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RESUMO:
Este artigo apresenta uma experiência realizada com estudantes de Licenciatura em Artes
Visuais no Instituto de Artes/UNESP, na disciplina de Prática de Ensino em Artes Visuais III,
na qual foi apresentado um recorte de uma pesquisa de doutorado sobre imagens em
museus e exposições de história, recorte este com foco na discussão sobre a Abordagem
Triangular para além do ensino da arte. A partir de uma metodologia construída desde a
própria Abordagem Triangular propusemos um exercício que não só tratasse da pesquisa
em si, como também propiciasse reflexões acerca da pertinência desta Abordagem. O
processo é apresentado aqui, bem como nossas análises e reflexões.
ABSTRACT:
This article presents an experience done with Visual Arts Degree students at the Art
Institute/UNESP in the Teaching Practices in Visual Arts III class in which was presented a
part of one doctoral research about images at History museums and exhibitions, focusing in
the discussion about Triangular Approach beyond art education. From a methodology
conceived since the own Triangular Approach, was proposed an exercise that it was not only
the research itself, but also propitiated reflections on the relevance of this approach. The
process is presented here as well as our analyzes and reflections.
2 A proposta
Como falar de uma pesquisa, como explicá-la? Uma pesquisa que se coloca a
favor de um processo de educação emancipadora no sentido rancieriano do termo,
que se propõe, desde sua escrita, a uma mediação dialógica, então, a explicação
como se fosse uma palestra, parecia uma forma contraditória de resolver este
1
BARBOSA, 2012, p. XXVII.
problema. Como dito por Jacques Rancière (2011, p. 23): “explicar alguma coisa a
alguém é, antes de mais nada, demonstrar-lhe que não pode compreendê-la por si
só”.
Assim, na busca por inverter a lógica explicadora, pensamos na proposta de
conversar sobre a pesquisa utilizando estratégias de mediação. Optamos, então, por
destacar uma questão que estava latente naquele momento: o uso da Abordagem
Triangular nas leituras de imagens no contexto do ensino de História, especialmente
na relação museu/escola e mais particularmente ainda, se considerarmos os
museus e exposições de história, local onde é possível destacar a expectativa de
muitos professores por “ver a história” (ALENCAR, 2014). Assim, foi construída uma
estratégia metodológica que propõe o uso da Abordagem Triangular para conversar
sobre a pesquisa e sobre a própria Abordagem.
Foi proposta a leitura de duas imagens, duas pinturas que representam dois
eventos distintos, a primeira muito conhecida no contexto da cultura visual brasileira,
e a segunda menos conhecida. De modo que, utilizando a Abordagem Triangular na
aula, para falar sobre a pesquisa pudéssemos exercer uma mediação construtivista
(DARRAS, 2009) e não apenas uma explicação/palestra, além disso, era nossa
intenção que a utilização da Abordagem Triangular como meio pudesse ser
percebida no decorrer ou ao fim do processo, e também fosse objeto de reflexão.
É importante lembrar que a pesquisa também se propõe a problematizar a
relação imagem/história, assim também era uma provocação (re)pensar as pinturas
históricas no contexto do ensino da arte, para que elas possam ir além de uma
categorização da História da Arte, ou vistas como representações de fatos a serem
reforçados ou contestados.
Após a leitura e discussão das imagens, os alunos teriam que, em grupos,
produzir uma narrativa visual e, como num jogo, determinadas regras deveriam ser
seguidas, como será explicitado mais adiante.
Apesar da imagem do triângulo, e seus vértices, destacamos aqui que ver,
fazer e contextualizar não são momentos estanques ou sequenciais, ainda que
estejamos trabalhando com imagens da história, não é apenas o contexto da
imagem que nos importa e ele não é um a priori na leitura, da mesma forma que
contextos surgem com a leitura, eles também ampliam as camadas do ver, assim
como o fazer será entendido não apenas como uma prática manual, mas também
como construções reflexivas e produções de conhecimento. Como dito pela
professora Ana Mae Barbosa:
Hoje a metáfora do triângulo já não corresponde mais à estrutura
metodológica. Parece-nos mais adequado representá-la pela figura
do ziguezague, pois os professores nos têm ensinado o valor da
contextualização tanto para o fazer como para o ver. O processo
pode tomar diferentes caminhos /CONTEXTO\FAZER/ CONTEXTO\
VER ou VER/CONTEXTUALIZAR\FAZER/CONTEXTUALIZAR\ ou
ainda FAZER/CONTEXTUALIZAR\VER/CONTEXTUALIZAR.
(BARBOSA, 2012, p. XXXIII).
