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Autos n.º 2008.70.64.

000261-5
Autor: Haroldo Alves de Lima
Réu: União
 SENTENÇA

1. Relatório.

Dispensado relatório, nos termos do artigo 1.º da Lei n.º 10.259/2001 combinado com o artigo 38 da Lei n.º 9.099/95.

2. Fundamentação.

Trata-se de demanda pelo rito do Juizado Especial Federal mediante a qual o autor acima nominado, 1.º Sargento de
Arma de Engenharia, postula equiparação salarial , uma vez que exerce desde janeiro de 2006 a função de “Encarregado
de Material”, a qual é privativa de subtenente, cargo hierarquicamente superior à graduação de 1.º Sargento. Em face dos
princípios consagrados na Constituição de 1988 e na Lei n.º 6.880/80 (Estatuto dos Militares), bem como em razão do
“Parecer n.º 023 da Asse. Jur. 5.ª Bda. C. Bld. Ponta Grossa”, de 21/2/2008, requer seja a ré condenada a pagar-lhe as
diferenças pecuniárias havidas entre o valor do soldo de seu cargo efetivo (1.º Sargento) e o cargo de subtenente, desde a
data de sua nomeação para a função de encarregado de material, mantendo-se a diferença salarial enquanto permanecer
nessa função ou em outra função de subtenente.

Acerca da função de “encarrregado de material”, dispõe o Regulamento Interno e dos Serviços Gerais (R-1), aprovado
pela Portaria n.º 816, de 19/12/2003, do Comandante do Exército:

“Seção II

Do Subtenente Encarregado do Material

Art. 116. O subtenente é o encarregado do setor de material da SU, cuja administração lhe incumbe auxiliar, de conformidade
com as ordens do respectivo comandante e de acordo com as atribuições que lhe são fixadas em legislação e regulamentos vigentes,
cabendo-lhe ainda:

I - entregar, mediante recibo, o material distribuído aos pelotões ou às seções e a outras dependências da SU e, bem assim, qualquer
artigo que, por ordem do respectivo comandante, deva sair da sua reserva, fornecendo aos pelotões e às seções, quando tenham
depósito próprio, a relação do material distribuído, conferida com a que fica em seu poder;
II - entregar, para formaturas ou exercícios, o material dos pelotões ou das seções, verificando o seu estado ao recebê-lo de volta e
participando as faltas ou os danos verificados ao Cmt SU;

III - propor, ao respectivo Cmt SU, todas as medidas que julgue convenientes para o melhoramento das condições materiais da SU;

IV - organizar e assinar todas as relações de material que devam ser apresentadas pela SU, submetendo-as à apreciação do Cmt SU
para aposição do visto;

V - acompanhar o Cmt SU nas revistas e inspeções de material e na inspeção diária do armamento da SU;

VI - solicitar ao Cmt SU as formaturas especiais que se tornarem necessárias para a verificação e a fiscalização que lhe incumbem;

VII - encarregar-se, de acordo com as instruções do seu Cmt SU, das providências relativas à alimentação da SU, quando esta deva
permanecer, em serviço ou instrução, em lugar distante do quartel;

VIII - instruir os sargentos e cabos da SU nos assuntos relativos à escrituração e à contabilidade do material e auxiliar na instrução
geral das praças, na parte referente à conservação e ao uso dos uniformes e à limpeza do armamento;

IX - exercer, nas formaturas, o comando de pelotão ou seção, quando determinar o Cmt SU ou quando lhe incumbir por direito;

X - exercer sobre o pessoal da SU a necessária autoridade, na ausência do respectivo comandante e de seus oficiais, recorrendo ao
SCmt U, quando necessário, e submetendo seus atos à consideração do seu Cmt SU; e

XI - apresentar-se, diariamente, ao Cmt SU, logo que este chegue ao quartel, informando-o sobre o andamento das ordens recebidas.

Art. 117. O subtenente, para o desempenho das suas múltiplas atribuições, tem como auxiliares o furriel, o mecânico de
armamento leve e os soldados capacitados para o exercício das diferentes atividades.” Grifos inexistentes no original.

Ainda, quando se tratar de “encarregado de material” do NPOR - Núcleo de Preparação de Oficiais da Reserva
(justamente o caso do autor), segundo os depoimentos das testemunhas colhidos na instrução processual, acumula-se
também função de “monitor” (instrutor) do Curso de Preparação de Oficiais.

