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Literatura Inglesa

Material Teórico
A Era Vitoriana: Auge do Império Britânico

Responsável pelo Conteúdo:


Prof.ª Dr.a Palma Simone Tonel Rigolon

Revisão Técnica:
Prof.ª Dr.ª Nathalia Botura

Revisão Textual:
Prof. Esp. Bruno Reis
A Era Vitoriana: Auge
do Império Britânico

• A rainha Vitória (1819-1901) e o desenvolvimento mundial


• Oscar Wilde: O príncipe feliz
• Charlotte Brontë: Jane Eyre

Nesta Unidade, nosso enfoque será a era vitoriana.


··A rainha Vitória (1819-1901) foi a governante que ficou no poder mais
tempo na história da monarquia Inglesa: 64 anos.
··Com relação à literatura, abordaremos um romance e um conto. Os autores
focalizados serão o irlandês naturalizado inglês Oscar Wilde, com o conto
The happy prince (“O príncipe feliz”) e Charlotte Brontë, com o romance
Jane Eyre.

Para um bom aproveitamento do curso, leia o material teórico atentamente antes de realizar as
atividades. É importante também respeitar os prazos estabelecidos no cronograma.

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Unidade: A Era Vitoriana: Auge do Império Britânico

Contextualização

Tenho certeza de que você já deve ter percebido a importância do contexto sócio-histórico.
Já foi mencionado anteriormente que a Revolução Industrial foi de extrema importância para
a humanidade. Então, sugiro que você assista ao vídeo disponível em:

Vídeo: https://youtu.be/jt-o3EBQPMU

Outro material muito rico sobre todo o período vitoriano elaborado pela BBC você
encontrará disponível em:

Vídeo: https://goo.gl/bdsY3

O material está em inglês, mas você terá muitas informações sobre o período, sobre a
Revolução Industrial e a rotina das pessoas naquela época.

Também indico um ótimo documentário em seis partes sobre a vida de Oscar Wilde. Deixo
os links de quatro delas, mas você pode ver mais. Vale a pena, estão disponíveis em:

https://youtu.be/cqRwZz7n8o8
https://youtu.be/gehpDtxANEE
https://youtu.be/O6S0AmZFw7k
https://youtu.be/nSkNvzbgS_E

Para encerrar, deixo um vídeo sobre a vida de Charlotte Brontë, a autora de Jane Eyre,
disponível em:

Vídeo: https://youtu.be/V6tTWuZ6M84

Aproveite as indicações. Assista à todos os vídeos. Tenho certeza de que seu conhecimento
expandirá bastante, não apenas no que concerne à literatura, como também em termos de
conhecimentos gerais.

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A Rainha Vitória (1819-1901) e o Desenvolvimento Mundial

Como já foi dito, a era vitoriana foi um período de extrema rele-


vância para o mundo por causa das invenções e dos descobrimen-
tos que mudaram a vida das pessoas. Foi nessa época também
que houve o primeiro sistema de educação obrigatório e começa-
ram a surgir os primeiros museus e bibliotecas.
Essa também foi a época de Charles Darwin (1809-1882),
cientista naturalista, defensor da seleção natural. Suas obras,
como, por exemplo, A origem das espécies, causou grande
comoção na época, pois levou à chamada crise da fé. Na
obra mencionada, Darwin explica a questão da reprodução
das espécies e que algumas delas têm maior capacidade de
sobrevivência do que outras e, por isso, algumas espécies acabam
se extinguindo. Suas teorias iam de encontro aos pensamentos
e dogmas religiosos, pois contradiziam a teoria da criação do
mundo apresentada na Bíblia, no livro do Gênesis.
Wikimedia Commons

