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PRÁTICA DE LEITURA LITERÁRIA NO ENSINO FUNDAMENTAL:

O LEITOR EM EVIDÊNCIA

Cristina Rothier Duarte, IFPB/UFPB, GT 10 Formação de leitores e mediação


de leitura
Ana Paula Serafim Marques da Silva, UFPB, GT 10 Formação de leitores e
mediação de leitura
Suelen Oliveira de Brito, UFPB, GT 10 Formação de leitores e mediação de
leitura
Girlene Marques Formiga (orientadora), IFPB, GT 10 Formação de leitores e
mediação de leitura

Considerações Iniciais

O ensino da literatura tem despertado intenso interesse acadêmico,


destacadamente, em razão do que se tem denominado de crise da leitura, termo
comumente usado para se referir ao distanciamento existente entre leitor e texto
literário. Especialistas na área apontam que metodologias baseadas no estudo
historiográfico da literatura e na leitura parcial de obras só têm contribuído para a
acentuação desse afastamento. Diante disso, muitos estudos têm-se voltado para as
metodologias de ensino, a fim de conferir à literatura um lugar na escola capaz de
levar o texto literário para a vida do aluno, promovendo, portanto, uma reaproximação
efetiva.
Nesse sentido, o presente trabalho traz uma proposta de prática de leitura
literária para o conto O homem que sabia javanês (2010)416, de Lima Barreto (1881-
1922), mediante o registro de leitura cursiva, destinada a alunos dos últimos anos da
segunda etapa do Ensino Fundamental. A escolha por essa etapa da Educação
Básica se dá em razão do fato de que, nessa fase escolar, os alunos estã o prestes a
serem inseridos em metodologias de ensino da literatura com foco na interpretação o
conhecimento social da literatura que se dá por meio da abordagem histórica e crítica

Obra publicada pela primeira vez em 1911, no jornal Gazeta da Tarde.


, quando a subjetividade passa a ser desconsiderada. A esse respeito, Gérard

do leitor é habitualmente apresentada como uma condição de êxito na leitura literária

Para o desenvolvimento deste artigo, valemo-nos de estudos que tratam da


teoria do leitor real, estudada por Annie Rouxel (2012; 2013a; 2013b), e da leitura
cursiva também proposta por Rouxel (2012) e por Raquel Cristina de Souza (2016),
como meio adotado para contribuir no processo de construção de um vínculo do leitor
com o texto literário. Já sobre o papel do professor enquanto mediador do texto
literário, trazemos as considerações de Tereza Colomer (2007), Michèle Petit (2009a;
2009b) e Rildo Cosson (2006).
A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica de cunho qualitativo-
interpretativo. Partindo de uma revisão do aporte teórico, formulamos uma proposta de
leitura cursiva para o conto O homem que sabia javanês, de Lima Barreto, mediante o
emprego do diário de leitura, de acordo com a orientação trazida por Souza (2016), na
qual temos o uso do diário de leitura previamente estruturado pelo professor,
apresentando questionamentos norteadores que servirão de guia para os alunos
pensarem sobre o seu percurso de leitura e sobre o texto literário.

Aspectos teóricos sobre a teoria do leitor real


Ler a obra literária deveria ser o primado de uma aula de literatura, no
entanto, as aulas que se destinam à leitura e ao estudo do texto literário nas escolas
dedicam-se, na maioria das vezes, notadamente, ao ensino da história da literatura e à
descrição exaustiva das características de escolas literárias. Aos alunos, restam,

determinada estilística ou a leitura de resumos ou de trechos. Este último, o exemplo


mais próximo que conseguem chegar ao texto literário. O enfado gerado por
abordagens de ensino como as descritas abre a grande possibilidade de provocar,
senão o desinteresse, a desatenção pela leitura literária, o que pode ser considerado
uma das causas de permanência ainda hoje da crise da leitura.
Diante dessa conjuntura, teóricos têm empreendido esforços no estudo de
metodologias que buscam uma aproximação maior entre leitor texto literário. Nesse
âmbito, destacam-se, entre outros nomes, Maria da Glória Bordini e Vera de Teixeira
Aguiar (1993), com o método recepcional, e Rildo Cosson (2014), com as sequências
básicas e expandidas e os círculos de leitura para a promoção do letramento literário.
Tais teorias visam à formação do leitor literário, empregando caminhos que
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consideram o conhecimento de mundo do aluno e valorizam seu repertório de leitura,
estimulando a efetiva leitura das obras, a fim de alcançar a formação leitora.
Annie Rouxel (2012), dedicando-se a estudos sobre a complexa relação
existente entre o leitor e a literatura, defende que a aproximação entre sujeito e texto