O fato de o autor, mesmo sendo 1.º Sargento, assumir a função de “encarregado de material”, que é privativa de
subtenente, não ofende o regime jurídico vigente, pois autorizada pelos seguintes dispositivos do RISG:

“CAPÍTULO II

DAS SUBSTITUIÇÕES TEMPORÁRIAS

Seção I
Das Normas Gerais para Substituições Temporárias

Art. 376. Substituição temporária é a realizada pelo militar quando, em caráter transitório, exerce cargo ou responde
por função ou encargo atribuídos privativamente a militar de grau hierárquico superior ou igual ao seu, sendo-lhe
atribuídas todas as responsabilidades inerentes ao cargo.

Art. 377. O cargo militar é considerado vago a partir de sua criação até que um militar dele tome posse efetivamente, voltando a
estar vago quando o militar que o exerce efetivamente seja exonerado ou o deixe por ordem expressa de autoridade competente.

Art. 378. Aplicam-se às substituições subseqüentes as mesmas prescrições referentes à substituição inicial que as motivou.

Art. 379. Respeitado o disposto nos arts. 386 e 390 deste Regulamento, as substituições temporárias ocorrem por
motivo de:

I - cargo vago;

II - afastamento do cargo, do ocupante efetivo ou interino, por prazo superior a trinta dias; ou

III - afastamento do cargo, do ocupante efetivo ou interino, por prazo inferior a trinta dias ou por férias.

§ 1º Nos casos dos incisos I e II deste artigo, o substituto assume o cargo interinamente.

§ 2º No caso do inciso III deste artigo, o substituto responde pela função.

Art. 380. Afastado o ocupante do cargo, por quaisquer dos motivos constantes do art. 379 deste Regulamento, sua substituição dá-
se conforme o previsto neste Regulamento, exercendo o cargo ou respondendo pela função em questão o militar de maior
precedência hierárquica.

(...).” Grifos inexistentes no original.

Com efeito, segundo alegado na contestação, e conforme os depoimentos das testemunhas, de fato o autor exerce a
função de “encarregado de material” do NPOR em “substituição temporária”, tendo em vista a ausência, na época de sua
nomeação (janeiro/2006), de subtenente no batalhão onde presta serviços. E, ao que tudo indica, a ausência de
subtenentes permanece até hoje, visto que além do NPOR, há mais 4 (quatro) Companhias dentro do 5.º Batalhão de
Engenharia de Combate Blindado de Porto União/SC, sendo que para cada uma delas deve corresponder um “encarregado
de material”, função esta que vem sendo ocupada por militares com posto/graduação de hierarquia inferior à de
subtenente, a exemplo do que ocorre com o autor.

Cumpre anotar que estando o autor em situação de “substituição temporária”, por motivo de “cargo vago”, assumiu o
cargo/função de “encarregado de material”, conforme mencionado pelo parágrafo 1.º do artigo 379 do RISG,
“interinamente”. E, ainda que não houvesse tal disposição expressa, é inegável que, tratando-se de substituição em
caráter precário, obviamente que o exercício do cargo e/ou função dá-se de forma interina.

Outrora dispunha a Lei n.º 5.787/72 que ao militar no exercício da função/cargo privativo de posto ou graduação
superior a o seu, era garantida a remuneração (soldo) “daquele posto ou graduação”. Eis os dispositivos atinentes à
questão:

“Art 9º. O militar no exercício de cargo ou comissão, cujo desempenho seja privativo do posto ou graduação superior ao
seu, percebe o soldo daquele posto ou graduação.

§ 1º. Quando, na substituição prevista neste artigo, o cargo ou comissão for atribuível a mais de um posto ou graduação, ao
substituto cabe o soldo correspondente ao menor deles.

§ 2º. Para os efeitos do disposto neste artigo, prevalecem os postos e graduações, correspondentes aos cargos ou comissões
estabelecidas em Quadro de Efetivo, Quadro de Organização, Tabela de Lotação ou dispositivo legal.

§ 3º. O disposto neste artigo não se aplica às substituições:

a) Por motivo de férias;

b) Por motivo de núpcias, luto, dispensas do serviço ou licença para tratamento de saúde, até 30 (trinta) dias;

c) entre oficiais professores pertencentes ao Magistério Militar.

Art 10. O militar receberá o soldo do seu posto ou graduação quando exercer cargo ou comissão atribuídos, indistintamente, a 2
(dois) ou mais postos ou graduações e possuir qualquer destes.” Grifos inexistentes no original.

A Lei n.º 5.787/72, porém, foi revogada pela Lei n.º 8.237/91, que por seu turno foi revogada pela Medida Provisória
n.º 2.215-10, de 31/8/2001. E nenhum destes diplomas legais supervenientes possui dispositivos correspondentes àqueles
acima transcritos.