Imagine toda essa revolução trazida nessa época em que o moralismo e o puritanismo
imperavam. Tudo isso causou grande estranhamento para a maioria das pessoas e fez com
que muitas delas repensassem seus valores.
Percebemos que esse foi também um período de muitas contradições. Ao mesmo tempo que
as inovações, as invenções e as teorias darwinianas aconteciam, o puritanismo e o moralismo
ainda estavam fortemente presentes na sociedade, porém, nas ruas da cidade de Londres,
havia muitos mendigos, prostitutas e ladrões; além disso, ainda havia o trabalho infantil. Se
pensarmos em tudo isso, as pessoas viviam uma grande contradição de valores, não é mesmo?
Como não poderia ser diferente, os reflexos desse contexto apareceram na literatura e
nas artes. Houve um grande desenvolvimento artístico na época. Na literatura, os romances
vieram com força total.
Os romancistas dessa fase podem ser divididos em três grandes grupos: o primeiro grupo,
dos chamados early Victorians, autores do princípio da era vitoriana que são: Charles Dickens
(1812-1870); as irmãs Brontë, Emily Brontë (1818-1848) e Charlotte Brontë (1816-1855), e
George Eliot (1819-1880), cujo verdadeiro nome era Mary Ann Evans.
Entre os escritores do segundo grupo, os chamados late Victorians, podemos citar:
Rudyard Kipling (1865-1936), Thomas Hardy (1840-1928) e Oscar Wilde (1854-1900),
irlandês radicado em Londres.
Já os autores considerados precursores do modernismo são: Joseph Conrad (1857-
1924), polonês naturalizado inglês, e Henry James (1843-1916), estadunidense também
naturalizado inglês.
Como já sinalizamos acima, focalizaremos duas obras de dois escritores significativos desse
período: o conto O príncipe feliz, de Oscar Wilde, e o romance Jane Eyre, de Charlotte Brontë.

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Unidade: A Era Vitoriana: Auge do Império Britânico

Oscar Wilde: O Príncipe Feliz

Antes de começarmos a discutir sua obra, vamos falar um pouco sobre


a vida do escritor.
Como já mencionado, Wilde (1854-1900) era irlandês. Nasceu em
família abastada anglo-irlandesa, seu pai era médico e sua mãe escri-
tora. Teve contato com a elite intelectual da época e com os grandes
clássicos da literatura. Mudou-se para Londres em 1879 e foi lá que
floresceu sua literatura.
Oscar Wilde teve uma vida bastante conturbada. Apesar de ter sido
casado e ser pai de dois filhos, teve vários casos homossexuais, o que
era condenável na era vitoriana. Foi preso algumas vezes por atentado
ao pudor.

Napoleon Sarony (1821–1896)/


Wilde era convidado para as festas com frequência, pois as pessoas se
Wikimedia Commons divertiam com a agudeza de suas palavras e sátiras, era o centro das
atenções nos salões vitorianos.
Escreveu um único romance considerado sua grande obra, O retrato de Dorian Gray
(1891), que aborda questões homossexuais e discute a teoria da “arte pela arte mesma”, em
que aponta a relação entre obra, crítico e artista. No romance, o protagonista vende sua alma
ao diabo com o objetivo de conservar sua beleza. Você pode ver o filme que tem o mesmo
título, vale a pena.
No teatro, há várias obras que se destacam: A woman of no importance, The importance
of being earnest, An ideal husband.
Quando foi condenado à prisão por homossexualismo, escreveu uma de suas últimas obras,
um depoimento em forma de ensaio intitulado De profundis.
Além das obras citadas, o autor também publicou poemas e vários contos, como The happy
prince, The nightingale and the rose, The selfish giant, The devoted friend, entre outros.
Vamos analisar o conto O príncipe feliz (The happy prince). Vamos lá!

O príncipe feliz (1885)


Essa obra foi escrita em 1885 com o objetivo de entreter alunos
da Universidade de Cambridge. De acordo com estudiosos
de sua obra, há vários fatores que podem ter levado Wilde a
escrever contos de fada, um deles é que esses contos podem
ter sido escritos para entreter seus filhos, outra provável razão
é que, nessa época na Inglaterra, entre 1865 e 1900, havia
muitos escritores desse gênero, como é o caso de John Ruskin
(1819-1900), William Makepeace Thackeray (1811-1863),
”The Happy Prince”, Wordsworth Andrew Lang (1844-1912), Lewis Carroll (1832-1898) etc.

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O que faz com que os contos de Wilde sejam considerados obras-primas é que o autor
consegue inserir problemas sociais em suas histórias. Foi mais ou menos nessa época que o
autor tomou consciência de sua homossexualidade, portanto, os contos lhe permitiam escrever
sobre sua descoberta e sobre o moralismo da era vitoriana de forma velada.

