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NO ENSINO ARTÍSTICO
ESPECIALIZADO
ÁREA DA MÚSICA
Que Regulação?
QUE REGULAÇÃO?
Abril 2011
Carreira Docente no Ensino Artístico Especializado—Área da Música
Que Regulação?
à Elsa,
à Inês e à Joana.
AGRADECIMENTOS
Para além da dedicação e do esforço pessoal investidos neste trabalho, contribuíram para
que chegasse a “bom porto”, a Sandra Garcia, o João Sena, o Joaquim Pires, onde partilhamos
alguns receios e inquietudes, mas sobretudo ideias, trabalhos, mas o mais importante: a Amizade
que ficou mesmo depois de cada um partir para a sua “ilha” de investigação.
À Professora Ana Patrícia Almeida, pelo apoio, pelas ideias e sobretudo pela confiança que
depositou neste trabalho.
RESUMO
A presente investigação tem como objectivo estudar a carreira docente do ensino artístico
especializado público, área da música e o modo como tem sido influenciada a sua regulação,
analisando a participação dos vários grupos de intervenientes: docentes, sindicatos e Tutela.
O ponto de partida deste estudo, na perspectiva das políticas públicas em educação, foi a
“Experiência Pedagógica de 1971”, que integrou o ensino artístico (música e dança) no ensino
regular.
Através desta investigação foi possível concluir que a regulação de controlo exercida pela
Tutela tem sido predominante, tendo havido, em certas fases do processo, uma regulação conjunta
com a colaboração de docentes (designadamente através das direcções das escolas) e de um
sindicato.
A regulação autónoma por parte das escolas nesta matéria verificou-se, na maior parte dos
casos, contra a legislação vigente, mas não tendo nunca sido apresentadas, por parte dos docentes,
propostas alternativas concretas para este tipo de ensino, apesar dos seus discursos recorrentes sobre
as especificidades do ensino da música.
ABSTRACT
The purpose of the present investigation is to study the specialized public artistic teaching
career, music branch, and how its regulation has been influenced, analysing the various groups of
participants: teachers, unions and tutelage.
The starting point of this study, through an educational public policies perspective, was the
analysis of the 1971 Teaching Experiment, which placed the artistic education (music and dance) in
the regular educational system.
Followed to this, the establishment of the legislation that allowed the teachers from public
music schools to integrate teaching careers was analysed, particularly the 310/ 83 Act (July 1st)
which integrated teachers on specific educational levels and created transitory staffs, among other
measures; the 234/ 97 Act (September 3rd) which regulated that teachers with more than five years
of active teaching should be integrated in Permanent Staffs; and finally the 69/ 2009 Act (March
20th) which established rules for public tender and the subsequent integration of teachers in the Staff
of public artistic schools specialized in Music education.
With this investigation I was able to conclude that tutelage regulation control has been
predominant, and in certain steps of the process, teachers and unions were able to participate in a
joint regulation (specifically through schools’ board of directors).
The schools’ self-regulation on this matter has been, for the most part, against the
established legislation. Unfortunately, teachers have never tried to change the new rules for this
specific range of education or even to present and publish them, despite their recurrent speeches on
the specifications of Music education.
ÍNDICE
“La musique nous enseigne qu’il n’existe rien qui ne contienne son parallèle ou son
contraire. Même si elle est incapable de régler le moindre problème, elle peut nous
apprendre à réfléchir. C’est une école de vie.”
Daniel Barenboïm
INTRODUÇÃO
A Dissertação que ora se apresenta tem como finalidade estruturar uma investigação no campo
da Administração Educacional, no domínio do Ensino Artístico Especializado (EAE) área da
música, com especial enfoque na Carreira Docente (CD) e na sua regulação.
Este sub-sistema de ensino não tem tido da parte da Tutela a atenção merecida, não por falta de
legislação - que tem sido abundante - mas por falta de coerência do regulador que, ao querer
exercer essa função tutelar, o não tem feito com base em políticas educativas estruturadas, de
modo a haver uma progressão qualitativa do ensino, tanto nos aspectos pedagógicos como
administrativos.
Nos meus vinte anos de experiência como docente e nos cargos de direcção desempenhados
em escolas deste tipo de ensino tenho assistido à enumeração continuada dos problemas que
afectam o EAE, seja no ensino público ou no Ensino Particular e Cooperativo (EPC),
nomeadamente a aplicação a este ensino da legislação produzida para o ensino regular, não
atendendo às especificidades daquele, designadamente no que diz respeito aos professores/músicos
e à criação de uma carreira que seja compatível com estas duas vertentes: ensino e músico
executante.
Não havendo nos Quadros de Nomeação Definitiva (QND) das escolas públicas de música
docentes em número suficiente para o preenchimento das vagas, as escolas têm tido necessidade de
recorrer a professores contratados por anos lectivos, sem garantia de renovação do seu vínculo
contratual, preenchendo desta forma lugares de efectiva necessidade. Esta instabilidade causa
grande perturbação na continuidade da acção pedagógica, nomeadamente no que diz respeito aos
instrumentos, em que as aulas são individuais e onde cada professor estabelece uma estratégia
específica para cada aluno, que não deve estar sujeita a constantes alterações. Mesmo noutras
disciplinas, como a Formação Musical ou a História da Música, que são colectivas e com um
programa estruturado, esta instabilidade causa grande prejuízo na aprendizagem.