-20).
O interesse de Rouxel pela dimensão subjetiva do leitor foi despertado a partir da
observação que faz de leitores de destaque na história da literatura. Segundo a
estudiosa, tal exame

[...] mostra que eles [grandes leitores escritores, críticos literários,


filósofos] não renunciam a si mesmos quando leem e é seu
investimento subjetivo que garante o valor dessa leitura (Proust, Gide,
Manguel, Dumayet, Serre, Tremblay etc.). Isso nos convida a receber,

observar leituras liberadas de protocolos e normas escolares.


(ROUXEL, 2012, p. 14, destaque da autora).

Como é possível perceber, Rouxel confere o contato com a leitura


o elemento fundamental para a
promoção da criação de laços afetivos com essa atividade, o que constitui,
consequentemente, o ponto primordial para a aproximação leitor texto literário.
Diante do status que a pesquisadora outorga a essa experiência, faz nascer uma nova

ruptura epistemológica ainda mais profunda que a precedente [leitor modelo ou ideal],
uma vez que ela se dedica, de forma efetiva, a uma mudança de foco, da

(2012, p. 16).
De acordo com a teoria examinada por Rouxel, cada leitor, ao realizar uma
leitura, constrói um sentido pessoal sobre texto, a partir de impressões particulares,
criando o que denomina texto do leitor, ou, como nomeia Langlade,
leitor ária engendra uma
multiplicidade de obras originais produzidas pelas experiências, sempre únicas, dos

eitores, em suas
singularidades, sejam legitimamente admitidos em classe e possam ser submetidos à

ao estudo da obra em sua dimensão formal e objetiva, mas de acolher os sentimentos


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p. 272).
A proposta trazida por Rouxel poderia levantar questionamentos acerca da
validade do chamado texto do leitor, tendo em vista que a teoria põe em relevo a
experiência pessoal deste diante de determinado texto, o que, a priori, abre o ensejo
para múltiplas leituras no sentido de uso do texto417. Em seu estudo A tensão entre
utilizar e interpretar na recepção de obras literárias em sala de aula: reflexão sobre
uma inversão de valores ao longo da escolaridade, Rouxel traz essa abordagem,

uma capacid

instâncias da leitura: o seu uso e a interpretação. O que significa dizer que, embora o
texto do leitor âmbito do uso da obra literária exista na esfera da experiência
pessoal, ela pode e deve ser trabalhada em sala de aula, pois

[n]o espaço intersubjetivo da sala de aula, a experiência do outro me


interessa, pois eu me pareço com ele; ela me fornece, em sua
singularidade, um exemplo de experiência humana. A experiência
conjunta da interpretação do texto e de sua utilização por um leitor
põe em tensão duas formas de se relacionar com o texto e com o
outro e confere intensidade e sentido à atividade leitora. (2013b, p.
162).

Nesse ínterim de coexistência de espaços subjetivos de leitura e de espaços


sociais de interpretação, o que se vê na prática, corriqueiramente, é o desprezo
unos fazem
do texto, como se somente o espaço social pudesse existir. Todavia, o prazer em ler
ao ponto de se criar um hábito de leitura está diretamente associado ao uso do texto,
ou seja, à liberdade do leitor de trazer à tona o seu texto, já que na sua utilização o

da leitura, pois ela é, ao mesmo tempo, o signo de apropriação do texto pelo leitor e a
condição necessária de um diálogo com o outro, graças à diversidade das recepções

Ademais, de que adiantaria o exercício intelectual de interpretação do texto


literário, sem a possibilidade de uma vivência significativa de leitura, aquela com a

417

significado. Por sua vez, a utilização [o uso] remete a uma experiência pessoal, que pode ser