A primeira coisa que você deve fazer é ler o conto. Você encontrará
vários links que dão acesso a ele no Material Complementar.
Importante!

O conto apresenta pelo menos três temas: o primeiro diz respeito à beleza que é efêmera e
não leva a nada; o autor aponta que o único sentimento capaz de produzir mudança é o amor.
O segundo tema diz respeito à diferença que o amor e o sacrifício podem fazer e o terceiro diz
respeito ao abismo entre o pobre e o rico, entre governantes e governados.
Para que você entenda os três temas mencionados, vamos retomar um pouco a história do conto.
Quando o príncipe vivia em seu palácio, não conseguia perceber o que realmente acontecia
fora dele, vivia feliz e pensava que, da mesma forma que ele, as outras pessoas também viviam
felizes. Após sua morte, fizeram uma estátua do príncipe toda folhada de ouro e com várias
pedras preciosas. Essa estátua, que ficava em uma coluna bem alta, foi posta em uma praça.
Essa obra de arte era admirada por todos os habitantes da cidade.
Lá do alto, a estátua do príncipe podia ver toda a cidade e perceber o sofrimento de seu
povo. A estátua chora ao ver tanta miséria, por querer ajudar as pessoas e não poder. Porém,
aparece um pássaro que passava o verão por ali e é essa ave que o ajudará a minimizar a dor
de seu povo.
Uma das características mais significativas dos contos de fada é exatamente a personificação
de animais, como é o caso da andorinha no conto, e a vida que objetos inanimados, como a
estátua do príncipe e o junco por quem a andorinha se apaixona, ganham. Observe o trecho
a seguir:
“Far away,” continued the statue in a low musical voice, “far away
in a little street there is a poor house. One of the windows is
open, and through it I can see a woman seated at a table. Her
face is thin and worn, and she has coarse, red hands, all pricked by
the needle, for she is a seamstress. She is embroidering passion-
flowers on a satin gown for the loveliest of the Queen’s maids-of-
honour to wear at the next Court-ball. In a bed in the corner of
the room her little boy is lying ill. He has a fever, and is asking for
oranges. His mother has nothing to give him but river water, so he
is crying. Swallow, Swallow, little Swallow, will you not bring her
the ruby out of my sword-hilt? My feet are fastened to this pedestal
and I cannot move.”
“I am waited for in Egypt,” said the Swallow. “My friends are
flying up and down the Nile, and talking to the large lotus flowers.
Soon they will go to sleep in the tomb of the great King. The King
is there himself in his painted coffin. He is wrapped in yellow
linen, and embalmed with spices. Round his neck is a chain of
pale green jade, and his hands are like withered leaves.”
“Swallow, Swallow, little Swallow,” said the Prince, “will you not
stay with me for one night, and be my messenger? The boy is so
thirsty, and the mother so sad.”
Disponível em: https://goo.gl/mMkyL7

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Unidade: A Era Vitoriana: Auge do Império Britânico

O excerto mostra que a estátua do príncipe está muito triste e pede que a ave o ajude e leve
o rubi de sua espada para que a mãe de um garoto doente possa ter condições financeiras de
cuidar do menino.
Assim a história vai se desenrolando, a estátua pede para que o pássaro fique mais e mais
tempo para levar as partes preciosas de seu “corpo” para ajudar as pessoas da cidade.
Com a chegada do inverno, a ave se perde de seu bando, a estátua já não tem mais
nada de precioso que possa contribuir para melhorar a vida das pessoas da cidade. Ela nem
consegue mais enxergar, pois seus “olhos”, duas safiras, também foram retirados para ajudar
os necessitados. Então, a estátua fica feia e já não chama mais a atenção das pessoas da cidade
e passa a ser vista como um estorvo. Veja o que acontece a seguir.