3 A ação
Iniciamos com uma reprodução da conhecida tela de Pedro Américo,
Independência ou morte!. Esta imagem foi selecionada porque um dos locais do
estudo de campo da pesquisa mencionada foi o Museu Paulista/SP, onde esta tela é
a principal atração; a exposição, bem como o roteiro de visita elaborado pelo Serviço
de Atividades Educativas do museu, na qual foram realizadas as observações é a
que esta pintura pertence, exposição criada por Affonso Taunay, que dirigiu o Museu
Paulista entre 1917 e 1945, para comemorar o centenário da Independência. Taunay
construiu uma narrativa visual para contar uma versão da história do Brasil que
incluía, dentre outros elementos, a figura do bandeirante paulista como herói
desbravador e o fato da Independência ter acontecido no bairro em que se situa o
museu, o Ipiranga, considerando ainda que o edifício do museu inicialmente fora
construído para ser o memorial da Independência. A exposição concebida por
Taunay, tem seu final no salão onde a tela já estava desde a inauguração do museu
ao final do século XIX. Além disso, verificamos que esta é uma das pinturas
históricas brasileiras mais reproduzidas em livros didáticos e outros materiais de
propaganda do museu.
Figura 1 – Pedro Américo. Independência ou morte!. 1888. óleo s/ tela, 415 x 760 cm. Museu Paulista
2
Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Independence_of_Brazil_1888.jpg>, acesso em 30
ago. 2015.
que está em posição hierárquica e dominante em relação aos outros dois grupos
representados, o dos soldados que chegam e o dos que assistem a cena: o tropeiro
e o sujeito a frente do carro de bois. Neste caso, a contextualização a partir dos
conhecimentos prévios teve papel relevante no processo de leitura e de produção de
sentido, aliás como em grande parte das outras leituras. A palavra mentira, outro
exemplo, carrega consigo uma leitura crítica da pintura e também de seu contexto,
leitura esta produzida no final do século XX, quando uma onda de criticidade chegou
não só às salas de aula como foi também divulgada pela cultura televisiva, com
programas de TV e minisséries questionando, criticando e, até mesmo, debochando,
da cena criada por Pedro Américo.
No decorrer da apresentação das justificativas para as escolhas das sínteses,
uma estudante modificou sua palavra, que inicialmente era choque e passou a ser
sítio, justificando que após observar a imagem com cuidado a paisagem lembrava a
chácara do avô, com uma casinha no fundo. Percebemos aqui uma deliberada
tentativa de se afastar das leituras preconcebidas e que pode nos remeter a
seguinte questão: Seria uma leitura deste tipo menos importante que as demais?
Como a associação à infância pode ser utilizada num processo de leitura para o
ensino e aprendizagem da Arte ou da História? Não poderíamos sair do conteúdo da
“História do Brasil”, que muitos concordam não ser esta tela uma verdade sobre mas
uma representação instituída a partir de 1888 e reiterada continuamente, e irmos
para um conteúdo sobre a cidade à época da pintura e do fato retratado?
A conversa com a turma seguiu buscando ampliar as leituras já impregnadas
com outras questões sobre os contextos de produção dessa imagem e de outras
tantas imagens, aproximando inclusive a discussão sobre os contextos de produção
das imagens que se apresentam em nossa cultura visual nas redes sociais e que
são usadas para reforçar discursos nem sempre “verdadeiros”.
Não apenas pela sua plasticidade ou seu conteúdo, a proposta de uma leitura
de imagens a partir da Abordagem Triangular num processo educativo em museus,
pode revelar outros conteúdos, contextos e visualidades. E para que estas
revelações engendrem processos de construção de conhecimento pertinentes aos
sujeitos é necessário que os educadores estejam atentos às intrincadas relações
envolvidas e presentes naquele ato de ler, e estejam também abertos a outras
possíveis leituras.
No caso da pesquisa apresentada (ALENCAR, 2015), a discussão enfoca a
narrativa visual dos museus nacionais de história, entendendo tais instituições, bem
como sua visualidade como vetores na construção de um imaginário acerca de
histórias nacionais, imaginário esse que propagam até hoje os valores da cultura
hegemônica. Foi verificado na pesquisa, por exemplo, que a despeito de todas as
críticas que a historiografia tenha feito ao longo dos anos, a procura dos professores
que agendam visitas ao Museu Paulista, o fazem para “ver a história” (ALENCAR,
2014).
Diante desse contexto cabe nos perguntar: Será que a fala do educador pode
colaborar na desconstrução da visão hegemônica da história? Ou seria através de
outro discurso que pode se conectar ou não com as leituras dos visitantes?