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qual o leitor se identifica e se apaixona? Assim, antes de uma abordagem
interpretativa ou histórica, o professor mediador de leitura deve privilegiar a leitura
subjetiva, colocando em foco o leitor real ou empírico. Nesse sentido, Rouxel entende
que

[o] par interpretar/utilizar merece por isso ser reconsiderado. Não se


reduzirá a utilização do texto ao meramente subjetivo (solipsismo e
outras variantes) ou à falta de interpretação, como Humberto Eco
tenta fazer. A utilização do texto é antes de tudo sinal de apropriação
do texto pelo leitor e fonte de seu prazer. É construtiva da experiência

sinais do texto e a trama de uma existência. Esse texto do leitor está


na origem de toda abordagem interpretativa. Por mais paradoxal que
possa parecer, afigura-se urgente reensinar os alunos a utilizar o
texto para si mesmos, para sonhar, para reencontrar o gosto pela
leitura. (ROUXEL, 2013b, p. 164).

A seguir trataremos da leitura cursiva, metodologia que confere espaço ao


leitor real, mediante a utilização do diário de leitura em sala de aula, outorgando -lhe
liberdade para a criação de seu texto o texto do leitor , e, consequentemente,
oportunidade para a construção de laços afetivos com a leitura literária.

A leitura cursiva e o papel do professor mediador


O objetivo principal deste trabalho é a apresentação de uma proposta de
leitura literária. Para tanto, empregamos uma metodologia que se dá em torno da
leitura cursiva, com o intuito de apresentar ao professor mediador novos mecanismos
para o trabalho com literatura em sala de aula, desenvolvendo métodos que
possibilitem uma experiência afetiva, uma aprendizagem de autoavaliação do
processo de leitura e um despertar para o valor inigualável que a literatura possui.
Nossa proposta, assim, preceitua o que nos traz Colomer (2007), no sentido de que

disciplina escolar, ou, ao contrário, como uma atividade optativa, incompatível com a

Sobre a leitura cursiva, Rouxel (2012), ao tratar do contexto escolar francês,


afirma que esse tipo de leitura é caracterizado pela pessoalidade, autonomia,
sensibilidade e é livre de avaliação formal. Trata-
prescrita pelo professor e efetuada no espaço privado de modo que o leitor possa ser

(ROUXEL, 2012, p. 19). Nessa perspectiva, a leitura cursiva pode ser considerada um

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instrumento que emprega abordagens do texto literário facilitadoras para a
aproximação leitor texto literário.
A leitura cursiva parte de obras que são prescritas pelo professor,
procedimento que confere à abordagem um caráter, cujas delimitações traçadas a
torna não tão livre nem tão autônoma ao ponto de situar-se na superficialidade, bem
como, de acordo com nossa proposta, se dá por meio do diário de leitura pré-
estruturado, que servirá ao aluno como orientações de leitura, oportunizando-lhe uma
leitura guiada e conscientizadora do processo de compreensão.
Conforme dito, metodologias que se utilizam da leitura cursiva importam em
um trabalho rico no sentido de colaborar no processo de construção de um vínculo
estreito entre texto e leitor, pelo fato de pô-lo em relevo e não enfatizar a busca do
sentido consensual do texto primada pela leitura analítica, entendida por Souza, como
cursiva favorec[e] outra relação
com o texto, por priorizar o sentido a partir do todo (e não a análise das partes) e dar
-se que o âmbito escolar é um
lugar, efetivamente, apropriado para a circulação do texto literário e, por isso, faz-se
necessária a sua inserção no currículo escolar, oportunizando ao aluno a leitura e o
contato com uma extensa variedade de títulos, autores e gêneros. Nessa perspectiva,
Petit destaca a necessidade de se estabelecer

de modo que, com o propósito de edificar uma comunhão entre si, seja necessário ir
além de uma mera decodificação, ultrapassando as barreiras do simples ler, ou
mesmo de abordagem exclusivamente analíticas, para alcançar o gostar de ler.
No que diz respeito ao papel do professor mediador situado entre texto
as condições para que
o encontro do aluno com a literatura seja uma busca de sentido para o texto literário,

que o papel do professor é essencial para estabelecer vínculos entre os textos e o