“The ruby has fallen out of his sword, his eyes are gone, and he is
golden no longer,” said the Mayor in fact, “he is litttle beter than
a beggar!”
“Little better than a beggar,” said the Town Councillors.
“And here is actually a dead bird at his feet!” continued the Mayor.
“We must really issue a proclamation that birds are not to be
allowed to die here.” And the Town Clerk made a note of the
suggestion.
So they pulled down the statue of the Happy Prince. “As he is no
longer beautiful he is no longer useful,” said the Art Professor at
the University.
Then they melted the statue in a furnace, and the Mayor held a
meeting of the Corporation to decide what was to be done with
the metal. “We must have another statue, of course,” he said,
“and it shall be a statue of myself.”
Disponível em: https://goo.gl/mMkyL7

Notamos o descaso dos governantes da cidade com relação à estátua do príncipe. Estavam
mais preocupados com sua beleza, sua opulência e não com o que ela representava. Por isso,
como ela já não era mais útil aos propósitos dos governantes, eles mandam derreter a estátua
e começam a pensar em qual seria a personalidade homenageada para fazerem uma nova
estátua, tão suntuosa quanto a do príncipe feliz.

Diante de todas essas informações, vamos pensar sobre a mensagem que o autor queria
nos transmitir.

Começaremos a partir do título: O príncipe feliz, será que o príncipe era realmente feliz?
Percebemos que não. Então, podemos concluir que, no próprio título, o autor já demonstra
ironia e tem a intenção de fazer uma crítica aos dirigentes que só conseguem enxergar o que
lhes é conveniente.

Percebemos também que, ao apontar todas aquelas pessoas pobres da cidade, famintas,
doentes, com pouquíssimos recursos, o autor retrata as pessoas que viviam na época da
Revolução Industrial, em péssimas condições de vida, conforme já discutimos anteriormente.

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Outro tema importante e que aparece de forma bastante sutil é o homossexualismo. O amor
entre o príncipe e o pássaro, que transcende o materialismo e a hipocrisia dos governantes da
cidade, é forte e eterno. Observe o trecho final.

“What a strange thing!” said the overseer of the workmen at the


foundry. “This broken lead heart will not melt in the furnace. We
must throw it away.” So they threw it on a dust-heap where the
dead Swallow was also lying.
“Bring me the two most precious things in the city,” said God to
one of His Angels; and the Angel brought Him the leaden heart
and the dead bird.
“You have rightly chosen,” said God, “for in my garden of Paradise
this little bird shall sing for evermore, and in my city of gold the
Happy Prince shall praise me.”
Disponível em: https://goo.gl/mMkyL7

Ao derreter a estátua, observaram que seu coração não derretia e, como já não tinha mais
serventia, foi jogado fora. O coração da estátua acabou caindo ao lado do corpo do pássaro.
Porém o amor dos dois durará para sempre, pois Deus está feliz com a atitude deles de ajudar
os mais necessitados; o pássaro continuará cantando no jardim da eternidade e o coração do
príncipe viverá para sempre.
O autor nos mostra que a sociedade não será capaz de desenvolver o amor enquanto for
materialista, intolerante e hipócrita.
Espero que você tenha gostado do conto e fique curioso para ler mais obras desse autor tão
emblemático.
Agora vamos conhecer um pouco sobre a obra Jane Eyre, de Charlotte Brontë. Você
já deve ter lido o romance. Há várias indicações a respeito dessa obra na seção Material
Complementar. Inclusive, você poderá assistir ao filme (há várias versões) que também lhe será
bastante útil para entender a análise que será feita a seguir.

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Unidade: A Era Vitoriana: Auge do Império Britânico

Charlotte Brontë: Jane Eyre

Nem sempre saber sobre a vida do autor é útil para entender a obra.
Em nosso caso, teremos de contar um pouco da história de Charlotte
porque grande parte de sua obra está relacionada à sua vida. Vamos
saber um pouco mais sobre ela.
Charlotte Brontë (1816-1855) foi a terceira de seis filhos. Sua mãe
faleceu quando ela tinha apenas 5 anos de idade. Charlotte e seus
irmãos ficaram sob os cuidados de uma tia. Em 1824, a autora e
suas irmãs foram enviadas para uma escola católica em Lancashire;
suas irmãs mais velhas acabaram morrendo de tuberculose nessa
escola, que é descrita em detalhes em Jane Eyre, o que veremos
mais adiante.
J. H. Thompson/Wikimedia Commons

