que, onde o capitalismo é mais produtivo que os modos de
produção anteriores, não é porque seu processo de transformação seja tecnica-
mente superior; pelo contrário, é porque seu sistema de controle tornou os ges-
tores capazes de extrair dos trabalhadores um valor de produção maior do que
o que seria necessário consumir ou gastar para comprar a força de trabalho. Em
outras palavras, produtividade maior resulta de insumos de trabalho maiores, e
não de um trabalho de transformação mais eficiente. Obviamente, isso faz com
que a produção capitalista pareça mais eficiente para a gestão, mas ela é eficiente
apenas a partir de seu próprio ponto de vista (Clawson, 1980). Para os trabalha-
dores, representa apenas exploração e dominação.
De acordo com essa visão, a forma capitalista de organização é conduzida
não por leis imutáveis de eficiência técnica, mas pelos interesses socialmente mo-
delados das elites gestoras. Além disso, supõe-se que esta dominação esteja enrai-
zada em fatores que emanam de circunstâncias particulares que são externas ao
chão de fábrica, na medida em que ela ocorre dentro de um contexto social mais
amplo. Por exemplo, Edwards (1979) explicou a exploração capitalista por refe-
rência a desdobramentos na força de trabalho em geral: a proletarização da força
de trabalho, a mudança da agricultura para a indústria, a importância declinante
das habilidades dos trabalhadores e a segmentação dos mercados de trabalho. É
por isso que Burrell (1981) descreveu as condições organizacionais contemporâ-
neas como “epifenômenos” de forças que permeiam a sociedade. A dominação
política no local de trabalho é um dos reflexos da dinâmica mais ampla do capi-
talismo. Eventos aparentemente distantes do próprio local de trabalho impõem

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104  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

restrições importantes às relações que aí acontecem. Sob esta ótica, o conflito


entre trabalhadores e gestão nas organizações deve ser visto como simplesmente
um microcosmo da arena mais ampla da luta de classes.
Assim, o foco se desloca da “problemática da estruturação racional” (Ben-
son, 1979), inerente à visão estrutural-sistêmica, para as relações de rede social e
politicamente definidas, que são próprias à visão da ação coletiva. A unidade de
análise correta passa a ser a estrutura do próprio ambiente societário mais amplo
(M. Meyer, 1978). A estrutura e funcionamento organizacionais devem ser vistos
antes como prioridades da sociedade “hospedeira” do que como conseqüência
das formas particulares do processo ou tecnologia de trabalho (Salaman, 1978).
A organização acaba refletindo sua própria história distinta (Stinchcombe, 1965;
Meyer; Brown, 1977), por uma assimilação dos valores e demandas lançados
sobre ela por uma enorme quantidade de interesses fundados na sociedade (J.
Meyer, 1978; Perrow, 1979). O argumento da dominação política requer, portan-
to, que desloquemos o nosso foco analítico do determinismo das considerações
sobre eficiência, internas às organizações, para a dinâmica social ampla, que se
desenvolve no nível coletivo de análise.

Discussão

Pela comparação e contraste de quatro visões básicas da teoria organizacio-


nal (ver Quadro 1), abordamos seis debates que permeiam a literatura.5 Estes
debates propiciam muitos insights para a compreensão das tensões dialéticas da
vida organizacional. Durante todos os debates, as tensões enfocaram as formas
estruturais versus a ação pessoal (debates 1 e 4) e as relações entre parte e todo
(debates 2 e 5), como também a interação destas duas fontes de tensão organiza-
cional (debates 3 e 6). Em termos de conclusão, especulamos sobre a importância
dessas duas tensões dialéticas gerais para orientar as futuras teorias e pesquisas
sobre organizações. Os “princípios da análise dialética”, de Benson (1977b), são
particularmente relevantes para essa discussão.
O primeiro princípio de Benson (1977b) era a “construção/produção social”.
Em poucas palavras, ela afirmava que “uma organização, enquanto parte de um
mundo social, está sempre num estado de vir a ser”. Conseqüentemente, deve-se
focar a atenção nos mecanismos sobre os quais uma forma organizacional esta-
belecida se constrói, mantém, reproduz e continuamente se reconstrói. Essa é a
tarefa com que se comprometem as teorias situadas no lado direito de nossa fi-
gura. Mas Benson (1977b) também indicou que os processos que explicam o sur-
gimento e dissolução de organizações ocorrem numa estrutura social existente
que restringe a ação organizacional. A análise dessas forças restritivas distingue
as teorias situadas do lado esquerdo do Quadro 1. Esses dois conjuntos de forças
contrárias são discutidos a seguir, em termos de uma interação entre “formas es-
truturais” e “ação de pessoal”.

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Debates e perspectivas centrais na teoria das organizações  105

O segundo princípio da análise dialética é referido por Benson (1977b) como


o princípio da “totalidade”. Este princípio “expressa um compromisso de estudar
arranjos sociais enquanto totalidades complexas e inter-relacionadas que contêm
componentes que em parte são autônomos”. Assim, por um lado, as organizações
são vistas como estando atadas de um modo intrincado ao contexto societário em
que se localizam: elas são consideradas como partes constitutivas de padrões e
forças mais amplas que se desenvolvem na sociedade em geral. Mas, por outro
lado, as organizações também são capazes de realizar por conta própria ações
parcialmente autônomas, o que gera tensões entre as partes e o todo. Essa fonte
de tensão é captada pela interação entre a metade inferior e a superior do Qua-
dro 1 e é discutida a seguir.

Formas estruturais e ação de pessoal

As formas estruturais e as ações de pessoal são questões centrais de interesse


para a teoria organizacional e gerencial. Embora o determinismo e o voluntaris-
mo sejam úteis para classificar as teorias organizacionais, elas têm a limitação de
facilmente orientar mal a investigação, por implicarem que as visões determinis-
tas da estrutura organizacional e as visões voluntaristas das ações de pessoal são
mutuamente excludentes. Na verdade, as duas visões são conjuntamente neces-
sárias para desenvolver uma avaliação dinâmica das organizações.
As organizações, afinal de contas, não são fenômenos puramente objetivos,
nem puramente subjetivos. Elas são sistemas objetivos na medida em que exibem
estruturas que são apenas em parte modificáveis pelas ações de pessoal, mas elas
são subjetivas na medida em que essas estruturas abrigam indivíduos que atuam
à base de suas próprias percepções e atuam de forma previsível tanto quanto im-
previsível. As questões e problemas de interesse se voltam, então, para o modo
como as formas estruturais e as ações de pessoal se inter-relacionam e produzem
tensões que estimulam mudanças ao longo do tempo.
Por exemplo, no nível individual, por um lado, há os problemas de selecionar,
socializar e controlar os indivíduos para posições e tarefas na estrutura e, por ou-
tro, de examinar como as ações de pessoal com o tempo reestruturam essas po-
sições. Com o passar dos anos, surgem tensões e desajustes entre as cambiantes
aspirações, crescimento e necessidades pessoais dos indivíduos e as cambiantes
opções de carreira para a promoção e mobilidade entre as posições na estrutu-
ra organizacional. No nível de grupo, produz-se uma tensão contínua quando a
divisão e integração estrutural do trabalho e dos recursos entre as subunidades
tanto influenciam quanto são influenciadas pela emergência sociopsicológica de
diferentes normas, padrões de interação, conflito e relações de poder dentro e
entre grupos. No nível organizacional, se coloca a questão de como a estrutura
organizacional é tanto causa quanto efeito das transformações ambientais e das
escolhas estratégicas dos indivíduos poderosos de dentro e de fora da organiza-

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106  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

ção. Finalmente, no nível populacional estão as questões relativas a como os ni-


chos organizacionais ou as estruturas de mercado são ao mesmo tempo produto
e restrição da ação coletiva, questões a que se chegou por uma longa série de
disputas e barganhas políticas entre grupos sectários, assim como por normas so-
cietárias e culturais.
Essas questões são interessantes, em primeiro lugar, porque admitem tanto
a visão determinista quanto a voluntarista da vida organizacional; em segundo
lugar, porque sobrepõem essas visões, relacionando mutuamente as formas estru­
turais e as ações do pessoal em níveis comparáveis de análise; e, finalmente,
porque mostram como essas relações se desenvolvem de forma complementar e
contraditória ao longo do tempo. Infelizmente, os aspectos interessantes dessas
questões, muitas vezes, são destruídos, quando se tenta representar esses pa-
drões observáveis em modelos teóricos. Em virtude das limitações de formação,
socialização e conhecimento, os teóricos tendem a reduzir essas complexidades
observadas a modelos causais unidirecionais e circunscritos a um conjunto limi-
tado de fatores, que são vistos de forma isolada das outras variáveis.
Estes modelos são restritos demais. Como afirmou Weick (1979, p. 52),
“Quan­do dois eventos quaisquer se relacionam de forma interdependente, indi­
car um dos dois como ‘causa’ e o outro como ‘efeito’ é uma designação arbitrária”.
A maior parte dos teóricos e “gestores se metem em encrenca, porque se esque-
cem de pensar de forma circular [...]. Os problemas persistem, porque os gestores
(e teóricos) continuam a acreditar que há coisas como causação unidirecional,
variáveis dependentes e independentes, origens e conclusões” (Weick, 1979, p.
52). Além disso, nos esforços para identificar as causas e os efeitos últimos, as
partes mais interessantes das questões supra tendem a ser ignoradas – a saber, a
investigação do processo pelo qual os elos se desenvolvem nas relações circula-
res. Dizer que A causa B e que B causa A é uma predição, mas é intelectualmente
estéril, até que se possam explicar os processos pelos quais as relações recíprocas
se desenvolvem ao longo do tempo.
São essas relações recíprocas entre formas estruturais e ações do pessoal que
tornam a tensão e o conflito uma característica tão permeada na vida organiza-
cional. Como mostrou Gomberg (1964), o próprio conceito de organização impli-
ca conflito. Este conflito pode ser interpretado em termos da dialética hegeliana,
em que as formas estruturais existentes oferecem a tese e as ações contraditórias
do pessoal proporcionam a antítese, conduzindo finalmente a uma síntese:

A estruturação de uma organização se identifica com a tese. A hierarquia


resultante gera a semente de sua própria oposição, a antítese. A necessida-
de de revisão é gerada no ventre da organização pela atividade da velha
hierarquia. A necessidade de funções novas e revistas crescem até que desa-
fiam a hierarquia existente. Essa antítese, quando totalmente desenvolvida,
desafia a hierarquia estrutural existente. Desse choque surge ou o declínio
ou uma nova hierarquia e um conjunto de relações que identificamos como

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Debates e perspectivas centrais na teoria das organizações  107

a nova síntese temporária. Essa síntese surge agora como tese, em um novo
ciclo de conflito, e assim o processo se repete na medida em que organizado-
res inovadores ou gestores empreendedores vão em busca de sua satisfação
a partir da acumulação contínua de tensões, com o objetivo de deleitar-se
com sua liberação subseqüente. A história da gestão pode ser interpretada
como esse tipo de processo dinâmico (Gomberg, 1964, p. 52-53).

Relações entre parte e todo

Muitos problemas que são aparentes no nível organizacional manifestam-se


de forma diferente e contraditória em outros níveis. No nível micro, enfocam-se as
características de posições, tarefas e subunidades, bem como as habilidades, orien-
tações, preferências e ações dos indivíduos. No nível macro, o enfoque é sobre a
configuração e o domínio estrutural global da organização e sobre as relações en-
tre os grupos de tomadores de decisão dentro e fora da organização. Entretanto,
o quadro de referência se altera, substancialmente, quando se põe o foco sobre as
relações entre as partes e o todo, ou entre os níveis micro e macro de análise.
Por exemplo, contando com o conceito da variedade requerida, Weick (1979)
argumentou que, com a crescente complexidade, incerteza e variação ambiental,
a estrutura global da organização se torna mais complexa, frouxamente acopla-
da, descentralizada, particularística e anárquica. Sendo assim, a estrutura das
partes ou grupos individuais dentro da organização se tornará mais simples, for-
temente acoplada, hierárquica, universalística e coesa – todos os fatores que le-
vam à falta de adaptabilidade, à estreiteza e à inflexibilidade. Apesar de Weick,
claramente, não ter tido a intenção de escrever sobre essa conseqüência, ela é o
resultado do princípio básico das relações de oposição entre partes e todo, pro-
posto, em 1908, por Georg Simmel. “Os elementos dos círculos sociais diferencia-
dos são indiferenciados, já os dos indiferenciados são diferenciados” (Blau, 1964,
p. 284). O princípio da variedade requerida, de Conant e Ashby (1970), no macro
nível, torna-se uma lei de simplicidade requerida no micronível.
As noções de Gouldner (1959) sobre “interdependência funcional” e “autono-
mia funcional” são valiosas por acentuarem este ponto. Gouldner mostrou que a
preocupação dos teóricos sistêmicos com a interdependência funcional enfoca as
restrições impostas pela colaboração conjunta em busca de objetivos sistêmicos.
Entretanto, ele argumentou que esta interdependência nunca é totalmente restri-
tiva e que ela apenas impõe graus diferentes de restrição em diferentes pontos do
sistema. Assim, faz tanto sentido enfatizar os graus de autonomia funcional quan-
to os graus de interdependência funcional. O que aparenta ser uma restrição do
ponto de vista do sistema parece ser liberdade do ponto de vista de suas partes.
Blau (1964) refinou ainda mais o conceito de Gouldner, observando que a
dependência das subunidades em relação às estruturas sociais que as cercam en-
tra em conflito direto com sua autonomia. “O conflito é inevitável, porque uma

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108  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

certa coordenação centralizada e alguma autonomia das partes se fazem ambas


igualmente necessárias às coletividades organizadas” (Blau, 1964, p. 303). As
relações entre grupos e coletividades são evidentes em sua interdependência, na
mobilidade dos indivíduos que atuam como representantes de seus grupos e em
seus papéis como membros dos grupos, quer isso envolva ações em busca de fins
coletivos ou individuais. Como os indivíduos podem pertencer ao mesmo tempo
a muitos grupos, a imagem de Blau das relações entre partes e todo não é a de
círculos concêntricos, com filiações mutuamente excludentes em cada nível. Em
vez disso, trata-se de círculos interseccionais, pois as redes sociais que definem a
estrutura do grupo são interpenetrantes e sobrepostas, e as fronteiras entre elas
não são precisas nem fixas. “Os grupos se expandem e se contraem com a mobili-
dade dos membros de dentro e de fora deles” (Blau, 1964, p. 284).
Esse tipo de relação dialética entre partes e todo nas organizações não é le-
vado na devida conta por muitas teorias organizacionais. E isso é lamentável,
porque se pode mostrar que toda macroteoria de ordem e consenso inclui uma
microteoria de conflito e coerção, e vice-versa. Por exemplo, as teorias estrutu-
rais-funcionais de organizações foram atacadas tanto por teóricos radicais (Bur-
rell; Morgan, 1979) como por teóricos da ação (Silverman, 1970), por sua inca-
pacidade de explicar a mudança, em virtude da ênfase que davam à ordem, ao
consenso e à unidade. Enquanto isso é verdade no nível macroorganizacional, no
nível micro a mudança só é possível por causa da coerção, da dominação e do
controle das tendências de ruptura. Se não fosse assim, não haveria necessidade
de regras, doutrinação, socialização e mecanismos de controle nas organizações;
esses são conceitos centrais nas visões estruturalistas de organização. Por outro
lado, as teorias de mudança radical (Burrell; Morgan, 1979) enfatizam excessi-
vamente o conflito, a coerção e as tendências de ruptura nas organizações, sem
admitir que estas tendências somente podem ocorrer se houver ordem, consenso
e unidade no nível micro. Assim, se pode ver que, enquanto Marx situava o con-
flito e a luta entre as classes, ele não deu o devido reconhecimento às forças da
coesão e da unidade dentro das classes. Como sugeriu Coser (1956), “o conflito
fora do grupo” está associado à “coesão dentro do grupo”.
Em resumo, estudar com propriedade as organizações em níveis cruzados de
análise significa compreender as relações dialéticas entre as forças do conflito,
da coerção e da ruptura, em um nível da organização, e as forças do consenso,
da unidade e da integração, em outro nível – forças estas que se pressupõem e se
alternam de forma recíproca.

Conclusão

Para se fazer uma apreciação adequada da teoria organizacional deve-se


prestar atenção à natureza antitética básica do campo. Enfocamos duas fontes ge-
rais de antíteses, manifestadas nas dialéticas entre estrutura e ação e entre todo

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Debates e perspectivas centrais na teoria das organizações  109

e partes. A presença disseminada de tensões geradas por esses modos contrários


de análise explica parcialmente os contínuos debates teóricos e as contradições
na teoria organizacional. O terceiro princípio da análise dialética, de Benson, ou
princípio da contradição, tratou desse ponto. Benson chamou a atenção para as
“rupturas, inconsistências e incompatibilidades no tecido da vida social” (Benson,
1977b). Como as contradições permeiam as organizações, as teorias que captam
e refletem os segmentos discretos da vida organizacional também não escapam
de ser contraditórias e só podem ser conciliadas dialeticamente.
Mas a teoria das organizações não apenas reflete a realidade organizacio-
nal; ela também produz essa realidade. Como apontou Albrow (1980), a teoria
das organizações compartilha uma relação dialética com a vida organizacional.
Da mesma forma que outras ciências sociais, ela ajuda a estruturar seu próprio
objeto de estudo. Ao explicar os fenômenos organizacionais, a teoria ajuda a dar
objetividade às práticas a que se refere. Essa reflexividade entre teoria e eventos
práticos é apreendida em um quarto e último princípio de análise dialética, for-
mulado por Benson (1977b) – o princípio da práxis, ou a reconstrução criativa
dos arranjos sociais com base em análises fundadas na razão.
Esse entendimento dá um significado adicional à análise deste artigo. Ele
sugere que a interação das teorias organizacionais é, na realidade, uma dispu-
ta sobre a configuração futura do mundo organizacional. Em conseqüência, tor-
na-se essencial que haja uma consciência dos valores e vieses sobre os quais se
constrói a teoria. Esses valores e vieses atuam como premissas tidas como certas
nas visões de mundo que guiam a teorização, como também constituem paradig-
mas que canalizam a atenção em sentidos específicos e previnem a investigação
de esferas alternativas, teóricas, ideológicas e práticas. Mesmo quando os teóri-
cos organizacionais alegam isenção de valores, eles invariavelmente implicam e
se comprometem com valores mediante a construção de visões parciais da rea-
lidade. Por isso, Ritzer (1980, p. 12) argumentou que as “ciências multiparadig­
máticas”, como a teoria das organizações, preenchem essencialmente funções po-
líticas. Os proponentes de cada paradigma estão engajados em esforços políticos
para dominar a disciplina como um meio de impor suas próprias concepções de
realidade aos eventos práticos da vida social.

Notas
1
  As abreviações Q1, Q2, Q3 e Q4 serão usadas em todo o artigo para denotar os
quadrantes numerados da figura esquemática.
2
 Na realidade, a rotatividade declinou de forma marcante, durante o século XX,
nas grandes corporações (Scherer, 1980, p. 54-56), provavelmente porque elas
estão em posição vantajosa em relação às demais para tirar vantagem de adapta-
ções institucionais (Meyer; Rowan, 1977; J. Meyer, 1978).

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110  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

3
  Embora a absorção corporativa das contingências seja uma adaptação ­artificial da
organização a seu ambiente, Thompson deixa claro que esta adaptação é determina-
da por racionalidade técnica. A expansão das operações no ambiente ocor­re no sen-
tido das contingências cruciais e estas são determinadas por considerações de tecno-
logia e de tarefa. Assim, as tecnologias de integração ampla estimulam a expansão
por meio da integração vertical, enquanto as tecnologias intermediárias encorajam
a expansão geográfica (Thompson, 1967, p. 40-42). Em outras palavras, a absorção
de elementos ambientais é uma reação defensiva, uma forma de amortecer o núcleo
técnico. Ela não representa, por exemplo, uma tentativa de aumentar o domínio de
mercado da organização. Obviamente, este seria o tipo de explicação que o volunta-
rismo da escolha estratégica ofereceria em relação a este mesmo fenômeno.
4
  Apesar do fato de a segunda metade do livro de Aldrich (1979) estar repleto de
exemplos que apontam aspectos sociais e políticos “não naturais” do ambiente,
esses exemplos não são gerados nem refletem enunciados como os aqui citados,
que são centrais a seu modelo formal de seleção natural.
5
  Deve-se reconhecer, entretanto, que enquanto enquadramos os trabalhos de
vá­rios autores numa visão, em vez de outra, isso não significa implicar qualquer
inflexibilidade de visão por parte desses autores. Muitos autores referidos escre-
veram de modo muito mais amplo e adotaram uma orientação mais equilibrada
do que talvez insinue a discussão. Assim, não gostaríamos, por exemplo, de ro-
tular autores como “deterministas” ou “reducionistas” por causa da perspectiva
analítica particular que adotaram numa determinada ocasião. Como bem se sabe,
a maioria dos autores adota perspectivas singulares para circunstâncias e propó-
sitos específicos e limitados.

Nota da Redação

Artigo traduzido e publicado sob o título: “Debates e perspectivas centrais na


Teoria das Organizações”, na RAE – revista de administração de empresas, v. 45,
n. 2, p. 52-73, abr./jun. 2005.

Agradecimento

Pelas sugestões úteis que fizeram às versões anteriores deste artigo, agradece-
mos a Charles Fombrun, John Bryson, William Gomberg e aos revisores anônimos
da ASQ. Agradecemos também ao Center for the Study of Organizational Innova-
tion, da Universidade da Pensilvânia, pelo apoio recebido, e à Charles F. Kettering
Fundation, pela liberação do tempo necessário à elaboração deste artigo.

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Jaula de ferro revisitada: isomorfismo
institucional e racionalidade coletiva nos
campos organizacionais*

Paul J. DiMaggio
Walter W. Powell

Introdução

No livro A ética protestante e o espírito do capitalismo, Max Weber advertia


que o espírito racionalista, introduzido pelo ascetismo, havia alcançado seu mo-
mentum e que, sob o capitalismo, a ordem racionalista se tornara uma jaula de
ferro na qual a humanidade estaria, exceto pela possibilidade de um renascimen-
to profético, aprisionada “talvez até ser queimada a última tonelada de carvão
fossilizado” (Weber, 1952, p. 181-182). Em seu ensaio sobre a burocracia, Weber
retornou a esse tema, argumentando que a burocracia – a manifestação organiza-
cional do espírito racional – era um meio tão eficiente e poderoso para controlar
homens e mulheres que, uma vez estabelecida, seria irreversível o momentum da
burocratização (Weber, 1968).
A imagem da jaula de ferro assombrou os estudiosos da sociedade, na medi-
da em que se acelerava o ritmo da burocratização. Mas, enquanto a burocracia se
expandiu de forma contínua, durante os 80 anos que se seguiram aos trabalhos
de Weber, o motor da racionalização organizacional mudou, segundo sugerimos.

*  Este artigo foi publicado originalmente sob o título “The iron cage revisited: institutional isomor-
phism and collective rationality in organizational fields”, por Paul J. DiMaggio e Walter W. Powell,
na American Sociological Review, v. 48, n. 2, p. 147-160, em abril de 1983. Ele foi publicado com a
autorização da American Sociological Association. © American Sociological Association. <www.
asanet.org>.

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118  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

Para Weber, a burocratização resultou de três causas relacionadas: da competi-


ção entre as empresas capitalistas no espaço de mercado; da competição entre os
Estados, aumentando a necessidade dos governantes de controlar o seu pessoal
e a cidadania; e das demandas burguesas por proteção igualitária, sob o abrigo
da lei. Das três, a mais importante era a competição no espaço de mercado. Hoje,
escreveu Weber,

é, principalmente, a economia de mercado capitalista que demanda que a


incumbência oficial da administração seja executada de forma precisa, con-
tínua, sem ambigüidade e com a máxima velocidade possível. Em geral, as
enormes empresas capitalistas modernas constituem, em si mesmas, mode-
los sem iguais de organização burocrática estrita (Weber, 1968, p. 974).

Nós argumentamos que as causas da burocratização e da racionalização mu-


daram. A burocratização das corporações e do Estado foi alcançada. As organi-
zações ainda estão se tornando mais homogêneas, e a burocracia permanece a
forma organizacional comum. Hoje, no entanto, a mudança estrutural nas orga-
nizações parece ser cada vez menos orientada pela competição ou pela necessi-
dade de eficiência. Em vez disso, conforme sustentaremos, a burocratização e as
outras formas de mudança organizacional ocorrem como resultado de processos
que tornam as organizações mais semelhantes, sem, necessariamente, torná-las
mais eficientes. Argumentamos que a burocratização e as outras formas de ho-
mogeneização emergem da estruturação (Giddens, 1979) dos campos organiza-
cionais. Esse processo, por sua vez, é em grande medida afetado pelo Estado e
pelas profissões, que se tornaram os grandes racionalizadores da segunda metade
do século XX. Por razões que explicaremos mais adiante, os campos organizacio-
nais altamente estruturados proporcionam um contexto em que os esforços indivi­
duais para lidar racionalmente com incerteza e restrições, muitas vezes, levam,
no conjunto, à homogeneidade em estrutura, cultura e resultado.

Teoria organizacional e diversidade organizacional

Grande parte da teoria organizacional moderna postula um mundo diferen-


ciado e diverso de organizações e procura explicar a variação entre as organiza-
ções em termos de estrutura e comportamento (por exemplo, Woodward, 1965;
Child; Kieser, 1981). Hannan e Freeman (1977) iniciam um trabalho teórico im-
portante com a pergunta: “Por que existem tantos tipos de organizações?” Até
nossas tecnologias de investigação (como, por exemplo, as que se baseiam nas
técnicas dos mínimos quadrados) estão montadas para explicar variações, em vez
de sua ausência.
Perguntamos, em lugar disso, por que há essa surpreendente homogeneidade
de formas e práticas organizacionais; e procuramos explicar a homogeneidade,

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Jaula de ferro revisitada: isomorfismo institucional e racionalidade coletiva nos campos organizacionais  119

não a variação. Nos estágios iniciais de seu ciclo de vida, os campos organizacio-
nais apresentam uma considerável diversidade de abordagens e formas. No en-
tanto, tão logo um campo fica bem estabelecido, há uma pressão inexorável no
sentido da homogeneização.
Coser, Kadushin e Powell (1982) descrevem a evolução das publicações norte-
americanas de livros universitários, desde um período de diversidade inicial até a
homogeneidade atual de apenas dois modelos, o grande generalista burocrático e
o pequeno especialista. Rothman (1980) descreve a redução dos diversos modelos
competitivos de educação jurídica a dois modelos dominantes. Starr (1980) apre-
senta evidências de mimetismo no desenvolvimento do campo hospitalar; Tyack
(1974) e Katz (1975) mostram um processo semelhante em escolas públicas; Bar-
nouw (1966-68) descreve o desenvolvimento de formas dominantes na indústria
do rádio; e DiMaggio (1981) ilustra a emergência dos modelos organizacionais
dominantes que se voltavam a prover educação superior no final do século XIX.
O que vemos em cada um desses casos é, em primeiro lugar, a emergência e es-
truturação de um campo organizacional como resultado das atividades de um con-
junto diverso de organizações; em segundo lugar, vemos a homogeneização dessas
organizações bem como dos novos membros, tão logo o campo se estabeleça.
Por campo organizacional entendemos aquelas organizações que, em seu
conjunto, constituem uma área reconhecida de vida institucional: fornecedores-
chave, consumidores de recursos e produtos, agências regulatórias e outras orga-
nizações que produzem serviços e produtos semelhantes. O valor dessa unidade
de análise está no fato de que ela dirige nossa atenção não simplesmente para
empresas concorrentes, como faz a abordagem populacional de Hannan e Free-
man (1977), ou para redes de organizações que de fato interagem, como o faz a
abordagem de rede interorganizacional, de Laumann et al. (1978), mas para a
totalidade dos atores relevantes. Ao fazer isso, a idéia de campo capta a impor-
tância tanto da conectividade (veja Laumann et al., 1978) como da equivalência
estrutural (White et al., 1976).1
A estrutura de um campo organizacional não pode ser determinada a ­priori,
mas deve ser definida com base na investigação empírica. Os campos existem so-
mente na medida em que são definidos institucionalmente. O processo de defini-
ção, ou “estruturação”, institucional consiste de quatro elementos: um aumento
na amplitude de interação entre as organizações presentes no campo; a emergên­
cia de estruturas de dominação e padrões de coalizão interorganizacional, cla-
ramente definidos; um aumento no volume de informação com o qual as orga-
nizações de um campo têm que lidar; e o desenvolvimento de uma consciência
mútua, entre os participantes de um grupo de organizações, de que eles estão
envolvidos num empreendimento comum (DiMaggio, 1982).
Tão logo organizações díspares, no mesmo ramo de negócios, se estruturam
num campo real (por competição, por Estado e por categorias profissionais, con-
forme demonstraremos), emergem forças poderosas, que as levam a se tornar

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120  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

mais semelhantes umas às outras. As organizações podem modificar suas metas


ou desenvolver novas práticas, e novas organizações podem ingressar no campo.
Mas, no longo prazo, ao tomarem decisões racionais, os atores organizacionais
constroem em torno de si um ambiente que limita sua habilidade de continuar
mudando nos anos seguintes. Quem adota cedo inovações organizacionais co-
mumente é levado pelo desejo de melhorar o desempenho. Mas práticas novas
podem ficar, nas palavras de Selznick (1957, p. 17), “imbuídas por um valor que
vai além dos requisitos técnicos da tarefa à mão”. À medida que uma inovação se
espalha, chega-se a um limiar além do qual sua adoção antes provê legitimidade
do que incrementa o desempenho (Meyer; Rowan, 1977). As estratégias que são
racionais para organizações isoladas podem não ser racionais, se forem adotadas
por um grande número delas. No entanto, o próprio fato de elas serem sanciona-
das em termos normativos aumenta a probabilidade de sua adoção. Assim, as or-
ganizações podem tentar mudar constantemente; mas, a partir de um certo pon-
to, na estruturação de um campo organizacional, o efeito agregado da mudança
individual será a diminuição da diversidade no campo.2 Parafraseando Schelling
(1978, p. 14), as organizações num campo estruturado respondem a um ambien-
te que consiste de outras organizações respondendo a seu ambiente, que consiste
de organizações respondendo a um ambiente de respostas de organizações.
O trabalho de Zucker e Tolbert (1981) sobre a adoção da reforma no serviço
público, nos Estados Unidos, ilustra esse processo. A adoção inicial de reformas
no serviço público estava relacionada às necessidades internas de governo, e for-
temente prenunciada por fatores urbanos, como tamanho da população imigran-
te, movimentos de reforma política, composição socioeconômica e tamanho das
cidades. A adoção posterior, no entanto, não foi induzida por características das
cidades, mas se relaciona com as definições institucionais da forma estrutural le-
gítima para a administração municipal.3 O estudo de Marshall Meyer (1981) so-
bre a burocratização dos órgãos fiscais urbanos rendeu resultados semelhantes:
fortes relações entre características urbanas e atributos organizacionais, na vira-
da do século; e relações nulas, nos anos recentes. As constatações de Carroll e De-
lacroix (1982) sobre as taxas de nascimento e morte de jornais sustentam a visão
de que a seleção atua com grande força somente nos anos iniciais da existência
de uma indústria.4 Freeman (1982, p. 14) sugere que as organizações maiores e
mais antigas chegam a um ponto em que são capazes antes de dominar seus am-
bientes do que de se ajustar a eles.
O conceito que melhor capta o processo de homogeneização é o do isomorfis-
mo. Segundo a descrição de Hawley (1968), o isomorfismo constitui um proces-
so restritivo que força uma unidade de uma população a se assemelhar às outras
unidades que enfrentam o mesmo conjunto de condições ambientais. Em nível
populacional, esta abordagem sugere que as características organizacionais são
modificadas no sentido de uma compatibilidade crescente com as características
do ambiente; o número de organizações numa população depende da capacidade
de sustentação do ambiente; e a diversidade de formas organizacionais é isomór-

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Jaula de ferro revisitada: isomorfismo institucional e racionalidade coletiva nos campos organizacionais  121

fica em relação à diversidade ambiental. Hannan e Freeman (1977) ampliaram


de maneira significativa as idéias de Hawley. Eles argumentam que o isomorfismo
pode acontecer porque as formas não ótimas são excluídas de uma população de
organizações, ou porque os tomadores de decisão organizacionais aprendem res-
postas apropriadas e ajustam seu comportamento de acordo com elas. Hannan e
Freeman focalizam quase que exclusivamente o primeiro processo: a seleção.5
Seguindo Meyer (1979) e Fennell (1980), sustentamos que há dois tipos de
isomorfismo: competitivo e institucional. O artigo clássico de Hannan e Freeman
(1977) e boa parte de seu trabalho recente dizem respeito ao isomorfismo com-
petitivo, presumindo uma racionalidade sistêmica que enfatiza a competição de
mercado, a mudança de nicho e medidas de ajustamento. Sugerimos que esta
visão é mais relevante para os campos em que existe competição livre e aberta.
Ela explica partes do processo de burocratização observado por Weber e pode se
aplicar à adoção inicial da inovação, mas não apresenta um quadro totalmen-
te adequado do mundo moderno de organizações. Por esse motivo, ela deve ser
suplementada por uma visão institucional do isomorfismo do tipo introduzido
por Kanter (1972, p. 152-154), em sua discussão das forças que pressionam as
comunas, no sentido de acomodação com o mundo exterior. Como argumentou
Aldrich (1979, p. 265), “as principais forças que as organizações devem levar em
conta são as outras organizações”. As organizações não competem apenas pelos
recursos e consumidores, mas por poder político e legitimação institucional, por
ajustamento social, bem como econômico.6 O conceito de isomorfismo institucio-
nal constitui uma ferramenta útil para se entender a política e os rituais que per-
meiam grande parte da vida organizacional moderna.

Três mecanismos de mudança isomórfica institucional

Identificamos três mecanismos por meio dos quais ocorre a mudança isomór­
fica institucional, cada um com seus próprios antecedentes: (1) o isomorfismo
coercivo, que provém da influência política e do problema da legitimidade; (2) o
isomorfismo mimético, que resulta de respostas padrão à incerteza; e (3) o iso-
morfismo normativo, associado à profissionalização. Essa é uma tipologia analíti-
ca: os tipos nem sempre são empiricamente distintos. Por exemplo, atores exter-
nos podem induzir uma organização a se conformar a seus pares, obrigando-a a
realizar uma determinada tarefa e especificando a profissão responsável por seu
desempenho. A mudança mimética também pode refletir incertezas ambiental-
mente construídas.7 No entanto, apesar de os três tipos se mesclarem no contexto
empírico, eles tendem a provir de condições diferentes e podem levar a resulta-
dos diferentes.
Isomorfismo coercivo. O isomorfismo coercivo resulta das pressões ao mesmo
tempo formais e informais exercidas sobre as organizações por outras organiza-
ções das quais dependem e por expectativas culturais da sociedade em que as

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organizações atuam. Essas pressões podem ser sentidas como força, persuasão,
ou como convite para se associar em conluio, conspiração. Em algumas circuns-
tâncias, a mudança organizacional é uma resposta direta a uma determinação
governamental: os produtores industriais adotam novas tecnologias de controle
da poluição para se adequarem às regulamentações ambientais; as organizações
sem fins lucrativos mantêm contabilidade e contratam contadores, a fim de aten-
der a requisitos legais do fisco; e as organizações empregam funcionários a partir
de critérios de ação afirmativa, para se defenderem de alegações de discrimina-
ção. As escolas admitem estudantes especiais em classes regulares e contratam
professores de educação especial, cultivam relações com as associações de pais
e mestres e com os administradores com quem se identificam e promulgam os
currículos que estão de acordo com os padrões do Estado (Meyer et al., 1981). O
fato de essas mudanças serem em grande parte apenas formais não significa que
sejam inconseqüentes. Como argumenta Ritti e Goldner (1979), os funcionários
se envolvem na prática da defesa, por causa de suas funções que podem alterar
as relações de poder dentro das organizações no longo prazo.
A existência de um ambiente jurídico comum afeta muitos aspectos do com-
portamento e da estrutura da organização. Weber salientou o profundo impac-
to de um sistema racionalizado e complexo de direito contratual, que exige que
controles organizacionais necessários honrem os compromissos legais. Outros re-
quisitos legais e técnicos do Estado – as vicissitudes do ciclo orçamentário, a ubi-
qüidade de alguns anos fiscais, os relatórios anuais e as exigências de relatórios
financeiros que asseguram elegibilidade para o recebimento de fundos ou fecha-
mento de contratos federais – também moldam as organizações de maneira seme-
lhante. Pfeffer e Salancik (1978, p. 188-224) discutiram como as organizações,
em face de interdependências não administráveis, procuram utilizar o poder mais
forte do sistema social mais amplo e de seu governo para eliminar as dificuldades
ou prover pelas necessidades. Eles observam que os ambientes construídos em
termos políticos possuem dois aspectos característicos: os tomadores de decisões
políticas muitas vezes não experimentam diretamente as conseqüências de suas
ações, e aplicam-se decisões políticas a classes inteiras de organizações, tornando
dessa forma essas decisões menos adaptáveis e menos flexíveis.
Meyer e Rowan (1977) argumentaram de forma convincente que, à medida
que os Estados e outras grandes organizações racionalizadas estendem seus do-
mínios sobre outras arenas da vida social, as estruturas organizacionais acabam
refletindo cada vez mais as regras institucionalizadas e legitimadas pelo Estado e
no Estado (veja também Meyer; Hannan, 1979). Como conseqüência, as organi-
zações ficam cada vez mais homogêneas em certos domínios e se organizam cada
vez mais em torno de rituais de conformidade com instituições maiores. Ao mes-
mo tempo, as organizações são cada vez menos determinadas estruturalmente
por restrições impostas pelas atividades técnicas e cada vez menos integradas por
controles de resultados. Nessas circunstâncias, as organizações utilizam controles
ritualizados de credenciais e solidariedade grupal.

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Jaula de ferro revisitada: isomorfismo institucional e racionalidade coletiva nos campos organizacionais  123

A imposição direta de procedimentos operacionais padronizados e de regras


e estruturas legitimadas também ocorre fora da arena governamental. Michel Se-
dlak (1981) documentou os modos pelos quais a United Charities, na década de
1930, alterou e homogeneizou as estruturas, métodos e filosofia dos órgãos de
serviço social dos quais dependia. Na medida em que corporações diversificadas
aumentam em tamanho e escopo, não há necessariamente uma imposição de cri-
térios padronizados de desempenho para as subsidiárias, mas é comum que as
subsidiárias sejam submetidas a mecanismos padronizados de prestação de con-
tas (Coser et al., 1982). As subsidiárias são obrigadas a adotar práticas contábeis,
avaliações de desempenho e planos orçamentários que sejam compatíveis com as
políticas da matriz. Várias infra-estruturas de serviço, freqüentemente providas
por organizações monopolistas – como, por exemplo, telecomunicações e trans-
porte –, exercem pressão conjunta sobre as organizações que as utilizam. Assim,
a expansão do Estado central, a centralização do capital e a coordenação da fi-
lantropia dão todo suporte à homogeneização dos modelos organizacionais por
meio das relações diretas de autoridade.
Até agora nos referimos apenas à imposição direta e explícita de modelos or-
ganizacionais às organizações dependentes. O isomorfismo coercivo, no entanto,
pode ser mais sutil e menos explícito do que sugerem esses exemplos. Milofsky
(1981) descreveu os modos pelos quais as organizações vicinais nas comunidades
urbanas – muitas das quais comprometidas com a democracia participativa – são
levadas a desenvolver hierarquias organizacionais para receber recursos de orga-
nizações doadoras mais hierarquicamente organizadas. Da mesma maneira, Swi-
dler (1979) descreve as tensões criadas nas escolas livres em que ela estudou pela
necessidade de haver um diretor para negociar com o superintendente do distrito
e para representar a escola junto aos órgãos externos. Em geral, a necessidade
de se depositar responsabilidade e autoridade gerencial, pelo menos em termos
cerimoniais, num papel formalmente destinado a interagir com organizações hie-
rárquicas, constitui um obstáculo constante à manutenção de formas organiza-
cionais igualitárias ou coletivistas (Kanter, 1972; Rothschild-Whitt, 1979).
Processos miméticos. No entanto, nem todo isomorfismo institucional deriva
de autoridade coerciva. A incerteza também é uma força poderosa que estimula
a imitação. Quando as tecnologias organizacionais são mal compreendidas (Mar-
ch; Olsen, 1976), quando os objetivos são ambíguos, ou quando o ambiente cria
incerteza simbólica, as organizações podem se espelhar em outras organizações.
As vantagens do comportamento mimético, na economia da ação humana, são
consideráveis; quando uma organização enfrenta um problema com causas am-
bíguas e soluções pouco claras, uma abordagem problemística8 pode render uma
solução viável de baixo custo (Cyert; March, 1963).
A modelagem, segundo usamos o termo, é uma resposta à incerteza. A orga-
nização imitada talvez não se dê conta de que está sendo copiada ou não deseje
ser copiada; ela serve simplesmente como uma fonte conveniente de práticas que

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a imitadora pode utilizar. Os modelos podem ser difundidos de uma forma não
intencional, de modo indireto, por meio de transferência ou rotação de funcioná-
rios, ou de forma explícita por organizações como firmas de consultoria ou asso-
ciações de negócios industriais. Até mesmo as inovações podem ser creditadas à
modelagem organizacional. Como observou Alchian (1950):

Enquanto, certamente, há aqueles que inovam de modo consciente, há


também aqueles que, em suas tentativas imperfeitas de imitar os outros,
inovam de modo inconsciente, por adquirirem de forma inadvertida al-
guns atributos inesperados ou não procurados e únicos, que, nas circuns-
tâncias atuais, se mostram em parte responsáveis pelo sucesso. Outros, por
sua vez, tentarão copiar o caráter único; e o processo de inovação-imitação
prossegue.

Um dos exemplos mais dramáticos de processos de imitação, ou de mode-


lagem, foi o esforço dos responsáveis pela modernização do Japão, no final do
século XIX, de recorrer aos protótipos ocidentais, aparentemente bem-sucedidos,
para modelar suas novas iniciativas governamentais. Assim, o governo imperial
enviou seus funcionários para estudar as cortes de justiça, o exército e a polícia,
na França; a marinha e o sistema de correios, na Grã-Bretanha; e a indústria
bancária e educação artística nos Estados Unidos (veja Westney, 1982). As em-
presas norte-americanas estão agora retribuindo a gentileza, pela implantação
(sua percepção a respeito) de modelos japoneses, para lidar com problemas es-
pinhosos de produtividade e de pessoal em suas próprias organizações. A rápida
proliferação dos círculos de qualidade e das questões sobre qualidade de vida no
trabalho nas empresas norte-americanas é, ao menos em parte, uma tentativa de
se espelhar nos sucessos japoneses e europeus. Esses desenvolvimentos também
têm um aspecto ritualístico; as empresas adotam essas “inovações” para aumen-
tar sua legitimidade, para demonstrar que estão pelo menos tentando melhorar
as condições de trabalho. De maneira mais geral, quanto mais ampla a popula-
ção de pessoas empregadas ou a quantidade de consumidores servidos por uma
organização, maior a pressão sentida pela organização para prover programas e
serviços oferecidos por outras organizações. Assim, uma força de trabalho habili-
tada tanto quanto uma ampla base de consumidores podem estimular o isomor-
fismo mimético.
Grande parte da homogeneidade nas estruturas organizacionais provém do
fato de que, apesar de haver considerável busca de diversidade, há relativamente
pouca variação de que selecionar. As novas organizações seguem o modelo das
organizações mais antigas, em toda a economia, e os administradores procuram
ativamente modelos como bases de construção (Kimberly, 1980). Assim, nas ar-
tes podemos encontrar livros sobre como organizar um conselho de artes da co-
munidade ou sobre como criar uma guilda de mulheres sinfonistas. As grandes
organizações fazem suas escolhas a partir de um grupo relativamente pequeno
de empresas de consultoria de peso, as quais, como a Johnny Appleseeds, disse-

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Jaula de ferro revisitada: isomorfismo institucional e racionalidade coletiva nos campos organizacionais  125

minam alguns modelos organizacionais por todo o território. Esses modelos são
poderosos, porque as mudanças estruturais são observáveis, enquanto que as mu-
danças em política e estratégia são menos facilmente notadas. Com a orientação
de uma importante empresa de consultoria, uma grande estação pública metro-
politana de televisão substituiu o modelo funcional por uma estrutura multidi-
visional. Os executivos da estação estavam céticos em relação à possibilidade de
a nova estrutura ser mais eficiente; de fato, alguns serviços duplicaram entre as
divisões. Mas eles estavam convencidos de que o novo modelo traria uma men-
sagem poderosa para as empresas com as quais a estação com freqüência se re-
lacionava. Essas empresas, tanto no papel de subscritoras de ações como no de
potenciais parceiros em joint ventures, veriam essa reorganização como um sinal
de que “a sonolenta estação não lucrativa estava assumindo mais uma mentali-
dade de negócios” (Powell). A história da reforma administrativa nos órgãos go-
vernamentais dos Estados Unidos, que são conhecidos por sua ambigüidade de
objetivos, é praticamente um caso didático sobre modelagem isomórfica, desde o
PPPB (orçamento-programa) da era McNamara até o orçamento de base zero da
administração Carter.
As organizações tendem a se espelhar em outras organizações de seu campo,
que elas percebem como mais legítimas ou bem-sucedidas. A ubiqüidade de cer-
tos tipos de arranjos estruturais pode mais provavelmente ser creditada à univer-
salidade dos processos miméticos do que a qualquer evidência concreta de que os
modelos adotados incrementam a eficiência. John Meyer (1981) argumenta que
é fácil prever a organização da gestão de uma nação que acaba de nascer, mesmo
que nada se saiba a respeito da nação em si, pois “as nações periféricas são muito
mais isomórficas – em relação à forma administrativa e ao padrão econômico –
do que qualquer teoria sobre sistema mundial de divisão econômica do trabalho
poderia levar alguém a crer”.
Pressões normativas. Uma terceira fonte de mudança organizacional isomór-
fica é normativa e provém, principalmente, da profissionalização. Seguindo Lar-
son (1977) e Collins (1979), interpretamos a profissionalização como uma luta
coletiva dos membros de uma ocupação para definir as condições e os métodos
de seu trabalho, para controlar a “produção dos produtores” (Larson, 1977, p.
49-52) e para estabelecer uma base e legitimação cognitivas para sua autonomia
ocupacional. Como destaca Larson, o projeto profissional é raramente atingido
com pleno sucesso. Os profissionais têm que fazer concessões aos clientes, che-
fes ou reguladores não profissionais. O principal crescimento recente entre as
profissões aconteceu entre os profissionais organizacionais, particularmente os
gestores e os funcionários especializados de grandes organizações. A maior pro-
fissionalização dos trabalhadores, cujos futuros estão indissociavelmente ligados
aos destinos das organizações que os empregam, fez com que se tornasse obsoles-
cente (senão obsoleta) a dicotomia entre o comprometimento organizacional e a
lealdade profissional, que caracterizou os profissionais tradicionais nas primeiras
organizações (Hall, 1968). As profissões estão sujeitas às mesmas pressões coer-

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126  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

civas e miméticas a que estão as organizações. Além disso, enquanto vários tipos
de profissionais dentro de uma organização podem se distinguir uns dos outros,
eles apresentam muita semelhança com suas contrapartes profissionais em outras
organizações. Ainda mais, em muitos casos, o poder profissional é algo conferido
pelo Estado tanto quanto criado pelas atividades das profissões.
Dois aspectos da profissionalização são fontes importantes de isomorfismo.
Um deles é o fato de a educação formal e a legitimação se apoiarem numa base
cognitiva produzida por especialistas universitários; o segundo aspecto é o cres-
cimento e a elaboração de redes profissionais que perpassam as organizações e
por meio das quais novos modelos se difundem rapidamente. As universidades e
as instituições de formação profissional são centros importantes para desenvolver
normas organizacionais entre os administradores profissionais e seus funcioná-
rios. As associações profissionais e de investigação constituem outro veículo para
a definição e promulgação de regras normativas sobre o comportamento orga-
nizacional e profissional. Esses mecanismos criam um pool de indivíduos quase
intercambiáveis que ocupam posições semelhantes numa série de organizações e
possuem uma similaridade de orientação e inclinação que podem anular as varia-
ções na tradição e controle que, em caso contrário, poderiam moldar o compor-
tamento organizacional (Perrow, 1974).
Um mecanismo importante para estimular o isomorfismo normativo é a se-
leção de pessoal. Dentro de muitos campos organizacionais a seleção ocorre pela
contratação de indivíduos de empresas da mesma indústria; pelo recrutamento
de pessoal de alto desempenho junto a um grupo restrito de instituições de trei-
namento; pelas práticas comuns de promoção, como, por exemplo, contratação
constante de executivos de topo junto a departamentos financeiros ou jurídicos;
e pela cobrança de competência para tarefas particulares. Muitas carreiras pro-
fissionais são guardadas de forma tão ciosa, tanto ao nível de entrada quanto du-
rante a progressão na carreira, que os indivíduos que alcançam o topo são quase
totalmente indistinguíveis. March e March (1977) descobriram que os indivídu-
os que chegaram à posição de superintendente de escola em Wisconsin eram tão
parecidos em termos de background e orientação, que todo avanço ulterior em
suas carreiras se tornava aleatório e imprevisível. Hirsch e Whisler (1982) cons-
tataram uma ausência semelhante de variação entre os membros dos “500 Mais
da Revista Fortune”. Além disso, num campo organizacional os indivíduos passam
por uma socialização preventiva das expectativas comuns sobre seu comporta-
mento pessoal, o estilo próprio de vestuário, o vocabulário organizacional (Ci-
courel, 1970; Williamson, 1975) e os métodos padrão de falar, fazer piadas ou de
se dirigir aos outros (Ouchi, 1980). Particularmente em indústrias que têm uma
orientação financeira ou de serviço (Collins, 1979, argumenta que a importância
de credenciais é mais forte nessas áreas), a seleção de pessoal se aproxima daqui-
lo a que Kanter (1977) se refere como “a reprodução homossexual da gestão”. Na
medida em que os executivos e funcionários-chave procedem das mesmas univer-
sidades e são selecionados a partir de um conjunto comum de atributos, eles ten-

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Jaula de ferro revisitada: isomorfismo institucional e racionalidade coletiva nos campos organizacionais  127

derão a enxergar os problemas de uma maneira semelhante, a considerar como


normativamente sancionados e legitimados os mesmos procedimentos, estrutu-
ras e políticas, e abordarão as decisões de uma maneira muito similar.
Os ingressantes em carreiras profissionais que, de alguma forma, escapam ao
processo de seleção – por exemplo, os oficiais navais judeus, as mulheres corre-
toras de ações, ou os executivos negros de seguros – muito provavelmente serão
submetidos a uma socialização forte no local de trabalho. Na medida em que as
organizações num certo campo são diferentes e ocorre uma socialização primária
no local de trabalho, a socialização poderia reforçar e não remover as diferenças
entre as organizações. No entanto, quando as organizações em certo campo são
semelhantes e a socialização ocupacional acontece em reuniões de associações
comerciais, em programas educacionais no local de trabalho, em situações orga-
nizadas por consultorias, em redes de escolas profissionais de empregadores e nas
páginas de revistas de negócios – a socialização atua como uma força isomórfica.
A profissionalização da gestão tende a seguir muito de perto a estruturação
dos campos organizacionais. A troca de informação entre os profissionais pode
contribuir para uma hierarquia comumente reconhecida de status, de centro e pe-
riferia, que se torna uma matriz para os fluxos de informação e o movimento de
pessoal entre as organizações. Essa ordenação de status ocorre tanto por meios
formais quanto informais. A designação de algumas poucas grandes empresas
numa indústria como agentes-chave para as negociações entre a administração e
os sindicatos pode tornar essas empresas essenciais também em relação a outros
assuntos. O reconhecimento governamental às empresas ou organizações-chave,
por meio do processo de verbas ou contratos, pode dar legitimidade e visibilida-
de a essas organizações, e levar empresas concorrentes a copiar aspectos de sua
estrutura ou procedimentos operacionais, na expectativa de obter recompensas
semelhantes. As associações profissionais e comerciais constituem outras arenas
em que se reconhecem organizações centrais e se conferem posições de influên-
cia substancial ou cerimonial a seus funcionários. Os executivos de organizações
de grande visibilidade, por sua vez, têm sua posição reforçada pela representa-
ção em conselhos de outras organizações, pela participação em conselhos indus-
triais ou interindustriais e pelas consultorias contratadas pelos órgãos de governo
(Useem, 1979). No setor de organizações sem fins lucrativos, onde não existem
barreiras legais para conspirações, a estruturação pode acontecer de maneira
ainda mais rápida. Assim, os produtores executivos ou os diretores artísticos de
teatros de vanguarda presidem comitês de associações profissionais ou de negó-
cios, tomam assento em painéis governamentais e de fundações para premiações
e reconhecimentos, ou oferecem consultoria na condição de conselheiros admi-
nistrativos financiados por governos ou por fundações para teatros menores, ou
participam em conselhos de organizações menores, mesmo que sua posição seja
reforçada e ampliada pelas verbas que seus teatros recebem de fontes de finan-
ciamento governamentais, corporativas e de fundações (DiMaggio, 1982).

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128  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

Essas organizações centrais servem ao mesmo tempo como modelos ativos e


passivos; suas políticas e estruturas serão imitadas em todos os seus campos. A
centralidade dessas organizações é reforçada na medida em que os executivos e
funcionários que se movem ascendentemente procuram garantir as posições nes-
sas organizações centrais para promover suas próprias carreiras. Os executivos
futuros podem passar por uma socialização que lhes adianta as normas e costu-
mes das organizações em que pretendem entrar. As trajetórias de carreira podem
também envolver a movimentação de posições iniciais em organizações centrais
para posições de gerência média em organizações periféricas. Os fluxos de pesso-
al dentro de um campo organizacional são ainda estimulados pela homogeneiza-
ção estrutural, como, por exemplo, pela existência de títulos de carreira e trajetó-
rias comuns (tais como professor assistente, associado e titular) com significados
que são entendidos pela comunidade.
Importa observar que se pode esperar que cada um dos processos isomórficos
institucionais tenha procedência, se não houver evidência de que eles aumentam
a eficiência organizacional interna. Na medida em que se incrementa a eficácia
organizacional, a razão muitas vezes será de que as organizações são recompen-
sadas por serem semelhantes a outras organizações em seus campos. Essa simila-
ridade pode tornar mais fácil para elas fazer transações com outras organizações,
atraírem pessoal focado em carreira, serem reconhecidas como legítimas e repu-
táveis, e se encaixarem em categorias administrativas que determinam a elegibili-
dade para verbas e contratos públicos e privados. No entanto, nada disso garante
que as organizações conformistas façam o que fazem de maneira mais eficiente
do que o fazem seus pares mais erráticos.
As pressões por eficiência competitiva também são mitigadas em muitos cam-
pos, porque o número de organizações é limitado e há fortes barreiras fiscais e
legais para entrada e saída. Lee (1971, p. 51) sustenta que é por isso que os admi-
nistradores de hospitais se preocupam menos com o uso eficiente dos recursos do
que com competição por status e paridade de prestígio. Fennell (1980) observa
que os hospitais constituem um sistema de mercado pobre, porque os pacientes
não têm o conhecimento necessário sobre os potenciais parceiros e preços de tro-
ca. Ela argumenta que os médicos e os administradores hospitalares são os consu-
midores reais. A competição entre os hospitais baseia-se em “atrair médicos que,
por sua vez, trazem seus pacientes aos hospitais”. Fennell (1980) conclui:

Os hospitais operam segundo uma norma de legitimação social que, com


freqüência, entra em conflito com as considerações comerciais de eficiên-
cia e racionalidade sistêmica. Aparentemente, os hospitais podem aumen-
tar seu leque de serviços, não porque há necessidade real de um determi-
nado serviço ou equipamento dentro de uma população de pacientes, mas
porque eles serão considerados adequados somente se puderem oferecer
tudo o que oferecem os outros hospitais na área (Fennel, 1980, p. 505).

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Jaula de ferro revisitada: isomorfismo institucional e racionalidade coletiva nos campos organizacionais  129

Esses resultados sugerem um padrão mais geral. Os campos organizacionais


que compreendem uma força de trabalho profissionalmente treinada serão guia-
dos principalmente por uma competição de status. O prestígio e os recursos orga-
nizacionais são elementos-chave para atrair profissionais. Esse processo estimula
a homogeneização, enquanto as organizações procuram assegurar que podem
oferecer os mesmos benefícios e serviços que seus concorrentes oferecem.

Indicadores preditivos de mudança isomórfica

De nossa discussão sobre o mecanismo pelo qual ocorre a mudança isomór-


fica, segue-se que devemos ser capazes de prever, empiricamente, que campos
organizacionais serão os mais homogêneos em estrutura, processo e comporta-
mento. Enquanto o teste empírico dessas predições foge ao escopo deste artigo,
o valor final de nossa perspectiva estará em sua utilidade preditiva. As hipóteses
discutidas abaixo não pretendem esgotar o universo dos indicadores de predição,
mas simplesmente sugerir diversas hipóteses que podem ser seguidas com o uso
dos dados sobre as características das organizações num certo campo, seja com
corte transversal ou, preferencialmente, longitudinal. As hipóteses são governa-
das implicitamente por pressuposições de ceteris paribus, particularmente com
relação a tamanho, tecnologia e centralização de recursos externos.

A. Indicadores preditivos em nível organizacional. Existe variabilidade na me-


dida e no ritmo em que as organizações em certo campo mudam para se torna-
rem mais parecidas com as organizações de sua espécie. Algumas organizações
respondem a pressões externas de forma rápida; outras se transformam somente
após um longo período de resistência. As duas primeiras hipóteses decorrem de
nossa discussão sobre isomorfismo e restrição coercivos.
Hipótese A-1: Quanto maior o grau de dependência de uma organização em
relação a outra, mais ela se assemelhará a essa organização em estrutura,
ambiente e foco comportamental. De acordo com Thompson (1967) e Pfe-
ffer e Salancik (1978), essa proposição reconhece a capacidade maior das
organizações para resistir às demandas das organizações das quais elas
não dependem. Uma posição de dependência leva a mudança isomórfi-
ca. Incorporam-se pressões coercivas nas relações de troca. Como mostrou
Williamson (1979), as trocas são caracterizadas por investimentos especí-
ficos de transação tanto no conhecimento como no equipamento. Tão logo
uma organização escolhe um certo fornecedor ou distribuidor para certos
componentes ou serviços, o fornecedor ou distribuidor desenvolverá uma
expertise para a realização da tarefa como também um conhecimento idios-
sincrático sobre a relação de intercâmbio. A organização acaba confiando
no fornecedor ou distribuidor e os investimentos específicos de transação

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130  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

dão ao fornecedor ou distribuidor vantagens consideráveis em qualquer


competição subseqüente com outros fornecedores ou distribuidores.
Hipótese A-2: Quanto mais centralizado for o fornecimento de recursos da
organização A, tanto mais a organização A se transformará isomorficamente,
para se assemelhar às organizações de cujos recursos ela depende. Como ob-
serva Thompson (1967), as organizações que dependem de fontes idênti-
cas de recursos, pessoal e legitimidade estarão mais sujeitas aos caprichos
dos fornecedores de recursos do que as organizações que podem jogar com
uma fonte de apoio contra outras. Nos casos em que as fontes alternati-
vas não estão imediatamente disponíveis ou requerem esforço para serem
encontradas, a parte mais forte na transação pode forçar a parte mais fra-
ca, para que esta adote suas práticas e assim se ajuste a suas necessidades
(veja Powell, 1983).

A terceira e a quarta hipóteses derivam de nossa discussão sobre o isomorfis-


mo mimético, a moldagem e a incerteza.

Hipótese A-3: Quanto mais incerta for a relação entre meios e fins, tanto
maior será a chance de a organização moldar-se às organizações que ela con-
sidera bem-sucedidas. O processo de pensamento mimético envolvido na
busca por modelos é característico da mudança nas organizações cujas tec-
nologias-chave são mal compreendidas (March; Cohen, 1974). Aqui nossa
previsão diverge um pouco de Meyer e Rowan (1977), que argumentam,
como nós, que as organizações que não têm tecnologias bem definidas
irão importar regras e práticas institucionalizadas. Meyer e Rowan pos-
tulam um acoplamento frouxo entre práticas externas legitimadas e com-
portamento organizacional interno. Do ponto de vista de um ecologista, as
organizações frouxamente acopladas têm maior probabilidade de variar
internamente. Em contraste, esperamos mudanças internas substanciais,
associadas a práticas mais cerimoniosas, e, portanto, maior homogeneida-
de e menos variação e mudança. Uma consistência interna desse tipo é um
meio importante de coordenação interorganizacional. Ela também aumen-
ta a estabilidade organizacional.
Hipótese A-4: Quanto mais ambíguas forem as metas de uma organização,
mais ela se moldará de acordo com as organizações que ela julgar bem-suce-
didas. Há duas razões para isso. Em primeiro lugar, as organizações com
metas ambíguas ou questionadas têm probabilidade de serem altamente
dependentes de aparências para se legitimarem. Essas organizações po-
dem achar que é vantajoso satisfazer às expectativas de clientes importan-
tes quanto ao modo como devem ser modeladas e geridas. Contrariamen-
te à nossa visão, os ecologistas argumentariam que as organizações que
copiam outras em geral não têm vantagem competitiva. Nós sustentamos
que, na maioria das situações, a confiança em procedimentos estabelecidos
e legitimados promove a legitimidade organizacional e as características

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Jaula de ferro revisitada: isomorfismo institucional e racionalidade coletiva nos campos organizacionais  131

de sobrevivência. Uma segunda razão para se modelar o comportamento


se encontra nas situações em que se reprime o conflito envolvendo me-
tas organizacionais, em favor da harmonia; assim, os participantes acham
mais fácil imitar outras organizações do que tomar decisões com base em
análises sistemáticas de metas, já que essas análises poderiam se mostrar
penosas ou desagregadoras.

A quinta e a sexta hipóteses se baseiam em nossa discussão dos processos


normativos encontrados nas organizações profissionais.

Hipótese A-5: Quanto maior for a confiança em credenciais acadêmicas para


a escolha do pessoal gerencial e funcional, tanto maior será a chance de a
organização se tornar semelhante às outras de seu campo. Os candidatos
com credenciais acadêmicas já sofreram um processo de socialização em
programas universitários e, portanto, devem ter internalizado, com mais
probabilidade que os outros, as normas dominantes e os modelos organi-
zacionais vigentes.
Hipótese A-6: Quanto mais os gestores organizacionais participarem de asso-
ciações comerciais e profissionais, mais provável será que sua organização se
assemelhará às outras organizações de seu campo. Essa hipótese se compara
à visão institucional, segundo a qual quanto mais elaboradas forem as re-
des relacionais entre as organizações e seus membros, maior será a organi-
zação coletiva do ambiente (Meyer; Rowan, 1977).

B. Indicadores de predição em nível de campo. As seis hipóteses seguintes des-


crevem os efeitos esperados das diversas características dos campos organizacio-
nais sobre a extensão do isomorfismo num campo particular. Como o efeito do
isomorfismo institucional é a homogeneização, o melhor indicador de mudança
isomórfica é a redução em variação e diversidade, que poderia ser medida por
desvios-padrões menores dos valores de indicadores selecionados num conjunto
de organizações. Os indicadores principais variariam de acordo com a natureza
do campo e os interesses do pesquisador. Em todos os casos, no entanto, espera-
se que as medidas do nível de campo afetem as organizações num campo, inde-
pendentemente da pontuação de cada organização nas medidas de nível organi-
zacional relacionadas.
Hipótese B-1: Quanto mais um campo organizacional depender de uma úni-
ca fonte (ou de várias fontes semelhantes) de fornecimento de recursos vitais,
tanto maior será o nível de isomorfismo. A centralização dos recursos den-
tro de um campo tanto causa diretamente a homogeneização, por colocar
as organizações sob pressões semelhantes dos fornecedores de recursos,
como também interage com a incerteza e a ambigüidade de metas com o
fim de aumentar o seu impacto. Essa hipótese é congruente com o argu-
mento dos ecologistas de que o número de formas organizacionais é deter-

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132  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

minado pela distribuição de recursos no ambiente e pelos termos em que


os recursos se fazem disponíveis.
Hipótese B-2: Quanto mais as organizações num campo transacionam com
órgãos do Estado, tanto maior será a extensão do isomorfismo no campo como
um todo. Essa hipótese não decorre apenas da hipótese anterior, mas de dois
elementos das transações entre o Estado e o setor privado: sua qualidade
de ser limitada por regras e racionalidade formal, e a ênfase dos atores do
governo em regras institucionais. Além disso, o governo federal estabelece,
rotineiramente, padrões industriais para um campo todo, que devem ser
adotados por todas as organizações concorrentes. John Meyer (1979) argu-
menta de forma incisiva que os aspectos de uma organização afetados pelas
transações do Estado diferem na medida em que a participação do Estado
é unitária ou fragmentada entre os diversos órgãos públicos.

A terceira e a quarta hipóteses derivam de nossa discussão sobre mudança


isomórfica resultante da incerteza e da modelagem.

Hipótese B-3: Quanto menor for o número de modelos organizacionais alter-


nativos visíveis num campo, tanto mais rápido será o ritmo de isomorfismo
nesse campo. As previsões dessa hipótese são menos específicas do que as
de outras e cobram um refinamento adicional; mas o nosso argumento é
de que para toda dimensão relevante de estratégias ou estruturas organiza-
cionais num campo organizacional haverá um nível limiar, ou um ponto de
inflexão, além do qual a adoção da forma dominante procederá com uma
velocidade cada vez maior (Granovetter, 1978; Boorman; Leavitt, 1979).
Hipótese B-4: Quanto mais incertas forem as tecnologias ou ambíguas as me­
tas, dentro de um campo, tanto maior será o ritmo de mudança isomórfica.
De uma maneira um tanto contra-intuitiva, aumentos abruptos em incerte-
za e ambigüidade deveriam, após breves períodos de experimentação ideo­
logicamente motivada, levar a uma mudança isomórfica acelerada. Como
no caso da hipótese A-4, a ambigüidade e a incerteza podem ser função
de uma definição ambiental e, em todo caso, interagir tanto com a centra-
lização de recursos (A-1, A-2, B-1 e B-2) como também com a profissio-
nalização e a estruturação (A-5, A-6, B-5 e B-6). Além disso, em campos
caracterizados por elevado grau de incerteza, os novos ingressantes, que
poderiam servir como fontes de inovação e variação, procurarão superar
as responsabilidades da novidade com a imitação de práticas estabelecidas
dentro do campo.

As duas hipóteses finais dessa seção provêm de nossa discussão sobre a sele-
ção, socialização e estruturação profissional.

Hipótese B-5: Quanto maior for o grau de profissionalização em um campo,


tanto maior será a quantidade de mudança isomórfica institucional. A pro-

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Jaula de ferro revisitada: isomorfismo institucional e racionalidade coletiva nos campos organizacionais  133

fissionalização pode ser medida pela universalidade dos requisitos creden-


ciais, pela solidez dos programas de formação em nível de pós-graduação
ou pela vitalidade das associações profissionais e comerciais.
Hipótese B-6: Quanto maior for o grau de estruturação de um campo, tanto
maior será o grau de isomorfia. Os campos que possuem centros, periferias
e hierarquias de status estáveis e amplamente reconhecidas serão mais ho-
mogêneos, tanto porque é mais rotineira a estrutura de difusão dos novos
modelos e normas, quanto porque o nível de interação entre as organiza-
ções no campo é maior. Enquanto a estruturação pode não se prestar a uma
fácil mensuração, ela poderia ser mapeada de uma forma rude com a uti-
lização de medidas conhecidas, como quocientes de concentração, estudos
de entrevistas sobre reputação ou dados sobre características de redes.

Esta exposição um tanto quanto esquemática de uma dúzia de hipóteses que


associam a extensão do isomorfismo a atributos selecionados de organizações e
de campos organizacionais não constitui uma agenda exaustiva para uma avalia-
ção empírica de nossa perspectiva. Não discutimos as não-linearidades esperadas
e os efeitos mais altos nas relações que postulamos. Também não abordamos a
questão dos indicadores que se precisa usar para medir a homogeneidade. As or-
ganizações de um certo campo podem ser altamente distintas em alguns aspectos
e, no entanto, extremamente homogêneas em outros. Enquanto suspeitamos que,
em geral, o ritmo em que os desvios-padrões dos indicadores estruturais ou com-
portamentais se aproximam de zero variará com a natureza da tecnologia e do
ambiente de um campo organizacional, não desenvolveremos essas idéias aqui.
O ponto importante desta seção é sugerir que a discussão teórica é suscetível a
testes empíricos e apresentar algumas proposições testáveis que possam guiar
análises futuras.

Implicações para a teoria social

A comparação das teorias macrossociais de orientação funcionalista ou mar-


xista com o trabalho teórico e empírico, no estudo das organizações, gera uma
conclusão paradoxal. As sociedades (ou elites), aparentemente, são espertas, en-
quanto as organizações são bobas. As sociedades compreendem instituições que
se entrosam de modo confortável, em função dos interesses da eficiência (Clark,
1962), do sistema dominante de valores (Parsons, 1951) ou, segundo a versão
marxista, dos interesses capitalistas (Domhoff, 1967; Althusser, 1969). As organi-
zações, pelo contrário, ou são anarquias (Cohen et al., 1972), ou federações com-
postas de partes frouxamente acopladas (Weick, 1976), ou agentes em busca de
autonomia (Gouldner, 1954), que operam sob restrições formidáveis como uma
racionalidade limitada (March; Simon, 1958), objetivos incertos ou contestados
(Sills, 1957) e tecnologias ambíguas (March; Cohen, 1974).

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134  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

Apesar das descobertas da pesquisa organizacional, a imagem da sociedade,


enquanto algo que consiste de instituições sólida e racionalmente acopladas, per-
meia grande parte da moderna teoria social. A administração racional pressiona
por formas não burocráticas, as escolas assumem a estrutura do local de traba-
lho, as administrações de hospitais e universidades se assemelham à adminis-
tração de empresas com fins lucrativos e a modernização da economia mundial
prossegue sem tréguas. Os weberianos apontam para a homogeneização contí-
nua das estruturas organizacionais, na medida em que a racionalidade formal da
burocracia se estende aos limites da vida organizacional contemporânea. Os fun-
cionalistas descrevem a adaptação racional da estrutura das empresas, escolas e
Estados aos valores e necessidades da sociedade moderna (Chandler, 1977; Par-
sons, 1977). Os marxistas atribuem as mudanças em organizações como órgãos
assistenciais (Piven; Cloward, 1971) e escolas (Bowles; Gintis, 1976) à lógica do
processo de acumulação.
Achamos difícil fazer a literatura atual sobre organizações corresponder a
essas visões macrossociais. Como podem estes tartamudos confusos e dados a
polêmica, que tanto ocupam as páginas dos estudos de casos e teorias organi-
zacionais, entrar em acordo para construir o edifício social elaborado e tão bem
proporcionalmente dimensionado que os macroteóricos descrevem?
A resposta convencional a esse paradoxo tem sido de que existe uma determi-
nada versão de seleção natural cujos mecanismos de seleção operam no sentido
de extirpar as formas organizacionais menos ajustadas. Como já argumentamos, é
difícil conciliar esses argumentos com a realidade organizacional. Formas organi-
zacionais menos eficientes persistem. Em alguns contextos, a eficiência ou a pro-
dutividade não pode nem mesmo ser medida. Em repartições governamentais ou
em empresas instáveis, a seleção pode ocorrer antes em bases políticas do que em
bases econômicas. Em outros contextos como, por exemplo, nos casos da Metro-
politan Opera ou da Bohemian Grove, os patrocinadores estão muito mais preocu-
pados com valores não econômicos, como a qualidade estética ou o status social,
do que com a eficiência em si. Mesmo no setor das empresas com fins lucrativos,
em que argumentos competitivos prometeriam produzir “os maiores frutos”, o tra-
balho de Nelson e Winter (Winter, 1964, 1975; Nelson; Winter, 1982) demonstra
que a mão invisível opera, na melhor das hipóteses, com apenas um leve toque.
Uma segunda abordagem para o paradoxo que identificamos vem dos mar-
xistas e dos teóricos que afirmam que elites-chave guiam e controlam o sistema
social, por intermédio de seu comando das posições cruciais nas organizações
mais importantes (por exemplo, as instituições financeiras que dominam o capi-
talismo monopolista). Nesse sentido, enquanto os atores organizacionais avan-
çam, em geral, tranqüilamente, por meio dos labirintos de procedimentos ope-
racionais padronizados, nas situações cruciais as elites capitalistas se impõem
intervindo em decisões que direcionam o curso de uma instituição por muitos
anos (Katz, 1975).