aluno que ali está aberto para novas ideias. Assim, pensando acerca da promoção da
leitura literária do conto O homem que sabia javanês, de Lima Barreto, em uma turma
do Ensino Fundamental, a escolha desse texto se justifica em razão da sua qualidade
estética, como também pela atualidade do tema. Embora escrito no início do século
XX, a malandragem, aspecto abordado nessa obra de Barreto, é um tema presente
em nossa sociedade, inclusive, nos bastidores do cenário político nacional vigente, o
que nos permite dizer que é um mote recorrente no mundo dos nossos alunos, haja
vista a sua exploração nos mais diversos meios de comunicação. Porém, para que o
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professor consiga, de fato, formar leitores que compreendam o texto literário de forma
eficaz, não basta ser um texto atual e fazer parte da experiência do leitor, pois,

[...] se o acesso à leitura implica em fazer entrar no jogo a avaliação


pessoal, a necessidade de formação interpretativa lembra que a
ressonância de uma obra no leitor se produz sempre no interior de
uma coletividade. Não se trata de abandonar os alunos ao desfrute
subjetivo do texto, a uma interpretação empobrecedoramente
incomunicável, a uma constatação empírica de se o efeito da leitura
foi prazerosa ou não, através do acréscimo de perguntas do tipo:
Você gostou? Por quê? O que você mudaria? (COLOMER, 2007, p.
146)

Desse modo, é importante conceder voz ao leitor, mas essa voz deve ser
orientada para que ultrapasse a superficialidade apontada pela autora. O progresso do
aluno, assim, acontece por meio da evolução de uma leitura compreensiva (que diz
respeito a uma leitura limitada a explorar elementos internos do texto, ou seja, os
sentidos denotativos obtendo, por conseguinte, uma leitura superficial do texto) para
uma leitura interpretativa (aquela que abarca um nível mais amplo de entendimento,
ultrapassando as barreiras do que está posto nas linhas do texto, utilizando-se de
experiências externas com vistas a despertar os códigos implícitos). Por isso,
desenvolvemos um trabalho compreendendo vários aspectos do conto por meio de um
diário de leitura que vise a uma prática leitora cursiva do texto, facilitadora da
compreensão e da apropriação do texto, favorecendo, em um segundo momento, a
abordagem interpretativa.
Nesse sentido, o professor enquanto mediador do texto literário em sala de
aula deverá possibilitar uma vivência por meio de uma leitura que cause prazer e
inquietações, e não apenas abordagem de aspectos superficiais, como apontado por
Colomer. Nesse pensar, se a criança desde a mais tenra idade tem acesso a livros,
maior será a possibilidade de ela tornar-se um leitor, razão pela qual é importante,
desde a Educação Infantil, passando pelo Ensino Fundamental, o constante contato
dos jovens leitores com obras literárias, por intermédio de abordagem que estimulem o
gosto pela leitura. Conforme Petit, o principal papel do professor mediador é o de

possibilitando-lhe mobilidade nos acervos e oferecendo conselhos eventuais, sem

autora, as pontes construídas pelo professor mediador são caminhos que permitem
aos leitores novas descobertas criativas, culturais e intelectuais.

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Ademais, sabemos que um bom mediador de leitura é aquele que possui um
vasto rol de leitura e conhece o seu público-alvo, procedimento que favorece ao
professor definir textos literários adequados para seus alunos, tanto esteticamente,
quanto no que diz respeito ao destinatário. Convém ainda destacar que só é capaz de
realizar um trabalho de mediação de leitura cativante para o leitor aquele que tem
verdadeiros laços afetuosos com o texto e conhece metodologias apropriadas para
cada texto e seus respectivos leitores. A partir dessa série de requisitos, estará o
professor capacitado para estimular o contato com obras literárias, despertando o
crescente desejo para novas leituras e, consequentemente, alavancando o letramento
literário. Defendemos, pois, que a observância a essas particularidades pode ser
determinante para aspirarmos a uma jornada possível para que a crise de leitura seja
aos poucos suplantada.
Diante disso, acreditamos que a proposta metodológica fundada no leitor real
e na leitura cursiva a seguir apresentada constitui uma possibilidade mediadora que
tem grande potencial para estreitar a relação entre o leitor e o texto literário.