Charlotte incentivou suas irmãs, Emily e Anne a escreverem. As irmãs usavam pseudônimos
masculinos, Currer, Ellis e Acton Bell, por causa do preconceito que havia na época com
relação às mulheres e por terem certeza de que o feminino da época não estava contemplado
em suas narrativas, muito ao contrário, os temas de seus romances, em particular Jane Eyre e
Wuthering Heights, de Emily Brontë, traziam temas turbulentos que não seriam bem aceitos,
principalmente se soubessem que tinham sido escritos por mulheres.
Todos os irmãos da autora foram morrendo, Charlotte foi a única sobrevivente dos seis
irmãos.
Charlotte casou-se em 1854, com Arthur Bell Nicholls, que, assim como seu pai, era um
homem da Igreja. Estudiosos afirmam que seu marido é retratado em Jane Eyre nas figuras de
Rochester e St. John, personagens que serão discutidas posteriormente.
Então, vamos ao resumo da obra.

Jane Eyre
Jane Eyre é considerado um romance gótico, pois retrata lugares sombrios, apresenta
elementos misteriosos com o objetivo de criar uma atmosfera de terror. Como exemplos de
lugares sombrios na obra, podemos citar Lowood, Moor House e Thornfield, além disso, não
podemos nos esquecer da personagem Bertha (que será retomada posteriormente), que cria
uma situação de mistério em grande parte da obra.
O romance é também considerado uma autobiografia ficcional, a narradora conta a história
de sua vida a partir dos dez anos de idade, até cerca de vinte e oito anos. Por isso, a narrativa
acontece em primeira pessoa, é a própria Jane quem conta essa história.
Jane é uma órfã que vive infeliz na casa da tia que a detesta. Como se não bastasse, a
menina ainda tinha vários problemas com seus primos, principalmente com John Reed. Veja
o trecho a seguir, que mostra John Reed machucando Jane.

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You have no business to take our books; you are a dependant,
mamma says; you have no money; your father left you none; you
ought to beg, and not live here with gentlemen’s children like us,
and eat the same meals we do, and wear clothes at our mamma’s
expense. Now, I’ll teach you to rummage my book-shelves: for
they are mine; all the house belongs to me, or will do in few years.
Go and stand by the door, out of the way of the mirror and the
windows
(BRONTË, 1994, p. 12).

Jane gostava de ficar na biblioteca lendo, o lugar era seu refúgio, porém, geralmente era
perturbada pelo primo. O excerto nos mostra a crueldade das palavras de John, com o objetivo
de fazê-la sentir-se menor, à margem. Mas o pior ainda está por vir, John não fica apenas nas
palavras, ele a agride, atira lhe um livro e a faz sangrar. Observe a seguir o que acontece com
Jane, que é verdadeiramente a vítima da situação:

“Then Mrs. Reed subjoined: ‘Take her away to the red-room, and
lock her there’. Four hands were immediately laid upon me, and I
was borne upstairs”
(BRONTË, 1994, p. 13).

Apesar da crueldade de John Reed, é Jane que é posta de castigo e que fica trancada no
quarto vermelho (“the red-room”). Mesmo com o sangramento da personagem, fato notório
de que tinha sido vítima do primo, ela ainda é considerada culpada.
Esses pequenos trechos já sinalizam que a vida de Jane na casa de sua tia não era nada fácil.
Um dia, após um confronto com ela, Jane é enviada para um internato.
Nossa protagonista era bastante impetuosa, pois, mesmo vivendo sob o jugo de sua tia
e enfrentando todos os problemas naquela casa, dizia o que pensava. Observe o excerto a
seguir, que retrata esse enfrentamento quando sua tia convida o Sr. Broscklehurst, da escola
Lowood, para levar Jane para o internato. Sua tia tece comentários nada lisonjeiros com
relação à nossa personagem.

‘Mr. Brocklehurst, I believe I intimated in the letter which I wrote to


you three weeks ago, that this little girl has not quite the character
and disposition I could wish: should you admit her into Lowood
school, I should be glad if the superintendent and teachers were
requested to keep a strict eye on her, and above all, to guard
against her worst fault, a tendency toward deceit. I mention this
in your hearing, Jane, that you may no attempt to impose on Mr.
Brocklehurst’
(BRONTË, 1994, p. 28).
Ao que Jane responde:

‘I am not deceitful: if I were, I should say I loved you; but I declare


I do not love you: I dislike you the worst of anybody in the world
except John Reed; and this book about the liar, you may give it to
your girl, Georgiana, for it is she who tells lies, and not I’
(BRONTË, 1994, p. 30).