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Jaula de ferro revisitada: isomorfismo institucional e racionalidade coletiva nos campos organizacionais  135

Enquanto há evidência que sugere que este de fato é às vezes o caso – a expli­
cação de Barnouw sobre os primeiros dias da difusão radiofônica ou o trabalho
de Weinstein (1968) sobre os Progressistas são bons exemplos –, outros historia-
dores foram menos bem-sucedidos em sua procura de elites com consciência de
classe. Em casos como o desenvolvimento dos programas do New Deal (Hawley,
1966) ou a expansão da guerra do Vietnã (Halperin, 1974), parece que a classe
capitalista atuou de maneira confusa e desunida.
Além disso, sem monitoramento constante, indivíduos que perseguem inte-
resses organizacionais paroquiais ou parciais podem rapidamente desfazer o tra-
balho que até as mais previdentes elites tinham. Perrow (1976, p. 21) observou
que, apesar de recursos superiores e do poder de sanção, as elites organizacionais
são muitas vezes incapazes de maximizar suas preferências, porque “a complexi-
dade das organizações modernas torna difícil o controle”. Ademais, as organiza-
ções se tornaram cada vez mais o veículo para numerosas “gratificações, necessi-
dades e preferências, de tal maneira que diversos grupos, de dentro e de fora da
organização, procuram usá-la para fins que restringem o retorno a seus donos”.
Não rejeitamos, de pronto, os argumentos da seleção natural nem os do con-
trole da elite. As elites exercem, com efeito, influência considerável sobre a vida
moderna, e as organizações aberrantes ou ineficientes às vezes de fato morrem.
Mas sustentamos que nenhum desses processos é suficiente para explicar o quan-
to as organizações se tornaram estruturalmente mais semelhantes. Argumenta-
mos que a teoria do isomorfismo institucional pode ajudar a explicar as observa­
ções de que as organizações estão se tornando mais homogêneas e de que as
elites muitas vezes acabam prevalecendo, enquanto, ao mesmo tempo, nos permi­
te compreender a irracionalidade, a frustração do poder e a falta de inovação,
que são tão comuns na vida organizacional. Além disso, a nossa abordagem é
mais consoante com a literatura etnográfica e teórica sobre as formas de funcio-
namento das organizações do que o são a teoria funcionalista ou a teoria das eli-
tes com respeito à mudança organizacional.
Um foco no isomorfismo institucional também pode acrescentar uma pers-
pectiva muito necessária à luta política pelo poder e a sobrevivência organizacio-
nal, que está ausente em boa parte da ecologia populacional. A abordagem da
institucionalização, associada a John Meyer e a seus discípulos, postula a impor-
tância do mito e da cerimônia, mas não questiona como esses modelos emergem
e a que interesses eles inicialmente servem. Uma atenção explícita à gênese dos
modelos legitimados e à definição e elaboração dos campos organizacionais deve
responder a essa questão. O exame da difusão de estratégias e estruturas organi-
zacionais semelhantes deveria constituir um meio produtivo para avaliar a influ-
ência dos interesses das elites. Uma consideração dos processos isomórficos tam-
bém nos leva a uma visão bifocal do poder e sua aplicação na política moderna.
Na medida em que a mudança organizacional é algo não planejado e em grande
parte acontece sem o conhecimento dos grupos que desejariam influenciá-la, nos-

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136  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

sa atenção deve se voltar para duas formas de poder. A primeira, como assina-
laram, alguns anos atrás, March e Simon (1958) e Simon (1957), é o poder de
es­ta­belecer premissas, de definir as normas e padrões que moldam e canalizam
o comportamento. A segunda é o ponto de intervenção crítica (Domhoff, 1979)
em que as elites podem definir modelos apropriados de estrutura e política or-
ganizacionais, que ficam então sem questionamento pelos anos vindouros (veja
Katz, 1975). Essa visão está em consonância com alguns dos melhores trabalhos
recentes sobre poder (veja Lukes, 1974); pesquisas sobre a estruturação de cam-
pos organizacionais e sobre processos isomórficos podem ajudar a dar-lhe um
conteúdo mais empírico.
Por fim, uma teoria mais desenvolvida sobre o isomorfismo organizacional
pode ter implicações importantes para a política social nos campos em que o Es-
tado trabalha por intermédio de organizações privadas. Na medida em que o plu-
ralismo é um valor que orienta as deliberações de política pública, precisamos
descobrir novas formas de coordenação intersetorial que antes estimulem a diver-
sificação do que acelerem a homogeneização. Uma compreensão da maneira pela
qual os campos se tornam mais homogêneos evitaria que os formuladores e ana-
listas de políticas confundissem o desaparecimento de uma forma organizacional
com sua falência substantiva. Os esforços atuais para estimular a diversidade ten-
dem a ser conduzidos num vazio organizacional. Os formuladores de políticas in-
teressados no pluralismo deveriam considerar o impacto de seus programas sobre
a estrutura dos campos organizacionais em sua totalidade e não apenas sobre os
programas das organizações individuais.
Acreditamos que há muito a ganhar quando se presta atenção à similarida-
de como também à variação entre as organizações e, em particular, à mudança
no grau de homogeneidade ou variação ao longo do tempo. Nossa abordagem
procura estudar a mudança incremental como também a seleção. Levamos a sé-
rio as observações dos teóricos organizacionais sobre o papel da mudança, da
ambigüidade e da restrição e apontamos as implicações dessas características
organizacionais para a estrutura social como um todo. Os focos e as forças moti-
vadoras da burocratização (e, mais amplamente, da homogeneização em geral)
se transformaram, como argumentamos, desde o tempo de Weber. Mas a impor-
tância de compreender as tendências para as quais ele chamou a atenção nunca
foi tão imediata.

Notas

Uma versão preliminar deste artigo foi submetida por Powell para a sessão
da American Sociological Association, em agosto de 1981, em Toronto. Fomos mui-
to beneficiados com os comentários dos seguintes autores sobre as versões ini-
ciais deste artigo: Dan Chambliss, Randall Collins, Lewis Coser, Rebecca Friedkin,
Connie Gersick, Albert Hunter, Rosabeth Moss Kanter, Charles E. Lindblom, John

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Jaula de ferro revisitada: isomorfismo institucional e racionalidade coletiva nos campos organizacionais  137

Meyer, David Morgan, Susan Olzak, Charles Perrow, Richard Peterson, Arthur
Stinchcombe, Blair Wheaton e dois revisores anônimos da ASR. Por questão de
conveniência, os nomes dos autores estão listados em ordem alfabética. Esse foi
um esforço inteiramente colaborativo.

1
  Por conectividade entendemos a existência de transações que vinculam as orga­ni­
zações umas às outras: essas transações poderiam incluir relações contratuais for-
mais, participação de pessoal em empresas comuns, como associações profissio-
nais, sindicatos de trabalhadores ou conselhos de diretores, ou vínculos em nível
organizacional informal, como fluxos de pessoal. Um conjunto de organizações
que estão fortemente conectadas umas às outras e apenas fracamente conecta-
das a outras organizações constituem uma clique. Por equivalência estrutural nos
referimos à similaridade de posição numa estrutura de rede: por exemplo, duas
organizações são estruturalmente equivalentes se possuem vínculos de mesmo
tipo com o mesmo conjunto de outras organizações, mesmo que elas próprias não
estejam conectadas entre si: nesse caso, a estrutura-chave é o papel ou bloco.
2 
Por mudança organizacional queremos dizer mudança na estrutura formal, na
cultura organizacional e nos objetivos, programa ou missão. A mudança organiza­
cional varia em sua correspondência a condições técnicas. Neste artigo, estamos
interessados, acima de tudo, nos processos que afetam as organizações num de-
terminado campo: na maioria dos casos, essas organizações empregam bases téc-
nicas semelhantes; assim, não tentaremos destacar a importância relativa das for-
mas tecnicamente funcionais versus outras formas. Embora venhamos a mencionar
diversos exemplos de mudança organizacional à medida que avançamos, nosso
propósito aqui é antes identificar uma classe ampla de processos organizacionais,
que são relevantes a uma ampla gama de problemas substantivos, do que identifi-
car de modo determinístico as causas de arranjos organizacionais específicos.
Knoke (1982, p. 1337), numa análise de um evento histórico sobre a amplia-
3 

ção da reforma municipal, refuta as explicações convencionais de colisão cultural


ou expansão hierárquica e encontra apenas um apoio modesto para a teoria da
modernização. Sua principal descoberta é que as diferenças regionais na adoção
da reforma municipal provêm, não de diferenças sociais de composição, “mas de
algum tipo de imitação ou de efeitos contagiosos representados pelo nível das ci-
dades vizinhas na região que antes adotavam um governo de reforma”.
Uma ampla gama de fatores – comprometimentos interorganizacionais, patrocí­
4 

nio da elite e apoio governamental na forma de contratos abertos, subsídios, bar-


reiras tarifárias e quotas de importação, ou leis tributárias favoráveis – reduz as
pressões da seleção, mesmo em campos organizacionais competitivos. Um merca-
do protegido, expansível ou estável, também pode mitigar as forças de seleção.
5
  Diferentemente de Hannan e Freeman, enfatizamos a adaptação, mas não esta­
mos sugerindo que as ações dos gestores são necessariamente estratégicas no
sentido do longo prazo. De fato, duas das três formas de isomorfismo descritas

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138  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

abaixo – o mimético e o normativo – envolvem antes comportamentos gerenciais


apoiados em pressupostos tidos como certos e inquestionáveis do que escolhas
conscientemente estratégicas. Em geral, questionamos a utilidade de argumentos
sobre as motivações dos atores que sugerem uma polaridade entre o racional e
o não racional. O comportamento orientado por objetivos pode ser reflexivo ou
pré-racional, no sentido de que reflete predisposições, roteiros, classificações ou
esquemas profundamente arraigados: e o comportamento orientado a uma meta
pode ser reforçado, sem contribuir para a realização dessa meta. Enquanto a mu-
dança isomórfica pode com freqüência ser mediada pelos desejos dos gestores
de aumentar a eficácia de suas organizações, estamos mais preocupados com o
menu de alternativas possíveis consideradas pelos gestores do que com seus mo-
tivos para escolher certas opções particulares. Em outras palavras, reconhecemos
de maneira franca que os entendimentos que os autores têm de seus próprios
comportamentos são interpretáveis em termos racionais. A teoria do isomorfismo
trata não dos estados psicológicos dos atores, mas dos determinantes estruturais
da gama de escolhas que eles percebem como racionais ou prudentes.
Carroll e Delacroix (1982) reconhecem isso claramente e incluem a legitimida-
6 

de política e institucional como um recurso fundamental. Aldrich (1979) argu-


mentou que a perspectiva de população deve dar atenção às tendências e mudan-
ças históricas nas instituições legais e políticas.
7 
Esse ponto foi sugerido por John Meyer.
8
  Tradução livre da expressão problemistic search. Esse termo provém do traba-
lho de Cyert e March (1963, p. 79) e significa o processo de procura ou pesquisa
estimulado por um problema específico e voltado a encontrar a solução para esse
problema. (N.R.)

Nota da Redação

Artigo traduzido e publicado sob o título: “A gaiola de ferro revisitada: iso-


morfismo institucional e racionalidade coletiva nos campos organizacionais”, na
RAE – revista de administração de empresas, v. 45, n. 2, p. 74-89, abr./jun. 2005.

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Parte III
O Paradigma Funcionalista
no Final do Século XX

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7
Ecologistas e economistas organizacionais:
o paradigma funcionalista em expansão
no final do século xx*

Miguel P. Caldas
Miguel Pina e Cunha

Introdução

No primeiro módulo deste livro, foram apresentados os chamados “paradig-


mas hegemônicos” em análise organizacional e discutida a utilidade de análises
usando múltiplos paradigmas. No segundo módulo, foi iniciada a exploração do
paradigma funcionalista, primeiro mostrando como esse paradigma internamen-
te se expandira em múltiplas perspectivas teóricas concorrentes, variando em
nível de análise e em nível determinista versus voluntarista, e segundo com a dis-
cussão de um texto essencial do neo-institucionalismo. Neste terceiro módulo, o
objetivo é trazer, aos leitores ainda não familiarizados com tais teorias e textos,
dois artigos de duas outras perspectivas funcionalistas: a ecologia populacional e
as teorias econômicas da organização, com ênfase na teoria da agência.
De forma geral, apesar de teoricamente muito distintas, essas duas teorias
têm diversos pontos em comum para o propósito desta série. Primeiro, das teorias
de perspectiva funcionalista, foram elas as que tiveram menor difusão e impacto
no Brasil, apesar da legião de seguidores que possuem em outros países. Segun-
do, ambas questionam posições centrais das teorias funcionalistas mais difundi-
das no Brasil – como a teoria da contingência e a teoria neo-institucional –, e nes-
se sentido podem oferecer importantes contribuições a teóricos de tal orientação
no Brasil, por oferecer contrapontos essenciais às suas habituais posições teóri-
cas, o que pode vir a enriquecê-las. E terceiro, elas expandem as possibilidades de
pesquisa a objetos e dimensões de análise que, mesmo no âmbito do funcionalis-

*  Artigo originalmente publicado na RAE – revista de administração de empresas, v. 45, n. 3, p. 65-69,


jul./set. 2005.

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146  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

mo organizacional, de fato não conseguem tratamento adequado sob uma pers-


pectiva contingencialista ou neo-institucional. Discutiremos essas contribuições e
perspectivas a seguir, ao apresentarmos os dois textos que constam neste número
e as teorias funcionalistas que representam na série.

Ecologia organizacional, árvores e florestas

O texto de Hannan e Freeman, do presente módulo, foi o trabalho que apre-


sentou essa influente perspectiva teórica no campo da teoria organizacional no
final da década de 1970, e que a partir de então provocou um intenso debate – e
co-desenvolvimento – de teóricos contingencialistas e neo-institucionais.
A lógica da ecologia organizacional fica evidente numa questão colocada por
Michael T. Hannan e John Freeman no artigo “The population ecology of orga-
nizations” (1977): por que existem tantos tipos de organizações? A pergunta é
eco de um outro texto, publicado em 1959 na revista American Naturalist: por
que existem tantos tipos de animais? A partir de 1977 a ecologia organizacional
suscitou um debate intenso e contínuo, e garantiu um lugar de relevo na teoria
organizacional contemporânea. As suas poderosas idéias de base, sumariamente
discutidas a seguir, e um sofisticado aparato matemático transformaram a teoria
num dos paradigmas centrais da sociologia organizacional contemporânea, si-
multaneamente à abordagem das redes e à teoria institucionalista.
Para responder à pergunta anterior – “por que existem tantos tipos de organi­
zações?” – Hannan e Freeman propuseram que o debate sobre as organizações
fosse provido com duas novidades importantes. A primeira é a adoção de um ní-
vel de análise transorganizacional, no qual o objeto são as populações (grupos
de organizações sensíveis às mesmas oportunidades e ameaças ambientais) e não
mais as organizações singulares. A segunda é a apropriação, pela teoria das orga-
nizações, de uma perspectiva de estudo inspirada na ecologia, da qual conserva
a concepção da mudança como fenômeno longitudinal que atua sobre as popu-
lações por via de processos de variação, seleção e retenção. Quanto maior e mais
numerosa a heterogeneidade das variações, mais ricas as oportunidades de ino-
vação. Algumas dessas inovações – as mais favoráveis do ponto de vista de ajuste
ao ambiente – são selecionadas positivamente. As formas selecionadas são reti-
das, isto é, preservadas na população. O processo continua ao longo do tempo,
sendo possível prever o surgimento futuro de alguma variação mais favorável do
que a atualmente retida, num processo de relativo aprimoramento.
Essas duas novidades permitiram tecer uma visão original e agregada da
mudança organizacional. A visão ecológica adota uma posição darwiniana, rejei-
tando os princípios estabelecidos na maioria das abordagens anteriores, que se
apóiam, sem críticas, na possibilidade de a mudança organizacional ocorrer sem-
pre que for necessária. A teoria ecológica defende que a mudança, embora possí-

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Ecologistas e economistas organizacionais: o paradigma funcionalista em expansão no final do século XX  147

vel ao nível das organizações, é um fenômeno eminentemente populacional. Em


vez da adaptação contínua operada sobre organismos individuais pelos seus ges-
tores, a mudança incidiria fundamentalmente sobre populações de organizações.
Essa visão supra-organizacional da mudança reposiciona o papel dos gestores,
expondo as limitações da sua ação. Por isso a teoria ecológica foi considerada por
Donaldson (1995) como “anti-management”.
E, afinal, por que existem tantos tipos de organizações? Porque a evolução
organizacional é um processo dinâmico, sujeito a constantes mudanças. Com o
passar do tempo, novas organizações são criadas e outras são levadas à falên-
cia. Assim, em vez da adaptação, a mudança ocorre por ação de um mecanis-
mo distinto. As organizações mais ajustadas sobrevivem, ao passo que as formas
não ajustadas são eliminadas. Esse mecanismo de evolução por seleção cria uma
enorme diversidade organizacional e ajuda a explicar a existência de diferentes
configurações organizacionais em diferentes épocas.
Um argumento importante para o projeto teórico de Hannan e Freeman é
fornecido pelo conceito de inércia estrutural, entendido como a incapacidade das
organizações de mudarem tão rapidamente quanto o ambiente (Hannan; Free-
man, 1984). Nos seus termos, por razões de inércia as organizações enfrentam
sérias dificuldades quando procuram mudar suas estruturas. As fontes de inércia
que contrariam o desejo de mudança podem ser internas (por exemplo, custos
econômicos, normativos, informacionais e políticos) e externas (por exemplo,
barreiras legais e fiscais, grau de disponibilidade da informação, nível de legitimi­
da­de organizacional e racionalidade coletiva). Todavia, a inércia não deve ser ne­
cessariamente entendida como um obstáculo ao sucesso, pois permite alcançar
níveis elevados de reprodutibilidade, tida como fundamental para a sobrevivên-
cia porque resulta da aplicação repetida de uma receita anteriormente testada
com sucesso.
Como as organizações com níveis mais elevados de reprodutibilidade são
também as mais inertes, a repetição de boas práticas tende a enraizá-las e a difi-
cultar a respectiva revisão. A inércia é vista como um mecanismo facilitador da
sobrevivência, o que contraria a idéia de que a flexibilidade e a leveza estrutural
funcionam como argumentos competitivos favoráveis. A verdade é que as gran-
des organizações, em regra submetidas a fortes pressões de inércia, manifestam
capacidade de sobrevivência por longos períodos, apesar de serem freqüente-
mente burocráticas, pesadas e pouco flexíveis.
Apoiando-se na idéia de que as organizações competem por recursos escas-
sos à sobrevivência, a teoria ecológica sugere que os limites ao crescimento das
populações organizacionais são ditados pela capacidade de manutenção dos ni-
chos ecológicos em que essas populações se inserem. Presumindo que cada nicho
compreende as suas próprias especificidades, essa abordagem indica que não há
uma forma estrutural melhor, comportando cada nicho uma aproximação estra-
tégica adequada.

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148  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

Tendo em vista que a diversidade é uma das bases da evolução biológica,


numa mesma população podem coexistir várias formas organizacionais (Miles;
Snow, 1978), cada uma delas procurando usar estratégias diferentes dos seus
competidores. No entanto, é de prever que um determinado formato organiza-
cional domine a população até o ponto em que alguma mudança no ambiente fa-
voreça a dominação de outras formas, anteriormente mais escassas porque eram
menos ajustadas. Essa perspectiva parece congruente tanto com os resultados
empíricos obtidos no domínio da teoria da configuração de Miles e Snow (por
exemplo, Doty et al., 1993) como com as abordagens do equilíbrio pontuado
(punctuated equilibrium) de Gersick (1991).
Em resumo, a ecologia organizacional mudou o foco de atenção das árvores –
as organizações individualmente consideradas – para a floresta – as populações
organizacionais. Embora o terreno tenha sido lavrado por um conjunto de pre-
cursores, o texto de Hannan e Freeman inaugura a ecologia organizacional como
veio central da teoria organizacional contemporânea. O desenvolvimento pleno
da abordagem pode ser encontrado no livro Organizational ecology, de 1993. De
1977 aos nossos dias, o movimento ecologista organizacional tem acumulado
pesquisas e adeptos.
Em terra brasiliensis, ou mesmo luso-brasileiras, nas duas últimas décadas
não tem havido muitas pesquisas e debates que utilizem a ecologia populacional
como explanans (explicação). No Brasil, Fischman (1972) explorou a utilização
da ecologia para a compreensão das dinâmicas organizacionais antes da publica-
ção do texto fundador de Hannan e Freeman; Cunha (1993) analisou a comple-
mentaridade entre as teorias ecológica e da dependência de recursos, de Pfeffer
e Salancik (1978); Mata e Portugal (2000) testaram empiricamente argumentos
ecológicos; Carvalho (2002) enfocou cuidadosa e competentemente o debate en-
tre as perspectivas da seleção e adaptação. Finalmente, e a título de curiosidade,
o primeiro esboço de Hannan e Freeman no sentido da criação de uma teoria eco-
lógica das organizações – um documento com interesse para os pesquisadores da
área – foi publicado retrospectivamente numa revista portuguesa, Comportamen-
to Organizacional e Gestão (Hannan; Freeman, 1997).
As poucas publicações existentes não tiveram a atenção merecida nem pro-
vocaram os intensos debates com contingencialistas mais tradicionalistas, como
ocorreu noutros países. O lado negativo é que no Brasil a crítica ao simplismo
contingencialista ainda não se fez ouvir, e, com isso, nosso campo – de ampla
maioria de inspiração contingencial – ainda persiste em diversas limitações dessa
teoria que desde o início dos anos 1980 têm sofrido resistência e aperfeiçoamen-
to em outros países. Ter tais limitações em mente, derivadas mas não dependen-
tes de um olhar que os ecologistas nos legaram, só pode beneficiar a pesquisa no
Brasil, mesmo que o pesquisador não compartilhe das preocupações, interesses e
visões dos ecologistas.

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Ecologistas e economistas organizacionais: o paradigma funcionalista em expansão no final do século XX  149

A primeira dessas deficiências, segundo os ecologistas, é que:

o determinismo contingencialista era simplista em superestimar a capacida­


de de as organizações perceberem, reagirem e responderem a ditames am-
bientais, e subestimava forças ambientais aleatórias e de longo prazo que
tornariam a ação do administrador muito menos significativa para a sobre-
vivência organizacional do que faziam crer os contingencialistas (Caldas;
Fachin, 2005, p. 47).

Outra limitação da literatura funcionalista nacional de viés contingencialista


é o foco excessivo no âmbito organizacional, em vez do foco complementar no
âmbito da indústria ou de “populações organizacionais”. A teoria da ecologia, ao
sugerir que não são as “organizações” que se adaptam ou não a seus ambientes,
mas as “populações organizacionais” que têm ou não tal adaptação, abrem um
vasto campo de pesquisa ainda subexplorado no Brasil, qual seja, a investigação
das relações interorganizacionais e do impacto de tais relações em organizações
individuais. Assim, mesmo não seguindo ditames da ecologia populacional, auto­
res nacionais poderiam focar mais o nível populacional e, com isso, expandir o
estudo de redes organizacionais e indústrias, por exemplo. A incipiente vertente
que no Brasil tem estudado redes organizacionais, com ramificações importantes
que vão desde a UFBA até a UFRGS e a UFMG, são exemplos da riqueza desse
veio de pesquisa que “sobe um nível de análise”, enriquecendo o campo.
Outro direcionamento potencial de pesquisa no Brasil a partir da crítica dos
ecologistas a deficiências do contingencialismo clássico deriva da superação do
pressuposto de que a organização pode e deve se adaptar a mudanças ambien-
tais, e que tal esforço deve necessariamente aumentar seu desempenho. De fato,
o contingencialismo clássico adotado na maioria das pesquisas em organização
no Brasil tem certo viés lamarckista, se considerada a abordagem darwinista da
ecologia populacional e a sua crítica ácida do contingencialismo. Segundo os eco-
logistas, nem as organizações nem as populações se adaptam aos seus ambien-
tes, mas elas já estão adaptadas ou não a variações ambientais aleatórias quando
estas ocorrem. Isso tem implicações essenciais para a análise organizacional no
Brasil, especialmente aquela que enfoca estratégia e mudança organizacional,
pois questiona a probabilidade e efetividade da ação adaptativa da organização
e do administrador, levanta ainda dúvidas sobre a linearidade entre essas ações
e variações de performance, e dá forte sustentação ao comportamento inercial e
inerte dentro das organizações.
E, por fim, a pesquisa funcionalista no Brasil poderia se beneficiar da orienta-
ção longitudinal que os ecologistas deram à metodologia em análise organizacio-
nal. Muitos de nós poderíamos aproveitar agendas de pesquisa que enfocassem
cortes longitudinais de longo prazo, em vez de se concentrar apenas em alguns
representantes esparsos e em um corte transversal de tempo.

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150  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

Economistas nas organizações: a volta dos teóricos da firma e a


teoria da agência

O segundo texto desse módulo enfoca as teorias econômicas das organiza-


ções, embora as ilustre com um texto clássico de apenas uma dessas perspecti-
vas, denominada “teoria da agência”. Desde o final da década de 1960 e início da
década de 1970, muitas perspectivas teóricas, até certo ponto concorrentes, têm
povoado o espectro funcionalista dedicado aos economistas organizacionais. Em-
bora quase todos eles tenham como ponto de origem os trabalhos clássicos de au-
tores como Schumpeter ou Coase, por um lado, e novas perspectivas em econo-
mia de empresas, por outro, a verdade é que diversas subdivisões foram criadas e
popularizadas, criando territórios quase tão bem definidos quanto variados. Uma
ótima fonte para acompanhar as origens e evolução dessa perspectiva teórica na
teoria organizacional é a nota técnica de Paulo Lawislak (2004) e o correspon-
dente capítulo no terceiro volume do Handbook de estudos organizacionais.
Em praticamente todo o mundo as teorias econômicas das organizações têm
sido incorporadas ao chamado mainstream da pesquisa de orientação funcionalis-
ta. É curioso como no Brasil sua utilização parece mais restrita à área de finanças,
tendo sido apenas raramente discutida no âmbito de estudos organizacionais,
a despeito de seu grande potencial de contribuição (por exemplo, Goldbaum,
1998; Furlanetto; Zawislak, 2000; Arbage, 2003).
Para não repetir as competentes e mais aprofundadas revisões das teorias
econômicas das organizações, o que basta dizer aqui é que muitas subdivisões
das chamadas teorias organizacionais econômicas existem hoje em dia, e que, das
principais derivações, o artigo incluído nesse número da série representa a teoria
da agência, a menos difundida no campo no Brasil.
Talvez a mais conhecida dessas subdivisões seja a de “custos de transação”,
juntamente com o seu mais proeminente autor, Oliver Williamson (1985). Um
herdeiro das tradições da teoria da firma, Williamson e a teoria dos custos de
transação foram fundamentais à repopularização do campo para economistas or-
ganizacionais, desde que Williamson teve um capítulo dedicado ao tema de eco-
nomia organizacional no Handbook de estudos organizacionais, editado por March
há mais de 40 anos. A série “RAE-Clássicos” poderia ter incluído um dos textos
de Williamson. No entanto, a verdade é que, dentre as teorias econômicas das
organizações, a perspectiva dos custos de transação é provavelmente a que teve
maior difusão no Brasil até o momento. Algo semelhante se pode dizer das outras
duas abordagens mais conhecidas desse grupo, a teoria de recursos (por exem-
plo, Schumpeter, 1951; Nelson; Winter, 1982) e a teoria econômica institucional
(por exemplo, North, 1991; Williamson, 2000), que têm sido mais utilizadas no
Brasil, especialmente no campo de estratégia empresarial. Diversos textos pode-
riam ter sido incluídos nessas perspectivas, que, apesar de mais divulgadas, estão
longe de ter recebido a devida atenção. Como o espírito desta série é apresentar

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Ecologistas e economistas organizacionais: o paradigma funcionalista em expansão no final do século XX  151

textos e teorias que por falta de tradução são ainda desconhecidos de boa parte
da comunidade, apesar de poderem ser aplicados em diversas subáreas do cam-
po, decidimos publicar o texto de Alchian e Demsetz, de 1972, um dos clássicos
sobre a “teoria da agência”.
Essa teoria é, em boa parte, inspirada nos trabalhos pioneiros de Coase
(1937), que visualiza a firma como um arranjo de contratos. A contribuição de
Alchian e Demsetz foi sugerir que a gestão das organizações iria se dar não pela
via da autoridade, mas por contratos que regulariam trocas voluntárias e permi-
tiriam a supervisão das atividades dos administradores e da firma por acionistas
que nela não têm envolvimento direto. A teoria da agência nasce desses trabalhos
pioneiros que discutem a existência, o funcionamento e a dinâmica das relações
contratuais (ou “relação de agência”) que se estabelecem entre um principal (um
acionista) e seus agentes (administradores), a quem delegam decisões em troca
da defesa de seus interesses. No âmago dessa relação, que se justifica pela sepa-
ração entre a propriedade da firma e sua gestão, estão os “conflitos de agência”.
O agente pode, por múltiplas circunstâncias e motivos, agir em causa própria e
contrariamente ao interesse do principal. Dentro desse quadro, o que boa parte
da teoria da agência desenvolveu nos últimos 30 anos foi o estudo dos conflitos,
distorções, imperfeições e desenvolvimento de tais relações entre agentes e prin-
cipais, bem como a expansão do conceito para outros atores e públicos ao redor
da organização.
Diferentemente de outras subcorrentes ditas “mais estratégicas” (Zawislak,
2004) das teorias econômicas das organizações, a teoria da agência tem múlti-
plas aplicações e possibilidades de interação com diversos objetos e interesses de
pesquisa em países como o Brasil. De fato, a contribuição da teoria da agência
ao campo é significativa e multifacetada. Ela pode auxiliar no entendimento da
natureza política e menos do que racional dos atores dentro das organizações.
Exemplos seriam os comportamentos menos do que nobres que certos adminis-
tradores podem desenvolver para o gerenciamento da impressão de desempenho,
objetivando maximizar bonificações de curto prazo em detrimento da saúde or-
ganizacional a médio e longo prazo. Conseqüentemente pode ser útil no entendi-
mento da dinâmica organizacional que condiciona e gera escândalos financeiros
tão comuns hoje em dia, especialmente no relacionamento entre o comportamen-
to de administradores e os interesses de acionistas. Ela também pode oferecer
subsídios à compreensão da complexa dinâmica de interesses e de mecanismos
de proteção a investidores que derivam de tentativas de administradores e acio-
nistas majoritários de frustrar expectativas e interesses de minoritários. Nesse
sentido, ela pode ser essencial para o fortalecimento do campo de pesquisa em
governança corporativa.
Dessa forma, não faltam possibilidades de pesquisa. O que parece faltar é
o conhecimento do modelo em diversas subáreas do campo da Administração,
como a de Estudos Organizacionais, e a falta de diálogo entre as áreas que o uti-

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152  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

lizam mais extensivamente no país, como a área de Finanças. Esperamos que a


introdução ao tema que estes textos da série “RAE-Clássicos – Teoria das Organi-
zações” oferece possa ser mais um veículo desse diálogo e das múltiplas potencia-
lidades que parece prometer.

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8
Ecologia de população das organizações*

Michael T. Hannan
John Freeman

Introdução

A análise dos efeitos do ambiente sobre a estrutura organizacional assumiu,


nos últimos anos, uma posição central na teoria e no estudo das organizações. Essa
mudança abriu um grande número de possibilidades instigantes e promissoras. Até
agora, porém, nada aconteceu que corresponda de perto à plena satisfação do que
prometeu a mudança. Acreditamos que a falta de desenvolvimento se deve, em
parte, ao fato de que não se conseguiu aplicar modelos ecológicos de modo efetivo
às questões que são proeminentemente ecológicas. Argumentamos aqui em favor
de uma reformulação do problema em termos de uma ecologia populacional.1
Embora exista uma ampla variedade de perspectivas ecológicas, todas elas
põem o foco sobre a seleção. Isto é, elas atribuem padrões existentes na natureza
à ação dos processos de seleção. A maior parte da literatura sobre organizações
subscreve uma visão diferente, que chamamos de perspectiva da adaptação.2 De
acordo com a perspectiva da adaptação, as subunidades da organização – geral-
mente os executivos ou as coalizões dominantes – sondam o ambiente relevante
em busca de oportunidades e ameaças, formulam respostas estratégicas e ajus-
tam a estrutura organizacional ao modo que lhes convém.

*  Artigo originalmente publicado sob o título “The population ecology of organizations”, por Mi-
chael T. Hannan e John Freeman, em The American Journal of Sociology, v. 82, n. 5, p. 929-964,
1977, com a autorização de The University of Chicago Press. © The University of Chicago Press,
<www.journals.uchicago.edu/AJS/>.

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Ecologia de população das organizações  155

Vê-se a perspectiva da adaptação com máxima clareza na literatura sobre ges-


tão. Seus defensores presumem, em geral, uma hierarquia de autoridade e con-
trole que coloca as decisões relativas a toda a organização em seu topo. Segue-
se, então, que as organizações são afetadas por seus ambientes de acordo com as
formas em que os executivos ou líderes formulam estratégias, tomam decisões e
as implementam. Os executivos particularmente bem-sucedidos são capazes tanto
de proteger suas organizações contra perturbações ambientais como de organizar
ajustamentos leves que cobram perturbação mínima da estrutura organizacional.
Uma perspectiva semelhante, mas freqüentemente manifestada de forma di-
ferente, domina a literatura sociológica sobre o assunto. Ela exerce um papel
central sobre a análise funcional das relações entre organização e ambiente, se-
gundo Parsons (1956), e se encontra na tradição mais estritamente weberiana
(veja Selznick, 1957). É interessante observar que, enquanto os funcionalistas
se interessavam pelos efeitos do sistema e apoiavam boa parte da lógica de sua
abordagem em imperativos de sobrevivência, eles não lidavam com fenômenos
de seleção. Esta é, provavelmente, uma reação à teoria da organização que refle-
te o darwinismo social.
Os teóricos das trocas também abraçaram a perspectiva da adaptação (­Levine;
White, 1961). E é natural que as teorias que enfatizam a tomada de decisão as-
sumam a visão da adaptação (March; Simon, 1958; Cyert; March, 1963). Mesmo
a celebrada união promovida por Thompson (1967) entre o pensamento dos sis-
temas abertos e o dos sistemas fechados adotou a perspectiva da adaptação de
modo explícito (veja, em particular, a segunda parte do livro de Thompson).
De maneira clara, os líderes das organizações de fato formulam estratégias
e as organizações de fato se adaptam a contingências ambientais. Conseqüente-
mente, pelo menos uma parte da relação entre estrutura e meio-ambiente deve
refletir um comportamento ou aprendizagem de adaptação. Contudo, não há ra-
zão para se supor que a grande variabilidade estrutural entre as organizações re-
flita, até mesmo de forma elementar, uma adaptação.
Existem muitas limitações óbvias à capacidade de adaptação das organiza-
ções; ou seja, há muitos processos que geram inércia estrutural. Quanto mais for-
tes forem as pressões, mais baixa será a flexibilidade para a adaptação das orga-
nizações e maior será a probabilidade lógica de que a seleção ambiental se faça
valer. Por conseqüência, a questão da inércia estrutural se torna central para a
escolha entre os modelos de adaptação e de seleção.
A possibilidade de que a estrutura organizacional contenha um grande com-
ponente inercial foi sugerida por Burns e Stalker (1961) e Stinchcombe (1965).
Entretanto, em termos gerais, o assunto foi ignorado. E, no entanto, muitas pro-
posições relevantes podem ser encontradas na literatura organizacional.
As pressões inerciais surgem tanto dos arranjos estruturais internos quanto
das restrições ambientais. Segue-se uma lista mínima de restrições que se deve a
considerações internas:

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156  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

1. Os investimentos da organização em instalações, equipamentos e pes-


soal especializado constituem recursos que não são facilmente trans-
feríveis a outras tarefas ou funções. A maneira pela qual estes “custos
enterrados” restringem as opções de adaptação são tão óbvias que não
se precisa discutir mais.
2. Os tomadores de decisão organizacionais também enfrentam restrições
em relação às informações que recebem. Muito do que sabemos sobre o
fluxo de informação através das estruturas organizacionais nos garante
que os líderes não chegam sequer perto de obter as informações com-
pletas sobre as atividades que acontecem dentro da organização e sobre
as contingências ambientais que as subunidades enfrentam.
3. As restrições políticas internas são ainda mais importantes. Quando as
organizações alteram suas estruturas, o equilíbrio político é perturbado.
Tão logo se estabelece o pool de recursos, quase sempre a mudança es-
trutural envolve a redistribuição dos recursos através das subunidades.
Esta redistribuição desconcerta o sistema vigente de intercâmbio entre
as subunidades (ou os líderes das subunidades). Assim, pelo menos al-
gumas delas irão resistir a toda e qualquer proposta de reorganização.
Além disso, os benefícios da reorganização estrutural possivelmente se-
rão ao mesmo tempo gerais (concebidos ou projetados para beneficiar
a organização como um todo) e de longo prazo. Toda resposta política
negativa tenderá a gerar custos de curto prazo tão elevados que os líde-
res organizacionais tenderão logo a abrir mão da reorganização plane-
jada (para uma discussão mais ampla a respeito das formas pelas quais
a economia política interna das organizações impede a mudança ou
adaptação, veja Downs (1967) e Zald (1970)).
4. Finalmente, as organizações enfrentam restrições geradas por sua pró-
pria história. Logo que os padrões de procedimento e a distribuição de
tarefas e de autoridade se tornam objeto de acordo normativo, os cus-
tos da mudança aumentam enormemente. Os acordos normativos res-
tringem a adaptação pelo menos de duas maneiras. Em primeiro lugar,
eles fornecem uma justificativa e um princípio organizativo para aque-
les que desejam resistir à reorganização (isto é, eles podem resistir em
termos de um princípio compartilhado). Em segundo lugar, os acordos
normativos impedem a consideração séria de um grande número de
respostas alternativas. Por exemplo, poucas universidades voltadas à
pesquisa consideram seriamente se adaptar à queda das matrículas com
o sacrifício da função de ensino. Entreter essa opção significaria desa-
fiar as normas centrais da organização.3

As pressões externas pela inércia parecem ter, pelo menos, a mesma força.
Elas incluem pelo menos os seguintes fatores:

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Ecologia de população das organizações  157

1. As barreiras legais e fiscais para entrar e sair dos mercados (definidos
em termos amplos) são numerosas. As discussões sobre o comportamen­
to organizacional enfatizam, de modo característico, as barreiras à en-
trada (por exemplo, as posições de monopólio autorizadas pelo Estado).
As barreiras de saída são igualmente interessantes. Existe um número
crescente de casos em que as decisões políticas impedem as empresas
de abandonar certas atividades. Todas essas restrições à entrada e à saí­
da limitam a amplitude das possibilidades de adaptação.
2. As restrições internas sobre a disponibilidade de informações são com-
paráveis às restrições externas. A obtenção de informações sobre am-
bientes relevantes é cara, particularmente em situações turbulentas
onde elas são absolutamente essenciais. Além disso, o tipo de especia-
listas empregados pela organização restringe ao mesmo tempo a natu-
reza das informações a serem provavelmente obtidas (veja Granovet-
ter, 1973) e o tipo de informação especializada que se pode processar
e utilizar.
3. As restrições de legitimidade também emanam do ambiente. Toda ­forma
de legitimidade que uma organização for capaz de gerar constitui um
trunfo para manipular o ambiente. Na medida em que a adaptação (por
exemplo, pela eliminação do ensino de graduação em universidades
públicas) viola os reclamos de legitimidade, ela incorre em custos con-
sideráveis. Portanto, as considerações de legitimidade externa também
tendem a restringir a adaptação.
4. Finalmente, há o problema da racionalidade coletiva. Um dos temas
mais difíceis na teoria econômica contemporânea diz respeito ao equilí­
brio geral. Se for possível encontrar uma estratégia ótima para um com-
prador ou um vendedor individual, num mercado competitivo, não se
conclui que há, necessariamente, um equilíbrio geral logo que todos os
jogadores começam a exercer o intercâmbio comercial. De um modo
mais geral, é difícil dizer que uma estratégia que é racional para um
tomador de decisão singular será também racional se for adotada por
um grande número de tomadores de decisão. Muitas soluções para esse
problema foram propostas na teoria do mercado competitivo, mas des-
conhecemos qualquer tratamento para as organizações de um modo
geral. Antes que este tratamento seja claro, não devemos presumir que
um curso de ação que se ajusta a uma organização singular que enfren-
ta um ambiente instável também se ajuste a muitas organizações con-
correntes que adotam estratégia semelhante.

Muitas dessas pressões inerciais podem ser acomodadas dentro da estrutura


de adaptação, isto é, pode-se modificar e limitar a perspectiva, a fim de se leva-
rem em conta escolhas dentro do conjunto restrito de alternativas. Mas fazer isso
limita grandemente o escopo da investigação de um pesquisador. Argumentamos

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158  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

que, para lidar com as várias pressões inerciais, a perspectiva da adaptação deve
ser suplementada com uma orientação de seleção.
Primeiramente, consideramos duas questões amplas que são preliminares
para a modelagem ecológica. A primeira diz respeito às unidades apropriadas de
análise. As análises típicas sobre a relação das organizações com os ambientes as-
sumem o ponto de vista de uma organização isolada que se defronta com um am-
biente. Defendemos um enfoque explícito que envolva populações de organiza-
ções. A segunda questão ampla refere-se à aplicabilidade dos modelos de ecologia
populacional ao estudo da organização social humana. Nossa proposta substan-
tiva se inicia com o enunciado clássico de Hawley (1950, 1968) sobre a ecologia
humana. Procuramos estender a obra de Hawley de duas maneiras: pelo uso de
modelos explícitos de competição, para especificar o processo de produção do iso-
morfismo entre a estrutura organizacional e as demandas ambientais, e pelo uso
da teoria do nicho para estender o problema a ambientes dinâmicos. Argumenta-
mos que a perspectiva de Hawley, modificada e estendida desse modo, serve como
um ponto inicial útil para as teorias organizacionais da ecologia populacional.

O pensamento de populações no estudo das relações entre


organização e seu ambiente

Deu-se pouca atenção na literatura das organizações a assuntos que tratem


de unidades apropriadas de análise (Freeman, 1975). De fato, a escolha da uni-
dade é tratada de modo tão acidental que sugere não se tratar de um problema.
Nós suspeitamos que o contrário é verdadeiro: que a escolha da unidade envolve
problemas sutis e tem conseqüências de longo alcance para a atividade de pesqui-
sa. Por exemplo, neste caso, ele determina qual das várias teorias ecológicas pode
influenciar o estudo das relações entre ambiente e organização.
A comparação entre a escolha da unidade que o analista organizacional en-
frenta e a escolha que o biólogo enfrenta é elucidativa. Para simplificá-la ao má-
ximo, de alguma maneira, a análise ecológica é conduzida em três níveis: indi-
vidual, populacional e comunitário. Os eventos que ocorrem em um nível quase
sempre têm conseqüências nos outros níveis. Apesar dessa interdependência, os
eventos populacionais não podem ser reduzidos a eventos individuais (porquanto
os indivíduos não refletem toda a diversidade genética da população) e os even-
tos comunitários não podem ser reduzidos simplesmente a eventos populacionais.
Os dois últimos empregam uma perspectiva de população que não é própria ao
nível individual.
A situação enfrentada pelo analista organizacional é mais complexa. Em vez
de três níveis de análise, ele se depara com pelo menos cinco: (1) membros, (2)
subunidades, (3) organizações individuais, (4) populações de organizações e (5)
comunidades (populações) de organizações. Pode-se ver que os níveis 3-5 corres-

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Ecologia de população das organizações  159

pondem aos três níveis discutidos em relação à ecologia geral, com a organização
individual tomando o lugar do organismo individual. A complexidade adicional
se deve a que as organizações estão mais perto de se decomporem nas partes
constitutivas do que os organismos. Os membros individuais e as subunidades
podem se mudar ou mover de uma organização para outra de uma forma nunca
vista numa organização não humana.
Exemplos de teoria e pesquisa que lidam com os efeitos dos ambientes sobre
as organizações são encontrados em todos os cinco níveis. Por exemplo, a bem co-
nhecida análise de Crozier (1964) que trata dos efeitos da cultura sobre a buro-
cracia focaliza os materiais culturais que os membros trazem para as organizações.
Na outra extremidade do continuum, encontramos as análises dos “campos organi-
zacionais” (Turk, 1970; Aldrich; Reiss, 1976). Contudo, o enfoque mais comum é
sobre a organização e seu ambiente. De fato, essa escolha é tão difundida que pa-
rece haver uma compreensão tácita de que as organizações individuais são as uni-
dades apropriadas para o estudo das relações entre a organização e o ambiente.
Argumentamos em favor de um desenvolvimento paralelo da teoria e pesqui-
sa ao nível da população (e, em última análise, da comunidade). Por causa das
diferentes opiniões sobre os níveis de análise, a “população” tem, pelo menos,
dois referentes. Os tratamentos convencionais da ecologia humana sugerem que
as populações relevantes ao estudo das relações entre organização e ambiente
são aqueles agregados de membros associados à organização ou, talvez, servidos
pela organização. Nesse sentido, a organização é vista como análoga à comuni-
dade: ela tem meios coletivos de se adaptar a situações ambientais. O caráter de
unidade de uma população definida dessa maneira depende de um destino com-
partilhado. Todos os membros compartilham, até certo ponto, das conseqüências
do sucesso ou fracasso da organização.
Usamos o termo população num segundo sentido: para se referir mais a agre-
gados de organizações do que a membros. As populações de organizações devem
ser semelhantes em algum sentido; isto é, devem ter um certo caráter de unida-
de. Infelizmente, não é tarefa fácil identificar uma população de organizações. A
abordagem ecológica sugere que se enfoque o destino comum em relação a varia-
ções ambientais. Como todas as organizações são distintas, não existem duas que
sejam afetadas de modo idêntico por qualquer choque exógeno dado. No entan-
to, podemos identificar classes de organizações que são relativamente homogê-
neas em termos de vulnerabilidade ambiental. Observe-se que as populações de
interesse podem mudar um pouco entre uma investigação e outra, dependendo
do interesse do analista. As populações de organizações referidas não são objetos
imutáveis na natureza, mas abstrações úteis para propósitos teóricos.
Se tivermos que seguir a orientação dos biólogos populacionais, temos que
identificar uma analogia para a noção de espécie do biólogo. Várias espécies são
definidas, fundamentalmente, em termos de estrutura genética. Como indica Mo-
nod (1971), é útil pensar sobre o conteúdo genético de qualquer espécie como

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160  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

uma matriz (blueprint). Essa matriz contém as regras para transformar energia
em estrutura. Conseqüentemente, toda a capacidade de adaptação de uma es-
pécie está resumida na matriz. Se tivermos que identificar o equivalente a uma
espécie para as organizações, devemos ir em busca de tais matrizes. Elas consisti-
rão de regras ou procedimentos voltados a obter ou atuar sobre os insumos, com
vistas a produzir um produto ou resposta organizacional.
O tipo de matriz identificada depende de preocupações substantivas. Por exem­
plo, Marschak e Radner (1972) empregam o termo forma organizacional4 para ca-
racterizar os elementos-chave da matriz, conforme eles são vistos dentro de uma
estrutura de tomada de decisão. Para eles, a matriz ou a forma tem duas funções:
uma função de informação, que descreve as regras usadas para obtenção, proces-
samento e transmissão de informações sobre os estados dos ambientes externos; e
uma função de atividade, que enuncia as regras usadas para agir em relação à in-
formação recebida, de forma a gerar uma resposta organizacional. Na medida em
que se podem identificar classes de organizações que difiram com respeito a essas
duas funções, podem-se estabelecer classes ou formas de organização.
Como as nossas preocupações vão além da tomada de decisão, porém, acha-
mos que é muito limitada a definição de formas, de Marschak e Radner. De fato,
não há razão para se limitar a priori a variedade de regras ou funções que podem
definir matrizes relevantes. Assim, para nós, uma forma organizacional é uma ma-
triz de ação organizacional para transformar insumos em produtos. Via de regra,
a matriz pode ser inferida, ainda que de formas um pouco diferentes, pelo exame
de qualquer uma das seguintes áreas: (1) a estrutura formal da organização em
sentido restrito – tabelas de organização, regras escritas de operação etc.; (2) os
padrões de atividade dentro da organização – o que, de fato, é feito por quem; ou
(3) a ordem normativa – os modos de organizar, a serem definidos como corretos
e próprios tanto pelos membros quanto pelos setores relevantes do ambiente.
Para completar a analogia da espécie, devemos buscar diferenças qualitativas
entre as formas. Parece de todo provável que iremos encontrar estas diferenças
na primeira e terceira áreas listadas acima: estrutura formal e ordem normativa.
A última delas oferece, de modo particular, possibilidades intrigantes. Sempre
que a história de uma organização, sua política e sua estrutura social são codifi-
cadas em experiências normativas (por exemplo, profissionalização e autoridade
colegiada), podem-se usar essas experiências para identificar formas e definir po-
pulações para a pesquisa.
Tendo definido a forma organizacional, podemos fornecer uma definição
mais precisa de uma população de organizações. Do mesmo modo que o analista
organizacional deve escolher uma unidade de análise, ele também deve escolher
um sistema para estudo. Os sistemas relevantes para o estudo das relações entre
organização e ambiente são, em geral, definidos pela geografia, pelas fronteiras
políticas, por considerações de mercado ou de produto etc. Dada a definição do
sistema, a população de organizações consiste de todas as organizações que es-

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Ecologia de população das organizações  161

tão cercadas por uma fronteira particular e que têm uma forma comum. Isto é,
a população é a forma nos moldes em que ela existe ou se realiza dentro de um
sistema específico.
Os dois usos do termo população (e as teorias ecológicas daí decorrentes)
são provavelmente úteis para o estudo da estrutura organizacional. A primeira
visão, mais comum, sugere que a estrutura organizacional deve ser vista como
resultado de um processo de adaptação coletivo. De acordo com essa visão, a
estrutura e a mudança devem depender da capacidade de adaptação das subu-
nidades e do acesso diferenciado das subunidades aos recursos ambientais. A
segunda visão ignora as atividades de adaptação dos elementos de dentro da or-
ganização, exceto na medida em que elas constituem a estrutura organizacional.
Esta focaliza a organização como uma unidade em adaptação. Certamente as
duas perspectivas são necessárias. Entretanto, neste artigo estamos preocupados
apenas com a segunda.
Finalmente, gostaríamos de identificar as propriedades das populações que
são de maior interesse para os ecologistas populacionais. Elton (1927) expressou
com clareza a principal preocupação a esse respeito: “Ao resolver problemas eco-
lógicos, estamos interessados no que os animais fazem em sua condição de ani-
mais vivos, inteiros, não como animais mortos ou como uma série de partes de
animais. Em seguida, devemos estudar as circunstâncias sob as quais eles fazem
essas coisas e, o que é mais importante, os fatores limitantes que os impedem de
fazer certas outras coisas. Com a resolução desses problemas, é possível desco-
brir as razões para a distribuição e os números de animais existentes na natureza.”
Hutchinson (1959), no subtítulo de seu famoso ensaio Homage to Santa Rosalia,
expressou o foco principal de forma ainda mais sucinta: “Por que existem tantos
tipos de animais?” Com base nas orientações desses diferentes ecologistas, suge-
rimos que a ecologia populacional de organizações deve procurar compreender
as distribuições de organizações no seio das condições ambientais e as limitações
existentes às estruturas organizacionais em diferentes ambientes e, de maneira
mais geral, tentar responder à seguinte pergunta: por que existem tantos tipos
de organizações?

Descontinuidades na análise ecológica

A utilização de modelos da ecologia no estudo das organizações impõe uma


série de desafios analíticos que envolvem diferenças entre as organizações huma-
nas e as não humanas, com respeito a seus componentes essenciais. Considere-
mos, em primeiro lugar, a transmissão não genética de informações. As análises
biológicas são grandemente simplificadas pelo fato de que a maior parte das in-
formações úteis relacionadas à adaptação ao ambiente (informações que chama-
mos de estrutura) é transmitida geneticamente. Os processos genéticos são quase

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162  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

tão invariantes que a continuidade extrema na estrutura é a regra. O pequeno nú-


mero de imperfeições gera mudanças estruturais que, se aceitas pelo ambiente,
serão transmitidas com invariância quase total. A extrema invariância estrutural
da espécie simplifica grandemente o problema da delimitação e identificação das
populações. Mais importante, a capacidade de adaptação da estrutura pode ser
identificada sem qualquer ambigüidade com taxas líquidas de reprodução. Quan-
do uma população com certas propriedades aumenta sua taxa líquida de repro-
dução, após uma mudança ambiental, conclui-se que ela está sendo selecionada
para tal. É por isso que os biólogos modernos reduziram a definição de fitness à
taxa líquida de reprodução da população.
A organização social dos homens reflete um grau maior de aprendizagem ou
adaptação. Como resultado, é mais difícil definir fitness de modo mais preciso.
Pelo menos sob certas condições, as organizações podem sofrer uma mudança
tão extrema que elas mudam de uma forma para outra. Como conseqüência, a
adaptação extrema pode propiciar mudanças observadas que se parecem a uma
seleção. Isso é particularmente problemático quando as várias formas organiza-
cionais são semelhantes em muitas dimensões.
Argumentamos em artigo anterior (Hannan; Freeman, 1974) em favor de
uma medida composta de fitness que inclua tanto a seleção (perda real de orga-
nizações) quanto a mobilidade entre as formas (adaptação extrema). A fitness se-
ria então definida como a probabilidade de que uma dada forma de organização
persistiria num certo ambiente. Continuamos a achar que tal abordagem tem va-
lor, mas agora acreditamos que é prematuro combinar os processos de adaptação
e seleção. A primeira ordem da questão é estudar os processos de seleção para
as situações em que as pressões inerciais são tão fortes que tornam improvável a
mobilidade entre as formas.
Além do mais, vale a pena observar que a capacidade de se adaptar está sujei-
ta à evolução (isto é, à seleção sistemática). Como argumentamos abaixo, as or-
ganizações desenvolvem a capacidade de se adaptar ao custo de baixos níveis de
desempenho em ambientes estáveis. Se tais formas adaptáveis de organização so-
breviverão ou não (isto é, resistirão à seleção) depende da natureza do ambiente
e da situação competitiva. Portanto, sob a perspectiva da seleção, os altos níveis
de adaptabilidade são tratados como resultados evolucionários particulares.
Há um segundo sentido em que a ecologia humana parece diferir da bioeco-
logia. Blau e Scott (1962) assinalam que, à diferença da situação biológica usual,
as organizações individuais (e as populações de organizações) têm um potencial
para se expandir quase ilimitado. A capacidade de expansão dos elementos pri-
mitivos é um problema, por causa de nosso enfoque sobre a distribuição das for-
mas organizacionais nos ambientes. Uma dada forma (por exemplo, burocracia
formal) pode se expandir por todo um sistema, mercado ou atividade, ou porque
uma burocracia cresce ou porque se criam muitas burocracias. Ambos os proces-
sos farão aumentar a prevalência da atividade burocrática organizacional. Uma

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Ecologia de população das organizações  163

aplicação literal da teoria da ecologia populacional ao problema da mudança or-


ganizacional envolveria simplesmente contar números relativos nas populações.
Esse procedimento pode ocasionar a perda do fenômeno de interesse central para
o analista organizacional. Winter (1964), ao discutir o problema analítico levan-
tado aqui, sugere uma distinção entre sobrevivência – que descreve o destino ou
sorte da organização individual – e viabilidade, que descreve a “fatia de mercado”
de uma dada forma organizacional.
Encontramos pelo menos mérito igual em outra perspectiva que trata do pro-
blema do tamanho. Muitos teóricos afirmaram que a mudança estrutural acom-
panha o crescimento; em outras palavras, uma organização singular não pode
crescer indefinidamente e ainda manter a sua forma original. Por exemplo, um
rato não teria a mínima chance de manter a mesma proporção de peso corporal
em relação à estrutura do esqueleto, se ele crescesse até o tamanho de uma casa.
Ele nem se pareceria ou funcionaria fisiologicamente como um rato. Boulding
(1953) e Haire (1959) argumentam que o mesmo é verdadeiro para as organi-
zações. Caplow (1957), com base no trabalho de Graicunas (1933) e outros, ar-
gumenta que a capacidade de cada membro de uma organização de empreender
interações face a face com outros diminui quando aumenta o número de partici-
pantes da organização. Isto cria uma mudança na natureza das interações, de tal
forma que elas assumem um estilo mais impessoal, formal. Blau e vários co-au-
tores também desenvolveram argumentos de que o tamanho tem efeitos causais
semelhantes sobre a estrutura (Blau; Scott, 1962, p. 223-242; Blau; Schoenherr,
1971; Blau, 1972). Se for verdade que a forma organizacional muda com o tama-
nho, os mecanismos de seleção podem, de fato, operar com relação à distribuição
do tamanho. Quando prevalecem grandes organizações, pode ser útil ver aí um
caso especial de seleção, em que o movimento da “forma pequena” para a “forma
maior” é teoricamente indistinguível da dissolução (“morte”) das organizações
pequenas e sua substituição por (“nascimento” de) organizações grandes.
Em resumo, identificamos numerosos desafios. O primeiro diz respeito às
duas fontes de mudança: seleção e aprendizagem de adaptação. Percebemos que
os estudos organizacionais deram ênfase excessiva à segunda em detrimento da
primeira. Sabe-se muito mais sobre as práticas de tomada de decisão, previsão e
outras do que sobre a seleção nas populações de organizações. O segundo desafio
envolve a distinção entre seleção e viabilidade. Se esta distinção é ou não neces-
sária depende dos resultados da pesquisa sobre tamanho que está sendo atual-
mente levada a termo por muitos pesquisadores de organizações.

O princípio do isomorfismo

Na proposição mais bem desenvolvida sobre os princípios da ecologia huma-


na, Hawley (1968) responde à questão: por que existem tantos tipos de organi-

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164  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

zação? Segundo Hawley, a diversidade das formas organizacionais é isomórfica


em relação à diversidade dos ambientes. Em toda configuração ambiental dis-
tinguível se encontra, em equilíbrio, somente aquela forma organizacional que
está otimamente adaptada às demandas do ambiente. Cada unidade experimen-
ta restrições que a forçam a se assemelhar às outras unidades que têm o mesmo
conjunto de restrições. A explicação de Hawley põe forte ênfase sobre os padrões
de comunicação e sobre os complementos estruturais desses padrões: “[as uni-
dades organizacionais] devem se submeter a termos-padrões de comunicação e
a procedimentos-padrões em conseqüência dos quais elas desenvolvem arranjos
internos semelhantes dentro dos limites impostos por seus respectivos tamanhos”
(Hawley, 1968, p. 338).
Embora a proposição pareça ser totalmente sólida a partir de uma perspec-
tiva ecológica, ela não aborda várias considerações interessantes. Existem, pelo
menos, dois aspectos em que a formulação do isomorfismo deve ser modificada e
ampliada, se ela deve prever respostas satisfatórias à questão colocada. A primei-
ra modificação diz respeito ao mecanismo ou aos mecanismos responsáveis pelo
equilíbrio. A esse respeito, o princípio do isomorfismo deve ser suplementado por
um critério de seleção e uma teoria de competição. A segunda modificação lida
com o fato de que o princípio do isomorfismo não trata de questões de adaptação
ótima a ambientes em mudança nem reconhece que as populações de organiza-
ções com freqüência enfrentam ambientes múltiplos que impõem demandas um
tanto inconsistentes. O entendimento das restrições às formas organizacionais
parece requerer uma modelagem de ambientes múltiplos, dinâmicos. Natural-
mente, não podemos aplicar inteiramente o princípio de Hawley aqui. Tentamos
apenas esboçar os principais pontos e sugerir desdobramentos particulares.

Teoria da competição

A primeira das extensões necessárias é uma especificação do processo de oti-


mização responsável pelo isomorfismo. Já discutimos dois mecanismos: a sele-
ção e a aprendizagem de adaptação. Pode-se ter o isomorfismo, quer porque as
formas não ótimas são excluídas de uma comunidade de organizações ou porque
os tomadores de decisão organizacionais aprendem respostas ótimas e, por con-
seqüência, ajustam o comportamento organizacional. Continuamos a focalizar o
primeiro desses processos: a seleção.
A consideração da otimização levanta duas questões: quem está otimizando
e o que está sendo otimizado? É muito comum se acreditar que, da mesma forma
que na teoria da firma, os tomadores de decisão organizacionais otimizam o lu-
cro em relação a conjuntos de ações organizacionais. Partindo da perspectiva da
ecologia populacional, é o ambiente que otimiza.5 Se as organizações individuais
estão ou não se adaptando de forma consciente, o ambiente elimina ou exclui

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Ecologia de população das organizações  165

combinações ótimas de organizações. Assim, se há uma racionalidade envolvida,


é a “racionalidade” da seleção natural. A racionalidade organizacional e a racio-
nalidade ambiental podem coincidir no caso de empresas situadas em mercados
competitivos. Nesse caso, o comportamento ótimo de cada empresa é maximizar
o lucro e a regra utilizada pelo ambiente (nesse caso, o mercado) é excluir ou
eliminar os maximizadores de lucro. Friedman (1953) faz uso dessa observação
para propor uma justificativa da teoria da firma em termos dos princípios da evo-
lução. Entretanto, Winter (1964) argumentou de modo convincente que a situ-
ação real é muito mais complicada do que esta e que é de todo incomum que a
racionalidade individual e a racionalidade ambiental ou de mercado levem aos
mesmos pontos ótimos. Quando as duas racionalidades não convergem, nos pre-
ocupamos com o comportamento otimizador do ambiente.
O enfoque sobre a seleção convida a uma ênfase sobre competição. As for-
mas organizacionais, presumivelmente, não florescem em certas circunstâncias
ambientais porque outras formas competem com sucesso com elas pelos recursos
essenciais. Enquanto os recursos que sustentam as organizações são finitos e as
populações têm capacidade ilimitada de se expandir, a competição é necessária.
Hawley (1950, p. 201-203), seguindo Durkheim (1947), entre outros, põe
uma grande ênfase sobre a competição como determinante dos padrões de orga-
nização social. A característica distintiva de seu modelo é a ênfase à natureza in-
direta do processo: “A ação de todos sobre o suprimento comum gera uma relação
recíproca entre cada unidade e todas as demais, simplesmente porque o que uma
receber reduz pela mesma quantia o que as outras podem receber [...] sem este
elemento de falta de rumo, isto é, a não ser que as unidades afetem umas às ou-
tras por afetarem um suprimento limitado comum, não existe competição” (Haw­
ley 1950, p. 202). No modelo de Hawley, os processos de competição envolvem
tipicamente quatro estágios: (1) a demanda por recursos excede a oferta; (2) os
competidores se tornam mais semelhantes na medida em que as condições pa-
drões de competição produzem uma resposta uniforme; (3) a seleção elimina os
competidores mais fracos; e (4) os competidores depostos se diferenciam em ter-
mos territoriais ou funcionais, gerando uma divisão de trabalho mais complexa.
É surpreendente observar que quase não há referência a mecanismos competi-
tivos no trabalho posterior de Hawley. Particularmente, como foi observado acima,
o fundamento racional dado para o princípio do isomorfismo utiliza uma lógica de
adaptação. Propomos equilibrar este tratamento adicionando um foco explícito so-
bre a competição como um mecanismo que produz isomorfismo.6 Ao fazê-lo dessa
forma, podemos aplicar ao problema um rico conjunto de modelos formais.
O primeiro passo na construção de um modelo ecológico de competição é
enunciar a natureza do processo de crescimento populacional. No mínimo, de-
sejamos que o modelo incorpore a idéia de que os recursos disponíveis a cada
momento para toda forma de organização são finitos e fixos. Isto corresponde
à noção de Hawley sobre o suprimento limitado e ao argumento de Stinchcom-

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166  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

be (1965) de que as comunidades humanas têm “capacidades de organização”


limitadas. Também desejamos incorporar a visão de que o ritmo em que as uni-
dades são adicionadas às populações de organizações depende de quanto já se
consumiu da capacidade fixa. Quanto maior for a capacidade não exaurida num
ambiente, tanto mais rápido deve ser o ritmo de crescimento das populações de
organizações. Mas o ritmo em que as populações de organizações podem se ex-
pandir em capacidade não utilizada varia entre as formas de organização. Assim,
existem duas considerações ecológicas distintas: a capacidade do ambiente de
dar apoio a formas de organização e a taxa de crescimento (ou diminuição) de
populações quando o apoio ambiental muda.
Para expressar o modelo de maneira formal, é útil começar com a função de
controle que Hummon, Doreian e Teuter (1975) usam para adicionar conside-
rações dinâmicas à teoria de Blau sobre tamanho e diferenciação. O modelo de
controle afirma que a taxa de mudança no tamanho de qualquer unidade (aqui
uma população de organizações) varia proporcionalmente à diferença entre o
tamanho existente, X, e o nível de equilíbrio do tamanho, X*, permitido naquele
ambiente. Daí, uma representação possível seria
dX
= f(X* – X) = r(X* – X) (1)
dt
Em (1), X* e r representam, respectivamente, o suprimento limitado, ou a ca-
pacidade ambiental, e a capacidade estrutural da população de organizações de
responder às mudanças no ambiente.
Uma forma particular do modelo geral de crescimento em (1) embasa a maior
parte dos trabalhos de ecologia populacional sobre competição. Este é o modelo
de crescimento logístico (para crescimento per capita):
dX1
= r1X1 k 1
– dX1
 (2)
dt  k1 

onde X1 denota o tamanho da população, k1 é a capacidade do ambiente de dar


apoio a X1 (este parâmetro é geralmente chamado de capacidade de sustentação)
e r1 é a assim chamada taxa de aumento da população ou o ritmo em que a popu-
lação cresce quando ela está bem abaixo da capacidade de sustentação.
Como indicamos acima, tanto k quanto r são parâmetros ecológicos de im-
portância fundamental. Nosso grupo de pesquisa começou a comparar várias for-
mas de organização, calculando os parâmetros de modelos como o (2) para cada
forma de organização. Até o presente fomos bem-sucedidos no sentido de rela-
cionar as características estruturais das organizações, como a complexidade da
atividade central, às variações em r e k (Nielsen; Hannan, 1977; Freeman; Brit-
tain, 1977). Esse trabalho, como também o de Hummon et al. (1975), nos deixa
confiantes de que o modelo em (1) e/ou em (2) oferece uma boa aproximação
do crescimento das populações de organizações.

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Ecologia de população das organizações  167

Até este ponto, presumimos que os limites ao crescimento refletem a nature-


za finita do ambiente (por exemplo, a riqueza da comunidade e a combinação de
habilidades ocupacionais). É a hora de se reintroduzir a competição. De acordo
com Hawley, a competição entra indiretamente quando os competidores baixam
o suprimento fixo. Podemos modelar isso seguindo a orientação dos bioecologis-
tas e estendendo o modelo de crescimento logístico. Por exemplo, considere-se
uma segunda população de organizações cujo tamanho é denotado por X2. Diz-se
que as duas populações competirão se a adição de unidades de cada qual diminui
a taxa de crescimento da outra. Isto será o caso quando ambas as populações são
sustentadas pelos mesmos tipos de recursos. Daí, o modelo apropriado é repre-
sentado pelo seguinte sistema de equações de crescimento (conhecido como as
equações de Lokta-Volterra para populações em competição):

– X1 – a12X2
dX1
= r1X1 k 1

dt  k1 
– X2 – a21X1
dX2
= r2X2 k 2
 (3)
dt  k2 
Os coeficientes a12 e a21, chamados de coeficientes de competição, denotam
a magnitude do efeito dos aumentos numa população sobre o crescimento da ou-
tra. Nessa simples formulação, a única conseqüência da competição é de baixar a
capacidade de sustentação do ambiente para uma população de organizações.
A análise de (3) produz resultados qualitativos interessantes. Não é difícil
mostrar que existe um equilíbrio estável de duas populações para o sistema em
(3), somente se

1 k
< 2 < a12 (4)
a21 k1
Portanto, as populações muito semelhantes (isto é, as populações com coe-
ficientes de competição próximos à unidade) podem coexistir, somente sob um
coeficiente k2 / k1 muito preciso. Como resultado, quando a21 = a12 = 1, nenhum
equilíbrio de duas populações pode ser estável; todo choque de fora resultará na
eliminação de uma das populações. Esse resultado confirma a generalidade do
amplamente citado “princípio da exclusão competitiva” (Gause, 1934).7 De acor-
do com esse princípio, duas populações não podem ocupar continuamente o mes-
mo nicho. Diz-se que duas populações ocupam o mesmo nicho na medida em que
dependem de recursos ambientais idênticos. Se são idênticos, então a adição de
um elemento a X2 tem as mesmas conseqüências para o crescimento de X1 e vice-
versa; em outras palavras, os coeficientes de competição são a unidade. Chega-se
à conclusão ampla de que quanto maior a similaridade entre dois competidores
de recursos limitados, menor será a viabilidade de um único ambiente conseguir
manter os dois em equilíbrio.

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168  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

Se duas populações de organizações mantidas por recursos ambientais idên-


ticos diferem em alguma característica organizacional, aquela população com ca-
racterísticas menos ajustadas às contingências ambientais tenderá a ser elimina-
da. O equilíbrio estável conterá, então, apenas uma população que se pode dizer
que é isomórfica ao ambiente.
Com o intuito de ver as implicações do modelo em relação à diversidade orga-
nizacional, ampliamos o sistema de Lokta-Volterra para incluir competidores M:

dXi
= ri Xi (ki – Xi – ∑aij Xj )/ ki (i = 1, ... , M). (5)
dt
O sistema geral (5) tem um equilíbrio de comunidade:

ki = Xi + ∑aij Xj  (i = 1, ... , M). (6)

Estas equações podem ser expressas em forma matricial:

k = Ax (7)

onde x e k são (M × 1) vetores de coluna e A é a matriz de comunidade:


 1 a . . 12
a1m

a 1
A =  . 
21
.
.
 . . 
 . . 
 a . . .
m1
1 
cujos elementos são os coeficientes de competição.
A assim chamada teoria da estrutura comunitária implica uma análise do
comportamento de equilíbrio do sistema da equação (7) na perspectiva dos pro-
cessos de competição postulados.8 Os resultados, embora enunciados em ter-
mos da diversidade das espécies, são consideravelmente gerais. Particularmente,
pode-se mostrar que, quando o crescimento na população é limitado somente
pela disponibilidade do recurso, o número de recursos distintos estabelece um
limite superior à diversidade no sistema.9 Em termos ainda mais gerais, o limite
superior à diversidade é igual ao número dos recursos distintos mais o número de
restrições adicionais ao crescimento (Levin, 1970).
É difícil aplicar diretamente um ou outro resultado no sentido de calcular o
limite superior à diversidade, mesmo em contexto não humano. A principal di-
ficuldade é a de identificar restrições distintas. Requer-se um grande número de
trabalhos empíricos, caso se deva julgar como duas restrições diferentes devem

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Ecologia de população das organizações  169

ser, para que se tenham conseqüências distintas para os equilíbrios da comuni-


dade. Os teoremas, contudo, implicam de fato resultados qualitativos úteis. Caso
se consigam identificar mudanças ambientais que acrescentem restrições a um
sistema ou as eliminem, pode-se concluir que o limite superior da diversidade é
aumentado ou diminuído.
Esse resultado qualitativo amplo tem numerosas aplicações potenciais a pro-
blemas de pesquisa que são de interesse. Por exemplo, a expansão dos mercados
e os mecanismos de controle do Estado por meio de sistemas sociais tendem a
ter o efeito de eliminar ou de reduzir o número de restrições que são idiossincrá-
ticas aos ambientes locais. Quando é visto sob a perspectiva do sistema maior, o
processo de expansão do centro econômico e político deveria tender a substituir
algumas restrições locais por outras mais uniformes. Somente se os ambientes lo-
cais foram heterogêneos no começo, deve a expansão do centro reduzir o número
de restrições à organização em todo o sistema.
A teoria recém-discutida implica, por um lado, que a mudança na estrutura
de restrição deve reduzir a diversidade organizacional pela eliminação de alguma
população.10 Pode-se imaginar, por outro lado, que em alguns ambientes locais a
combinação de restrições locais inalteradas e novas e maiores restrições ao siste-
ma poderiam aumentar o número total de restrições no sistema local. Nesse caso,
a diversidade organizacional nesses ambientes locais deveria aumentar. Esse au-
mento resultaria na criação ou adoção de novas formas organizacionais.
O papel cada vez mais importante do Estado na regulação da ação econômica
e social provê numerosas oportunidades para analisar o impacto das mudanças
nas estruturas de restrição sobre a diversidade das formas organizacionais. Con-
sidere-se o impacto das leis de licenciamento, salário mínimo, saúde, legislação
de segurança, ação afirmativa e outras regulamentações sobre a ação organiza-
cional. Quando essas regulações são aplicadas a toda a extensão de organizações,
em amplas áreas de atividade, elas sem dúvida alteram as distribuições de tama-
nho das organizações. Com a maior freqüência, elas excluem as organizações me-
nores. Mas não é difícil imaginar situações em que organizações de porte médio
(mais precisamente, as organizações com nível máximo de complexidade) seriam
mais adversamente afetadas. Além de alterar as distribuições de tamanho, essas
regulações indubitavelmente afetam a diversidade dos arranjos organizacionais
de outras maneiras. Aqui se poderia analisar o impacto da ação do Estado sobre
a diversidade dos sistemas de contabilidade dentro das indústrias, dos currículos
dentro das universidades, das estruturas departamentais dentro dos hospitais etc.
Em cada caso seria essencial determinar se a restrição recém-imposta substituiu
as restrições de nível inferior, caso em que a diversidade deveria diminuir, ou se
a restrição se acumulou, caso em que a diversidade organizacional deveria com
probabilidade aumentar.
Para indicar a riqueza da teoria da competição simples, propusemos discutir
brevemente um outro tipo de teste empírico. Observamos acima que a pesquisa

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170  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

sobre regulação poderia se interessar pelos impactos do tamanho sobre as distri-


buições organizacionais. O modelo clássico das distribuições de organizações por
tamanho (Simon; Bonini, 1958) propõe o seguinte processo simples. Várias organi-
zações nascem com o mesmo tamanho pequeno. Uma fração delas consegue criar
ou tomar de empréstimo uma inovação técnica ou organizacional de utilidade que
lhe permite chegar a um tamanho maior. Durante um certo período de tempo, o
processo se repete com a mesma fração produzindo a necessária inovação para ob-
ter um tamanho ainda maior. No final, este processo de crescimento gera uma dis-
tribuição logarítmica normal que caracteriza muitas distribuições de tamanho.
A teoria da competição sugere um refinamento desse modelo clássico. Se,
como argumentamos anteriormente, as grandes mudanças no tamanho organi-
zacional são acompanhadas por mudanças estruturais (mudanças na forma), as
organizações de tamanho muito diferente na mesma área de atuação tenderão a
exibir formas diferentes. Como conseqüência dessas diferenças estruturais, elas
tenderão a depender de conjuntos diferentes de recursos (e restrições) ambien-
tais. Isto é, dentro de toda área de atividade, os padrões de uso de recursos ten-
derão a ser especializados para segmentos da distribuição de tamanho. Sendo
esse o caso, as organizações competirão com máxima intensidade com organiza-
ções de tamanho semelhante. Igualmente, a competição entre pares de organiza-
ções dentro de uma atividade será uma função decrescente da distância que os
separa pelo gradiente do tamanho. Por exemplo, pequenos bancos locais compe-
tem mais com outros pequenos bancos, com menos intensidade com bancos re-
gionais de porte médio e muito dificilmente com bancos internacionais. Sob tais
condições, alterações significativas na distribuição de tamanho indicam seleção
favorável e desfavorável a certas formas organizacionais que mantêm elos estrei-
tos em termos de tamanho.
Voltemos agora ao modelo clássico. Quando emergem organizações de por-
te grande, elas representam uma ameaça competitiva às organizações de porte
médio, mas dificilmente às de pequeno porte. De fato, a emergência de grandes
organizações pode aumentar as chances de sobrevivência das pequenas, de uma
maneira não prevista no modelo clássico. Quando as grandes organizações to-
mam a cena, as situadas no meio da distribuição de tamanho caem presas numa
armadilha. Qualquer estratégia que adotarem para combater o desafio das for-
mas maiores as torna ainda mais vulneráveis em sua competição com as organi-
zações pequenas e vice-versa. Isto é, pelo menos em um ambiente estável os dois
extremos da distribuição de tamanho deveriam superar os intermediários (veja
a seguir). Assim, numa análise longitudinal de distribuições organizacionais por
tamanho, deveríamos esperar ver o número de organizações de porte médio di-
minuir com a entrada de organizações maiores. Deveríamos, igualmente, esperar
que melhorasse a sorte das pequenas organizações com o afastamento de seus
concorrentes do ambiente. Esse raciocínio se sustenta em geral no caso de uma
competição ao longo de um só gradiente: as intermediárias serão eliminadas em
ambientes estáveis (MacArthur, 1972, p. 43-46).