Ocorre, porém, que o artigo 9.º da Lei n.º 5.787/72 consistia em dispositivo regulamentador do artigo 25 da Lei n.º
6.880/80 (Estatuto dos Militares), vigente em sua redação original até os dias atuais, que assim dispõe:

“Art. 25. O militar ocupante de cargo provido em caráter efetivo ou interino, de acordo com o parágrafo único do artigo
21, faz jus aos direitos correspondentes ao cargo, conforme previsto em dispositivo legal.” Sem grifo no original.

O parágrafo único do artigo 21 do Estatuto dos Militares apenas dispõe que “o provimento de cargo militar far-se-á
por ato de nomeação ou determinação expressa da autoridade competente”. Ainda que não conste expressamente nos
autos cópia do respectivo ato, trata-se de fato incontroverso, relativamente ao qual não se insurgiu a União em sua
contestação. E, conforme consta no documento “OUT14” (evento 1), em 20/12/2005 operou-se o “RECEBIMENTO DE
CARGA” do acervo material do NPOR para o autor.

Conforme se observa, o artigo 25 da Lei n.º 6.880/80 é claro ao determinar que o militar ocupante de cargo provido
em caráter efetivo ou interino faz jus aos direitos correspondentes ao cargo, dentre os quais se inclui, obviamente, o
direito à remuneração correspondente ao cargo/função ocupado a título de substituição temporária. Nada mais justo e
lógico, considerando-se que o militar que ocupa posto/graduação de hierarquia inferior, ao ser nomeado para cargo/função
privativa de posto/graduação de nível hierárquico superior, assume as responsabilidades próprias do posto/graduação
substituído (via de regra, responsabilidades maiores ou com maior grau de exigência técnica/científica/laborativa que
aquelas próprias do seu posto/graduação de hierarquia inferior).

Convém ressaltar que a parte final do artigo 25 do Estatuto dos Militares, relativamente à expressão “conforme
previsto em dispositivo legal”, refere-se aos direitos do posto/graduação substituídos pelo militar de posto/graduação de
hierarquia inferior. Não se cogita, portanto, de necessidade de norma regulamentadora para a garantia dos direitos ao
posto/graduação substituídos, visto que se trata de norma auto-aplicável.

A norma regulamentadora, todavia, é desejável, a fim aplicar de forma justa e eqüitativa o mandamento contido no
dispositivo legal. Tanto é assim, que o parágrafo 1.º do artigo 9.º da Lei n.º 5.787/72, enquanto vigente, excetuou que na
substituição nele prevista, “o cargo ou comissão for atribuível a mais de um posto ou graduação, ao substituto cabe o
soldo correspondente ao menor deles”, porquanto se o legislador/administrador considerou que os militares de dois
postos/graduações seriam aptos à função (1.º sargento e 2.º sargento, por exemplo), com eventual preferência de
nomeação ao 1.º sargento, e na falta deste, ao 2.º sargento, obviamente, estando ambos aptos ao cargo/função, deve
manter-se o soldo de 2.º sargento, não havendo motivo para conceder-lhe provisoriamente o soldo de 1.º sargento (ou a
diferença pecuniária havida entre os respectivos soldos), já que a própria norma considera apto a exercer as funções
aquele que ocupa posto de graduação inferior também.

Diferente, no entanto, é o caso concreto, em que o autor, sendo 1.º sargento, foi nomeado para a função de
“encarregado de material”, em “substituição temporária” motivada por “cargo vago”, uma vez que se trata de função
privativa de subtenente apenas.

Portanto, nestas condições, o autor faz jus, enquanto permanecer na função de “encarregado de material” do NPOR
(para o qual foi nomeado para o Triênio 2006/2008), à remuneração correspondente ao posto/graduação que está
efetivamente substituindo (subtenente), independentemente de o artigo 9.º da Lei n.º 5.787/72 ter sido revogado,
porquanto permanece vigente o artigo 25 do Estatuto dos Militares. Faz jus, portanto, à percepção do soldo e demais
gratificações previstas em lei, correspondentes às de subtenente, nas condições acima estabelecidas, com todos os
reflexos pecuniários decorrentes (13.º salário, férias etc.).
O direito às diferenças remuneratórias devidas ao autor independe do fato de exercer a função de “encarregado de
material” junto ao NPOR e não em outra das companhias que compõem o respectivo batalhão, apesar de o NPOR, segundo
a testemunha ALEX EVANDO CIOTTA, possuir um efetivo atual de 34 militares (incluindo os aspirantes a oficial), ao passo
que as 4 (quatro) Companhias que compõem o 5.º Batalhão de Engenharia de Combate Blindado de Porto União/SC
possuem, cada uma, um efetivo que gira em torno de 100 a 150 militares. Quantitativamente, o “encarregado de material”
pode ter menor volume de trabalho (devido ao menor efetivo de militares na respectiva unidade), mas qualitativamente,
tratam-se das mesmas funções e responsabilidades, não havendo distinção legal ou normativa quanto a este aspecto
portanto. Além do que, o “encarregado de material” do NPOR cumula outra função que os demais encarregados de
material não possuem, qual seja, a de “monitor” nos cursos de formação do NPOR.