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Unidade: A Era Vitoriana: Auge do Império Britânico

Note que Jane não se curvava à sua tia, desde pequena era impetuosa e estava em busca
de liberdade. De qualquer maneira, como não tem alternativa, acaba indo para Lowood. E lá
perceberemos que a vida de Jane continuará não sendo fácil.
Quando Jane chega a Lowood, percebe que a escola é muito pobre, as crianças chegam
a passar fome, pois a comida é racionada e de má qualidade. Além disso, as crianças são
humilhadas. Veja a seguir a primeira impressão de Jane ao chegar à escola.

“The refectory was a great, low-ceiled, gloomy room; on two long


tables smoked basins of something hot, which, however, to my
dismay, sent forth an odour far from inviting. I saw a universal
manifestation of discontent when the fumes of the repast met
the nostrils of those destined to swallow it; from the van of the
procession, the tall girls of the first class, rose the whispered words
– “disgusting! The porridge is burnt again!”
(BRONTË, 1994, p.57)

A linguagem leva o leitor a perceber o quão terrível era a escola e o descontentamento


das crianças; a autora faz isso por meio de expressões, como: manisfestation of discontent,
disgusting, the porridge is burnt again.
Mesmo com toda a adversidade, Jane conhece duas pessoas importantes que marcarão
sua vida: Helen Burns, uma aluna que acaba morrendo na epidemia de tifo, e a professora
Srta. Temple, que acaba sendo um exemplo para Jane que, mais tarde, se tornará professora
daquela mesma escola.
Depois de ter se tornado professora, Jane ainda não se sente satisfeita, sente necessidade
de mudar e resolve procurar trabalho como governanta. É quando conhece Rochester, seu
patrão e grande amor. Mas, isso você já deve ter lido na obra, não é mesmo? Então, vamos
pensar em como a narrativa está dividida e o que essa divisão significa.
A obra pode ser pensada por meio de cinco lugares: Gateshead Hall, a casa onde vive
a família Reed, representada pela matriarca, a tia de Jane, a Sra. Reed. Essa parte já foi
abordada anteriormente, não é mesmo? Podemos, então, considerar Gateshead Hall como o
ponto de partida da jornada de Jane.
Na sequência, temos a escola, o Instituto Lowood, cujo nome significa “floresta baixa”,
porque foi construída em um vale ao lado de uma floresta, mas, além disso, significa um tempo
complicado na vida de Jane, em que a menina sente-se triste (low).
Na escola, também há muitas representações, como é o caso do diretor, o Sr. Brocklehurst,
que representa as instituições de ensino da era vitoriana. Diante de tudo isso, o leitor percebe
que Jane também não se encaixa nesse contexto. Conforme mencionamos anteriormente,
Jane cresce e passa a ser professora daquela escola, como a Srta. Temple, porém isso também
não a deixa feliz e ela vai em busca de um novo lugar; é quando chega em Thornfield Hall.
Thorn significa “espinho” e field quer dizer “campo”, então esse local representa um lugar
difícil onde nossa personagem encontrará tentação, mistério e o amor de sua vida.
Ao chegar lá, Jane é acolhida com carinho pela Sra. Fairfax. Veja o trecho a seguir em
que Jane pensa sobre o tratamento que lhe foi dado:

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“She treats me like a visitor”, thought I. “I little expected such a
reception; I anticipated only coldness and stiffness: this is not like
what I have heard of the treatment of governesses; but I must not
exult too soon”
(BRONTË, 1994, p.237 ).