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Ecologia de população das organizações  171

Teoria do nicho

O princípio do isomorfismo implica que as organizações sociais em equilí-


brio exibirão características estruturais que são especializadas em características
salientes do ambiente do recurso. Enquanto o ambiente for estável e certo, não
vemos dificuldade com esta proposição. Mas se manterá ela quando o ambiente
se alterar, quer de forma previsível ou imprevisível, entre as várias configurações
alternativas? Embora os problemas levantados na tentativa de responder a essa
pergunta sejam complexos, fazê-lo é crucial para desenvolver modelos adequa-
dos de relações entre ambiente e organização.
A intuição sugere que o isomorfismo se firma como uma boa aproximação
somente em ambientes estáveis. Para enfrentar ambientes instáveis, as organiza-
ções devem desenvolver uma estrutura generalista que não esteja otimamente
adaptada a alguma configuração ambiental isolada, mas seja ótima em relação a
um conjunto todo de configurações. Em outras palavras, devemos encontrar or-
ganizações especializadas em ambientes estáveis e seguros e organizações gene-
ralistas em ambientes instáveis e incertos. Se esta proposição simples é verdadei-
ra ou não para organizações sociais, somente a pesquisa empírica poderá dizer.
No entanto, uma variedade de modelos de ecologia populacional sugere que ela
é muito simplista. Não podemos esperar desenvolver plenamente em um artigo
os argumentos envolvidos. Em vez disso, indicamos as linhas principais de desen-
volvimento com referência a uma perspectiva algo evocativa desenvolvida por
Levins (1962, 1968): a teoria da amplitude do nicho.
O conceito de “nicho” – que, inicialmente, os biólogos tomaram emprestado
dos primórdios da ciência social – desempenha um papel central na teoria eco-
lógica. Este não é o lugar para se fazer uma discussão ampla sobre os usos múl-
tiplos do conceito (veja Whittaker; Levin, 1976). O modelo que segue usa a for-
mulação de Hutchinson (1957). Desse ponto de vista, o nicho (realizado) de uma
população é definido como aquela área no espaço de restrição (o espaço cujas
dimensões são níveis de recursos etc.) em que a população supera pela competi-
ção todas as outras populações locais. O nicho consiste, então, de todas as com-
binações de níveis de recurso com base nos quais a população pode sobreviver e
se reproduzir.
Cada população ocupa um nicho distinto. Para os nossos propósitos, basta
considerar os casos em que pares de populações diferem com relação a uma única
dimensão ambiental, E, e são semelhantes em relação a todas as demais. Então,
as posições relativas de competição podem ser resumidas simplesmente como
ilustra a Figura 1. Conforme representa esta figura, uma população, A, ocupa um
nicho bem amplo, ao passo que a outra, B, concentrou sua fitness, denotada por
W, sobre uma faixa bem estreita de variação ambiental. Essa distinção, que é em
geral referida como generalismo versus especialismo, é crucial para a ecologia
biológica e para a ecologia populacional de organizações.

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172  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

Aptidão B
(fitness)
(w)

m E n

Figura 1  Funções de aptidão (nichos) para especialistas e generalistas.

Em essência, a distinção entre especialismo e generalismo trata de saber se


uma população de organizações prospera porque ela maximiza sua exploração do
ambiente e aceita o risco de ter aquela mudança ambiental, ou porque ela aceita
um nível menor de exploração em troca de uma segurança maior. Se o equilíbrio
de distribuição das formas organizacionais é ou não dominado pelo especialista
depende, como veremos, da configuração dos conjuntos de fitness e das proprie-
dades do ambiente.
Parte da eficiência resultante do especialismo provém das demandas menores
por capacidade excedente. Dada alguma incerteza, a maior parte das organiza-
ções mantém uma certa capacidade superior à usual ou adequada para assegurar
a confiabilidade de sua performance. Num ambiente em rápida transformação, é
provável que a definição de capacidade excedente também mude com freqüên-
cia. O que se usa hoje pode se tornar excesso amanhã, e o que é excesso hoje pode
ser crucial amanhã. As organizações que operam em ambientes onde a transição
de um estado para outro é menos freqüente terão (em estado de equilíbrio) de
manter capacidade excedente num certo padrão de alocação por períodos mais
longos de tempo. Enquanto os responsáveis por avaliar a performance são tenta-
dos a ver essas alocações como desperdício, elas podem muito bem ser essenciais
para a sobrevivência. Thompson (1967) argumentou que as organizações alocam
recursos para unidades que estão encarregadas da função de isolar a tecnologia
central da perturbação ambientalmente induzida. Assim, por exemplo, as empre-
sas de manufatura podem reter ou empregar mão-de-obra legal mesmo quando
elas não estão enfrentando litígio.
A importância da capacidade excedente não está totalmente ligada ao proble-
ma do volume de capacidade excedente que será mantido. Ela também envolve

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Ecologia de população das organizações  173

a maneira como será usada. As organizações podem assegurar um desempenho


confiável pela criação de unidades especializadas, como Thompson (1967) suge-
re, ou elas podem alocar capacidade excedente a papéis organizacionais, pela uti-
lização de pessoal especializado com competências e habilidades que excedam às
demandas rotineiras de seus empregos. Essa é uma das razões importantes para
se usar profissionais nas organizações. Os profissionais usam mais recursos não
apenas porque eles tendem a receber pagamentos maiores, mas também porque
as organizações devem permitir-lhes maior liberdade de ação (inclusive a liber-
dade para responder a grupos de referência externos). As organizações, por sua
vez, se tornam mais flexíveis ao empregar profissionais. Elas aumentam a capa-
cidade deles de lidar com um ambiente variável e com as contingências que ele
gera. Por exemplo, os hospitais e seus pacientes muitas vezes empregam obste-
tras e pediatras em suas salas de parto, mesmo que o parto normal de bebês possa
ser realizado igualmente bem, e talvez até melhor, por parteiras. As habilidades
do médico representam uma capacidade ociosa para assegurar uma atuação con-
fiável no caso de o parto não acontecer de forma normal. Em geral, o pediatra
examina o bebê imediatamente após o nascimento para verificar se há qualquer
anormalidade que requeira ação imediata. Se a mãe corre algum perigo em razão
do parto e a criança também precisa de atenção, a presença do pediatra assegura
que o obstetra não precisará escolher entre um deles para dividir sua atenção.
A capacidade excedente também pode se destinar ao desenvolvimento e à
manutenção de sistemas procedimentais. Quando é elevado o grau de certeza de
um certo estado ambiental, as operações organizacionais devem ser rotineiras, e
a coordenação pode ser alcançada mediante regras formalizadas e investimento
de recursos em treinamento de encarregados que sigam esses procedimentos for-
malizados. Se, de fato, o ambiente fosse estável (p = 1), se todos os participantes
estivessem capacitados em termos de procedimentos e os procedimentos estives-
sem em perfeita sintonia, não haveria necessidade alguma de qualquer estrutura
de controle, a não ser monitorar o comportamento. No entanto, quando a certeza
é baixa, as operações organizacionais são menos rotineiras. Nessas circunstân-
cias, uma alocação maior de recursos para desenvolver e manter sistemas proce-
dimentais é contraprodutiva e as formas organizacionais ótimas destinarão recur-
sos a sistemas menos formalizados e capazes de respostas mais inovadoras (por
exemplo, comissões e equipes). Nesse caso, a capacidade ociosa é representada
pelo tempo maior que estas estruturas usam para tomar decisões e pelos custos
maiores de coordenação.
O que se argumenta aqui é que as populações de formas organizacionais se-
rão selecionadas em termos favoráveis ou desfavoráveis dependendo da quanti-
dade de capacidade ociosa que elas mantêm e como elas a alocam. Pode ser ra-
cional ou não para uma certa organização particular adotar um padrão ou outro.
O que poderia parecer desperdício para quem avaliasse o desempenho num dado
momento pode ser a diferença entre a sobrevivência e a falência mais tarde. Do
mesmo modo, as organizações podem sobreviver porque níveis elevados de pro-

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174  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

fissionalização produzem coordenação por ajuste mútuo, apesar de uma aparên-


cia algo caótica. Outras – onde todo mundo parece saber precisamente o que está
fazendo a cada instante – podem fracassar. Sob um dado conjunto de circunstân-
cias ambientais, a questão ecológica fundamental é: que formas conseguem so-
breviver e que formas desaparecem?
Portanto, pode-se observar o generalismo, em uma população de organiza-
ções, ou por sua dependência simultânea de uma ampla variedade de recursos ou
pela manutenção de capacidade ociosa num dado momento. Essa capacidade ex-
cedente permite que essas organizações mudem, a fim de tirarem vantagem dos
recursos que se tornam mais facilmente disponíveis. As empresas que mantêm
uma proporção incomumente grande de seus ativos totais em forma fluida (slack,
segundo os termos da teoria da firma, Penrose, 1959; Cyert; March, 1963) são ge-
neralistas. Em ambos os casos, o generalismo sai caro. Sob circunstâncias ambien-
tais estáveis, os generalistas serão vencidos no embate com os especialistas. E em
qualquer ponto dado no tempo, uma análise estática revelará capacidade ociosa.
Uma implicação – voltando nosso foco para os generalistas individuais – é que os
agentes externos muitas vezes vão confundir capacidade ociosa com desperdício.
Podemos investigar a evolução da amplitude do nicho se assumirmos a pre-
missa de que as áreas sob a curva de fitness são iguais e que os especialistas se
diferenciam dos generalistas pelo modo em que distribuem a quantidade fixa de
fitness aos resultados ambientais. Quando competem, os especialistas vencem os
generalistas na extensão de resultados para os quais se especializaram (por causa
do nível fixo da premissa de fitness). Enquanto a variação ambiental permanecer
dentro daquele intervalo (o intervalo [m,n] na Figura 1), os generalistas não têm
a vantagem de adaptação e não serão selecionados. Por outro lado, se o ambiente
estiver apenas ocasionalmente dentro do intervalo, os especialistas se sairão pior
do que os generalistas. Esses breves comentários deixam clara a importância da
variação ambiental para a evolução da amplitude do nicho.
Para simplificar ainda mais, consideremos um ambiente que possa assumir
somente dois estados e em cada período ele cai no estado um com probabilidade
p e no estado dois com probabilidade q = (1 – p). Suponhamos ainda que as va-
riações nos estados ambientais são testes de Bernoulli (independentes de período
para período). Para essa situação, Levins (1962, 1968) mostrou que a amplitude
ótima do nicho depende de p e da “distância” entre os dois estados do ambiente.
Para ver isso, mudamos ligeiramente o foco. Como cada organização enfren-
ta dois ambientes, sua fitness depende da fitness aos dois. Podemos resumir o po-
tencial de adaptação de cada organização plotando estes pares de valores (fitness
ao estado 1 e ao estado 2) em um novo espaço cujos eixos constituem fitness a
cada um dos estados, como na Figura 2. Nessa representação, cada ponto denota
a fitness de uma forma organizacional distinta. A nuvem de pontos é denominada
de “conjunto de fitness”. Presumimos que todas as adaptações naturalmente pos-
síveis são representadas no conjunto de fitness.

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Ecologia de população das organizações  175

É nosso interesse determinar que pontos no conjunto de fitness serão favore-


cidos pela seleção natural. Observe-se, inicialmente, que todos os pontos no inte-
rior do conjunto são internos em termos de fitness a pelo menos algum ponto no
limite do conjunto. Nesse sentido o limite, traçado em linha contínua, representa
possibilidades ótimas. Como a seleção natural maximiza a fitness, ela deve esco-
lher pontos na borda. Isto limita nossa busca para encontrar a forma ou formas
que serão favorecidas na borda.
Quando se desenha a Figura 2b, nenhuma forma organizacional funciona
particularmente bem nos dois estados do ambiente – nenhuma forma tem níveis
altos de fitness a ambos. Este será o caso quando os dois estados estão “bem dis-
tantes” no sentido de que impõem às organizações contingências bem diferentes
de adaptação. Nesses casos (veja Levins, 1968), o conjunto de fitness será cônca-
vo. Quando a “distância” entre os estados é pequena, não há razão para que algu-
mas formas organizacionais não possam funcionar bem em ambos os ambientes.
Nesses casos, o conjunto de fitness será convexo, como na Figura 2a.
As funções de fitness nas Figuras 2a e 2b descrevem situações de adaptação
diferentes. O próximo passo é modelar o processo de otimização. Para isso, in-
troduzimos mais uma distinção. Os ecologistas acharam útil distinguir a variação
espacial e temporal do ambiente de acordo com uma qualidade tangente. Diz-se
que a variação ambiental tem qualidade fina quando um elemento típico (orga-
nização) encontra muitas unidades ou replicações. A partir de uma perspectiva
temporal, a variação é de qualidade fina quando as durações típicas nos estados
são curtas em relação ao tempo de vida das organizações. Em caso contrário, diz-
se que o ambiente tem qualidade grosseira. A demanda por produtos ou serviços
é com freqüência caracterizada pela variação da qualidade fina, enquanto as mu-
danças em estruturas legais são mais tipicamente de qualidade grosseira.

p = 1,0 p = 1,0
W1 . . .
W1
. . . . . . . .
. . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . .
p = .5 . . . .
. . . . . p = .5
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . .

W2 W2
(a) (b)

Figura 2 Adaptação ótima em ambiente de qualidade fina; a, conjunto de fitness


convexa; b, conjunto de fitness côncava.

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176  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

A diferença essencial entre os dois tipos de variações ambientais é o custo das


estratégias subótimas. O problema de adaptação ecológica pode ser considerado
um jogo de oportunidade em que a população escolhe uma estratégia (especia-
lismo ou generalismo) e em seguida o ambiente escolhe um resultado (digamos,
pelo lançamento de uma moeda). Se o ambiente “aparece” em estado favorável a
uma forma organizacional, ele prospera; em caso contrário, ele declina. Entretan-
to, se a variação é de qualidade fina (as durações são curtas), cada população de
organizações experimenta muitos testes e o ambiente é vivenciado como média.
Quando a variação é de qualidade grosseira, no entanto, o período de declínio
decorrente de uma escolha errada pode exceder a capacidade organizacional de
se sustentar sob condições desfavoráveis.
Para captar essas diferenças, Levins introduziu uma função de adaptação para
representar como a seleção natural pesaria a fitness em cada estado sob diferentes
condições. Ao discutir a variação de qualidade fina, sugerimos que o ambiente é
experimentado como média11. A função apropriada de adaptação, então, simples-
mente pesa a fitness nos dois estados (W1 e W2), de acordo com a freqüência de
ocorrência: A(W1,W2) = pW1 + qW2. Para levar em conta a adaptação ótima, nós
apenas sobrepomos a função de adaptação ao conjunto de fitness e encontramos
os pontos de tangência da função de adaptação e das funções de fitness. Os pontos
de tangência são adaptações ótimas. As soluções para os vários casos são apresen-
tadas na Figura 2. Se o ambiente é totalmente estável (isto é, p = 1), então o espe-
cialismo é ótimo. Se o ambiente é maximamente incerto (isto é, p = 0,5), o genera-
lismo é ótimo no caso convexo (quando as demandas dos diferentes ambientes não
são muito desiguais), mas não no caso côncavo. Na realidade, na medida em que
se desenvolve o modelo, o especialismo sempre se sai melhor no caso côncavo.
Primeiramente, considere-se os casos em que o ambiente é estável (isto é,
p = 1). Não causa surpresa que o especialismo é ótimo. Os resultados para am-
bientes instáveis divergem. Quando o conjunto de fitness é convexo (isto é, as
demandas dos diferentes estados ambientais são semelhantes e/ou complemen-
tares), o generalismo é ótimo. Mas quando as demandas ambientais diferem (e
o conjunto de fitness é côncavo), o especialismo é ótimo. Este não é um resulta-
do tão estranho quanto parece inicialmente. Quando o ambiente muda em ritmo
rápido, entre estados razoavelmente diferentes, o custo do generalismo é eleva-
do. Como as demandas nos diferentes estados são desiguais, cobra-se um consi-
derável gerenciamento estrutural dos generalistas. Mas como o ambiente muda
rapidamente, estas organizações passarão a maior parte de seu tempo e energia
ajustando a estrutura. Aparentemente é melhor, sob tais condições, adotar uma
estrutura especializada e conseguir sobreviver aos ambientes adversos.
O caso dos ambientes de qualidade grosseira é um pouco mais complexo.
Nosso entendimento intuitivo é de que, como a duração de um estado ambiental
é longa, deve-se dar um peso maior à má adaptação. Isto é, os custos da adapta-
ção inadequada pesam muito mais que qualquer vantagem obtida pela escolha
correta. A função de adaptação que apresenta esse resultado é o modelo logarít-

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Ecologia de população das organizações  177

mico linear de Levins: A(W1,W2) = W1 pW2 q. O método para encontrar as adapta-


ções ótimas é o mesmo. Os resultados estão na Figura 3. Somente um caso difere
do que encontramos para ambientes de qualidade fina: a combinação da variação
incerta e de qualidade grosseira com conjuntos de fitness côncavos. Vimos acima
que, quando essa variação é de qualidade fina, é melhor especializar-se. No entan­
to, quando a duração dos estados ambientais é longa, os custos dessa estratégia
são grandes. Períodos longos de inadaptação ameaçarão a sobrevivência da orga-
nização. Além disso, o fato de que o ambiente muda com menos freqüência signi-
fica que os generalistas não precisam gastar a maior parte de seu tempo e energia
alterando a estrutura. Assim, o generalismo é a estratégia ótima nesse caso, como
vemos na Figura 3b.
A composição da variação ambiental de qualidade grosseira e de conjuntos
côncavos de fitness levanta uma possibilidade adicional. A adaptação ótima em
face da incerteza ambiental possui níveis racionalmente baixos de fitness em am-
bos os casos. Parece claro que deve haver uma solução melhor. Levins discute esse
caso em profundidade e conclui que, no caso biológico, com transmissão genéti-
ca de estrutura, será selecionado o “polimorfismo” ou a heterogeneidade gene-
ticamente mantida da população. A sugestão é de que as populações combinem
os tipos (variando, digamos, a cor, o tipo sangüíneo etc.), dos quais alguns são
especializados para o estado 1 e outros para o estado 2. Com essa combinação,
pelo menos uma porção da população sempre florescerá e manterá a diversidade
genética que permitirá a ela continuar a florescer quando o ambiente muda de
estado. O conjunto de todas essas populações heterogêneas (compostas por pro-
porções de especialistas para cada um dos dois ambientes) pode ser representado
nos diagramas de fitness como uma linha reta unindo os pontos mais extremos
com todas as combinações que caem sobre esta linha.

p = .5

p = 1,0
. . . p = 1,0
. . . . . . . .
. . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . .
W1 . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . W1 . .
. . . p = .5
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . p = 1,0 . . . . .
. . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

W2 W2
(a) (b)

Figura 3 Adaptação ótima em ambientes de qualidade grosseira; a, conjunto conve-


xo de fitness; b, conjunto côncavo de fitness.

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178  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

A variação incerta e de qualidade grosseira favorece uma forma distinta de


generalismo: o polimorfismo. Não temos que procurar muito longe para encon-
trar um resultado semelhante. As organizações podem formar federações de tal
modo que supra-organizações, constituídas de conjuntos heterogêneos de orga-
nizações especialistas, acumulam recursos. Quando o ambiente é incerto e de
qualidade grosseira e é difícil estabelecer e eliminar subunidades, os custos de
manter essa estrutura pesada podem ser mais que compensados pelo fato de que
pelo menos uma parte da organização fundida terá um bom desempenho, inde-
pendentemente do estado do ambiente. Em termos do modelo sugerido ante-
riormente, não há outras situações em que essas organizações federadas tenham
vantagem competitiva. E, mesmo nesse caso, a única ocasião em que elas têm
vantagem é quando é incerta a variação de qualidade grosseira.
Esse padrão de “empresa holding” fundida pode ser observado nas universi­
dades modernas. As matrículas e o apoio à pesquisa crescem e diminuem ao longo
do tempo assim como o rendimento dos títulos investidos em doações e benefi-
cência dos legisladores. Alguns desses recursos seguem ciclos previsíveis, enquan-
to outros não. Mas é extremamente caro construir e desmantelar unidades acadê-
micas. É custoso não somente em termos de dinheiro, mas também em energias
consumidas por conflito político. Por isso, as universidades estão constantemente
“tributando” as subunidades com muitos ambientes para subsidiar as unidades
menos favorecidas pela sorte. É comum, por exemplo, que as universidades alo-
quem posições docentes de acordo com um plano geral estabelecido, dando apoio
menor aos departamentos de crescimento rápido e mantendo os professores ex-
cessivos em outros. Esta explicação parcial das estruturas difíceis de administrar
que incluem os departamentos de humanidades, as escolas profissionais, os labo-
ratórios de pesquisa etc. é, pelo menos, tão convincente quanto são as explicações
que enfatizam a interdependência intelectual entre as unidades.
Muito mais se pode dizer a respeito das aplicações da teoria do nicho às re-
lações entre organização e ambiente. Enfocamos apenas uma versão, ressaltan-
do o jogo recíproco entre competição e variação ambiental, na determinação da
estrutura ótima de adaptação, a fim de mostrar que o princípio do isomorfismo
necessita de uma expansão considerável para lidar com os múltiplos produtos
ambientais e respectiva incerteza. A literatura sobre ecologia à qual nos referimos
está crescendo exponencialmente, no momento, e a cada mês estão aparecendo
novos resultados e modelos. Os produtos desses desenvolvimentos oferecem aos
estudiosos de organizações um rico potencial para o estudo das relações entre
organização e ambiente.
Tomemos um exemplo. Em sua análise da produção ou da administração
burocrática e profissional, Stinchcombe (1959) argumentou que as empresas de
construção não se valem de pessoal administrativo burocraticamente organizado
por causa das flutuações sazonais na demanda. Os funcionários administrativos
constituem um custo indireto que permanece mais ou menos constante ao longo

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Ecologia de população das organizações  179

do ano. A vantagem da administração profissional – que, de outra forma, seria


cara (em termos de salários) – é que a coordenação do trabalho é realizada com
base na socialização prévia dos profissionais e da organização. Como os níveis de
emprego podem ser mais facilmente aumentados ou diminuídos com a demanda,
no sistema profissional, os custos administrativos são mais facilmente alterados
para corresponder à demanda.
A origem fundamental desse padrão é a variação sazonal na construção. Em
termos ecológicos, o ambiente de demanda é de qualidade grosseira. Além disso,
os dois estados definidos pela estação são bem diferentes, resultando numa curva
de fitness côncava. As empresas de construção civil com administração profissional
são provavelmente bem ineficientes quando a demanda atinge seu pico e quando
o tipo de habitação em construção é padronizado. Em tais situações, iríamos es-
perar que essa forma de organização enfrentasse competição dura de outras em-
presas. Por exemplo, em regiões onde a construção civil é menos sazonal, é mais
provável que floresçam casas modulares, casas móveis e pré-fabricadas e esperarí-
amos que o negócio da construção civil fosse mais altamente burocratizado.
Deve-se encontrar uma outra variação na demanda no ciclo de negócios. En-
quanto as flutuações sazonais são estáveis (a incerteza é baixa), as taxas de juros,
as relações de trabalho e os custos de materiais são mais difíceis de prever. As va-
riações desse tipo deveriam favorecer o modo generalista de adaptação. Ou seja,
quando os ambientes são incertos e de qualidade grosseira – caracterizados por
curvas de fitness côncavas – as populações de organizações terão maior probabi-
lidade de sobreviver, se diversificarem suas apostas, procurando uma variedade
mais ampla de fontes de recursos. Por essa razão, achamos que as organizações
de construção administradas em base profissional são muitas vezes empreiteiras
gerais que não somente constroem casas, mas também se engajam em outros ti-
pos de construção (centros comerciais, edifícios de escritórios etc.). Comparati-
vamente, a casa modular é mais barata e as unidades são instaladas em espaço
alugado. Por conseqüência, as taxas de juros são menos importantes. Como as or-
ganizações que produzem esse tipo de habitação não empregam profissionais es-
pecializados, mas usam a mão-de-obra mais barata que conseguem encontrar, as
relações de trabalho são menos problemáticas. Pode ser também que sua depen-
dência de diferentes tipos de materiais (por exemplo, chapas de alumínio) contri-
bua para um nível mais baixo de incerteza. Por conseqüência, esperaríamos que
essa forma de organização fosse mais altamente especializada em sua adaptação
(naturalmente, existem fatores técnicos que também contribuem para isso).
As empresas de construção administradas por profissionais especializados
(pedreiros, marceneiros, pintores, encanadores etc.) são estabelecidas de tal for-
ma que se adaptam rapidamente às mudanças na demanda, e elas podem se
adaptar a diferentes problemas de construção variando a composição de habi-
lidades representadas em sua força de trabalho. As empresas de construção ad-
ministradas burocraticamente são mais especializadas e como conseqüência são

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180  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

eficientes somente quando a demanda é alta, e muito ineficientes quando a de-


manda é baixa. Acreditamos também que elas tendem a ser mais especializadas
com relação ao tipo de construção. As organizações administradas por profissio-
nais especializados sacrificam a exploração eficiente de seu nicho em nome da
flexibilidade. As organizações burocráticas escolhem a estratégia contrária. Essa
formulação é uma extensão da de Stinchcombe e serve para mostrar que seu ar-
gumento é essencialmente ecológico.

Discussão

O objetivo neste trabalho foi caminhar no sentido de uma aplicação da moder­


na teoria da ecologia populacional ao estudo das relações entre organização e
ambiente. Para nós, a questão central é: por que existem tantos tipos de organiza-
ções? A formulação do problema nesses termos abre a possibilidade de se aplicar
uma rica variedade de modelos formais à análise dos efeitos das variações am-
bientais sobre a estrutura organizacional.
Começamos com a formulação clássica de ecologia humana, de Hawley. Entre­
tanto, reconhecemos que a teoria ecológica progrediu enormemente desde que
os sociólogos aplicaram, última e sistematicamente, idéias da bioecologia à orga-
nização social. No entanto, a perspectiva teórica de Hawley continua sendo um
ponto de partida muito útil. Em particular, concentramo-nos sobre o princípio do
isomorfismo. Esse princípio afirma que existe uma correspondência de um para
um entre os elementos estruturais da organização social e as unidades que agem
como mediadoras dos fluxos de recursos essenciais para o sistema. Ele explica
as variações nas formas organizacionais que estão em equilíbrio. Mas qualquer
isomorfismo observado pode surgir por causa da adaptação intencional das orga-
nizações às restrições comuns que elas enfrentam ou porque as não-isomórficas
são excluídas. Os dois processos, com certeza, funcionam na maioria dos sistemas
sociais. Acreditamos que a literatura sobre organizações enfatizou o primeiro, em
prejuízo do segundo.
Suspeitamos que uma pesquisa empírica cuidadosa revelará que para muitas
classes de organizações existem pressões inerciais muito fortes sobre a estrutu-
ra, que provêm tanto de arranjos internos (por exemplo, política interna) quan-
to do ambiente (por exemplo, legitimação pública da atividade organizacional).
Afirmar o contrário é ignorar a característica mais óbvia da vida organizacional.
Igrejas decadentes não se tornam lojas de varejo; nem empresas se transformam
em igrejas. Mesmo dentro de áreas amplas de ação organizacional, como a edu-
cação superior e a atividade sindical, parece haver obstáculos substanciais a uma
mudança estrutural fundamental. Impõe-se pesquisar este assunto. Mas antes de
ver evidência em sentido contrário, continuaremos a duvidar que as principais ca-
racterísticas do mundo das organizações provêm da aprendizagem ou adaptação.

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Ecologia de população das organizações  181

Dadas essas dúvidas, importa explorar uma explicação evolucionária do princípio


do isomorfismo. Isto é, desejamos embutir o princípio do isomorfismo dentro de
um modelo explícito de seleção.
Com o intuito de agregar os processos de seleção, propomos uma teoria da
com­petição que usa os modelos de Lotka-Volterra. Esta teoria depende dos mode­
los de crescimento que parecem adequados a representar tanto o desenvolvimen-
to organizacional como o crescimento das populações de organizações. Um traba-
lho recente de bioecologistas sobre os sistemas de Lotka-Volterra gera proposições
que têm relevância imediata para os estudos das relações entre organização e
ambiente. Esses resultados dizem respeito aos efeitos das mudanças no número
e na composição das restrições sobre os sistemas com respeito ao limite superior
de diversidade das formas de organização. Propomos que essas enuncia­ções pro-
positivas podem ser testadas pelo exame do impacto das variedades de regulação
estatal tanto sobre a diversidade das formas organizacionais quanto sobre o tama-
nho de suas distribuições dentro de áreas de atividade amplamente definidas (por
exemplo, serviço médico, educação superior e publicação de jornais). Uma exten-
são mais importante do trabalho de Hawley introduz considerações dinâmicas.
Aqui a questão fundamental é o significado do isomorfismo nas situações em que
o ambiente para o qual as unidades estão adaptadas está mudando e é incerto. De-
veriam as organizações “racionais” tentar desenvolver relações estruturais isomór-
ficas especializadas com um dos estados ambientais possíveis? Ou deveriam elas
adotar uma estratégia mais maleável e instituir características estruturais mais ge-
neralizadas? O princípio do isomorfismo não trata desses problemas.
Sugerimos que a implicação concreta do generalismo para as organizações é
a acumulação e a retenção de variedades de capacidade ociosa. Para reter a flexi­
bi­lidade de estrutura requerida para a adaptação a diferentes resultados ambien-
tais se exige que algumas capacidades sejam mantidas em reserva e não com-
prometidas com a ação. Os generalistas serão sempre superados, em termos de
desempenho, pelos especialistas, pois acontece que estes, ao contarem com os
mesmos níveis de recursos, simplesmente conseguiram encontrar seu ambiente
ótimo. Conseqüentemente, em qualquer corte transversal, os generalistas parece-
rão ineficientes, porque a capacidade ociosa será muitas vezes considerada des-
perdício. No entanto, a folga organizacional é uma característica difusa de muitos
tipos de organizações. Aí surge a questão: que tipos de ambientes favorecem os
generalistas? Para responder de maneira compreensiva a essa pergunta será ne-
cessário um longo caminho que nos leve a entender a dinâmica das relações entre
organização e ambiente.
Começamos a tratar dessa questão dentro do modelo sugestivo da teoria do
conjunto de fitness, de Levins (1962, 1968). Esta é parte de uma classe de teorias
recentes que relaciona a natureza da incerteza ambiental a níveis ótimos de espe-
cialismo estrutural. Levins argumenta que, além da incerteza, deve-se considerar
a qualidade do ambiente ou a irregularidade dos resultados ambientais. A teoria

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182  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

indica que o especialismo é sempre favorecido em ambientes estáveis ou certos.


Isto não é surpresa. Mas, ao contrário da visão amplamente sustentada na litera-
tura sobre organizações, a teoria também indica que o generalismo não é sempre
ótimo em ambientes incertos. Quando o ambiente se alterna de modo incerto
entre os estados, que colocam demandas muito diferentes sobre a organização,
e a duração dos estados ambientais é curta em relação à vida da organização (a
variação é de qualidade fina), as populações de organizações que se especializam
serão favorecidas em relação às que se tornam generalistas. Tal ocorre porque as
organizações que tentam se adaptar a cada resultado ambiental gastarão a maior
parte de seu tempo fazendo ajuste na estrutura e muito pouco tempo na ação or-
ganizacional voltada a outros fins.
Enunciada nesses termos, a proposição parece óbvia. No entanto, quando se
lê a literatura sobre as relações entre organização e ambiente, constata-se que
ela não é tão óbvia assim. De forma sumamente importante, a proposição decor-
re de um modelo explícito simples que tem a capacidade de unificar uma ampla
variedade de proposições que relacionam as variações ambientais à estrutura or-
ganizacional.
Identificamos alguns dos principais obstáculos conceituais e metodológicos
para a aplicação dos modelos de ecologia populacional ao estudo das relações
entre organização e ambiente. Indicamos as diferenças entre a organização so-
cial humana e a não humana, em termos de mecanismos de invariância estrutu-
ral e mudança estrutural, os problemas associados à delimitação das populações
de organizações e as dificuldades para definir a fitness referente a populações de
unidades que podem se expandir. Em cada caso apenas delineamos as questões e
propomos simplificações de curto prazo que facilitariam a aplicação de modelos
existentes. Obviamente, cada tópico merece um exame cuidadoso.
No momento, estamos pelo menos tão frustrados com a falta de informações
empíricas sobre os índices de seleção nas populações de organizações quanto
com os problemas sem solução que acabamos de mencionar. As informações dos
censos são apresentadas de maneira a tornar impossível o cálculo dos índices de
falência; e há pouca pesquisa longitudinal divulgada sobre as populações de or-
ganizações. Contudo, temos alguma informação sobre índices de seleção. Sabe-
mos, por exemplo, que são altos os índices de falência para pequenos negócios.
Segundo estimativas recentes, mais de 8% das empresas de pequenos negócios
vão à falência nos Estados Unidos a cada ano (Hollander, 1967; Bolton 1971; veja
também Churchill, 1955).
Em parte, este índice elevado de insucesso reflete o que Stinchcombe (1965)
chamou de ônus da novidade. Muitas organizações novas tentam entrar em ni-
chos que já foram preenchidos por organizações que acumularam recursos so-
ciais, econômicos e políticos que as tornam difíceis de serem desalojadas. É im-
portante determinar se há alguma desvantagem seletiva em relação à pequenez,
não em relação à novidade.

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Ecologia de população das organizações  183

Será que muitos leitores irão questionar o argumento de que os índices de


insucesso são elevados para organizações novas e/ou pequenas? Duvidamos. É
fato, no entanto, que grande parte da literatura sociológica e quase toda a litera-
tura crítica sobre grandes organizações aceitam tacitamente a visão de que essas
organizações não estão sujeitas a fortes pressões de seleção. Enquanto ainda não
dispomos de informação empírica para julgar essa hipótese, podemos fazer al-
guns comentários a respeito. Em primeiro lugar, não questionamos o fato de que
as maiores organizações exercem um forte domínio individual ou coletivo sobre a
maioria das organizações que constituem seus ambientes. Mas daí não se conclui
que essas organizações são fortes em qualquer época e que serão sempre fortes.
Assim, é interessante saber quão solidamente firmes são, de fato, as organizações
maiores e mais poderosas. Consideremos as 500 maiores empresas industriais de
capital aberto dos Estados Unidos, que aparecem na revista Fortune 500. Com-
paramos as listas de 1955 e 1975 (ajustando apenas as mudanças de nome). Da
lista de 1955, somente 268 (53,6%) ainda constavam na lista de 1975. Cento e
vinte e duas (122) tinham desaparecido por fusão, 109 não conseguiram se man-
ter entre as “500” e 1 (firma especializada em açúcar cubano!) faliu. O número
daquelas cujo crescimento relativo de vendas determinou seu desaparecimento
da lista é algo impressionante, já que um grande número de fusões abrira muitas
lacunas na lista. Portanto, vemos que, enquanto a falência de fato foi rara entre
as maiores empresas industriais dos Estados Unidos, num período de 20 anos, ha-
via muita volatilidade com respeito à posição nessa estrutura de pseudodomínio,
tanto por causa de fusões quanto por declínio em vendas.12
Em segundo lugar, a escolha da perspectiva temporal é importante. Mesmo
as maiores e mais poderosas organizações não conseguem sobreviver por longos
períodos de tempo. Por exemplo, das milhares de empresas em funcionamento
nos Estados Unidos durante a Revolução, somente 13 sobrevivem como empresas
autônomas e sete como divisões reconhecíveis de empresas atuais (Nation’s Busi-
ness, 1976). Presume-se que precisamos de uma perspectiva de tempo maior para
estudar a ecologia populacional das organizações maiores e mais poderosas.
Em terceiro lugar, o estudo das pequenas organizações não é uma má idéia.
A literatura sociológica se concentrou nas maiores organizações por razões ób-
vias de design. Mas, se as pressões inerciais sobre certos aspectos da estrutura
são fortes o suficiente, uma seleção intensa entre as pequenas organizações pode
restringir em grande escala a variedade observável entre as grandes organiza-
ções. Pelo menos alguns elementos da estrutura mudam com o tamanho (como
discutimos na seção dedicada às “descontinuidades na análise ecológica”) e não
se deve enfatizar excessivamente a pressão pela inércia. No entanto, vemos um
grande valor nos estudos do ciclo de vida organizacional que nos dariam informa-
ções sobre que aspectos da estrutura são bloqueados durante que fases do ciclo.
Por exemplo, conjetura-se que um período crítico é aquele em que a organiza-
ção cresce além do controle de um único proprietário/administrador. Nesse mo-
mento, parece provável que a maneira pela qual se delega a autoridade terá um

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184  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

impacto duradouro sobre a estrutura organizacional. Este é o período durante o


qual uma organização deixa de ser uma extensão de um ou de uns poucos indiví-
duos dominantes e se torna mais uma organização propriamente dita, com vida
própria. Se as pressões da seleção, nesta altura, são tão intensas quanto a evidên-
cia não publicada sugere que sejam, os modelos de seleção se mostrarão muito
úteis para explicar as variedades de formas entre todas as organizações.
O otimismo do parágrafo anterior deve ser temperado pela consciência de
que, quando examinamos as organizações maiores e mais poderosas, estamos em
geral considerando apenas um número pequeno de organizações. Quanto menor
for esse número, menos úteis são os modelos que dependem do tipo de mecanis-
mos aleatórios que fundamentam os modelos de ecologia populacional.
Em quarto lugar, devemos considerar o que um leitor anônimo, tomado pelo
espírito de nosso trabalho, chamou de ações antieugênicas de Estado para salvar
empresas como a Lockheed da falência. Este é um exemplo dramático de como
organizações grandes e dominadoras podem criar conexões com outras organi-
zações grandes e poderosas, para reduzir as pressões da seleção “natural”. Se es-
sas iniciativas surtem efeito, elas alteram o padrão da seleção. Em nossa visão,
a pressão da seleção é impelida para um nível mais alto. Assim, em vez de orga-
nizações individuais falindo, são redes inteiras que vão à ruína. A conseqüência
geral de um grande número de conexões desse tipo é o aumento na instabilidade
de todo o sistema (Simon, 1962 e 1973; May 1973) e, por isso, devemos presen-
ciar ciclos altos e baixos de resultados organizacionais. Portanto, os modelos de
seleção mantêm relevância, mesmo quando os sistemas de organizações estão
firmemente acoplados (veja Hannan, 1976).
Finalmente, alguns leitores das versões iniciais viram um caráter metafórico
em nossos argumentos (alguns o aprovando, outros não). Essa não é nossa in-
tenção. Num sentido fundamental, toda atividade teórica envolve uma atividade
metafórica (embora se reconheça que o termo analogia se aproxima mais do que
metáfora). O uso de metáforas ou analogias entra na formulação de proposições
do tipo “se ... então”. Por exemplo, certos modelos de genética molecular estabe-
lecem uma analogia entre superfícies de DNA e estruturas de cristal. As últimas
têm estruturas geométricas bem comportadas e simples, que se sujeitam a uma
forte análise topológica (matemática). Ninguém questiona que as proteínas de
DNA são cristais; mas na medida em que suas superfícies têm certas propriedades
semelhantes a cristais, o modelo matemático usado para analisar cristais lançará
luz sobre a estrutura genética. Esta é, como nós a entendemos, a estratégia geral
de construção de modelo.
Usamos, por exemplo, resultados que se apóiam na aplicação de certas equa-
ções diferenciais logísticas, as equações de Lotka-Volterra. Nenhuma população
conhecida (de animais, ou de organizações) cresce exatamente conforme especi-
fica este modelo matemático (e este fato levou inúmeros naturalistas a argumen-
tarem que o modelo não tem sentido para a biologia). O que as equações fazem é

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Ecologia de população das organizações  185

modelar a trajetória de crescimento das populações que vivem de recursos finitos


num sistema fechado (onde é logístico o crescimento da população na ausência
de competição e a presença de populações competitivas diminui a capacidade de
sustentação naquele sistema). Na medida em que as interações das populações
de Paramecium aureilia e P. caudatum (experimento de Gause) correspondem às
condições do modelo, este modelo explica certas características-chave da dinâmi-
ca populacional e a relação das variações ambientais com a estrutura. Na medida
em que as interações das populações de burocracias de tipo racional-legal e das
populações de burocracias do tipo patrimonial também satisfazem as condições
do modelo, este modelo explica os mesmos fenômenos importantes. Nem o pro-
tozoário nem as burocracias se comportam exatamente conforme estipula o mo-
delo. O modelo é uma abstração que levará a insights sempre que as condições
declaradas estiverem próximas.
Do começo ao fim, sustentamos a hipótese da continuidade natural. Propo-
mos que sempre que se sustentam as condições declaradas, os modelos levam
a insights valiosos, independentemente do fato de as populações estudadas se-
rem compostas de protozoários ou de organizações. Não argumentamos “meta-
foricamente”. Isto é, não argumentamos da seguinte maneira: constata-se que
uma regularidade empírica vale para certos protozoários; já que hipotetizamos
que as populações de organizações se assemelham às populações de protozo-
ários em pontos essenciais, propomos que as generalizações derivadas das úl-
timas também serão válidas para as organizações. Este é o tipo de raciocínio
pelo qual as proposições biológicas muitas vezes invadiram os argumentos so-
ciológicos (por exemplo, a famosa ou famigerada analogia organísmica propos-
ta por Spencer).
Em vez de aplicar as leis da biologia à organização social humana, advoga-
mos a aplicação das teorias da ecologia populacional. Como indicamos em vários
pontos, essas teorias são razoavelmente gerais e devem ser modificadas em rela-
ção a toda aplicação concreta (sociológica ou biológica). Nosso propósito foi du-
plo. Em primeiro lugar, esboçamos algumas alterações na perspectiva requerida,
caso se deva aplicar as teorias da ecologia populacional ao estudo das organiza-
ções. Em segundo lugar, quisemos estimular uma reabertura das linhas de comu-
nicação entre a sociologia e a ecologia. É uma ironia que o diagnóstico feito por
Hawley (1944, p. 399) há uns 30 anos continue válido ainda hoje: “É provável
que a maior parte das dificuldades que cercam a ecologia humana esteja ligada à
marginalização do assunto na corrente dominante do pensamento ecológico.”

Notas
1 
Esta pesquisa foi apoiada, em parte, por verbas da Fundação Nacional de Ciên-
cia (GS-32065) e da Fundação Spencer. Fomos agraciados com comentários úteis

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186  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

por parte de Amos Hawley, François Nielsen, John Meyer, Marshal Meyer, Jeffrey
Pfeffer e Howard Aldrich.
2
  Existe uma relação sutil entre seleção e adaptação. A aprendizagem de adapta-
ção para indivíduos em geral consiste na seleção de respostas comportamentais.
A adaptação para uma população envolve a seleção de tipos de membros. De um
modo mais geral, os processos que envolvem seleção comumente podem ser re-
formulados em processos de adaptação, num nível mais elevado de análise. En-
tretanto, logo que se escolhe uma unidade de análise, não há mais ambigüidade
para distinguir a seleção da adaptação. As organizações muitas vezes se adaptam
em conjunto às condições ambientais, o que sugere um efeito sistêmico. Embora
poucos teóricos neguem a existência desses efeitos sistêmicos, a maioria não os
considera um tema central de interesse. É importante observar que, do ponto de
vista dos sociólogos, cujos interesses enfocam o sistema social mais amplo, a sele-
ção que favorece organizações com um conjunto de propriedades, em detrimento
de outras com outras propriedades é, muitas vezes, um processo de adaptação.
As sociedades e comunidades, formadas em parte de organizações formais, se
adaptam parcialmente por meio de processos que ajustam o conjunto dos vários
tipos de organizações encontrados dentro delas. Enquanto uma teoria completa
ou acabada sobre organização e ambiente teria de levar em conta tanto a adap-
tação como a seleção, reconhecendo que estas são processos complementares, o
nosso propósito aqui é mostrar o que pode ser aprendido com o estudo isolado
da seleção (veja Aldrich e Pfeffer [1976], para uma revisão sintética da literatura
que focaliza essas diferentes perspectivas).
3
  A discussão de Meyer (1970) sobre o estatuto da organização fortalece o apoio
ao argumento de que esses acordos normativos alcançados no início da história
de uma organização limitam muito a extensão da adaptação organizacional às
restrições ambientais.
4
  A expressão forma organizacional é usada amplamente na literatura sociológica
(veja Stinchcombe, 1965).
5 
Nas aplicações biológicas, supõe-se que o poder (no sentido físico) é otimizado
pela seleção natural, de acordo com a assim chamada lei de Darwin-Lotka. Para
o caso da organização social humana, poder-se-ia argumentar que a seleção oti-
miza a utilização de um conjunto específico de recursos, incluindo o poder e o
tempo dos membros, mas não se restringindo a eles.
6
  Em nosso modelo de competição, incluímos apenas o primeiro e o terceiro está-
gios de Hawley. Preferimos tratar a uniformidade de resposta e a diversidade da
comunidade como conseqüências das combinações de certos processos competi-
tivos e características ambientais.
7
  Este assim chamado princípio tem acima de tudo valor sugestivo (veja MacAr-
thur [1972, p. 43-46] para uma crítica penetrante das tentativas de derivar im-
plicações quantitativas do princípio de Gause; a maior parte dessas críticas não
se aplica às inferências qualitativas que consideramos).

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Ecologia de população das organizações  187

Restringimos nossa atenção ao caso em que todas as entradas de A são não-ne-


8 

gativas. As entradas negativas são apropriadas para as relações entre predador e


presa (ou, de forma mais geral, entre hospedeiro e parasita). O resultado típico
para esse caso é o crescimento cíclico da população.
9
  Um enunciado mais preciso do teorema determina que não existe equilíbrio
estável para um sistema de M competidores e N < M recursos (MacArthur; Le-
vins, 1964).
  Para um enunciado mais amplo deste argumento em relação à organização ét-
10

nica, veja Hannan (1975).


11
  Que a seleção dependa de resultados médios é somente uma hipótese. Temple-
ton e Rothman (1974) argumentam que a seleção depende não de resultados mé-
dios, mas de algum nível mínimo de fitness. Não se sabe se os resultados médios
ou algum outro critério guiam a seleção nas populações de organizações; esta é
uma questão aberta. Seguimos Levins, para simplificar a exposição.
  Pelo menos de certos pontos de vista, as fusões podem ser vistas como mudan-
12

ças na forma. Este será quase certamente o caso, quando as organizações fundi-
das tiverem estruturas bem diferentes. Estes dados também indicam uma forte
vantagem seletiva para uma forma conglomerada de organização industrial.

Nota da Redação

Artigo traduzido e publicado sob o título: “Ecologia populacional das orga-


nizações”, na RAE – revista de administração de empresas, v. 45, n. 3, p. 70-91,
jul./set. 2005.

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9
Produção, custos de informação e
organização econômica*

Armen A. Alchian
Harold Demsetz

Introdução

A marca de uma sociedade capitalista é que os recursos são propriedade de


organizações não governamentais como firmas, famílias e mercados, e por elas
são alocados. Os donos dos recursos aumentam a produtividade pela especiali-
zação cooperativa, e isso leva à demanda por organizações econômicas que faci-
litem a cooperação. Quando uma empresa moveleira contrata um marceneiro, a
cooperação entre especialistas ocorre dentro da firma, e quando um marceneiro
compra madeira de um madeireiro, a cooperação acontece nos mercados (ou en-
tre as firmas).
Dois problemas importantes desafiam a teoria da organização econômica:
explicar as condições que determinam se os ganhos oriundos da especialização e
da produção cooperativa podem ser mais facilmente obtidos dentro de uma orga-
nização como a firma, ou nos mercados, e explicar a estrutura da organização.
Comumente se pensa que a firma se caracteriza pelo poder de resolver ques-
tões por fiat,1 por ordem de uma autoridade, ou por uma ação disciplinar supe-
rior àquela existente ou disponível no mercado. Isso é ilusão. A firma não é dona
de todos os seus insumos (inputs). Ela não tem poder de fiat, não tem autorida-

* Artigo originalmente publicado sob o título “Production, information costs, and economic organi­
zation”, de Armen A. Alchian e Harold Demsetz, em The American Economic Review, v. 62, n. 5,
p. 777-795, 1972. Publicado com autorização da American Economic Review. ©American Economic
Review/American Economic Association. Disponível em: <www.aeaweb.org/aer>.

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192  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

de, nem ação disciplinar que seja minimamente diferente, em qualquer grau, da
contratação ordinária de mercado que ocorre entre duas pessoas. Eu, por exem-
plo, posso “punir” você somente pela sustação de negócios futuros ou pela bus-
ca de indenização na justiça por você não honrar nosso acordo de troca. É isso
exatamente tudo o que qualquer empregador pode fazer. Ele pode demitir ou
processar, tal como eu posso dispensar a mercearia, deixando de comprar dela
ou processá-la por vender produtos com defeito. Qual é, pois, o conteúdo desse
poder presumido de administrar e designar funcionários para várias tarefas? É
exatamente igual ao poder que tem um pequeno consumidor de administrar e re-
portar seu merceeiro a várias tarefas. O consumidor individual pode atribuir ao
dono da mercearia a tarefa de conseguir qualquer coisa que ele consiga levá-lo a
prover-lhe por um preço que seja aceitável a ambos. Isso é precisamente tudo o
que um empregador pode fazer para seu empregado. Falar de administrar, dirigir,
ou designar trabalhadores para várias tarefas é uma forma falaciosa de observar
que o empregador está continuamente envolvido na renegociação de contratos
em termos que devem ser aceitáveis a ambas as partes. Mandar um empregado
digitar esta carta em vez de arquivar aquele documento é como eu dizer ao dono
da mercearia que me venda esta marca de atum em vez daquela de pão. Assim
como não tenho contrato para continuar a comprar da mercearia, o empregador
ou o empregado não são obrigados por qualquer contrato a continuar a sua rela-
ção. Contratos de longo prazo entre empregador e empregado não são a essência
da organização chamada firma. O meu merceeiro pode contar com meu retorno
todos os dias, com minhas compras de seus bens e serviços, mesmo que os pre-
ços não estejam sempre estampados nas mercadorias – pois eu os conheço – e ele
adapta sua atividade para se ajustar às instruções que lhe passo quanto ao que
quero a cada dia... ele não é meu empregado.
Onde a relação entre o dono da mercearia e seu empregado é, então, diferen-
te da relação entre o dono da mercearia e seus clientes? A diferença está no uso
de uma equipe de membros (inputs) e na posição centralizada de um dos interes-
sados nos arranjos contratuais de todos os outros. É, pois, o agente contratual cen-
tralizado num processo produtivo por equipe – e não uma dire­tiva superior autori-
tária ou poder disciplinar. O que é exatamente um processo de equipe e por que
ele induz a forma contratual chamada firma? São esses problemas que motivam
a investigação deste artigo.

O problema da medição

A organização econômica por meio da qual os donos de insumos (inputs)


cooperam fará melhor uso de suas vantagens comparativas à medida em que ela
facilita o pagamento das recompensas ou compensações de acordo com a produ-
tividade. Se as recompensas fossem aleatórias e sem consideração pelo empenho
produtivo, a organização não estaria oferecendo qualquer incentivo ao esforço

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Produção, custos de informação e organização econômica  193

produtivo; e se as recompensas fossem negativamente correlacionadas com a


produtividade, a organização estaria sujeita à sabotagem. Duas demandas-chave
são colocadas a uma organização econômica – a medição da produtividade do
insumo (membro integrante) e a medição das recompensas.2
Às vezes, os problemas de medição podem ser resolvidos pela troca de pro-
dutos em mercados competitivos, porque em muitas situações os mercados produ­
zem uma correlação elevada entre remunerações e produtividade. Se um fazen-
deiro aumenta sua produção de trigo em 10% em relação ao preço corrente no
mercado, sua receita também aumentará 10%. Esse método de organizar a ativi-
dade econômica mede a produção diretamente, revela o produto marginal e rateia
ou distribui de modo proporcional as recompensas aos proprietários dos recursos,
de acordo com a medida direta de sua produção. O sucesso dessa troca de mer-
cado descentralizada, no sentido de promover a especialização da produção, exi-
ge que as mudanças nas recompensas de mercado recaiam sobre os responsáveis
pelas mudanças na produção.3
A relação clássica na ciência econômica, que flui da produtividade marginal
à distribuição de renda, pressupõe implicitamente a existência de uma organiza-
ção – seja ela o mercado ou a firma – que aloca recompensas a recursos de acordo
com sua produtividade. O problema da organização econômica – os meios econô­
micos de medir a produtividade e as recompensas – não é confrontado direta-
mente na análise clássica da produção e distribuição. Em vez disso, essa análise
tende a supor meios que são suficientemente econômicos − ou de custo zero −
como se a produtividade criasse automaticamente sua própria recompensa. De
acordo com nossa conjetura, o sentido da causação é inverso: o sistema específico
de recompensa em que nos fiamos estimula uma resposta particular de produtivi-
dade. Se a organização econômica realiza uma medição deficiente, com correla-
ção fraca entre recompensas e produtividade, então a produtividade será menor;
mas se a organização econômica mede bem, a produtividade será maior. O que
torna difícil a medição e, portanto, nos leva a procedimentos para economizar
nos custos de medição?

Produção por equipe

Dois homens carregam juntos uma carga pesada para dentro de um cami-
nhão. Se observarmos somente a carga total carregada por dia, é impossível deter­
minar a produtividade marginal de cada pessoa. Com a produção por equipe é
difícil – se observarmos unicamente o produto total – definir ou determinar a
contribuição de cada indivíduo para esse produto dos insumos (membros) co-
operantes. Por definição, o produto é construído por uma equipe, e não é uma
soma de produtos separáveis de cada um de seus membros. A produção de equipe
Z envolve pelo menos dois insumos, Xi e Xj , com ∂2Z/∂Xi∂Xj ≠ 0.4 A função pro-
dução não é separável em duas funções, cada qual envolvendo apenas insumos

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194  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

Xi ou apenas insumos Xj. Conseqüentemente, não existe soma de Z de duas fun-


ções separáveis a serem tratadas como o Z da função de produção por equipe.
(Um exemplo de um caso separável é Z = aX 2i + bX 2j, que é separável em Zi = aX 2i
e Zj = bX 2j, em que Z = Zi + Zj. Isso não é produção por equipe.) Existem técnicas
de produção em que o Z obtido é maior do que se Xi e Xj tivessem produzido um
Z separável. A produção por equipe será usada se gerar um produto suficiente-
mente maior do que a soma da produção separável de Z, para cobrir os custos de
organizar e disciplinar os membros da equipe − o tema deste artigo.5
As explicações usuais dadas para os ganhos do comportamento cooperativo
se baseiam na troca e na produção, de acordo com o princípio da especialização
das vantagens comparativas com a produção cumulativa separável. No entanto,
como foi sugerido acima, há uma fonte de ganho da atividade de cooperação que
envolve trabalhar na forma de uma equipe, em que os insumos (membros) indi-
viduais cooperantes não geram produtos separados identificáveis que possam ser
somados para medir o produto total. Para essa atividade produtiva de coopera-
ção, aqui chamada produção de equipe, a mensuração da produtividade marginal
e os pagamentos correspondentes são mais caros por uma ordem de magnitude
do que para funções separáveis de produção.
A produção de equipe, repetindo, é uma produção em que: (1) vários tipos
de recursos são usados e (2) o resultado não é uma soma dos produtos separá-
veis de cada recurso de cooperação. Um fator adicional cria um problema para a
organização de equipe; (3) nem todos os recursos usados na produção de equipe
pertencem a uma única pessoa.
Não procuramos saber por que todos os recursos usados em conjunto não são
propriedade de uma só pessoa, mas antes estudar os tipos de organização, con-
tratos, procedimentos informacionais e de pagamentos que são usados entre os
proprietários dos insumos (integrantes) colaboradores. Com respeito ao caso do
proprietário único, talvez seja suficiente apenas observar que: (a) a escravidão é
proibida; (b) poder-se-ia supor aversão a risco como uma razão para alguém não
tomar empréstimo suficiente com o objetivo de comprar todos os ativos ou fontes
de serviços em vez de alugá-los; e (c) o spread entre compra e revenda pode ser
tão grande que os custos de ter a propriedade por um período curto excedam os
custos de aluguel. O nosso problema é visto basicamente como um problema de
organização entre pessoas diferentes, não de bens físicos ou serviços, por mais
que deva haver escolha e decisão sobre uma composição dos últimos.
Como podem os membros de uma equipe ser recompensados e motivados
a trabalhar com eficiência? Na produção por equipe, os produtos marginais dos
membros da equipe não são observáveis de forma tão direta e separável (isto é,
barata). O que uma equipe oferece ao mercado pode ser tomado como um pro-
duto marginal da equipe, mas não dos membros da equipe. Os custos de medição
ou aferição dos produtos marginais dos membros da equipe é que exigem novas
organizações e procedimentos. Os indícios para a produtividade de cada membro

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Produção, custos de informação e organização econômica  195

integrante podem ser assegurados pela observação do comportamento dos mem-


bros individuais. Ao erguer a carga para dentro do caminhão, com que rapidez
cada homem se move para a próxima peça a ser carregada, quantas interrupções
ele faz para fumar, a peça a ser erguida pende para o seu lado?
Se a detecção desse comportamento não tivesse custo, nenhuma das partes
teria um incentivo para fazer gazeta, porque nenhuma delas poderia impor à
outra o custo de sua gazeta (se houve acordo voluntário sobre sua cooperação).
Mas já que se tem que incorrer custos para a monitoração mútua, cada dono de
insumo terá mais incentivo para praticar gazeta quando trabalha como membro
de uma equipe do que se seu desempenho pudesse ser facilmente monitorado ou
se ele não trabalhasse na modalidade de equipe. Se houver um aumento líquido
de produtividade disponível graças à produção por equipe, descontado o custo
de medição associado ao disciplinamento da equipe, poder-se-á confiar mais na
produção por equipe do que na grande quantidade de trocas bilaterais de produ-
tos individuais separáveis.
Tanto o lazer como a renda mais alta entram na função de utilidade de uma
pessoa.6 Daí que cada qual deve ajustar seu trabalho e a recompensa realizada de
forma a igualar a taxa marginal de substituição entre lazer e produção do produ-
to real à sua taxa marginal de substituição no consumo. Isto é, a pessoa ajustaria
sua taxa de trabalho a fim de trazer seus preços de lazer e produto a um nível
equivalente a seus verdadeiros custos. Mas com os custos de detecção, fiscaliza-
ção, monitoramento, mensuração ou medição, cada pessoa será induzida a au-
mentar seu lazer, pois o efeito de relaxar em relação à sua taxa (de recompensa)
realizada de substituição entre produto e lazer será menor do que o efeito sobre
a verdadeira taxa de substituição. Seu custo realizado do lazer cairá mais que o
verdadeiro custo do lazer, de forma que ele “compra” lazer adicional (isto é, mais
recompensa não pecuniária.)
Se o seu relaxamento não puder ser detectado de forma perfeita a custo zero,
parte de seus efeitos será arcada pelos outros integrantes da equipe, tornando as-
sim menor o seu custo realizado de desleixo em relação ao verdadeiro custo total
para a equipe. A dificuldade de detectar essas ações permite que os custos pri-
vados de suas ações sejam menores do que seus custos totais. Como cada pessoa
responde antes à sua taxa realizável particular de substituição (na produção) do
que à verdadeira taxa total (isto é, social) e na medida em que houver custos para
que outras pessoas detectem sua tendência ao relaxamento, não (lhes) compen­
sará forçá-la a se reajustar totalmente, fazendo-a dar-se conta do verdadeiro cus-
to. Serão feitos apenas esforços suficientes para igualar os ganhos marginais da
atividade de detecção aos custos marginais da detecção; e isso implica uma taxa
menor de esforço produtivo e mais gazeta do que num mundo de monitoramento
ou mensuração sem custos.
Numa universidade, os professores usam telefone, papel e correio da insti-
tuição para fins pessoais que vão além a estrita produção universitária. Os admi-

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196  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

nistradores universitários poderiam evitar essas práticas, identificando a pessoa


responsável em cada caso, mas elas podem fazê-lo apenas a custos mais elevados
do que estão dispostas a incorrer. Os custos extras incorridos para identificar cada
pessoa (em vez de meramente identificar essa atividade) excederiam as economias
obtidas com a diminuição dos “pecadilhos ignóbeis”. Por isso, permite-se ao corpo
docente um certo grau de “privilégios, prerrogativas ou benefícios adicionais”. E o
total dos salários pecuniários pagos é mais baixo em virtude desse grau irredutível
(a custos aceitáveis) de cortesias. O pagamento é menor em termos monetários,
porém mais alto em lazer, conveniência e disposição de trabalho. Ainda assim,
todo mundo preferiria ver uma detecção mais eficiente (se fosse de alguma forma
possível monitorar sem custos), de forma que, como parte da equipe agora mais
efetivamente produtiva, cada um pudesse, em conseqüência, perceber um paga-
mento pecuniário mais alto e um lazer menor. Se cada qual pudesse, a custo zero,
ter sua taxa realizada de recompensa equivalente à taxa real da verdadeira possibi-
lidade de produção, todos poderiam lograr uma posição de maior preferência. Mas
a detecção das partes responsáveis é custosa; este custo funciona como um impos-
to sobre as compensações do trabalho.7 O resultado é a viabilidade da gazeta.
Que formas de organizar a produção por equipe baixarão o custo de detec-
tar o “desempenho” (isto é, a produtividade marginal) e aproximarão as taxas
pessoal­mente realizadas de substituição às verdadeiras taxas de substituição?
A competição de mercado, em princípio, poderia monitorar uma produção por
equipe. (Ela já organiza equipes). Os donos de insumos (mão-de-obra) que não
fazem parte da equipe podem oferecer, em troca de uma participação menor
nas recompensas da equipe, a substituição dos membros que cabulam em exces-
so (isto é, que são sobrepagos). A concorrência de mercado entre os potenciais
membros de equipe determinaria a associação à equipe e as recompensas indivi-
duais. Não haveria líder, gerente, organizador, dono ou empregador de equipe.
Para que tal controle organizacional descentralizado funcione, os outsiders, pos-
sivelmente depois de observar o produto total de cada equipe, podem especular
sobre suas capacidades ou potencialidades como membros de equipe e, por um
processo competitivo de mercado, formar-se-ão e serão mantidas equipes reno-
vadas com maior capacidade produtiva. Os membros titulares serão ameaçados
de serem substituídos por outsiders que oferecem serviços em troca de cotas de
recompensa menores ou que oferecem recompensas maiores aos outros membros
da equipe. Todo membro de equipe que pratica gazeta, na expectativa de que o
efeito reduzido na produção não lhe seja atribuído, será afastado se sua atividade
for detectada. As equipes de insumos produtivos, como as unidades de negócios,
evoluiriam com visível espontaneidade no mercado – sem qualquer agente orga-
nizador central, administrador de equipe ou chefe.
Mas, por duas razões, não se pode esperar um controle totalmente efetivo de
uma competição de mercado individualizada. Em primeiro lugar, para que essa
competição seja plenamente efetiva, os novos candidatos à equipe têm que saber
onde e em que medida a gazeta é um problema sério, isto é, saber que eles podem

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Produção, custos de informação e organização econômica  197

aumentar o produto líquido comparativamente aos insumos que eles substituem.


Na medida em que isto é verdadeiro, torna-se provavelmente possível que os atuais
membros da equipe reconheçam a gazeta. Mas, por definição, a detecção da práti-
ca de gazeta pela observação do produto da equipe cobra seu custo à produção por
equipe. Em segundo lugar, suponha que existam custos de detecção e suponha que
para assegurar um lugar na equipe, um novo dono de insumo deva aceitar uma
fração de recompensa menor (ou uma promessa de produção maior). Então, seu
incentivo para gazetear ainda seria pelo menos tão grande quanto os incentivos
disponíveis aos insumos (membros) substituídos, pois ele ainda arcaria com me-
nos do que toda a redução na produção da equipe pela qual é responsável.

A firma clássica

Um método de reduzir a gazeta é alguém se especializar como monitor para


checar o desempenho de cada membro da equipe.8 Mas quem vai monitorar o
monitor? Uma restrição ao monitor é a competição de mercado mencionada aci-
ma, oferecida por outros monitores, mas esta, por razões já adiantadas, não é
perfeitamente eficaz. Outra restrição pode ser imposta ao monitor: dar-lhe o di-
reito aos ganhos líquidos da equipe, sem pagamentos aos outros insumos. Se os
donos dos insumos cooperantes concordarem que o monitor deva receber todo o
produto residual acima das quantidades prescritas (supostamente, o valor mar-
ginal dos produtos dos outros insumos), o monitor terá um incentivo adicional
para não gazear ou negligenciar como monitor. A especialização em monitoração
mais a confiança no status de reclamante residual reduzirão a gazeta; mas são
necessários laços adicionais para forjar a firma da teoria econômica clássica. De
que modo o reclamante residual vai monitorar os outros insumos?
Usamos o termo ‘monitor’ para conotar várias atividades, além de sua acep-
ção disciplinar. Ele significa mensurar o desempenho em relação ao produto,
distribuir as compensações em termos proporcionais, observar o comportamen-
to contributivo dos insumos como meio de detectar ou calcular sua produtivida-
de marginal e distribuir tarefas ou dar instruções sobre o que e como fazer. (Ele
também inclui, como veremos mais adiante, a autoridade para encerrar ou re-
ver contratos.) A comparação entre o técnico de futebol (americano) e o capitão
da equipe talvez ajude a entender a questão. O técnico escolhe as estratégias e
táticas e dá instruções sobre as jogadas a serem praticadas. O capitão é essen-
cialmente um observador e um repórter do desempenho que está perto dos joga-
dores. O último se assemelha a um comissário atendente enquanto o técnico pre-
figura um gerente supervisor. Por ora, todas essas atividades estão incluídas sob
a rubrica de “monitoração”. Todas essas tarefas são, em princípio, negociáveis
nos mercados, mas nós estamos presumindo que essa mensuração de mercado
das produtividades marginais e das redistribuições de tarefa não são executadas
de forma tão barata numa produção de equipe. E nossa análise, em particular,

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sugere que não são tanto os custos de negociar contratos espontaneamente nos
mercados entre os grupos, para uma produção de equipe, que exigem o tipo de
organização que está em jogo aqui, quanto é a verificação do desempenho dos
membros individuais da equipe.
O especialista que receber as recompensas residuais será o monitor dos mem-
bros da equipe (isto é, administrará o uso dos insumos cooperativos). O monitor
produz o seu ganho residual pela redução de gazeta que ele consegue obter, não
apenas pelos preços que ele concorda pagar aos donos dos insumos, mas tam-
bém pela observação e direcionamento das ações ou dos usos desses insumos. A
administração ou o exame das maneiras às quais os insumos são postos a uso na
produção por equipe é um método de medir a produtividade marginal dos insumos
individuais para o produto da equipe.
Para disciplinar os membros da equipe e reduzir a gazeta, o monitor resi­dual
deve ter o poder de rever os termos contratuais e os incentivos dos membros in-
dividuais sem ter que dar fim ou alterar o contrato de cada um dos outros insu-
mos. Portanto, os membros da equipe que procuram aumentar sua produtividade
darão ao monitor não somente o direito de reclamante residual, mas também o
direito de alterar as filiações individuais à equipe e seu desempenho nela. Natu­
ral­mente, cada membro da equipe pode interromper sua participação (isto é, dei-
xar a equipe), mas somente o monitor pode cortar unilateralmente a vinculação
de qualquer outro membro, sem necessariamente dissolver a própria equipe ou
encerrar sua associação a ela; e somente ele pode expandir ou reduzir o número
de membros, alterar a composição de membros, ou vender o direito de ser o mo-
nitor-reclamante-residual da equipe. É todo este conjunto de direitos – viz.: (1)
ser o titular ou reclamante residual; (2) observar o comportamento do insumo;
(3) ser o elemento central e comum a todos os contratos com insumos; (4) alterar
a composição de membros da equipe; e (5) vender esses direitos – que define a
propriedade (ou o empregador) da firma clássica (capitalista ou de livre iniciati-
va). A conjunção desses direitos surgiu, segundo indica nossa análise, porque ela
resolve melhor o problema da produção por equipe – no que tange à informação
sobre gazeta – do que o arranjo contratual não centralizado.
A relação de cada membro da equipe com o dono da firma (isto é, o elemento
comum a todos os contratos de insumos e o reclamante residual) é simplesmente
um contrato de troca mútua de bens ou serviços. Cada um faz uma compra e uma
venda. O empregado “ordena” ao dono da equipe que o compense com dinheiro
da mesma forma que o empregador orienta o membro da equipe a realizar certos
atos. O empregado pode encerrar o contrato tão prontamente quanto o empre-
gador e, por isso, os contratos de longo prazo não são um atributo essencial da
firma. Da mesma forma, atributos autoritários, arbitrários ou de fiat não são re-
levantes para o conceito de firma ou de sua eficiência.
Em suma, há duas condições necessárias para o surgimento da firma, a par-
tir do pressuposto prévio de que elas – além da riqueza pecuniária – fazem parte

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Produção, custos de informação e organização econômica  199

das funções de utilidade: (1) É possível aumentar a produtividade pela produção


via equipe – uma técnica de produção cuja mensuração direta dos produtos mar-
ginais de insumos cooperativos sai cara; isso torna mais difícil restringir a gazeta
pela simples troca de mercado dos insumos cooperantes. (2) É econômico calcu-
lar a produtividade marginal, observando ou especificando o comportamento do
insumo. A ocorrência simultânea dessas duas precondições faz com que surja a
organização contratual de insumos conhecida como firma capitalista clássica, com
(a) produção por equipe de insumos; (b) vários donos de insumos; (c) um ele-
mento comum a todos os contratos de insumos cooperativos; (d) que tem direitos
de renegociar o contrato de qualquer insumo, independentemente dos contratos
com outros donos de insumos; (e) que mantém o direito de reclamante residual;
e (f) que possui o direito de vender seu status residual contratual central.9

Outras teorias da firma

A essa altura, em forma de aparte, colocamos brevemente essa teoria da fir-


ma nos contextos oferecidos por Ronald Coase e Frank Knight.10 A nossa visão
da firma não é necessariamente inconsistente com a de Coase; tentamos avançar
mais e identificar implicações refutáveis. O insight perspicaz de Coase consistiu
em explorar mais o fato de que os mercados não operam sem custos, e ele se fun-
damenta no custo de se usar mercados para formar contratos como sua explica-
ção básica para a existência de firmas. Não discordamos da proposição segundo a
qual, ceteris paribus, quanto maior for o custo de transacionar em mercados tanto
maior será a vantagem comparativa de organizar recursos dentro da firma; é difí-
cil discordar dessa proposição ou refutá-la. Poderíamos, com a mesma facilidade,
subscrever a uma teoria da firma baseada no custo de administrar recursos, por-
que com certeza é verdade que, ceteris paribus, quanto menor for o custo dessa
administração, maior será a vantagem comparativa de se organizar recursos den-
tro da firma. Para fazer a teoria avançar, é necessário saber o que se quer dizer
com “firma” e explicar as circunstâncias sob as quais o custo de “administrar” re-
cursos é baixo em relação ao custo de alocá-los via transações de mercado. A con-
cepção e o fundamento racional para a firma clássica que apresentamos dá um
passo adiante no caminho apontado por Coase em busca desse objetivo. Dar aten-
ção à produção por equipe, à organização de equipe, à dificuldade de se medir a
produção e ao problema da gazeta – são todas considerações importantes para a
nossa explicação, mas, até onde podemos verificar, não para a de Coase. A análise
de Coase, tal como foi desenvolvida até o momento, sugeriria contratos flexíveis,
mas não parece implicar qualquer outra coisa – nem o status de reclamante resi-
dual ou a distinção entre status de empregado e de subempreiteiro (como tam-
bém nenhuma das implicações indicadas a seguir). Também não é verdade que os
empregados são contratados com base em acordos de longo prazo, mais do que
com base numa série de contratos de curto prazo ou de prazo indeterminado.