“Um dos aspectos assinalados pela maioria dos estudos diz respeito à estabilidade
profissional, sobretudo, do corpo Docente; de facto, nenhum estabelecimento de ensino pode levar a
cabo projectos coerentes de acção, se o seu pessoal mudar constantemente ou estiver sujeito a situação
de instabilidade. Um clima de segurança e de continuidade é uma condição essencial ao desenvolvimento
organizacional das escolas” (Carvalho, 1992 e Friedman, 1991 citados por Nóvoa, 2001, p.27). “No
entanto, esta característica não deve ser confundida com uma espécie de imutabilidade, uma vez que a
existência de certas margens de mobilidade pode constituir um factor de incentivo e inovação”. (idem).
Sublinhe-se que os docentes pertencentes aos QND dos seis conservatórios públicos são,
neste momento, uma minoria em comparação com os docentes contratados. Os quadros de escola,
estão criados, assim como a respectiva regulamentação dos concursos de acesso. No entanto, estes
concursos não foram ainda realizados, talvez porque há um número considerável de docentes
contratados que ainda não realizaram profissionalização.
Como veremos mais à frente neste trabalho, esta situação é bem diferente da dos docentes
do ensino particular e cooperativo, que beneficiam da lei geral de trabalho, passando a fazer parte
do quadro de escola após o período probatório, ou seja, adquirem um vínculo laboral e uma
progressão na carreira com regras menos burocratizadas que no ensino público, assim como o
acesso a acções de formação que devem ser proporcionadas obrigatoriamente pela entidade
patronal.
Esta diferença entre a estrutura de carreira dos docentes do ensino público e do ensino
privado do EAE de música, faz com que haja uma “discriminação” negativa dos docentes do ensino
público. De facto, estes professores exercem as mesmas funções, estão sujeitos às mesmas cargas
horárias e ao cumprimento dos mesmos planos de estudo. As escolas de música privadas com
paralelismo pedagógico ou com autonomia não são alternativa ao ensino público, fazem parte da
“rede”, uma vez que as escolas públicas são seis e as privadas 941 com financiamento para o ano
lectivo 2008/2009. Assim sendo, não há uma razão objectiva para esta diferenciação na estrutura da
carreira docente.
(conservatório) emendem-nos, mas não (o) destruam, que é de bárbaros; não o caluniem, que é de loucos” (Viana,
1984, p.40).
Já no séc. XX, depois de uma época algo conturbada vivida no Conservatório Nacional e
restantes escolas públicas na década de 70 e início da década de 80, em parte causadas pela
“Experiência Pedagógica de 71” e pelas “convulsões” sociais provocadas pela “Revolução de 25 de
Abril” em 1974, foi publicado o Decreto-Lei nº 310/83, de 1 de Julho, com o objectivo de iniciar
uma reforma de estruturação de todo o ensino artístico. Essa estruturação, no que diz respeito ao
ensino básico e secundário de música veio integrar os respectivos docentes num quadro transitório,
estando prevista uma série de medidas legislativas, no sentido de concretizar a integração destes
docentes na carreira existente.
Essas medidas não foram concretizadas, tendo sido necessários catorze anos para ser
publicada nova legislação (o Decreto-Lei n.º 234/97, de 3 de Setembro), que veio proporcionar uma
segunda integração dos docentes que entretanto tinham sido contratados, desta vez num quadro de
nomeação definitiva e vinculados ao Estatuto da Carreira Docente (ECD) em vigor.
No entanto, este decreto teve um âmbito restrito de aplicação, uma vez que só resolveu a
situação dos docentes que cumprissem as condições nele previstas. Posteriormente, e para
possibilitar a abertura dos quadros e respectivos concursos, foi necessário criar os grupos e
subgrupos de docência para as diversas disciplinas. Assim, foi publicada a Portaria nº 693/98, de 3
de Setembro, reconhecendo esta no seu preâmbulo que as habilitações do ensino artístico
vocacional se encontravam fixadas em legislação “dispersa e desactualizada”, uma vez que havia
docentes no sistema portadores de habilitações diversas que importava definir, habilitações essas
que se tinham ido acumulando por falta de regulamentação atempada, impedindo que os professores
das escolas públicas pudessem aceder à profissionalização e a acções de formação.
Recentemente e para resolver de novo a situação dos docentes contratados, foi publicada
toda a legislação necessária para acesso aos quadros: o Despacho nº 13020/2008, de 8 de Maio que
veio dispensar a profissionalização aos professores com mais de 40 anos de idade e com dez ou
quinze anos de serviço docente efectivo e que estivessem em funções no ano lectivo de 2008/2009;
o Aviso nº 22490/2007, de 28 de Agosto, que foi publicado na sequência deste despacho e que veio
proporcionar a última acção de profissionalização aos docentes do EAE público, não abrangidos
pelo despacho anterior; e o Decreto-Lei nº 69/2009, de 20 de Março, que veio estabelecer as regras
do concurso de acesso ao quadros de escola criados pela Portaria nº 551/2009, de 26 de Maio,
rectificada pela Portaria nº 1266/2009, de 16 de Outubro. Apesar deste conjunto legislativo, há de
novo um impasse, uma vez que não se realizou ainda abertura dos concursos, permanecendo em
regime de contrato a maioria dos docentes.