Sabemos que o mediador tem sua subjetividade e, muitas vezes, sente a
necessidade de fazer a crítica a uma determinada obra ou expografia, mas teria o
seu discurso eficácia?
A tese de doutorado que motivou essa experiência em sala de aula verificou
que de fato o discurso expositivo construído a partir da cultura hegemônica
reverbera no trabalho de mediação cultural, seja reproduzindo-o ou criticando-o, tais
concepções são parte dos contextos de produção e recepção dessa visualidade. O
problema se dá quando tal reprodução ou crítica são (ex)postos como verdades, ou
únicas leituras possíveis, desconsiderando a leitura e escrita de mundo dos sujeitos
envolvidos na mediação, não correndo o risco consciente de outras possibilidades e
produzindo novos e outros conhecimentos sobre a própria exposição e, por que não,
sobre a vida, as escritas e reescritas de mundo (ALENCAR, 2015). É emblemático o
fato de uma das estudantes ter trocado sua palavra de choque para sítio, uma vez
que tal palavra síntese acabou se despregando dos discursos conhecidos acerca da
pintura histórica em questão e trouxe para a reflexão e produção de significados um
elemento da memória afetiva, relativo a sua subjetividade.
Muitas vezes, durante a fase de observação das visitas do programa
educativo do Museu Paulista era perceptível a valorização do discurso pelo
educador a partir da razão, sobre a tela de Pedro Américo, bastante conhecida.
Porém, o que mais chamava a atenção dos visitantes diante da tela pela primeira
vez eram as dimensões e a moldura dourada. O impacto de se ver essa imagem
(re)conhecida era provocado pela emoção, que entendemos ser um aspecto
fundamental do processo de leitura de obras de arte, da possibilidade de se ter uma
experiência de leitura no sentido que Dewey (2010) atribui a experiência de
conhecer. No entanto, esta possibilidade logo era deixada de lado pelos educadores,
com explicações dos motivos pelos quais precisamos entender a imagem e seu
contexto de produção.
Ainda sobre esse período da pesquisa de campo, certa vez, conversando com
um educador do Museu Paulista, após observar sua visita, dentre outros
comentários, ele disse: não que tenha uma leitura [da pintura] correta, mas uma
leitura adequada deve ter. Mas, o que seria uma leitura adequada para ele?
Acompanhando outras visitas e em conversas informais com a equipe de
educadores do museu, entendemos que o que ele chamava de leitura adequada
seria o que já foi dito/lido/interpretado por historiadores da arte. Certamente, se
sabemos do contexto de produção de uma obra, nossa leitura pode se modificar,
mas preferimos pensar em ampliar contextos, ampliar as camadas de leitura sem
perder de vista as relações e afetos que podem se estabelecer entre essas
camadas. Esperar pela leitura adequada, ou ainda, explicar qual seria ela, ainda que
seja no caminho de um olhar crítico à visualidade legitimada pela cultura
hegemônica, acaba por abrir mão do risco do não saber, não provoca a rasgadura,
no sentido que Didi-Huberman (2010) nos leva a pensar. Continua a ser a
reprodução do discurso hegemônico, não mais o proposto pela narrativa visual, mas
o ditado pela História e pela História da Arte (ALENCAR, 2015).
É fato também, que à revelia da narrativa visual ou da narrativa oral, o
visitante faz as suas leituras, então o mediador não pode assumir o seu discurso
como o único possível.
Referências
ALENCAR, Valéria Peixoto de. Mediação cultural em museus e exposições de história.
Conversas sobre imagens/história e suas interpretações. Tese (Doutorado) – Instituto de
Artes/UNESP, São Paulo, 2015.
______. Arte para ver a história, história para falar da arte: arte/educação em museus
históricos. In: CONGRESSO NACIONAL DA FEDERAÇÃO DE ARTE-EDUCADORES DO
BRASIL, 24., 2014, Ponta Grossa, PR. Arte/educação contemporânea: metamorfoses e
narrativas do ensinar/aprender: anais. Ponta Grossa, PR: Universidade Estadual de Ponta
Grossa, 2014. Disponível em:
<http://www.isapg.com.br/2015/html/areas/Artes%20Visuais/8/11.pdf>, acesso em 1 jul.
2015.
BARBOSA, Ana Mae. A imagem no ensino de Arte. Anos 1980 e novos tempos. 8. ed. São
Paulo: Perspectiva, 2012.
DEWEY, John. Arte como experiência. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
DIDI-HUBERMAN, Georges. Ante la imagen. Pregunta formulada a los fines de una historia
del arte. Múrcia: CENDEAC, 2010.