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200  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

A importância dos elementos adicionais que propomos é revelada, por exem-


plo, pela explicação de por que a pessoa a quem o monitor de controle é responsá-
vel recebe o residual, e também por nossa discussão ulterior sobre as implicações
para a corporação, as parcerias e o compartilhamento dos lucros. Essas formas
alternativas de organização da firma são difíceis de resolver com base apenas nos
custos da transação de mercado. Nossa exposição também sugere uma definição
da firma clássica − algo crucial que até agora não existia.
Além disso, às vezes um certo desenvolvimento tecnológico pode diminuir o
custo das transações de mercado, ao mesmo tempo em que expande o papel da
firma. Quando se usava o sistema inicial de “produção” na tecelagem, os insumos
eram em grande parte organizados via negociações de mercado. Com o desen-
volvimento de fontes centrais eficientes de energia elétrica, tornou-se econômico
produzir a tecelagem perto da fonte de energia e se engajar em produção por equi-
pe. O agrupamento dos tecelões com toda certeza deve ter reduzido o custo da
negociação (formação) de contratos. No entanto, o que observamos é o início do
sistema fabril, em que os insumos são organizados dentro de uma firma. Por quê?
Os tecelões não se deslocaram simplesmente para junto de uma fonte comum de
energia que eles podiam explorar como uma linha elétrica, comprando energia
enquanto usavam seu próprio equipamento. Agora, a produção por equipe, com o
uso conjunto do equipamento, tornava-se mais importante. A mensuração da pro-
dutividade marginal – que agora envolvia interações entre os trabalhadores, espe-
cialmente por seu uso conjunto das máquinas – tornou-se mais difícil, apesar de
se ter reduzido o custo da negociação de contratos, ao passo que a gestão do com-
portamento dos insumos tornou-se mais fácil, por causa da maior centralização da
atividade. Enquanto organização, a firma se expandiu, apesar de o custo das tran-
sações haver se reduzido pelo advento do poder centralizado. Poder-se-ia dizer o
mesmo em relação às modernas linhas de montagem. Portanto, a emergência das
fontes centrais de energia ampliou o escopo da atividade produtiva, fazendo a fir-
ma gozar de uma vantagem comparativa enquanto forma organizacional.
Alguns economistas, seguindo Knight, identificaram que há riscos de mudan-
ça de fortuna com a figura do gestor ou do empregador central, sem explicar por
que este é um arranjo viável. É presumível que os insumos mais avessos a risco
se tornem antes empregados do que donos da firma clássica. A aversão a risco e
a incerteza em relação às fortunas da firma têm pouco ou nada a ver com a nossa
explicação, embora nos ajude a esclarecer por que todos os recursos, numa equi-
pe, não são de propriedade de uma pessoa só. Isto é, o papel do risco tomado no
sentido de absorver os efeitos inesperados que fustigam a firma – por causa de
competição imprevisível, de mudança tecnológica, ou de flutuações na deman-
da – não é central para a nossa teoria, ainda que seja verdade que o conhecimen-
to imperfeito e, portanto, o risco, nesse sentido de risco, dê base ao problema da
monitoração do comportamento da equipe. Deduzimos o sistema de pagamento
ao gestor com um direito residual (patrimônio líquido) com base no desejo de
ter meios eficientes para reduzir o gazeta de tal forma a tornar econômica a pro-

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Produção, custos de informação e organização econômica  201

dução por equipe, e não com base na aversão menor a riscos de iniciativa numa
economia dinâmica. Conjeturamos que a “distribuição de risco” não é um funda-
mento racional válido para a existência e organização da firma clássica.
Embora tenhamos enfatizado que a produção de equipe cria uma tarefa onero­
sa de medição e tenhamos tratado a produção por equipe como uma condição es-
sencial (necessária?) para a firma, não haveria outros obstáculos à medição bara-
ta que também exigiriam o mesmo tipo de arranjo contratual aqui caracterizado
como firma? Suponha-se, por exemplo, que um fazendeiro produza trigo numa
quantidade facilmente averiguada, mas com variações de qualidade sutis e difí-
ceis de se detectar, que são determinadas pelo modo como ele cultiva o trigo. A
integração vertical poderia permitir que um comprador controlasse o comporta-
mento do fazendeiro, a fim de estimar a produtividade de um modo mais econô-
mico. Mas esse não é um caso de produção conjunta ou por equipe, a menos que
a “informação” possa ser considerada parte do produto. (Embora se possa montar
um bom caso dessa concepção mais ampla de produção, vamos deixá-la de lado
aqui.) Em vez de formar uma firma, um comprador pode contratar um inspetor
para ficar no local de produção, exatamente da mesma forma que os construto-
res de casas contratam arquitetos para supervisionar os contratos de construção;
este arranjo não é uma firma. Ainda assim, poder-se-ia organizar uma firma para
a produção de muitos produtos sem envolver qualquer produção por equipe ou
por uso conjunto de recursos de propriedade distinta.
Essa possibilidade indica, de uma forma muito clara, uma abordagem mais
ampla ou complementar àquela que escolhemos. (1) Como fazemos neste artigo,
pode-se argumentar que a firma é um artifício de fiscalização particular utilizado
quando há produção por equipe. Se aparecerem outras fontes de custos de fisca-
lização elevados, como no caso do trigo, será usada uma outra forma de arranjo.
Assim, para cada fonte de custo informacional pode haver um tipo diferente de
arranjo contratual e de fiscalização. (2) Por outro lado, pode-se dizer que onde é
difícil fiscalizar mercados, são imaginadas várias formas de arranjos contratuais.
Mas não há razão para que a assim chamada firma se relacione exclusivamen-
te ou mesmo tenha alta correlação com a produção por equipe, como definida
aqui. Ele poderia ser usado também de forma provável e viável em outras fontes
com alto custo de fiscalização. Não analisamos de forma intensa outras fontes e
podemos apenas observar que a nossa conjectura atual e rapidamente revisável
é a de que a (1) é válida e nos levou a esta iniciativa. Em todo o caso, o teste da
teoria proposta aqui é ver se as condições que identificamos são necessárias para
que as firmas tenham viabilidade de longo prazo em vez de apenas nascimentos
com alta taxa de mortalidade infantil. As firmas conglomeradas ou conjuntos de
agentes isolados de produção reunidos numa única organização autônoma po-
dem ser interpretadas como um truste de investimento ou como um instrumento
de diversificação de investimentos – provavelmente em linha com o que motivou
a interpretação de Knight. Uma empresa holding pode se chamar firma, em vir-
tude da associação comum da palavra firma a qualquer unidade de propriedade

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202  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

que possui fontes de renda. O termo firma, na forma como normalmente se usa,
está tão carregado de sentido que não podemos ter a esperança de explicar toda
entidade à que se associa este nome na literatura comum ou mesmo técnica. Em
vez disso, procuramos identificar e explicar um arranjo contratual particular in-
duzido pelo custo dos fatores de informação analisados neste artigo.

Tipos de firmas

Firmas que compartilham lucro

Em nossa explicação da firma capitalista está explícito o pressuposto de que o


custo de administrar os insumos da equipe por um monitor central – que se auto-
disciplina por ser o reclamante residual – é baixo em relação ao custo da medição
dos produtos marginais dos membros da equipe.
Se olhamos para uma firma a fim de ver quem monitora – contrata, demite,
faz mudanças, promove e renegocia – devemos encontrá-lo na figura de um re-
clamante residual ou, pelo menos, na de alguém cujo pagamento ou recompensa
é superior a qualquer outro correlacionado com flutuações no valor residual da
firma. É mais provável que ele tenha mais opções ou direitos ou bônus do que os
insumos com outras tarefas.
Um pressuposto “auxiliar” implícito em nossa explicação da firma é que o
cus­to da produção por equipe sofre aumento se o direito residual não perten-
cer inteiramente ao monitor central. Isto é, admitimos que se fosse necessário
depender do compartilhamento do lucro entre todos os membros da equipe, as
perdas devidas ao aumento resultante na gazeta do monitor central excederiam
os ganhos de produção devidos aos incentivos maiores que os outros membros
da equipe recebem para não cabular. Se o tamanho ótimo da equipe for apenas
de dois donos de insumos, então uma divisão igualitária dos lucros e perdas en-
tre eles propiciará a cada um deles incentivos mais fortes para reduzir a gazeta
do que se o tamanho ótimo da equipe for grande, porque nesse caso apenas uma
porcentagem menor das perdas ocasionadas pelo gazeteiro será arcada por ele.
Os incentivos para gazetear relacionam-se positivamente com o tamanho ótimo
da equipe num esquema de compartilhamento igualitário de lucros.11
O que acabamos de ver não implica que o compartilhamento de lucros jamais
seja viável. O compartilhamento de lucros para estimular a autofiscalização é mais
conveniente para equipes pequenas. E, de fato, onde os donos de insumos são livres
para fazer os arranjos contratuais que mais lhes convêm, como é em geral o caso
em economias capitalistas, o compartilhamento de lucros parece em grande parte
limitado a parcerias com poucos sócios atuantes.12 Outra vantagem desses arranjos
para equipes menores é que eles permitem uma monitoração recíproca mais eficaz
entre os insumos. A monitoração não precisa ser inteiramente especializada.

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Produção, custos de informação e organização econômica  203

O compartilhamento de lucros é mais viável se o tamanho pequeno da equi-


pe estiver associado a situações em que o custo da administração especializada
dos insumos é grande em relação ao potencial de produtividade maior no esfor-
ço da equipe. Conjeturamos que o custo de administração dos insumos da equi-
pe aumen­ta se for difícil correlacionar a produtividade de um membro da equipe
com seu comportamento. No trabalho “artístico” ou “profissional”, a observação
das ativida­des de um homem não é uma boa pista para avaliar o que ele está, de
fato, pensando ou fazendo com sua mente. Enquanto é relativamente fácil admi-
nistrar ou orientar o carregamento de caminhões por uma equipe de trabalhado-
res de uma doca, onde o insumo se relaciona de uma maneira muito forte e óbvia
com o resultado, é mais difícil administrar e orientar um advogado na preparação
e apresentação de um caso. Os trabalhadores da doca podem ser detalhadamente
instruídos, sem que o próprio monitor tenha que carregar o caminhão, e os tra-
balhadores de uma linha de montagem podem ser monitorados pela variação na
velocidade da linha de montagem, mas a instrução detalhada para a preparação
de um caso legal exigiria, em grau muito maior, que o próprio monitor preparasse
o caso. Por conseqüência, os insumos artísticos ou profissionais, como os advoga-
dos, os publicitários e os médicos terão uma maior liberdade relativa com respei-
to a seus comportamentos individuais. Se a gestão dos insumos for relativamente
onerosa ou ineficaz, como poderia parecer nesses casos, mas se, não obstante, o
esforço da equipe for mais produtivo do que a produção separável com trocas em
mercados, então desenvolver-se-á uma tendência a se usar esquemas de compar-
tilhamento de lucros para oferecer incentivos no sentido de evitar gazeta.13

Firmas socialistas

Analisamos em sua natureza a propriedade clássica e as firmas que comparti-


lham lucro no contexto da livre associação e escolha da organização econômica.
Essas organizações não precisam ser as mais viáveis quando as formas de organi-
zação passíveis de escolha são limitadas por restrições políticas. Uma coisa é ter
compartilhamento de lucros quando talentos profissionais ou artísticos são usa-
dos por pequenas equipes. Mas quando considerações políticas, tributárias ou de
subsídios induzem técnicas de compartilhamento de lucros, que não seriam, de
outra forma, economicamente justificáveis, desenvolver-se-ão então técnicas adi-
cionais de administração para ajudar a reduzir o grau de gazeta.
Por exemplo, a maioria, senão todas as firmas na Iugoslávia são propriedades
dos funcionários, no sentido estrito de que todos compartilham do saldo residu-
al. Isso é verdadeiro para firmas grandes e para firmas que empregam igualmen-
te trabalhadores não artísticos ou não profissionais. Com o enfraquecimento das
restrições políticas, poder-se-ia esperar que a maior parte dessas firmas se escu-
dasse antes num sistema salarial do que em cotas do residual. Isso tem base em
nossa premissa auxiliar de que o compartilhamento geral nos saldos residuais re-

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204  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

sulta em perdas devidas à gazeta do monitor que excedem os ganhos provenien-


tes da gazeta menor dos empregados que compartilham o residual. Se não fosse
assim, o compartilhamento dos lucros com os empregados deveria ter ocorrido
com mais freqüência nas sociedades ocidentais, onde essas organizações não são
alvo de banimento ou de preferência política. Onde o compartilhamento do re-
sidual pelos empregados é uma imposição política, como no caso da Iugoslávia,
somos levados a esperar que surja alguma técnica administrativa para reduzir a
gazeta do monitor central, uma técnica que não será encontrada com freqüên-
cia nas sociedades ocidentais, onde o monitor retém todo ou grande parte do
excedente e o compartilhamento do lucro em grande parte se limita a situações
reduzidas de produção artístico-profissional por equipe. Nas firmas de comparti-
lhamento residual de escala maior, na Iugoslávia, constatamos de fato que há co-
mitês de empregados que podem recomendar (ao Estado) a rescisão do contrato
do gestor (vetar sua permanência) com a empresa. Conjeturamos que o comitê
de trabalhadores tem o direito de recomendar a interrupção do contrato de um
gestor precisamente porque o compartilhamento geral do saldo residual aumenta
“excessivamente” o incentivo do gestor à gazeta.14

A corporação

Todas as firmas precisam inicialmente adquirir domínio sobre alguns recur-


sos. A corporação faz isso principalmente vendendo promessas de retornos futuros
àqueles que (como credores ou proprietários) fornecem recursos financeiros. Em
algumas situações, os recursos podem ser adquiridos adiantadamente dos consu-
midores em troca da promessa de entrega ou de serviço futuro (por exemplo, ven-
da antecipada de um livro proposto). Ou, onde a firma não passa de alguns poucos
artistas ou profissionais, cada um pode contribuir, com tempo e talento, até que
a venda dos serviços resulte em receitas. Na maioria das vezes, o capital pode ser
adquirido de forma mais barata, se muitos investidores (avessos ao risco) contri-
buem com pequenas quantias para um grande investimento. As economias que se
logram com o levantamento de grandes somas de capital próprio dessa maneira
sugerem que são necessárias modificações na relação entre os insumos corpora-
tivos para enfrentar o problema da gazeta que surge com o compartilhamento de
lucros entre um grande número de acionistas corporativos. Uma dessas modifi-
cações é o recurso a um volume limitado capital de terceiros, especialmente para
firmas que são grandes em relação ao patrimônio de um acionista. Serve para pro-
teger os acionistas contra grandes perdas, independentemente do que as cause.
Se todos os detentores de ações participassem de cada decisão numa corpo-
ração, não somente seriam incorridos grandes custos burocráticos, como também
muitos acionistas negligenciariam a tarefa de obter boas informações sobre o as-
sunto a ser decidido, já que as perdas associadas a decisões que se revelassem ines-
peradamente mal tomadas seriam arcadas em boa parte pela maioria dos outros

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Produção, custos de informação e organização econômica  205

acionistas. Obtém-se um controle mais eficaz da atividade corporativa em relação


à maior parte dos fins, quando se transfere a autoridade da decisão para um grupo
menor, cuja principal função é negociar e gerir (renegociar com) os outros insumos
da equipe. Os acionistas retêm a autoridade de rever a composição do grupo gestor
e as principais decisões que afetam a estrutura da corporação ou sua dissolução.
Como resultado, induz-se uma nova modificação nas parcerias – o direito à
venda das ações da corporação sem a aprovação de quaisquer outros acionistas.
Todo acionista pode subtrair seus bens ao controle de outros com quem tenha
diferenças de opinião. Em vez de tentar controlar as decisões da administração,
o que é mais difícil de se conseguir com muitos acionistas do que com poucos, a
faculdade de vender sem restrições oferece uma saída mais aceitável a cada acio-
nista que discorde das políticas vigentes.
De fato, a fiscalização da gazeta ou negligência gerencial tem seu fundamen-
to na competição de mercado representada por novos grupos que aspiram ao pos-
to de gestores, bem como na competição entre membros internos da firma que
procuram remover a administração existente. Além da competição entre admi-
nistradores, de fora e de dentro, o controle é facilitado pelo congelamento tem-
porário dos votos acionários em blocos de votos pertencentes a um ou a poucos
contendores. As guerras de procurações ou compras de ações reúnem os votos
necessários para remover os gestores de plantão ou modificar as políticas de ges-
tão. Mas o que é almejado pelos interesses financeiros recém-formados, seja de
acionistas novos ou antigos, é mais do que uma simples mudança na política. É o
reflexo ou a capitalização dos benefícios futuros esperados nos preços das ações,
o que concentra, na mão dos inovadores, os ganhos de valor de suas iniciativas,
se eles possuem um grande número de ações. Sem a capitalização de benefícios
futuros, haveria menos incentivo para incorrer nos custos necessários para exer-
cer uma influência decisiva e esclarecida sobre as políticas da corporação e a
administração do pessoal. Por algum tempo, a estrutura da propriedade é refor-
mada, afastando-se da propriedade difusa rumo a blocos de poder inequívocos,
e este é o renascimento momentâneo da firma clássica, com o poder novamente
concentrado nas mãos daqueles que têm o direito ao resultado residual.
Quando se avalia a importância do poder dos acionistas observa-se que não
é a difusão usual do poder de voto que é significativa, mas, pelo contrário, é a
freqüência com que a votação se congela na forma de mudanças decisivas. Até
mesmo uma empresa de um único dono pode ter um período longo com apenas
um administrador – que é continuamente aprovado pelo proprietário. De modo
semelhante, uma empresa com poder de voto disperso também pode se carac-
terizar por uma administração de longa duração. O problema é a probabilidade
de substituição da administração, caso ela se comporte de maneira não aceitável
para a maioria dos acionistas. A faculdade de venda sem restrições das ações e
a transferência de procurações aumenta a probabilidade de uma ação decisiva,
caso os acionistas atuais ou quaisquer outsiders acreditem que os gestores não es-

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206  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

tão fazendo um bom trabalho com a empresa. Não estamos comparando a capa-
cidade de resposta ou a responsividade da empresa com a de propriedade de um
dono só; pelo contrário, estamos indicando aspectos da estrutura corporativa que
são induzidos pelo problema da autoridade delegada a monitores de gestão.15

Firmas conjuntas e sem fins lucrativos

Os benefícios obtidos pela nova gestão são maiores se as ações puderem ser
compradas e vendidas, porque isso possibilita a capitalização de melhorias fu-
turas previstas em riqueza atual para os novos administradores que compraram
ações e criaram um capital maior por suas mudanças gerenciais. Mas em em-
presas sem fins lucrativos, faculdades, igrejas, clubes de campo, bancos de pou-
pança pública, companhias de seguro em grupo e “cooperativas”, as conseqüên-
cias futuras da gestão melhorada não são capitalizadas em riqueza atual para
os acionistas. (Para tornar por assim dizer mais difícil essa disputa entre novos
aspirantes a monitoria, ações múltiplas de propriedade não podem ser adquiri-
das por uma só pessoa nessas empresas.) Portanto, é de se esperar mais gazeta
ou desleixo em empresas de propriedade mútua e sem fins lucrativos. (Este fato
sugere que as empresas sem fins lucrativos são apropriadas nos campos de atu-
ação em que se deseja mais gazeta e menos usos redirecionados da empresa em
resposta a valores revelados pelo mercado.)

Parcerias

A produção por equipe no campo de aptidões intelectuais artísticas ou profis­


sionais será realizada mais provavelmente por parcerias do que por outros tipos
de produção por equipe. Isso significa atividade de equipe organizada pelo mer-
cado e status de não empregador. Portanto, serão usadas antes parcerias que se
automonitoram do que contratos entre empregador e empregado, e essas orga-
nizações serão pequenas para prevenir uma diluição excessiva dos esforços por
meio de gazeta. De igual modo, as parcerias ocorrem mais provavelmente entre
parentes ou conhecidos de longa data, não necessariamente só porque comparti-
lhem uma função de utilidade, mas também porque conhecem melhor as carac-
terísticas de trabalho uns dos outros e as tendências para a gazeta.

Sindicatos de trabalhadores

Independentemente do que fazem a mais, os sindicatos de trabalhadores


­atuam como monitores para os empregados. Os empregadores monitoram os em-
pregados e, de modo semelhante, os empregados monitoram o desempenho do
empregador. Os salários estão sendo pagos em termos corretos, em dia e em moe­
da de aceitação geral? De um modo geral, é extremamente fácil checar isso. Mas

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Produção, custos de informação e organização econômica  207

algumas formas de atuação do empregador são menos fáceis de se medir e estão


mais sujeitas à gazeta ou ao desleixo do empregador. Os benefícios adicionais mui-
tas vezes têm a forma não pecuniária, contingencial; os seguros médico, hospita-
lar e contra acidentes e as pensões de aposentadoria são pagamentos ou exercícios
contingenciais feitos parcialmente em espécie pelos empregadores aos emprega-
dos. O empregado não é capaz de julgar isoladamente o caráter desses pagamen-
tos de maneira tão fácil como se fossem salários em moeda. O seguro é um paga-
mento contingencial – o que o empregado receber num evento contingencial pode
representar uma total decepção. Se ele pudesse verificar o que os outros emprega-
dos obtiveram por ocasião de eventos contingenciais, ele poderia julgar com mais
precisão a atuação do empregador. Ele poderia “confiar” que o empregador não
gazeasse ou fosse negligente nesses pagamentos de benefícios adicionais, mas pre-
feriria uma monitoração efetiva e econômica desses pagamentos. Este é um moni-
tor especialista – o agente dos trabalhadores sindicalizados – contratado por eles
e que monitora os aspectos do pagamento do empregador que são mais difíceis de
serem monitorados pelos empregados. Os empregados deveriam ter a disposição
de empregar um monitor especialista para administrar esse desempenho difícil de
se detectar, mesmo que o monitor deles tenha incentivos para não usar os fundos
de pensão e de aposentadoria inteiramente em favor dos empregados.

Espírito de equipe e lealdade

Todo membro de equipe preferiria uma equipe em que ninguém, nem mesmo
ele próprio, praticasse gazeta. Assim, os verdadeiros custos e valores marginais
poderiam ser equacionados para se alcançar posições mais elevadas. Se se pudes-
se promover o interesse comum sem gazeta em nome da lealdade ou do espírito
de equipe, a equipe seria mais eficiente. Nos esportes em que mais claramente
aparece a atividade de equipe cobra-se, de forma muito forte, o senso de lealdade
e o espírito de equipe. Obviamente, com espírito de equipe e lealdade, a equipe é
melhor, porque se tem menos gazeta – não porque haja algum outro aspecto ine-
rente à lealdade ou ao espírito em si.16
As empresas e firmas de negócios tentam instilar um espírito de lealdade.
Isso não deve ser visto simplesmente como um artifício para aumentar os lucros
via sobrecarga de trabalho ou tentativa de enganar os empregados, nem como
um anseio juvenil de ser membro de um grupo. Promove uma maior aproximação
em relação às verdadeiras taxas potencialmente disponíveis de substituição entre
produção e lazer e possibilita a cada membro da equipe conquistar uma situação
mais avançada. A dificuldade, naturalmente, é criar esse espírito de equipe e essa
lealdade em termos econômicos. Isso pode ser pregado com uma aura de código
moral de conduta – uma moralidade que tem literalmente a mesma base dos Dez
Mandamentos – para refrear a nossa conduta em relação ao que escolheríamos se
arcássemos com todos os nossos custos.

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208  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

Tipos de insumos que pertencem à firma

Até aqui a discussão examinou por que as firmas – como as definimos – exis-
tem. Isto é, por que existe um dono empregador que é a parte interessada comum
nos contratos com os outros proprietários de insumos na atividade de equipe? A
resposta a essa questão deveria também indicar o tipo de recursos que o monitor
proprietário central provavelmente utilizaria conjuntamente enquanto dono e o
tipo de recursos que provavelmente seria contratado de pessoas que não são do-
nos de equipe. Podemos identificar características ou traços dos vários insumos
que os fazem ser contratados ou ser de propriedade da firma?
Como pode o reclamante residual, o proprietário empregador central, demons­
trar a capacidade de pagar aos outros insumos contratados a quantia prometida em
caso de prejuízo? Ele pode pagar adiantado ou pode consignar riqueza em volume
suficiente para cobrir saldos negativos. Esta última assumirá a forma de máquinas,
terra, edifícios ou matéria-prima consignada à firma. Considerando-se os direitos
de propriedade assistidos às pessoas, as consignações de riqueza em forma de tra-
balho (isto é, riqueza humana) são menos viáveis. Essas considerações sugerem que
os reclamantes residuais – os proprietários de firmas – serão investidores de equipa-
mento de capital passível de revenda em sua firma. Os bens ou insumos – em que
os proprietários da empresa mais provavelmente investirão, em vez de usarem por
aluguel – terão valores de revenda mais altos em relação ao custo inicial e terão ex-
pectativa de uso mais longa numa firma em relação à vida econômica do bem.
Mas, além desses fatores, há aqueles desenvolvidos acima para explicar a
existência da instituição conhecida como firma: os custos de detectar o desem-
penho da produção. Quando se utiliza um recurso durável, ele terá um produ-
to marginal e uma depreciação. Sua utilização exige um pagamento para cobrir
pelo menos a depreciação induzida pelo uso; a menos que esse custo do usuário
possa ser especificamente detectado, seu pagamento será cobrado de acordo com
a depreciação esperada. E podemos apurar as circunstâncias para cada caso. Um
martelo indestrutível, com um produto marginal facilmente determinável, tem
custo zero de usuário. Mas suponha-se que o martelo seja destruível e que seu
uso sem cuidado (que é mais fácil que seu uso com cuidado) seja mais abusivo
e cause maior depreciação do martelo. Suponha-se, além disso, que o abuso seja
mais fácil de detectar pela observação da maneira como ele é usado do que pela
observação do martelo somente depois de seu uso, ou pela medição da produção
obtida com o martelo pelo operário. Se o martelo fosse alugado e usado na au-
sência do proprietário, a depreciação seria maior do que se o uso fosse observado
pelo dono e o usuário fosse cobrado de acordo com a depreciação imposta. (O
uso descuidado é mais provável do que o uso cuidadoso – caso não se pague pela
depreciação maior.) Um proprietário ausente cobraria, portanto, uma taxa de
aluguel mais alta por causa do custo esperado maior do usuário do que se o item
fosse usado por ele mesmo. A expectativa é mais alta por causa da dificuldade
maior de observar o custo específico do usuário pela inspeção do martelo após o

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Produção, custos de informação e organização econômica  209

uso. Portanto, o aluguel é, nesse caso, mais dispendioso do que o uso pelo pro-
prietário. Esse é o conteúdo válido das expressões enganosas de que a proprieda-
de é mais econômica do que o aluguel – ignorando-se todos os demais fatores que
possam funcionar em sentido oposto, como a provisão para impostos, ocupação
de curto prazo e a prevenção ao risco do capital.
Exemplos melhores são as ferramentas das profissões. Os relojoeiros, os enge-
nheiros e os carpinteiros tendem a ter suas próprias ferramentas, especialmente
se forem portáteis. É mais provável que os caminhões pertençam ao empregado
do que outros insumos igualmente caros de equipe, porque é relativamente bara-
to para o motorista fiscalizar os cuidados necessários ao uso de um caminhão. A
fiscalização do uso de caminhões feita por um proprietário não motorista é mais
provável de acontecer com veículos que não são especializados ou destinados a
um motorista exclusivo, como é o caso dos ônibus de transporte coletivo.
O fator que nos interessa aqui é o que se refere aos custos de monitoração
não apenas do desempenho bruto de produção de um insumos, mas também do
abuso ou da depreciação imposta sobre o insumos no curso de seu uso. Se a de-
preciação ou o custo do usuário pode ser detectado de uma forma mais barata
quando o proprietário puder ver seu uso do que apenas por ver o insumos antes
e depois, ele preferirá usá-lo a alugá-lo. Os recursos cujo custo de usuário é mais
difícil de detectar, quando usados por outros, tendem, por essa razão, a ser usa-
dos pelo dono. A propriedade ausente, na linguagem leiga, será menos provável.
Suponha-se momentaneamente que o serviço da mão-de-obra não possa ser rea-
lizado na ausência de seu proprietário. O dono da mão-de-obra pode monitorar
qualquer abuso seu de forma mais barata do que se, de alguma maneira, os servi-
ços laborais pudessem ser providos sem que o proprietário do trabalho observas-
se seu modo de uso ou soubesse o que estava acontecendo. Da mesma forma, o
incentivo para abusar de si aumenta se ele não é dono de si mesmo.17
A similaridade entre a análise precedente e a questão do senhorio ausente e
do arranjo de meeiros não é acidental. Os mesmos fatores que explicam os arran-
jos contratuais conhecidos como firma ajudam a explicar a incidência de proprie-
dade arrendada, a contratação de mão-de-obra ou os arranjos de meeiros.18

Firmas como instituição de mercado especializada para coletar,


conferir e vender informações sobre insumos

A firma faz as vezes de um mercado altamente especializado. Toda pessoa


que contemple uma atividade por insumos conjuntos deve procurar e detectar
as qualidades dos insumos conjuntos que existem. Ela pode contatar uma agên-
cia de empregos, mas, numa cidade pequena, essa agência teria pouca vantagem
em relação a uma firma grande com muitos insumos. O empregador, em virtu-
de de monitorar muitos insumos, acaba obtendo informações especiais de qua-

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210  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

lidade superior a respeito de seus talentos produtivos. Isso ajuda a eficiência de


sua diretiva (isto é, de contratação no mercado). Ele “vende” sua informação aos
insumos-empregados, enquanto os ajuda a determinar boas combinações de in-
sumos para a atividade de equipe. Aqueles que trabalham como empregados ou
lhe prestam serviços por contrato o estão usando para visualizar melhores com-
binações de insumos. O empregador-diretor não somente “decide” o que cada
insumos vai produzir, como também calcula que insumos heterogêneos vão tra-
balhar juntos mais eficientemente, e ele faz isso no contexto de um mercado de
propriedade privada à disposição para formar equipes. A loja de departamentos
é uma firma e é um mercado privado superior. As pessoas que vão às compras e
trabalham numa cidade podem, da mesma forma, ir às compras e trabalhar numa
firma de propriedade privada.
Essa função mercadológica torna-se obscura, na literatura teórica, pela pres-
suposição de fatores homogêneos. Ou se a deixa tacitamente aos indivíduos para
que eles mesmos a façam via busca pessoal de mercado, como se tivessem que
pesquisar sem contar com o benefício de varejistas especializados. Independen-
temente de o sucesso da firma ter acontecido ou não por causa deste serviço efi-
ciente de informações, ele dá ao empregador-diretor mais conhecimento sobre os
talentos produtivos dos insumos da equipe e uma base para decisões melhores
sobre composições eficientes e vantajosas desses recursos heterogêneos.
Em outras palavras, as oportunidades para a produção lucrativa de equi-
pe pelos insumos que já estão na firma podem ser determinadas de forma mais
econô­mica e precisa do que para os recursos de fora da firma. Pode-se identificar
e determinar, de forma mais econômica, composições melhores de insumos a par-
tir dos recursos já usados na organização do que pela obtenção de novos recursos
(e o conhecimento deles) de fora dela. Uma firma preferirá a promoção e a revi-
são das atribuições (contratos) dos empregados à contratação de novos insumos.
Na medida em que isso ocorre, há razão para se esperar que a firma seja capaz de
operar como um conglomerado em vez de persistir com a produção de um único
produto. A produção eficiente com recursos heterogêneos resulta não de se pos-
suir melhores recursos, mas por se conhecer mais precisamente os desempenhos
relativos desses recursos para a produção. Os recursos mais pobres podem ser re-
munerados a menor, de acordo com sua inferioridade; é antes a exatidão maior
do conhecimento das ações produtivas potenciais e reais dos insumos do que a
posse de recursos de alta produtividade que torna uma firma (ou uma atribuição
de inputs) lucrativa.19

Resumo

Enquanto os contratos ordinários facilitam a especialização eficiente de acor-


do com uma vantagem comparativa, para a produção de equipe usa-se comu-
mente uma classe especial de contratos num grupo de insumos associados para

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Produção, custos de informação e organização econômica  211

um processo de produção por equipe. Em vez de haver contratos multilaterais


entre todos os proprietários de insumos associados, um participante central que
é comum ao conjunto dos contratos bilaterais facilita a organização eficiente dos
inputs comuns na produção por equipe. Os termos dos contratos formam a base
da entidade chamada firma – especialmente apropriada para a organização dos
processos de produção por equipe.
A atividade produtiva de equipe é aquela em que a união ou o uso conjunto
dos insumos gera um produto maior do que a soma dos produtos dos insumos
usados separadamente. Essa produção por equipe exige – como todos os outros
processos de produção – que se apure as produtividades marginais, caso se tente
lograr uma produção eficiente. A não separabilidade dos produtos dos vários in-
sumos associados – pertencentes a diferentes donos – aumenta o custo de apura-
ção das produtividades marginais desses recursos ou serviços para cada dono de
insumos. A monitoração ou a medição das produtividades com vistas a comparar
as produtividades marginais aos custos dos insumos e com vistas a reduzir a par-
tir daí a prática de gazeta pode ser atingida de forma mais econômica numa firma
(do que nas negociações bilaterais de mercado entre os insumos).
A essência da firma clássica é identificada aqui como uma estrutura contra­
tual que apresenta: (1) produção por insumos associados; (2) vários donos de in-
sumos; (3) uma parte interessada que é comum a todos os contratos de insumos
associados; (4) que tem direitos de renegociar o contrato de qualquer insumo in-
dependentemente dos contratos com donos de outros insumos; (5) que é o titular
residual; e (6) que tem o direito de vender seu status central contratual residual.
O agente central é o dono da firma e o empregador. Nenhum controle autoritá-
rio está envolvido; o arranjo é simplesmente uma estrutura contratual sujeita a
constante renegociação com o agente central. A estrutura contratual surge como
um meio de aperfeiçoar a organização eficiente de produção por equipe. Em par-
ticular, por esse arranjo aumenta-se a capacidade de detectar a prática de gazeta
entre os proprietários dos insumos usados em conjunto na produção por equipe
(reduzem-se os custos de detecção) e torna-se mais econômica (pela revisão dos
contratos) a disciplina dos proprietários de insumos.
A análise de diferentes tipos de organizações – sem fins lucrativos, privadas
com fins lucrativos, sindicatos, cooperativas, parcerias – e os tipos de insumos
que em geral pertencem à firma, em contraste com os que são empregados por
ela, sugerem implicações passíveis de serem testadas.
Concluímos com uma interpretação altamente conjetural, embora possivel-
mente significativa. Como conseqüência do fluxo das informações para a parte
interessada central (o empregador), a firma assume a característica de um mer-
cado eficiente, no sentido de que agora a informação sobre as características
produtivas de um grande conjunto de insumos específicos torna-se mais aces-
sível em termos econômicos. Pode-se dessa forma apurar recomposições de ní-
vel melhor ou novos usos de recursos com mais eficiência do que pela pesquisa

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212  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

convencional no mercado em geral. Nesse sentido, os insumos antes competem


uns com os ­outros dentro da firma e por meio dela do que apenas nos mercados
em seu sentido convencional. A ênfase sobre a competição interfirmas obscurece
a competição intrafirmas entre os insumos. A concepção da concorrência como
revelação e troca de conhecimento ou informação sobre qualidades e usos poten-
ciais de diferentes insumos em aplicações potenciais diferentes indica que a fir-
ma é um artifício para aumentar a concorrência entre conjuntos de recursos de
insumos bem como um artifício para remunerar mais eficientemente os insumos.
Contrastando com os mercados e as cidades que podem ser vistos como praças
comerciais públicas ou sem donos privados, a firma pode ser vista como um mer-
cado com dono privado; sendo assim, podemos considerar a firma e o mercado
comum como tipos de mercados concorrentes, uma competição entre mercados
de propriedade privada e mercados públicos ou comunais. Será que o mercado
sofre dos defeitos dos direitos de propriedade comunais ao organizar e influen-
ciar os usos de recursos valiosos?

Notas
1
  Fiat é uma alusão à ordem divina da criação, no livro do Gênesis. Essa ordem é
incondicionada e por isso não é contingente (N. do T.)
2
  Medir significa mensurar e também ratear ou dividir em partes proporcionais.
Pode-se medir (mensurar) o produto e pode-se também medir (controlar) o pro-
duto. Usamos a palavra para denotar os dois sentidos; o contexto indicará qual.
3
  A riqueza de quem produz seria reduzida pelo valor presente capitalizado da
renda futura perdida com a perda de reputação. A reputação, isto é, a credibili­
dade, é um ativo, o que equivale a dizer que a informação confiável acerca do de­
sem­penho esperado é um bem tão custoso quanto valioso. Por motivos de força
maior que interferem no desempenho do contrato, ambas as partes têm incen-
tivos para chegar a um acordo semelhante àquele que poderia ter sido logrado
se esses eventos tivessem sido cobertos por cláusulas contingenciais específicas.
A razão, novamente, é que a reputação por negociações “honestas” – isto é, por
ações semelhantes às que provavelmente teriam sido alcançadas, se o contrato
tivesse contemplado essa contingência – é uma riqueza.
Quase todo o contrato é flexível, no sentido de que muitas contingências não
são contempladas. Por exemplo, se um incêndio atrasa a produção de um produ-
to prometido por A a B, e se B argumenta que A não cumpriu o contrato, como se
resolve a controvérsia e que compensação, se houver, A vai conceder a B? Uma
pessoa leiga ou não iniciada nessas questões pode se surpreender com a extensão
em que os contratos permitem a ambas as partes evadir-se de seus compromis-
sos ou anular o contrato. De fato, é difícil imaginar algum contrato que, quando
tomado unicamente em termos de suas estipulações, não possa ser descumprido

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Produção, custos de informação e organização econômica  213

por uma de suas partes. No entanto, esse é o tipo de contrato dominante, viável.
Por quê? A melhor discussão que vimos sobre esse assunto é, sem dúvida, a de
Steward Macauley.
Há meios, não somente para detectar ou prevenir a fraude, mas também para
decidir como alocar as perdas ou ganhos oriundos de eventos ou qualidade im-
previsíveis de itens trocados. Os contratos de venda incluem cartas de garantia
contra defeitos, garantias de reembolso, cauções, direitos de devolução e cláu-
sulas de penalidade por falhas específicas de funcionamento. Esses são meios
de reconhecer riscos de perda por fraude. Um preço menor sem garantia – uma
compra de um item “no estado em que está” – traz mais riscos para o comprador,
enquanto o vendedor compra seguro contra as perdas de sua “fraude”. Por outro
lado, uma garantia ou privilégio de devolução ou contrato de um serviço impõe
mais riscos ao vendedor com o seguro adquirido pelo comprador.
A função é separável em funções aditivas se a derivada parcial cruzada for igual
4 

a zero, isto é, se ∂2Z/∂Xi ∂Xj = 0.


Com suficiente generalidade de notação e concepção, essa função de produção
5 

por equipe poderia ser formulada como um caso de interpretação generalizada


da função de produção, feita por nosso colega E. A. Thompson.
Mais precisamente: “se nada além da renda pecuniária entrar em sua função de
6 

utilidade”. Para simplificar a exposição, o lazer representa toda a renda não pe-
cuniária.
7 
Não suponha que o único resultado do custo de detectar a gazeta seja uma for-
ma de pagamento (mais lazer e menos dinheiro no bolso no fim do mês). Cada
um, entre os vários membros da equipe, tem um incentivo para fraudar cada um
dos outros ao se envolver acima da média com esse lazer, se o empregador não
for capaz de identificar, a custo zero, que empregado está gazeando acima da
média. Por conseqüência, toda a produtividade da equipe cai. Assim, os custos de
detecção da gazeta mudam a forma de pagamento e também resultam em recom­
pensas totais menores. Como as derivadas parciais cruzadas são positivas, a ga-
zeta reduz os produtos marginais das outras pessoas.
O que se quer dizer com performance, ou desempenho? Energia de insumos,
8 

inicia­tiva, atitude de trabalho, transpiração ou grau de exaustão? Ou produto?


O que se busca é o último – o efeito, ou produto. Mas performance é um termo
capricho­samente ambíguo, pois sugere ao mesmo tempo insumo (input) e pro-
duto (out­put). É caprichosamente ambíguo porque – como vamos ver, às vezes,
quando inspecionamos a atividade de insumo de um membro da equipe – pode-
mos julgar melhor o seu efeito de produto, quiçá não com precisão total, mas me-
lhor do que quando inspecionamos a produção da equipe. Nem sempre é verdade
que inspecionar a atividade de insumo é o único ou o melhor meio de detectar,
mensurar ou monitorar os efeitos de produto de cada membro da equipe, mas,
em alguns casos, é uma maneira útil. Por ora, a palavra desempenho refere-se es-
pecificamente a esses aspectos e facilita a concentração sobre outras questões.

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214  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

A remoção de (b) transforma uma firma de propriedade capitalista numa firma


9 

socialista.
Sobre esse assunto, deve-se reconhecer também as investigações seminais de
10 

Moris Silver e Richard Auster e de H. B. Malmgren.


Enquanto o grau de centralização dos direitos residuais afetar o tamanho da
11 

equipe, esse será apenas um dos muitos fatores que determinam esse tamanho,
de forma que, à guisa de aproximação, podemos considerar que o tamanho da
equipe é exogenamente determinado. Com certas premissas sobre a forma da
função de utilidade “típica”, pode-se medir o incentivo para evitar gazeta com
compartilhamento desigual de lucros por meio do índice de Herfindahl.
O uso da palavra atuante será esclarecido em nossa discussão da corporação,
12 

que se segue.
Alguns contratos de compartilhamento – como os de partição de colheita, ou os
13 

pagamentos de aluguel baseados em receita bruta nas lojas de varejo – se asseme-


lham ao compartilhamento de lucros. No entanto, trata-se de compartilhamento
de produto bruto, não de lucro. Não temos condições para especificar as implica-
ções da diferença. Remetemos o leitor a S. N. Cheung.
Incidentalmente, a atividade de investimento será alterada. A incapacidade
14 

de capitalizar o valor do investimento como riqueza de provisões “próprias” dos


membros da firma significa que os benefícios do investimento devem ser tomados
como renda anual por aqueles que estão empregados por ocasião da ocorrência
da renda. O investimento limitar-se-á mais a quem tiver vida mais curta e taxas
ou prêmios mais altos, se a alternativa de investimento estiver pagando a renda
da firma a seus empregados para que a levem para casa e a usem como proprie-
dade privada. Para a elaboração dessa proposição, ver os artigos de Eirik Furo­
botn e Svetozar Pejovich e de Pejovich.
Em vez de conceber os acionistas à maneira de proprietários associados, pode-
15 

mos entendê-los como investidores, à maneira de detentores de títulos de dívida,


salvo que os acionistas são mais otimistas que os credores sobre as perspectivas
da empresa. Em vez de comprar títulos de dívida da empresa, experimentando
dessa forma riscos menores, os acionistas preferem investir fundos com retorno
realizável maior, se a firma prosperar conforme se espera, mas com retornos me-
nores (e possivelmente negativos), se a firma tiver desempenho mais próximo
ao esperado pelos investidores mais pessimistas. Os investidores pessimistas, por
sua vez, pensam apenas que é provável que os títulos de dívida compensem.
Se o organizador-empreendedor deve levantar capital nas condições mais fa-
voráveis a ele, ser-lhe-á vantajoso, como também aos investidores prospectivos
ou potenciais, que reconheçam essas diferenças nas expectativas. O direito ao
saldo residual sobre os ganhos usufruídos pelos acionistas não se presta à função
de melhorar sua eficiência como monitores na situação geral. Os acionistas são
“meramente” os membros menos avessos a risco ou mais otimistas do grupo que

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Produção, custos de informação e organização econômica  215

financia a firma. Sendo mais otimistas que a média e visualizando um retorno


futuro de valor médio mais alto, eles estão propensos a pagar mais por um papel
que lhes permita realizar ganhos conforme suas expectativas. Um método de pro-
ceder dessa maneira é comprar direitos relativos à distribuição de retornos que
“eles vêem” como se fossem detentores de títulos de dívida – que são mais pessi-
mistas – ou seja, comprar um direito à distribuição que eles julgam mais provável
de acontecer. Nesse caso, os acionistas são comparáveis a detentores de títulos de
dívida conversíveis. Eles não se interessam pelo direito de voto (que, em geral,
não está associado a títulos de dívida conversíveis); eles estão na mesma posição
dos detentores de títulos de dívida, no que tange a direito de voto. A única di-
ferença está na distribuição de probabilidade das recompensas e nos termos em
que eles podem fazer suas apostas.
Se tratamos os detentores de títulos de dívida, os acionistas preferenciais
e os preferenciais conversíveis, os acionistas ordinários e os detentores de títu-
los de dívida conversíveis, simplesmente como diferentes classes de investido-
res, que diferem não apenas por sua aversão a risco mas por suas crenças sobre
a distribuição de probabilidade dos ganhos futuros da firma – por que devem os
acionistas ser encarados como “donos” em qualquer sentido distinto dos outros
investidores financeiros? O organizador-empreendedor – que supomos ser o exe-
cutivo-mor das operações (chief operating officer) e repositório único do controle
da corporação – não vê que sua autoridade reside nos acionistas comuns (exceto
no caso de a empresa trocar de dono). Faz esse tipo de controle alguma diferença
na maneira como a firma é conduzida? Faria alguma diferença nos tipos de com-
portamento que seriam tolerados por gestores e investidores rivais (e aqui nos
abstemos deliberadamente de pensar sobre eles como acionistas proprietários no
sentido tradicional)?
Os investidores do passado recordam a incidência significativa de ações ordi-
nárias sem direito a voto, hoje proibidas nas corporações cujas ações são negocia-
das em bolsas de valores. (Por que proibidas?) O empreendedor de então podia
possuir ações com direito a voto, ao passo que os investidores possuíam ações sem
direito a voto, as quais, em qualquer outro aspecto, eram idênticas. Os acionistas
sem direito a voto eram simplesmente investidores sem conotações de proprietá-
rios. O controle e o comportamento dos proprietários internos nessas empresas,
pelo que nos consta, nunca foram cuidadosamente estudados. Por exemplo, no
nível mais elementar de interesse, há evidência que comprove que os acionistas
não votantes se saíam pior por que não possuíam direito a voto? Permitiram os
proprietários aos acionistas não votantes que tivessem o retorno normal disponí-
vel aos votantes? Embora seja proibitivamente caro obter evidências a respeito, é
notável que ações com e sem direito de voto tenham sido vendidas por preços es-
sencialmente idênticos, mesmo em meio a batalhas de procurações. No entanto,
nossa evidência fortuita não merece mais que um crédito de interesse inicial.
Mais um ponto. A fachada é enganosa. Em vez de ações sem direito a voto,
temos hoje títulos de dívida conversíveis, ações preferenciais conversíveis, que

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216  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

são todos apenas ou parcialmente direitos sobre o “patrimônio próprio” sem po-
der de voto, muito embora possam ser convertidas em ações com esse direito.
Em suma, emana a relação investidor-acionista da divisão da propriedade en-
tre diversas pessoas, ou será que o fator subjacente é o conjunto de fundos de in-
vestimento de pessoas com previsões variantes? Se for este último o caso, por que
deveriam quaisquer deles ser entendidos como proprietários em quem deveriam
residir os direitos de voto, independentemente do que signifiquem e de como
possam ser exercidos, a fim de melhorar a eficiência? Por que haveria direitos de
voto para quaisquer investidores participantes de fora?
Nossa percepção inicial dessa diferença possivelmente significativa na inter-
pretação foi precipitada por Henry Manne. A leitura de seu artigo torna claro
que é difícil entender por que razão um investidor que deseja bancar e “compar-
tilhar” as conseqüências de algum novo empreendimento deva necessariamente
adquirir poder de voto (isto é, poder de mudar o administrador-operador) para
investir no negócio. De fato, investimos em alguns empreendimentos na espe-
rança de que nenhum outro acionista seja “tolo” a ponto de tentar defenestrar a
administração vigente. Desejamos que ela tenha o poder de se manter no posto
e compramos ações ordinárias sem direito a voto na expectativa de compartilhar
de sua fortuna. Nossa disposição de investir é aumentada pelo conhecimento de
que podemos agir legalmente via fraude, malversação e outras leis que ajudem a
assegurar que não sejamos explorados, enquanto investidores externos, além de
nossas previsões iniciais, já devidamente descontadas.
“Ligas esportivas”: os campeonatos ou torneios esportivos profissionais entre
16 

equi­pes são tipicamente organizados e conduzidos por uma liga de equipes. Nós
supomos que os consumidores de esportes não estão interessados apenas em ha-
bilidade esportiva absoluta, mas também em habilidades em relação às outras
equipes. Ser ligeiramente melhor do que as equipes adversárias permite-nos rei-
vindicar uma porção maior das receitas; a equipe inferior não libera recursos nem
reduz custos, já que estes são esperados na prática do torneio. Portanto, a habili-
dade absoluta é desenvolvida para além da igualdade do investimento marginal
em habilidade esportiva com seu verdadeiro produto de valor marginal social.
Segue-se que haverá uma tendência a investir em excesso no treinamento de atle-
tas e no desenvolvimento de equipes. Aparece “gazeta reversa” quando jogadores
jovens são induzidos a uma excessiva prática hiperativa em relação ao valor mar-
ginal social de suas habilidades superiores. Para evitar o investimento excessivo,
as equipes procuram fazer acordos umas com as outras para restringir a prática,
o tamanho das equipes e até o pagamento dos membros do time (o que reduz
os incentivos das pessoas jovens no sentido de se excederem no investimento em
desenvolvimento de habilidades). Em termos ideais, se todos os times que dis-
putam o campeonato pertencessem a um único dono, evitar-se-ia o investimento
excessivo em esportes, da mesma forma que a propriedade de pesqueiros comu-
nais, ou de petróleo subterrâneo, ou de reservas de água evitaria os excessos de

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Produção, custos de informação e organização econômica  217

investimento. Essa hiperatividade (para sugerir o inverso da gazeta) é controlada


pela liga dos times, donde a liga adotar um conjunto comum de restrições em re-
lação ao comportamento de cada time. Com efeito, as equipes na prática já não
pertencem mais aos donos do time, mas são supervisionadas por eles, como os
franchisers de um produto. Eles não são proprietários plenos de seus negócios,
inclusive do nome da marca, e não podem “fazer o que querem” como franquias.
Assemelha-se ao franchiser o comissário da liga ou presidente da federação, que
procura restringir a hiperatividade, enquanto os supervisores de cada equipe in-
dividual competem uns com os outros e provocam deseconomias externas. Essas
restrições são comumente encaradas como instrumentos de cartel conspirativo,
anti-sociais e anticompetitivos para restringir a competição livre e reduzir os sa-
lários dos jogadores. No entanto, a interpretação apresentada aqui se baseia no
pressuposto de uma tentativa de evitar o hiperinvestimento na produção dos es-
portes de equipes. Naturalmente, os operadores de equipes têm um incentivo –
tão logo a liga se forma e se estabelecem restrições à atividade de investimento
excessivo – para prosseguir e obter benefícios privados da restrição de monopó-
lio. Ainda não é possível determinar até que ponto o investimento em excesso é
substituído pela restrição monopolista; também não vimos ainda uma testagem
empírica dessas duas interpretações rivais, mas mutuamente consistentes. (Essa
interpretação da atividade dos esportes de ligas foi proposta por Earl Thompson
e formulada por Michael Canes). Novamente, as equipes atléticas exemplificam
claramente a especialização do monitoramento com capitães e treinadores; o ca-
pitão detecta os que fazem “corpo mole”, os gazeadores, ao passo que o treinador
treina e escolhe as estratégias e táticas. Ambas as funções podem estar centrali-
zadas em uma pessoa.
17 
No beisebol, futebol e basquete, os atletas profissionais, por terem vendido sua
fonte de serviço aos donos das equipes quando abraçaram a atividade esportiva,
pertencem aos donos dessas equipes. Aqui os donos do time devem monitorar a
condição física e o comportamento dos atletas para proteger sua riqueza. O atleta
tem menos (não nenhum) incentivo para proteger ou aumentar seu talento atléti-
co, já que as mudanças no valor do capital têm menos impacto sobre sua própria
riqueza e mais sobre os proprietários da equipe. Assim, alguns atletas se inscrevem
para bônus iniciais de monta (que representam o valor presente do capital dos
serviços futuros). Os salários futuros são mais baixos pelo valor da anuidade dos
bônus pré-pagos e, por isso, o atleta tem menos a perder pelo abuso subseqüente
de seu talento atlético. Qualquer declínio no valor de seu serviço seria em parte
arcado pelo dono do time, a quem pertence o serviço futuro dos jogadores. Isso
não quer dizer que essas perdas de salários futuros deixam de ter efeito na preser-
vação do talento atlético (não estamos cometendo o erro dos ‘custos enterrados’).
Ao contrário, asseguramos que a preservação é reduzida, não eliminada, porque
a quantidade de perda de riqueza sofrida é menor. O atleta vai gastar menos para
manter ou aumentar seu talento a partir daí. O efeito desse sistema de incentivo
revisado se evidencia nas comparações dos tipos de atenção e cuidados impostos

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218  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

aos atletas “às expensas do dono da equipe”, no caso em que os serviços futuros
dos atletas pertencem ao dono da equipe, com o tipo em que os valores futuros
dos serviços laborais pertencem ao próprio atleta. Por que os serviços atléticos fu-
turos dos atletas pertencem aos donos dos times, em vez de serem por eles contra-
tados, é uma questão que deveríamos ser capazes de responder. Uma presunção é
a cartelização e ganhos de monopsônio para os donos de equipes. A outra é exata-
mente a teoria que está sendo exposta neste artigo – os custos de monitoração da
produção de atletas; não sabemos em qual das duas devemos confiar.
A análise usada por Cheung para explicar a prevalência de acordos de meação e
18 

arranjos de arrendamento ou posse temporária da terra baseia-se exatamente nos


mesmos fatores: os custos de detectação do desempenho da produção pelos inputs
usados em conjunto na produção por equipe e os custos de detecção dos custos de
usuário impostos aos vários insumos, se usados pelo proprietário ou se alugados.
De acordo com a nossa interpretação, a firma é um sucedâneo especializado
19 

do mercado para o uso de insumos de equipe; ela fornece um conjunto e cotejo


superior (isto é, mais barato) de conhecimento acerca de recursos heterogêneos.
Quanto maior o conjunto de insumos em relação ao qual o conhecimento da per-
formance se compara dentro da firma, maiores os custos presentes da atividade
de comparação. Daí, quanto maior a firma (o mercado), maior a atenuação do
controle do monitor. Para opor-se a essa força, a firma será “divisionalizada”, no
sentido de economizar esses custos – da mesma forma que o mercado será es-
pecializado. Até onde podemos averiguar, outras teorias das razões em favor da
existência de firmas não têm essas implicações.
No Japão, os funcionários costumam trabalhar durante quase toda a sua vida
numa só firma, e a firma concorda com essa expectativa. As firmas tendem a ser
grandes e a formar conglomerados para permitir um escopo maior de revisão de
insumo. Cada firma é, com efeito, uma pequena economia que se engaja no co-
mércio “intranacional e internacional”. De forma análoga, os americanos espe-
ram passar a vida inteira nos Estados Unidos, e quanto maior o país, em termos
de variedade de recursos, mais fácil se torna ajustar-se a gostos e circunstâncias
variáveis. O Japão, com seus funcionários vitalícios, deveria se caracterizar mais
por firmas grandes, conglomerados. Presumivelmente, quando a firma chega a
um certo tamanho, torna-se dispendioso transmitir entre suas divisões o conheci-
mento especializado sobre os insumos tanto quanto transmiti-lo entre o mercado
e as outras firmas.

Nota da Redação

Artigo traduzido e publicado sob o título: “Produção, custos de informação e


organização econômica”, na RAE – revista de administração de empresas, v. 45, n.
3, p. 92-108, jul./set. 2005.

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Produção, custos de informação e organização econômica  219

Referências

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Parte IV
O Paradigma Interpretacionista

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10
Paradigma interpretacionista:
a busca da superação do objetivismo
funcionalista nos anos 1980 e 1990*

Sylvia Constant Vergara


Miguel P. Caldas

Introdução
Mencionou-se na introdução do primeiro módulo deste livro (Caldas, 2005)
que os mapeamentos abrangentes do campo de estudos organizacionais revelam
consistentemente que, dentre os quatro paradigmas sociológicos do modelo de
Burrell e Morgan (1979), o funcionalismo – marcado pelo objetivismo e por uma
sociologia focada na regulação – tem constituído por muitas décadas a “ortodo-
xia” na pesquisa científica da área.
Também já se apontou nesta série que o funcionalismo continua a expandir
sua hegemonia até hoje no campo de estudos organizacionais, em boa parte de-
vido à representatividade institucional do mainstream norte-americano, inclusive
no Brasil, como mostram diversas revisões, mapeamentos e análises bibliométri-
cas a esse respeito (por exemplo, Bertero et al., 2005; Vergara; Carvalho, 1995;
Machado-da-Silva et al., 1990). O que tais retratos da produção acadêmica brasi-
leira deixam evidente é, por um lado, um histórico apego ao funcionalismo como
fonte praticamente hegemônica de alicerce epistemológico e, por outro, focos de
resistência a essa tendência que se dividem fundamentalmente em duas vertentes
contrárias à predominância funcionalista: o interpretacionismo, que cresce desde
o final da década de 1970, e os referenciais críticos e pós-modernos, que se ex-
pandem principalmente após o final da década de 1980.
Com a predominância do funcionalismo como fundação epistemológica da
nossa pesquisa e da educação de docentes, produziu-se no Brasil uma geração de
pesquisadores e educadores em estudos organizacionais que tiveram acesso res-

*  Artigo originalmente publicado na RAE – revista de administração de empresas, v. 45, n. 4, p.


66-72, out./dez. 2005.

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224  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

trito a outros paradigmas de análise organizacional, assim como menos incentivo


e receptividade para aprofundar-se em descobri-los, caso a eles tivessem algum
acesso. O resultado último desse alijamento pode ser visto na nossa produção
científica corrente e no ensino de teoria organizacional empreendido atualmente
no Brasil, com uma nítida limitação ao funcionalismo básico, tipicamente contin-
gencialista sistêmico. Mais uma vez, honrosas exceções eram encontradas em al-
guns dos principais programas de pós-graduação filiados à Anpad, possivelmente
pela maior facilidade de acesso a publicações estrangeiras ou a grupos de pesqui-
sa alternativos que contataram no exterior. Graças a tais exceções, ainda se pôde
ver, no Brasil dos anos 1980 e 1990, um fluxo razoável de “pesquisa alternativa”
ao funcionalismo, que, mais uma vez, tendia a dividir-se entre interpretacionis-
tas, por um lado, e críticos ou pós-modernos, por outro.
O que marca a diferença entre o funcionalismo e essas duas vertentes princi-
pais que a ele se opuseram nas últimas décadas é nítido, e, mais uma vez, pode-se
entendê-la pelo marco de Burrell e Morgan (1979), como discutido no primeiro
módulo deste livro e que é o seguinte: fundamentalmente, o interpretacionismo
questiona o objetivismo arraigado na doutrina funcionalista, enquanto a vertente
crítica combate sua inclinação à regulação e à manutenção da ordem social, ou
seja, a sua falta de engajamento em prol da mudança social.
Como prometido no primeiro módulo, iremos nestes e nos próximos tex-
tos dar maior divulgação e acesso justamente a essas duas vertentes, que, no
contrafluxo do funcionalismo, deram alternativas ao campo nos últimos anos.
Neste quarto módulo, nosso interesse é apresentar dois textos que auxiliem a
introduzir o intepretacionismo a pesquisadores que até hoje não tiveram maior
acesso a eles, e também procurar mostrar as principais direções que os estudos
de orientação interpretacionista tomaram nos últimos 20 ou 25 anos. No quin-
to e último módulo, será apresentada a vertente que inclui os estudos críticos e
pós-modernos.

A compreensão do interpretacionismo em análise organizacional

Como mencionado na introdução, a essência da crítica interpretacionista está


no objetivismo exacerbado, e até certo ponto limitante, do funcionalismo. Para os
funcionalistas, as organizações são objetos tangíveis, concretos e objetivos. Para
os interpretacionistas, as organizações são processos que surgem das ações inten-
cionais das pessoas, individualmente ou em harmonia com outras. Elas interagem
entre si na tentativa de interpretar e dar sentido ao seu mundo. A realidade social
é, então, uma rede de representações complexas e subjetivas.
Os dois textos publicados neste módulo da “RAE-Clássicos” – Teoria das Or-
ganizações podem ser vistos como um dos possíveis acessos a caminhos essenciais
do interpretacionismo. Buscar visualizar essa corrente de pensamento em con-
texto mais amplo é o que fazemos a seguir. Para tanto, recorremos aos posiciona-

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Paradigma interpretacionista: a busca da superação do objetivismo funcionalista nos anos 1980 e 1990  225

mentos filosóficos de realistas e de idealistas, resgatamos o mapeamento socioló-


gico elaborado por Burrell e Morgan e apresentamos três importantes enfoques
interpretacionistas: o solipsismo, a fenomenologia e a hermenêutica. Em seguida,
da fenomenologia destacamos duas escolas de pensamento: a etnometodologia
e o interacionismo simbólico. Após esse destaque, reportamo-nos a algumas das
pesquisas realizadas no Brasil. Concluímos apontando tendências futuras.

Realismo e idealismo

Para nos dar lições preliminares de filosofia, Morente (1980) conduz toda a
sua argumentação orientada pela seguinte questão: o que é o que existe? Apresen­
ta diferentes respostas de diferentes filósofos, inclusive as dos racionalistas e as
dos idealistas. Para os primeiros, iluminados por Aristóteles, a resposta é dada
pelo conhecimento advindo da lógica, da matemática e da física. Põem ênfase na
razão, na problemática do método e na crítica. As coisas formadas pelo mundo
formam o conjunto das coisas reais. Para os idealistas, a resposta é outra. O que
existe é o absoluto, o incondicionado, o espiritual, que se manifesta fenomenolo-
gicamente. A Kant (1724-1803) muito se deve da elaboração desse pensamento,
pois é de sua ontologia e epistemologia que os filósofos pós-kantianos partem,
embora em muitos aspectos possam dele se afastar e até negá-lo (Burrell; Mor-
gan, 1979; Marcondes, 1997). Tais filósofos conformam o idealismo alemão pós-
kantiano, cujos expoentes são Johann Fichte (1762-1814) e Friederich Schelling
(1775-1854). Ao idealismo eles se referem como transcendental, subjetivo e abso­
luto. Fichte busca superar a dicotomia sujeito-objeto, unificando o mundo do sen­
sível e o do inteligível e justificando a existência de um objeto sobre o qual recai a
ação, essência do eu. Diferentemente de Fichte, Schelling assevera que a essência
do eu é a harmonia, a identidade, a síntese dos contrários. Esses filósofos abando­
nam a crítica e a fundamentação do conhecimento, características do racionalis-
mo moderno, e buscam superar os limites daí advindos, pela intuição e pela expe­
riência estética (Abbagnano, 1970; Marcondes, 1997; Morente, 1980).
Os racionalistas e os idealistas têm servido de suporte ao estudo das organiza­
ções. Os primeiros, iluminando o funcionalismo, tão caro à prática da Administra­
ção, bem como pesquisas cuja metodologia é amparada pelos pressupostos
po­si­tivistas. Os idealistas, por seu turno, têm iluminado reações ao funcionalis-
mo/positivismo. Veja-se, por exemplo, os trabalhos de David Silverman, de Karl
Weick e os da linha marxista. Silverman, em The Theory of Organization (1971),
apresenta uma teoria com enfoque subjetivista, orientada para uma interpreta-
ção da ação humana. Weick, cuja influência em estudos organizacionais tem sido
expressiva, argumenta em sua clássica obra The Social Psychology of Organizing
(1969) que as organizações são processos de natureza dinâmica e fluida. Tais
processos, produzidos pela interação humana, mudam cooperativa e conflitante-
mente. Organizações são verbos, não substantivos.

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226  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

O primeiro texto traduzido neste módulo da série – de Daft e Weick (Capítulo


11) – deve ser visto como uma amostra a esse tipo de orientação interpretacionis-
ta, subjetiva e fluida, da interação humana em organizações.
É ao positivismo sociológico e ao idealismo alemão que se referem Burrell e
Morgan (1979) quando fazem um mapeamento de diferentes abordagens teóri-
co-metodológicas e formulam sua clássica obra sobre paradigmas sociológicos e
análise organizacional.

Mapeamento de Burrell e Morgan

Enfatizando que todas as teorias de organização são baseadas em uma filoso-


fia da ciência, ou seja, em suposições relacionadas à ontologia, à epistemologia,
à natureza humana e à metodologia, Burrell e Morgan vêem o positivismo e o
idealismo alemão como as pontas de um continuum cujas características são, res-
pectivamente, uma abordagem objetivista às ciências sociais e uma subjetivista.
A primeira vê o mundo em uma perspectiva realista, tem uma visão determinís-
tica da natureza humana e usa o método nomotético, isto é, o que oferece leis.
A segunda parte da premissa de que a realidade última do universo repousa no
espírito, na idéia, mais do que na percepção sensorial.
Pesquisas empíricas de cunho objetivista buscam identificar relações entre va-
riáveis, estabelecem hipóteses, testam-nas, utilizam critérios probabilísticos para
a definição de amostras, usam instrumentos estruturados para a coleta de dados
e técnicas estatísticas para o seu tratamento. Buscam a generalização. Pesquisas
empíricas de cunho subjetivista contemplam a visão de mundo dos sujeitos, de-
finem amostras intencionais, selecionadas por tipicidade ou por acessibilidade,
obtêm os dados por meio de técnicas pouco estruturadas e os tratam por meio de
análise de cunho interpretativo. Os resultados obtidos não são generalizáveis.
Como foi visto no primeiro módulo deste livro (Caldas, 2005), Burrell e Mor-
gan (1979) definem quatro paradigmas sociológicos com base no subjetivismo e
no objetivismo. Acrescentam a esses critérios dois outros: ordem e mudança. A
partir daí definem como sendo uma abordagem objetivista à análise dos fenôme-
nos sociais dois paradigmas: o funcionalista, associado à ordem, e o estrutura-
lista radical, associado à mudança. Definem como uma abordagem subjetivista
igualmente dois paradigmas: o interpretacionista, relativo à ordem, e o humanis-
ta radical, relativo à mudança. Vejamos a seguir, com mais detalhes, o chamado
paradigma interpretacionista.

Paradigma interpretacionista

Na visão de Burrell e Morgan (1979), o paradigma interpretacionista abraça


um amplo espectro de pensamentos filosóficos e sociológicos que compartilham a

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Paradigma interpretacionista: a busca da superação do objetivismo funcionalista nos anos 1980 e 1990  227

característica comum de tentar compreender e explicar o mundo social a partir do


ponto de vista das pessoas envolvidas nos processos sociais. Incluem nele o solip-
sismo, a fenomenologia e a hermenêutica. Embora com características distintivas,
esses pensamentos têm em comum a preocupação em compreender a experiência
subjetiva dos indivíduos. Suas teorias são construídas não do ponto de vista do ob-
servador da ação; antes, daquele que age. A realidade social, para eles, é um pro-
cesso emergente, uma extensão da consciência humana e da experiência subjetiva.
No mapeamento de Burrell e Morgan, o solipsismo é a forma mais extrema
do idealismo/subjetivismo, tanto do ponto de vista da ordem quanto do ponto de
vista da mudança. Por esse motivo, incluem o solipsismo no paradigma interpre-
tacionista e também no humanista radical. Para o solipsista, o mundo é a criação
de sua mente. Ontologicamente, não há existência de coisa alguma, além do que
a pessoa percebe em sua mente e em seu corpo. Se for assim, como o personagem
Hamlet, de Shakespeare, a pessoa só ouve a si mesma.
A fenomenologia, a partir do trabalho de Edmund Husserl (1859-1938), to­ma
várias direções. Assim, Scheller, Heidegger, Schutz, Sartre, Merleau-Ponty trazem
contribuições distintas. Podem-se identificar dois tipos de ­fenomenologia: a trans-
cendental e a existencial. O primeiro tipo tem sido abraçado por ­teóricos que adotam
uma perspectiva pertencente ao paradigma humanista radical. Vêem transcendência
como um potencial para a libertação do cotidiano. O segundo tipo pode ser percebi-
do nos trabalhos de Heidegger, Sartre, Merleau-Ponty e Schutz. Então surge a feno-
menologia descritiva, a realista, a constitutiva, a existencial e a hermenêutica.
Segundo a fenomenologia hermenêutica, preconizada por Martin Heidegger
(1889-1976), a existência humana é interpretativa. Do ponto de vista hermenêu-
tico, há de se buscar a essência do objeto, ou seja, os atributos sem os quais ele
não pode ser identificado. A hermenêutica, como as outras variações da fenome-
nologia, preocupa-se em compreender e interpretar os produtos da mente huma-
na, que constroem o mundo social e cultural (Burrell; Morgan, 1979; Moreira,
2004; Ray, 1994; Sanders, 1982). É no escopo da fenomenologia que se inserem
duas escolas de pensamento cujos pressupostos são bastante utilizados no estudo
das organizações: a etnometodologia e o interacionismo simbólico.

Etnometodologia e interacionismo simbólico

A etnometodologia, com suas raízes na fenomenologia, caracteriza-se pelo


estudo detalhado do cotidiano da vida. Origina-se, particularmente, da fenome-
nologia de Alfred Schutz. O termo foi cunhado por Harold Garfinkel, na década
de 1940, na Universidade de Chicago. A etnometodologia busca descobrir como
e o que as pessoas fazem na sua vida diária em sociedade para construir a reali-
dade social, bem como a natureza da realidade construída. Assume que a prática
da vida cotidiana é interpretada pelas pessoas individualmente ou em interação
com outras. O conhecimento que as pessoas adquirem é o do dia-a-dia, definindo

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228  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

o que é a realidade para elas. Como se baseia no fato relatado, a fala das pessoas
assume relevância na etnometodologia. A modificação do ambiente e a busca de
teorização não é preocupação desse estudo (Haguette, 1987).
O interacionismo simbólico tem suas origens no trabalho de George Herbert
Mead (1863-1947), porém esse termo (interacionismo simbólico) foi cunhado
por Herbert Blumer, seguidor de Mead (Blumer, 1986). Ao de Blumer se contra-
põe o trabalho de Manford Kuhn. O primeiro personifica a Escola de Chicago e
o segundo, a de Iowa (Fine, 1993; Haguette, 1987). Embora os dois pensadores
discordem em termos de campo metodológico e níveis de interação simbólica,
eles têm em comum a crença segundo a qual a pessoa age em relação a algo –
pessoas ou coisas –, com base nos significados que esse algo tem para ela. Tal
significado não só se origina de algum tipo de interação social, como também é
estabelecido e modificado pela interpretação das pessoas sobre outras pessoas e
coisas (Blumer, 1986; Bryman, 1995). As situações de interação são construções
fenomenológicas (Denzin, 1983). O interacionismo simbólico sublinha o aspecto
subjetivo do comportamento humano presente no grupo social e tem como prin-
cípio fundamental que pessoas, individual ou grupalmente, existem em ação. É o
organizing, de que nos fala Weick.
Burrell e Morgan (1979, p. 271) apresentam a sutil diferença entre a etnome­
todologia e o interacionismo simbólico. Ela diz respeito ao grau de atenção dado
à maneira segundo a qual a realidade é negociada por meio da interação. A etno­
me­todologia geralmente focaliza o modo como os indivíduos se responsabilizam
por seu mundo e lhe dão um sentido. O interacionismo simbólico focaliza o con-
texto social no qual os indivíduos, ao interagir, empregam uma variedade de prá-
ticas para criar e manter definições particulares do mundo; realidades e fatos são
criações sociais.
No escopo do interpretacionismo, o interacionismo simbólico tem sido consi-
derado de grande importância. Incluem-se nessa corrente de pensamento os estu-
dos organizacionais que buscam desvendar as ações, os sentidos que orientam as
ações, a interação social da qual emergem os sentidos e as formas como as pes­soas
interpretam as coisas e, com base nessa interpretação, modificam os sentidos.
Em termos metodológicos, o interacionismo simbólico se vale da observa-
ção simples ou participante, de entrevistas individuais ou grupais, de histórias
de vida, de cartas, diários, de painéis de discussão, de conversas, de documentos
públicos. O estudo de caso também lhe é pertinente (Godoy, 1995; Maines, 1977;
Mendonça, 2001; Stryker, 1987).

Pesquisa organizacional intepretacionista no Brasil

Os pressupostos do interpretacionismo estão presentes em trabalhos de diver­


sos pesquisadores de estudos organizacionais em nosso país. Alguns abordam o
pensamento e o método fenomenológico de forma bem acessível aos iniciantes,

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Paradigma interpretacionista: a busca da superação do objetivismo funcionalista nos anos 1980 e 1990  229

como Moreira (2002, 2004). Um exemplo interessante, mas na área de Marke-


ting, é a tese de doutoramento de Carvalho (2003). Outros abordam o interacio-
nismo simbólico, como Godoy (1995) e Mendonça (2001, 2002).
Outros, ainda, debruçam-se sobre a etnometodologia na perspectiva antropo­
lógica. Por exemplo, as etnografias de Bresler (1993), Castilhos e Cavedon (2004),
Cavedon (1999, 2001, 2003), Jaime Júnior (1996), Lengler e Cavedon (2001),
Serva (2002), Vasconcelos, Mascarenhas e Protil (2004). A etnografia tem se po-
pularizado no Brasil, e os trabalhos já publicados revelam essa expansão embrio-
nária. Mesmo em áreas como o Marketing (por exemplo, Barros, 2002, 2004) e
Finanças (por exemplo, Fonseca, 1998), que têm tradição objetivista mais arrai-
gada, parecem mostrar promissores sinais de maior abertura ao método etnográ-
fico. A coleta de dados é feita por meio de observação simples ou participante,
entrevistas, fotografias. O diário de campo lhe é pertinente.
Muitos outros pesquisadores utilizam o interpretacionismo como alicerce,
sem, no entanto, dedicar-se a analisá-lo e aos seus métodos e modelos per se. Em
temas como cultura e simbolismo, identidade, poder, emoção, relações de gê­ne­ro,
estética, espiritualidade e muitos outros, é fácil perceber o alicerce interpretacio-
nista. Veja-se, por exemplo, o trabalho de Silva e Vergara (2003) sobre sentimen-
tos e subjetividade presentes nas supostas resistências à mudança e a coletânea
organizada por Davel e Vergara (2001), que, enfocando a questão da subjetivida-
de, apresentam temas como inovação, cognição, poder, comunicação, interiorida-
de, prazer, emoção, gênero, relações amorosas e familiares e cultura, discutidos
por Bastos, Townley, Enriquez, Prestes Motta, Burrell, Rouleau, Freitas, Tonelli,
Alter, Zarifian, Alcadipani e Bresler.
Se a incipiente produção com inspiração interpretacionista no Brasil já mos-
tra grande riqueza, parece óbvio que em termos de direção de pesquisa futura o
intepretacionismo tem significativo potencial de contribuição à área de estudos
organizacionais no país. As direções e caminhos dessa produção são inúmeros,
e se revelam em diversas dimensões. É bem verdade que ainda há um grande
volume de trabalhos de orientação subjetivista que, talvez pela carência de re-
ferencial alternativo à hegemonia objetivista, inadequadamente utilizam a base
funcionalista, sempre mais acessível e bem recebida no país. Também há aqueles
cujos autores afirmam usar tal ou qual método sem que, no entanto, essa afir-
mação se confirme aos olhos do leitor atento. A exploração mais detida do re-
ferencial interpretacionista poderia dar a muitos desses autores maior conforto
epistemológico, maior adequação metodológica, bem como maior profundidade
e ressonância às suas conclusões.

