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RESUMO: Como a teoria existencialista sartreana pode contribuir no debate sobre a educação?
Como se caracterizaria uma educação existencialista e humanista no sentido sartreano?
Fundamentar a ação do professor de modo que sua prática pedagógica vise o esclarecimento e a
consciência da liberdade de cada sujeito permite que ele possa ter uma vivência mais plena,
engajada, autêntica, própria. A mediação feita pelo professor pode contribuir de modo que o
educando seja apresentado a si mesmo, percebendo que é por meio dele mesmo enquanto criador de
valores, enquanto um constante projetar-se sobre si mesmo que a vida terá o sentido que ele próprio
atribuir.
alcançou muita popularidade e o termo foi até mesmo levado à vulgarização, também. Alvo de
variadas críticas sofreu ataques de lados bem divergentes – diga-se de passagem –, por exemplo,
dos comunistas e dos católicos. Os, chamados por Sartre, comunistas, criticaram o existencialismo
“por incitar as pessoas a permanecerem num quietismo de desespero” (EH, p. 9), argumentando que
não havendo teleologia isto é, um fim último para as coisas, não há melhoramento, nem superação,
então a ação se torna impossível e isso leva a uma “filosofia contemplativa, [...] burguesa, já que a
contemplação é um luxo” (EH, p. 9); além da acusação de que partir da subjetividade humana para
incapazes, por conseqüência, de regressar à solidariedade com os homens que existem fora de mim
1
Artigo originalmente apresentado no VII Seminário de Educação – Educação, cultura e cidadania (UNIOESTE –
Toledo).
2
Professora do Quadro Próprio do Magistério do Estado do Paraná; mestranda do Programa de Pós-Graduação em
Filosofia pela UNIOESTE, linha de pesquisa Metafísica e Conhecimento. Email: luizahilgert@hotmail.com
[...]” (EH, p. 9). Censura esta também feita da parte dos católicos 3 que, não obstante, incriminam o
existencialismo por suprimir “os mandamentos de Deus e os valores inscritos na eternidade, [então]
só nos resta a gratuidade, podendo assim cada qual fazer o que lhe apetecer, e não podendo, pois, do
seu ponto de vista, condenar os pontos de vista e os atos dos outros” (EH, p. 9), isto é, além destas
ideias soarem heréticas aos ouvidos cristãos, estes compreenderam o projeto existencialista como
uma absoluta relativização sem qualquer efeito. Caindo no gosto popular, tornou-se moda e, por
conseguinte, a expressão foi vulgarizada “e no fim de contas, a palavra tomou hoje uma tal
amplitude e extensão que já não significa absolutamente nada” (EH, p. 10)4. De todo modo, o
essência, Sartre reconhece que os filósofos do século XVII eliminam a ideia de Deus, mas não
conseguem abandonar as suas sombras, há, ainda a imposição da essência, do ser e não do ter5. O
rompimento com a tradição se dá, sob este aspecto, na declaração de que “a existência precede a
essência”, abandonando qualquer determinismo ou apriorismo. Por isso, Sartre nomeia sua teoria de
subjetividade humana. [...] no sentido de que o homem não está fechado em si mesmo, mas presente
sempre num universo humano [...]” (EH, p. 27). Não há o que não seja por meio da subjetividade,
isto é, é a existência humana que arroga sentido aos valores, às escolhas, às ações, “Humanismo,
porque recordamos ao homem que não há outro legislador além dele próprio, e que é no abandono
que ele decidirá de si [...]” (EH, p. 27). Isso configura sempre uma imprevisibilidade aos fatos
considerando que o filósofo francês Jean-Paul Sartre não se dedicou à construção de uma pesquisa
humana enquanto um projeto existencial lançado no mundo, pensado a partir dele mesmo, sem
3
Ironia imaginar marxistas e católicos estando ao mesmo lado. Conforme o velho Marx “A religião é o ópio do povo”.
4
Não é nossa intenção tratar historicamente o existencialismo e suas relações com a noção sartreana de existencialismo.