Esse pensamento de Jane, na verdade, é uma dura crítica da autora em relação à rígida
hierarquia social da Inglaterra vitoriana. A autora discute o complicado papel da governanta da
época, pois geralmente era uma mulher culta e, como sabemos, cultura era privilégio de poucos
naquele tempo. Outro fato importante é que a governanta ocupa um lugar na casa, lida com a
família, porém não pertence a ela, é assalariada e tratada mais ou menos como serviçal.
Jane sente-se bem em Thornfield Hall por vários motivos: foi bem acolhida pela Sra.
Fairfax, encontrou seu grande amor, Edward Rochester, e teria se casado com ele se não
tivesse descoberto Bertha, sua esposa, que vivia trancada em um dos quartos da casa por
apresentar problemas mentais. Jane recusa-se a fazer papel de amante na vida de Rochester
e vai embora de Thornfield Hall.
Depois de muitas aventuras, já que Jane, desapontada com a descoberta da esposa de
Rochester, sai sem dinheiro, levando apenas algumas roupas, nossa personagem chega a
Moor House, que é o quarto espaço da narrativa.
Nesse local, é acolhida por duas moças e um rapaz, os irmãos Rivers, os quais mais tarde
descobre serem seus primos. Com o passar do tempo e com a intimidade criada em virtude
do cotidiano compartilhado na casa, seu primo St. John lhe pede em casamento, mas Jane
não aceita.
Nossa heroína “ouve” a voz de Rochester chamando-a e vai ao seu encontro. Quando ela
chega a Thornfield Hall, percebe que o local está todo queimado e que não há mais ninguém
ali. Descobre, então, que Rochester vive em um lugar afastado, Ferndean Manor, e, por
consequência do incêndio, está cego e sem um dos braços.
Esses acontecimentos com Rochester podem ser entendidos como a decadência física do
personagem e também como sua decadência moral e existencial, decorrente de suas próprias
atitudes durante toda sua vida. De qualquer maneira, Brontë ainda procura mostrar aos
leitores que, apesar de tudo, Rochester tem uma atitude louvável: a tentativa de salvar as
pessoas do incêndio, ato de bondade que acaba por deixá-lo cego e fazê-lo perder um braço.
Paradoxalmente, notamos que é ao perder a visão que o personagem consegue “enxergar”
suas atitudes impróprias, sua justa punição pelo poder divino.
Jane, profundamente abalada depois de saber do ocorrido, segue para Ferndean Manor, o
quinto e último local da narrativa.
Ali, Jane encontra um Rochester fragilizado e triste. Os dois percebem que o amor ainda
existe e resolvem finalmente ficar juntos para viver esse sentimento.
Perceba que há uma inversão da situação atual de Rochester ao final do romance: antes, o
personagem era o provedor de Jane, o patrão, agora, Jane é independente financeiramente
e é ela quem passa a proteger e a sustentar Rochester. Nitidamente, uma inversão de papéis
atípica para o contexto vitoriano.

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Unidade: A Era Vitoriana: Auge do Império Britânico

No último capítulo, Jane conta sobre sua felicidade com Rochester e sobre os filhos que
tiveram. Porém, apesar de tudo isso, o casal continua vivendo à margem da sociedade, já que
vivem em um local afastado, Ferndean Manor.
Agora vamos pontuar algumas questões marcantes na obra.

O papel da mulher em Jane Eyre


A mulher tinha um papel “apagado” na moralista sociedade vitoriana. Esperava-se que
a mulher se casasse, tivesse filhos e vivesse feliz para sempre. Brontë mostra a realidade
diferente de Jane, que era órfã, sem condições financeiras e nem bonita era, ou seja, não
possuía as características adequadas para conseguir um bom casamento.
A autora retrata todas as adversidades que uma mulher fora dos padrões, ou seja, sem
família abastada e ainda sem as características típicas atrativas para um bom casamento,
era obrigada a enfrentar. Porém, com tudo isso, nossa heroína tem consciência do papel
da mulher nessa sociedade machista e intolerante e aponta o que entende sobre o papel do
homem e da mulher nessa sociedade. Observe.

Women are supposed to be very calm generally: but women feel


just as men feel; they need exercise for their faculties, and a field
for their efforts as much as their brothers do; they suffer from too
rigid a restraint, too absolute a stagnation, precisely as men would
suffer; and it is narrow-minded in their more privileged fellow-
creatures to say that they ought to confine themselves to making
puddings and knitting stockings, to playing on the piano and
embroidering bags. It is thoughtless to condemn them, or laugh
at them, if they seek to do more or learn more than custom has
pronounced necessary for their sex
(BRONTË, 1994, p.315 ).