Para concluir

Morente, que invocamos no início deste texto, nos provoca: o que é o que exis-
te? Podemos perguntar: o que é uma organização? Empaticamente nos colocan­

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do como interpretacionistas, dizemos: organizações são processos, são teias de


significados, de representações, de interpretações, de interações, de visões com-
partilhadas dos aspectos objetivos e subjetivos que compõem a realidade de pes-
soas, de movimento, de ações de pessoas individual, grupal e socialmente consi-
deradas. Não é sem alguma razão que muitos pesquisadores, motivados a estudar
diversidade, paradoxo, cultura, poder, processos de comunicação, organi­zações
culturais (altamente simbólicas) e organizações prestadoras de serviço, têm abra-
çado essa corrente de base subjetivista.
No entanto, o esforço agora é de superar a dicotomia objetivismo/subjetivis­
mo. No mapeamento de Burrell e Morgan, o interpretacionismo diz respeito a
uma abordagem subjetivista da ontologia, da epistemologia, da natureza ­humana
e da metodologia. Esses pensadores, que tanto nos auxiliaram com seu mapea­
men­to, contribuíram também para uma visão exclusivista de cada paradigma por
eles identificado, já que os consideraram mutuamente excludentes. Tal visão sofre
críticas e tem desencadeado pesquisas reativas, as quais buscam superar a dico-
tomia apontada.
Em trabalho posterior, Morgan, dessa vez com Linda Smircich (1980), dão
um primeiro passo, embora ainda tênue, para amenizar essa dicotomia. Mor-
gan e Smircich sugerem fronteiras mais permeáveis e a possibilidade de muitos
matizes entre as inclinações subjetivistas e objetivistas num continuum (veja o
Quadro 1): entre um e outro ponto, as transições seriam mais sutis, e não se ex-
cluiria a inspiração de uma pelas outras.
Em Max Weber (1864-1920) já é possível encontrar uma contribuição impor-
tante para superar tal dicotomia, quando ele constrói a noção de tipo ideal. Argu-
mentam Burrell e Morgan que os tipos ideais permitem a ordenação de elementos
da realidade, incorporando o espírito que caracteriza fenômenos individuais em
um todo generalizado muito mais amplo. No entanto, a sociologia interpreta-
cionista de Weber é uma abordagem bastante limitada do subjetivismo, quando
comparada, por exemplo, à filosofia de Edmund Husserl.
Em estudos organizacionais, seja com a aceitação de que organizações são
movimentos objetivos e subjetivos, seja realizando conversações entre os paradig-
mas delineados por Burrell e Morgan, seja utilizando, complementarmente, mé-
todos quantitativos e qualitativos de pesquisa na captação da realidade, têm-se
feito esforços na direção da superação da dicotomia objetivismo/subjetivismo.
Interpretacionistas e funcionalistas juntam-se a outros no processo de fazer
ciência. Como esta não é dogma, carrega em si reflexões, reações, contradições,
dúvidas, num processo dinâmico que revela, sobretudo, o fato de que a realidade
social, grupal, individual transborda de nossa capacidade de dela dar conta. Paro­
diando Heidegger, ousamos dizer que uma pesquisa científica vê cumprido seu
objetivo quando seu final vem a ser o que era no início: uma pergunta.

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Quadro 1 Pressupostos básicos do debate subjetivismo X objetivismo nas ciências sociais.
Abordagens subjetivistas Abordagens Objetivistas
Pressupostos Realidade como Realidade como Realidade como Realidade como Realidade como Realidade como
ontológicos uma projeção da uma construção um campo de dis- um campo con- um processo con- uma situação
centrais imaginação hu- social curso simbólico textual de infor- creto concreta
mana mação
Pressupostos Homem como Homem como um Homem como um Homem como um Homem como um Homem como
sobre a puro espírito, construtor social, ator, o usuário de processador de in- adaptador um respondente
natureza consciência, ser o criador de sím- símbolos formações
humana bolos
Instâncias Para obter insight Para entender Para entender pa- Para mapear o Para estudar os Para construir
epistemológicas fenomenológico, como a realidade drões do discurso contexto sistemas, os pro- uma ciência posi-
básicas revelação social é criada simbólico cessos, a mudança tivista
Algumas Transcendental Jogo da lingua- Teatral, cultural Cibernética Orgânica Mecânica
metáforas gem, realização,
permitidas texto
Métodos de Exploração de Hermenêutica Análise simbólica Análise contextual Análise histórica Experimentos de
pesquisa pura subjetividade das Gestalten laboratório, sur­
veys
Alguns Fenomenologia Etnometodologia Teoria da ação Cibernética Teoria dos siste- Behaviorismo
exemplos de social mas abertos
pesquisa
Fonte: Morgan e Smircich (1980). Adaptado por Mendonça (2001).
Paradigma interpretacionista: a busca da superação do objetivismo funcionalista nos anos 1980 e 1990 
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11
Organizações como sistemas
interpretativos: em busca de um
modelo*

Richard L. Daft
Karl E. Weick

Introdução

Imagine o Jogo das 20 perguntas. Normalmente, nesse jogo, uma pessoa sai
da sala e as demais escolhem uma palavra que essa pessoa deve adivinhar quan-
do retornar, sendo que a única dica dada sobre a palavra é que ela se refere a um
animal, vegetal ou mineral. No esforço de adivinhar qual é a palavra, a pessoa que
tenta descobri-la pode fazer até 20 perguntas, que podem ser respondidas com um
sim ou um não. Cada pergunta destina-se a fornecer uma nova informação acerca
da palavra correta. Em seu conjunto, as perguntas e as respostas constituem o pro-
cesso pelo qual a interpretação é elaborada pela pessoa que deve deduzir.
As organizações praticam o Jogo das 20 perguntas. Elas têm limites de tempo
e de perguntas e se empenham a fundo para conseguir a resposta. A resposta é
descobrir o que os consumidores desejam que as outras organizações não provi-
denciam; é descobrir que existe um mercado para biscoitos de cachorro, patins
de rodas, grupos de encontro, esferográficas de tinta que pode ser apagada ou
crescimento populacional zero. Muitas organizações presumem que haja uma
resposta correta para o quebra-cabeça de 20 perguntas. Elas sondam o ambien-

∗  Artigo originalmente publicado sob o título “Toward a model of organizations as interpretation


systems”, na Academy of Management Review, v. 9, n. 2, p. 284-295, 1984. Copyright © 1984 Acade-
my of Management. Todos os direitos são reservados. Nenhuma parte deste artigo pode ser repro-
duzida por qualquer meio ou forma sem a permissão por escrito da Academy of Management. Para
obter autorização, entre em contato com a Copyright Clearence Center: <www.copyright.com>.

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236  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

te com amostras, levantamentos de mercado e testam os mercados. Elas podem


criar departamentos especializados de sondagem (scanning) que usam análises
de tendência, análise de conteúdo da mídia e modelagem econométrica para
obter respostas sobre o ambiente externo. Essas organizações tentam encontrar
uma resposta aceitável antes que seus recursos se esgotem, antes que os concor-
rentes monopolizem o mercado, antes que os interesses das pessoas mudem, ou
antes que oportunidades mais atrativas em outros setores ambientais influen-
ciem a busca.
Todas essas atividades, seja nas organizações ou nas 20 perguntas, represen-
tam uma forma de interpretação. As pessoas estão tentando interpretar o que
elas fizeram, definir o que elas aprenderam, resolver o problema do que elas de-
vem fazer em seguida. A construção de interpretações sobre o ambiente é uma
necessidade básica dos indivíduos e das organizações. O processo de construção
da interpretação pode ser influenciado por coisas como a natureza da resposta
procurada, características do ambiente, a experiência prévia do pesquisador e o
método usado para obtê-la.

Por que interpretação?

Recentemente, Pondy e Mitroff (1979) lembraram aos cientistas organiza­


cio­nais que as organizações têm características típicas do nível 8 na escala de
Boulding (1956) de 9 níveis de complexidade sistêmica. Boulding concluiu
que as or­ga­nizações estão entre os sistemas mais complexos que se pode ima-
ginar. As or­ganizações são extensas, fragmentadas e multidimensionais. Pondy
e Mitroff argumentam que a maior parte das pesquisas empíricas situa-se entre
os níveis 1 e 3 da escala de Boulding, o que pressupõe que as organizações se
comportam como estruturas estáticas ou sistemas mecânicos.
Entre outros objetivos, este artigo visa propor uma conceituação das organi-
zações que esteja num nível mais elevado de complexidade sistêmica e incorpore
atividades e variáveis organizacionais que não foram captadas em outras aborda­
gens (Weick; Daft, 1983). A questão crítica dos sistemas interpretativos é que
eles se diferenciem em receptores altamente especializados de informação para
interagir com o ambiente. A informação sobre o mundo externo deve ser obtida,
filtrada e processada numa espécie de sistema nervoso central onde acontecem
as escolhas, as decisões. A organização deve encontrar caminhos para conhecer o
ambiente. A interpretação é um dos elementos críticos que distingue as organiza-
ções humanas dos sistemas de nível inferior.
Um segundo objetivo deste artigo é integrar idéias diversas e fatos empí-
ricos que são pertinentes à interpretação organizacional do ambiente. Pfeffer
e Salancik (1978) examinaram a literatura que versa sobre as relações entre
organização e ambiente. Eles concluíram que o rastreamento (scanning) é um

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Organizações como sistemas interpretativos: em busca de um modelo  237

tema-chave para elucidar o comportamento organizacional e, no entanto, qua-


se não se encontra menção a processos de rastreamento ambiental. Há também
pouco entendimento sobre o processo de interpretação e sobre as configurações
organizacionais favoráveis à interpretação. Os estudos empíricos continuam es-
cassos, embora se tenham ouvido menções a umas poucas descobertas em áreas
diversas, como na teoria organizacional, em política e estratégia, em pesquisas
sobre cenários futuros e em planejamento. A consolidação dessas idéias e a or-
ganização delas num modelo com características de sistema de interpretação
podem fornecer um estímulo para a pesquisa futura sobre processos de rastrea-
mento e interpretação.

Pressupostos operacionais

Toda abordagem ao estudo de organizações é elaborada sobre pressupostos


específicos acerca da natureza das organizações e de como elas são imaginadas e
funcionam. Quatro pressupostos específicos fundamentam o modelo apresenta-
do neste artigo e esclarecem a lógica e as bases racionais nas quais o enfoque de
sistema interpretativo se baseia.
O pressuposto mais básico e consistente com a escala de Boulding de com-
plexidade sistêmica é de que as organizações são sistemas sociais abertos que
proces­sam informações do ambiente. O ambiente contém um certo nível de in-
certeza, de forma que a organização deve buscar informações e depois basear a
ação orga­nizacional sobre essas informações. As organizações devem desenvol-
ver mecanismos de processamento de informação capazes de detectar tendên-
cias, eventos, concorrência, mercados e desenvolvimentos tecnológicos relevan-
tes à sua sobrevivência.
O segundo pressuposto diz respeito a interpretações individuais versus orga-
nizacionais. Os seres humanos individuais enviam e recebem informações e rea-
lizam por outros meios o processo de interpretação. Os teóricos organizacionais
observam que as organizações não têm mecanismos separados dos indivíduos
para estabelecer objetivos, processar informações ou perceber o ambiente. As
pessoas fazem essas coisas. Entretanto, neste artigo se admite que o processo or-
ganizacional de interpretação é algo mais do que o que ocorre com os indivíduos.
As organizações possuem sistemas cognitivos e memórias (Hedberg, 1981). Os
indivíduos vêm e vão, mas as organizações preservam conhecimento, compor-
tamentos, mapas mentais, normas e valores ao longo do tempo. A característica
que distingue a atividade informacional de nível organizacional é o compartilha-
mento. Uma informação, uma percepção, um mapa cognitivo são todos elemen-
tos compartilhados pelos gestores, os quais constituem o sistema de interpreta-
ção. A divulgação de uma observação alarmante entre os membros, a discussão
sobre um desenvolvimento intrigante, faz com que os administradores convirjam

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238  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

para uma interpretação aproximada. Os gestores talvez não cheguem a um acor-


do total sobre suas percepções (Starbuck, 1976), mas o fio de coerência que há
entre eles é o que caracteriza as interpretações organizacionais. A obtenção de
coerência entre os membros caracteriza o ato de organizar (Weick, 1979) e per-
mite à organização fazer interpretações como sistema.
De acordo com o terceiro pressuposto, os gestores do nível estratégico for-
mulam a interpretação da organização. Quando se fala de interpretação orga-
nizacional, o que se quer realmente dizer é que a interpretação é feita por um
grupo relativamente pequeno de membros do topo da hierarquia organizacional.
Um número grande de pessoas pode ampliar a fronteira com o ambiente exter-
no (Aldrich; Herker, 1977; Leifer; Delbecq, 1978) e essa informação é canalizada
para dentro da organização. As organizações podem ser concebidas como uma
série de sistemas em forma de nichos, e cada subsistema pode lidar com um setor
externo diferente. Os gestores dos escalões superiores reúnem e interpretam as
informações para o sistema como um todo. Muitos participantes podem exercer
alguma influência sobre o rastreio ou o processamento dos dados, mas presume-
se que o ponto para o qual a informação converge e onde ela é interpretada para
ação de nível organizacional está no nível da cúpula administrativa. Esse pressu-
posto é consistente com a observação de Aguilar (1967) de que, abaixo do nível
da vice-presidência, os participantes não são informados sobre as questões que
dizem respeito à organização como um todo.
O quarto pressuposto sustenta que as organizações diferem sistematicamente
no modo ou no processo pelo qual interpretam o ambiente. As organizações de-
senvolvem formas específicas de conhecer o ambiente. Os processos de interpre-
tação não são aleatórios. As variações sistemáticas ocorrem com base em carac-
terísticas organizacionais e ambientais, e o processo de interpretação pode, por
sua vez, influenciar resultados organizacionais tais como a estratégia, a estrutura
e a tomada de decisão. Por exemplo, Aguilar (1967) entrevistou administrado-
res acerca de suas fontes de informação ambiental. Ele concluiu que o comporta-
mento de sondagem poderia variar de acordo com a amplitude ou a estreiteza de
visão que se tem da organização e também pela amplitude da busca formal. Ou-
tros autores sugeriram que o rastreio organizacional pode ser classificado como
regular ou irregular (Fahey; King, 1977; Leifer; Delbecq, 1978), ou pela extensão
em que as organizações percebem passivamente o ambiente versus criam ou re-
presentam a realidade externa (Weick, 1979; Weick; Daft, 1983).

Definição de interpretação

As organizações devem fazer interpretações. Os gestores devem literalmente


enfrentar o oceano de eventos que cercam a organização e tentar ativamente fa-
zer sentido deles. Os participantes da organização atuam fisicamente sobre esses

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Organizações como sistemas interpretativos: em busca de um modelo  239

eventos, dando atenção a alguns deles, ignorando a maior parte deles e conver-
sando com outras pessoas para ver o que elas estão fazendo (Braybrooke, 1964).
A interpretação é o processo de tradução desses eventos, de desenvolvimento de
modelos para compreendê-los, de desvendamento de sentido e de montagem de
esquemas conceituais entre os gestores-chave.
O processo de interpretação nas organizações não é simples nem bem en-
tendido. Há muitas imagens de interpretação na literatura, como sondagem,
monitoramento, produção de sentido, interpretação, entendimento e aprendi-
zagem (Duncan; Weiss, 1979; Hedberg, 1981; Weick, 1979; Pfeffer; Salancik,
1978). Esses conceitos podem ser organizados mais ou menos em três estágios
que constituem o processo global de aprendizagem, como se vê na Figura 1. O
primeiro estágio é o rastreamento, que é definido como o processo de monitorar
o ambiente e de prover dados ambientais para os gestores. O rastreamento diz
respeito à coleta de dados. A organização pode usar sistemas formais de coleta
de dados, ou os gestores podem adquirir dados sobre o ambiente por meio de
contatos pessoais.
Na Figura 1, a interpretação acontece no segundo estágio. Nessa etapa, atri-
bui-se sentido aos dados. Aqui se envolve a mente humana. Compartilham-se
percepções e constroem-se mapas cognitivos. Forma-se uma espécie de coalizão
informacional. A organização vivencia a interpretação quando se apresenta ou
introduz um novo construto em seu mapa cognitivo coletivo. A interpretação or-
ganizacional é definida formalmente como o processo de traduzir eventos e de
desenvolver um entendimento compartilhado e esquemas conceituais entre os
membros da administração superior. A interpretação dá sentido aos dados, mas
isso ocorre antes da aprendizagem e da ação da organização.
A aprendizagem, como terceiro estágio, distingue-se da interpretação pelo
conceito de ação. A aprendizagem envolve uma resposta ou ação nova com base
na interpretação (Argyris; Schon, 1978). A aprendizagem organizacional é defi-
nida como o processo pelo qual se desenvolve o conhecimento sobre as relações
do resultado da ação entre a organização e o ambiente (Duncan; Weiss, 1979).
A aprendizagem é o processo de colocar as teorias cognitivas em ação (Argyris;
Schon, 1978; Hedberg, 1981). A interpretação organizacional é análoga à apren-
dizagem de uma nova habilidade por parte de um indivíduo. O ato de aprender
também proporciona novos dados para interpretação. O feedback das ações orga-
nizacionais pode propiciar novos insights coletivos para os membros da coalizão.
Assim, os três estágios são interconectados pelo elo de feedback na Figura 1.
A Figura 1 e as definições de rastreamento, interpretação e aprendizagem
simplificam processos complexos de forma excessiva. Fatores como crenças, polí-
tica, objetivos e percepções podem complicar o ciclo de aprendizagem organiza-
cional (Staw, 1980). O propósito da Figura 1 é ilustrar a relação da interpretação
em relação ao rastreamento e à aprendizagem, como base para um modelo de
interpretação organizacional.

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240  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

Rastreamento Interpretação
Aprendizagem
(coleta (dados dotados
(tomada de ação)
de dados) de sentido)

Figura 1 Relações entre o rastreamento, a interpretação e a aprendizagem da or-


ganização.

Por um modelo de interpretação organizacional

Usamos aqui duas dimensões-chave para explicar as diferenças na interpre-


tação organizacional. São elas: (1) as crenças da administração na possibilidade
de o ambiente externo ser analisado e (2) o quanto a organização se imiscui no
ambiente para compreendê-lo. O modelo proposto fornece uma maneira de des-
crever e explicar as diversas formas pelas quais as organizações podem obter co-
nhecimento sobre o ambiente.

Pressupostos sobre o ambiente

Muitas organizações sem dúvida praticam o jogo da interpretação com o obje­


tivo de descobrir a resposta correta, exatamente como no Jogo das 20 perguntas.
Mas o Jogo das 20 perguntas tem valor limitado como metáfora, porque há uma
maneira em que ele simula muitos mundos organizacionais. Muitas organizações
nada têm que corresponda “à resposta”. Na vida cotidiana, o ato de fazer pergun-
tas pode ter muito mais influência na determinação da resposta correta do que
ocorre com os papéis bem definidos de perguntas e respostas, bem como com a
resposta fixa presente na versão convencional das 20 perguntas.
O Jogo das 20 perguntas se torna mais típico com a variação proposta pelo
físico John Wheeler. Tão logo o jogador sai da sala, para que os demais possam
escolher a palavra, o jogo se desenvolve de uma maneira diferente.

Enquanto ele está fora, os outros jogadores decidem mudar as regras. Eles
não selecionam palavra alguma; em vez disso, cada um deles responderá
“sim” ou “não” conforme lhe apraz – desde que tenha em mente uma pala-
vra que corresponda tanto à sua própria resposta como a todas as respostas
anteriores. O jogador ausente retorna e, sem suspeitar, começa a fazer per-
guntas. Finalmente, ele arrisca um palpite: “A palavra é ‘nuvens’?” – “Sim”,
vem a resposta, e os jogadores explicam o jogo (Newsweek, 1979, p. 62).

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Organizações como sistemas interpretativos: em busca de um modelo  241

Quando o formulador de perguntas começou, ele supôs que a resposta já


existia. No entanto, a resposta foi criada por meio das perguntas levantadas. Se o
jogador indagasse questões diferentes, emergiria uma resposta diferente.
Se algumas organizações jogarem as 20 perguntas de maneira tradicional, pro-
curando a resposta correta já no ambiente, e se outros atores jogarem as 20 per-
guntas à maneira de John Wheeler, construindo uma resposta, então haverá uma
diferença interessante no comportamento de interpretação. Essa diferença reflete o
pressuposto da organização quanto à possibilidade de seu ambiente ser analisado.
Se uma organização presumir que o ambiente externo é concreto, que os
eventos e processos são sólidos, mensuráveis e determinantes, então ela praticará
o jogo tradicional para descobrir a interpretação “correta”. Para essa organização,
a chave está na descoberta por meio de levantamentos de informação, análise
racional, cautela e mensuração precisa. Essa organização utilizará pensamento
linear e lógica e buscará dados e soluções que sejam claros.
Quando a organização presume que o ambiente externo não é analisável,
caberá uma estratégia completamente diferente. Até certo ponto, a organização
pode criar o ambiente externo. A chave é construir, coagir ou produzir (enact)
uma interpretação razoável que torne a ação prévia sensível e sugira os próximos
passos, ou pelo menos alguns deles. A interpretação pode moldar o ambiente
mais que o ambiente molda a interpretação. O processo de interpretação é mais
pessoal, menos linear, mais ad hoc e improvisador do que em outras organiza-
ções. O resultado desse processo pode incluir a habilidade de lidar com equivo-
cidade ou dubiedade, de forçar uma resposta útil à organização, de inventar um
ambiente e de ser parte da invenção.
Que fatores explicam as diferenças nas crenças organizacionais relativas ao
ambiente? Imagina-se uma resposta em que as características do ambiente se-
jam combinadas com a experiência prévia de interpretação dos administradores.
Quando o ambiente é subjetivo, difícil de penetrar ou instável (Duncan, 1972),
os gestores o verão como menos analisável (Perrow, 1967; Twig, 1979). O traba-
lho de Wilensky (1967) sobre o levantamento de informações nas organizações
governamentais detectou diferenças fundamentais na medida em que se via que
os ambientes eram racionalizados, isto é, sujeitos a uniformidades previsíveis e
discerníveis nas relações entre objetos importantes. Numa organização estudada
por Aguilar (1967), os gestores presumiram que um ambiente era analisável por
causa de uma experiência anterior. Foi possível fazer previsões precisas porque
a demanda pelo produto estava diretamente correlacionada com a demanda por
petróleo, e esta, por sua vez, estava correlacionada com tendências bem defini-
das, como de crescimento populacional, de vendas de carros e de consumo de
gasolina. Entretanto, para uma organização semelhante em outra indústria não
se usou a coleta e análise sistemática de dados. As tendências estatísticas não ti-
nham correlação com a demanda pelo produto ou dispêndio de capital. Os fatos e
os números não eram consistentes com os pressupostos não analisáveis relativos

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242  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

ao ambiente. Dados qualitativos, mais tênues, aliados a julgamento e intuição,


tiveram um papel maior no processo de interpretação.

A intrusão organizacional

A segunda diferença fundamental entre sistemas interpretativos diz respeito


a quanto as organizações invadem ou interferem ativamente no ambiente. Algu-
mas organizações pesquisam ativamente o ambiente em busca de uma respos-
ta. Elas alocam recursos para atividades de pesquisa. Elas contratam MBAs com
orientação técnica; criam departamentos de planejamento, previsão ou de pes-
quisa especial; ou até subscrevem a serviços de monitoração (Thomas, 1980).
Em casos extremos, as organizações podem enviar agentes a campo (Wilensky,
1967). A pesquisa organizacional também pode incluir a testagem ou a manipu-
lação do ambiente. Essas organizações podem “saltar antes de olhar”, realizar
experimentações para constatar erros e descobrir o que é viável com a testagem
de restrições imaginadas. Organizações impetuosas podem quebrar regras admi-
tidas, tentar mudar as regras, ou tentar manipular fatores críticos no ambiente
(Kotter, 1979; Pfeffer, 1976). Um levantamento de empresas de sucesso consta-
tou que muitas delas haviam montado departamentos e mecanismos para pes-
quisar e/ou criar ambientes (Thomas, 1980). Essas organizações poderiam ser
chamadas de realizadoras de experimentos (Weick; Daft, 1983), e elas desenvol-
verão interpretações bem diferentes das organizações que se comportam de ma-
neira passiva.
As organizações passivas aceitam toda e qualquer informação que o ambiente
lhes forneça. Essas organizações não recorrem ao método da tentativa e erro. Elas
não buscam ativamente uma resposta no ambiente. Não têm departamentos in-
cumbidos de descobrir ou manipular o ambiente. Elas podem montar receptores
para perceber quaisquer dados que venham a fluir para a organização. Ao aceita-
rem o ambiente como dado, essas organizações se tornam avessas a experimenta-
ções (Weick, 1979). Elas interpretam o ambiente dentro dos limites aceitos.
As evidências de pesquisa sugerem que muitas organizações são informais e
não sistemáticas em sua interpretação do ambiente (Fahey; King, 1977). Essas
organizações tendem a aceitar o ambiente como dado e respondem ativamen-
te apenas quando ocorre uma crise. Em situação de crise, a organização poderia
sondar novas informações ou tentar influenciar de modo consciente os eventos
externos. Outras organizações pesquisam o ambiente em termos ativos e contí-
nuos (Aguilar, 1967; Wilensky, 1967). Assim, as organizações diferem muito em
sua abordagem ativa versus passiva à interpretação.
Uma explicação da intromissão diferenciada no ambiente é o conflito entre a
organização e o ambiente. Wilensky (1967) argumentou que, quando o ambiente
é percebido como hostil ou ameaçador, ou quando a organização depende forte-
mente do ambiente, alocam-se mais recursos para as funções de levantamento de

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Organizações como sistemas interpretativos: em busca de um modelo  243

informações. As organizações tentam desenvolver linhas múltiplas de investiga-


ção do ambiente. No mundo das empresas, a competição intensa ou a escassez
de recursos levarão à alocação de mais recursos para as funções relacionadas à
interpretação. As organizações situadas em ambientes benevolentes têm menos
incentivos para serem intrusivas (Child, 1974; Hedberg, 1981). Apenas raramen-
te as organizações de ambientes benevolentes usam seus recursos ociosos para
a experimentação de tipo “tentativa e erro” ou para a pesquisa formal. Um am-
biente hostil gera mais pesquisa por causa de novos problemas e da necessidade
percebida de desenvolver novas oportunidades e nichos. É necessária uma infor-
mação mais exaustiva.
Outra explicação para os diferentes níveis de intromissão é dada pela idade
e pelo tamanho da organização (Kimberly; Miles, 1980). As organizações novas
e jovens começam sua existência tipicamente como experimentadoras. Elas ten-
tam coisas novas e buscam ativamente informação acerca de seu ambiente limi-
tado. Gradualmente, com o decorrer do tempo, o sistema de interpretação da
organização começa a aceitar o ambiente mais do que pesquisar ou testar suas
fronteiras. As novas organizações são descrentes, não estão doutrinadas e têm
menos história em que se apoiar. É mais provável que mergulhem e desenvolvam
nichos que as organizações estabelecidas não conseguiram perceber. Mas, na me-
dida em que a organização cresce e o tempo passa, o ambiente pode ser percebi-
do como menos ameaçador, e por isso a pesquisa diminui.

O modelo

Com base na idéia de que as organizações podem variar em suas crenças so-
bre o ambiente e em suas intromissões no ambiente, elas podem ser categoriza-
das de acordo com modalidades de interpretação. As duas dimensões subjacentes
são usadas como base para o modelo de sistema de interpretação apresentado no
Quadro 1, que descreve quatro categorias de comportamento interpretativo.
A organização de tipo criadora (enacting) reflete ao mesmo tempo uma estra­
tégia intromissiva e uma presunção de que o ambiente não é analisável. Essas
organizações constroem seus próprios ambientes. Elas reúnem informações, ten-
tando novos comportamentos e observando o que acontece. Elas fazem experi-
mentos, testam e simulam, e ignoram os precedentes, as regras e as expectati-
vas tradicionais. Este tipo de organização se torna altamente ativa, talvez por
acreditar que ela deva ser assim para ser bem-sucedida. Ela tende a desenvolver
e comercializar um produto, como as máquinas Polaroid, com base no que ela
pensa que pode vender. Uma organização pensada segundo essa modalidade de
interpretação tende antes a construir mercados do que a esperar por uma avalia­
ção da demanda que lhe diga o que produzir. Essas organizações, mais que as
outras, tendem a exibir o comportamento de criação (enactment) descrito por
Weick (1979).

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244  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

Quadro 1  Modelo das modalidades de interpretação organizacional.

Visão não dirigida Criação (enacting)

Interpretações restritas. Dados Experimentação, teste, coerção,


Não analisável informais, não rotineiros. Opor- invenção do ambiente. Aprender
tunidades fortuitas, de palpites, fazendo.
de rumor.
PRESSUPOSTOS
SOBRE O AMBIENTE Visão condicionada Descoberta

Interpretações dentro das frontei- Pesquisa formal. Questionamen-


Analisável ras tradicionais. Detecção passiva. to, surveys, coleta de dados. De-
Dados formais, rotineiros. tecção ativa.

Passiva INTRUSÃO Ativa


ORGANIZACIONAL

A modalidade de descoberta também representa uma organização intromis-


siva, mas coloca-se a ênfase sobre a detecção da resposta correta, já num ambien-
te analisável, e não sobre a modelagem da resposta. Balões de sondagem cuida-
dosamente projetados são lançados ao ambiente para captarem e transmitirem
informações de volta à organização. Essa organização usa pesquisa de mercado,
análise de tendências e previsão para predizer problemas e oportunidades. Os
dados formais determinam as interpretações organizacionais sobre as caracterís-
ticas e expectativas do ambiente. As organizações descobridoras são semelhantes
às organizações que confiam em procedimentos formais de busca de informação
(Aguilar, 1967) e em que se usam amplamente analistas de plantão para coletar
e analisar dados (Wilensky, 1967).
As organizações de visão condicionada (Aguilar, 1967) presumem que o am-
biente é analisável e elas não são intromissivas. Elas tendem a confiar em proce-
dimentos convencionais de coleta de dados e as interpretações são desenvolvidas
dentro de fronteiras tradicionais. O ambiente é percebido como objetivo e bene-
volente, de forma que a organização não toma medidas incomuns para instruir-se
sobre ele. A visão é condicionada no sentido de que se limita a publicações, rela-
tórios, documentos rotineiros, e a sistemas de informação que se desenvolveram
ao longo dos anos. A visão do ambiente se restringe a essas fontes tradicionais.
Em algum momento da história, percebeu-se que esses dados eram importantes,
e a organização está agora condicionada a eles. As organizações que se incluem
nessa categoria usam procedimentos semelhantes ao rastreamento regular dos
setores limitados descritos por Fahey e King (1977).
A visão não dirigida (Aguilar, 1967) reflete uma abordagem passiva seme-
lhante, mas essas organizações não confiam em dados sólidos, objetivos, porque

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Organizações como sistemas interpretativos: em busca de um modelo  245

presumem que o ambiente não é analisável. Os gestores atuam com base em in-
formações tênues, limitadas, para criar o ambiente que percebem. Essas organi-
zações não são condicionadas por sistemas de gestão formais em seu interior e
estão abertas a uma variedade de indícios sobre o ambiente que provêm de mui-
tas fontes. Nessas organizações, os gestores se assemelham aos encontrados por
Aguilar (1967), que confiavam nas informações obtidas em contatos pessoais e
em encontros causais de informação. Fahey e King (1977) também descobriram
que algumas coletas de informação organizacional eram irregulares e se basea-
vam em oportunidades fortuitas.
As modalidades de visão condicionada e de visão não dirigida são ilustradas
com exemplos de empresas de vestuário na Inglaterra (Daft; Macintosh, 1978).
Essas empresas desenvolveram diferentes sistemas de interpretação no decorrer
do tempo, embora estivessem numa indústria semelhante. A administração de
cúpula, na organização de visão condicionada, usava um sistema de coleta de da-
dos para registrar, de forma rotineira, coisas como condições econômicas, vendas
passadas e previsão do tempo. Esses dados eram utilizados para prever vendas e
programar a produção. Esses sistemas se desenvolveram ao longo dos anos e eram
usados rotineiramente para interpretar os problemas que ocorriam. A outra em-
presa coletava informação por meio de contatos pessoais com alguns poucos com-
pradores, vendedores e informantes em empresas distintas. Os gestores também
visitavam algumas lojas para observar e discutir de uma maneira casual o que pa-
recia atrair vendas. Essa empresa usava a visão não dirigida. A interpretação se
baseava em vários indícios subjetivos que porventura estivessem disponíveis.
Também se podem ilustrar os estilos de interpretação pelas relações entre as
empresas e seus acionistas (Keim, 1981). Poucas empresas influenciam e mol-
dam ativamente as atitudes do acionista. A organização de visão criadora (enac-
ting) pode tentar manipular as questões ambientais, os candidatos políticos ou as
percepções dos acionistas em seu favor, enviando-lhes informações por meio de
várias mídias. As empresas centradas na descoberta permanecem ativamente em
contato com os acionistas para saber o que eles pensam, e conduzem levantamen-
tos ou utilizam outros artifícios para descobrir atitudes. Algumas empresas admi-
nistram as relações com o acionista por meio de transações rotineiras de dados
(votações de acionistas, expedição de cheques de dividendo), o que é típico de
sua visão condicionada. Finalmente, algumas confiam em contatos pessoais in-
formais com os acionistas (visão não dirigida). Os gestores usam todas as oportu-
nidades que aparecem (encontros anuais, contatos telefônicos sobre reclamações
e perguntas) para conhecer as opiniões dos acionistas e dar-lhes satisfação.

Outras características organizacionais

O modelo pode ser completado pela realização de predições sobre outras ca-
racterísticas organizacionais associadas às modalidades de interpretação. As pre-

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246  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

visões dizem respeito: (1) ao rastreamento e às características dos dados; (2) ao


processo de interpretação dentro da organização; e (3) à estratégia e aos proces-
sos de decisão que caracterizam cada modalidade. As relações previstas com as
modalidades de interpretação são apresentadas no Quadro 2.

Características do rastreamento

As características do rastreamento se referem à natureza e aquisição de da-


dos sobre o ambiente para a alta administração. Os dados podem variar por fonte
e por aquisição, dependendo da modalidade de interpretação da organização.
1. Fontes de dados. Os dados sobre o ambiente podem vir de fontes externas
ou internas e de fontes pessoais ou impessoais (Aguilar, 1967; Daft; Lengel, 1981;
Keegan, 1974). As fontes são externas quando os gestores têm contato direto com
a informação fora da organização. As fontes internas referem-se aos dados coleta-
dos sobre o ambiente por outras pessoas dentro da organização e daí repassados
aos gestores pelos canais internos. As fontes pessoais envolvem contato direto
com outros indivíduos. As fontes impessoais referem-se à documentação escrita,
como jornais e revistas, ou relatórios do sistema de informações da organização.
Em geral, quanto menos analisável for o ambiente externo percebido, tanto
maior será a tendência para os gestores usarem a informação externa obtida pelo
contato pessoal com os outros gestores. As organizações de visão não dirigida
obterão a maior parte de suas informações a partir das relações de seus gestores
seniores com os colegas no ambiente (Keegan, 1974). Nas organizações de visão
criadora (enacting), os gestores também usarão as observações pessoais em gran-
de medida, muito embora estas informações muitas vezes venham a ser obtidas
por experimentação e pela tentativa de impor idéias ao ambiente. Quando o am-
biente é analisável, uma porcentagem maior dos dados será transmitida pelo siste-
ma de informação gerencial. A organização que se caracteriza como descobridora
também usará relatórios formais internos, embora estes resultem antes de investi-
gações especializadas do que de um sistema periódico e rotineiro de relatórios.
2. Obtenção de dados. Os mecanismos organizacionais de obtenção de in-
formação e a regularidade da obtenção são outras características distintivas da
sondagem organizacional (Fahey; King, 1977). As organizações descobridoras
alocarão muitos recursos para a aquisição de dados. Os departamentos especiais
serão tipicamente usados para examinar e estudar o ambiente. Relatórios regu-
lares e estudos especiais irão para a alta administração. As organizações de visão
condicionada terão relatórios regulares à disposição por intermédio de seu siste-
ma formal de informação. Essas organizações destinarão poucos recursos para a
sondagem externa.
As organizações de visão não dirigida farão pouco uso de informação geren-
cial formal. Os dados tenderão a ser irregulares e casuais. Não são necessários
departamentos de sondagem; os relatórios formais serão ad hoc e irregulares. A

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Organizações como sistemas interpretativos: em busca de um modelo  247

organização de visão criadora (enacting) também usará dados que de certa forma
são irregulares e ela representará um feedback sobre iniciativas ambientais sele-
cionadas. Segundo um padrão geral observável entre as organizações, as infor-
mações sobre o ambiente são mais regulares quando o ambiente é analisável e há
mais estudos e informações disponíveis quando a organização é ativa na aquisi-
ção de informações.

Quadro 2 Relações entre modalidades de interpretação e processos organizacionais.


Visão não dirigida Criação (enacting)

Características da sondagem: Características da sondagem:


1. Fontes de dados: externas, pes- 1. Fontes de dados: externas, pes-
soais. soais.
2. Aquisição: nenhum departamen- 2. Aquisição: nenhum departamen-
to de sondagem, contatos e re- to, relatórios irregulares e feed­
latórios irregulares, informação back do ambiente, informação
fortuita. seletiva.
Não analisável
Processo de interpretação: Processo de interpretação:
1.  Muita redução de equivocidade. 1.  Alguma redução de equivocidade.
2.  Poucas regras, muitos ciclos. 2.  Regras e ciclos moderados.

Estratégia e tomada de decisão: Estratégia e tomada de decisão:


1. Estratégia: reativa. 1.  Estratégia: prospectiva.
2. Processo decisório: construção de 2. Processo decisório: tentativa e
PRESSUPOSTOS coalizões. erro incremental.
SOBRE O
AMBIENTE Visão condicionada Descoberta

Características da sondagem: Características da sondagem:


1. Fontes de dados: internas, impes- 1. Fontes de dados: internas, impes-
soais. soais.
2. Aquisição: nenhum departamen- 2. Aquisição: departamentos separa-
to, mas manutenção regular de dos, estudos e relatórios espe-
registros e sistemas de informa- ciais, informação extensiva.
ção, informação rotineira.
Analisável Processo de interpretação:
Processo de interpretação: 1.  Pouca redução de equivocidade.
1.  Pouca redução de equivocidade. 2.  Muitas regras, ciclos moderados.
2.  Muitas regras, poucos ciclos.
Estratégia e tomada de decisão
Estratégia e tomada de decisão: 1.  Estratégia: analisadora.
1.  Estratégia: defensiva. 2. Processo de decisão: análise de
2. Processo decisório: programado, sistemas, computação.
busca problemística.

Passiva INTRUSÃO Ativa


ORGANIZACIONAL

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248  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

Processo de interpretação

A interpretação diz respeito ao processo pelo qual os gestores traduzem da-


dos em conhecimento e entendimento sobre o ambiente. Esse processo variará
de acordo com os meios de redução de equivocidade e com as regras de mon-
tagem que governam o comportamento de processamento da informação entre
os gestores.
1. Redução de equivocidade. A equivocidade é a extensão em que os dados
são obscuros e sugerem múltiplas interpretações do ambiente (Daft; Macintosh,
1981; Weick, 1979). Em todas as organizações, os gestores experimentam algu-
ma equivocidade em seus dados. A redução de equivocidade será máxima nas or-
ganizações de visão não dirigida. Os indícios externos de natureza pessoal estão
sujeitos a múltiplas interpretações. Os gestores discutirão esses indícios extensi-
vamente para chegar a uma interpretação comum. A equivocidade é reduzida por
meio de observações e discussões compartilhadas até que se consiga concordar
com uma gramática e um curso de ação comuns (Weick, 1979). A organização de
perfil criador também experimentará alta equivocidade, que será reduzida pre-
ferencialmente à base de empreender ações para ver o que funciona do que pela
interpretação de eventos do ambiente. A equivocidade da informação em geral é
mais baixa nas organizações de visão condicionada e nas descobridoras. Alguma
redução de equivocidade ocorre antes que os dados cheguem aos gestores. Os
especialistas fornecerão dados rotineiros para relatórios periódicos e realizarão
análises sistemáticas e estudos especiais. Os dados fornecem assim um estímulo
mais uniforme aos gestores, e necessita-se de menos discussão para se chegar a
uma interpretação comum.
2. Regras de montagem. As regras de montagem são os procedimentos ou
guias que as organizações usam a fim de processar dados para uma interpretação
coletiva. O conteúdo dessas regras e o quanto são fiscalizadas ou feitas cumprir
dependem da organização. Em geral, quanto maior for a equivocidade presente
nos dados, menor será o número de regras usadas para chegar a uma interpre-
tação. Inversamente, quanto menor for a equivocidade percebida dos dados que
entram na organização, maior será o número de regras usadas para montar a in-
terpretação (Weick, 1979).
Para os insumos de informação de natureza equívoca usam-se menos regras,
porque existe incerteza quanto ao que exatamente significa a informação. Pode-
se usar apenas um pequeno número de regras mais ou menos gerais para mon-
tar o processo. Se o insumo for menos equívoco, haverá mais certeza quanto à
natureza do item e à maneira de tratá-lo. Por isso se pode designar um número
maior de regras para lidar com os dados e montar uma interpretação (Putnam;
Sorenson, 1982).
O número de ciclos da informação na alta administração segue uma lógica
semelhante. Quanto maior for a equivocidade, mais vezes os dados podem ter

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Organizações como sistemas interpretativos: em busca de um modelo  249

que circular entre os membros antes que se chegue a uma interpretação comum.
Quanto menor for a equivocidade, menos ciclos serão necessários. Os números de
regras e ciclos de montagem tendem a ser inversamente relacionados.
As organizações de visão não dirigida, que recebem informação equívoca,
terão poucas regras, mas usarão muitos ciclos durante o curso de montagem da
interpretação. Em contraste, os gestores de uma organização de visão dirigida re-
cebem informação inequívoca, que será tratada de acordo com inúmeras regras,
mas são poucos os ciclos necessários para se chegar a um entendimento comum.
A organização descobridora também usará muitas regras, embora possa ser ne-
cessário um número moderado de ciclos por causa de alguma equivocidade pre-
sente nos relatórios e dados apresentados aos gestores. A equivocidade na inter-
pretação do sucesso das iniciativas na organização de criação estará associada ao
número moderado de regras de montagem e ciclos de informação.

Formulação de estratégia e tomada de decisão

As variáveis descritas estão diretamente relacionadas com os comportamen-


tos de sondagem e interpretação por intermédio dos quais as organizações pro-
curam conhecer e fazer sentido do ambiente que os envolve. Podem-se associar
duas variáveis adicionais – formulação de estratégia e tomada de decisão – às
modalidades de interpretação. As relações presumidas com as modalidades de
interpretação também são apresentadas no Quadro 2.
1. Formulação de estratégia. Miles e Snow (1978) propuseram que as empre-
sas podem estar organizadas de acordo com quatro tipos de estratégia: prospec-
tiva, analisadora, defensiva e reativa. A formulação de estratégia é de respon-
sabilidade da alta administração e, assim, pode estar relacionada a condições
ambientais que se assemelham às modalidades de interpretação. A estratégia
prospectiva reflete um alto nível de iniciativa em relação ao ambiente. O ambien-
te é visto como algo que está em mudança e que contém oportunidades. A organi-
zação desenvolve novos produtos e empreende novas iniciativas. Isso é consisten-
te com a modalidade criadora de interpretação. A organização analisadora é mais
cuidadosa. Ela está interessada em manter um núcleo estável de atividades, mas
com inovações ocasionais na periferia, se o ambiente permitir. Essa estratégia é
consistente com a orientação da modalidade descobridora, em que a organização
estuda o ambiente e só avança de maneira cuidadosa e restrita.
A estratégia defensiva é aquela em que a alta administração percebe que o
ambiente é analisável e estável, e ela está determinada a proteger o que tem.
Essa organização está interessada em manter os mercados tradicionais, e se con-
centra antes sobre a eficiência interna do que nas relações externas. A estratégia
defensiva tenderá a estar relacionada com a modalidade de interpretação carac-
terizada como condicionada. Finalmente, a estratégia reativa não é, em absoluto,
realmente uma estratégia. A organização avança aceitando mais ou menos o que

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250  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

lhe acontece. Essa organização reagirá a variações aparentemente aleatórias no


ambiente. Nesta organização o comportamento de rastreamento de informações
se baseia antes em dados casuais obtidos por contatos pessoais do que por sis-
temas de informação especializados. A estratégia reativa estará associada com a
modalidade de interpretação classificada como visão não dirigida.
2. Tomada de decisão. A literatura organizacional sugere que as organizações
tomam decisões de várias maneiras. As decisões organizacionais podem ser in-
fluenciadas pela construção de coalizões e pelo processo político (Cyert; March,
1963); por passos incrementais de decisão (Lindblom, 1959; Mintzberg; Raisin-
ghani; Théoret, 1976); pela análise de sistemas e procedimentos racionais (Lea-
vitt, 1975); e por respostas programadas a problemas de rotina (March; Simon,
1958; Simon, 1960). Nas organizações, a tomada de decisão em geral é parte dos
processos de informação e de interpretação; propõe-se, pois, que os processos de-
cisórios podem estar associados às modalidades de interpretação.
Nas organizações de visão não dirigida, o ambiente não é analisável. Os fato-
res não podem ser racionalizados a ponto de usar modelos de decisão racionais.
Os gestores reagem a indícios divergentes, pessoais, e são necessárias uma ex-
tensa discussão e construção de coalizão para se chegar a um acordo sobre uma
interpretação única e a um curso de ação. Antes de avançar para uma solução, os
gestores gastarão tempo procurando entender o que aconteceu e tendo que che-
gar a um acordo sobre os problemas.
Ao contrário, nas organizações de criação aparecerá um estilo mais assertivo
de decisão. A organização de visão criadora não tem precedente a emular. Pode-
se implementar uma idéia boa, encontrada subjetivamente, para ver se funciona.
As organizações de criação utilizam o processo incremental de tentativa e erro
descrito por Mintzberg et al. (1976). Quando as organizações decidem por um
curso de ação, elas imaginam uma solução sob medida e tentam-na. Se a solução
não funcionar, elas têm que fazer uma reciclagem e tentar de novo. As organiza-
ções de perfil criador avançam em ritmo incremental e obtêm informações sobre
o ambiente ao tentarem comportamentos e verem o que funciona.
As organizações orientadas pela descoberta também possuem uma aborda-
gem ativa, mas supõem que o ambiente é analisável. Aqui a ênfase recai sobre o
entendimento racional. A análise de sistemas será uma importante ferramenta de
decisão. Os pesquisadores operacionais e o pessoal de assessoria realizarão cálcu-
los sobre os dados ambientais e darão peso às alternativas antes de prosseguir. Esse
processo de decisão organizacional se caracteriza por lógica e análise. As soluções
não serão tentadas antes que as alternativas sejam cuidadosamente ponderadas.
Finalmente, as organizações de visão não dirigida podem ser consideradas as
mais fáceis para os tomadores de decisão. A organização é passiva e opera num
ambiente analisável. Os gestores programam a tomada de decisão. A organização
constrói os programas para descrever as reações aos eventos externos com base
na experiência anterior. As regras e os regulamentos cobrem a maioria das ativi-

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Organizações como sistemas interpretativos: em busca de um modelo  251

dades e são aplicados, a menos que irrompa uma verdadeira crise. As crises são
raras, mas, se ocorrer alguma, os gestores reagirão com uma busca problemística
(problemistic search) (March; Simon, 1958). A busca problemística significa que
a organização realiza uma pesquisa local em seu banco de memória imediato em
busca de uma solução. Somente depois de respostas tradicionais exaustivas, a or-
ganização avança para algum tipo de resposta nova.

Implicações

O propósito deste artigo é apresentar um modelo de organizações concebidas


como sistemas de interpretação e reunir um conjunto de idéias que se relacionam
com o comportamento de interpretação. As duas variáveis que fundamentam o
modelo são: (1) as crenças dos gestores de que o ambiente externo é analisável e
(2) a intrusão organizacional. Essas variáveis são consistentes com as investiga-
ções empíricas do comportamento de interpretar (Aguilar, 1967; Wilensky, 1967)
e são a base para quatro modalidades de interpretação: criação, descoberta, visão
não dirigida e visão condicionada. O modelo explica os comportamentos de inter-
pretação que vão desde a criação ambiental até a observação passiva. O modelo
também faz predições sobre as características de rastreamento, os processos de
interpretação e a estratégia e comportamento decisório da alta administração.
O modelo é proposto como um conjunto de hipóteses experimentais para tes-
te futuro. Há na literatura evidências que de fato sustentam a estrutura geral, mas
falta testar as previsões específicas. Talvez a melhor caracterização do modelo seja
imaginá-lo como uma organização inicial de idéias sobre o rastreio e o comporta-
mento de interpretação, com implicações para a pesquisa e a prática de gestão.

Pesquisa organizacional

As implicações do modelo de sistema de interpretação para a pesquisa orga-


nizacional têm duas faces. Em primeiro lugar, a perspectiva de sistema de inter-
pretação está interessada nos processos de alto nível da hierarquia de sistemas
de Boulding (Daft, 1980; Pondy; Mitroff, 1978). Uma organização pode ser vista
por seus estudiosos como uma estrutura, um sistema de controle ou um sistema
aberto. A visão de sistema de interpretação está interessada na recepção espe-
cializada de informações, na redução da equivocidade e na produção de sentido.
Essa perspectiva representa um afastamento das metáforas mecânicas e biológi-
cas da organização. As organizações são mais do que processos de transformação
ou sistemas de controle. Para sobreviver, as organizações devem ter mecanismos
para interpretar eventos ambíguos e para proporcionar sentido e direção aos par-
ticipantes. As organizações são sistemas de significado, e isso as distingue dos
sistemas de nível inferior.

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252  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

Talvez o processo de interpretação seja tão familiar que ele é tido como dado
e inquestionável, o que pode explicar por que se tem feito tão pouca pesquisa so-
bre essa questão. Mas a interpretação pode ser uma das mais importantes funções
que as organizações desempenham. De fato, a segunda implicação de pesquisa
da perspectiva do sistema de interpretação é que as atividades de rastreamento e
produção de sentido estão no centro das coisas. Quase todas as atividades organi-
zacionais, de uma forma ou de outra, estão sujeitas à interpretação. Por exemplo,
um dos princípios mais amplamente sustentados na teoria das organizações é o
de que o ambiente externo há de influenciar a estrutura e o design organizacional
(Duncan, 1972; Pfeffer; Salancik, 1978; Thug, 1979). Mas essa relação só pode
ser manifestada se os participantes que estão na organização perceberem e inter-
pretarem o ambiente e responderem a ele. Quase todos os resultados em termos
de estrutura e design organizacional, causados ou não pelo ambiente, pela tecno-
logia ou pelo tamanho, dependem da interpretação dos problemas ou das opor-
tunidades que os tomadores de decisão situados em posições-chave realizarem.
Quando a interpretação acontece, a organização pode formular uma resposta.
Muitas atividades nas organizações – iniciadas ou acionadas via estrutura, toma-
da de decisão, formulação de estratégias, aprendizagem organizacional, estabe-
lecimento de objetivos, ou inovação e mudança – podem estar ligadas à modali-
dade de interpretação do ambiente externo.
O paradoxo é que a pesquisa sobre as relações entre estrutura e ambiente dá
escassa atenção à interpretação. Trata-se de uma questão que parece crucial para
explicar por que a forma organizacional produziu tão pouca pesquisa sistemáti-
ca. Um dos valores do modelo proposto aqui é, pois, a introdução de um modelo
de interpretação e de um conjunto de relações que poderão ser pesquisadas em
termos empíricos no futuro.

Gestão

O modelo de sistema de interpretação tem duas implicações para os gestores.


Em primeiro lugar, ele diz que a tarefa da gestão é interpretar, e não a tarefa de
realizar o trabalho operacional da organização. O modelo chama a atenção para
a necessidade de se dar sentido às coisas, nas organizações, de se estar atento
aos eventos externos e de traduzir os indícios em significado para os participan-
tes organizacionais. Os gestores, em especial os da cúpula, são responsáveis por
esse processo e estão ativamente envolvidos nele. Os gestores podem fazer inter-
pretações de forma espontânea e intuitiva, sem se dar conta de seu papel de de-
finir o ambiente para os outros participantes. Uma implicação é que os gestores
imaginem as organizações como sistemas de interpretação e tomem a sério seus
papéis de intérpretes.
A outra implicação do modelo é que ele proporciona uma perspectiva com-
parativa para os gestores. O modelo chama a atenção para as modalidades de

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Organizações como sistemas interpretativos: em busca de um modelo  253

interpretação sobre as quais os gestores talvez não tenham pensado antes. Se


os gestores passaram suas vidas organizacionais num sistema de interpretação
orien­tado para a descoberta, usando sistemas de monitoração relativamente so-
fisticados, eles talvez queiram modificar essas atividades para uma abordagem
mais subjetiva. O ambiente externo talvez não seja tão analisável quanto eles
presumem. Os gestores orientados para a descoberta poderiam levar em conta
intuição e palpites em algumas situações e decidir lançar mercados de teste em
vez de surveys de mercado. Por outro lado, os gestores que preferem uma visão
condicionada, passiva, poderiam ser estimulados a romper as regras e os padrões
estabelecidos para ver o que acontece. O valor de qualquer modelo comparativo
está na proposição de novas alternativas. Os gestores podem compreender onde
estão, em oposição a onde eles gostariam de estar. Os gestores podem descobrir
que eles podem criar um cenário novo e valioso do ambiente, se adotarem novos
pressupostos e modalidades de interpretação.

Conclusão

Todo modelo é por si mesmo uma interpretação um tanto arbitrária, imposta


a uma atividade organizada. Todo modelo envolve compensações (trade-offs) e
pontos fracos inevitáveis. A maior fraqueza do modelo apresentado neste artigo
está refletida no postulado de Thorngate (1976) sobre complexidade comensurá-
vel. Segundo esse postulado, nenhuma teoria de comportamento social pode ser
simultaneamente geral, precisa e simples. Duas das três características são pos-
síveis, mas somente em detrimento da terceira. Neste artigo, tentou-se construir
um modelo geral e simples, mas em compensação tem-se um modelo que não é
muito preciso na especificação dos detalhes. A perda de precisão, porém, pode
não ser totalmente ruim. Um sistema de interpretação é uma atividade social hu-
mana assombrosamente complexa que talvez não se preste a uma mensuração
precisa neste ponto do desenvolvimento (Daft; Wiginton, 1979). Projetar um mo-
delo que seja preciso e acurado pode significar perder o fenômeno de interesse.
A interpretação é o processo pelo qual se dá sentido às informações e se deci-
dem as ações. Até nos ambientes mais objetivos, o processo de interpretação pode
não ser fácil. As pessoas nas organizações são dotadas de talento para tornar nor-
mais os eventos fora de padrão, para reconduzir os eventos dispersos à tendência
central, para fazer demonstrações plausíveis, para tirar proveito de fragmentos
disponíveis de informação, para traduzir a equivocidade em alternativas viáveis
e para tratar como suficiente toda informação que lhes caia nas mãos (Weick;
Daft, 1983). O resultado dessas tendências humanas é que a organização pode
construir interpretações que funcionam a partir de fragmentos, que, por sua vez,
consolidam e informam outros elementos e peças de dados.
O processo e os resultados são bem menos “ordenados” do que muitos gosta-
riam, à vista dos modelos e pressupostos correntes que tratam da organização. As

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254  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

idéias propostas neste artigo sugerem um novo ponto de vista – talvez um certo
ponto de partida – a partir do qual se possam interpretar a riqueza e a complexi-
dade da atividade organizacional.

Nota

Este artigo é uma extensão do artigo de Weick e Daft (1983). A prepara-


ção deste manuscrito foi financiada pelo Office of Naval Research, subvenção
N0001443-C-0025.

Nota da Redação

Artigo traduzido e publicado sob o título: “Por um modelo de organização


concebido como sistema interpretativo”, na RAE – revista de administração de em-
presas, v. 45, n. 4, p. 73-86, out./dez. 2005.

Referências

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12
O melancólico declínio, o misterioso
desaparecimento e o glorioso triunfo do
interacionismo simbólico∗

Gary Alan Fine

Introdução

Uma estratégia padrão dos autores de livros-textos é dividir a sociologia em


três partes: funcionalismo, teoria do conflito e interacionismo simbólico. Sem te-
cer apreciações sobre as duvidosas justificativas contemporâneas das duas primei­
ras partes, o que fazer com a última, em nosso fin de siècle? Onde situar a intera-
ção simbólica – essa abordagem sociológica distintamente americana, em grande
parte decorrente das interpretações dos ensinamentos de George Herbert Mead,
batizada por Herbert Blumer, há mais de meio século,1 inspirada nos escritos de
William James, John Dewey e Charles Horton Cooley, e dotada de um lar acadê-
mico, na primeira metade do século XX, na Universidade de Chicago, por inicia-
tiva de Robert Park, W. I. Thomas e Everett Hughes? Tornou-se a interação sim-
bólica excessivamente fragmentada ou incorporada à sociologia, ou triunfou ao
transformar a disciplina? Como sugere o título deste capítulo, todas as três supo-
sições são parcialmente verdadeiras.2
Devido à sua tradição intelectual, à sua infra-estrutura organizacional e à ati-
vidade de seus pesquisadores, a interação simbólica ainda está muito viva para
merecer um epitáfio. No entanto, a interação simbólica já não é mais o que cos-

∗  Artigo originalmente publicado sob o título “The sad demise, mysterious disappearance, and
glorious triumph of symbolic interactionism”, na Annual Review of Sociology, v. 19, p. 61-87, 1993.
Copyright © 1993 by Annual Reviews Inc. Todos os direitos são reservados.

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258  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

tumava ser. Ela ocupa hoje, na sociologia, um lugar muito diferente daquele de
há 20 anos, quando era rotulada “oposição leal” (Mullins, 1973) – uma postura
prontamente reconhecível como qualitativa, micro, subjetivista e sociopsicológi-
ca. Tal visão sugeria que o interacionismo era antes “meramente” reativo do que
capaz de criar uma nova visão. Qual é o lugar da interação simbólica na sociolo-
gia contemporânea, e qual é o papel que dela se espera no futuro?

A nova cara do interacionismo

Fragmentação, expansão, incorporação e adoção – todos esses processos em


conjunto alteraram o caráter da interação simbólica, de uma rígida rede social
com um claro foco teórico e de pesquisa para um programa com um slogan que, de
forma crescente, mascara uma certa falta de coerência, cujas idéias centrais foram
aceitas e em seguida erigidas como verdades inquestionáveis pela disciplina.

Fragmentação

Nas décadas iniciais do desenvolvimento do interacionismo simbólico, seus


temas centrais foram lucidamente apresentados e fáceis de estereotipar. Esses
estereótipos, como se discute a seguir, tinham alguma validade. Herbert Blumer,
juntamente com seus colegas da Universidade de Chicago e com estudantes de
outras localidades, articulou a perspectiva do interacionismo simbólico e, efetiva-
mente, policiou suas fronteiras. O interacionismo, como qualquer orientação teó-
rica nova, possuía raízes intelectuais profundas e variadas (por exemplo, Stryker,
1980; Shalin, 1984; Lewis; Smith, 1980; Rochberg-Halton, 1987), mas havia
uma concordância geral acerca de sua ascendência imediata. Embora não existis-
se unanimidade com respeito às implicações precisas dos escritos de George Her-
bert Mead (por exemplo, Miller, 1973, Cottrell, 1980), a fonte principal do intera-
cionismo simbólico (e o significado de Mead, para a maioria dos interacionistas)
eram os textos e os ensinamentos de Herbert Blumer. Para muitos, Herbert Blu-
mer era o interacionismo simbólico. Depois da Segunda Guerra Mundial, a coorte
de pós-graduandos da Universidade de Chicago expandiu-se enormemente. Esses
estudantes, muitos deles profundamente influenciados por Blumer e também por
Everett Hughes, representaram uma nova geração de scholars que durante suas
carreiras aprofundaram, expandiram e transformaram o interacionismo, contri-
buindo com importantes estudos empíricos e iniciando o processo de exploração
de novos modelos de crítica cultural e social (Denzin, 1992, p. 10-13).
Simultaneamente, um grupo menor de interacionistas foi formado na Univer­
sidade de Iowa sob a liderança de Manford Kuhn. Kuhn enfatizava as premissas
testáveis do conceito de Mead sobre o self em seu contexto, freqüentemente por
meio de questionários como o Teste das Vinte Afirmações ou Twenty Statements

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O melancólico declínio, o misterioso desaparecimento e o glorioso triunfo do interacionismo simbólico  259

Test (por exemplo, Kuhn; McPartland, 1954). Em conseqüência, os autores de li-


vros-textos dividiam o interacionismo entre a “Escola de Chicago” e a “Escola de
Iowa”. Essa divisão era fácil, mas enganosa, especialmente depois da morte de
Kuhn e do declínio do interesse pelo Twenty Statements Test e das mudanças na
sociologia em Chicago. A Escola de Chicago foi subdividida entre aqueles que en-
fatizavam os interesses empíricos de Everett Hughes e os que construíam sobre
a infra-estrutura teórica de Blumer. Depois da morte de Kuhn, a Escola de Iowa
passou a representar um papel menor na interação simbólica, até ser reformulada
por Carl Couch e seus discípulos.
A reorientação da sociologia, no final da década de 1960, para uma discipli-
na mais aberta a visões críticas e qualitativas conduziu a perspectivas não posi-
tivistas concorrentes que aceitavam como dados – em grau maior ou menor – os
princípios-chave do interacionismo. A interação simbólica servia como um lar
conveniente e acolhedor para muitos descontentes da sociologia, frustrados pela
ortodoxia funcionalista. Ademais, quando os interacionistas formados no final
da década de 1940 e durante a de 1950 desenvolveram seus próprios dialetos e
formaram seus estudantes, o alcance das abordagens qualitativa e interpretativa
se expandiu, sobretudo quando poucos estudantes receberam uma formação in-
teracionista “pura”.
A cada geração, as crenças centrais do interacionismo vão se turvando cada
vez mais, muito embora sobrevivam certos componentes dele, a que se apega a
maioria dos que se filiam a essa perspectiva – particularmente a ampla aceitação
das três premissas clássicas de Blumer (1969, p. 2) sobre interação simbólica: que
conhecemos as coisas por seus significados, que os significados são criados pela
interação social e que os significados mudam pela interação.
A dispersão dos centros institucionais de formação interacionista – Iowa e
Chicago e, mais tarde, San Diego – militava contra um acordo amplo sobre um
conjunto nuclear de conceitos, para além de premissas amplas. Simbolicamente,
a morte de Herbert Blumer, em 1986, encerrou o capítulo em que se poderia dizer
que o interacionismo tinha uma identidade vívida. Embora nunca tenha forneci-
do um enunciado sistemático da crença interacionista, Blumer serviu como um
árbitro para o que o interacionismo simbólico “realmente” significava (por exem-
plo, Blumer, 1980). Mesmo que nem todos aceitassem sua interpretação (por
exemplo, McPhail; Rexroat, 1979; Stryker, 1981), rejeitá-la significava rejeitar o
interacionismo simbólico “blumeriano”.
Num certo momento, o interacionismo talvez tenha tido uma reputação par-
cialmente merecida – de paroquial e endogênica – mas agora já não a merece
mais. Em seu período pós-blumeriano, o interacionismo poderia ser chamado de
intelectualmente eclético. Os interacionistas contemporâneos mesclam seu inte-
resse no interacionismo “clássico” – microssociológico, não estatístico, fortemen-
te relativista e orgulhosamente antipositivista – com virtualmente todas as tradi-
ções sociológicas. Por conseqüência, os interacionistas integraram a abordagem

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260  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

“blumeriana” às teorias ligadas a Durkheim, Simmel, Weber, Freud, Habermas,


Baudrillard, Wittgenstein, Marx, Schutz, à fenomenologia, à teoria pós-moderna,
ao feminismo, à semiótica e ao behaviorismo. O que costumava ser uma pers-
pectiva bastante limitada e estritamente focada agora poderia ser acusado de
desenfatizar os problemas tradicionais de definição situacional, negociação, ge-
renciamento de impressão e criação de significado que certa feita animavam o in-
teracionismo simbólico.3 Os revisionistas, com certa justiça, sugeriram que os es-
critos de Blumer (e os de outros influentes precursores, como Znaniecki, Thomas,
Cooley e Park) rejeitam a microvisão estreita e estereotipada do interacionismo e
afirmam que essas críticas (Reynolds, 1993) jamais foram totalmente acertadas
(Maines, 1988; Tucker, 1988).
Em sua fragmentação, o interacionismo simbólico parece preso sobretudo a
uns poucos princípios amplos, a uma infra-estrutura organizacional efetiva e a
algumas bases ativas de publicação. Naturalmente, isso pode ser tudo o que mui-
tas perspectivas compartilham. As leituras textuais e os estudos culturais pós-mo-
dernos e pós-estruturais de Norman Denzin (1986) e de Patricia Clough (1992)
parecem estar a anos-luz da experimentação precisa e da construção teórica de
Peter Burke (1980) e de David Heise (1979). É sintomático do grau de fragmen-
tação o fato de alguns blumerianos da “velha guarda” questionar se alguns desses
autores são “verdadeiros” interacionistas. De maneira semelhante, as etnografias
realistas e descritivas de Ruth Horowitz (1983) e de Elijah Anderson (1978) são
totalmente diversas dos relatos auto-reflexivos e intensamente pessoais de Ca-
rolyn Ellis (1991) e de John Van Maanen (1988).
O interacionismo simbólico dos anos 1990 tem uma diversidade que pode
deteriorar seu núcleo. Esse fracionamento, obviamente, tem suas vantagens, pois
a diversidade produz um fermento intelectual. No entanto, esta amplidão levan-
ta o questionamento sobre o que – se é que existe algo sobre o que – comparti-
lham os interacionistas simbólicos pós-blumerianos. Existe um modelo dominan-
te de interação simbólica? Os teóricos que se intitulam (ou que são intitulados)
interacionistas pertencem à mesma escola? Uma resposta é que, se um número
suficiente de indivíduos se intitula ou se associa a uma organização (a Society
for the Study of Symbolic Interaction), então esta perspectiva existe. No entanto,
esse grau de semicoerência pode levantar algumas questões sobre sua justificação
como uma perspectiva.

Expansão

Ligada à fragmentação de uma perspectiva antes relativamente unificada,


encontra-se uma grande expansão de tópicos “legítimos” de pesquisa. O interacio­
nismo simbólico fora criticado no passado por muitos pecados reais e alegados.
Foi acusado de ser apolítico (apoiando, assim, o status quo), não científico (pou-
co mais, pois, que um jornalismo com direito a estabilidade), hostil às questões

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O melancólico declínio, o misterioso desaparecimento e o glorioso triunfo do interacionismo simbólico  261

clássicas da macrossociologia (donde, limitado à psicologia social) e a-estrutural


(portanto, fundamentalmente não sociológico). Os críticos poderiam aceitar a
dominância do interacionismo simbólico sobre o estudo da interação face-a-face
e das microrrelações, mas rejeitar sua relevância fora daí.
Embora a interação simbólica possa ter sido limitada em conteúdo e esti-
lo – uma alegação em parte verdadeira, mas nunca tão precisa quanto os críticos
alegavam (veja Maines, 1988; Wood; Wardell, 1983) –, dificilmente pode-se di-
zer o mesmo hoje. Em resposta às críticas, os interacionistas desenvolveram con-
ceitos que se conectam com as demandas estruturais e da macrossociologia (por
exemplo, Kleinman; Fine, 1979; Prendergast; Knottnerus, 1993). Vou discutir
a seguir a pesquisa contemporânea e os desenvolvimentos teóricos, muitos dos
quais (como a teoria da coordenação social, o macrointeracionismo e a sociologia
aplicada) estão claramente fora dos domínios que os interacionistas simbólicos
no passado alegavam como seus.
As recentes tentativas de associar a interação simbólica à teoria do caos
(Young, 1991), à pesquisa sobre usos e gratificação (Altheide, 1985), à ­ecologia
social (Frese; Roebuck, 1980) ou às teorias do desenvolvimento civilizacional
(Couch, 1984) marcam a extensão em que os interacionistas vinculam sua abor-
dagem à ampla envergadura do conhecimento acadêmico. A crença de que a inte-
ração simbólica é antagônica à corrente dominante das ciências sociais foi rejeita-
da nas últimas duas décadas e substituída pela convicção de que essa perspectiva
contribui com uma nova dimensão aos tópicos tradicionais.

Incorporação

Com a expansão das temáticas cobertas pela interação simbólica, aumenta-


ram os empréstimos provenientes de outras áreas disciplinares. Os interacionis-
tas simbólicos incorporaram outras abordagens teóricas para fortalecer sua pró-
pria perspectiva. Os escritos que tentam explicitamente harmonizar a interação
simbólica com os estudos culturais (Denzin, 1992; McCall; Becker, 1989) são um
modelo dessa guinada incorporativa. De maneira semelhante, o apelo a um “in-
teracionismo sintético” (Fine, 1992a), combinando diversos tratamentos teóricos
de ação e estrutura, convoca os interacionistas a incorporar outros modelos à
perspectiva blumeriana.
A disposição para tomar idéias de empréstimo sugere a ausência de uma
mentalidade de fortaleza. As tentativas de ligar o interacionismo à teoria crítica
e marxista (por exemplo, Batiuk; Sacks, 1981; Ashley, 1985), à teoria parsoniana
(Alexander, 1987; Sciulli, 1988) ou a Vygotsky, Piaget, Bruner e outros, no cam-
po do desenvolvimento infantil (Corsaro; Rizzo 1988; Winter; Goldfield, 1991),
revelam todas o desejo de aprender de outras fontes intelectualmente vitais. Se,
de um lado, essas tentativas de recorrer a fontes externas podem fragmentar a
coerência, uma abordagem pragmática deveria encontrar aí um revigorante elo;

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262  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

afinal de contas, devem-se usar as ferramentas mais produtivas. Embora uma


abordagem pragmática negue que vale tudo, necessariamente, ela também pre-
coniza o exame dos resultados, sem fazer pressupostos.
A leitura da produção acadêmica da década passada sobre Symbolic Interac-
tion e Studies in Symbolic Interaction mostra periódicos que divergem pouco em
relação aos periódicos que comandam a disciplina. Sem planejamento conscien-
te, a interação simbólica se refez de forma reiterada. Dentro do interacionismo,
encontram-se análise estatística, experimental, análise secundária de dados de
survey, tratamentos teóricos fundados em crítica literária, análise conversacional
de inspiração etnometodológica, teoria social européia e sociologia aplicada de
relevância política. Contrastando com isso, nos primeiros anos de existência dos
periódicos, o interesse central da maioria dos artigos se limitava às inquietudes
tradicionais: a criação de significado pela interação, a criação social do self e da
identidade e a história e a contribuição teórica dos fundadores. Se, de um lado,
essa “ciência normal” continua, ela se tornou menos reconhecível como a tarefa
principal da perspectiva.

Adoção

Assim como os interacionistas tomaram empréstimos de outros, os outros


tomaram empréstimos deles. Durante os anos de 1980, os textos de George Her-
bert Mead foram descobertos por uma geração de teóricos sociais (Collins, 1989;
Joas, 1985; Habermas, 1987) que, em geral, tinham pouco conhecimento da in-
teração simbólica clássica. A estrela de Goffman continuava a subir. Ele era com
freqüência reconhecido como o sociólogo americano mais influente do século XX,
sobrepujando Parsons, Homans e Blumer.
Seria justo afirmar, embora difícil de demonstrar, que no início dos anos de
1990 muitos sociólogos da corrente dominante estavam aceitando a construção
de significado, a negociação, o gerenciamento de impressão e a rotulagem como
componentes de sua sociologia. Um caso de destaque é a inspiração exercida
pelos textos de John Dewey sobre Robert Bellah e seus colegas (1991) em sua
análise pós-Tocqueville da América, The good society. Do mesmo modo, o uso de
métodos qualitativos e de conceitos interacionistas pelos autores da coletânea
de ensaios sobre a América contemporânea, The recentering of America, de Alan
­Wolfe (1991), revela a difusão da perspectiva. A obra The new institutionalism
(DiMaggio; Powell 1991; Meyer; Rowan, 1977) também se fundamenta num en-
tendimento cultural e qualitativo de como as condições de trabalho estão ligadas
à análise dos campos organizacionais e das estruturas econômicas. Meyer (1992),
por exemplo, escreve sobre a influência do texto interpretacionista clássico The
social construction of reality, de Berger e Luckmann (1966), em sua própria pes-
quisa. Isso não significa que os teóricos estruturalistas aceitaram o interacionismo
como seu modelo teórico dominante, ou que se identificaram com a perspectiva,

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O melancólico declínio, o misterioso desaparecimento e o glorioso triunfo do interacionismo simbólico  263

ou mesmo que eles sempre reconhecem de onde vêm suas idéias, mas que, cada
vez mais, os construtos interacionistas estão integrados ao corpo do pensamento
sociológico.4 Com certeza, algumas dessas coisas envolvem “a nova síndrome de
Colombo”, dando novos nomes ao que já existiu anteriormente, mas em outros
casos os autores estão bem conscientes de seu débito. Saxton (1989) argumenta
com vigor que os autores interacionistas têm uma epistemologia científica social
que resolve problemas genéricos de análise no período pós-positivista. Os con-
textualistas e construtivistas na psicologia social (Gergen, 1982; Shotter, 1986;
Rosnow; Georgeourdi, 1986) e os novos etnógrafos e teóricos ­interpretacionistas
da antropologia (Clifford; Marcus, 1986; Geertz, 1980), a despeito de suas di-
vergências, descobriram uma tradição epistemológica semelhante àquela que os
interacionistas simbólicos estavam desenvolvendo há meio século. De maneira
análoga, a revolução na teoria das comunicações absorveu muito da análise inte-
racionista (Carey, 1989).
O apelo dos conceitos interacionistas embaçou ainda mais a fronteira entre
os que são e os que não são interacionistas. Com essas idéias tão amplamente dis-
persas, pode-se afirmar que o interacionismo, como uma perspectiva sociológica
definida, está em perigo, mesmo em seu período de maior triunfo. As páginas dos
catálogos de livros e dos periódicos mais importantes estão cheias de uma lite-
ratura compatível com o interacionismo, mas que não se identifica com ele; são
exemplos as teorias fundadas nos escritos de Bakhtin, Foucault e Derrida. Com
uma perspectiva tão fragmentada por dentro e com tantos outros se aproprian-
do dela, está se estreitando a diferença entre os que se auto-identificam com o
interacionismo e os muitos outros que não o fazem, embora aceitem premissas
interacionistas básicas.

