Você está na página 1de 5

PARECER

PARA: DIRECTOR GERAL DO INADEC


DE: MIGUEL ÂNGELO DA SILVEIRA VIEIRA

ASSUNTO: COBRANÇA DE DESPESAS BANCÁRIAS PELO BANCO KEVE

DATA: 12/02/06

A
O presente memorando constitui uma abordagem apenas superficial das questões ínsitas no
Oficio com ref. 407/CA/AS/06, datado de 17 de Janeiro ultimo, proveniente do Banco Keve
S.A., com vista a esclarecer o conteúdo e o sentido das inserções mencionadas no supracitado
oficio., a pedido de Vª Exa, venho pelo presente expor o seguinte:

I - DOS FACTOS

1. O Banco Keve S.A., procede a cobrança do equivalente a USD 5, de despesa de


expediente a cada depósito realizado a favor da sua cliente a sociedade
Multiparques, empresa gestora do terminal automóvel da Empresa portuária de
Luanda, E.P., com o pretexto de prestar serviços aos usuários.
2. Em reacção o Inadec, através do oficio nº 05/GAB.DIR.GERAL/INADEC/06,
no sentido de disciplinar a cobrança da tarifa por parte do Banco, solicitou
informações sobre a legalidade da cobrança da citada tarifa, nos depósitos na sua
agencia, quer o mesmo fosse emitido pelo próprio banco ou por demais, de tal
sorte que os usuários além de pagarem o valor da obrigação constante na face do
titulo, mas encargos moratórios eventualmente existentes, têm também de pagar
por valor adicional para que o titulo possa ser descontado no referido banco,
independentemente de quanto o cliente do banco paga ao banco pela contratação
do referido serviço.
3. Ad argumentandun, “para a cobrança da citada tarifa é de que os serviços
prestados pelo banco vão ao encontro dos interesses dos destinatários,
uma vez que o Banco fez investimentos, para além de estar a praticar um
simples acto decorrente da normal actividade bancária (serviços
comissionados), de tal forma que este serviço visa tornar-se uma das
fontes de financiamento para o desenvolvimento”.
II - DO DIREITO

1. Sujeição dos Bancos a Lei nº 15/03 de 22 de Julho.

A Lei de Defesa do Consumidor, no seu art. 3º nº 1 define como consumidor


toda a pessoa física ou jurídica a quem sejam fornecidos bens ou serviços ou
transmitidos quaisquer direitos e que os utiliza como destinatário final, por quem
exerce uma actividade económica que vise a obtenção de lucros.
Fornecedor consoante o mesmo diploma legal, é toda a pessoa física ou jurídica,
pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes
despersonalizados que desenvolvem actividades de produção, montagem, criação,
construção, transportação, importação, exportação, distribuição, ou
comercialização de bens ou de prestação de serviços.
Bem, de acordo com a Lei Consumerista, é qualquer objecto de consumo ou
meio de produção, móvel ou imóvel, material ou imaterial, enquanto serviço é
qualquer actividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração,
inclusive às de natureza bancária, financeira, crédito e securitária, excepto as
decorrentes das relações de carácter laboral.
O Bem da Empresa/Banco é o dinheiro ou crédito, bem juridicamente
consumível, sendo, fornecedor a instituição financeira; e consumidor o creditado.
Neste sentido, os contratos e as operações bancárias se encontram sob o regime
jurídico da Lei de Defesa do Consumidor, dado que o Banco é uma sociedade
anónima, reconhecida a sua actividade como sendo de comércio por expressa
determinação (arts. 13º alínea b, e 154º nº 1 da Lei nº 13/05 de 30 de Setembro –
Lei das Instituições Financeiras e aplicação subsidiaria da Lei nº 1/04, de 13 de
Fevereiro – Lei das Sociedades Comerciais).
Assim as actividades bancárias são de comercio, e o comerciante é fornecedor,
por ser comerciante, o Banco é fornecedor de Bens e serviços conforme prevê o
caput da Lei de Defesa do Consumidor no seu art. 3º nº 2.
Portanto, a teor de doutrina e jurisprudência mais abalizada, não há dúvida que
os bancos ou as instituições financeiras são fornecedores de bens e serviços,
sujeitando-se aos princípios gerais da política de protecção do consumidor
positivada pelo Estado.

2
2. DA COBRANÇA ABUSIVA

Revela-se nitidamente abusiva a cobrança de tarifa para receber depósito bancário,


