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Uma sugestão em tempos críticos: o cinema de Jia Zhang-Ke em As montanhas se separam

São tempos difíceis, exigentes e críticos para a humanidade. Eles exigem muito de nós.

A Organização Mundial da Saúde, todos os países e governos e a população continuam sendo


afetados pelo coronavírus (COVID-19) nos mais diversos setores. Falamos de crise nos setores
de saúde, vide a falência do sistema de saúde da Itália; começos de crise na economia, vide os
socorros governamentais as empresas e a população – em alguns casos, comprovando a falácia
do liberalismo como conhecemos – e crise da própria infraestrutura das cidades.

Desejo força as famílias de pessoas afetadas e as que estejam em luto pela perda de parentes
queridos para esse vírus.

Só no Brasil falamos de aproximadamente 658 casos enquanto escrevo esse texto. O número
tende a crescer, infelizmente. Aqui no Rio de Janeiro, de onde escrevo, muitas pessoas
encontram-se em suas casas, isoladas por força de decreto. O isolamento foi estimulado como
ação para conter o avanço da contaminação comunitária, visto que já registramos mortes no
país e um percentual crescente do número de casos.

O que nos resta fazer? Alguns talvez se inspirem e louvem equivocadamente esse clima
apocalíptico. Uma pregação sem sentido se você assim como eu conhecer o texto bíblico, que
nunca ordenou imprudências como as que temos visto.

Prefiro ficar do lado de cristãos mais conscientes de suas obrigações. Não poderia deixar de
mencionar o belíssimo exemplo do pastor presbiteriano e diretor da ONG Rio de Paz, Antônio
Carlos Costa, que além de parar a programação presencial de sua igreja – a Igreja Presbiteriana
da Barra – decidiu ceder o espaço para as demandas do poder público. Diz ele que ali pode ser
montado um hospital de campanha para os casos se for necessário. Belíssimo exemplo! Ele
assim como outras pessoas decidiram criar, inovar e avançar. Alguns destes com a cultura e o
saber, mostrando a força dos bens culturais mesmo quando o acesso presencial a eles falha.

De fato, todo cuidado é crucial e necessário diante desse estado de coisas (#ficaemcasa!), mas,
por outro lado, muitas pessoas decidiram inovar no meio da crise: sem poder sair de casa e
necessitados de evitar “os embalos de sexta à noite”, vi muita gente ler, reler, aprender coisas
novas, cantar e ressignificar esse momento com apoio das redes sociais. Belas manifestações
de criatividade em meio a tempos críticos!
Por exemplo, professores que são meus amigos se lançaram nas plataformas do Youtube, do
Facebook e, destaque-se, nas lives e vídeos que podem ser realizadas no Instagram, através do
IGTV.

Recomendo especialmente a série muito legal chamada História tá aqui, história tá aonde
dirigida pelo meu colega Matheus Viug (@viugdehistoria), que fala sobre a história sua relação
com temas da atualidade do Brasil e do Mundo de maneira bem divertida, útil e lúdica.

Outro exemplo legal: colegas músicos estão inovando ao fazer “pocket show”, na mesma
plataforma; veja as páginas da Gabi Buarque com suas composições gravadas e a page do
queridíssimo Gabriel Vazzoler (@gabrielvzzlr), com seus covers e músicas autorais. Ambos
trazem uma considerável contribuição a música popular brasileira e animam a todos e todas
nós nesses tempos, mostrando que é na cultura que se encontra a saída, a crítica, a inspiração
e a diversão ao mesmo tempo.

Enfim, são muitos casos e convido você a me contar os que conhece, ok?

De minha parte, uso esse espaço da coluna para acompanhar a decisão desses amigos e
amigas queridos e queridas e tento sugerir uma diversão. O gostinho especial está no fato de
que eu vou sugerir algo que vem da China!