Debates interacionistas

Tomados em conjunto, os processos de fragmentação, expansão, incorpora-


ção e adoção sugerem que o interacionismo simbólico contemporâneo encontra-
se num estranho período de triunfo e crescimento, contando com as bênçãos da
corrente majoritária, o que pode prenunciar o desaparecimento de suas contribui-
ções singulares. A tensão gerada pela centralidade crescente do interacionismo
está evidente num conjunto de debates acadêmicos contemporâneos – debates
que exigem que os interacionistas tratem de tópicos que confrontam a sociologia
como um todo. Embora esses debates se sobreponham, cada um deles foi tratado
exaustivamente nas páginas dos periódicos nacionais. Especificamente, examino
a contribuição da abordagem interacionista para: (i) o debate sobre a relação
macro–micro na sociologia, (ii) o debate sobre agência/estrutura e (iii) a divisão
entre realistas sociais e interpretacionistas.

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264  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

O debate macro–micro

Juntamente com a teoria da troca e os modelos racionais de escolha, o intera-


cionismo simbólico representa a versão “micro” dominante na sociologia. Muito
antes de o debate micro–macro ter sido identificado e adotado, a conexão entre
os níveis de análise já representava uma preocupação interacionista fundamen-
tal. Os escritos de Anselm Strauss e seus colegas (1964; veja Strauss, 1978; Fine,
1984), no princípio dos anos de 1960, apresentavam o paradigma da “ordem ne-
gociada” e colocavam explicitamente a análise organizacional na agenda intera-
cionista. Strauss acreditava que a organização poderia ser compreendida de bai-
xo para cima; isto é, as macroestruturas poderiam ser entendidas a partir de um
fundamento microanalítico. Strauss não ignorou os efeitos da estrutura sobre os
significados e as interações, mas estes ocupavam menos o seu foco. A extensão da
pesquisa sobre a vida organizacional levou a um reconhecimento de que as insti-
tuições tinham um papel importante no sentido de limitar o significado (Nichols,
1991; Lynxwiler et al., 1983), canalizar a interação (Hall, 1987) e “encravar” a
construção de formas sociais (Gubrium, 1992; Holstein, 1993), mesmo que essas
macroestruturas não determinassem totalmente o significado e a interação.
Em muitos sentidos, o debate macro–micro foi travado no campo interacio-
nista (Shalin, 1986), mesmo que inicialmente nem todos os participantes estives-
sem plenamente conscientes de sua relevância. O pronunciamento The Interac-
tion Order, feito por Erving Goffman (1983), presidente da American Sociological
Association (ASA), forneceu um estatuto interacionista para confrontar os inte-
resses tradicionais da sociologia com a ordem social. Igualmente, o conceito de
“cadeias rituais de interação” foi uma tentativa de argumentar que a microin-
teração precedia a estrutura (Collins, 1981) e se reportava à ênfase de Blumer
(1969) sobre a costura de linhas de ação. Outros descreveram a sedimentação
do significado (Busch, 1982) e a macroestrutura como comportamento coletivo
(Blankenship, 1976; Bucher, 1962). Os interacionistas tentaram estabelecer um
elo entre os níveis macro e micro, postulando um nível intermediário: a meso-
estrutura (Maines, 1982). Aqui a estrutura é mediada por meio de ações indivi-
duais, coordenada por padrões e expectativas (veja Levy, 1982; Kleinman, 1982;
Pestello; Voydanoff, 1991). Foi uma contribuição específica da perspectiva in-
teracionista a de reconhecer que o nível mesoscópico possibilita aos sociólogos
examinar a dinâmica social, que permite que as instituições, as organizações, a
ordem econômica e os regimes de Estado cobrem o comprometimento ou a obe-
diência dos atores individuais.
Por fim, os interacionistas, como outros participantes do debate, concluíram
que uma distinção fixa entre os níveis é enganosa (Wiley, 1988; Law, 1984), suge-
rindo que instituições de todos os tamanhos podem ser analisadas com ferramen-
tas analíticas semelhantes. Alguns defendem uma sociologia sem costuras, que
reconhece que os níveis “separados” são na verdade entrelaçados e indivisíveis,
com macroanálises implicando micro e vice-versa (Fine, 1990b). O debate foi

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O melancólico declínio, o misterioso desaparecimento e o glorioso triunfo do interacionismo simbólico  265

importante pela tentativa de construir pontes entre grupos teóricos, colocando


os microssociólogos em contato intelectual e pessoal com os macrossociólogos,
rompendo assim o isolamento subdisciplinar. Uma razão plausível para se afirmar
que a interação simbólica desapareceu, embora não nominalmente, é o sucesso
do argumento de que todos os níveis de análise devem ser considerados, quando
se faz uma análise adequada. É raro o microssociólogo (quer seja na teoria da
troca, na etnometodologia ou na interação simbólica) que não se interesse por
questões de organizações maiores. Por sua vez, a maioria dos macrossociólogos
(estruturalista, marxista ou institucionalista) aceita agora a visão de estruturas
alicerçadas, em última instância, nas ações dos participantes, mesmo que não en-
fatizem o poder do ator tanto quanto os interacionistas.

O debate agência/estrutura

Poucos tópicos são tão centrais à perspectiva do interacionismo simbólico


quanto o da agência pessoal. A afirmação de que os interacionistas somente acre-
ditam em escolhas de agentes é uma crítica freqüente à perspectiva. Todavia, o
equilíbrio entre a estrutura e a agência está no coração da abordagem intera-
cionista à ordem social. Em última análise, a ordem social depende de como os
agentes confrontam, usam, manipulam e refazem a estrutura (Dawe, 1978) – di-
retamente e por meio de indivíduos que fazem a mediação – e como as institui-
ções sociais tomam os indivíduos em consideração. O interacionista reconhece
que grande parte do mundo não é uma realização do indivíduo (como os sistemas
do patriarcado ou de classes) e somente pode ser entendida no contexto das cir-
cunstâncias em que essas realidades sociais são expressas.
Assim como acontece com tantos assuntos recém-descobertos, a ligação en-
tre agência e estrutura no interacionismo tem uma longa linhagem (Baldwin,
1988) – uma inquietude implicitamente tratada nos textos de Mead, Cooley, Blu-
mer, Goffman e outros. Como é que os indivíduos negociam as realidades estrutu-
radas – que somente podem ser ignoradas por quem esteja disposto a aceitar con-
seqüências severas – e como é que estruturas determinam o que os atores podem
ou irão fazer? Conceitos como obstinacidade, restrição, negociação, sedimenta-
ção, simbolização, identificação, ritualização – cada um deles alicerçado na aná-
lise interacionista tradicional – conectam o ator com os limites da escolha (Fine,
1992a). Trata-se do objetivo de Goffman de desenvolver um conhecimento da
“ordem de interação” que faça justiça tanto à ordem como à interação, não per-
guntando apenas que definições são possíveis, mas também que definições são
prováveis e quais são as conseqüências para aqueles que ignoram as definições.
Fundamentalmente, a perspectiva não depende da ação individual, mas da
criação coletiva de significado – de coletividades de qualquer tamanho, muito
embora haja debate sobre a extensão em que se está continuamente gerando sig-
nificado. Por exemplo, uma visão interacionista do comportamento coletivo e da

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266  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

multidão tende a drenar dos agentes individuais muito de sua individualidade,


dando à multidão a habilidade de transformar os atores (McPhail, 1989). A “es-
trutura” (significados individuais sedimentados) é poderosa. Quando tenta rela-
cionar a ação humana com a realidade obstinada do ambiente – uma estrutura
exterior ao ator –, Weigert (1991) fala de um tipo de comportamento que ele ro-
tula de “interação transversa”. Os atores reconhecem o ambiente físico como um
“outro” simbólico e usam esse entendimento para estruturar sua interação com
um “outro generalizado”. A relação entre atores e objetos não é apenas significa-
tiva, mas, num sentido específico, pode-se dizer que é interação (Cohen, 1989).
Considerando que a interação se estabelece dentro das instituições e responde a
uma realidade obstinada, uma análise interacionista adequada deve levar a estru-
tura em conta. Em última análise “o interacionismo é tanto uma teoria da expe­
riência quanto uma teoria da estrutura social” (Denzin, 1992, p. 3).

O debate realista social/interpretacionista

Os interacionistas, com freqüência, foram descritos e, às vezes, se descrevem


a si mesmos como fundamentalmente anticientíficos e antipositivistas. De uma
certa maneira, isso é verdadeiro, mas esta afirmação desconsidera a diversidade
da perspectiva e, ao mesmo tempo, ignora o fato de que aqueles que questiona-
ram os métodos quantitativos padrão, como Mead, poderiam se ver a si mesmos
como “científicos”. Assim, o interacionismo simbólico “ficou assombrado por um
espectro de dois gumes” (Denzin, 1992, p. 2).
Enquanto argumentam em favor de um estudo subjetivo, interpretativo da
expe­riência humana, os interacionistas também esperam criar uma ciência da con-
duta humana, uma abordagem social realista baseada em critérios científicos na-
turais. Enquanto esse debate tomou forma exemplar nos escritos de pesquisadores
específicos (por exemplo, Manford Kuhn vs. Herbert Blumer), ele também está
evidente nos “textos privilegiados” da perspectiva, como no Symbolic Interactionis,
de Blumer (1969). Como pode alguém ser objetivo ao mesmo tempo em que se
mantém ainda subjetivo? Todas as tentativas de resolver esse dilema, em última
análise, não são convincentes, e o debate continua.
O interacionismo simbólico é metodologicamente mais diverso do que com
freqüência se admite, particularmente quando se decide incluir os interacionis-
tas que estudam o autoconceito do self e a formação da identidade (Rosenberg,
1979; Burke, 1980). Outros desprezam essas técnicas de coleta de dados e, se-
guindo os críticos literários, analisam os textos como retórica (por exemplo, Gus-
field, 1976).
Os conflitos metodológicos entre as assim chamadas escolas de Chicago e de
Iowa ainda reverberam (Falk; Anderson, 1983) e alguns asseguram que o intera-
cionismo simbólico está dividido em humanistas e positivistas (Warshay; Warshay,
1987). O tema da inevitabilidade da causalidade (Lindesmith, 1981) continua a

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O melancólico declínio, o misterioso desaparecimento e o glorioso triunfo do interacionismo simbólico  267

dividir os interacionistas. Entretanto, essas divisões podem ser exageradas, pois a


maioria dos interacionistas aceita a coleta sistemática de dados, quer recorrendo a
entrevistas em profundidade, quer à etnografia, à introspecção ou a surveys.
Os realistas sociais acreditam que se possam coletar e analisar dados que re-
fletem com certa fidelidade a realidade social (Farberman, 1991, p. 477), ao pas-
so que os subjetivistas radicais e os pós-modernistas vêem os dados como uma
estratégia discursiva, uma realidade de segunda ordem, um texto que deve ser
continuamente questionado e subvertido (Clough, 1989; Schneider, 1991; Ri-
chardson, 1992).
O fosso entre a abordagem de um interpretacionista e a de um realista social
é central para entender a diversidade do interacionismo simbólico contemporâ-
neo. Ambas as abordagens tornaram-se mais sofisticadas, em seu desenvolvimen-
to teórico e em sua metodologia, e elas estão avançando em sentidos substancial-
mente diferentes. Sensatamente, serão elas ainda asas de uma perspectiva única,
quando não conseguem chegar a um acordo sobre epistemologia – sobre se o
mundo, em última análise, pode ser conhecido?

Domínios do interacionista simbólico

Em última análise, as escolas são conhecidas pelas conquistas de seus mem-


bros: elas são sistemas de atividade. O crescimento das abordagens qualitativa,
interpretacionista e interacionista à sociologia depende do poder das linhas de
pesquisa. Um breve levantamento não pode pretender fazer justiça a todas as
linhas empíricas ativas, mas analiso algumas das áreas mais significativas: (i)
teo­ria da coordenação social, (ii) trabalho emocional e experiência, (iii) constru-
cionismo social, (iv) criação da individualidade (self), (v) macrointeracionismo e
(vi) interacionismo de relevância política.

Teoria de coordenação social

A explicação dos processos universais que descrevem a interação social por


meio de princípios formais e genéricos é um objetivo antigo a perseguir os realis-
tas sociais, que lutam por princípios sistemáticos de conhecimento (Prus, 1987).
Como observa Rock (1979, p. 53; veja Zerubavel, 1980), a interação simbólica
tem uma dívida profunda com a teoria e os métodos de Simmel.
Talvez o mais vigoroso e ambicioso programa de pesquisa em ação no inte-
racionismo – especificando os princípios genéricos da ação coletiva – seja o de
Carl Couch e seus discípulos. Durante os últimos 25 anos, eles exploraram como
as unidades sociais coordenam suas atividades. Esta teoria da coordenação social
provê ao interacionismo um conjunto de princípios sociais universais, que Couch

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(1992, p. 130) compara tanto à geometria quanto à tabela periódica da química.


Por meio de uma série de coletâneas organizadas (Couch; Hintz, 1975; Couch et
al., 1986), livros (Couch, 1989) e artigos, publicados em grande parte em perió-
dicos e anuários, eles elaboraram os processos e as condições de co-presença.
Couch (1984, p. 8; Miller et al., 1975) argumenta que, para que se desabro-
che um ato cooperativo, os interagentes devem: (i) estabelecer uma co-presença,
(ii) demonstrar atenção recíproca, (iii) revelar responsividade mútua, (iv) criar
identidades funcionais congruentes, (v) construir um foco compartilhado e (vi)
divisar um objetivo social. Ao estabelecer um relacionamento sociável, os intera-
gentes criam um passado compartilhado e um futuro projetado (Katovich; Cou-
ch, 1992; Maines et al., 1983). Uma relação social ou grupo desenvolve tradições
e uma cultura própria ou idiocultura (Fine, 1979; Wiley, 1991). A existência de
passados sociais semelhantes (próximos e distantes, comuns e compartilhados)
permite aos atores reconfigurar com rapidez e sem autoconsciência as suas respos­
tas. Os esforços de Couch para formular princípios de ação coordenada se com-
param à preocupação de Mead, Cooley e Blumer no sentido de ajustar a outros,
específicos e generalizados. De fato, uma pesquisa experimental, da tradição in-
teracionista, sugere que a coordenação é extraordinariamente sutil, produzindo
simetria temporal não intencionada nas relações microssociais (Gregory, 1983).
O objetivo de Couch, em última análise, é nada menos que criar uma sociolo-
gia alicerçada no nível micro, em que díades, tríades e outros grupos criam pro-
cessos sociais, reconhecendo que os processos invariantes fornecem os blocos de
construção para uma teoria sociológica formal que explicará como as díades e os
agrupamentos maiores coordenam suas ações nas organizações e nas seqüências
de interação.
Metodologicamente, Couch (1987) e seus colegas têm uma postura diferen-
te da de muitos interacionistas simbólicos. Em certa medida, eles transcendem a
distinção aparentemente clara entre pesquisa qualitativa e quantitativa. Embora
sua coleta de dados possa ocorrer em laboratório (Couch; Weiland, 1986; Kato-
vich, 1987) ou em ambientes ou situações de campo (Seckman; Couch, 1989;
Katovich; Diamond, 1986), o propósito é o mesmo. Eles coletam amostras de
tran­sações sociais produzidas por díades, tríades e, em alguns poucos casos, por
coletividades maiores em situações que são estruturalmente semelhantes. Cada
simulação laboratorial (por exemplo, de equipes de negociação) serve, com efei-
to, como um sítio etnográfico, mas, em vez de explorar o que prende essa intera-
ção situacionalmente à cultura local, eles extraem princípios universais. A “etno-
grafia” do coordenador social pode parecer fortuita, no sentido de que ele não se
baseia numa prolongada imersão no cenário, mas é, antes, planejada para obser-
var interações similares, rotineiras, uma forma de amostragem teórica. Não causa
surpresa que os teóricos da coordenação social estejam particularmente interes-
sados em trabalhos rotineiros de venda (por exemplo, Katovich; Diamond, 1986;
Prus, 1989) – essas situações são recorrentes e proporcionam oportunidades para

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O melancólico declínio, o misterioso desaparecimento e o glorioso triunfo do interacionismo simbólico  269

a avaliação de conceitos genéricos. Como esses pesquisadores estão em busca de


propostas universais, em vez de enunciados comparativos, os testes estatísticos
não são relevantes. A etnografia de imersão, de larga escala, favorecida pelo teó-
rico fundamentado também não é reclamada, no sentido de que a aprendizagem
sobre qualquer grupo específico e sua situacionalidade local não é crucial, e tam-
pouco o são os relatos subjetivos.

O trabalho emocional e a experiência

Nos últimos 20 anos, os sociólogos descobriram a emoção como tema (Gor-


don, 1981), um tópico em grande parte situado dentro de uma perspectiva inte-
racionista simbólica definida em termos amplos. As emoções são concebidas em
termos personificados enquanto uma espécie de realidade experienciada (Den-
zin, 1984a); enquanto uma forma de avaliação cognitiva, como controle de afe-
to; e enquanto algo que surge do mundo social, como parte das habilidades dra-
matúrgicas que os indivíduos usam para lidar com a ordem social (Hochschild,
1983). Os interacionistas tratam as emoções como uma “experiência vivida” (par-
te de uma guinada fenomenológica pós-moderna), como “construções cogniti-
vas”, relacionadas a significados sociais, e como um “trabalho de emoção” (uma
estratégia interacional de gerenciamento de impressão). Já que essas abordagens
à emoção são distintas, têm-se feito tentativas promissoras de integrá-las (John-
son, 1992; Scheff, 1983; Thoits, 1989).

Emoções corporificadas. As emoções são experienciadas pelo corpo humano,


não apenas filtradas pelas demandas sociais, embora o contexto social das emo-
ções, em última análise, determine o que é sentido. A emoção, segundo Norman
Denzin (1985, p. 225), é um “auto-sentimento” que afeta um corpo vivo, ao qual
empresta sentido um ator no mundo social. Denzin sustenta que a emoção é uma
janela fundamental para dentro do self, da individualidade, ao mesmo tempo
construída para situar seu significado na comunidade. A temporalidade (Flaherty,
1987, 1992; Fine, 1990a), o contato físico (Denzin, 1984b) e o ambiente “natural”
(Fine, l992b; Mitchell, 1983; Weigert, 1991), conquanto não sejam propriamente
emoções, são também estados diretamente experienciados e corporificados, e es-
tão ligados a emoções primárias (como o tédio, o medo, a animação). Os que es-
tudam os doentes crônicos e agonizantes (Charmaz, 1991) constatam que os sen-
timentos corporificados da doença – e não apenas as definições sociais dadas para
“o doente” – propiciam um significado social e transformações de identidade.
Para entender as emoções como uma realidade primária, alguns pesquisado-
res enfatizaram o valor da auto-reflexão. Num artigo influente e controvertido,
Carolyn Ellis (1991) cobra “introspecção sociológica” para ajudar a captar o sen-
timento que as emoções suscitam: no caso dela, os efeitos pessoais dramáticos da
enfermidade crônica e a morte de seu parceiro. Esses relatos honestos e descom-

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prometidos podem ser uma leitura desconfortável, mas se moldam aos requisitos
da fenomenologia social: captar a experiência vivida.

Controle do afeto. À guisa de segunda abordagem interacionista às emoções,


a teoria do controle do afeto (Heise, 1979; Smith-Lovin; Heise, 1988, Robinson;
Smith-Lovin, 1992) resulta da fertilização cruzada entre a psicologia social cog-
nitiva e o interacionismo simbólico “estrutural” (especialmente, a teoria da identi­
dade – Stryker, 1981). Esses pesquisadores enfatizam a identidade social mensu­
rável, valendo-se de subsídios de dentro e de fora do interacionismo clássico. Nas
participações em situações, os atores adotam identidades sociais que marcam
suas relações autodefinidas com aqueles com quem interagem, e a ­incapacidade
de estabelecer estas relações conduz à angústia emocional (Thoits, 1983). Os
significados dessas identidades são analisados em três dimensões fundamentais:
avaliação (bom/mau), potência (poderoso/sem poder) e atividade (ativo/ina-
tivo). Ao mensurar as definições de um ator pela pesquisa experimental ou por
questionários, os pesquisadores examinam a mudança (ou a deflexão) dessas
de­finições em conseqüência de variáveis independentes. A teoria do controle do
afeto sustenta que os atores constroem os eventos para confirmar seus significa-
dos a seu respeito e a respeito dos outros, minimizando as deflexões. As emoções
são sinais da extensão em que os eventos confirmam ou desconfirmam a identida­
de. Podem-se gerar emoções a partir da identidade ou do caráter da situação. As
respostas emocionais são uma função da definição situacional como também da
identidade social reconhecida do definidor. Nesse modelo, as dinâmicas são ba-
sicamente cognitivas e, num sentido real, as emoções emergem antes das defini-
ções do que em conseqüência direta de estímulos externos.
Em contraste com a abordagem experimental às emoções, a teoria do contro­
le do afeto exige métodos experimentais precisos – um eco distante do que se en-
tendia como o conjunto das diretrizes metodológicas oficiais do interacionismo
tradicional. Na medida em que a teoria do controle do afeto depende dos pressu-
postos de interacionismo simbólico da construção social da individualidade (self),
ela provê outro indicador do embaçamento das linhas que separam o interacio-
nismo da sociologia dominante.

Trabalho da emoção. Uma terceira abordagem explora as emoções como cons-


truções e estratégias sociais para impressionar os outros. Esses pesquisadores es-
tão menos interessados na maneira em que a emoção é experienciada ou interna-
mente gerada do que na maneira em que ela é exercida em função das demandas
da cultura e das situações sociais; essa abordagem se apóia fortemente na análise
de representação dramática.
Desde os primeiros escritos de Goffman (1959), o exame da vida social como
algo dramático e destinado a persuadir foi crítico para o interacionismo. Essa
abordagem, geralmente conhecida como o “paradigma estratégico” (Lofland; Lof­

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O melancólico declínio, o misterioso desaparecimento e o glorioso triunfo do interacionismo simbólico  271

land, 1984), focalizou a maneira como os atores sociais administram seus de-
sempenhos em seus aspectos verbais, paraverbais e não verbais. Até mesmo nos
seus escritos iniciais, Goffman enfatiza que as emoções são estratégicas e que os
atores sociais são socializados em seu uso. As emoções estão ligadas ao trabalho
de identidade (Snow; Anderson, 1987; Clark, 1987). Da mesma forma que os in-
divíduos selecionam as emoções a serem mostradas, assim também outros atores
podem delimitar a propriedade de certas emoções, como o pesar, por exemplo
(Rosenblatt, 1988; Lofland, 1985). As demandas organizacionais e os papéis ocu-
pacionais modelam a forma em que as pessoas expressam a emoção e, às vezes,
podem até mesmo afetar a maneira como elas se sentem (Hochschild, 1983; Zur-
cher, 1985; Gubrium, 1992). Nesse sentido, as emoções são um comportamento
aprendido e são controláveis, e existem “regras de sentimento” que determinam
quando e que emoções serão exercidas.

Construcionismo social

A interação simbólica há muito está imersa no exame dos problemas sociais,


certamente desde a análise de Mills (1942) da retórica e dos relatos sociais em
torno da definição dos problemas sociais. A teoria da rotulagem (Becker, 1963)
desenvolveu-se a partir de construtos interacionistas, reconhecendo que o públi-
co está pelo menos tão envolvido na criação do desvio comportamental quanto
o pretenso desviado. Nos últimos 30 anos, a teoria da rotulação foi criticada, ex-
pandida e alterada e é um subtipo de teorias que se tornaram conhecidas como
“construcionismo social” (Schneider, 1985). A teoria da rotulagem é uma micro-
variante da ênfase de Durkheim sobre a necessidade de uma sociedade estabele-
cer fronteiras (Erikson, 1963), focando a atenção antes na reação dos atores so-
ciais do que nos entendimentos societários. Por fim, a abordagem interacionista
aos “problemas sociais” e, na verdade, a todas as esferas do conhecimento desti-
na-se a examinar como as fronteiras são estabelecidas e defendidas (Zerubavel,
1991; Gieryn, 1983).
A abordagem construcionista social fornece um meio por intermédio do qual
os interacionistas encaminham a formulação institucional dos problemas sociais.
Por que alguns padrões de ação são definidos como “problemáticos”, enquan-
to outros são “normalizados”? Na formulação clássica (Spector; Kitsuse, 1977):
como são construídos os problemas sociais? A abordagem do construcionismo
social permite que os interacionistas examinem os processos históricos, dinâmi-
cos que afetam o sistema social, como o “tratamento médico do desvio” (Conrad;
Schneider, 1980). O construcionismo chegou a dominar a teoria dos problemas
sociais, mas sua elaboração desenvolveu suas próprias cisões e controvérsias teó­
ricas (Holstein; Miller, 1993). Por exemplo, há um debate ativo entre aqueles
que enfatizam que todo significado (e, portanto, a existência de condições “obje­
tivas”) deve ser problematizado (Woolgar; Pawluch, 1985) – sugerindo que o

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conhecimento sociológico é algo construído da mesma maneira que a retórica


dos atores dos problemas sociais – e os que aceitam a existência de condições
objetivas, enquanto desejam enfocar os processos pelos quais algumas dessas
condições se tornam parte do debate público (Best, 1989) – sugerindo que os
sociólogos podem até certo ponto ser “intermediários honestos”. As condições
culturais (Fine; Christophorides, 1991), as realidades institucionais (Hilgartner;
Bosk, 1988) e o papel dos reivindicadores (Pfohl, 1977), todos contribuem para
determinar o que entra no debate público. A visão construcionista tornou-se tão
dominante que é raro se ler um tratamento sociológico de um problema social
que não faça alusão ao modo como o reconhecimento de um problema social é
função de critérios extra-objetivos.
O construcionismo não se limita ao exame de problemas sociais, mas se aplica
à criação de toda a vida social, que se vincula à afirmação clássica de W. I. Thomas
de que as situações devem ser definidas e de que essas escolhas têm conseqüên-
cias reais. A construção social de todas as coisas não é meramente uma brincadei-
ra; é algo fundamental e cada vez mais aceito como parte da visão sociológica de
mundo. Por exemplo, a visão interacionista da psicose (Rosenberg, 1984) baseia-
se na incapacidade do paciente de assumir o papel do outro e de fazer atribui-
ções “próprias” (consensuais) – em outras palavras, de ser incapaz de construir o
mundo social de uma maneira coordenada com as perspectivas dos outros. Usa-
mos tudo o que convém para construir nossas próprias individualidades ou “eus”
(selves) – inclusive nossas localizações ou vestimentas físicas – como também para
construir a identidade e o caráter dos outros (Stone, 1962; Weigert, 1986; Hood,
1984; Davis, 1992). Qualquer destroço simbólico de madei­ra é adicionado a essas
construções. O modelo ativo de interpretação social é uma característica bem re-
conhecida de grande parte da literatura sociológica contemporânea.
O tratamento dado à análise estrutural por Erving Goffman (1974), com res-
paldo em Gregory Bateson, Kenneth Burke e W. I. Thomas, examina como os ato-
res sabem que classe de atividade está ocorrendo (por exemplo, gozação, experi-
mentação, fraude ou jogo fantasioso). A análise estrutural provavelmente tem o
impacto mais dramático na pesquisa dos movimentos sociais. Os pesquisadores
que pertencem a essa tradição (Gamson et al., 1982; Snow et al., 1986), embora
não usem a “estrutura” precisamente nos termos de Goffman, argumentam que
as técnicas retóricas pela quais os líderes do movimento definem uma reivindica-
ção têm efeitos reais sobre as respostas públicas e o crescimento organizacional.
Os interacionistas argumentam que o próprio passado é construído: o tempo
e a história não são imutáveis, mas seu significado resulta da adequacidade situa-
cional e das atividades dos líderes morais. Assim, os interacionistas se voltam para
o passado, tentando entender os acontecimentos históricos e, com a mesma im-
portância, como se deu peso aos acontecimentos históricos. Conforme argumen-
tou de modo convincente Eviatar Zerubavel (1981), as categorias temporais nem
sempre tiveram o mesmo significado. Os feriados, as semanas e os anos não são

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O melancólico declínio, o misterioso desaparecimento e o glorioso triunfo do interacionismo simbólico  273

dados por um universo fixo em termos temporais, mas são construídos em termos
sociais, com o significado simbólico correspondente. Assim, igualmente, construí­
mos a memorização dos acontecimentos e das pessoas (Schwartz, 1987; Wag-
ner-Pacifici; Schwartz, 1991), que podem ser a fonte de dramas (Gross, 1986),
de identificação comunitária (Billig, 1991), de discórdia (Gregory; Lewis, 1988)
e de individualidade ou self (Davis, 1979). Potencialmente, tudo está à mercê de
quem quiser lançar mão; que, de fato, nem tudo está, deve-se ao caráter obstina-
do da estrutura, do poder e dos significados sedimentados.

A criação da individualidade (self)

A psicologia social sociológica, marginalizada nos anos de 1970, emergiu no-


vamente a fim de contribuir para a ampliação da disciplina. Em lugar nenhum
isso é mais evidente do que no rejuvenescimento do estudo sociológico do self, da
identidade e do papel social. O desenvolvimento do self social e simbólico, um tó-
pico original da interação simbólica de James, Cooley e Mead, é central à pesqui-
sa e à teoria interacionista, e inclui questões como auto-estima, auto-sentimento,
autoconceito, trabalho de identidade e auto-apresentação.
O interacionismo simbólico – na forma em que foi praticado pelos sociólogos
formados por Everett Hughes, na Universidade de Chicago, no fim dos anos de
1940 e início de 1950 – tendia a desenfatizar o self, em favor da situação; a so-
ciologia de Erving Goffman – para quem implicitamente não existia uma indivi-
dualidade (self) “real”, profunda e ciosamente alentada, mas apenas um conjunto
de máscaras – representava um protótipo dessa visão. No entanto, a despeito da
atenção dada à situação, interacionistas como Ralph Turner (1976, 1978) en-
fatizaram que a criação do self resulta de tendências sociais e culturais. Hewitt
(1989), por exemplo, argumenta que aparece um conflito básico nas individuali-
dades (selves) norte-americanas entre o individualismo (independência) e a par-
ticipação comunitária (interdependência).
Enquanto os interacionistas sustentam que não se pode encontrar um self
“real, verdadeiro, essencial”, há estudos sobre formas de desenvolvimento do self
que integram a análise interacionista – tanto de teóricos interpretacionistas asso-
ciados à análise literária pós-moderna quanto de realistas sociais, que estão mais
ligados à experimentação e à testagem de hipóteses. O interacionismo descreve o
self como algo simbólico, situacionalmente contingente e estruturado.
Descrever a visão interpretacionista como “pós-moderna” não faz inteira jus-
tiça a essa abordagem, que está alicerçada, em igual medida, na teoria feminista.
Os interesses compartilhados de pesquisadores interacionistas e feministas enfa-
tizam o caráter de gênero do self – isto é, o self não é dado biologicamente, mas
é criado pelas demandas e respostas sociais a essas demandas (Wiley, 1991). O
reconhecimento do gênero afetou a pesquisa em todos os domínios da sociolo-

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274  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

gia, mas em nenhum lugar de forma mais significativa do que na pesquisa do self.
Dado o argumento freqüente, embora não universal, de que o gênero é construí­
do socialmente (Kaufman, 1991; Krieger, 1983), a sociologia feminista é uma
aliada natural do interacionismo (veja Deegan; Hill, 1987).
O self é gerado por meio da retórica e das histórias contadas pela própria
pessoa (Denzin, 1987; Miller, 1991) ou por outros (Adler; Adler, 1991, cap. 6) e
da manipulação de outros símbolos (Schwalbe, 1983). A criação literária do self
tornou-se proeminente na literatura interacionista (Richardson, 1992; Rambo
Ronai, 1992). O self é o texto. Alguns fazem uma ligação jocosa do “I” de Mead
com “irony” (Tam, 1984). A construção simbólica, verbal, literária do self é um
dos pólos da abordagem interacionista ao self.
Um segundo pólo é a teoria da identidade, que concorda que o self é construí­
do, mas, em vez de ver essa construção como uma criação, o self é construído por
ajustamento. O problema consiste em que o ator adeque o seu self ao caráter do-
minante da situação ou estrutura, ajustando-o a uma realidade obstinada (Bro-
wn, 1991). Isso se compara às ênfases na teoria do controle do afeto. Assim como
nesta, a teoria da identidade pode ser testada por intermédio de técnicas expe-
rimentais e de questionários. Teóricos como Stryker (1980) e Rosenberg (1979)
tentam especificar o processo previsível pelo qual acontecem a construção do pa-
pel e as mudanças na auto-imagem. Outros, como Ralph Turner, Viktor Gecas e
Louis Zurcher, examinam a fluidez dos construtos de papel, enquanto admitem
que essas individualidades (selves) “mutáveis” (Zurcher, 1977) possuem estabili-
dade temporal, institucional e espacial.
Todos os interacionistas – por mais diversos que sejam seus fundamentos teóri-
cos, suas opções metodológicas e pressupostos sobre o nível apropriado de estabili-
dade e reificação – concordam que o self não é um objeto que possui um significa-
do inerente, mas um construto a que o ator dá sentido por meio de suas escolhas,
mediadas que são pelas relações, situações e culturas em que ele está imerso.

Macrointeracionismo

A acusação mais fácil sempre foi a de que a interação simbólica era uma pers-
pectiva microssociológica, sem interesse na estrutura, ou crença no poder das
organizações e instituições e sem construtos para examinar essas questões (Mai-
nes, 1988; Strauss, 1991; Hall, 1987). Conforme foi observado anteriormente,
quando se tratou de debate macro–micro, essa acusação sempre foi enganosa,
porquanto Blumer (1969), por exemplo, regularmente se referia em seus textos
a “unidades atuantes”, e não a atores. Recentemente, contudo, os interacionistas
discorreram de forma mais consciente sobre questões macrossociológicas, usan-
do o nível intermediário da meso-estrutura.
Essa ênfase ganhou proeminência no influente artigo de survey de David Mai-

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O melancólico declínio, o misterioso desaparecimento e o glorioso triunfo do interacionismo simbólico  275

nes (1977) na Annual Review of Sociology, intitulado “Social organization and social
structure in symbolic interactionist thought”, que enfatiza a tradição interacionista
do interesse pela estrutura, pelas organizações e pelas instituições (veja Overing-
ton; Mangham, 1982). Os conceitos de ordem negociada (Kahne; Schwartz, 1978),
restrição (Denzin, 1977; Farberman, 1975), rede (Fine; Kleinman, 1983; Faulkner,
1983), atividade coletiva (Becker, 1982; Gilmore, 1988) e significado simbólico
(Schmitt, 1991; Manning, 1992) proporcionam uma entrée à macroanálise.
Uma perspectiva compatível foi desenvolvida por teóricos organizacionais
que reconhecem a importância da experiência existencial de viver em organiza-
ções (DiMaggio; Powell, 1991; Hodson, 1991) e os efeitos das redes de signifi-
cado e de cultura na vida organizacional (Pfeffer, 1981; Ouchi; Wilkins, 1985).
Alguns teóricos organizacionais sugerem que as organizações são caracteriza-
das por sistemas “frouxamente acoplados” (Weick, 1976), são fundamentalmente
anárquicas (Cohen et al., 1972) e têm culturas reconhecíveis (Zucker, 1977; Ka-
mens, 1977). O fato de os atores serem “corporativos”, no sentido de que repre-
sentam posições ou agências, não significa que a perspectiva interacionista sobre
a ação social é irrelevante. O fato de que estas são “pessoas simbólicas” torna a
perspectiva dramatúrgica e interpretativa mais poderosa, caso se admita que es-
ses atores são motivados pelo gerenciamento da impressão corporativa e limita-
dos pelas estruturas organizacionais.
Enquanto, por um lado, os interacionistas têm muito a ganhar com a abertu­
ra de sua abordagem à análise política e econômica dos sistemas sociais (veja,
porém, Burawoy, 1979; Smith, 1991), existe um poderoso argumento, por ­outro
lado, de que os campos organizacionais (Strauss, 1982) são estruturados por
meio da negociação simbólica e que, por conseqüência, há pouca diferença de
ne­gociações de pequena escala. Por fim, uma organização econômica localiza-
da – um mercado de vendedores e compradores – tem sua origem nas condições
estruturais em que está imersa. Embora estejam, aparentemente, muito distantes
do exame dos sistemas de interação, todos os sistemas de larga escala estão, em
última análise, fundamentados nos construtos simbólicos que os indivíduos usam
para enfrentar sua realidade local.

Interacionismo de relevância política

De acordo com alguns críticos, os interacionistas estão pouco interessados em


melhorar o mundo que os rodeia, e são fundamentalmente apolíticos e apáticos
(Gouldner, 1970; Huber, 1973). Essa acusação é estranha, quando se volta con-
tra uma abordagem que deriva da filosofia pragmatista, talvez a tradição filosófi-
ca norte-americana mais comprometida com a melhoria do mundo. Tanto Mead
(Shalin, 1987) quanto Blumer (Wellman, 1988) tinham fortes inclinações políticas,
evidentes em seus escritos. Mead era um ativista do progresso envolvido na políti-
ca progressista de Chicago. Blumer foi, em períodos de sua carreira, um mediador

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276  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

trabalhista e tinha opiniões fortes em relação à discriminação racial. Na verdade,


o primeiro estudo empírico de maior importância de Blumer, financiado pelo Pay-
ne Study and Experiment Fund (Blumer, 1933), focava uma política específica – o
exame dos efeitos do cinema na juventude (Denzin, 1992; Clough, 1988).
Dois argumentos foram apresentados para explicar por que os interacionistas
não estão envolvidos ativamente no debate e na ação política: um metodológico e
um teórico. Em termos metodológicos, afirma-se que, já que os interacionistas fre-
qüentemente evitam técnicas estatísticas, suas conclusões são encaradas com ce-
ticismo pelos adversários políticos, para quem a tendenciosidade do pesquisador
individual contagia os dados. Não há dúvida de que era assim quando os próprios
formuladores de políticas estavam convencidos de que era desejável haver dados
“objetivos”, precisos e confirmáveis, mas hoje há uma maior disposição para exa-
minar as avaliações em conexão com o entendimento dos atores (Patton, 1980).
Em termos teóricos, os interacionistas acreditam que a verdade é um constru­
to social, mas essa posição não quer dizer que qualquer curso de ação é tão bom
quanto outro. No entanto, se a verdade se fundamenta na perspectiva de uma pes-
soa, isso parece sugerir que a ação do estado, restringindo a escolha indivi­dual,
é injustificável, porque ninguém pode fazer uma escolha responsável em lugar
de outrem. Por conseqüência, entende-se que o interacionismo é profundamente
anárquico (Lofland, 1988) ou libertário (Fine, 1993). No entanto, se alguém espe­
cifica objetivos coletivos, supostamente a partir de um ponto de vista político ou
cultural, os pesquisadores podem sugerir de que maneira esses objetivos ou expe-
dientes podem ser alcançados. Além disso, uma posição relativista radical nunca
foi central para o interacionismo, uma vez que há muito já se reconheceram as rea­
lidades obstinadas e os significados coletivos. Se, por um lado, poder-se-ia argu-
mentar, a partir de um nível teórico esotérico, que a discriminação racial ou o es-
pancamento de crianças podem ser definidos como corretos, na sociedade em que
vivemos, para o universo do discurso, porém, essas escolhas são repugnantes.
Os interacionistas se dedicaram tanto à questão genérica da pesquisa sobre
políticas em geral (Estes; Edmonds, 1981) como aos domínios políticos aplicados
específicos (Kreps, 1989; Glassner; Freedman, 1979; Corbin; Strauss, 1988). De
fato, a interação simbólica hoje influencia cada vez mais áreas “profissionais”,
como o serviço social, a enfermagem, a educação e as artes cênicas. Na prática,
a pesquisa interacionista se mostra valiosa para os que desejam fazer do mundo
um lugar melhor e mais seguro para se viver.

De onde vem a interação simbólica?

Somos desafiados a averiguar a medida de uma perspectiva ampla e vibrante:


a interação simbólica contemporânea é uma e outra, ao mesmo tempo. Em meu
título, levanto um triplo paradoxo: como pode o interacionismo estar simultanea­

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O melancólico declínio, o misterioso desaparecimento e o glorioso triunfo do interacionismo simbólico  277

mente num estado de morte, desaparecimento e triunfo? Cada alegação dessas


refere-se aos fenômenos descritos: fragmentação, expansão, incorporação e ado-
ção da interação simbólica. Essas características, que no passado impulsionaram
o interacionismo simbólico para a sua postura distinta de oposição, agora têm
menos importância, levantando a seguinte questão: foi a posição do interacionis-
mo simbólico redefinida? Irá o interacionismo simbólico confrontar a disciplina
a partir de fora, ou já ocorreram mudanças substanciais, que alteraram a missão
daqueles que se inspiraram nas Três Premissas de Blumer? Como muitas popula-
ções “especiais”, acabamos, afinal, sendo absorvidos pela maioria dominante?

Declínio

Num certo sentido, não há evidência de declínio na interação simbólica: a teo­


ria não foi descartada como velha, irrelevante, incorreta ou inútil. Em termos or-
ganizacionais, houve crescimento. Talvez alguém diga que houve queda no núme-
ro de estudantes de pós-graduação ou de centros de formação, mas aí se poderia
contestar que a formação em nível de pós-graduação se ampliou. Pelo contrário, o
declínio – se o rotularmos como tal – resulta da fragmentação e do sentimento de
que poucas crenças essenciais são aceitas em escala universal. A morte de Herbert
Blumer custou à perspectiva a perda de seu líder carismático. A revista Symbolic
Interaction publica artigos de autores que não se consideram interacionistas nem
são assim considerados por terceiros. E autores que são intelectualmente compa-
tíveis com o interacionismo não usam esse termo para se definirem, não porque
creiam que este rótulo os estigmatize, mas porque ele é irrelevante. Os pressupos-
tos centrais desapareceram enquanto geradores de pesquisa e não foram substituí­
dos: a perspectiva é multifocal. O núcleo não se sustenta.

Desaparecimento

Enquanto houver um periódico, uma organização ou pessoas que adotem o


rótulo, o interacionismo simbólico não vai desaparecer. No entanto, as linhas que
separam essa perspectiva e a disciplina como um todo ficaram turvas e se torna-
ram incertas. Em outras palavras, os conceitos do interacionismo foram confiados
ao pensamento dominante. Não se trata apenas da falta de um centro, um nú-
cleo, mas da existência de uma periferia que não pertence apenas à perspectiva.
Precisaremos de um grupo de sociólogos que se rotulem com esse nome antigo,
enquanto outros compartilhem seu trabalho?

Triunfo

Como se observou, os conceitos do interacionismo se tornaram os conceitos


de boa parte da sociologia. Essa não é, com certeza, uma conquista insignificante

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278  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

para uma perspectiva que recebera recentemente a pecha de estar intelectualmen­


te exaurida. Os principais periódicos da disciplina agora publicam regularmente
pesquisas interpretativas, qualitativas, desenvolvidas sob inúmeros pontos de vis-
ta. O construcionismo social, a sociologia das emoções, a teoria da identidade, a
reviravolta pós-moderna, a cultura organizacional, a ordem negociada, a análise
estrutural, a análise retórica, a reconstrução do passado, a sociologia da tempo-
ralidade e a análise de gênero, classe e raça são todas conquistas localizadas que
se baseiam em modelos interacionistas, mesmo que as contribuições a essas áreas
sejam mais vastas que o interacionismo por si só.
Se o objetivo da interação simbólica era manter-se como um movimento de
oposição distinto, então ela falhou, porque cada vez mais autores de fora estão
tratando de seus temas centrais e cada vez mais autores de dentro estão extrapo-
lando suas fronteiras, não se importando com seus rótulos de filiação. Contudo,
se o objetivo final é desenvolver uma abordagem pragmática à vida social – uma
visão do poder da criação e da interação simbólica –, então a interação simbólica
terá triunfado de forma gloriosa.
É perigoso prever o futuro, mas é evidente que o rótulo da interação simbóli-
ca vai sobreviver: ele abriga um clube amistoso e animado. Seus periódicos conti-
nuarão fortes. E, no entanto, descobriremos mais endogamias, mais intercâmbio
e mais interação. A interação simbólica servirá como rótulo de conveniência para
o futuro, mas servirá ele também como rótulo de reflexão?

Nota da Redação

Artigo traduzido e publicado sob o título: “O triste espólio, o misterioso desa-


parecimento e o glorioso triunfo do interacionismo simbólico”, publicado na RAE –
revista de administração de empresas, v. 45, n. 4, p. 87-105, out./dez. 2005.

Notas
1
  Há inúmeras histórias sobre o desenvolvimento do interacionismo simbólico
e sua ligação com a escola de sociologia de Chicago (veja, por exemplo, Fisher;
Strauss, 1978; Harvey, 1987; Lewis; Smith, 1980).
2
  A interação simbólica foi declarada extinta anteriormente, de forma mais notó-
ria na infame alegação – segundo os interacionistas – de Nicholas Mullins (1973,
p. 98) de que a influência do interacionismo simbólico “chegara ao fim”. Institu-
cionalmente, a interação simbólica, com seus diversos periódicos e sua vibrante
organização – a Society for the Study of Symbolic Interaction, fundada em resposta
ao obituário de Mullins e à dura crítica de Huber (1973) –, está muito viva.
  Isso não significa que não haja interacionistas interessados nesses tópicos “fora de
3

moda”, mas antes que agora há menos interesse neles do que já houve no passado.

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O melancólico declínio, o misterioso desaparecimento e o glorioso triunfo do interacionismo simbólico  279

4
  Deve-se admitir que alguns estudiosos entendem que a disciplina está dividida
em campos hostis (por exemplo, Lofland, 1990). Analiso a mesma evidência e
vejo uma condição mais pastoral. Em termos interacionistas de verdade, não exis-
te uma condição “verdadeira”, mas um conjunto de preferências analíticas.

Agradecimento

Agradeço a Carl Couch, Fred Davis, Norman Denzin, Jaber Gubrium, Lori
Holyfield, Michael Katovich, Sherryl Kleinman e John Lofland por seus comentá-
rios às versões anteriores deste capítulo.

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Parte V
Abordagens Críticas
e Pós-Modernas

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13
Teoria crítica e pós-modernismo:
principais alternativas à hegemonia
funcionalista*

Marcelo Milano Falcão Vieira


Miguel P. Caldas

Introdução

Observamos em outras partes deste livro (Vergara; Caldas, 2005) que, a des-
peito da predominância da ortodoxia funcionalista no campo de estudos orga-
nizacionais, ao menos desde o final da década de 1980, vertentes de resistência
têm surgido para enfren­tar tal hegemonia na área. Por um lado, ainda mais pró-
ximo do que Burrell e Morgan (1979) chamariam de “sociologia da regulação”,
surge a alternativa inter­pretacionista, à qual dedicamos um módulo deste livro.
Por outro, afastando-se da sociologia da regulação, surgem a teoria crítica das
organizações – mais orientada à mudança social – e, mais recentemente, aborda-
gens pós-modernas em estudos organizacionais, cuja alocação nos quadrantes de
Burrell e Morgan é problemática, pois, embora surja da contradição à ortodoxia
positivista, nega igualmente a teoria crítica e os modelos mais radicais.
Neste último módulo, oferecemos aos vários docentes que não tiveram até
hoje muito acesso a tais abordagens críticas e pós-modernas uma primeira apro-
ximação às alternativas epistemológicas mais recentes ao mainstream funciona-
lista. A eles dirigimos esta introdução, com o pedido de escusas aos muitos já ini-
ciados, para quem ela parecerá um tanto básica. Além de introduzir os dois textos
incluídos nesta parte como amostras da produção acadêmica crítica (no caso do
texto de Valérie Fournier e Chris Grey) e da pós-moderna (artigo de Robert Coo­
per e Gibson Burrell), objetivamos aqui oferecer uma primeira aproximação a
tais tradições alternativas, procurando mostrar as diferenças entre as duas ver-

*  Artigo originalmente publicado na RAE – revista de administração de empresas, v. 46, n. 1, p. 59-70,


jan./mar. 2006.

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292  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

tentes, bem como sua diversidade interna, posto que, longe de serem monolíticas
e convergentes, possuem grande diversidade e variância internas. Objetivamos
também analisar brevemente sua utilização no Brasil nos últimos 20 ou 25 anos,
bem como discutir possíveis direcionamentos para pesquisa futura dentro dessas
tradições alternativas.
De início, precisamos esclarecer alguns pontos de partida, de forma que o
leitor possa entender, consistentemente ao tópico em discussão, os pontos de
vista aqui expressos de maneira crítica, reflexiva e relativa, e não confundi-los
com uma pretensa expressão da “verdade”, neutra e distanciada, tão típica da
hegemonia funcionalista. Primeiro, devemos deixar patente que nós, autores des-
ta introdução, não somos neutros, temos nossa posição e percepção de mundo,
da teoria e do nosso campo, subordinadas a nossas posições sociais e contextos
pessoais. Por exemplo, escrevemos ambos no contexto da análise organizacional,
que per se apresenta diferenças fundamentais em relação à análise crítica e pós-
moderna em outros campos, como filosofia, artes, ou mesmo sociologia de forma
geral. Ambos tivemos ao menos parte de nossa formação acadêmica no exterior, o
que indica que nossa visão de mundo foi até certo ponto parametrizada por essa
experiência. Ambos, embora um mais do que o outro, distanciamos nossa própria
produção da tradição mais funcionalista, o que direciona certo viés em prol das
vertentes alternativas ao mainstream funcionalista que aqui apresentamos. Am-
bos temos pessoalmente mais simpatia intelectual e epistemológica por uma de-
las do que pela outra e, portanto, nela vemos mais potencial no Brasil.
Segundo, precisamos também deixar patente que, para nós, a mera coloca-
ção dessas duas vertentes alternativas – crítica e pós-moderna – no mesmo espa-
ço (como aqui se faz, ou como também fez o próprio Handbook de estudos orga­
nizacionais (Alvesson; Deetz, 1999)) é problemática, e pode confundir mais do
que elucidar o leitor não bem informado. Pode-se entender por que isso é feito:
afinal, todo espaço editorial que ainda se consegue hoje em dia para vertentes
epistemológicas alternativas à hegemonia funcionalista e positivista é raro e pre-
cioso. No entanto, a dificuldade reside em que, freqüentemente, o leitor ou aluno
que têm sua primeira aproximação a essas alternativas epistemológicas ao mains-
tream funcionalista por esse tipo de via – em que ambas são apresentadas conjun-
tamente – pode cair no erro de achar que, por serem justamente “alternativas”,
seriam semelhantes ou coincidentes. Nada mais incorreto: teoria crítica e pós-mo-
dernismo, de fato, têm em comum a sua clara intenção – dentre outras intenções
distintas que cada uma apresenta – de serem vertentes epistemológicas resistentes
e alternativas ao positivismo lógico. Mas praticamente param aí as suas semelhan-
ças, tal como a física newtoniana e a física quântica, que têm em comum a crença
em leis abstratas que governam a natureza e o distanciamento da tradição pré-
científica de união da ciência com a filosofia, mas que não são nem de longe idên-
ticas ou coincidentes entre si; ou ainda as geometrias não euclidianas, e tantos
outros exemplos do gênero. Críticos e pós-modernos têm em comum praticamen-
te apenas a sua oposição ao mainstream que os precedeu. Vários textos no nosso

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Teoria crítica e pós-modernismo: principais alternativas à hegemonia funcionalista  293

campo, dentro e fora do Brasil, tendem a reincidir nesse erro e até certo ponto
pluralizar essas duas vertentes distintas. Em nossa opinião, a união de correntes
tão distintas sob o rótulo de “crítica” é um erro de ordem ontológica.

Teoria crítica

Há muita confusão em torno da teoria crítica, principalmente na área de


Administração. Um pouco dessa confusão deve-se ao desconhecimento de quem
se dispõe a fazer uso da teoria crítica sobre sua origem e fundamentos teóricos
e críticos. Outra parte deve-se ao oportunismo relativamente comum em áreas
com característica aplicada, particularmente naquelas em que o mercado orienta
a produção do conhecimento prático.
No ano de 2004, a TV Cultura produziu uma série de palestras, com renoma-
dos pensadores, intitulada “Os Fundadores do Pensamento Social Contemporâ-
neo”. O filósofo Marcos Nobre ficou encarregado de apresentar o tema “teoria crí-
tica”. Foi extremamente esclarecedora sua “aula” sobre a origem da teoria, bem
como seus princípios fundamentais. São algumas das idéias expostas por Marcos
Nobre que passamos a reproduzir agora de forma comentada, relacionando-as,
posteriormente, à área de Administração, com a intenção de que isso venha a es-
clarecer alguns problemas relacionados ao uso da teoria crítica na área. Ressal-
tamos que qualquer equívoco na interpretação das idéias apresentadas a seguir é
de nossa exclusiva responsabilidade.
Nossa reflexão nesta seção divide-se em duas partes. Na primeira, tratamos
de uma questão de fundo, qual seja, os conceitos de teoria e de prática. Na se-
gunda, debruçamo-nos sobre a origem da teoria crítica e seus desdobramentos
contemporâneos.
A questão da teoria e da prática é central para a teoria crítica devido a sua
oposição à “visão tradicional” de teoria e de prática. Uma teoria é composta por
um conjunto de hipóteses ou de argumentos utilizados para compreender fenô-
menos reais. Portanto, uma teoria visa a descrever como as coisas são, ou, nou-
tras palavras, como a realidade é. Uma teoria, para ser considerada científica,
deve, ainda, ser capaz de produzir prognósticos, ou seja, de dizer o que está para
acontecer se as condições precedentes forem satisfeitas. Uma teoria é corrobora-
da ou refutada quando os prognósticos baseados nas suas hipóteses se confirmam
ou não. Dessa forma, a teoria se opõe à prática. Conhecer e agir são, portanto,
coisas distintas.
Com isso decorre uma questão central para a teoria crítica: como trabalhar
a noção de emancipação – que, como veremos a seguir, é o ponto central da teo-
ria – sem que a teoria esteja vinculada à prática transformadora? Como fugir da
distinção entre descrição e prescrição? Para solucionar esse problema, a teoria
crítica questiona a distinção vigente entre teoria e prática a partir do uso da ca-

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294  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

tegoria “crítica”. Criticar não significa abdicar de conhecer o mundo como ele é e
tampouco de pensar como ele deveria ser.
A base da teoria crítica está, pois, no seguinte postulado: é impossível mostrar
as coisas como realmente são, senão a partir da perspectiva de como elas deveriam
ser. Na verdade, o “dever ser” se refere às possibilidades não realizadas pelo mun-
do social. Não tem caráter utópico, mas analisa o que o mundo poderia ter de me-
lhor se suas potencialidades se realizassem. A identificação das potencialidades
permite entender mais claramente como o mundo funciona e, dessa forma, iden-
tificar os obstáculos à realização das suas potencialidades. Assim, a teoria crítica
aponta para a prática a partir da realização desses potenciais, por meio da identi-
ficação e rompimento dos obstáculos. É a teoria no ato. O ato é aquele da realiza-
ção dos potenciais do mundo, e tais potenciais são de natureza necessariamente
emancipatória.
Para os teóricos críticos, aqueles que se dedicam apenas a descrever o mundo
como ele é acabam por fazê-lo sempre de forma parcial e incompleta, pois abdi-
cam de identificar o que ele poderia ser, ou seja, o que ele tem potencialmente
de melhor. Isso nos remete à segunda parte de nossa reflexão: a origem da teoria
crítica e seus desdobramentos contemporâneos.
A teoria crítica aponta para a prática como a realização dos potenciais eman-
cipatórios do mundo. Para tanto, parte do princípio de que o mundo se organiza
em torno de dois grupos de tendências estruturais. O primeiro grupo de tendên-
cias são os agentes da permanência dos obstáculos à realização das “potencialida-
des melhores” do mundo. O segundo grupo são os agentes potenciais da ação que
permite superar os obstáculos. Assim, a teoria crítica dá sentido à ação e a ação
vira objeto da teoria. Portanto, os embates políticos e ideológicos são centrais na
teoria. Ela não se quer neutra.
O primeiro a utilizar o termo “teoria crítica” foi Horkheimer no livro Teoria
tradicional e teoria crítica, publicado em 1937. Nele o autor deixa explícito que
“produz teoria crítica todo aquele que quer continuar a obra de Marx”. Ao afir-
mar isso, Horkheimer define o campo teórico da teoria crítica como o marxismo,
e este como um campo de conhecimento distinto de outros campos.
Jameson (1991) afirma que a importância contemporânea de Marx se deve
exatamente ao fato de que ele foi o filósofo político que se dedicou a tratar
do capitalismo. Neste momento de exuberância e exacerbação do capitalismo,
como ignorar que Marx tem uma importância relativamente mais destacada?
Quem, senão ele, forneceu a maior base da crítica ao que mais tarde se denomi-
nou capitalismo?
Entretanto, cabe salientar que, mesmo reconhecendo a grande importância
e contemporaneidade de Marx, a visão de que “faz teoria crítica todo aquele que
quer continuar o trabalho de Marx” é, no nosso entendimento, uma visão par-
cial e, em certa medida, excludente. Wacquant (2004), por exemplo, esclarece
que existem dois sentidos para a noção de crítica, no que se refere à sua origem:

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Teoria crítica e pós-modernismo: principais alternativas à hegemonia funcionalista  295

o primeiro vem de Kant e diz respeito à avaliação de categorias e de formas de


conhecimento com o objetivo de determinar sua validade cognitiva e seu valor.
O segundo é de Marx, cuja noção está ligada à análise da realidade sócio-histó-
rica com o objetivo de expor as formas de dominação e exploração que a defi-
nem. Para Wacquant, o pensamento crítico mais frutífero é aquele que se situa na
confluência dessas duas tradições, ou seja, da crítica epistemológica e da crítica
social, questionando sistematicamente tanto as formas estabelecidas de conheci-
mento como as de vida coletiva.
A teoria crítica não pode ser resumida num conjunto de idéias ou de teses
imutáveis, pois, de acordo com o próprio Marx, a verdade é temporal e histórica.
O teórico crítico é, portanto, aquele que está sempre mudando, mas ao mesmo
tempo orientado pelo princípio da transformação social e da emancipação. Nes-
se sentido, pode-se ser teórico-crítico contemporâneo, tendo rompido com Marx,
mas não com as categorias centrais da crítica, que envolvem criticar o positivismo
como forma estabelecida de conhecimento e o mercado como forma estabeleci-
da de vida coletiva. Para nós, da área de Administração, essa é uma informação
fundamental, pois a partir daí podemos separar de forma definitiva quem produz
teoria crítica de quem não a produz e apenas se apropria indevidamente dela.
Com relação à base da crítica ao positivismo, no início desta seção referimo-
nos brevemente a ela ao tratarmos da dissociação entre teoria e prática. Passamos
agora a outro breve relato, o da base da crítica à forma dominante de organiza-
ção social: o mercado. Retomando a idéia de que não se deve abdicar de conhecer
o mundo como ele é, a primeira tarefa da teoria crítica é compreender o mercado
e sua unidade central, qual seja, a mercadoria. O mercado é regido pela lógica da
troca. Ela determina os valores no mercado, e nele tudo vira produto capaz de ser
trocado; tudo adquire valor de troca.
É na Revolução Industrial, quando o grande avanço tecnológico propiciou
que a riqueza acumulada no campo se transferisse para as fábricas e centros urba­
nos por meio da aquisição de tecnologia, que surge a separação entre a força de
trabalho e os instrumentos que permitem produzir bens. É o nascimento do capi-
talismo como uma construção histórica. Sem ela o capitalismo não teria existido.
Evidencia-se, assim, a nova divisão estrutural da sociedade: o capital e o traba-
lho, que se organizam no mercado. O mercado, portanto, congela as desigualda-
des iniciais entre capital e trabalho e as aprofunda.
Não cabe aqui descrever as formas com que o mercado aprofunda essas de-
sigualdades iniciais. Há literatura abundante sobre o assunto na área, principal-
mente aquela ligada à análise do processo de trabalho e ao controle nas organi-
zações. É importante, sim, evidenciar que o mercado aparece como instituição
neutra, em que trocas justas são realizadas. Além disso, o mercado promete rea-
lizar a liberdade e a igualdade. Ora, sabe-se de longa data que as trocas entre in-
divíduos e organizações não são trocas iguais simplesmente pelo fato de que am-
bos detêm recursos de poder consideravelmente diferentes, em volume também

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diferente. Sabe-se, ainda, que liberdade e igualdade não são conceitos aplicáveis
quando a lógica é a da competição.
A teoria crítica dedica-se, assim, a examinar o mercado e suas relações à luz
da emancipação, que significa a busca da realização concreta da liberdade e da
igualdade. O conceito de emancipação está no centro da teoria crítica, atribuin-
do-lhe unidade. Podemos, portanto, enunciar dois princípios básicos da teoria:

• Orientação para a emancipação do homem na sociedade. Permite compre-


ender a sociedade e agir. Não se limita a compreender o mundo, mas
examina-o, visando a possibilidades.
• Manutenção de comportamento crítico. O teórico crítico mantém e reali-
menta seu comportamento crítico frente a tudo que existe, sem se con-
formar com o que é dado como descrição do real.

A teoria crítica não admite a neutralidade positivista por achá-la parcial. Nes-
ta, a distinção entre cientista e cidadão é um pressuposto básico, enquanto na-
quela é uma impossibilidade lógica.
Uma vez difundida essa teoria em vários campos das ciências sociais, logo
apareceram teóricos críticos em Administração, especialmente na área de estudos
organizacionais, opondo-se ao mainstream funcionalista. Enquanto no Brasil esse
grupo teve forte influência no campo, como discutimos a seguir, no mundo anglo-
saxão sua recepção foi menos acolhedora e sofreu ampla resistência (para uma
revisão, veja, por exemplo, Alvesson, 1987). Como qualquer grupo científico que
tende a politizar-se, que busca definir territórios e excluir desavenças, e também
combater a falta de espaço editorial e de debate para abordagens não positivis-
tas na hegemonia norte-americana, muitos desses teóricos críticos estrangeiros
acabaram se organizando em torno do grupo hoje conhecido como Estudos Críti-
cos em Administração (Critical Management Studies, ou CMS). O CMS tornou-se
hoje, depois de quase duas décadas de constituição, um grupo restrito e até certo
ponto restritivo de teóricos, com suas próprias definições e parâmetros das fron-
teiras do que seria ou não crítico em estudos organizacionais (veja, por exemplo,
Alvesson; Wilmott, 1992). Mas é preciso notar (como discutiremos mais adiante)
que tal quase-associação e seus parâmetros de inclusão crítica não estão ainda
definitivamente aceitos e resolvidos, nem devem necessariamente pautar o seu
uso e expansão em terra brasilis.
Na área de Administração no Brasil, temos a tradição de pensamento crítico,
embora ele não represente o mainstream da academia nacional. Um ótimo exem-
plo é o trabalho de Alberto Guerreiro Ramos (1989, 1996), particularmente nas
obras A redução sociológica e A nova ciência das organizações. Na primeira, critica-
va a ciência domesticada, fundamentada na reprodução não criativa e distancia-
da do nosso tempo-espaço e, conseqüentemente, dos nossos problemas; incapaz,
portanto, de oferecer soluções apropriadas e emancipatórias. Na segunda, criti-
cava o mercado como forma dominante de organização da vida social. Chamava

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Teoria crítica e pós-modernismo: principais alternativas à hegemonia funcionalista  297

a atenção para os problemas decorrentes da expansão do mercado e propunha a


“delimitação dos sistemas sociais”. Maurício Tragtenberg, especialmente na obra
Administração, poder e ideologia, publicada em 1980, dedicou parte da sua obra à
análise da teoria da administração como uma ideologia. Argumentava que a Ad-
ministração dedica-se ao estudo da legitimação burocrática do poder e que esta
possui caráter repressivo, dada sua ênfase no controle sobre o homem. Seu fa-
zer acadêmico não era “neutro”, como deixava claro em sua produção. Fernando
C. Prestes Motta (1985, 1986a, 1986b, 1986c, 1987, 1988, 1990) desenvolveu
estudos sobre burocracia, poder e tecnologia, educação e, mais tarde, sobre cul-
tura. Explicitava ao tempo em que criticava o que chamou de esforço constan-
te e sistemático das teorias administrativas dominantes em fundir racionalidade
substantiva e instrumental como modo de aperfeiçoar as formas de dominação
sobre o indivíduo. Também acreditava na necessidade e possibilidade do desen-
volvimento de novas teorias, que possuíssem caráter emancipatório e apropriado
ao nosso tempo-espaço.
Guerreiro Ramos, Tragtenberg e Prestes Motta trabalharam de forma crítica,
sempre pensando em como nossa sociedade poderia ser e não é. O sucesso e o
reconhecimento que esses autores obtiveram acreditamos serem devidos a esse
fato, que atribui, por si só, relevância e pertinência ao trabalho do cientista-cida-
dão. Sua relevância é auto-evidente.
Esses autores, que, pode-se afirmar, iniciaram a tradição crítica na área de
Administração no Brasil, formaram escolas de pensamento e deixaram seguido-
res. Vários trabalhos contemporâneos são inspirados diretamente em sua obra,
na tradição por eles fundada. Algumas escolas e programas de pós-graduação
atribuem ênfase maior a essa tradição do que outras. A Escola Brasileira de Ad-
ministração Pública e de Empresas e a Escola de Administração de Empresas
de São Paulo, ambas da Fundação Getulio Vargas, foram, em certa medida, a
“casa” desses pensadores (Maurício Tragtenberg e Fernando Prestes Motta em
São Paulo e Guerreiro Ramos no Rio) e, talvez por essa razão, mantenham pre-
sente de maneira mais forte essa tradição. Guerreiro Ramos ainda tem influên-
cia em trabalhos desenvolvidos no Curso de Pós-Graduação em Administração
da Universidade Federal de Santa Catarina, onde também lecionou. Entretanto,
como afirmamos, suas idéias continuam a ter ressonância no trabalho de diver-
sos pesquisadores brasileiros (veja, por exemplo, Tenório 2002a, 2002b, 2004; e
Paula, 2001, 2002, 2004a, 2004b, 2005a, 2005b).
A produção crítica brasileira não se limita, entretanto, à tradição mencionada
anteriormente. A título de ilustração, podemos citar os trabalhos com perspectiva
marxista de Faria (2001, 2004, 2005) e de Misoczky (2002), os de realismo crí-
tico de Faria (2004, 2005a, 2005b), e de Faria e Wensley (2005), os de Vieira e
Vieira (2003, 2004) com uma perspectiva geopolítica, e, ainda, os que assumem
a perspectiva conhecida do CMS, como os de Davel e Alcadipani (2002, 2003).
Um ótimo exemplo do vigor, das perspectivas e dissonâncias da teoria crítica no
Brasil pode ser visto no recente debate realizado na Revista de Administração Con-

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temporânea (RAC), no primeiro número de 2005, entre Maria Ceci Misoczky e


Jackeline Andrade, Alexandre Faria e Rafael Alcadipani. Nele os autores expõem
suas idéias, deixando claras suas diferenças e abrindo, dessa forma, o mundo das
diferentes possibilidades de se fazer crítica em Administração em geral, e parti-
cularmente nos estudos organizacionais.
O texto sobre teoria crítica que nos cabe introduzir, intitulado Hora da verda-
de: condições e prospectos para os estudos críticos de gestão, de Valérie Fournier e
Chris Gray (Capítulo 15 deste livro), apresenta uma visão da história do já men-
cionado CMS (Critical Management Studies) e sua quase-associação. Nesse sen-
tido, apresenta uma visão parcial da teoria crítica em estudos organizacionais. É
evidente que há crítica e teoria crítica para além das fronteiras do CMS. Mas, para
quem quer conhecer o que se pode chamar de mainstream dos estudos críticos na
área de Administração, o texto é muito elucidativo.
Os autores descrevem brevemente as origens dos estudos críticos, relembram
a tradição dos estudos sobre o processo de trabalho e informam que, na sua pers-
pectiva, os estudos críticos em Administração apenas se tornam um corpo siste-
matizado de conhecimento na década de 1990, quando têm início as conferên-
cias com o mesmo título. Atribuem seu surgimento a uma onda de oposição, na
academia britânica, à Nova Direita, capitaneada pela primeira-ministra Marga­ret
Thatcher, que originou a gerencialização (managerialization) da administração
governamental. Passam depois para a discussão das disputas internas no âmbito
dos estudos críticos em Administração e concluem com um tímido questionamen-
to do argumento inicial de que o Reino Unido é o espaço de formulação e disse-
minação da crítica.
Ao situar a crítica no Reino Unido e ao caracterizá-lo como o lugar por exce-
lência, os autores direcionam a natureza da crítica, adotando uma visão colonia-
lista da questão. Assim, para nós, essa crítica deixa de ser crítica por perder seu
caráter emancipatório, que, como vimos, é essencial à definição de teoria crítica.
Além disso, os autores parecem situar a crítica no âmbito das escolas de negócios
do Reino Unido. Ao construir esse espaço institucional, a crítica perde força, pois
adquire caráter de “crítica autorizada”, legitimada e preocupada em ser positiva
(outra teoria do mainstream, a teoria institucional, particularmente o neo-institu-
cionalismo sociológico, é capaz de explicar adequadamente este ponto).
Como já afirmamos, embora achemos que o CMS tenha acabado por estabe-
lecer um tipo de “mainstream de estudos críticos em Administração”, acredita-
mos que a teoria crítica não se limita ao Reino Unido, e tampouco ao CMS. Pa-
rece-nos importante lembrar que, no contexto europeu, pelo menos uma outra
importante tradição crítica existe: a francesa, ainda que não possa ser facilmente
identificada por alguma marca. Não é possível ignorar a tradição da qual fazem
parte, por exemplo, Sartre, Althusser, Poulantzas, Foucault e Bourdieu. Recente-
mente, o trabalho de Solé (2003, 2000) também tem tido alguma ressonância no
Brasil. Obviamente que essa lembrança mantém uma perspectiva eurocêntrica e,

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Teoria crítica e pós-modernismo: principais alternativas à hegemonia funcionalista  299

portanto, ignora a tradição crítica dos países não europeus. Apenas para ficar no
contexto latino-americano, lembramos os desenvolvimentos teórico-práticos que
têm por base a filosofia da libertação, que passam pela teologia, pela educação e
pela cultura (veja, por exemplo, Freire, 1994).
No Brasil, o espaço em que trabalhamos a crítica é bem mais amplo do que
a academia britânica permite e, seguramente, deve optar por uma visão apro-
priada ao nosso tempo-espaço, diferente do eurocêntrico. Alguns autores brasi-
leiros, entretanto, parecem preferir a crítica institucionalizada. Ao defenderem
o pluralismo das abordagens que se abrigam sob o manto do CMS (Alcadipani,
2005), acabam por adotar uma posição conservadora, de manutenção do status
quo, desvinculada de um dos princípios da teoria crítica, a ação transformado-
ra. A revista Ephemera: Theory & Politics in Organization, em 2004, oferece uma
ótima reflexão sobre essa questão, particularmente no editorial de Steffen Böhm
e Sverre Spoelstra (Böhm e Spoelstra, 2004) e na resenha de Stephen Ackroyd
(2004) sobre o livro Studying management critically, organizado por Alvesson e
Willmott (2003).
O espaço dos estudos organizacionais no Brasil nos possibilita a oportunida-
de de romper com a dependência acadêmica. Permite-nos pensar que só é pos-
sível discutir emancipação quando resgatarmos a consciência da nossa posição
relativa no mundo, e que dela decorrem outras relações no âmbito interno de
nossas organizações. Talvez seja útil o resgate dos conceitos de centro e periferia.
Eles nos permitem ações transformadoras, pois não contêm o falso rótulo de neu-
tralidade que esconde, quase sempre, relações perversas de dominação.