Proposta de prática de leitura literária de O homem que sabia javanês, de


Lima Barreto
Nesta seção, elaboramos uma proposta de prática de leitura literária para o
conto O homem que sabia javanês, de Lima Barreto, mediante o registro de leitura
cursiva, levando em consideração a teoria do leitor real de Rouxel (2012; 2013a;
2013b). Assim sendo, a escolha desse conto se deu primeiramente por priorizarmos a
leitura integral e imprescindível da obra, de forma que possibilitasse a discussão em
sala de aula, haja vista ser considerado um dos grandes desafios apontados pelos
professores em relação à leitura da obra literária o elemento tempo. O fato de a
narrativa não ser extensa favorece a leitura integral na própria sala de aula. Outra
razão pela qual se justifica a indicação desse conto é a sua qualidade estética e a
problematização do tema, aspectos que podem provocar desafios de leitura nos
ndicar leituras que os
alunos já consigam ler sozinhos ou as quais já conhecem não nos parece profícuo
O homem que sabia javanês,
de Lima Barreto, nos parece uma boa escolha, uma vez que pode propor bons
desafios aos leitores dos anos finais do Ensino Fundamental.
No intuito de sabermos as impressões de leitura dos alunos dando-lhes
oportunidades de se expressarem a partir da leitura compartilhada e conseguirmos
registros de suas recepções em relação à compreensão e à fruição da obra, elegemos
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o gênero diário de leitura pré-estruturado para trabalharmos o conto. Por ser um
gênero mais intimista, o diário nos possibilita ter acesso às necessidades dos
discentes, bem como criar estratégias para fazer o leitor se interessar pelo texto e
ampliar suas experiências de leitura. Nele, os alunos podem registrar o seu percurso
de leitura da obra tomando consciência sobre esse processo , bem como avançar em
suas competências leitoras e estimular a expressão pessoal, focalizando o processo
de leitura (Souza, 2016). Acreditamos assim que uma prática com o diário estimula

[...]o jogo entre a expectativa e a quebra de expectativa, entre o que


se sabia sozinho e o que se aprendeu na coletividade, pois, assim,
não só os diferentes modos de ler estariam sendo explicitados, como
também os jovens leitores poderiam monitorar o próprio processo de
leitura. (SOUZA, 2016, p. 190).

Pensando nisso, concebemos que a abordagem do texto literário por meio do


diário de leitura é significativa, principalmente com aqueles leitores menos experientes,
pois a adoção desse mecanismo permite ao professor ter acesso aos medos, aos
anseios, às dificuldades, à empatia com o texto e, desse modo, encontrará formas
para elaborar estratégias que facilitem o acesso desse leitor ao texto literário, o que
será visível também em leituras futuras. Diante disso, e baseando-nos na proposta de
Souza, trazemos uma abordagem do conto O homem que sabia javanês, com o diário
de leitura previamente es para orientar o leitor no registro de sua

leitores, principalmente pelos menos experientes, poderá haver muitas dificuldades no


registro de suas impressões, correndo o risco dessas marcas tornarem-se superficiais,
mas, seguindo um roteiro, o aluno compreenderá melhor o seu percurso de leitura. De
acordo com a proposta da autora418, a estrutura do diário seguirá as seguintes etapas
principais: pré-leitura, leitura, pós-leitura.

1ª etapa: pré-leitura (fase A)


Nesta primeira etapa, os alunos buscarão formular hipóteses sobre o texto a
ser lido, assim, eles serão estimulados a externar expectativas em relação ao título, à
temática, ao gênero e aos objetivos para leitura da obra. O professor pode lançar na
lousa o título do conto e pedir para que escrevam no diário suas impressões iniciais.
Segue, então, sugestões de instruções que poderão estar na primeira parte do diário
do aluno:

418
Os questionamentos de cada etapa foram baseados na proposta de Souza (2016), no
entanto adaptamos para o trabalho com o conto.
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Guia de leitura
Antes da leitura do conto, registre, em seu diário de leitura, suas expectativas. Não se
trata de um questionário, mas de um guia para orientá-lo nos seus registros. Assim, a
partir das perguntas a seguir, redija um texto levando em consideração as suas
impressões pessoais:
1. Observe o título do conto O homem que sabia javanês. Você arriscaria dizer do que
vai tratar a história?
2. O título lhe faz lembrar de algum acontecimento real ou de algum outro livro?
3. Você sabe onde se fala javanês? Será que há muitos falantes dessa língua?
4. Você conhece alguém que fala javanês?