Embora eu conheça um pouco melhor a cultura pop japonesa (como otaku recomendo criar
uma lista daqueles clássicos dos anos 80 e 90 para esses tempos), diante de falas tão absurdas
quanto as do filho do golpista-presidente, que não merece ser mencionado aqui, e a perfeita
resposta do embaixador da República Popular da China no Brasil, o exmo. sr. Yang Wanming,
não poderia ser diferente. Vamos juntos?
Cartaz do filme

Refiro-me ao filme As montanhas se separam.

Zhao Tao, Sylvia Chang, Zhang Yi, Jing Dong Liang e Han Sanming compõem o grande elenco
reunido ao longo de gritantes 131 minutos (duas horas e meia, que valem a pena!) em que se
desenrola o filme As montanhas se separam, distribuído no Brasil pela IMOVISION.

Drama de produção binacional (França e China) se preocupa em narrar algo que adicione às
grandes preocupações do seu diretor: a forma como a China se transforma a passos largos,
essa estética da vida comum e o poder da consciência histórica, sobretudo, quando esta é
dirigida pelo setor político. Vejamos.

China, final de 1999. Tao, uma jovem da região de Fenyang (ao norte da China) é cobiçada
pelos seus dois amigos de infância, Zang e Lianzi. Enquanto ficamos sabendo disto, Go West do
Pet Shop Boys (1993) toca. Simples assim. Começa a dança no filme, no enredo e na cabeça
que vem vê!
O jovem Zang é proprietário de um posto de gasolina e tem um futuro promissor – o certo
seria dizer: tem condições básicas para alcançar um futuro –, enquanto Liang trabalha em uma
mina de carvão. Ficamos pensando em como ambos dão testemunho sobre a China dos anos
1990 e com as suas ações no interior da trama, dão vida a uma história da China passando de
1990 a 2000 e mesmo após.

A ambição do diretor é tanta que sugere uma explicação para nossos tempos. Voltando a
história... No coração dos dois homens, Tao terá de fazer uma escolha que determinará o seu
destino e o futuro de seu filho, Dollar.

Se pensarmos na música e na construção dos personagens, algumas questões nos


aparecem. Deixo para o leitor o exercício de responder as únicas que faço: alguém foi para o
Oeste? Alguém voltou de lá? Pet Shop Boys em um filme chinês?

No século seguinte, pois a história vai avançando de 1999 aos anos 2000, entre uma China
em profunda mutação e uma Austrália com a promessa de uma vida melhor, esperanças,
amores e desilusões, esses personagens irão encontrar os seus caminhos. Algo típico dos
filmes de Zhang-Ke, incontornáveis apesar de longos; irrecusáveis apesar de ácidos; potentes
falas sobre a Ásia que ainda conhecemos tão pouco.

Jia Zhang-Ke, 50 anos, (crédito da imagem: Asia News photo), da sexta geração de
realizadores do cinema chinês, acompanha aquela corrente que pensa o filme como
testemunho. Seus filmes falam, principalmente, de juventudes, das consequências da
alienação, e de crises na e da história contemporânea da China. Normalmente, suas obras
propõem um panorama da história e da sociedade da China, que em certa altura tem um flerte
com o mundo ocidental. Em alguns casos os personagens se perdem nesse ir e vir e em outros,
os personagens conseguem corresponder as suas raízes sínicas mesmo diante dos maiores
confrontos internos.

Com seus filmes, Zhang-Ke apresenta aquilo que chama de suas memórias, o cinema
público que é também privado, dotado de intencionalidades do autor na composição dos
quadros (Walter Salles fez um filmes sobre ele chamado de Zhang-Ke, um homem de Fenyang)
e ficamos daqui desejos de conhecer essa sua China. Vale reforçar: cada quadro corresponde a
uma intenção e o cinema de Zhang-Ke é incontornável.

Em uma sexta-feira à noite, separe a pipoca para fazer e uma bebida de sua escolha e
assista As montanhas se separam de Jia Zhang-Ke (1970 –).

Trailer: https://www.youtube.com/watch?v=j-ae7iLpK_8

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