5
“Tal idéia encontramo-la nós um pouco em todo lado: encontramo-la em Diderot, em Voltaire e até mesmo num Kant”
(EH, p. 11).
determinismos ou modelos a priori que estancam a possibilidade de escolhas, de liberdade, de
para o debate sobre a educação, ou mesmo, fundamentar a ação pedagógica. Procuraremos ao longo
da nossa exposição demonstrar que a resposta para as duas questões é afirmativa, e, por
conseguinte, uma nova indagação pode ser feita: Como se caracterizaria uma educação
existencialista e humanista?
existencialismo defendeu a liberdade absoluta como o único fundamento do ser humano. Porém, o
Popularmente entende-se que liberdade é fazer o que se quer, “o que dá vontade”, quando
não há impedimentos entre o querer e o fazer, entre o desejar e o ter; ser livre é não ter empecilhos
para se fazer cumprir essa vontade, esse desejo. Como, por exemplo, na visão dos jovens e
adolescentes, a liberdade se configura quando os pais não os barram nem os proíbem de sair,
namorar ou fazer algo, ou então a concepção de que livre é todo aquele que não está fisicamente
encarcerado, aprisionado.
Contudo, a liberdade a que o filósofo francês se refere é mais radical, é uma liberdade
ontológica, originária, é o que nos fundamenta, o que nos caracteriza como projetos existenciais:
ações, projetarmos nossas atitudes: é isso o que de fato se caracteriza liberdade. Sendo assim, cada
escolha é feita de modo livre, indeterminado, como escolha livre da própria consciência que não é
fundada por nada, que não é determinada por nada. Também, o conceito de responsabilidade tem
um sentido um tanto diferente do usual: as escolhas são a manifestação da liberdade, a cada escolha
cabe uma responsabilidade; isto é, cada escolha carrega consigo uma responsabilidade.
O homem é, segundo esta corrente filosófica, um projeto, sempre aberto, sempre se fazendo
e se construindo; não se torna concluído, fechado, completo, estático. Ao contrário, o ser humano é
determinismos. “Se Deus não existe, há pelo menos um ser no qual a existência precede a essência,
um ser que existe antes de poder ser definido por qualquer conceito: este ser é o homem” (EH, p. 5-
6). Isso significa que não há uma natureza ou essência humana, em contrapartida, há a realidade
humana, isto é, o homem se faz, sendo; “o homem existe, encontra a si mesmo, surge no mundo e
só posteriormente se define” (EH, p. 5-6). O existencialismo ateu preconizado por Sartre garante ao
homem um status de artífice do seu próprio destino, isto é, senhor das suas próprias escolhas e
ações, sem mandos, sem características prévias a se encaixar: apenas liberdade. O abandono ao qual
nos encontramos, nos torna, prontamente, criadores dos nossos próprios valores, responsáveis por
nossas próprias escolhas e ações. Isto quer dizer que somos responsáveis pela nossa liberdade.
igualmente a humanidade, pois cada escolha feita engaja, isto é, afeta, compreende além de mim o
outro, a humanidade. Não há escolha feita que não seja escolher perante o outro. O homem é
completamente responsável pela sua vida, é fundamentalmente livre. Conforme Sartre “Isso é o que
faz que me apreenda como totalmente responsável por meu ser, enquanto sou o seu fundamento”
(SN, p. 126). Nossa responsabilidade é muito maior do que poderíamos imaginar, pois envolve toda
a humanidade. E mesmo quando não fazemos nada, quando nos omitimos, também somos
responsáveis, justamente pela omissão, pois também é uma escolha: escolha do não agir. De todo
modo, não há como fugir da nossa liberdade, estamos todo o tempo fazendo escolhas. Porém, a má-
fé é também estrutura constituinte do para-si, então, estamos constantemente procurando nos afastar
nossa situação a outras instâncias, como sociedade, governo, escola, família, igreja, televisão.