Note o uso da linguagem desafiadora e política desse excerto: revolt, rebellions, restrains,
narrow-minded, privileged. Esse léxico nos faz perceber que a autora traz a questão política
para o problema do gênero.
Então, a única saída para a personagem foi trabalhar como governanta que, como já discutido
anteriormente, era uma profissão ambígua na sociedade vitoriana. Jane é o contraponto do
feminino vitoriano: enfrenta os problemas e não tem medo de externar o que pensa.
Outra personagem desse universo é Bertha, a esposa louca de Rochester, que fica trancada
no quarto. Ela representa os medos femininos no contexto vitoriano. Bertha representa o
sobrenatural e o sexo, não tolerados na sociedade vitoriana; também representa o alter ego
de nossa protagonista, ou seja, é o oposto de Jane, porque Jane teve de se ajustar aos
valores daquela sociedade, então, mesmo pensando de forma diferente, procura um trabalho
e tenta encontrar um lugar nessa sociedade. Já Bertha, que não se encaixa nesse contexto,
é considerada louca e isolada em um quarto, ficando literalmente à margem, escondida onde
não pode ser vista.

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Bertha cria todo um mistério na história praticamente desde a chegada de Jane a Thornfield
Hall. Essa atmosfera, como já foi discutido, é uma das características do romance gótico,
porém Bertha só é publicamente revelada quando ateia fogo em Thornfield Hall e morre
queimada. Com essa atitude, Bertha destrói, não apenas os valores materiais, já que não sobra
absolutamente nada da propriedade, mas também Rochester, que fica cego, perde um braço e
perde Thornfield Hall, mais do que isso, perde seu poder patriarcal. A personagem usa o fogo
para mostrar às pessoas que ela estava ali, que ela existia.
Outras duas mulheres importantes para Jane são Helen Burns, sua amiga no Instituto
Lowood e a professora Srta. Temple. Vamos discutir um pouco sobre elas.
Helen Burns representa tolerância e aceitação. Helen e Jane são muito diferentes, já que
Jane tem dificuldade de aceitar as injustiças e luta, na medida do possível, contra elas. Helen
acredita que o bem vencerá o mal na eternidade e que os maus serão punidos por Deus. Ela
acaba morrendo nos braços de Jane por causa da epidemia de tifo que assolou a escola. Esse
é um fato autobiográfico também, Helen representa as irmãs de Charlotte, que morreram
muito jovens no internato onde estudavam. Diferentemente de sua amiga, Jane procura amor
e felicidade aqui na terra. Veja o trecho a seguir que retrata a relação afetiva das amigas:

“Resting my head on Helen’s shoulder, I put my arms around her


waist; she drew me to her, and we reposed in silence “
(BRONTË, 1994, p. 72).

Percebemos uma relação fraternal entre as duas. Uma nos braços da outra sem dizer nada,
uma reconfortando a outra naquele contexto tão difícil e cruel para meninas tão jovens.
A Srta. Temple acabou sendo um exemplo para Jane, que era tratada pela professora com
respeito e compaixão. É o papel positivo da figura feminina para Jane, que segue seus passos
e acaba se tornando professora do Instituto Lowood, porém descobre que ser professora ali
não é suficiente para que ela seja feliz. Nossa personagem quer mais e, por isso, segue para
Thornfield Hall em busca de sua felicidade.
Espero que você tenha gostado da obra e tenha compreendido sua relação com o contexto
sócio-histórico da época.

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Unidade: A Era Vitoriana: Auge do Império Britânico

Material Complementar

Aproveite o material elencado abaixo para aprimorar seu conhecimento.


Vídeos:
Também sugiro uma versão animada do conto The Happy Prince, disponível em:
https://youtu.be/t57Cg5j6EPc
Último acesso em: 18/12/2017

Livros:
Com relação à obra de Charlotte Brontë, você encontrará a seguir dois links com as obras
completas também em inglês e em português. A obra em português está disponível em:
https://goo.gl/GgkWwi
(Último acesso em: 18/12/2017)

A obra em inglês está disponível em:


https://goo.gl/y5Jtdo
(Último acesso em: 18/12/2017)

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Referências

BORGES, J. L. Curso de literatura inglesa. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

BURGESS, A. A literatura inglesa. São Paulo: Ática, 2008.

VASCONCELOS, S. A formação do romance brasileiro. Disponível em: http://www.iel.


unicamp.br/memoria/caminhos/ensaios. Acesso em: 24 set. 2014.

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Unidade: A Era Vitoriana: Auge do Império Britânico

Anotações

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