que o Banco impõe aos usuários dos seus serviços bancários, sejam eles clientes ou
não da aludida instituição bancária.
Ao justificar a malsinada tarifa, o Banco fundamenta-se em razões subjectivas
derivadas da profunda transformação que o mercado financeiro vem sofrendo e que
origina uma maior operacionalidade do sistema e também a uma maior diversidade
de operações sujeitas a pagamento tais como comissionar a cobrança feita por
serviços públicos essenciais (Energia, Água, Telecomunicações, etc.), na liquidação
das suas facturas, contratantes da aludida instituição bancária na qual confiam o seu
dinheiro e que dispõe dele para os seus negócios e assume a responsabilidade de
restituir com ou sem juros conforme o acordado.
Ora, o serviço é prestado pelo Banco em razão do contrato que este mantém com o
seu cliente (fornecedor de serviços), o qual é responsável pela emissão do titulo –
cedente – daí que, in casu, o pagamento de tal serviço há que ser feito pelo
contratante do mesmo, mas nunca pelo usuário, seja ele cliente ou não do Banco,
em razão de não ter firmado contrato neste sentido, não sendo pois responsável
pelo custo oriundo da prestação do serviço, competindo-o apenas o pagamento do
valor constante na face do referido titulo, com os acréscimos moratórios a que der
causa e nada mais.
Por essa razão, a cobrança da tarifa feita aos usuários, é prática abusiva (lato sensu –
é a desconformidade com os padrões mercadológicos de boa conduta em relação ao
consumidor e que acabam por traduzir-se em condições que ferem os alicerces da
ordem jurídica económica, seja pelo prisma da boa-fé, seja pela óptica da ordem
pública e dos bons costumes), vedada expressamente pelo art. 22º nº 1 alínea a da
Lei de Defesa do Consumidor, por se constituir em exigência de vantagem excessiva
estabelecida em favor do Banco.
Está mais do que evidenciado de forma cristalina a ocorrência da prática abusiva em
detrimento dos usuários, possibilitando ao banco locupletar-se despudoradamente
ao cobrar pelo serviço tanto daquele que o contratou (a firma Multiparques) como
ao usuário.
Assim, o Banco ao cobrar pela prestação do serviço ao usuário, violou frontalmente
o disposto nos arts. 15º nº 4, 16º alínea d) e$1º nº 3, 20º nº 1, 22º nº 1 alíneas a) e i),
da Lei de Defesa do Consumidor.

3
III – Da “legitimatio ad Causam” do Inadec

Incontestável a legitimidade activa do Inadec para a tutela dos interesses violados,


tendo em vista a expressa disposição na Lei de defesa do Consumidor, que depois de
prescrever ser cabivel a defesa colectiva na hipótese de interesses ou direitos
transindividuais (art. 4º nº 1 alínea e), o indica como um dos legitimados para a
respectiva acção (art. 28º alinea d) e o art. 3º do Dec. nº 9/03 de 3 de Marco).
O objectivo deste tipo de acção é a de demonstrar como sendo possível e provável a
defesa em juízo dos direitos individuais homogéneos (violados no caso em apreço),
assim entendidos os vinculados a uma pessoa, de natureza divisível e de titularidade
plurima, decorrentes de origem comum, evitando deste modo inúmeras reclamações
e acções em juízo de usuários, cada um de per si, em beneficio próprio, que acba por
não proporcionar economia de tempo e dinheiro. Mas que por outro lado, fortalece
a posição do usuário, que, isoladamente, poderia não se sentir em condições de
litigar, em virtude do reduzido valor patrimonial das despesas que forçosamente tem
de efectuar.

VI – Do Pedido

Ante o exposto, aconselho o Inadec :

a) A suspender imediatamente a cobrança da citada tarifa, por se constituir


em prática lesiva aos interesses dos usuários, usando de imediato
mecanismos de tutela desses interesses e propiciando a sua defesa (art.
92º nº 2 do Decreto- Lei nº 16-A /95 de 15 de Setembro).
b) Negociar com o Banco, formas de devolver os valores pagos pelos
usuários (ou o seu pagamento em dobro, conforme quem tem poder decisório assim
achar conveniente – art. 24 n2 da Lei de defesa do Consumidor).
c) Na inexistência de acordo, em colaboração com a outra parte com
legitimidade activa (Ministério publico), dar inicio a uma acção judicial,
citando o Banco (réu), na pessoa dos seus representantes legais para
contestar a acção, sob pena de revelia e confissão, com a aplicação in casu
da inversão do ónus probandi, em favor do consumidor conforme
plasmado legal, para que seja o Banco (réu) condenado a indemnizar os
usuários, em razão da cobrança acima referida, com a devolução dos
valores indevidamente cobrados, em dobro, corrigidos monetariamente e
outros acréscimos legalmente previstos ( Lei nº 3/03 de 14 de Fevereiro,
Lei que altera o Código Civil em matéria de juros e seus regulamentos).

4
d) Por fim, entendo que os Organismos de Supervisão, apesar de modo
geral, estarem desaparelhados no que diz respeito aos direitos do
consumidor, também é verdade que a actividade destes organismos de
supervisão sectoriais (B.N.A., no caso em concreto), não podem estar
desvinculados dos mecanismos institucionais de protecção e defesa do
consumidor (art. 2º nº 14, da Lei nº 13/05 de 30 de Setembro –Lei das
Instituições Financeiras).
Pelo que é, urgente, a necessidade de interacção operacional entre os
organismos de supervisão de actividades económicas e o Inadec, que para
tornar mais efectiva tal articulação, estabeleceriam parcerias (Formação
Profissional, Palestras, Remuneração de Especialistas, etc.), definindo ou
repartindo responsabilidades, directrizes e normas de procedimento no
tratamento conjunto de actos anti-consumeristas por parte dos agentes
do mercado.

B
SINTESE TEMÁTICA
APLICABILIDADE DA LEI DE DEFESA DO CONSUMIDOR
AS INSTITUICOES FINANCEIRAS BANCÁRIAS

LEGISLACÃO CITADA

Lei nº 15/03 de 22 de Julho Lei de Defesa do Consumidor

Lei nº 13/05 de 30 de Setembro Lei das Instituições Financeiras

Lei nº 3/03 de 14 de Fevereiro Lei que altera o Código Civil em


Matéria de juros
Lei nº 1/04 de 13 de Fevereiro Lei das Sociedades Comerciais

Decreto-Lei nº 16-A/95 de Aprova as Normas de Procedimento


15 de Dezembro da Actividade Administrativa

Decreto nº 9/03 de 3 de Marco Aprova o Estatuto Orgânico do


INADEC

Você também pode gostar