pode oferecer à educação? Tanto a humanidade quanto a educação estão em crise e precisam ser
repensados, recuperados. As normas escolares, assim como toda forma de lei ou códigos vigentes,
se impõem de fora para dentro, se configuram de modo que se deva cumprir o que é determinado e
pré-estabelecido hierarquicamente, por temor às punições ou sanções. Isso implica até no discurso
dos professores e gestores, muitas vezes formulado segundo estes padrões, apelando para o medo
das consequências decorrentes do não cumprimento das ordens. Percebemos isto quando, por
exemplo, os professores dizem aos educandos “Estude, porque isso é conteúdo da prova”, ou “Faça
muitos teóricos, ela é o instrumento que pode proporcionar o rompimento com os elos da alienação
na qual a humanidade se encontra. Não está presente neste tipo de postura uma educação existencial
e humanizadora, pois não atribui ao sujeito a responsabilidade pelas suas escolhas e pela sua vida;
represálias ou consequências desagradáveis que são exteriores, como sendo ações da parte de um
terceiro sujeito: direção, pais, professores; e que não se caracterizam como responsabilidade do
próprio ato do estudante. Este exemplo de prática rompe com o binômio liberdade-
responsabilidade, pois não atribui ao estudante nem um nem outro, o coage a seguir e a se encaixar
estudar, de fazer atividades propostas, e por si mesmo opte conscientemente pelas suas atitudes.
Qualquer concepção de educação que se preocupe em promover a emancipação humana deve estar
voltada para o viver autêntico e pleno do ser humano, pois uma vida só é autêntica quando é o
próprio sujeito que a escolhe. Fundamentar a ação do professor de modo que sua prática pedagógica
mesmo possa ter uma vivência mais plena, engajada, autêntica e própria. Declarar que diante das
condições de existência se inclui o poder de fazer escolhas dentro dos limites da facticidade humana
e dos modos iniciais de existir. Essa nova postura é como uma “tomada de consciência” que torna o
em situação, apesar de não escolher sua posição ou situação, escolhe o sentido que esta situação se
lhe apresenta e o modo como agirá frente a ela. Assumir o ambiente escolar por parte do aluno é
científicas, de investigação, e tudo o que isto implica; assumir cada experiência, cada vivência
como sua, o que o levará, num contexto de relações, a vivenciar plenamente os outros âmbitos:
familiar, profissional, social, e ainda, os horizontes do seu próprio mundo interno cheio de dúvidas,
sentimentos, desejos, projetos. De outro lado, assumir o ambiente escolar por parte do professor,
segundo estes princípios, é aceitar a gratuidade e relatividade da sua disciplina, da sua situação,
entendendo que as artes, as ciências, a história, a linguagem, a filosofia, a religião, são, também,
produtos inacabados, em construção assim como si próprio e seu aluno e isto significa, com efeito,
não esperar o aluno “ideal”, não ser o professor “ideal”, mas um projeto existencial.
Aceitar que estamos inseridos em um mundo, sociedade, política e sistema que já estão em
curso; mas que poderão alterar-se segundo ações e das quais também seremos resultado segundo as
opções feitas. Assim, o existencialismo é um conjunto de ideias, teorias, tramas filosóficas e, ainda
assim, postura, posição e atitude que possibilitam atribuir algum sentido à vida humana. Portanto, a
mediação feita pelo professor pode contribuir de modo que o educando seja apresentado a si
mesmo, percebendo que é por meio dele mesmo enquanto criador de valores, enquanto um
constante projetar-se sobre si mesmo que a vida terá o sentido que ele próprio atribuir.
Todas essas questões perpassam o horizonte pedagógico, pois a existência humana autêntica
se dá em vistas a entender sua dimensão livre, responsável, gratuita, factual e cotidiana. Viver de
modo autêntico consiste em atender ao projeto original que nos é imposto de antemão, qual seja: o
de sermos responsáveis por nós mesmos e por toda a humanidade, aceitando-nos como ausentes de
fundamentação a priori e, por isso mesmo, tendo que transcender essa condição para fundamentar, a
partir de nosso próprio engajamento, valores e modelos. Por isso, a ação pedagógica de caráter
perceber-se e assumir-se como ser livre inserido no mundo, responsável por suas escolhas, fazendo
parte da humanidade.
Com efeito, acreditamos que essa concepção de ensino existencialista não se limita à
disciplina de filosofia, mas que pode, por sua vez, ser estendida a todas as disciplinas que compõem
a grade curricular, desde o ensino infantil até o superior, que não pretende dar conta do que é o
processo pedagógico, mas que pode, muito bem, constituir-se como um princípio norteador que
REFERÊNCIA BIBLIOGRAFIA