1ª etapa: pré-leitura (fase B)


Guia de leitura
Em seguida, compartilhe suas impressões com os colegas, observando com atenção
as deles. Após o compartilhamento, a sua opinião mudou? Que mudou? Por quê?

Com essas perguntas norteadoras, espera-se que os alunos, ao


compartilharem suas impressões com os colegas, possam repensar suas hipóteses de
leituras, readequando-as ou não. Por outro lado, o professor pode aproveitar o
momento para sanar as dúvidas da turma sobre a natureza do gênero literário, dando
pistas que poderão ajudar na leitura, de modo a ampliar sua visão sobre o texto.

2ª etapa: leitura
Nesta etapa, inicia-se a leitura propriamente dita, na qual o discente fará a
checagem e a reformulação de hipóteses em dois momentos: antes da leitura
compartilhada e após a leitura compartilhada.
Guia de leitura
Agora, leia o texto. À medida que você for lendo, quando encontrar alguma passagem
que o remeta a outro texto, a um filme ou a um fato real que você conheça, anote a
sua reação. Quando discordar ou concordar com algo, faça o registro também. Como
dito anteriormente, não se trata de um questionário, mas de um guia para orientá-lo
nos seus registros. Assim, a partir das perguntas que seguem, redija um texto levando
em consideração as suas impressões pessoais:
1. Você é capaz de contar a história com suas palavras? Registre, brevemente, o
conto no seu diário de leitura.

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2. Qual sua reação diante dos acontecimentos narrados? Ficou surpreso (a)? Com
quê? Acha tudo normal? Por quê? Relate seus sentimentos.
3. O conto fez você se lembrar de alguma história verídica? De algum livro? De outros
personagens de outras histórias? Ou de pessoas reais?
4. O autor usa alguma palavra que você não conhece? Você procurou o significado
dessa(s) palavra(s) ou não? O conto tem alguma passagem que você não
compreendeu em um primeiro momento? Como você sanou essa dúvida?
5. Você se identifica com algum personagem? Por quê?
6. No conto, há algo com que você não concorde? Por quê?
7. Você mudaria o final da história? Registre no diário o seu novo final.

A leitura integral do texto em sala de aula pode ser feita em duas etapas, ou
até mesmo em casa, desde que os alunos registrem suas impressões e haja o
compartilhamento em sala com os colegas e com o professor. O importante, nesta
etapa, é o docente evidenciar alguns aspectos que não tenham sido observados pelo
alunos, de modo que possa ampliar a leitura realizada por eles. Sendo assim, é
importante que seja ressaltada a ironia, a sátira presente no conto, no qual o autor
ridiculariza o apego da sociedade aos títulos, sobretudo, ao de bacharel, bem como as
instituições políticas da época, sua burocracia e sua inoperância, baseadas muitas
vezes em troca de favores, pois, segundo a narrativa, é mediante essa troca que o
barão manda "[...] uma carta ao Visconde de Caruru, para que me fizesse entrar na
diplomacia." (BARRETO, 2010, p. 87).

3ª etapa: pós-leitura (fase A)


Guia de leitura
Após o compartilhamento com seus colegas, a sua opinião mudou? Que mudou? Por
quê?

Após os compartilhamentos dos alunos e os esclarecimentos suscitados ao


professor, certamente os alunos revelarão melhor compreensão acerca do texto. É
justamente essa percepção que esperamos.

3ª etapa: pós-leitura (fase B)


Nesta etapa, o aluno avaliará o texto de uma forma geral. Assim, deve pensar
nas seguintes questões:

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Guia de leitura
Gostou do conto? Achou difícil? Há alguma passagem que não tenha compreendido?
Que fez para sanar essa dificuldade? Sua impressão final é a mesma que a inicial? O
conto superou as suas expectativas? Indicaria o conto para alguém? Por quê?

Nesta última etapa, o aluno irá avaliar, além do texto, o seu processo de
leitura, pensando sobre seus avanços, não que essa prática não tenha sido realizada
ao longo do processo, mas, na etapa final, tal aspecto deverá ficar mais claro para ele.
O aluno deve perceber que levantar hipóteses, fazer associações com outros textos e
compartilhar suas impressões com os colegas podem constituir ações muito
produtivas para a leitura de um texto literário. Esse momento é importante ainda por
ser a oportunidade propícia para sanar dúvidas por meio de questionamentos e
releituras.