Pós-modernismo

O primeiro desafio para introduzir o leitor no movimento pós-moderno e suas


possibilidades é sua mera definição. Primeiramente, há múltiplas facetas e subcor­
rentes pós-modernas; segundo, há formas de defini-lo, e cada uma tende a não
reconhecer as outras como “legitimamente pós-modernas” (Norris, 1990). Mas,
de forma genérica, pode-se dizer que o pós-modernismo corresponde a um movi-
mento teórico multidisciplinar que vai da filosofia à estética, envolvendo as artes
e a sociologia e chegando ao campo dos estudos organizacionais. O denominador
comum é a resistência à modernidade e, em particular, a crítica à razão iluminista
(veja, por exemplo, Harvey, 1993; Clegg, 1990; Wood, 1999).
Obviamente, apenas se pode entender a abordagem pós-moderna a partir do
entendimento da chamada “era pós-moderna”, isto é, o conjunto particular de
eventos e condições que caracterizariam o final do século XX e início do século
XXI, e que um grupo de filósofos e cientistas sociais entendeu constituir uma rup-
tura em relação à era moderna (Lyotard, 1984).
Muitos autores, como Harvey (1993) e Derrida (2004), caracterizam a cha-

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mada “era pós-moderna” por diversos elementos, como a globalização; o rela-


tivismo e o pluralismo, caracterizados pela dissipação da objetividade e da ra-
cionalidade, tidas como tipicamente modernas; a espetacularização da sociedade,
marcada pela centralidade da mídia e da imagem; a cultura de massa; a norma-
lização da mudança pela perpetuação de tudo como volátil e transitório; o papel
do indivíduo na sociedade primordialmente como consumidor; e a comoditização
do conhecimento.
Mas será essa uma ruptura com a modernidade, ou será um estágio mais
recente e transformado de modernidade tardia? O pós-modernismo como movi-
mento intelectual se define justamente por aqueles que vêm no fim de século XX
uma ruptura com a era moderna, e pelo argumento de que nossas percepções de
mundo, a estética, a ciência e o conhecimento devem também adequar-se a essa
mudança. Portanto, as convicções modernistas e os resíduos do projeto iluminista
devem ser abandonados.
É importante salientar, no entanto, que há um conjunto significativo de au-
tores que não entendem ser a “pós-modernidade” uma ruptura com a moderni-
dade, e sim um estágio “tardio” da modernidade – como Habermas ou Giddens
(1991a, 1991b) – ou como estágios distintos da modernidade, como o concei-
to de “moder­nidade sólida” e “modernidade líquida” de Bauman (1998, 2001).
Habermas, por exemplo, parece sintetizar o que se poderia chamar de “crítica
modernista ao pós-modernismo”. Para ele, ao negar a crítica e a razão como um
todo, bem como o projeto iluminista, os pós-modernos enganam-se duplamente.
Primeiro, porque o projeto iluminista ainda não estaria completo, o que indicaria
que a modernidade perdura; e, segundo, porque sem razão e crítica negariam va-
lor ao indivíduo, e com isso acabariam por levar a sociedade ao totalitarismo.
Por sua vez, os teóricos pós-modernistas reagem a essas críticas, entendendo
serem “lamentos modernistas em um mundo pós-moderno”, como crédulos incau-
tos do potencial “salvador” da humanidade de si mesma, ou como racionalizantes
da razão e do universalismo iluminista (veja, por exemplo, Lyotard, 1984).
Pós-modernistas devotos como Lyotard acabaram promovendo o movimento
pela radicalização de suas visões de mundo, conhecimento e ciência, e pelo seu
deliberado afastamento dos movimentos críticos, como Habermas e outros teóri-
cos de Frankfurt, que percebem como arraigados a um modernismo ultrapassado.
Para eles, a crença na razão e no projeto iluminista não faz mais sentido no mun-
do pós-moderno. Tanto a teoria crítica quanto os modelos a que esta se opõe cons-
tituiriam todos, de per se, metanarrativas, modelos universais e generalizações,
que os pós-modernistas negam e das quais quase se divorciam por completo.
Criticando os modernistas e a sua fé na razão iluminista, os autores pós-mo-
dernistas tendem a argumentar que a racionalidade é muito mais difusa do que o
Iluminismo supunha, e que o conhecimento apenas pode ser entendido à luz do
tempo, espaço e contexto social em que é construído por indivíduos e grupos. Por-
tanto, indicam, entre outros métodos, o uso de Derrida (2004) e do conceito de

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Teoria crítica e pós-modernismo: principais alternativas à hegemonia funcionalista  301

desconstrução desse conhecimento construído, para revelar e entender seus pres-


supostos e suas contradições. Segundo Derrida, as contradições no texto e no dis-
curso revelariam tanto os múltiplos sentidos do conhecimento como a dinâmica e
o contexto de sua construção. Outra abordagem típica do pós-modernismo em ci-
ências sociais é o uso de genealogias, inspiradas em Foucault (1987, 1988), pelas
quais, utilizando métodos historiográficos, esses teóricos procuram “desfamiliari-
zar” construções modernistas e expor suas contradições e manipulações internas.
No âmbito organizacional, o movimento pós-modernista chega, em especial,
por meio de teóricos europeus vindos da tradição pós-estruturalista, e por críticos
da tradição positivista em sociologia e em estudos organizacionais (veja Calás;
Smircich, 1999a; Hassard, 1993; Hassard; Parker, 1993; ou Chia, 1995, para uma
evolução do movimento).
O artigo da perspectiva pós-moderna incluído neste módulo é um exce­lente
ponto de partida para o leitor interessado em entender melhor as abordagens
pós-modernas, seus principais postulados e suas origens no âmbito organi­za­
cional. O texto de Cooper e Burrell, Modernismo, pós-modernismo e análise orga-
nizacional: uma introdução (Capítulo 14 deste livro), é, na verdade, a introdução
ao que deveria ser uma série de quatro números da revista Organization Studies
sobre a perspectiva pós-moderna em estudos organizacionais, que cobriria suas
origens e contribuições. Os artigos nos números subseqüentes deveriam cobrir as
contribuições de Derrida (Cooper, 1989), Habermas (Burrell, 1994). Sugere-se
fortemente ao leitor mais interessado nessa corrente que, como complemento do
artigo aqui incluído, consulte também os números subseqüentes da série.
Como mostram Cooper e Burrell, a base da análise pós-moderna – dentro e
em volta do campo de estudos organizacionais – inicia-se pela oposição a teóri-
cos sociais críticos que cunhavam de “modernistas” (como Habermas, Luhmann
e Bell), em função do que afirmavam ser uma crença infundada de que a huma-
nidade, por meio da razão e do “progresso”, poderia aperfeiçoar a si mesma. Os
primeiros pós-modernistas em estudos organizacionais, inspirados nos trabalhos
de autores como Derrida, Lyotard e Foucault, tipicamente se definiam por dois
elementos. Primeiro, pela radical oposição a esse que chamariam de viés “racio-
nalista etnocêntrico” dos teóricos modernistas, mesmo os chamados “críticos”.
Segundo, pela firme oposição ao positivismo que impera(va) na teoria social he-
gemônica, sustentado pelo amplo contingente de teóricos pós-estruturalistas que,
desde o princípio, juntaram-se ao movimento, mas que não encontravam nos ar-
gumentos da teoria crítica um continente para suas preocupações mais contem-
porâneas (Alvesson; Deetz, 1999; Chia, 1995).
Autores como Gibson Burrell e John Hassard, no Reino Unido, e Marta Calás
e Linda Smircich, nos Estados Unidos, foram fundamentais na disseminação do
movimento em estudos organizacionais, a princípio, mas não apenas pelo apor-
te de perspectivas e metodologias desconhecidas às teorias até então utilizadas
no campo. Autores de orientação pós-modernista se multiplicavam, e dentro do

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302  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

escopo geral de crítica à modernidade e ao positivismo, focaram a relevância do


discurso, do relativismo, da personalização e das relações de poder no que cha-
mam de “construção” da verdade e do conhecimento.
Armados de metodologias desconstrutivas, teóricos pós-modernistas em estu­
dos organizacionais partiram para a crítica a elementos da modernidade que
se enraizariam em pressupostos iluministas, freqüentemente usando metodolo-
gia de análise de discursos e narrativas (Hassard, 1993; Hassard; Parker, 1993;
Chia, 1995). Obviamente, não apenas de análises desconstrutivas vive o pós-mo­
dernismo em estudos organizacionais. Os teóricos pós-modernistas também po-
pularizaram o uso de metodologias de inspiração pós-estruturalista, especialmen-
te as análises genealógicas e historiográficas inspiradas no trabalho de Foucault
(1987, 1988): são exemplos em análise organizacional, entre outros, o trabalho
de Sewell e Wilkinson (1992), que traça a genealogia do movimento da quali-
dade e relaciona práticas de qualidade total com o panóptico, e o de Towney
(1993), que desenha a genealogia da função de RH e a compara com censos po-
pulacionais, normatizantes e familiarizados pelo costume.
No Brasil, como já apontou Wood (1999), poucos foram os adeptos de aborda­
gens pós-modernistas em estudos organizacionais, embora sua produção esteja
longe de ser pouco significativa. É verdade, no entanto, que parece ser bem mais
fácil encontrar os sinais da influência do movimento pós-modernista na produção
brasileira em organizações, por exemplo, por meio da influência de seus expoen-
tes (Foucault, Derrida, Baudrillard e Latour), do que pela assunção direta desse
rótulo pelos pesquisadores. De fato, alguns poucos autores claramente declaram
essa inclinação em suas publicações (por exemplo, Tonelli; Alcadipani [2000]
em comportamento organizacional, Mendes [2004] em organizações, ou Casot-
ti [1998] em marketing), enquanto muitos outros parecem limitar-se a utilizar
referências ou metodologias de inspiração pós-moderna em meio a outras abor-
dagens, a despeito de, com elas, o pós-modernismo poder apresentar evidente
disparidade e contradição.
Balanços recentes das abordagens pós-modernas em estudos organizacionais
evidenciam avanços sentidos também no Brasil. Calás e Smircich (1999a) mos-
tram que, após quase duas décadas da influência do movimento no campo, qua-
tro vertentes teóricas parecem ser as principais “herdeiras” do pós-modernismo
em análise organizacional, e que nele ainda residem com forte potencial de ex-
tensão e contribuição: (i) teorias feministas (ou de gênero) pós-estruturalistas;
(ii) análises pós-colonialistas; (iii) teoria actor network (actor network theory,
também chamada de teoria da translação),1 além da (iv) análise desconstrutiva
de discursos e narrativas sobre conhecimento.
Quanto à primeira, teorias feministas pós-estruturalistas, os trabalhos da pró-
pria Marta Calás (Calás, 1992; Calás; Smircich, 1999b) e de Calvert e Ramsey
(1992) são bons exemplos. São ilustrações de uma aproximação brasileira a esse
tipo de perspectiva, entre outros, os trabalhos de Cappelle et al. (2004) e de An-

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Teoria crítica e pós-modernismo: principais alternativas à hegemonia funcionalista  303

drade et al. (2002). Na segunda vertente, ligada à análise pós-estruturalista, que


ficou conhecida como teoria pós-colonialista, bons pontos de partida podem ser
vistos, por exemplo, em Bhabha (1995) ou em Young (2001). Embora essa linha
não tenha sido ainda devidamente explorada no Brasil, uma primeira aproxima-
ção pode ser vista em Caldas e Alcadipani (2006). Na vertente da teoria actor-
network, ou da translação, a influência do trabalho de autores como os franceses
Bruno Latour (1992, 1994, 1997) e Michel Callon (1999), e o britânico John Law
(1994) pode ser melhor entendida, no âmbito organizacional, por revisões abran-
gentes como a de Law e Hassard (1999), ou por aplicações práticas como a de Ka-
ghan e Phillips (1998). Como a vertente anterior, esta linha teórica é muito pou-
co explorada em análise organizacional no Brasil, tendo sido publicados apenas
alguns estudos ligados à área de tecnologia da informação (por exemplo, Souza;
Fontana, 2005). Por fim, sobre a já mencionada análise de narrativas, exemplos
desse tipo de pesquisa em estudos organizacionais incluem, entre outros, o tra-
balho de Kilduff (1993); no Brasil, a pesquisa de Lengler, Vieira e Fachin (2002)
é uma ótima ilustração de aplicação local.
Obviamente, um movimento tão polêmico e tão abrangentemente abrasivo
às abordagens anteriores não poderia deixar de ter seus desafetos e críticos, mui-
tos deles de alto calibre, como já brevemente mencionamos no início desta seção.
Primeiramente, alguns críticos sugerem que o movimento não passa de um aglo-
merado de descontentamentos e argumentos que têm entre si apenas a insistente
antipatia ao modernismo e aos projetos iluministas (veja resumo dessa e de ou-
tras críticas em Norris, 1990). Em segundo lugar, diversos autores de peso, como
Habermas, Giddens e Bauman, negam-se a aceitar a idéia de ruptura de uma épo-
ca moderna para uma pós-moderna. Preferem entender a realidade pós-moderna
como um estágio mais recente ainda dentro do escopo da modernidade (uma dis-
cussão nesse sentido pode ser vista em Berman, 1982). Em terceiro lugar, críticos
do pós-modernismo também questionam a ausência de uma proposição ou con-
tribuição positiva que derive da “desconstrução” pós-modernista ou da exposição
das premissas de teorias prevalecentes, parafraseando a expressão popular, como
exercício intelectual: parece ser interessante, mas para que serve? Ou, afinal, o que
existe depois da desconstrução? (Calás; Smircich, 1999a). Mesmo autores como
David Harvey sugerem que se torna difícil a sustentação de um movimento que
nada tem a propor ao progresso, porque questiona a noção básica de progresso,
ou que nada tem a sugerir para um mundo mais justo, porque não compartilha
da percepção de universalidade nem sequer de princípios como justiça ou eqüi-
dade. Habermas chega a argumentar que, no limite, o pós-modernismo não deixa
de ser um movimento conservador, que preserva o status quo, pois, a ser deixada
em suas mãos, nenhuma mudança jamais deverá ser feita, restando-nos a letargia
de um subjetivismo radical (sobre esse debate no pensamento de Habermas, veja
resumo em White, 1988). E por fim, em quarto lugar, críticos mais radicais, com
argumentos nessa mesma direção, chegam a argumentar que os teóricos pós-mo-
dernistas têm pouco a oferecer simplesmente porque não teriam muito a dizer.

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Alan Sokal, por exemplo, sintetiza esse tipo de ponto de vista segundo o qual o
movimento pós-modernista não passaria de exercícios de verborragia e semânti-
ca, sem maior significado ou propósito além do de demarcar um território para si
mesmo. Para provar seu argumento, Sokal – um físico – submeteu a um periódi-
co pós-modernista um artigo propositadamente sem sentido (sobre perspectivas
pós-modernas da física e da matemática); o artigo foi aceito e publicado (veja re-
lato e discussão em Sokal e Bricmont, 1998).
Talvez não seja preciso chegar a tanto. Não há dúvida de que o pós-modernis-
mo trouxe importantes contribuições, ao menos em análise organizacional, como
discutiremos a seguir, na conclusão.

Considerações finais

A teoria crítica e o pós-modernismo são alternativas ao modo de gerar conhe-


cimento. Assim, podem trazer avanços e inovações em uma área como a nossa,
tão afeita à reprodução do conhecimento.
Quanto à teoria crítica, acreditamos que ela pode ser muito útil à Adminis-
tração em geral, e ao campo dos estudos organizacionais em particular. Acredita-
mos que essa abordagem é um dos caminhos possíveis na busca da emancipação
do homem, na direção de uma sociedade melhor e mais justa. Na academia, ela
ajuda a construir um tipo de conhecimento e a realizar um tipo de ciência mais
apropriados, no sentido do Guerreiro Ramos, às nossas raízes históricas e cultu-
rais. Isso não significa isolamento ingênuo ou romantismo em relação ao local,
mas uma posição de tomada de consciência sobre nosso papel no mundo. Para
tanto, parece-nos imprescindível evitar a crítica dócil, que opera quase como uma
nova “jaula de ferro”, uma vez que tem origem em uma visão do norte sobre o sul
ou, se o leitor preferir, do centro sobre a periferia. Isso nos emancipa? Isso nos
garante desenvolvimento? Talvez a boa crítica seja aquela cujo fruto é o diálogo
respeitoso entre o norte e o sul.
Outro ponto importante sobre esse tema é a necessidade de que nossos tex-
tos sejam usados por outros autores nacionais para o debate de idéias. As críticas
não devem ser tomadas como pessoais, como costuma ser nossa tradição. Entre-
tanto, é importante não confundir isso com o caráter positivo da crítica. Como
dizia Horkheimer, um elemento de negatividade é importante. A crítica positiva,
ou construtiva, na linguagem mais comum, guarda em si um caráter da manuten-
ção. A transformação se dá na via oposta. Seja como for, só elas, as críticas, são
capazes de produzir reflexividade e conduzir ao avanço acadêmico.
No que se refere ao pós-modernismo, no campo de estudos organizacionais,
é importante reconhecer que o movimento trouxe uma contribuição significativa.
Entretanto, com essas contribuições, o pós-modernismo parece trazer também
seus próprios dilemas e paradoxos, como discutido na seção anterior. Entende-

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Teoria crítica e pós-modernismo: principais alternativas à hegemonia funcionalista  305

mos ser nosso dever discutir aqui, um pouco, tanto essas potencialidades quanto
suas limitações.
Quanto às potencialidades, o pós-modernismo legitimou metodologias como
a desconstrução de narrativas e análises genealógicas que vêm crescentemente se
expandindo nas últimas décadas. Trouxe também ao campo, em função da visão
representacionista da teoria, a pertinência de se demandar do pesquisador ou do
ator produtor de conhecimento a explicitação do propósito (para que e para quem
se cria conhecimento) e do contexto (tempo, espaço e ambiente) em que esse co-
nhecimento é produzido. E trouxe, além disso, a forçosa revisão da propriedade
de elementos da modernidade e do projeto iluminista que se manifestam nas or-
ganizações de hoje. Enfim, sem dúvida ofereceu ao campo a visão fresca de que
uma teoria pode ser construída de forma distinta do que até então se praticava
(Calás; Smircich, 1999a). Mais especificamente no Brasil, o pós-modernismo de
fato oferece um sem-número de novos caminhos, metodologias e questões de
análise em estudos organizacionais.
Do ponto de vista metodológico, embora Derrida argumente não ser essa
uma metodologia apenas, é sem dúvida bem-vindo o uso rigoroso de análise e
desconstrução de narrativas, bem como competentes análises genealógicas. Tal-
vez muito da nossa produção no campo que tenta distanciar-se do funcionalismo
esteja excessivamente baseado em ensaios, e a crítica de falta de base empírica
demande esse tipo de aporte metodológico. E talvez muito da nossa produção de
conhecimento seja descontextualizada, e o sujeito desse conhecimento de fato
possa ser colocado em questão.
Do ponto de vista temático, vários dos mais atuais temas preferidos pelo mo-
vimento parecem ter grande potencial no Brasil. Por exemplo, a perspectiva pós(e
neo)-colonialista parece bem apropriada a um país e uma realidade que vivem à
margem de países ditos desenvolvidos, em uma relação que está longe de ter sido
bem mapeada e resolvida, inclusive no campo organizacional. Os estudos pós-
estruturalistas de gênero também parecem especialmente apropriados: por um
lado, o crescimento da produção brasileira em temas de gênero ressente-se das
mesmas limitações que o paradigma funcionalista, as quais as abordagens (e es-
pecialmente metodologias) pós-modernas podem ajudar a superar. Por outro lado,
o foco em gênero poderia aqui ser expandido para a análise de outras dimensões
e desconstruções de exclusões, como de raça, condição social e orientação sexual.
Afinal, a verdade é que o país e suas organizações ainda sofrem os elementos e
múltiplos efeitos das muitas exclusões que reproduzimos, e que nossos teóricos
têm majoritariamente ignorado.
No entanto, é difícil deixar de mostrar os dilemas que uma leitura mais pu-
rista do pós-modernismo pode trazer. Em um mundo crescentemente conflituo-
so, abundante em iniqüidades e em miséria, a postura pós-modernista radical de
questionar o projeto e as potencialidades da crítica e da autonomia humana pa-
rece, no mínimo, de difícil aceitação.

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306  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

Ou talvez, como diria Zygmunt Bauman, aceitá-las por completo fosse até
imoral. Em recente trilogia – Globalização (1999), Em busca da política (2000),
e A modernidade líquida (2001) –, Bauman analisa as mudanças nas condições
da vida social e política entre fins do século XX e início do século XXI. Para ele,
essas mudanças caracterizam uma transformação, mas dentro da modernidade.
Enquanto em estágios anteriores a modernidade parecia sempre preservar algum
elemento de permanência e imutabilidade que lhe daria sentido, nos dias de hoje,
ditos “pós-modernos”, tudo, inclusive a identidade do indivíduo e as relações hu-
manas, teria se tornado efêmero e volátil. Bauman acredita fundamentalmente
na busca da autonomia. A transmutação da identidade, nesse mundo de “mo-
dernidade fluida”, pode enganosamente nos levar a crer que somos livres para
escolher o que somos e quem somos. Porém, Bauman não vê nisso liberdade ou
efetiva emancipação, mas a gênese, nesta modernidade fluida, de um mundo ex-
cessivamente egoísta e competitivo, onde não há lugar para solidariedade, e onde
se abre espaço para uma evolução ainda mais sinistra do capital do que na época
do surgimento do capitalismo. O autor admite que não oferece soluções, embora
sua defesa da política e da assunção do papel de cidadão pelo indivíduo seja pun-
gente. Contudo, defende sua busca incansável do diagnóstico e do alerta profun-
dos do que entende ser uma era alarmante para a humanidade. E nesse ponto,
distanciando-se dos pós-modernos, afirma que olhar a miséria humana subliman-
do qualquer alento de consciência ou dando de ombros à escassez de soluções ad-
vinda da descrença da razão e da emancipação, vendo-as como “metanarrativas”,
implica não apenas cumplicidade, mas também um ato de absoluta imoralidade.
Enfim, como sugerimos desde o início, as alternativas mais radicais que se
colocam hoje em dia ao funcionalismo em análise organizacional são ao mesmo
tempo diversas e multifacetadas, mas também carregam, como qualquer projeto
epistemológico, seus próprios dilemas e limitações. Nada é de graça. Nossa espe-
rança é de que, nesta introdução, possamos ter oferecido pistas ao leitor que se
inicia no entendimento dessas polêmicas vertentes em estudos organizacionais, e
que anseia chegar às suas próprias conclusões.

Nota
1
  Apesar de alguns autores brasileiros noutros campos, como em psicologia e
educação, usarem a expressão teoria de rede de atores, não nos pareceu que essa
tradução esteja suficientemente validada e aceita localmente e, portanto, preferi-
mos a indicação em inglês. Referências ao tema podem ser vistas pelas indicações
bibliográficas de Rafael Alcadipani e Christine McLean, na revista de administra-
ção de empresas, v. 42, n. 2, p. 122, 2002.

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14
Modernismo, pós-modernismo e análise
organizacional: uma introdução*

Robert Cooper
Gibson Burrell

Preâmbulo

Este artigo é o primeiro de uma série para a revista Organization Studies, em


que tentamos esboçar alguns dos conceitos-chave e insights metodológicos que
foram desenvolvidos por inúmeros cientistas sociais europeus e que têm relevân-
cia direta para a análise organizacional. Segundo a visão adotada aqui, o traba-
lho desses pensadores está indissociavelmente ligado a um debate fundamental
sobre o que se chamou modernismo e pós-modernismo. Neste primeiro e longo
artigo, tentamos fazer justiça a muitas das questões levantadas no decurso desse
debate, apontando para as distintas frentes de discussão esboçadas por ambos os
lados. A linguagem usada neste artigo introdutório pode soar estranha para mui-
tos leitores da revista. Isso se deve a que tentamos ser justos e verdadeiros com
as posições dos protagonistas e também respeitar sua fraseologia, conceituações
e formas de expressão. Ao proceder dessa forma, estamos conscientes do espaço
que ocupamos e procuramos não abusar do tempo do leitor. Empenhamo-nos por
oferecer uma introdução que seja acessível aos que não estão familiarizados com
o debate sobre modernismo e pós-modernismo, mas que também não seja ingê-
nuo e simplista a ponto de desagradar os leitores que já possuem alguma familia-

*  Artigo de Robert Cooper e Gibson Burrell publicado originariamente sob o título “Modernism,
postmodernism and organizational analysis: an introduction”, na revista Organization Studies, v. 9,
n. 1, p. 91-112, 1988. Publicação autorizada pela Sage Publications Ltd. Copyright EGOS, 2006 &
SAGE Publications, 2006. www.sagepublications.com

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Modernismo, pós-modernismo e análise organizacional: uma introdução  313

ridade com as questões em jogo. O ônus que pagamos por pretender esta posição
intermediária é a extensão do texto. O presente artigo oferece uma visão geral
do debate e faz uma breve referência à obra de modernistas como Bell, Luhmann
e Habermas. Também nos reportamos a Nietzsche, Derrida, Lyotard e Foucault,
a quem se atribuiu o epíteto de pós-modernistas. Em nosso segundo artigo, re-
tornaremos ao trabalho de Michel Foucault e discutiremos sua relevância direta
para o mundo da análise organizacional. A seguir, em edições subseqüentes de
Organization Studies, as obras de Derrida, Habermas e Luhmann também serão
objeto da mesma investigação crítica. Portanto, deve-se pensar que o presente
artigo aponta para o que pode ser, para alguns, uma nova área de esforço e con-
centração intelectual. Ele deve ser seguido por considerações substantivas mais
detalhadas de teóricos sociais individuais cujo trabalho seja relevante para os es-
tudos da organização e que são figuras importantes na confrontação modernista
versus pós-modernista.

Introdução

As ciências humanas estão passando atualmente por um de seus surtos de


auto-análise e autoquestionamento em que certas pedras de toque, tradicional-
mente apreciadas pelo discurso acadêmico liberal, tais como “razão” e “progres-
so”, caíram sob o microscópio de uma renovada reflexão crítica. O debate está
polarizado entre duas posições epistemológicas claramente em conflito, a saber:
o modernismo, com sua crença na capacidade essencial da humanidade de buscar
sua perfeição pelo poder de seu pensamento racional; e o pós-modernismo, com
seu questionamento crítico e muitas vezes total rejeição do racionalismo etnocên-
trico propugnado pelo modernismo. Independentemente da reavaliação radical
de todo o processo de modernização que esse diálogo evoca, há implicações sig-
nificativas para o modo pelo qual compreendemos o papel e a natureza das or-
ganizações no mundo moderno. E a menor delas não é o abandono da definição
vigente de organização enquanto uma função econômico-administrativa circuns-
crita (“a organização”) em favor de seu papel formativo na construção de siste-
mas de racionalidade. Este é claramente um retorno às grandes inquietações que
Weber introduziu no estudo dos sistemas sociais modernos, em que a organização
burocrática criara a “gaiola de ferro” da moderna ordem econômica, e do qual ou-
tro efeito significativo fora livrar o mundo de sua penumbra aural e mágica. Em
outras palavras, Weber nos fez ver a organização moderna como um processo que
simbolizava a racionalização e a objetificação da vida social, e é a este processo
que o debate atual nos remete, mas com um novo toque, que dirige nossa atenção
para o conceito de discurso e de seu lugar nas estruturas organizacionais.
A obra de Weber contém um significado que em geral foi ignorado pela aná-
lise organizacional contemporânea: o objeto de sua análise era a organização
burocrática moderna enquanto um processo voltado à dominação contínua do

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314  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

ambiente social e físico, em vez das organizações em si. A organização racional é


uma resposta a forças que não podemos realmente entender e é tanto uma pro-
gressão de “erros” quanto é de racionalidade (Smart, 1983). De fato, a raciona-
lidade, na análise de Weber, se transmuda em “racionalização”, uma forma de
discurso em que as razões logicamente consistentes ou eticamente aceitáveis são
apresentadas por idéias e ações cujos verdadeiros motivos não são percebidos. A
racionalidade torna-se, assim, uma dissimulação de suas próprias operações in-
ternas. Como está em parte calçada no “desconhecido” ou no inconsciente, ela
também parece ter vida própria, uma automaticidade que está além do controle
humano direto. Tudo isso fazia parte do projeto de Weber de analisar o desenvol-
vimento da organização burocrática moderna.
Em contraposição, o objeto das modalidades contemporâneas de análise orga­
nizacional é a organização como um sistema discreto que subordina a lógica bu-
rocrática a suas próprias necessidades hipostatizadas.1 O que se privilegia aqui é
a idéia de organização como um conjunto semi-estável de coisas ou proprieda-
des, enquanto que para Weber o próprio conceito de organização era questionado
como uma invenção desconfortável. O que define esse conceito de organização
é sua autoclassificação prévia e implícita enquanto um sistema formal de traba-
lho; sua capacidade de “produzir bens” exclui qualquer outra concepção possível
(ver, por exemplo, Hall, 1972; Perrow, 1972). Essa modalidade de organização
emerge assim como um produto da “sociologia espontânea” em que meramente
vemos refletidas as imagens que a organização tende a oferecer de suas próprias
operações e funções (Bourdieu; Passeron, 1977).
Esse deslocamento histórico na natureza do objeto da análise organizacional
aduz as tarefas do presente artigo, a saber: a identificação e análise de duas for-
mas gerais de organização – uma, automática e autônoma na operação, desafian-
do o desfecho lógico; a outra, calculista e utilitária quanto ao intento, e conforta-
dora quanto a sua substância – dentro do contexto mais amplo dos discursos do
modernismo e do pós-modernismo, com especial referência às implicações dessa
contextualização para a ciência social das organizações.
Uma distinção semelhante é traçada por Varela (1979) em sua análise das
duas principais formas de conhecimento usadas no estudo dos sistemas naturais
e sociais. O trabalho de Varela é significativo no presente contexto porque ele re-
laciona formas de discurso diretamente ao conceito cibernético de organização
(Morgan, 1986). Varela distingue dois temas básicos de organização: autono-
mia e controle. Os dois temas implicam dois discursos diferentes de informação/
conhe­cimento. Na abordagem autônoma, a informação é “sempre relativa ao pro-
cesso de interações no domínio em que ela ocorre e à comunidade-observadora
que a descreve” (Varela, 1979, p. 267). Conseqüentemente, a informação autô-
noma é um processo de interação entre termos que se especificam um ao outro, e
já que, portanto, não pode ser localizada em nenhum termo particular, ela nega
a tendência de se ver o mundo em termos de substâncias ou coisas simples. Ao

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Modernismo, pós-modernismo e análise organizacional: uma introdução  315

contrário, a informação no sentido de controle é referencial (mapeando um con-


junto de termos sobre um conjunto correspondente), restringe o ponto de vista a
interações fixas e a posições observacionais, é “instrutiva” (isto é, nos diz como
agir com respeito a um objetivo particular) e não inclui explicitamente o observa-
dor, uma elisão que corre o risco de negar o papel ativo que este desempenha na
construção e manutenção dos sistemas de informação/conhecimento.
Pode-se dizer que o discurso do modernismo é referencial, no sentido de que
ele vê a linguagem como um meio de expressar algo diferente de si mesmo. Mais
especificamente, ele é um metadiscurso que se legitima por referência a alguma
“narrativa grandiosa, como a dialética do Espírito, a hermenêutica do sentido,
a emancipação do sujeito racional ou ativo, ou a criação de riqueza” (Lyotard,
1984, p. xxiii). Ele postula a idéia de um critério que já existe, de uma cabeça
feita – muitas vezes por um teor extra-histórico e universal – que necessariamen-
te implica uma resposta já existente às questões. Ele coloca a resposta antes da
questão e, nesse sentido, pode-se dizer que é “instrutivo”. No sentido de que ele
“já sabe”, o modernismo é totalizador e controlador.
O discurso pós-moderno começa com a idéia de que os sistemas têm vida
própria, o que os torna fundamentalmente independentes de controle humano.
Os sistemas expressam apenas a si mesmos e só podemos entendê-los a partir da
análise de suas próprias operações auto-referenciais. Para o pensador pós-mo-
derno, os sistemas não têm significados ou propósitos; são apenas projeções hu-
manas em que pressupomos, sem crítica, que o mundo existe só para nós e por
seu intermédio nos colocamos no centro de controle das coisas. Como o mundo
é basicamente auto-referencial, ele não é nem pró-humano nem anti-humano;
simplesmente é. O pós-modernismo, portanto, retira o agente humano de seu
pedestal de “racionalidade” narcisista à que ele se auto-elevou e mostra-lhe que
ele é essencialmente um observador-comunidade que constrói interpretações do
mundo que não têm qualquer status absoluto ou universal.

Modernismo

O modernismo é aquele momento em que o homem se inventou, em que ele


não mais se viu como reflexo de Deus ou da natureza. Sua origem histórica está
na filosofia iluminista do século XVIII, que elegeu a Razão como o atributo huma-
no mais elevado. A razão, de acordo com Kant, significa pensar por nós mesmos
e deixar de depender de alguma autoridade externa que decida por nós; ela im-
plica, portanto, um senso crítico no qual temos que desenvolver tanto os nossos
poderes de discriminação racional como ter a coragem de expressá-los quando
convém; Aude sapere, disse Kant (“ouse saber”).2
Também por essa época, as propriedades da Razão foram incorporadas por
pensadores sociais como Saint-Simon e Comte, que tinham o interesse de aplicá-

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316  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

las aos problemas cada vez mais momentosos de governo, administração e plane-
jamento, desencadeados pela industrialização da sociedade. Descobrimos, assim,
que os rudimentos do pensamento organizacional estavam presentes na filoso-
fia iluminista. Mas, nessa altura da história, ocorre um cisma dentro da própria
Razão, mostrando que ela também está sujeita aos deslocamentos intrínsecos
da auto-referência: a Razão é apropriada por uma forma pioneira de pensamen-
to sistêmico, que subverte sua força crítica às exigências funcionais dos grandes
sistemas. Os seguidores de Saint-Simon elaboraram um plano para o sistème de
la Mediterranée, uma “associação universal” projetada dos povos da Europa e do
Oriente, por meio de uma rede ampla de estradas de ferro, rios e canais. O Canal
de Suez, iniciado em 1854 e terminado em 1869, representou parte da realiza-
ção desse sonho. Comte, quiçá o primeiro filósofo organizacional, via a organi-
zação industrial (a organização científica do trabalho e do conhecimento para a
produção de riqueza) como a fonte de unidade e progresso da humanidade. Foi
sua uma teoria da organização aplicada à administração da sociedade como um
todo, mas que estabeleceu especificações detalhadas para o nível das microfun-
ções: os papéis precisos dos políticos, industriais, banqueiros; o número ótimo de
habitantes para cada cidade etc. O espírito dessa razão funcional foi bem captado
e representado por Goethe no caráter de Fausto, que traduziu a razão passiva,
mero pensamento, em razão ativa, a façanha lograda pela transformação tecnoló-
gica de todo o mundo (Berman, 1983). Assim, a modernização apareceu no início
como a organização do conhecimento expressa em termos das necessidades dos
sistemas tecnológicos de grande escala. Os vitorianos celebraram essa conquista
na Grande Exposição de 1851.
O modernismo tem, portanto, duas versões: o modernismo crítico, uma revita­
lização do programa iluminista de Kant, e o modernismo sistêmico, a instrumen-
talização da razão prefigurada por Saint-Simon e Comte.
O modernismo sistêmico é visto atualmente como a forma dominante da ra-
zão, agora mais comumente expressa como “racionalidade instrumental”. Isso
é bem colocado na tese de Bell (1974) de que a sociedade moderna (ou pós-in-
dustrial) difere das sociedades anteriores por depender ou confiar num conhe-
cimento que é essencialmente teórico. Bell menciona a indústria química como
a primeira indústria verdadeiramente moderna, porque sua origem repousa na
ligação íntima entre ciência e tecnologia: é necessário ter conhecimento teórico
das macromoléculas que são manipuladas, para se criar uma síntese química (re-
combinação e transformação de compostos). A visão de Bell sobre como se usaria
o conhecimento teórico na era pós-industrial revela seu caráter tecnocrático e sis-
têmico. “A sociedade pós-industrial é organizada em torno do conhecimento com
vistas ao controle social e ao direcionamento da inovação e da mudança” (Bell,
1974, p. 20). O ponto é mais elaborado ainda com o argumento de que o conhe-
cimento teórico oferece uma “promessa metodológica” para a gestão de sistemas
complexos e de larga escala que distinguem o mundo moderno. As principais
questões políticas, econômicas e sociais da era pós-industrial giram em torno do

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Modernismo, pós-modernismo e análise organizacional: uma introdução  317

problema da “complexidade organizada”: sistemas de larga escala, com muitas


variáveis em interação, “que devem ser coordenadas para atingir objetivos espe-
cíficos”. As novas tecnologias intelectuais agora disponíveis para esse empreen-
dimento são: a teoria da informação, a cibernética, a teoria da decisão, a teoria
dos jogos, a teoria da utilidade etc. A função que distingue esse arsenal técnico é
a definição de ação racional e a identificação dos meios para atingi-la. Os proble-
mas são formalmente definidos em termos de certeza/incerteza, de restrições e
de alternativas contrastantes. “Há certeza quando as restrições são determinadas
e conhecidas. O risco significa que um conjunto de resultados possíveis é conhe-
cido, e as probabilidades de cada resultado podem ser estabelecidas. A incerteza
ocorre quando um conjunto de resultados possíveis pode ser estipulado, mas suas
probabilidades são totalmente desconhecidas” (Bell, 1974, p. 30). Nesse contex-
to, a racionalidade é aquela ação que pode conduzir ao resultado preferido, da-
das várias alternativas concorrentes.
Bell aponta o anseio à determinação e à firme fundamentação, no modernis-
mo sistêmico, pela sugestão de que o “progresso” social se motiva na busca huma­
na por uma “língua comum e uma unidade de conhecimento, por um conjunto
de ‘primeiros princípios’ que na epistemologia da aprendizagem alicerçariam as
modalidades de experiência e as categorias da razão e assim dariam forma a um
conjunto de verdades invariáveis” (Bell, 1974, p. 265). Isso acarreta um aumento
na escala das instituições que, entre outras coisas, cria uma vasta rede interliga-
da de relacionamentos, cada vez mais densamente integrada pelas “revoluções
na comunicação e nos transportes” – a propagação de cidades, o crescimento de
organizações etc. A principal revolução social provocada pelo modernismo é a
ten­tativa de controlar a “escala” por meio de novas tecnologias de conhecimento,
tais como a informação em tempo real por computador e os novos tipos de progra­
mação quantitativa e qualitativa.
Associado ao conceito de sistema unitário de grande escala está o conceito de
“performance”. Na visão de Bell, é a performance e não o tamanho que distingue
os sistemas pós-industriais. A feição definitiva da performance é o que Bell chama
de “modalidade economicizante”,3 que aparece de forma muito clara na idéia de
produtividade: “a capacidade de lograr uma produção mais que proporcional a
partir de um dado investimento de capital, ou um dado esforço de trabalho ou,
mais simplesmente, a sociedade agora poderia alcançar mais com menos esfor-
ço ou menor custo” (Bell, 1974, p. 274). O significado da empresa moderna está
precisamente em sua invenção da idéia de performance, especialmente em sua
modalidade economicizante, criando em seguida uma realidade a partir dessa
idéia pela ordenação das relações sociais de acordo com o modelo de racionalida-
de funcional. Assim, as empresas, como subsistemas sociais dominantes, tornam-
se as organizações paradigmáticas do modernismo sistêmico. Essa concepção de
organização foi identificada como uma exigência dos sistemas sociais modernos
pelo sociólogo alemão Niklas Luhmann. O trabalho de Luhmann representa uma
formalização como também uma justificação dos desenvolvimentos projetados

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318  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

por Bell. Em sua, às vezes, chamada “nova teoria dos sistemas”, Luhmann explica
em detalhe a racionalidade inexorável do modernismo sistêmico em que a noção
kantiana do sujeito criticamente racional está inteiramente restrita aos interes-
ses de um sistema de funcionalidade social de tipo máquina. A própria sociedade
torna-se uma organização gigantesca: “O verdadeiro objetivo do sistema, a razão
pela qual ele se programa como um computador, é a otimização da relação global
entre insumo e produto – em outras palavras, performatividade” (Lyotard, 1984,
p. 11). Agora, no modernismo sistêmico, a performatividade supõe uma função
mais fundamental do que o critério da performance observado por Bell; ela se tor-
na uma capacidade generalizada de “produzir bens” efetivamente e, portanto, é
também um princípio de realização e objetificação. Portanto, ela precede o próprio
pensamento na mente social. Luhmann reconhece esse ponto quando diz que nas
sociedades pós-industriais a normatividade das leis é suplantada pela legitima-
ção da performatividade. Mais especificamente, a fonte da legitimação torna-se
a capacidade do sistema de controlar seu contexto (uma forma de teoria con-
tingencial) pela redução da complexidade interna e externa a ele; as aspirações
individuais devem, portanto, se contentar com um papel subordinado. De fato,
Luhmann argumenta que o sistema precisa tornar as ações individuais compatí-
veis a seus próprios objetivos globais por meio de um processo de “aprendizagem
sem perturbação”. “Os procedimentos administrativos devem fazer os indivíduos
‘quererem’ o que o sistema precisa, de forma a ter um bom desempenho” (Lyo-
tard, 1984, p. 62). Percorremos um longo caminho desde Saint-Simon e Comte,
e Kant foi completamente obliterado.
O modernismo crítico se opõe ao monolitismo de tipo cibernético do moder­
nismo sistêmico. Seu expoente máximo na ciência social contemporânea é ­Jürgen
Habermas, cujo projeto foi resgatar o espírito do racionalismo iluminista para o
modernismo recente. Novamente, o discurso é o objeto de análise. Para ­Habermas,
a linguagem é o meio da razão: “Toda linguagem ordinária permite alusões refle-
xivas ao que permaneceu não proferido” (Habermas, 1972, p. 168). Isso coloca
a linguagem ordinária, com suas origens nas atividades espontâneas do mundo
da vida comum, contra a linguagem instrumental-calculista dos sistemas orga-
nizados. Oculta – mas ainda ativa na linguagem ordinária – está uma espécie
“natural” de razão que nos fala com a sabedoria instintiva de um oráculo antigo,
guiando assim nossos trabalhos comunais. O destino contemporâneo dessa “ra-
cionalidade comunicativa” foi sua repressão pelo discurso do modernismo sistê-
mico. Para Habermas, o discurso do mundo da vida comum é a base de seu mo-
dernismo crítico, e é pela “linguagem da comunidade” que podemos reencontrar
o sentido do iluminismo, hoje perdido, que Kant em primeira mão nos revelou.
Além disso, a necessidade dessa razão crítica é agora mais urgente do que nunca,
precisamente por causa da colonização do mundo da vida pela razão sistêmica.
A razão kantiana assume um significado adicional; não é mais uma medida da
“maturidade” humana, mas se tornou uma condição sine qua non para emancipar
os indivíduos do controle totalizante da lógica sistêmica.

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Modernismo, pós-modernismo e análise organizacional: uma introdução  319

A despeito da diferença entre as formas sistêmica e crítica de modernismo –


uma, inclinada à mecanização da ordem social; e a outra, voltada para a libera­ção
do mundo da vida – elas compartilham a crença num mundo intrinsecamente ló-
gico e de sentido, constituído pela Razão ou sólida fundação universal. Isso assu-
me duas formas: (1) a de que o discurso espelha a razão e a ordem já existente “lá
fora” no mundo, e (2) a de que existe um agente pensante, um sujeito, que pode se
tornar consciente dessa ordem exterior. No caso do modernismo sistêmico, o sujei-
to racional é o próprio sistema, que funciona de acordo com o discurso cibernético
do “controle e da comunicação no animal e na máquina” (Wiener, 1948); esse dis-
curso tem suas próprias leis, que podem ser descobertas pela aplicação de técnicas
científicas e matemáticas. Nesse contexto, a razão é uma propriedade privilegiada
do sistema, enquanto distinta de suas partes. Para o modernismo crítico, o sujeito
pensante é o indivíduo humano ou, mais precisamente, uma rede de indivíduos
interativos, que – por meio do senso comum do discurso ordinário – pode atingir
um “consenso universal” da experiência humana. Existe, portanto, uma pressupo-
sição de unidade que legitima (isto é, provê uma “lógica” de autoridade) a posição
crítica, de tal forma que o alvo da crítica são as forças que fragmentam o ideal des-
sa unidade ou impedem seu surgimento como uma possibilidade. É contra essas
metaposições legitimadoras que o pós-modernismo se levanta.

Pós-modernismo

A chave para o entendimento do discurso do pós-modernismo é o conceito de


diferença: uma forma de auto-referência segundo a qual os termos contêm seus
próprios opostos e, assim, rejeitam todo entendimento singular de seus sentidos,
isto é, o paradoxo da “aldeia global”, em que o alargamento do mundo, por meio
das modernas técnicas da comunicação, de fato o torna menor. A diferença é as-
sim uma unidade que é, ao mesmo tempo, separada de si mesma e – já que é isso
o que realmente constitui o discurso humano (Derrida, 1973) – é intrínseca a
todas as formas sociais. É no próprio centro do discurso, portanto, que o agente
humano se depara com uma condição de indeterminação irredutível, e é essa re-
tenção sem fim e não passível de estancar que o pensamento pós-moderno reco-
nhece explicitamente e coloca na vanguarda de suas bandeiras. Nesse contexto,
Lyotard definiu o discurso pós-moderno como “a busca de instabilidades” (Lyo-
tard, 1984, p. 53). Lyotard observa que a ciência moderna se baseia na indetermi-
nação: a teoria quântica e a microfísica exigem uma redefinição de nossas idéias
de sistemas determinados e previsíveis, porque seus dados revelam que o mundo
é uma rede de estruturas auto-referenciais; por exemplo, descobriu-se que, longe
de as incertezas diminuírem com o conhecimento mais preciso (isto é, controle
maior), dá-se o contrário: a incerteza aumenta com a precisão.
Lyotard elabora um argumento de considerável poder de sedução, que é mon­
tado contra as “grandes narrativas” que legitimam as duas principais posições

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320  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

do modernismo. Sua tendência à determinação – que, no caso dos sistemas, se


expressa como a harmonia mecânica de atores funcionais que interagem – e, no
caso crítico, como o acordo de emancipação de homens em estado de servidão – é
também uma tendência no sentido do consenso. Mas vimos que a ciência moderna
postula uma dialética de diferença e auto-referência cuja lógica precisa impedir a
convergência. Lyotard argumenta que isso também se aplica ao consenso – quan-
to mais se tenta alcançá-lo, mais distante ele parece estar. “O consenso é um hori-
zonte nunca atingido” (Lyotard, 1984, p. 61). Em vez de o consenso ser a casa de
força da ação social, é o dissenso que compele continuamente a nossa atenção.
Em outro texto, Lyotard (Lyotard; Thébaud, 1986) analisa alguns dos aspec-
tos menos óbvios dessa abordagem tipicamente pós-moderna ao discurso, por
intermédio do conceito de “jogo”. Ele já havia considerado a ação social como
um “jogo de linguagem” em que os atores participantes faziam vários lances de
acordo com regras reconhecidas (Lyotard, 1984). Dessa vez, ele expande a idéia
de um jogo de linguagem para incluir a idéia de “combatividade” ou disputa e é
isso que dá “impulso” à ação social. Tão logo o elemento de luta sai do jogo, este
perde o seu poder de motivar a ação humana. Assim, a maestria e a dominação
obtêm sua vitalidade não da aniquilação total de um jogador pelo outro, mas
pela manutenção de um estado de contínua diferença e provocação. O triunfo do
consenso é, portanto, semelhante à destruição da oposição, pois nega a própria
coisa, a dissensão, sobre a qual repousa. Num comentário a Lyotard, Samuel We-
ber interpreta a dissensão do jogo como “uma tensão entre unidade e desunida-
de” (Lyotard; Thébaud, 1986, p. 113) e dá assim à diferença e à auto-referência
a função de uma força originária e irredutível que perpassa todos os encontros
sociais como “sentimentos brutos de inveja, ciúme e rancor” (Lyotard; Thébaud,
1986, p. 106). A diferença é, assim, mais que um conceito teórico, já que assume
a força de uma paixão elementar, uma espécie de fonte de energia primordial.
Considera-se, pois, a ação humana como algo que brota de impulsos que estão
além do controle humano direto; o comportamento, individual ou institucional,
é essencialmente uma reação a uma força originária. A idéia de que somos con-
trolados por forças que estão além de nós repugna profundamente o pensamento
racional moderno, que construiu, ao longo dos séculos, um discurso que mais ou
menos deliberadamente visava negar essa possibilidade. Sabemos agora que a
sociedade organizacional pôs-se a domesticar as paixões impulsivas do homem,
atenuando-as em interesses sociais e econômicos (Hirschman, 1977). As paixões
como “lances determinantes cuja composição organizou a vida social [...] foram
esquecidas pela economia produtivista do século XIX, ou repelidas para a esfera
da literatura. O estudo das paixões tornou-se, assim, uma especialização literária
no século XIX; ela já não pertencia mais à filosofia ou à economia políticas” (Cer-
teau, 1986, p. 25).
Devemos nos voltar para Nietzsche (talvez a principal influência sobre o pen-
samento pós-moderno) para entender o que fundamenta este insight particular
sobre a natureza da racionalidade modernista. Para Nietzsche, a força da diferen-

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Modernismo, pós-modernismo e análise organizacional: uma introdução  321

ça é o ativo, aquilo que possui poder de autotransformação, isto é, auto-referên-


cia; em oposição a ela está o reativo, uma forma de ação que é simultaneamente
inferior ao ativo e depende dele. Essas forças opostas, o ativo e o reativo, cons-
tituem a base do conceito de “genealogia” de Nietzsche: “a arte da diferença ou
distinção” (Deleuze, 1983, p. 56). A genealogia é a maneira de Nietzsche mostrar
como a força superior do ativo se inverte na força inferior do reativo. O reativo
nega sua origem no ativo: “[...] é característico das forças reativas negar, desde o
princípio, a diferença que as constitui no princípio, inverter o elemento diferen-
cial do qual elas derivam e dar uma imagem deformada dele” (Deleuze, 1983, p.
56). Dessa maneira, o reativo reduz todo conhecimento e discurso a uma mera
representação, a “falar a respeito” e, finalmente, à negação. Nas ciências do ho-
mem, em especial, vemos que dominam em toda parte os conceitos passivos, rea­
tivos e negativos: a “utilidade”, a “adaptação” e a “regulação” servem como os
principais motivos de explicação.
O trabalho de outro pensador pós-moderno, Jacques Derrida, expande a aná-
lise das forças diferenciais de Nietzsche, mas leva-a para uma direção inespera-
da. Partindo da posição de que o sentido e a compreensão não são naturalmente
intrínsecos ao mundo e que eles devem ser construídos, Derrida desenvolve um
método desconstrutivo que, ao reverter o processo de construção, mostra com pre-
cisão como são artificiais as estruturas comuns e inquestionáveis do nosso mundo
social. O propósito de Derrida é mostrar que a racionalidade e a racionalização
são realmente processos que procuram esconder as contradições que estão no
âmago da existência humana. O que motiva o apelo à organização é o reconheci­
mento de que há uma “lacuna” discursiva e de que a organização serve para en-
cobri-la. A análise de Derrida está focada no caráter processual das instituições
humanas, em oposição ao seu caráter estrutural. Ele quer mostrar que o mundo
das estruturas do senso comum é o produto ativo de um processo que privilegia
continuamente a unidade, a identidade e o imediatismo, acima das propriedades
diferenciais de ausência e separação; desse ato de privilegiar o ativo emerge o
elemento de contestação em que a lógica da unidade e da identidade é confronta-
da com as forças da diferença e da incapacidade de decisão. A razão modernista
agora se aproxima da concepção de disputa de Lyotard, em que a razão se alinha
contra a não-razão, a verdade contra o erro etc.
O método genealógico de Nietzsche conduz a um outro traço do pós-moder-
nismo: a idéia de que o conhecimento é o resultado de uma força que nos com-
pele a tornar o mundo pensável, isto é, determinado. Como vimos, o mundo não
existe previamente, esperando por nós para refleti-lo. Ele resulta do processo
complexo de uma vontade de conhecer, que ordena e organiza o mundo, porque
não pode tolerar não conhecê-lo; a contradição e a ambivalência são formas de
anormalidade que devem ser exorcizadas. O que Luhmann identifica como a ne-
cessidade dos sistemas modernos de funcionar de forma uniforme é visto no pós-
modernismo como uma gigantesca versão social da “precipitação da vontade de
saber”. O que o modernismo considera “racional”, o pós-modernismo vê como

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322  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

uma tentativa de canonizar o discurso do normal sobre o anormal. Rorty (1980)


capta o espírito dessas interpretações conflitantes em sua distinção entre os dis-
cursos “sistemático” e “edificante”. O primeiro serve para justificar e fundamen-
tar as ações e crenças do dia-a-dia, fazendo-as parecer lógicas e até racionais; ele
proporciona uma ordem de confiança renovada. O discurso “edificante”, por sua
vez, ajuda a “nos libertar de atitudes e vocabulários desgastados” (Rorty, 1980, p.
12); ele procura dar aura4 (isto é, erotizar) ao discurso e ao conhecimento, para
mostrar o extraordinário dentro do ordinário, o ativo dentro do reativo.
Ora, para Nietzsche as forças que circundam a oposição entre o ativo e o rea­
tivo estão focadas no corpo – biológico, social ou político – e é a materialidade
do corpo, o organismo social vivo em sua expressão física, que provê o moto per-
pétuo (perpetuum mobile) da vida social. O corpo é auto-referencial no sentido
de que toda ação social nele se origina e a ele retorna: “[...] o corpo animal é a
grande base central que sustenta toda a referência simbólica [...] Toda afirmação
acerca das relações geométricas dos corpos físicos no mundo pode ser referida
a determinados corpos humanos definidos como origens de referência” (White­
head, 1929, p. 198). A imanência do corpo na vida social, universalmente negli-
genciada pelos cientistas sociais, é tomada como um tema crítico em toda parte
pelos pensadores pós-modernos, e suas implicações institucionais e organizacio-
nais foram trabalhadas talvez em sua forma mais cabal por Michel Foucault (por
exemplo, Foucault, 1980). Para Foucault, o corpo é o locus do aural e não mera-
mente uma estrutura fisiológica; é o lugar da paixão, da vontade, dos “desejos,
fracassos e erros... e um volume em perpétua desintegração” (Foucault, 1977a, p.
148) – em suma, o corpo é o órgão da diferença.
Na obra de Foucault, a dimensão aural aparece como uma forma de “estranha­
mento” em que o normal e o familiar passam a ser vistos de uma maneira nova e
por vezes perturbadora. Para ver o ordinário com uma visão diferente, temos que
torná-lo “extraordinário”, isto é, romper os hábitos da rotina organizada e ver o
mundo “como se fosse pela primeira vez”; é necessário nos libertarmos dos mo-
dos normalizados de pensar, que nos cegam para a estranheza do familiar. Daí o
uso de imagens e tropos provocativos por Foucault para interromper o entendi-
mento do leitor em sua caminhada: a hipótese de que a idéia do homem é uma
invenção moderna, que mal tem dois séculos; a descrição grotesca de Damiens,
o regicida, cujo corpo foi torturado publicamente, despido e mutilado como um
símbolo de repressão penal (isto é, violência legalizada), no século XVIII; a idéia
de que a medicina moderna, longe de ter sua origem num humanismo altruístico,
desenvolveu-se a partir do interesse do Estado pela administração da “biomassa”,
isto é, da população de corpos. Foucault nos lembra que todo discurso tem uma
função inerente de censura que reprime a estranheza do simbolismo, e que o pri-
meiro passo na análise é reconhecer isso como uma maneira de nos “esclarecer”.
Assim, o iluminismo assume aqui um novo aspecto. Para Kant, o iluminisno era
um modo racional, mas ainda normalizado de pensamento crítico. Para Foucault,
o iluminisno é a experiência de um lampejo súbito e espontâneo quando alguém

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Modernismo, pós-modernismo e análise organizacional: uma introdução  323

é arrebatado por um poder além do pensamento racional, consciente, isto é, pelo


aural. Foucault revela a experiência do iluminisno alienante de forma mais no-
tável por meio de sua adaptação do método genealógico de Nietzsche (Foucault,
1977a, p. 139-164). A genealogia se opõe à busca de formas puras e ideais que
preexistem ao nosso mundo profano de todo dia. Ao contrário, o genealogista
descobre que as essências ideais, as verdades essenciais são artefatos tomados de
“formas estranhas”. O que descobrimos na assim chamada origem das coisas não
é um estado de perfeição tranqüilizador, agora perdido, mas ainda recuperável;
em vez disso, o que existe é disparidade, diferença, indeterminação. O método
genealógico de Foucault é, portanto, semelhante à agonística de Lyotard e à des-
construção de Derrida: todos negam o conceito de uma origem perfeita e substi-
tuem-no por um processo de contestação diferencial. Por essa razão, Habermas
critica Foucault (e os pós-modernistas em geral) por serem “irracionais”. Haber-
mas (1984) considera que a razão é condicional a um conceito de origem perfei-
ta; sua “racionalidade comunicativa” pressupõe justamente esse estado ideal. Mas
a lógica do pensamento pós-moderno começa com um entendimento diferente de
razão, que às vezes parece sustentado com mais veracidade do que o das posições
rivais. Trata-se de uma racionalidade baseada, não na descoberta de respostas
para problemas, mas na “problematização” de respostas. Isso é inteiramente coe­
rente com a posição genealógica que diz ser a disparidade (e não a paridade) a
fonte das estruturas humanas; as respostas são meramente inversões temporais
de problemas. Enquanto Habermas está procurando a resposta (ou pelo menos
uma abordagem para ela), Foucault consegue apenas ver respostas como manei-
ras de eliminar problemas, como expressões da “presteza de querer saber”. Sua
análise sempre procede de um processo complexo de como os pensamentos são
estruturados para dar uma solução. No mundo humano, isso está sempre sujeito
ao trabalho do poder, inevitavelmente, porque o poder é intrínseco à lógica ago-
nística da disparidade. O discurso é a expressão do poder que está centrado nos
problemas. O poder precede a resposta por meio de sua estruturação prévia, sutil
e secreta do problema. É por isso que Foucault se interessa tanto pela “problema-
tização”, já que o entendimento próprio de uma solução só pode surgir da visão
de como o problema foi antes de tudo estruturado. Todo o trabalho de Foucault
trata dessa questão de uma maneira ou de outra: o desenvolvimento do proble-
ma da loucura na Idade Média, a origem do discurso médico moderno, com a
organização de clínicas e hospitais especializados no século XVIII; o surgimento
das ciências sociais enquanto instrumentos para a estruturação de problemas, de
forma a torná-los mais tratáveis pela gestão e administração.
O discurso não é mais um meio neutro de comunicação sobre o mundo. Em
vez disso, é o discurso da diferença e da auto-referência. Ele não é mais uma
extensão das faculdades ou órgãos humanos; estes é que são as extensões do
discurso.

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324  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

Análise organizacional

O objeto da análise organizacional ortodoxa é a organização: um sistema so-


cial limitado, com estruturas e objetivos específicos, que atua de maneira mais
ou menos racional e coerente. Nesse contexto, o próprio conceito de organização
funciona como um metadiscurso para legitimar a idéia de que a organização é
uma ferramenta social e uma extensão do agente humano, um “órgão auxiliar”
pelo qual “o homem se [...] tornou uma espécie de Deus protético” (Freud, 1961,
p. 92) em busca da idéia de uma ordem antropocêntrica. O relato de Bell (1974)
sobre a corporação moderna representa a apoteose dessa idéia. Agora o modo
cognitivo dessa forma de organização está baseado no que Varela (1979) cha-
ma de imagem de “controle” da “Gestalt de computador” que, à semelhança dos
sistemas de performatividade de Lyotard, se programa para otimizar sua relação
ou quociente geral entre insumo e produto (Lyotard, 1984). Como os insumos
devem “corresponder” aos produtos, a Gestalt de computador é um modelo refe-
rencial de organização que emprega informação/conhecimento (discurso) num
sentido fixo, operacional e “instrutivo”. Entretanto, Varela nos lembra que a re-
ferencialidade é simplesmente um caso especial ou limitante de auto-referencia-
lidade, de forma que esta última deve ser vista como a mais abrangente (Varela,
1979, p. 265-267). Varela quer que vejamos a organização como um produto de
auto-referência e, assim, que “descentremos” o papel de propósito racional.
É comum que os cientistas sociais pensem sobre sistemas sociais e, talvez,
especialmente, sobre organizações, a partir do ponto de vista referencial, mesmo
quando seu propósito explícito é o entendimento e não a engenharia social. Essa,
obviamente, é uma crítica reconhecida do paradigma dos sistemas, cuja ênfase
funcional serve para suprimir a ação da diferença e da auto-referência (Cooper,
1986). Vemos essa supressão funcionando na teoria organizacional de Blau, que
se apóia centralmente no conceito de “diferenciação” (Blau, 1974). Por diferen-
ciação, Blau quer dizer divisões de trabalho (especialização) e autoridade. Como
se predispõe a ver as organizações na perspectiva funcional (isto é, referencial)
da Gestalt de computador – o “critério definidor de organização formal [...] é
a existência de procedimentos que visam mobilizar e coordenar os esforços de
vários subgrupos, comumente especializados, em busca de objetivos conjuntos”
(Blau, 1974, p. 29) – Blau é então levado a enfatizar a especialização e a autori-
dade, e não a diferenciação; isto é, a centralização perceptiva sobre o “controle” o
seduz a definir a estrutura em termos de diferença estática, ficando oculta à cons-
ciência a natureza ativa da diferença e, por isso mesmo, indisponível à análise.
Como a maioria dos teóricos, Blau começa sua análise de uma posição que omite
o passo originário da diferenciação ou divisão na organização social. A organiza-
ção, portanto, aparece já formada.
Por serem normativamente racionais, é essa exatamente a questão levantada
por Mayntz, em sua crítica aos modelos dominantes de tomada de decisão orga-
nizacional: os objetivos são estabelecidos pela organização, e esse passo é segui-

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Modernismo, pós-modernismo e análise organizacional: uma introdução  325

do por uma busca da melhor solução entre as alternativas concorrentes (Mayntz,


1976). Assim, “a ação parece ser desencadeada por objetivos ou propósitos pre-
concebidos” (Mayntz, 1976, p. 119). Mayntz reverte essa ordem de análise de
decisão ao sugerir que os processos organizacionais são, na realidade, reações a
perturbações “locais”: “a atividade organizacional em geral e a formulação de po-
líticas em particular são basicamente acionadas por fatores situacionais que cons-
tituem uma pressão para agir, em vez de serem geradas por deliberações sobre
o modo como certos valores abstratos podem ser alcançados” (Mayntz, 1976, p.
119). Essa crítica também enfatiza de modo significativo a natureza “interativa”
ou “agonística” da organização, pois Mayntz nos lembra que, em contraste com o
modelo racional-normativo, as decisões raramente ou nunca são tomadas por in-
divíduos, mas estão invariavelmente imersas numa rede ativa de pessoas dentro
de uma divisão de trabalho.
A crítica de Mayntz reflete-se em análises semelhantes feitas por escritores de
campos tão distintos quanto desenvolvimento econômico, pesquisa e desenvol-
vimento tecnológico e formulação de políticas (Hirschman; Lindblom, 1962). A
essência desse trabalho ensina que não há soluções teóricas perfeitas para proble-
mas que estejam presentes de antemão, como também que as decisões devem ser
tomadas como ações corretivas, em situações marcadas por incerteza, desordem
e desequilíbrio. Nessas análises, a prática se apossa da teoria de modo indevido e
a organização – longe de ser uma estrutura de ações calculadas e deliberadas – é
na realidade a resposta automática a uma ameaça iminente. Assim, as análises
sugerem que o controle racional serve a um processo mais fundamental, que atua
de forma autônoma, da mesma maneira que Varela sugere que a referencialidade
é subserviente à auto-referencialidade (Varela, 1979). Em suma, o processo de
organização se auto-origina e é automático.
Podemos observar e discernir esporadicamente insights dessa maneira alter-
nativa de se pensar sobre organizações na literatura de análise social e organi-
zacional. O conceito de “autonomia funcional” de Gouldner – que, entre outras
coisas, afirma que a atividade organizacional está focada nas fronteiras ou divi-
sões entre as partes do sistema – é um reconhecimento inicial da auto-referência
no trabalho em operação nas organizações formais (Gouldner, 1959). Gouldner
argumenta, especificamente, que as divisões organizacionais exercem uma pres-
são autônoma sobre as atividades originais porque são a fonte das interações pa-
radoxais constituídas pela mutualidade da “separação” e da “conjunção”. O tema
da auto-referência também perpassa as análises de sistemas sociais de Merton: a
racionalidade formal da burocracia produz paradoxalmente “disfunções” parale-
lamente a suas “funções” (Merton, 1968, cap. 8); as crenças sociais podem fun-
cionar como “profecias que se auto-realizam” (Merton, 1968, cap. 13); as ações
sociais intencionais podem levar a conseqüências não intencionadas (Merton,
1976, cap. 8). Apesar de Merton ter reconhecido a interação entre o referencial e
o auto-referencial, seu viés (como funcionalista confesso) favorece o primeiro, de
sorte que o entendimento mais completo da própria auto-referência fica, enfim,

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326  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

pairando em pleno ar. Entretanto, essas breves referências à literatura da ciência


social de fato indicam uma consciência de duas maneiras opostas de se pensar
acerca de organizações: (1) um modelo de “controle” que é referencial, instrucio­
nal e concebido como a expressão da racionalidade humana; e (2) um modelo
de “autonomia” que é auto-referencial, processual (isto é, sem localização fixa)
e que atua automaticamente, isto é, independentemente do controle (humano)
externo. O modelo do “controle” aproxima-se da visão modernista de mundo,
especialmente na idéia do sujeito racional final que pode “metaorganizar”. Em
contraste, o modelo da “autonomia” aproxima-se dos argumentos do pós-moder-
nismo, especialmente quanto à rejeição do sujeito racional, onisciente.
O pensamento pós-moderno começa com o insight de que todo o discurso so-
fre de uma reatividade intrínseca, e que este deve ser tratado como um problema
antes que as possibilidades epistemológicas do modelo de “autonomia” possam
ser percebidas de modo próprio. Hirschman e Lindblom caracterizam o problema
da reatividade como a tendência das ações racionais de serem remediantes, cor-
retivas, ou seja, “elas se afastam dos males, em vez de se voltarem para objetivos
conhecidos” (Hirschman; Lindblom, 1962, p. 216). Se esse diagnóstico também
puder ser aplicado ao discurso acadêmico, talvez possamos começar a ver que os
dados estão viciados em desfavor do desenvolvimento de uma metodologia pós-
moderna nas ciências sociais. A análise pós-moderna confronta essa questão com
o método genealógico de Nietzsche. Como observamos antes, a genealogia de-
fine a diferença em termos da distinção entre ativo e reativo. O ativo e o reativo
correspondem, respectivamente e de maneira aproximada, aos conceitos de “au-
tonomia” e “controle” de Varela (1979), com a exceção de que, na formulação de
Nietzsche, eles são considerados forças, fontes de poder, e não apenas conceitos
intelectuais. O ativo é a “prioridade essencial das forças espontâneas, agressivas,
expansivas, modeladoras, que oferecem novas interpretações e rumos” (Deleuze,
1983, p. 41), mas que devem ser domadas, e até negadas, pelas forças de contra-
peso do reativo, que, portanto, funcionam com o caráter de remediar.
O deslocamento genealógico da diferença – de um mero conceito para uma
força ativa – é, efetivamente, uma inversão do entendimento tradicional (isto é,
referencial) da diferença como um efeito estático de separação (tal como vimos
no uso da “diferenciação” em Blau) para uma conscientização da diferença como
uma co-dependência ativa; de uma simples divisão para um fluxo unitário; de
um termo isolado para um processo interativo. Um traço definitivo dos sistemas
autônomos é sua resistência intrínseca à divisão, à parcialização e à classificação.
Vista dessa forma, uma organização é uma unidade ou uma coerência de forças
que perdemos de vista quando aplicamos as especializações acadêmicas aceitas
(sociologia, psicologia, economia, ciência política etc.) e as metodologias. Neste
último caso, meramente representamos as estruturas dos sistemas sociais, sendo
as representações apenas representações para um sujeito que tenta se apropriar e
dominar o sistema como um campo de conhecimento. Uma genealogia do siste-
ma e da organização começa com o reconhecimento de que as representações e

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Modernismo, pós-modernismo e análise organizacional: uma introdução  327

as estruturas derivam de um processo mais fundamental de materialidade e ener-


gia. As idéias, imagens, o próprio discurso devem agora ser vistos como uma força
material que dissolve a concepção do mundo humano como uma série de divisões.
Essa visão é elaborada num texto pós-moderno chave de Deleuze e Guattari, em
que os “corpos” sociais são definidos como “máquinas” produtivas que estão con-
tinuamente engajadas no processamento de matéria (Deleuze; Guattari, 1983).
O ponto de vista unitário assumido por Deleuze e Guattari rejeita a representação
de termos sociais separados, o que significa que o conceito de máquina produtiva
se aplica a tudo no mundo humano (e natural): máquinas são indiví­duos, grupos,
organizações e sociedades inteiras. Essa abordagem também significa que temos
que rejeitar a concepção usual das máquinas como extensões do poder humano;
de fato, Deleuze e Guattari argumentam que o homem é realmente um apêndice
das máquinas. Isso é porque as máquinas são energizadas pela força irresistível
do ativo. Com efeito, as máquinas produzem fluxos impiedosos de matéria-ener-
gia; elas então dividem os fluxos, codificam-nos e, finalmente, inscrevem as co-
dificações no “corpo” (a fonte material dos fluxos) para estabelecer as fronteiras.
Uma ilustração simples desse processo é o animal que usa seu fluxo de secreções
corporais para marcar seu território; o animal é, assim, uma máquina que produz
um território habitável. Pela mesma razão, as organizações são máquinas sociais
que produzem elaborados discursos de informação/conhecimento em que os su-
jeitos humanos constituem uma parte necessária do fluxo material sobre o qual
os discursos estão inscritos. As organizações operam tão direta quão indiretamen-
te no mundo da natureza e, em virtude da lógica auto-referencial dos sistemas
autônomos, isso inclui necessariamente a “natureza humana”.
A concepção do “corpo” como fluxo material tem duas conseqüências impor-
tantes para a análise organizacional. Em primeiro lugar, a idéia de “fluxo” atrai a
atenção para a instabilidade essencial do ambiente humano, incluindo o próprio
corpo humano. Não há restrições absolutas na vida ou na natureza. “Nada no
homem – nem mesmo seu corpo – é suficientemente estável para servir de base
para o auto-reconhecimento ou para entender outros homens” (Foucault, 1977a,
p. 153). Em segundo lugar, o papel do sujeito humano, na análise organizacional
tradicional, foi modelado por certos requisitos funcionais: o sujeito é um “toma-
dor de decisão” ou um “trabalhador”, por exemplo; isto é, a definição do sujeito
depende da aceitação prévia de um modelo racional-normativo de organização.
Em contraste, a concepção genealógica do sujeito como um corpo em fluxo mate-
rial nos leva a pensar sobre ele como uma máquina que se produz a si mesma; ela
coloca, desse modo, o sujeito na origem do processo de organiza­ção, em vez de
vê-lo como um auxiliar. Esses pontos exigem uma reavaliação ra­dical do concei-
to tradicional de organização como uma unidade econômico-administrativa cir-
cunscrita, bem como das metodologias necessárias a defini-la. Em seu lugar, pre-
cisamos ver a organização como um processo que ocorre dentro do “corpo” mais
amplo da sociedade e que diz respeito à construção de objetos de conhecimento
teórico centrados no “corpo social”: saúde, doença, emoção, alimentação, traba-

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328  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

lho etc. Em outras palavras, para entender as organizações é necessário analisá-


las de fora, por assim dizer, e não a partir daquilo que já está organizado. Passa a
ser uma questão de analisar, digamos, a produção da organização, em vez da or-
ganização da produção. Daí a importância de se começar antes pela genealogia do
que pela própria organização: a organização como objeto de conhecimento emer-
ge da contestação intrínseca à lógica da diferença e da auto-referência – como vi-
mos, por exemplo, no estudo de Hirschman sobre a origem reativa da organização
moderna no século XVIII como um artifício para submeter e atrelar a natureza im-
pulsiva do homem à produção social e econômica (Hirschman, 1977).
Talvez o primeiro passo para a interpretação pós-moderna da organização
seja o reconhecimento de que toda a atividade humana organizada é essencial-
mente reativa ou defensiva. Isso então implicaria logicamente reconhecer o ativo
especialmente como a força superior. Esses fundamentos estão de todo ausentes
na teoria ortodoxa da organização. Torna-se difícil, por exemplo, até mesmo se
ter uma vaga noção sobre a dinâmica ativo-reativa que opera no quadro estáti-
co de uma organização desenhada segundo os termos do paradigma burocrático
(por exemplo, as dimensões da autoridade, a estruturação das atividades, a pa-
dronização dos procedimentos etc.). Seria necessário uma reviravolta maciça na
perspectiva teórica para traduzir o modelo burocrático no modelo ativo-reativo,
especialmente para fazer justiça ao insight de que toda a atividade institucional
e organizacional é basicamente auto-referencial. O pensamento pós-moderno co-
meça com essa última tese e volta sempre a ela. Vemo-la constantemente em ope-
ração na análise dos processos organizacionais de Foucault, em que se vê a “or-
ganização” como uma série de racionalidades inter-relacionadas de programas,
tecnologias e estratégias que estão sempre envolvidas pelos problemas do recurso
endêmico à auto-referência (Gordon, 1980). Um programa é, minimamente, um
conjunto de instruções que visam atingir um objetivo. De maneira menos óbvia,
ele pressupõe um conhecimento do campo onde deve operar, ao representar a rea­
lidade na “forma de um objeto que é programável” (Gordon, 1980, p. 248). O
programa é, portanto, uma versão do modelo racional-normativo de organização,
de Mayntz (1976), como também evoca o protótipo da organização pós-industrial
de Bell (1974) que funciona à base de conhecimento teórico. Estão embutidos
no programa “mecanismos de funcionamento correto”, que nos sistemas sociais
aparecem como normas de comportamento apropriado para indivíduos e coleti-
vidades. Ora, a própria norma é um produto das técnicas de normalização que
estruturam o discurso em termos de correto-incorreto, desejável-indesejável etc.
De fato, o programa torna-se real na medida em que é sustentado por uma tecno-
logia. Há, portanto, uma relação co-dependente (isto é, auto-referencial) “entre o
programático e o tecnológico, o normal e o normativo”, que “por sua vez é o resul-
tado da conceituação, dentro da forma discursiva do próprio programa, de uma
discrepância inelutável entre discurso e realidade” (Gordon, 1980, p. 250). Isso é
porque a lógica peculiar da auto-referência dita que os termos contêm necessaria-
mente seus próprios opostos, como vimos, e isso significa que para todo programa

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Modernismo, pós-modernismo e análise organizacional: uma introdução  329

existe um não-programa, para toda norma existe uma a-norma, uma não-norma.
Os desvios e erros não devem mais ser concebidos como efeitos adventícios de ra-
cionalidade imperfeita, pois eles estão imersos nos próprios instrumentos que pro-
curam anulá-los. Os programas e tecnologias são, portanto, nesse estranho sen-
tido, antifuncionais. Entre outras coisas, isso significa que “todo programa provê
antecipadamente para a eventualidade de sua própria falência” (Gordon, 1980, p.
250). Foucault dá o exemplo das prisões como organizações que – na medida em
que são continuamente combatidas, por não atingirem seus objetivos planejados
enquanto reformatórios –, procuraram da mesma forma reorganizar-se continua-
mente, com base no modelo malogrado de seu programa original:

Deve-se [...] recordar que o movimento de reforma das prisões, visando


controlar seu funcionamento, não é um fenômeno recente. E nem mesmo
parece que se originou de um reconhecimento de fracasso. A “reforma” do
sistema prisional é quase contemporânea à própria prisão: ela constitui,
por assim dizer, seu programa. Desde o início, a prisão foi apanhada numa
série de mecanismos concomitantes cujo propósito era claramente corrigi-
la, mas que parecem formar parte de seu próprio funcionamento, tão inti-
mamente estão eles associados à sua existência, no decorrer de sua longa
história (Foucault, 1977b, p. 234).