Oportuno também anotar que o “Parecer n.º 023 – Asse Jur 5.ª Bda C Bld” de 21/2/2008 (‘OUT17’, evento 1), versou
sobre a possibilidade de 1.º sargento que ocupa interinamente cargo de “encarregado de material” normalmente
destinada a subtenente, “concorrer ao serviço de escala de Adjunto ao Oficial-de-Dia”. Concluiu-se negativamente,
porquanto o subtenente está expressamente excluído pelas normas militares da concorrência a tal escala. Em verdade, tal
parecer não guarda maior correlação com a questão ora em debate na presente demanda, servindo apenas para reforçar
que o autor, na função de “encarregado de material”, possui exatamente o mesmo tratamento de um subtenente, sob
todos os aspectos a exceção do remuneratório.

Importante ressaltar que não se trata, aqui, de aumento ‘salarial’ de servidor sob fundamento de isonomia, o que é
vedado consoante o entendimento expresso no enunciado da súmula n.º 339 do Supremo Tribunal Federal (“Não cabe ao
Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos, sob fundamento de
isonomia”). Trata-se, na verdade, de fazer cumprir dispositivo legal que prevê expressamente que o militar que substitui
cargo/função privativo de posto/graduação de hierarquia superior, e que portanto assume todas as obrigações e
responsabilidades daquele posto/graduação, tenha garantidos igualmente os mesmos direitos, dentre os quais o de
receber a remuneração correspondente àquele posto/graduação (artigo 25 do Estatuto dos Militares), enquanto nele
estiver exercendo suas funções.

Por fim, mesmo que o Estatuto dos Militares não trouxesse norma expressa a respeito, o “desvio de função” para
suprir claros na lotação da repartição militar autorizaria, por direito, eqüidade e justiça, o pagamento ao servidor pelo
trabalho por ele prestado, conforme o cargo/função efetivamente exercido, porquanto todo trabalho deve ser remunerado
de acordo com as atribuições, obrigações e responsabilidades dele decorrentes, conforme os valores de
soldo/remuneração fixados por lei. Com efeito, ilegal, ilegítima, imoral e anti-ética seria a atitude da Administração Pública,
seja no segmento cível ou militar, em obrigar um servidor de determinado cargo/posto, a exercer outro cargo ou
posto/graduação de nível hierárquico superior, com maiores obrigações e responsabilidades, sem porém receber a
correspondente diferença em pecúnia como paga pela assunção destas mesmas obrigações e responsabilidades (que via
de regra, são maiores tanto quantitativamente, como qualitativamente).
Se a lei define, para cada cargo/função, as correspondentes atribuições e responsabilidades, com a respectiva
escalonação remuneratória, o exercício na prática de dado cargo/função obriga a Administração, obviamente, à
correspondente correlação remuneratória. Senão, de nada valeria a estruturação dos cargos e salários em carreiras, com a
definição das atribuições específicas de cada cargo.

3. Dispositivo.

Ante o exposto, julgo procedente o pedido feito pelo autor Haroldo Alves de Lima, com fulcro no artigo 269, inciso I,
do Código de Processo Civil, e condeno a União a:

a) pagar ao autor a remuneração equivalente à de subtenente durante o período em que permanecer na função de
“encarregado de material” do NPOR do 5.º Batalhão de Engenharia de Combate Blindado de Porto União/SC, para a qual foi
nomeado para o triênio 2006/2008, com início em janeiro de 2006, com todos os reflexos remuneratórios decorrentes
(adicionais, décimo terceiro salário, férias etc.);

b) pagar autor as diferenças entre a remuneração de primeiro sargento e a de subtenente, conforme determinado no
item anterior (‘a’), referentes ao período de 1/1/2006 até a data da efetiva implantação do pagamento integral da
remuneração de subtenente, em razão do exercício na função de “encarregado de material” do NPOR neste período,
devidamente corrigidas pelo INPC/IBGE desde as datas em que devidas as respectivas parcelas, incidindo ainda sobre
estes valores juros de mora de 0,5% ao mês (artigo 1.º-F da Lei n.º 9.494/97), a contar da citação (2/5/2008).

Sem custas ou honorários advocatícios (artigo 1.º da Lei n.º 10.259/2001 e artigo 55 da Lei n.º 9.099/95).

Assinado digitalmente, nos termos do artigo


9.º do Provimento n.º 1/2004, do Exmo. Juiz
Coordenador dos Juizados Especiais
Federais da 4.ª Região.

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