Considerações Finais

Diante da pluralidade e diversidade de teorias que primam por um trabalho


favorável ao ensino literário, valemo-nos dos estudos que tratam da teoria do leitor real
e da leitura cursiva, que endossam metodologias de ensino responsáveis por
patrocinar uma reaproximação leitor texto literário, contribuindo para o processo de
construção de um vínculo afetivo do leitor com o texto literário. A nossa proposta de
prática de leitura literária para o conto O homem que sabia javanês, de Lima Barreto,
destinada a alunos dos últimos anos da segunda etapa do Ensino Fundamental, visa,
sobretudo, a ampliar os horizontes do professor, dando novas possibilidades do
trabalho diário com o texto literário.
A promoção literária empreendida pelo professor mediador, por meio do diário
de leitura, possibilita, além de uma troca de experiências e conhecimentos entre o
professor/aluno, aluno/aluno e texto/aluno, transformar os jovens leitores em
questionadores, observadores e, acima de tudo, sensíveis. Um trabalho eficiente que
aborde questões amplas contribui para o alargamento não só do universo da
linguagem, mas também do cultural. De acordo com a proposta apresentada, o leitor é
colocado em relevo, pois suas impressões são o centro do interesse no processo de
leitura, que, no entanto, não se dá de forma totalmente aberta, uma vez que a
utilização do diário de leitura previamente estruturado é um meio de orientar o leitor,

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conduzindo-o à realização de checagens e releituras, suprindo, assim, eventuais
desvios de compreensão e/ou de interpretação.
Em conclusão, deixamos a proposta de novos estudos sobre prática literária
que contribua com o grande desafio, o de formação de leitores, sobretudo o literário,
submergindo, pois, a qualidade estética do texto com vistas a possibilitar ao leitor um
prazer que só a literatura, enquanto arte, pode oferecer.

Referências

BARRETO, Lima. O homem que sabia javanês. In: Lima Barreto: contos completos.
São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 80-91.
COLOMER, Tereza. Andar entre livros: a leitura literária na escola. Trad. Laura
Sandroni. São Paulo: Global, 2007.
COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2006.
LANGLADE, Gérard. O Sujeito leitor, autor da singularidade da obra. In: ROUXEL,
Annie; LANGLADE, Gérard; REZENDE, Neide Luzia (org.). Leitura subjetiva e
ensino de literatura. São Paulo: Alameda, 2013, p. 25-38.
PETIT, Michèle, Tudo começa por uma recepção. In: A arte de ler ou como resistir à
adversidade. Trad. Arthur Bueno e Camila Boldrini. São Paulo, 2009a, p. 35-64.
_____; O papel do mediador. In: Os jovens e a leitura: uma nova perspectiva. Trad.
Celina Olga de Souza. São Paulo, 2009b, p. 147-189.
ROUXEL, Annie. Mutações epistemológicas e o ensino da literatura: o advento do
sujeito leitor. Revista Criação & Crítica, n. 9, p. 13-24, 2012. Disponível
em:<http://www.revistas.usp.br/criacaoecritica/article/view/46858/50609>. Acesso em:
12 jan. 2017.
______. Práticas de leitura: quais rumos para favorecer a expressão do sujeito leitor?
Cadernos de Pesquisa, v. 42, n. 145, p. 272-283, 2013a. Disponível em:
<http://publicacoes.fcc.org.br/ojs/index.php/cp/article/view/90>. Acesso em: 12 jan.
2017.
______A tensão entre utilizar e interpretar na recepção de obras literárias em sala de
aula: reflexão sobre uma inversão de valores ao longo da escolaridade. In: ROUXEL,
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SOUZA, Raquel Cristina de Souza e. O diário de leitura no ensino fundamental:
considerações iniciais. Revista Cerrados, v. 25, n. 42, 2016. Disponível
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jul. 2017.

V Congresso Internacional de Literatura Infantil e Juvenil


Presidente Prudente de 02 a 04 de agosto de 2017
ISBN: 978-85-69697-03-9

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