Seria difícil encontrar um exemplo mais esclarecedor de uma organização


como reação corretiva ou remediante, que, por assim dizer, pensa com os pés no
chão. Temos aqui o trabalho de estratégias que, em contraste com a racionalidade
normativa do programa, são pragmáticas, instintivas e improvisadoras. A estra-
tégia opera no nível da prática, não da teoria. Isso é porque sua ação ocorre num
campo complexo e heterogêneo de forças instantâneas em que ela explora “pos-
sibilidades que ela mesma discerne e cria [...] a estratégia é a arena do cínico, do
eclético, do tácito, em virtude de sua capacidade lógica geral para a síntese do
heterogêneo” (Gordon, 1980, p. 251). A estratégia opera no núcleo labiríntico da
organização – o olho do vórtice – onde reinam a diferença e a auto-referência.
Ao enfatizar esse nível da ação institucional, a análise pós-moderna deseja atrair
a nossa atenção para o papel central da autonomia (no sentido de Varela) ou da
máquina (no sentido de Deleuze e Guattari) nos sistemas sociais. É essa força pri-
mordial que, por intermédio do nível estratégico, anima os programas e as tecno-
logias, e não o inverso.
Lyotard (1977) oferece uma análise esclarecedora da estratégia em operação,
em seu conceito de mise-en-scène, o jogo complexo das operações que “dão vida”
aos componentes básicos da organização social. No contexto organizacional, depa-
ramo-nos com um conjunto de dados primários constituídos por programas e tec-
nologias. Esses são essencialmente conjuntos de discursos que pertencem a diferen-
tes sistemas de racionalidade (legal, econômica, científica etc.). Eles representam,
portanto, um campo heterogêneo com dois traços dignos de nota: é “inerte” e, por
causa de suas origens diversas, tem um potencial para “desordem”. A mise-en-scène

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330  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

apreende esse espaço intratável e “lhe dá vida”. “Dar vida” significa transcrever os
discursos inertes dos programas e tecnologias em corpos vivos. A transcrição en-
volve a tradução do inerte e heterogêneo na unidade elementar do corpo humano
“poliestético”, considerado como “uma potencialidade multissensorial” que tem a
“capacidade de ver, ouvir, tocar, mover-se [...]” (Lyotard, 1977, p. 88). Ela envolve
um movimento do registro referencial dos programas e tecnologias para o regis-
tro auto-referencial da mise-en-scène, que agora se deve entender como a origem
ativa da organização. As organizações não preexistem, inicialmente, para depois
criar suas relações; elas ocorrem em hiatos existenciais que se encontram além do
discurso inteligente. Esses hiatos são os locais de operação da mise-en-scène e das
estratégias, que voltam suas atenções para o não-programável e o não-discursivo e
deles emergem. A racionalidade organizada, longe de ter origem em modelos per-
feitos e lógicas consumadas de eficiência, fundamenta-se em golpes ou truques de
mágica, contendas ferozes e pudenda origo (“origens vergonhosas”). Essa é a lição
de revisão que o pós-modernismo traz para a análise organizacional.

Post scriptum

Lembremo-nos de que o alvo da análise organizacional é a organização formal.


Não é a organização como tal que exige análise, mas seu caráter “formal”, embora
isso seja com freqüência esquecido. Habitualmente, a palavra “formal” significa o
que é próprio, metódico e meticuloso. No contexto das organizações e instituições
formais, o “formal” não é apenas o próprio e o metódico, mas também o “oficial”;
ele é alçado ao nível de lei e de verdade pública. O que é formalmente organizado
assume a virtude de uma ordem moral. Daí a ênfase por parte do modernismo na
busca da “autoridade racional” como a base da boa ordem social. Mas a lógica do
discurso humano insiste em que todo símbolo carrega em seu âmago o seu pró-
prio oposto, de modo que o “formal” carrega continuamente a sombra do “infor-
mal”. Douglas (1970, p. 100) desenvolve essa oposição dentro do contexto da or-
ganização social: “A formalidade significa distância social, papéis bem definidos,
públicos, isolados. A informalidade se aplica a confusão de papéis, familiaridade,
intimidade.” Em outras palavras, o “formal” tem todas as características da razão
clássica como concebida pelo Iluminismo: é referencial, transparente, fechado,
monumental. “Estes são os termos do ‘regimen’ de ­Foucault e da ‘racionalização’
de Weber, as poderosas formas de pureza funcional que, durante o século XVIII, na
Inglaterra, com certeza levaram ao grande período de ‘institucionalização’ – asi-
los, hospitais, escolas, casernas, prisões, casas de seguros e finanças – que, confor-
me sugeriu Foucault, personificam e asseguram a manutenção da razão burguesa
clássica” (Stallybrass; White, 1986, p. 22). Como sugere a definição de Douglas,
o “informal” é aquilo que ameaça transgredir o “formal”, é o local e o imediato, o
que resiste a uma categorização e racionalização. Em suma, o “informal” é o auto-
referencial e, como tal, a esfera especial da análise pós-moderna.

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Modernismo, pós-modernismo e análise organizacional: uma introdução  331

Já observamos que o modernismo coloca a resposta antes da pergunta e, as-


sim, atua com o princípio de que “já sabe”. Dessa forma, ele privilegia a idéia da
organização “formal” (isto é, a organização do “formal”) enquanto, ao mesmo
tempo, “desracionaliza” a existência do “informal”. Não é difícil de ver esse pro-
cesso em plena atuação na literatura da análise organizacional contemporânea,
que, inconscientemente, repete as estruturas formalizadas da organização em sua
própria metodologia. Vários estudos de organizações identificaram a “formaliza-
ção” como um traço fundamental da estrutura organizacional (como Hall, 1972,
p. 172-199). Para simplificar, esses estudos indicam que a formalização trata da
definição e manutenção do comportamento “correto”, ou daquilo que aqui cha-
mamos de “formal”. Como já observamos, por trás da idéia do “formal” está um
imperativo moral (isto é, uma “ordem”) que exige a exclusão total do “informal”
(que agora se torna o “imoral”). É esse processo de exclusão que constitui a “ca-
beça feita” do formalismo, e ele naturalmente está presente em todas as formali-
zações, incluindo as que formam as metodologias de análise organizacional. Ilus-
tremos brevemente essa idéia com o conceito de “incerteza”, que recebeu amplo
tratamento em várias áreas da análise organizacional (por exemplo, tomada de
decisão, tecnologia e ambiente). Nessas análises, vê-se a qualidade de indetermi-
nação intrínseca à incerteza (por definição, um aspecto do “informal”) em termos
do “formal”; por exemplo, a bem conhecida estrutura que reduz a tarefa incerta
à “não-rotina”, definindo assim a incerteza a partir do ponto de vista da “rotina”,
isto é, do “certo” (veja, por exemplo, Perrow, 1972, p. 166-167). A mesma ten-
dência de formalizar o não formalizável pode se verificar na análise da incerteza
nos sistemas organizados complexos de Luhmann (1976), onde, entre outras coi-
sas, se discute o conceito de auto-referência totalmente em termos referenciais
(isto é, determinados). Em suma, a organização formal é caracterizada por uma
avidez inveterada de suprimir seu próprio oposto de uma forma tão dissimulada
que ficamos inconscientes de sua função de censura.
A tarefa do pensamento pós-moderno é expor esta função censória da for-
malização e, mais ainda, mostrar que o “informal” de fato constitui o “formal”.
O “formal” e o “informal” refletem um o outro, assim como o verso e o reverso
de uma moeda; na medida em que jamais podem ser separados, eles não ape-
nas se definem mutuamente, mas pode-se dizer que são o “mesmo”, são auto-re-
ferenciais. É desse ponto de vista que escritores como Foucault e Derrida vêem
e analisam o “formal”, de modo que este já não é mais um espaço privilegiado
e inquestionável no discurso social. O propósito da análise de Foucault sobre a
emergência da organização formal – na época da Revolução Industrial e depois
dela – é mostrar como o “formal” foi construído a partir do “informal” mediante
os processos de disciplina e normalização. É significativo que o estilo do discurso
empregado por ele para elaborar a análise é “informal”; por exemplo, ao descre-
ver a “organização” como uma “tecnologia disciplinar”, Foucault vira de ponta-
cabeça o entendimento que o leitor moderno tem dela. O mundo normalizado
das instituições formais torna-se parte do lado grotesco da vida. De modo seme-

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332  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

lhante, o conceito de poder é revertido quando se é forçado a entendê-lo de uma


perspectiva “informal” ou auto-referencial. As visões formais de poder estão cen-
tradas em unidades formalizadas como “indivíduos” ou “organizações”, e somos
levados a pensar sobre o poder como uma espécie de propriedade que pertence
e é manipulada por essas unidades sociais. A perspectiva “informal” nos faz en-
xergar o poder como um sistema autônomo de compulsão que funciona por inter-
médio dos sistemas formais de disciplina e organização. Uma conseqüência disso
é que as próprias disciplinas da ciência social, como a psicologia e a sociologia,
tornam-se discursos formais que nos normalizam e anestesiam para os substra-
tos “informais” da vida humana. O pós-modernismo mostra que a organização
formal é a expressão sempre presente de um poder autônomo que se mascara na
forma de construções supostamente racionais de instituições modernas.
Essas considerações nos levam à observação geral de que há dois sistemas ra-
dicalmente diferentes de pensamento e lógica em funcionamento na confrontação
entre modernismo e pós-modernismo. Há uma certa razão para se acreditar que
eles são fundamentalmente irreconciliáveis, porque decorrem daquela ruptura bá-
sica na estrutura da lógica humana associada à distinção entre “formal” e “infor-
mal”, que foi exacerbada pela extensão ou o avanço da organização formal sobre
tantas facetas da vida humana. De fato, talvez convenha mais ver essas visões con-
correntes sobre sistemas organizados não tanto como posições conceituais concor-
rentes, mas como sintomas da problemática que elas visam analisar e entender.
É por esse prisma que devemos seguir nos próximos números da revista Organi-
zation Studies, quando tomaremos os trabalhos de Foucault, Derrida, ­Habermas
e Luhmann como alvo para uma exposição mais detalhada e sistemática do de-
bate entre modernismo e pós-modernismo no que tange a sistemas organizados.
Na vertente pós-moderna, Foucault e Derrida desferiram golpes profundos, à sua
maneira distinta, sobre os pilares tradicionalmente não questionados do moder-
no pensamento institucionalizado, centrando suas análises sobre o status organi-
zado e até mesmo manufaturado do discurso usado para sustentar esses pilares.
Do lado moderno, Habermas manteve-se rigoroso em suas críticas a Foucault e
Derrida, defendendo particularmente o conceito de agência humana crítica e res-
ponsável (que o pós-modernismo questiona) contra a instrumentalização maciça,
tipo-máquina, da vida social, pelos sistemas formais de grande escala; a resposta
de Luhmann ao avanço dos sistemas organizados, complexos, é mais benigna, por
ser ele o cartógrafo dos sistemas modernos, instrumentais, que com suas análises
nos mostra como conviver com eles. A importância desses quatro pensadores no
contexto atual está em seu contraponto das questões e dos conceitos que se en-
contram no coração do processo organizacional, porque eles lidam essencialmen-
te com os mesmos temas – diferenciação, poder, autoridade, disciplina etc. –, mas
produzem interpretações radicalmente diferentes a seu respeito. É essa rivalidade
agonística – por vezes patente, por vezes muda – que, em nossa visão, mostra a
relevância do debate entre modernismo e pós-modernismo para o fortalecimento
da análise dos sistemas sociais em geral e das organizações em particular.

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Modernismo, pós-modernismo e análise organizacional: uma introdução  333

Notas do tradutor
1
  Uma necessidade que se acredita estar subjacente.
2
  Aude sapere é a máxima dos alquimistas. É citada por Kant no prólogo de seu
livro Sobre a filosofia da história.
3
  Tradução do original economizing mode.
4
  Construir uma aura, que é uma essência.

Nota da Redação

Artigo traduzido e publicado sob o título: “Modernismo, pós-modernismo e


análise organizacional: uma introdução”, na RAE – revista de administração de
empresas, v. 46, n. 1, p. 87-101, jan./mar. 2006.

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15
Hora da verdade: condições e prospectos
para os estudos críticos de gestão*

Valérie Fournier
Chris Grey

Introdução

A década de 1990 presenciou o surgimento de uma nova conjunção dos ter-


mos “crítica” e “gestão” e até mesmo o nascimento de uma nova subdisciplina
cognominada “Estudos Críticos de Gestão” (ECGs) (Critical Management Studies-
CMS). Alvesson e Willmott (1992a) adotaram esse termo como título da coletânea
amplamente citada que eles organizaram e publicaram, tendo havido desde então
uma proliferação de publicações, várias conferências e redes acadêmicas devota-
das a discussões sobre “gestão crítica”.1 Ouvimos até o termo “criaturas estranhas”
(critters) usado para denotar o pessoal envolvido em gestão crítica – implicando
pelo menos a tentativa de construir uma identidade baseada nesse campo.
Embora, como veremos mais tarde, exista um leque considerável de manei-
ras com que se designe e é entendida a ligação entre “gestão” e “crítica”, parece-
nos, de fato, que sua proliferação efetiva merece análise. E devemos confessar
um interesse aqui: nós mesmos estivemos envolvidos, ainda que de forma rela-
tivamente menos significativa, nas tentativas de articular os estudos críticos de
gestão. Mas nosso propósito neste artigo não é, pelo menos não primordialmente,

*  Artigo originalmente publicado sob o título “At the critical moment: conditions and prospects
for critical management studies”, na Human Relations, v. 53, n. 1, p. 7-32, 2000. Publicado com
autorização da Sage Publications Ltd. Copyright The Tavistock Institute, 2006 & SAGE Publications,
2006. <www.sagepublications.com>

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336  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

levar avante essa causa. Ao contrário, queremos dar um passo atrás e tentar en-
tender de que modo a gestão crítica apareceu. De fato, temos alguma apreensão
e inquietude a seu respeito, de forma que esta é também uma oportunidade para
sermos um pouco críticos da própria gestão crítica.
Abordaremos três temas amplos neste artigo. Em primeiro lugar, discutimos
o surgimento dos estudos críticos de gestão: depois de apontar brevemente para
o fato de que a prática da gestão, desde os seus primórdios, sempre foi acompa-
nhada de uma certa crítica, esta discussão toma a forma de um delineamento das
condições que tornam a gestão crítica possível. Essas condições incluem a Nova
Direita e o Novo Trabalhismo (New Labour), a gerencialização;** a crise interna
da gestão; as mudanças na natureza da ciência social, como também fatores es-
pecíficos concernentes às escolas de negócios do Reino Unido. A segunda parte
do artigo trata com mais detalhe dos tipos de coisas a que se refere a palavra
“crítica”: apontamos para a pluralidade dos estudos críticos de gestão, enquanto
também identificamos alguns aspectos unificadores. Estes incluem a postura an-
tiperformativa e um compromisso com (alguma versão de) desnaturalização. Na
terceira seção principal do artigo, consideramos a política dos ECGs, dando aten-
ção especial aos debates entre o neomarxismo e o pós-estruturalismo e à questão
do envolvimento dos ECGs nas práticas de gestão – se devem se envolver ou não
e de que forma.

Surgimento dos estudos críticos de gestão

Desde que a gestão surgiu como uma prática social, no final do século XVIII
e início do século XIX (Pollard, 1968), ela esteve sujeita a vários tipos de crítica.
Por exemplo, nos idos de 1776, numa passagem famosa da Riqueza das nações,
Adam Smith argumentou que:

Dos diretores das empresas de capital por ações (joint-stock companies),


enquanto gestores do dinheiro alheio mais do que de seu próprio, não se
pode de fato esperar que cuidem desse dinheiro com a mesma vigilância
ansiosa com que os sócios de uma empresa de capital limitado (private
copartnery) com freqüência tomam cuidado do seu próprio (Smith, 1776
[1904], p. 233).

A evidência histórica das empresas de capital por ações no início do século


XVIII (Pollard, 1968, p. 25-6) confirma que a fraude deliberada e a incompetên-
cia respondiam por uma parcela significativa de suas falências.
Mant (1977, p. 9) argumenta que, no início do século XIX, o termo gestor era
usado freqüentemente em sentido pejorativo e, na melhor das hipóteses, a gestão
era vista como uma ocupação servil. Referindo-se a esse período, o autor de um
survey conclui que:

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Hora da verdade: condições e prospectos para os estudos críticos de gestão  337

A julgar pela literatura dos primeiros tempos, os gestores assalariados, isto


é, aqueles que se situavam no nível administrativo abaixo do empreende-
dor, eram em geral trabalhadores analfabetos, promovidos de suas fileiras
porque mostravam um nível maior de competência técnica ou porque ti-
nham habilidade de manter disciplina. De modo típico, eles recebiam um
salário apenas um pouco maior do que os trabalhadores comuns e com
muita freqüência eram atraídos à posição gerencial porque isso lhes dava
o poder de contratar suas esposas e filhos a trabalhar na fábrica (Wren,
1994, p. 45).

Naturalmente, do ponto de vista dos proprietários ou apologistas do capital,


a desonestidade e a ineficiência eram vistas em grande medida como um proble-
ma. Mas não faltaram críticas à gestão, especialmente a seu papel na disciplina e
controle do trabalho. De fato, muitos escritos sobre o processo do trabalho diziam
explicitamente respeito a isso (por exemplo, Marglin, 1974/1980). E, durante
todo o século XX, houve muitas tentativas de explorar e problematizar o crescen-
te poder social da gestão como uma prática e como um grupo ou estamento social
(por exemplo, Burnham, 1945; Mills, 1956; Enteman, 1993).
Considerando-se que a gestão está envolta, ou se confunde, com o poder
político e social, não surpreende que tenha sempre estado sujeita a alguma aná-
lise crítica. No entanto, de fato, foi somente na década de 1990 que se fez uma
tentativa de reunir essa análise, unificando-a sob um só nome: Estudos Críticos
de Gestão (ECGs). Obviamente, esse rótulo pode significar nada mais que ape-
nas um exercício de empreendimento acadêmico, parte explicável em termos de
marketing de idéias, parte em termos dos esforços individuais de construção de
carreira. No entanto, isso dificilmente explica a visível avidez com que alguns in-
divíduos e instituições abraçam a gestão crítica e, conforme argumentamos, dá
escassa atenção à questão mais interessante das condições sob as quais se tornou
possível a conjunção da crítica e da gestão. São essas as questões que exploramos
agora. Antes de fazê-lo, devemos deixar claro que não acreditamos que essas con-
dições “causaram” ou determinaram o surgimento dos estudos críticos de gestão.
Também não vemos que as diferentes questões identificadas por nós funcionem
independentemente umas das outras.

ECG, a Nova Direita e a gerencialização

Muito embora os ECGs tenham surgido no Reino Unido na década de 1990,


precisamos voltar um pouco no tempo, com certeza até os anos de 1980, para en-
tendê-los. Nessa década, sob a influência da política da Nova Direita (New Right),
a gestão tornou-se um tópico quente e, de acordo com alguns comentaristas, re-
alizou-se uma “segunda revolução gerencial” (Clarke; Newman, 1993). Uma das
bases racionais para o surgimento da legislação anti-sindicalista foi que ela res-
tauraria o direito do gestor de administrar. A eliminação de “restrições” abriria

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338  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

caminho para uma gestão eficiente e inovadora. Mas a preocupação da Nova Di-
reita com a gestão era mais profunda que isso. O setor público, em particular, tor-
nou-se o campo de um esforço maciço de gerencialização (Pollitt, 1993; Clarke;
Newman, 1997). Conduzida em nome da eficiência e da accountability, a geren-
cialização do setor público também pode ser lida ou entendida como um ataque
sustentado, embora nem sempre com êxito, às esferas do poder profissional e,
para muitos neoliberais, ao dogma socialista. Particularmente em relação ao go-
verno local, à educação e ao serviço social, a gerencialização tanto parecia tratar
de um projeto de reestruturação ideológica como de controle de custos.
A gestão foi enaltecida e até glamorizada de maneiras mais difusas também.
Os gestores eram vistos como detentores de algum insight especial que os quali-
ficava a falar com autoridade sobre um grande número de questões. Na educa-
ção, foram convocados os gestores individuais seniores para ajudar a construir o
Currículo Nacional, como também aconteceu no serviço de saúde com a recente
criação dos conselhos hospitalares de gestão. Embora esses desenvolvimentos
fossem muitas vezes vistos como “político-partidários”, no sentido de atraírem
simpatizantes conservadores, eles talvez tivessem uma maior importância onto-
lógica porquanto os gestores eram vistos como se tivessem um conhecimento pri-
vilegiado do mundo real. A gerencialização, inscrita nas técnicas de accountability
e simulação de mercado, se destinava a trazer o setor público para a realidade de
mercado, ao transformar o problema da prestação de serviços públicos em ques-
tões de calculabilidade e eficiência (por exemplo, “valor por dinheiro”).
Mas essas práticas não se restringiram às administrações conservadoras. O
Novo Trabalhismo (New Labour) tem a mesma crença tocante na competência
gerencial. Seus dirigentes deram continuidade aos processos de gerencialização
no setor público (em termos, por exemplo, de uma preocupação continuada com
a “qualidade” e as mensurações ou a convocação para a “modernização” – que
equivale à gerencialização – do governo local). Eles também tendem a ver que as
questões políticas são passíveis de solução “técnica”, mediante gestão por especia-
listas, uma propensão indicada pelo uso de executivos empresariais para presidir
comissões de revisões políticas, como as relacionadas com pensões; pela designa-
ção de David Sainsbury a status de ministro; pelo love affair com Richard Branson;
pela atribuição do poder de decidir sobre taxas de juros ao Banco da Inglaterra e
assim por diante. Assim, a Nova Direita e o Novo Trabalhismo uniram forças para
construir um status emblemático para a gestão, um status legitimado em bases on-
tológicas (os gestores como os sustentáculos do mundo real), epistemológicos (a
gestão como a personificação do conhecimento especializado) e morais (tornando
a gerencialização sinônimo de mais justiça, accountability, democracia e qualida-
de nos serviços públicos).
É o uso crescente da gestão como um “valor”,2 no domínio político, e o poder
gerencial cada vez mais ilimitado nos setores público e privado que constituem
a primeira parte dos fundamentos dos ECGs. Quando a gestão foi elevada a uma

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Hora da verdade: condições e prospectos para os estudos críticos de gestão  339

posição mais importante e visível, ela também se tornou objeto de atenção cres-
cente por parte daqueles que se interessam pela análise do trabalho e pelas orga-
nizações. Evidentemente, nem todo esse interesse crescente, nem mesmo a maior
parte dele, era de “natureza crítica”, e grande parte da análise da gestão realiza-
da nas décadas de 1980 e 1990 simplesmente reproduziu o status emblemático
da gestão. Por definição, dizer que a gestão está em ascensão é postular um en-
tendimento amplamente não crítico de seu valor. Mas, ao mesmo tempo, o en-
volvimento da gestão com mudanças altamente contestadas (por exemplo, com
a reestruturação do setor público, o downsizing, a reengenharia cultural) ofere-
ceu um campo fértil para uma apreciação mais crítica da gestão. Com certeza, a
gestão sempre podia ser lida ou entendida como uma prática política, em vez de
simplesmente como um conjunto neutro de técnicas administrativas, mas o status
da gestão no contexto da Nova Direita tornou isso muito mais visível.
Entretanto, a relação entre a gestão e a Nova Direita foi mais complexa do
que uma simples elevação do status da primeira por força da influência da segun-
da. Pois, ao mesmo tempo em que a gestão constituía solução para um conjunto
díspar de problemas e questões, ela mesma também se tornava um problema. Em
primeiro lugar, de uma maneira muito simples, ficou óbvio que a erosão dos direi-
tos dos sindicatos trabalhistas não abriu o caminho para uma nova era de eficácia
administrativa. De fato, ela pode muito bem ter eliminado apenas uma das des-
culpas que existiam anteriormente para a incompetência gerencial. Em segundo
lugar, como veremos na próxima seção, parece que a gestão caminhou para uma
espécie de crise interna, ao mesmo tempo em que ganhava proeminência.

A crise interna da gestão

O livro The collapse of the American management mystique, de Locke (1996),


ilustra bem essa crise. Enquanto as práticas de gestão nos EUA (que foram e são
o modelo de referência das práticas de gestão no Ocidente em geral) foram con-
sideradas responsáveis pela dominância dos Estados Unidos no pós-guerra, ­Locke
argumenta que se tornou cada vez mais claro que esse não era o caso. Especifi­
camente, ele sugere que, a partir de 1970, a gestão norte-americana passou a ser
considerada ineficaz frente à competição internacional e inferior à gestão na Ale-
manha e no Japão. A influência da niponização é, obviamente, bem conhecida
(Oliver; Wilkinson, 1992), e poder-se-ia argumentar que, em vez de indicar uma
crise de gestão, ela mostra como a gestão foi reconstituída de maneira que pelo
menos elevou seu prestígio e poder: a acusação de que a gestão ocidental não
conseguiu competir com as organizações japonesas tornou possível a dissociação
entre a gestão e a administração/burocracia. Assim, enquanto se demonizava o
“administrador burocrático”, pintava-se o gestor como uma figura mítica que co-
brava uma rara mistura de brilho carismático não passível de rotinização ou codi-
ficação em regras por meio de uma formação científica. Essa aura de mistificação

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e glória com que os gestores (da espécie certa) foram canonizados pela literatura
popular serviu para aumentar o poder e o status potenciais da gestão e proporcio-
nou um campo fértil para estudos críticos (por exemplo, Willmott, 1993; Du Gay
et al., 1996). Entretanto, a niponização também sinalizou o início de uma espiral
cada vez mais rápida de novidades e modismos (Kieser, 1997). Longe de nascer
como um conjunto estável, confiável e estabelecido de técnicas, o conhecimento
e a ciência gerencial mostraram-se fragmentados e instáveis. Para dizê-lo de uma
maneira diferente, se o sonho da gestão no pós-guerra era o estabelecimento de
uma ciência gerencial reconhecida, nas décadas de 1980 e 1990 esse sonho não
somente não se realizou, como também se revelou, de uma forma cada vez ób-
via, irrealizável.
Para os próprios gestores, essa talvez não tenha sido uma questão candente.
Mas, apesar disso, os modismos e as novidades das décadas recentes constituíram
uma arma poderosa nas mãos dos acionistas, gestores de fundos e consultores
para bater nos gestores. Os gestores sempre podem ser criticados por não ­estarem
suficientemente a par da última técnica e, sem a legitimação de uma base de co-
nhecimentos científicos, são vulneráveis a tais ataques. Entretanto, a falta de sta-
tus científico dos gestores provavelmente tenha sido mais problemática para os
acadêmicos do que para os próprios gestores, embora seja razoável afirmar – já
que os ECGs são basicamente um fenômeno acadêmico – que essa crise interna
da gestão é a segunda condição para a possibilidade de existência dos ECGs. Em-
bora, com certeza, ainda existam os que afirmem que o surgimento de uma ver-
dadeira ciência da gestão está prestes a ocorrer (Koontz, 1980; Kay, 1994), esta
tornou-se antes um clamor de fé de uma minoria do que uma expectativa ampla-
mente compartilhada. Uma visão mais cética sugere que “[...] o objetivo de uma
‘ciência da gestão’ integrada, coerente e relevante parece pelo menos mais distan-
te dos anos dourados da década de 1950” (Whitley, 1984, p. 331).
É o colapso da certeza e autoconfiança que torna os gestores e os pesquisado-
res de gestão, se não receptivos à crítica, pelo menos conscientes das deficiências
de sua própria base de conhecimento. Isso levou, como sugeriremos adiante, os
acadêmicos de gestão a alguns compromissos bizarros com idéias críticas.

Positivismo, funcionalismo e ciência social

O modo pelo qual o sonho gerencial de ciência fracassou se deve em parte


a uma questão maior, relacionada com o enfraquecimento da posição do positi­
vismo e do funcionalismo na ciência social. Sem meias palavras, essa é uma ques-
tão vasta e complexa, cujas implicações vão além do estudo da gestão. Pelo me-
nos desde a década de 1950, passou a se questionar a noção de que a ciência
social poderia ou deveria replicar as ciências naturais (em termos de metodolo-
gia e uso de leis e predições aplicáveis) (por exemplo, Winch, 1958). A posição
positivista sofreu mais um duro golpe com os desenvolvimentos ocorridos na fi-

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Hora da verdade: condições e prospectos para os estudos críticos de gestão  341

losofia da ciência e, de forma mais óbvia, com o trabalho de Kuhn (1962), que
problematizou o suposto objetivismo da própria ciência natural. Isso abriu cami-
nho para a “virada lingüística”, com um renovado interesse pela fenomenologia,
em especial depois da publicação de A construção social da realidade, de Berger
e Luckmann, em 1966. De maneira mais geral, essa obra pavimentou o caminho
para a fragmentação das ciências sociais numa série de perspectivas concorrentes
(Bernstein, 1976) e, finalmente, para o aparecimento da influência generalizada
do pós-modernismo.
Esses temas, que tangenciamos apenas de forma bem superficial (pois são
seguramente muito familiares), afetaram as ciências sociais em geral e a socio-
logia em particular. De um modo geral, o estudo da gestão e das organizações
inspirou-se nas tradições das ciências sociais, mas de uma maneira muito defa-
sada. Por exemplo, os métodos qualitativos só muito recentemente começaram a
conquistar uma certa legitimidade (Morgan; Smircich, 1980), mas se observa um
crescimento regular no envolvimento com a ciência social não positivista e, ainda
que um tanto retardatariamente, com o pós-modernismo (por exemplo, Hassard;
Parker, 1993). Embora a rejeição do positivismo não signifique automaticamente
um movimento em favor da crítica (da mesma forma que ser positivista não signi-
fica automaticamente estar desprovido de senso crítico) existe uma certa ligação
entre essas coisas. No mínimo, o reconhecimento da natureza socialmente cons-
truída dos arranjos sociais deixa bem evidentes a sua contingência e a possibili-
dade de sua reconstrução segundo diferentes linhas.

Reino Unido como fórum dos ECGs

O envolvimento com não-positivismo e com outros movimentos relacionados


a ECGs foram percebidos com muito mais vigor no Reino Unido (e em alguns ou-
tros países europeus) do que nos Estados Unidos, embora muitas condições do
neoliberalismo estivessem presentes em ambos os países. Impõe-se, então, consi-
derar algumas condições específicas do trabalho intelectual no Reino Unido. Em
primeiro lugar, pelo que parece, não são apenas os estudos sobre gestão que são
menos positivistas no Reino Unido: as ciências sociais em geral estiveram muito
mais abertas aos debates antipositivistas. Mas também é verdade que a sociologia
dos EUA continua a ser dominada pelos métodos positivistas e que a publicação
em revistas de ponta exige conformidade a essa orientação. Dado o rigor dos sis-
temas de estabilidade nas universidades, a capacidade para o desenvolvimento
da sociologia crítica fica limitada. Os mesmos argumentos se aplicam, talvez até
de uma forma vigorosa, no campo da gestão.
Além disso, há nos EUA relativamente pouca coisa em termos de uma tradi-
ção intelectual radical com base no marxismo, em contraste com a ciência social
européia e do Reino Unido. Em parte por razões políticas e culturais, em geral,
em parte por causa do impacto da guerra fria e do macarthismo, a Academia

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Americana, embora com certeza abrigue dissidentes, não abriu o mesmo tipo de
acesso a recursos críticos, prontamente disponíveis aos scholars de gestão, quan-
do estes começaram a desenvolver os ECGs. Um exemplo disso é a maneira como
a tradição weberiana foi utilizada na teoria organizacional dos EUA basicamente
em termos de planejamento organizacional normativo, e não em termos de críti-
ca da racionalização, à qual é freqüentemente associada no Reino Unido.
Portanto, argumenta-se que as escolas de gestão do Reino Unido tinham uma
tradição crítica pronta em que podiam se inspirar, o que não era tão verdadeiro
nos Estados Unidos. O ímpeto de se valer dessas tradições é também parcialmen-
te explicável em termos das condições específicas que prevaleciam no Reino Uni-
do. Um dos impactos da Nova Direita sobre as universidades britânicas foi o corte
drástico no financiamento das ciências sociais. Como no caso do gerencialismo,
isso ocorreu em parte por causa do corte de custos, mas também em função de
uma percepção de que os departamentos de sociologia eram antros de militância
esquerdista. Dadas essas circunstâncias, muitos aspirantes à carreira em ciências
sociais nos anos 1980 encontraram mais oportunidades de financiamento e de
trabalho nas escolas de gestão, mas trouxeram consigo um compromisso com
suas disciplinas de origem, complementando assim a fertilização cruzada que já
existia entre os estudos de gestão e a ciência social de base crítica. Deve-se dizer
que isso é mais evidente nas disciplinas organizacionais (por exemplo, Clegg;
Dunkerley, 1977) do que em outras, embora tenha havido, por outro lado, uma
florescente disciplina de contabilidade crítica, a partir dos anos de 1970, pratica-
mente pelas mesmas razões. Além disso, muitos estudiosos da gestão crítica estão
entre os pesquisadores mais produtivos, em termos de publicações em periódicos
acadêmicos tradicionais, e isso conferiu um impulso considerável à sua legitimi-
dade, quando essa medida de produção se tornou de importância fundamental
nos anos de 1990.
Além de um clima mais favorável a tradições críticas, houve outras circuns-
tâncias específicas particularmente auspiciosas para os ECGs no Reino Unido.
Nos Estados Unidos, já havia escolas de administração desde o final do século
XIX. No período que se seguiu ao fim da Segunda Guerra Mundial, houve uma
tentativa conjunta de recriar essas escolas como empreendimentos científicos ri-
gorosos e levar a pesquisa de gestão a um nível mais elevado (isto é, mais cientí-
fico) (­Locke, 1989, 1996; Thomas, 1997). Muitas escolas de negócios norte-ame-
ricanas tinham apenas um contato limitado com os departamentos de ciências
sociais. No Reino Unido, ao contrário, não havia escolas de administração até os
anos de 1960 – e, daí em diante, apenas duas (Whitley et al., 1981). Nos anos
de 1980, porém, a maior parte das universidades desenvolveu escolas de negó-
cios ou de gestão, a administração se tornou o curso de graduação mais popular
e a oferta de MBAs cresceu rapidamente. Esses desenvolvimentos refletiram um
panorama ideológico em mudança e uma visão daquilo que as universidades de-
veriam ser, e ofereceram a estas uma fonte alternativa de renda em face dos con-
gelamentos e cortes de despesas.

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Hora da verdade: condições e prospectos para os estudos críticos de gestão  343

Um dos efeitos dessa expansão foi criar uma demanda por postos de docência
a serem preenchidos, abrindo assim a possibilidade, referida acima, de cientis-
tas sociais encontrarem novo emprego nessas escolas. Mas há também a questão
de que essas novas escolas de negócios eram muitas vezes configuradas como se
fossem parte dos departamentos de ciências sociais, de tal forma que havia uma
razão muito grande para se inspirar nessas tradições.3 Quiçá de forma crucial, o
atraso na expansão das escolas de administração no Reino Unido tenha significa-
do que foi questionada a ortodoxia positivista dos anos de 1950 – que informara
o crescimento das escolas de negócios norte-americanas – de tal forma que as es-
colas de administração do Reino Unido se tornaram provavelmente mais capazes
de se nutrir de uma ciência social não positivista de um certo matiz.
É claro que não pretendemos pintar um quadro das escolas de administração
do Reino Unido como se fossem incubadoras de fervor revolucionário, ou como
se estivessem comprometidas, em geral, com uma ciência social não positivista.
Pelo contrário, a maior parte do trabalho de pesquisa empreendido nessas esco-
las se inspira em versões positivistas de economia ou psicologia, muitas vezes em
forma bem rude (Anthony, 1986). Os métodos quantitativos continuam a predo-
minar e, em termos ideológicos, há pouca dúvida de que prevalece uma orienta-
ção gerencial. De acordo com nossa opinião, assim como existiram pelo menos
algumas condições que indicavam um rumo diferente, da mesma forma – já que
as práticas de gestão, nos anos de 1980, assumiram um caráter duplo de pana-
céia e crise – houve estudiosos que tiveram (em parte por opção, em parte por
necessidade) interesse em gestão e estavam (por formação ou predisposição) in-
clinados à análise crítica.

O que é essa entidade crítica?

Até agora falamos como se o sentido de ser crítico fosse auto-evidente. E, de


certa maneira, ele é: em seu nível mais básico, estar engajado em estudos críticos
de gestão significa dizer que existe algo de errado com a gestão, enquanto práti­
ca e corpo de conhecimento, e que ela deve ser mudada. Mas isso não nos leva
muito longe, porque muito trabalho sobre gestão se conforma a essa definição4
sem ser crítico no sentido em que o são aqueles que subscrevem aos ECGs. Pare-
ce que na prática não temos dificuldade de distinguir um trabalho crítico sobre
gestão de um não crítico. Mas como? Que gramática ou que identificadores nos
permitem fazer essa distinção?
Uma resposta óbvia encontra-se na natureza e na pluralidade das tradições
intelectuais da ciência social, que são invocadas pela academia crítica de gestão.
Ela envolve uma grande amplitude de posições, incluindo o neomarxismo (teoria
do processo de trabalho, a Escola de Frankfurt da teoria crítica; a “teoria da hege-
monia” de Gramsci), o pós-estruturalismo, o desconstrucionismo, a crítica literá-

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ria, o feminismo, a psicanálise, os estudos culturais, o ambientalismo. Mais recen-


temente, abordagens como o pós-colonialismo e a teoria queer*** tiveram algum
impacto (por enquanto um tanto limitado) sobre os estudos de gestão. Portan­to,
os ECGs constituem-se (em parte) por um processo de inscrição numa rede de ou-
tras inscrições que servem para criar pontos de passagem obrigatórios em termos
de trabalho referenciado e vocabulário ou conceitos usados em análise.
Entretanto, o pluralismo teórico dos ECGs e o fato de que não há uma po-
sição “crítica” unitária significam que não existe uma única maneira de separar
o crítico do não crítico. Por exemplo, alguns teóricos do processo de trabalho
consi­deram que várias formas de pós-modernismo são incapazes de produzir crí-
tica real (por exemplo, Thompson, 1993). O trabalho psicanalítico e humanista
em geral pode julgar que sua contribuição oferece uma base para a crítica e a re­
forma, mas os pós-estruturalistas o consideram apenas disciplinar (Rose, 1989).
Por essas e outras razões, muitos dos que poderiam se identificar com os ECGs
rejeitam esse rótulo. Além disso, o termo “crítica” é empregado para articular
diferentes divisões. Para alguns, ele é reservado para os trabalhos que se ins-
piram na Escola de Frankfurt e se contrapõe à análise pós-moderna (Alvesson;
­Deetz, 1996), enquanto que, para outros, os estudos críticos de gestão são usados
(de uma maneira depreciativa) para se referir à análise pós-moderna (Anthony,
1998). No meio dessa confusão que tenta classificar diferentes trabalhos sob vá-
rios rótulos, devemos deixar claro que usamos o termo ECGs num sentido amplo,
com o objetivo de abarcar uma pluralidade de tradições intelectuais conflitantes,
inclusive alguns autores que rejeitariam o rótulo de ECGs. Apesar de o pluralis-
mo dos ECGs e a extensão da discordância quanto à inclusão sugerirem que não
existe uma forma decisiva de estabelecer fronteiras entre o trabalho crítico e o
não crítico, os limites aí estão, a despeito de tudo, traçados e reconhecidos que
são, por exemplo, pelos tipos de trabalho referenciados pelos autores. Sugerimos
que as fronteiras sejam demarcadas em torno de questões que se relacionem com
a performatividade, a desnaturalização e a reflexividade.

Propósito (não) performativo

A fronteira mais óbvia pareceria ser entre o trabalho de gestão que possui
uma intenção ou uma premissa performativa e o que não a possui. Uma intenção
performativa (Lyotard, 1984) significa aqui o propósito de desenvolver e valo­
ri­zar o conhecimento que contribui para a produção de produto máximo com
insu­mo mínimo; ela significa pôr o conhecimento a serviço do cálculo dos meios
e fins. O estudo não crítico de gestão é governado pelo princípio da performa-
tividade, que serve para subordinar o conhecimento e a verdade à produção da
eficiência. No estudo não crítico de gestão, a performatividade é tida como um
imperativo, que comanda todo o conhecimento e prática e dispensa questiona-
mento. Em outras palavras, o objetivo é contribuir para a eficácia da prática de

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Hora da verdade: condições e prospectos para os estudos críticos de gestão  345

gestão ou para construir um melhor modelo ou entendimento dela. A gestão é


tida como dada, e como tal desejável, e não é questionada, a menos que isso pos-
sa contribuir para uma eficácia superior. Já o trabalho crítico não é performativo
nesse sentido, muito embora possa ter alguma intenção de conquistar algo (por
exemplo, lograr um mundo melhor ou acabar com a exploração). Os ECGs ques-
tionam o alinhamento entre conhecimento, verdade e eficiência (um ponto a que
voltaremos em breve) e se interessam pela performatividade apenas na medida
em que ela procura descobrir o que está sendo feito em seu nome.
Uma forma pela qual se mediou a demarcação – entre o não performativo e
o performativo, o crítico e o não crítico – e que pode ser reconhecida, encontra-se
no léxico dos conceitos que são desenvolvidos nos diferentes estilos de trabalho.
Por exemplo, a invocação de noções como poder, controle e desigualdade expres-
sam, tipicamente, uma forma de abordagem crítica, enquanto eficiência, eficácia
e lucratividade não o fazem. É óbvio que muito depende de como os termos são
usados. Por exemplo, tanto um trabalho crítico quanto um não crítico pode se va-
ler de um conceito como gênero. Num trabalho não crítico, a questão poderia se
voltar para dominar a diversidade na busca de eficácia; nesse caso, as questões
de desigualdade de gênero são traduzidas como problemas de recursos desperdi-
çados; e a igualdade de oportunidades é promovida a partir de um fundamento
performativo (por exemplo, Davidson; Cooper, 1992). Enquanto o trabalho não
crítico considera o gênero como um repositório dado de diferenças, as perspecti-
vas críticas podem se concentrar sobre a construção ou produção das diferenças
de gênero e sobre o modo como as práticas organizacionais, inclusive as práticas
de igualdade de oportunidades, estão implícitas na reprodução das relações de
poder baseadas em gênero (por exemplo, Acker, 1992; Halfourd et al., 1997).
O exemplo do gênero introduz um outro marco de fronteira entre o trabalho
crítico e o não crítico; este se relaciona ao compromisso com a desnaturalização
que, em nossa visão, distingue os ECGs. Sugerimos que o que talvez una as pró-
prias contribuições díspares dos ECGs seja a tentativa de expor e reverter o traba-
lho da teoria de gestão dominante.

Desnaturalização

Se imaginarmos que a teoria de gestão do século XX esteve envolvida num


duplo movimento de construção de uma realidade e racionalidade organizacio-
nais, enquanto ocultava o processo de construção sob uma máscara de ciência
e “naturalidade”, podemos ver que os ECGs estão engajados num projeto que
visa desfazer esse trabalho, desconstruir a “realidade” da vida organizacional
ou a “veracidade” do conhecimento organizacional pela exposição de sua “não-
naturalidade” ou irracionalidade; os ECGs dizem respeito à “desnaturalização”
(­Alvesson; Willmott, 1996).

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Enquanto nas teorias de gestão dominantes se invoca vários “imperativos”


(como globalização, competitividade) para legitimar um curso de ação proposto
e sugerir (implícita ou explicitamente) que “não há outros caminhos”, os ECGs
estão comprometidos com o descobrimento das alternativas que o conhecimento
e a prática de gestão eliminaram. Quer sejam concebidos em termos de uma ideo­
logia que reproduz certas “ilusões dominantes” (Skillen, 1977), ou em termos
de discursos que são historicamente contingentes – os ECGs estão interessados
na proposição de que as coisas podem não ser o que parecem, mesmo que as ra-
zões dadas para isso difiram tanto ontológica quanto politicamente. Nos anos de
1970, quando Stewart Clegg e outros começaram a articular uma agenda crítica
para a teoria das organizações, eles assinalaram que:

Os nossos “temas” – sexismo, poder, desenvolvimento capitalista [...] ainda


não constam nos índices da maior parte dos textos dedicados ao estudo de
organizações. Esperamos remediar esse estado de coisas pela postulação
de que esta ausência é problemática (Clegg; Dunkerley, 1977, p. 2).

É esse interesse de registrar toda essa literatura que parece ligar muitos tex-
tos críticos sobre gestão, os quais, de outra forma, não pareceriam ter algo em
comum. Não resta dúvida de que esse interesse pode ser percebido de formas di-
ferentes. Em primeiro lugar, os críticos podem não concordar sobre o significado
relativo do que se escreveu – para alguns o mais importante pode ser dissociar gê-
nero de gestão; para outros, é a obliteração da classe. Em segundo lugar, alguns
críticos (em especial os marxistas, mas não só eles) argumentam que o que está
escrito é a realidade, enquanto outros (sobretudo os pós-estruturalistas) se con-
tentam em indicar que é possível reconhecer o sentido da gestão e das organiza-
ções de maneiras alternativas, sem conferir prioridade ontológica a esses enten-
dimentos. No entanto, sem o desejo de suavizar diferenças teóricas substantivas
(e voltaremos a essas questões um pouco adiante), parece-nos que estes projetos
têm mais em comum entre si do que com os relatos gerencialistas que supõem ou
procuram justificar as relações sociais e organizacionais existentes como se fos-
sem naturais e/ou inevitáveis.
Esse compromisso com a desnaturalização sugere que os ECGs não são uma
entidade estática. Eles estão sujeitos a mudanças e revisões constantes, tanto
em relação à amplitude das tradições e teorizações que invocam, quanto em
relação às mudanças na natureza do conhecimento e das práticas de gestão.
O compromisso dos ECGs com a crítica sobre a desnaturalização os coloca em
movimento permanente, pois a crítica tem que seguir as práticas que consti-
tuem seu alvo e haurir ecleticamente de uma pluralidade de tradições intelec-
tuais, para lançar e refinar seus ataques. Os ECGs envolvem crítica permanente
­(Deetz; Mumby, 1990), inclusive crítica de si mesmos, conforme implica sua
ênfase na reflexibilidade.

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Hora da verdade: condições e prospectos para os estudos críticos de gestão  347

Reflexibilidade

Isso nos leva a uma linha final de demarcação entre o trabalho crítico e o
não crítico: os ECGs poderiam ser diferenciados em termos da extensão de sua
reflexibilidade filosófica e metodológica. Não se trata apenas que os estudos de
gestão convencionais são positivistas, enquanto os ECGs não são, mas também
que raramente se argumenta e se faz a defesa explícita do positivismo que calça
a corrente dominante (ver Donaldson, 1996, sobre uma rara exceção). Em geral,
simplesmente supõe-se alguma versão (muitas vezes um tanto quanto fraca) de
positivismo, não se faz qualquer reflexão explícita sobre epistemologia e ontolo-
gia, e a discussão sobre metodologia limita-se a questões restritas de método e
técnica estatística (Ackroyd, 1996).

A política dos ecgs

Em seu nível básico, os ECGs são um projeto político, no sentido de que com
ele se almeja desmascarar as relações de poder em torno das quais se tece a vida
social e organizacional. Além disso, a noção de emancipação (Alvesson; ­Willmott,
1992b), em qualquer forma imaginada, figura de modo proeminente nas várias
tradições intelectuais que dão forma aos ECGs (sejam elas o feminismo, as teo-
rias neomarxistas, o pós-estruturalismo); existe um compromisso para libertar os
sujeitos individuais das relações de poder em que estão inscritos, inclusive sua
própria subjetividade (Knights; Willmott, 1989). Mas as formas em que essas
relações de poder devem ser concebidas, desvendadas e derrubadas constituem
assunto de muitas discussões dentro dos ECGs, discussões que espelham a frag-
mentação das ciências sociais em termos mais gerais.
Os ECGs estão lacerados pelas diferentes posições ontológicas e epistemoló-
gicas das várias tradições intelectuais em que eles se inspiram; mas é talvez no
nível político que essas diferenças se expressem de forma mais tenaz (não que se
possa separar a política da epistemologia ou da ontologia). Em vez de tentar es-
boçar um projeto político comum e evasivo, articulamos as questões em torno das
quais se combateu a política dos ECGs, especificamente a disputa entre realismo
e relativismo e entre engajamento e prática gerencial.

Realismo/relativismo

Talvez os argumentos mais acalorados coloquem em campos opostos o en-


tendimento materialista de poder, com base na análise marxista, e o entendi-
mento discursivo das relações de poder, que se inspira no pós-modernismo. Os
dois lados do debate foram bem ensaiados (conforme Thompson, 1993; Knights;
Vurdubakis, 1994; Thompson; Ackroyd, 1995 vs. Knights, 1995), e aqui ofere-

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cemos apenas um breve esboço da polêmica para se examinar suas implicações


políticas. Segundo a linha neomarxista, a análise pós-moderna5 é politicamente
inepta, irresponsável e perigosa; seu relativismo epistemológico e ontológico con-
duz inevitavelmente ao niilismo moral (Thompson, 1993). De acordo com este
argumento, quando o pós-modernismo considera que a linguagem constitui a
rea­lidade, em vez de refleti-la, ele reduz todas as experiências sociais – inclusive
as experiências de exploração, exclusão e dominação – a efeitos lingüísticos que
podem ser “desdesejados” pela troca dos recursos discursivos sobre os quais nos
inspiramos. A análise pós-moderna é acusada de ter qualquer vantagem crítica ou
política no sentido de que ela nega que as histórias de exploração sejam mais ver-
dadeiras, válidas ou reais do que as histórias construídas pelos abusadores do po-
der. Parker (1992) resume essa crítica ao sugerir que nos escritos pós-modernos:

Os problemas dos indivíduos (fictícios) em organizações (míticas) são


guardados em segurança atrás de uma parede filosófica, e seus gritos são
tratados como exemplos interessantes de discurso (Parker, 1992, p. 11).

Os autores mais simpáticos ao “pós-modernismo” (por exemplo, Knights,


1995), evidentemente, se defenderam dessas acusações. As refutações mais im-
portantes são, em primeiro lugar, que o dualismo entre o material e o discursivo,
invocado na crítica marxista, é falho e inválido, porque reduz (e interpreta errone-
amente) a noção pós-moderna de discurso para a linguagem. Argumenta-se que o
discurso refere-se tanto às práticas lingüísticas quanto às materiais, como ilustra
o trabalho de Foucault (1979), por exemplo. Em segundo lugar, para alguns escri-
tores, o relativismo epistemológico e ontológico do pós-modernismo oferece um
refúgio acolhedor contra as grandes narrativas totalizantes do modernismo crítico
(sejam elas a teoria crítica ou a teoria do processo de trabalho), que se propõem
apenas a substituir um tipo de absolutismo (performatividade) por outro, e cujos
discursos aparentemente emancipatórios podem ser, ou se tornar, uma forma de
dominação normalizadora e disciplinar (Willmott, 1994a, p. 115).
Gradativamente, porém, o debate foi se movendo para além dessas polariza-
ções, de forma que alguns escritores críticos procuraram construir ou reconstruir
uma forma de crítica que nem reafirma dogmaticamente o primado do realismo
neomarxista nem abraça a ironia estética e o niilismo moral de algumas versões
do pós-modernismo. A tentativa de cortar a ligação lógica entre o relativismo
epistemológico e o moral ou político serviu de motivo central para alguns escrito-
res procurarem reintroduzir na crítica algum grau de engajamento político (Will-
mott, 1994a; Parker, 1995; Grey, 1996a). Aqui, a interminável “luta contra”, que
a crítica permanente implica, é considerada insuficiente; ela deve ser engrande-
cida por algum compromisso com uma ordem “melhor” e alguma “micro-eman-
cipação” (Alvesson; Willmott, 1992b; Parker, 1995), por mais locais, pequenas e
modestas que essas visões possam ser. O desafio é encontrar “um espaço tempo-
rário e contingente para uma crítica radical de base ética” (Grey, 1996a, p. 593).
Deve-se dizer, entretanto, que outros argumentam que todas essas tentativas de

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Hora da verdade: condições e prospectos para os estudos críticos de gestão  349

reconciliar o relativismo epistemológico com certas visões morais são fúteis e hi-
pócritas (Carter, 1995; Jackson, 1995); a crítica permanente, inclusive a crítica a
toda promesse de bonheur (promessa de felicidade), é tudo o que podemos fazer,
diante do pós-modernismo, por mais penosa que essa limitação possa ser.
Essas várias polêmicas – entre neomarxistas e pós-modernistas, entre os que
procuram reconciliar o relativismo epistemológico com alguma forma de com-
promisso ético e os que argumentam em favor de uma crítica permanente – tive­
ram algumas implicações importantes, não apenas para articular as diferentes
políticas em que os ECGs podem se engajar, mas também no sentido de encorajar
um maior grau de reflexividade nos escritos dos ECGs. Esses debates levaram os
autores dos ECGs a questionar os fundamentos da crítica, seus direitos e capaci-
dade de fazer crítica, e os alertaram sobre a natureza paradoxal e até absurda de
sua posição como autores acadêmicos, condenados a fazer uma crítica que oculta
ou se apropria das vozes daqueles em cujo nome dizem que falam. Esses debates
certamente foram provocadores e serviram como esmeril para afiar a crítica (Pa-
rker, 1995, p. 562).

Engajamento versus desengajamento

Entretanto, há uma certa impaciência com esse debate; e há inquietudes no


sentido de que essa preocupação com os fundamentos e a “retidão” de nossa crí-
tica estão nos desviando do engajamento com as práticas e os participantes orga-
nizacionais (por exemplo, Anthony, 1998). O que nos leva a uma segunda linha
de tensão nos ECGs, que põe em campos separados os que gostariam de ver uma
crítica com orientação pragmática e os que são acusados de se comprazerem com
um elitismo intelectual. Os ECGs, e em particular sua versão pós-moderna, são
acusados de reduzir a crítica a algumas permutas obscuras entre intelectuais,
conduzidas a portas fechadas em encontros acadêmicos, onde os pesquisadores
podem desfilar sua crítica e ponderar sobre sua verossimilidade:

Que forma deve tomar essa educação necessária [do gestor] e qual deve
ser seu propósito? Essas questões, quando são pelo menos debatidas, são
apresentadas fora das agendas oficiais das escolas de negócios e de ges-
tão, fora do contexto próprio, em colóquios e seminários de público re-
duzido, mas de elite, que provavelmente não chegarão ao conhecimento
dos diretores e seus planejadores de programas. A natureza ligeiramente
sombria das discussões contribui para uma excitação perigosa em gran-
de parte porque elas estão cercadas por um consenso segundo o qual a
formação para a gestão não deve, de forma alguma, ser concebida como
algo útil, e que, portanto, o melhor seria que os empregadores dos parti-
cipantes desses encontros não estivessem a par dos assuntos tratados ali
(Anthony, 1998, p. 270).

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350  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

Há também uma preocupação de que – enquanto os escritores estão se tor-


turando sobre os termos de sua crítica e sobre sua própria posição em relação a
ela – o autor está deslocando o gestor ou o membro organizacional como alvo
de interesse. O problema da posição do autor no texto e as preocupações com a
reflexividade tenderam a privilegiar a voz do autor, enquanto os sujeitos da vida
organizacional são eliminados ou mantidos à distância pelo jargão esotérico em-
pregado (Clegg; Hardy, 1996). Assim, para alguns, os ECGs estão correndo o ris-
co de se dissociaram da gestão e das práticas organizacionais, de se tornarem um
fórum para o exercício de complacência acadêmica.
No entanto, em nossa visão, seria injusto e não corresponderia à verdade re-
duzir os ECGs a um certo intelectualismo obscuro, que se recusa a engajar-se em
algo mais que intercâmbios herméticos consigo mesmo.6 Por certo, pode muito
bem ser necessário que haja um período inicial de debate interno entre acadêmi-
cos como um prelúdio para o desenvolvimento de formas mais engajadas de prá-
tica. Além disso, e contrariamente a Anthony (1998), houve um debate aberto e
vigoroso sobre como os ECGs podem e devem informar a educação para a gestão
(e. g., Willmott, 1994b; Grey; Mitev, 1995; French; Grey, 1996; Grey, 1996b; Rey-
nolds, 1997; Thomas, 1997), que, afinal de contas, é a arena mais imediata em
que os ECGs poderiam influenciar a prática de gestão. E não há dúvida, a partir
dessa literatura, de que muitos dos acadêmicos críticos de gestão estão desenvol-
vendo ativamente práticas de ensino que são congruentes com o projeto crítico.
Com certeza, há cismas aqui com Grey e Mitev (1995), que argumentam em fa-
vor de uma dissociação total entre a formação gerencial e os gestores. Mas, como
indica Thomas (1997), é improvável que se consiga realizar isso em curto prazo,
e a maior parte da literatura procura identificar uma conciliação entre “pragma-
tismo” e “purismo”. Nesse sentido, os debates sobre a educação do gestor são um
subconjunto das questões mais amplas que tratam dos ECGs. Aqui, pintamos um
quadro polarizado e caricatural de duas posições em conflito, reconhecendo que
poucos abraçariam uma delas com entusiasmo; pelo contrário, como malabaris-
tas, eles trabalhariam de modo desconfortável com as duas.
De acordo com a primeira posição, os ECGs devem contribuir para a pro-
moção e o desenvolvimento de formas mais humanas de gestão; desse ponto de
vista, os ECGs não são “antigestão”, mas almejam antes transformá-la, promover
formas menos irracionais e socialmente desagregadoras de teorias e práticas de
gestão (por exemplo, Watson, 1994; Alvesson; Willmott, 1996; Grey, 1996b; An-
thony, 1998):

[A teoria crítica – TC] não é inerente ou implacavelmente “antigestão”. O


propósito da TC não é ser complacente com o projeto utópico de eliminar
a hierarquia, de remover as divisões especializadas de trabalho ou até de
abolir a separação entre a gestão e as outras formas de trabalho. Ao contrá-
rio, sua aspiração é fomentar o desenvolvimento de organizações em que
as comunicações (e o potencial produtivo) sejam progressivamente menos

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Hora da verdade: condições e prospectos para os estudos críticos de gestão  351

distorcidas pelas relações de poder socialmente opressivas e assimétricas


(Alvesson; Willmott, 1996, p. 18).

Embora exista alguma controvérsia sobre os termos em que a gestão pode ou


deve ser transformada, há uma ênfase compartilhada acerca do engajamento no
diálogo com os praticantes da gestão e os teóricos da corrente dominante (Watson,
1994; Anthony, 1998). De acordo com essa linha de argumentação, a gestão está
envolta ou envolvida em decisões, atividades e relações morais e os gestores devem
receber educação moral. Entretanto, pelo menos para alguns (por exemplo, An-
thony, 1998), essa educação moral deve suspender a crítica ou a pregação de valo-
res emancipatórios e adotar um entendimento amistoso sobre a prática de gestão:

Se as relações morais estão imersas no processo de gestão, temos que apren­


der com aqueles que a praticam. Isso sugere que se deve envolver num
intercâmbio [...] esse intercâmbio depende do sancionamento de quem
aprende tanto quanto da autoridade de quem tem o conhecimento (An-
thony, 1998, p. 279).

A segunda posição adotada pelos ECGs prega um desengajamento mais ou


menos total em relação à prática de gestão. Aqui, a verdadeira força e integrida-
de da política dos ECGs está na recusa de se engajar em conversações amistosas
ou de propor “melhores modelos de gestão”. Segundo este argumento, a gestão
é irremediavelmente corrupta, já que sua atividade está inscrita nos princípios
performativos que os ECGs tentam desafiar. Assim, os ECGs são expressamente
“antigestão”: sua tarefa não é reformar a gestão numa atividade com disposição
mais humana ou ética, mas solapá-la (e talvez, em última análise, ainda que inge­
nuamente, removê-la do pedestal) por meio da crítica. O principal ponto desta
crítica talvez seja chocar, provocar e ser ofensivo, ou “urinar na praça” (Burrell,
1993). Essa relutância de dialogar com os gestores ou com os pesquisadores da
corrente dominante de gestão não é uma marca de esnobismo intelectual, mas
um ato político: “o diálogo é a arma do poderoso” (Burrell, 1996, p. 650) e o in-
tercâmbio com os profissionais e teóricos da gestão traz consigo o risco de cor-
romper a crítica, porque os conceitos e os interesses dos ECGs são apropriados
pelo olhar performativo daquilo que Burrell (1996) chama de OTAN ou NATO
(North American Theory of Organization). Teme-se que o engajamento – longe de
oferecer uma potencialidade para deslocar a ortodoxia – transforme os ECGs em
apenas mais um “kit de ferramentas” para os gestores, que, equipados com um
melhor entendimento das relações de poder nas organizações, possam com ele
empregar recursos discursivos para ampliar sua dominação com a legitimidade
adicional e os credos intelectuais fornecidos pela referência aos teóricos de ponta
de Frankfurt ou Paris:

Os gestores que no presente exercem o controle das organizações têm in-


teresse de preservar as relações hierárquicas correntes. Na medida em que

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352  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

aprendem ou sabem mais sobre como o discurso funciona como fonte de


controle, mais aumentam suas habilidades de distorcer a comunicação
para legitimar e promover suas próprias vantagens dentro das organiza-
ções. De fato, a ciência social crítica pode ser especialmente útil nesse sen-
tido (Nord; Jermier, 1992, p. 214).

Mesmo que a posição “antiengajamento” identifique corretamente os perigos


de colonização, ela parece supor que a “administração” está unida numa conspi-
ração contra o “administrado”. Esse pressuposto despreza as várias divisões (or-
ganizacionais e sociais) que fragmentam a “gestão” (Parker, 1997) e que podem
aproximar alguns gestores, mais que outros, das asserções emancipatórias dos
ECGs. Com certeza seria incorreto imaginar os gestores como um grupo homogê-
neo, e existe o perigo de que os ECGs, ao considerarem os gestores dessa forma,
simplesmente projetem tudo o que é “mau” sobre eles. Agir dessa maneira, no en-
tanto, significaria ignorar não só a heterogeneidade dos gestores como também o
fato de os próprios gestores serem administrados (Watson, 1997) e a capacidade
de agência moral dos gestores (Watson, 1994).
Embora os últimos comentários pareçam sugerir que se prefere o engajamento
ao desengajamento, permanece a verdade de que o engajamento coloca alguns di-
lemas reais. Ele se presta de pronto para o uso ou destinação de recursos dos ECGs
para se descobrir uma “melhor gestão”, ainda que de forma modesta. Os ECGs, ou
simplesmente o termo “crítica”, estão sendo cada vez mais invocados como uma
espécie de nova abordagem aos estudos de gestão e estão sendo utilizados com
pouca atenção às complexidades ou intenções de suas bases teóricas. Poderíamos
ser acusados, talvez até com certa justiça, de admitirmos que existe uma linha en-
tre o que é “realmente” crítico e o que é “pretensamente” crítico. Muito embora
exista algum fundamento para isso, esta separação é secundária para o nosso pro-
pósito, mais analítico: não há um interesse e um sentido para que o caráter crítico
seja invocado dessa maneira?
Para mostrar um pouco dessa “infiltração” do conceito de “crítica” na gestão
convencional, dominante, considere-se a conferência de 1996 da British Academy
of Management (BAM). Ela alardeou, pela primeira vez, uma corrente de “pen-
samento crítico” que incluía, entre outras coisas, vários artigos que examinavam
a eficácia do desenvolvimento gerencial com base em competência e NVQs (Na-
tional Vocational Qualifications). Um artigo visava esclarecer a academia sobre as
maneiras pelas quais “as qualificações vocacionais de gestão podem estimular o
desenvolvimento de habilidades transmissíveis por meio de uma aprendizagem
experimental” (Bedward; Rexworthy, 1996). Um outro artigo se propunha a “dis-
seminar a melhor prática na educação de graduação” com base nas constatações
do teste de Auditoria da Qualidade do Ensino (Teaching Quality Audit – TQA)
(Gennard; McKiernan, 1996).
Segundo os termos das questões de performatividade, desnaturalização e re-
flexividade, que identificamos anteriormente como indicadores dos ECGs, é difí­

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Hora da verdade: condições e prospectos para os estudos críticos de gestão  353

cil de encontrar muita coisa crítica nesses artigos. Além disso, é notável como se
tornou lugar-comum invocar a aura do pós-modernismo de uma maneira que
tem pouca semelhança com o trabalho de, digamos, Baudrillard, Lyotard ou Kris-
teva. Por exemplo, um dos artigos da BAM de 1996 afirmava que Mintzberg,
Peters e Ohmae representam “posições teóricas pós-modernistas”, que servem
para reconceitualizar a gestão estratégica como uma fusão engenhosa de ações
espontâneas e caóticas (Joyce; Woods, 1996). Um outro artigo inspirou-se numa
análise pós-estruturalista da linguagem para sugerir que os gestores devem aper-
feiçoar sua prontidão mental e o uso da linguagem para desenvolver seu enten-
dimento cultural (Tietze, 1996).
Podemos esperar que esse desenvolvimento ainda modesto dos conceitos e
recursos teóricos dos ECGs se torne mais difundido na medida em que a pressão
para publicar e construir reputação acadêmica atraia os pesquisadores de gestão
convencional em maior número para esses recursos relativamente “inexplora-
dos”. Por sua vez, é provável que isso leve, pelo menos até certo ponto, a uma sua­
vização dos conceitos críticos e dos projetos emancipatórios dos ECGs, como já é
evidente, por exemplo, nas tentativas de se reivindicar uma reconciliação entre o
marxismo e os estilos pós-burocráticos de gestão (Aktouff, 1992), ou nos livros-
texto sobre pós-modernismo e gestão (por exemplo, Boje et al., 1996).
Enquanto a questão da desejabilidade e da possibilidade do engajamento
com a prática gerencial continua a ser uma das principais clivagens nos ECGs, tal-
vez valha a pena concluir que boa parte do debate foi conduzida de uma manei-
ra particularmente tendenciosa. Pois o engajamento é tipicamente apresentado
como se fosse da gestão (daí os temores de corrupção etc.). No entanto, os ECGs
mal começaram a considerar os engajamentos com o administrado,7 com os sindi-
calistas, com os grupos de mulheres e assim por diante, que poderiam constituir
uma clientela mais óbvia para esse empreendimento. Quebrar a ligação entre os
estudos de gestão e a gestão não precisa implicar o tipo de intelectualismo auto-
referenciado e hermeticamente selado que Peter Anthony e outros criticaram.

Conclusão

Descrevemos os ECGs como um domínio fragmentado e esquivo, fraturado


por múltiplas linhas divisórias, que em grande medida reproduzem de maneira
mais geral as divisões existentes nas próprias ciências sociais. Importa enfatizar
que não vemos essas divisões como demarcações de “campos” claros ou de posi-
ções fixas dentro dos ECGs, mas antes como linhas definidoras de um movimen-
to, como argumentos e alianças instáveis que constituem o próprio caráter crítico
dos ECGs, pois são essas polêmicas que dão azo à dúvida, ao questionamento e
à reflexão que alimentam e sustentam a crítica. Sugerimos também que, assim
como há argumentos substantivos em jogo, entre os diferentes tipos de posições

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de ECGs, também é possível ver que essas diferenças são menos importantes do
que as que existem entre os ECGs e a gestão sem crítica. Com certeza, se os ECGs
devem ter algum futuro como “movimento” – se é isso o que se espera –, então
seria mais importante criar alianças entre marxistas e pós-estruturalistas (para ci-
tar a principal clivagem) do que se pôr tudo a perder com altercações recônditas
sobre as diferenças.
Terminamos a seção anterior com o exame do significado político dos ECGs, e
é a essa questão que retornamos agora. Nossa análise indicou que os ECGs estão
numa situação difícil. Para resumir: devemos guardar nossa crítica para nós mes-
mos e simplesmente gozar o prazer estético que o ato de escrever criticamente
pode nos proporcionar (ou sofrer em silêncio por nossa incapacidade de fazer a
diferença)? Ou devemos defender a causa dos oprimidos com o risco de contri-
buir ainda mais para sua dominação, ao permitir que nossa crítica seja apropria-
da e traduzida em “conhecimento performativo”?
Nenhuma dessas alternativas parece particularmente atraente, nem compatí-
vel com o projeto de caráter emancipatório dos ECGs. Mas, até certo ponto, pode
ser necessário que os ECGs simplesmente aceitem esta tensão irreconciliável, que,
num certo sentido, é um aspecto inevitável de todos os esforços políticos poten-
ciais. Além disso, essa não é uma escolha que nós (autores acadêmicos) temos
o poder de fazer – porque enquanto nós nos comprazemos com o debate dessas
questões, outras pessoas “lá fora” estão ocupadas com a mensuração do gênero,
do “verde”, do poder, da cultura etc., e com a articulação dessas novas contin-
gências para a produção de maior lucro, ou “valor por dinheiro”. E, pela mesma
razão, há também muitas pessoas “lá fora” que se interessaram pelas condições
de opressão, exclusão e dominação, por muito mais tempo do que nós, e que ex-
pressaram suas inquietudes de uma forma mais incisiva do que jamais consegui-
remos – de sindicalistas a feministas, a movimentos de homossexuais, a ativistas
negros e até a gestores. Tudo o que podemos fazer talvez seja garantir que essa
cacofonia – que a teoria de gestão dominante tratou como irrelevante para a aná-
lise das organizações ou como um conjunto de recursos e de restrições para a bus-
ca da performatividade – seja ouvida pelos estudantes de gestão, “não distorcida”
pelo propósito performativo (daí a importância particular da educação do gestor
para os ECGs). Assim, para retornar a um ponto que já defendemos antes, temos
que libertar a noção de engajamento da camisa-de-força em que foi envolvida pe-
los debates que promoviam ou recusavam o diálogo com os gestores, e imaginar
novamente o engajamento em termos de uma clientela organizacional maior.
Mas uma questão permanece em aberto: será que esse projeto requer ou é
compatível com a publicação de estudos críticos sobre gestão enquanto um espa-
ço ou “fórum” a partir de onde se pode formular e emitir críticas? Se a crítica está
sempre em movimento, pode muito bem ter chegado a hora de ela partir do lar
temporário em que o rótulo dos ECGs a abrigou. Como sugerimos anteriormente,
o rótulo da “crítica” parece que é agora usado de uma forma eclética para incluir

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Hora da verdade: condições e prospectos para os estudos críticos de gestão  355

ao mesmo tempo o trabalho que se orienta pelos termos performativos como o que
não dá atenção à teoria social sobre a qual se fundamentam os ECGs. Ao teste-
munhar o espetáculo da apropriação da “crítica” de uma forma tão extensiva que
seu sentido se torna indistinguível daquele que anteriormente era alvo da crítica,
fica-se tentado a considerar que o rótulo dos Estudos Críticos de Gestão já não se
sustenta mais. Entretanto, rótulos à parte, apesar de todas as dificuldades que a
acompanham, não gostaríamos de abrir mão da crítica, como um esforço que vale
a pena na gestão.

Notas
1
  Em 1996, a British Academy of Management Conference dedicou seu encontro
anual a uma abordagem crítica da gestão, e fez o mesmo em 1999. Em 1998, a
American Academy of Management Conference ofereceu um workshop sobre es-
tudos críticos de gestão e um simpósio sobre educação crítica de gestores, tam-
bém com o propósito de repeti-los. Desde 1995, há uma rede de estudos críticos
de gestão por e-mail. Também há uma série de seminários do ESRC [Conselho de
Pesquisa Econômica e Social], a cada dois anos, sobre educação crítica de gesto-
res. Há um mestrado (Master of Philosophy – Mphil) em Estudos Críticos de Ges-
tão na Universidade de Lancaster, uma disciplina de Estudos Críticos de Gestão
na Universidade de Derby e outros programas com conteúdo crítico, mesmo na
ausência do título. Temos conhecimento de pelo menos um doutorado (Ph.D.) em
andamento sobre o fenômeno dos estudos críticos de gestão. Em 1999, realizou-
se na Universidade de Manchester a I Conferência de Estudos Críticos de Gestão.
2
  A elevação da gestão como técnica ao status de valor já é, naturalmente, há
muito tempo, um interesse central na literatura crítica inspirada na tradição we-
beriana (por exemplo, Ritzer, 1996), onde esta visão foi considerada como um
dos mecanismos a possibilitar que a racionalidade formal e a busca de soluções
técnicas acabassem deslocando a racionalidade substantiva.
3
  Como foi observado de forma proveitosa por um dos avaliadores anônimos
deste artigo, também é digno de nota que as escolas de negócios e gestão no Rei-
no Unido não foram somente integradas (frouxamente) com as ciências sociais,
como também dependeram menos de patrocínios comerciais do que suas contra-
partes norte-americanas. Além disso, não houve o mesmo nível de intercâmbio
entre os estudiosos e os profissionais e os formuladores de políticas no Reino Uni-
do e seus equivalentes em outros países europeus.
4
  Grande parte da literatura gerencialista recente é extremamente “crítica” da
gestão; os gestores são pressionados a se converterem e ouvem que será neces-
sária nada menos que uma revolução se eles quiserem pilotar “organizações ven-
cedoras” ou permanecer na corrida pela excelência. Embora se deva ver a decla-
ração de uma crise em gestão e a defesa de uma “revolução” como parte de um

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356  Teoria das Organizações  •  Caldas e Bertero

negócio lucrativo para esses autores/consultores, continua sendo verdade que a


simples apresentação de uma crítica à gestão não garante em si a conquista de
um espaço no “campo” dos ECGs.
5
 Nesse tipo de debate, aqueles que assumem (mais ou menos) uma posição
realista tendem a usar o termo pós-modernismo num sentido bastante amplo,
quando comparados a seus rivais, que com freqüência fazem uma distinção en-
tre pós-modernismo (Baudrillard, Lyotard, Kristeva) e pós-estruturalismo (Fou-
cault, Derrida).
6
  Vale a pena também ressaltar que não são apenas os ECGs, com seu engaja-
mento no pós-modernismo, que atraem essas acusações. Até mesmo o realismo
da análise do processo de trabalho – que supostamente tem maior robustez políti-
ca – tem sido reiteradamente criticado como obscuro, elitista e incapaz de “fazer
a diferença” (por exemplo, Jones, 1994).
7
  Reconhecemos que é problemático traçar uma linha divisória entre “gestores”
e “geridos”, não apenas porque os administradores também são administrados,
mas também porque na última década eles estiveram cada vez mais sujeitos às
mesmas formas de “gerenciamento do trabalho” na condição de “trabalhadores”
(redundância, intensificação do trabalho etc.). No entanto, queremos chamar a
atenção para o fato de que o debate foi conduzido principalmente em termos de
engajamento com a “gestão” e tornou obscuras as formas de engajamento com os
outros grupos de interesse representados nas organizações.

Notas do tradutor

  Anti-performative stance: trata-se de uma postura contrária à idéia de que a


(*)

melhoria do desempenho é uma idéia-chave de gestão.


  Managerialization tem a conotação de se aplicar práticas de administração
(**)

privada ou de empresas à gestão do setor público. No Brasil, tais práticas foram


designadas como a adoção de práticas gerenciais do setor privado para a admi-
nistração pública, em contraste com o sistema funcional burocrático que predo-
mina em nossa administração direta.
  Queer theory. A palavra inglesa queer traz à mente a idéia de homossexuali-
(***)

dade. Dessa forma, o termo queer theory surgiu por derivação dos estudos de gê-
nero, os quais por sua vez tiveram origem no pensamento feminista da segunda
metade do século XX. Mais amplamente, queer significa “coxo”, “torto”, “fora das
regras” ou simplesmente “desviante”. Neste texto, pode significar uma das bases
dos ECGs que, juntamente com as demais, se afastam das teorias dominantes no
campo da gestão.

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Hora da verdade: condições e prospectos para os estudos críticos de gestão  357

Nota da Redação

Artigo traduzido e publicado sob o título: “Na hora da crítica: condições e


perspectivas para os estudos críticos de gestão”, na RAE – revista de administração
de empresas, v. 46, n. 1, p. 71-86, jan./mar. 2006.

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