É dentro do contexto histórico e actual atrás brevemente descrito que esta investigação se
justifica.
É seu objectivo estudar os modos de regulação que têm sido preponderantes na construção
da carreira docente dos professores do EAE no ensino público de música2.
A questão central formulada para alcançar estes objectivos foi: “Como se desenvolveu a
regulação da CD do EAE público, na área da música desde 1971”
O ano de 1971 foi escolhido porque, nessa data, deu-se início a uma reforma do ensino da
música que, tendo sido inovadora a nível pedagógico, não foi acompanhada, como se esperaria,
duma alteração da situação dos docentes, designadamente através da criação de uma verdadeira
carreira ou da sua integração numa existente3.
2
O presente trabalho ocupa-se apenas da carreira docente do EAE, básico e secundário, área música, não se debruçando
sobre as carreira docentes do nível superior nem de outras áreas artísticas.
3
Os docente do ensino especializado público não estavam integrados numa “verdadeira” carreira, mas distribuídos por
duas categorias fixas: os professores de 1ª categoria leccionavam o nível dito superior das disciplinas que possuíam este
nível (piano, violino, violoncelo, canto e composição) e os professores de 2ª categoria leccionavam todas as outras.
INVESTIGAÇÃO
O Conservatório de Lisboa foi, até aos anos 70 do séc. XX, o único estabelecimento de
ensino público na área das Artes do Espectáculo, sendo na legislação regulamentadora deste
estabelecimento que foram igualmente definidas as políticas educativas para aquela área.
Assim, a análise destas políticas terá que ser feita em grande parte com base na análise dos
documentos legais referentes ao Conservatório de Lisboa.
Embora tenha havido uma reforma no início do séc. XX (1901), penso ser mais importante
começar esta análise histórica pela reforma de 1919, como é conhecida, porque alargou o ensino da
música a todos os instrumentos e incluiu disciplinas de formação geral, sendo, pois uma reforma
mais abrangente.
Em Maio de 1919, José Viana da Mota é nomeado por Leonardo Coimbra, então ministro da
instrução, director do Conservatório de Lisboa (Archer, et al, 1998, p.25) e Luís de Freitas Branco
director da Secção de Música. Estes dois importantíssimos músicos levaram à prática uma reforma,
talvez a mais importante na história desta instituição. A reforma foi inspirada pela experiência de
Viana da Mota, que tinha estudado e ensinado na Alemanha e na Suíça, e que “importou” de certa
forma o modelo dos conservatórios destes países. Era entendimento deste grande pedagogo que um
futuro músico não poderia ter formação unicamente na área musical. Assim, o aluno, para além de
estudar música a nível superior em todos os instrumentos, deveria completar a sua formação com
um leque mais alargado de disciplinas musicais e com disciplinas de formação geral. Refira-se que
as habilitações para o ingresso no Conservatório era o 1º ciclo do ensino básico (a antiga 4ª classe) e
que nem todos os instrumentos estavam incluídos no nível designado superior.
Em 1930 o futuro “Estado Novo” implementa uma nova reforma com o Decreto nº
18881/1930, de 25 de Setembro, visando cortes drásticos no orçamento do Conservatório,
reduzindo-se a cinco as áreas com um ciclo designado superior: (Violino, Violoncelo, Piano, Canto
Este modelo vai manter-se até 1971, ano em que é introduzido, na secção de Música do
Conservatório Nacional, um novo plano de estudos ao abrigo da “Experiência Pedagógica de 71”
(EP), reforma nunca homologada pelo Ministério da Educação (ME) e que só é regulamentada nos
anos noventa pela Portaria nº 370/1998, de 29 de Junho.
Temos assim, uma regulação transnacional aplicada ao ensino vocacional da música, mas
que não foi completamente realizada até hoje. Não abrangeu todo o território e as escolas não foram
dotadas de estruturas materiais, (escolas devidamente equipadas) nem estruturas humanas
(professores devidamente habilitados e em número suficiente para cobrir as necessidades).
Esta experiência iniciada no Conservatório Nacional foi de certo modo inovadora, mas
verificaram-se várias falhas pedagógicas e administrativas, designadamente naquilo em que o
Estado também falha, muitas vezes noutras áreas: nos meios logísticos. O regime integrado (ensino
geral mais ensino especializado) no mesmo edifício exige condições que não existiam no Convento
dos Caetanos (tanto à data da EP como ainda hoje).
“Nestas quatro galerias que circundam o que foi o antigo claustro do Convento dos Caetanos, criou-se uma
atmosfera diferente e, em cada uma delas, podem os moços artistas receber através da imagem visual a lição dos
estilos.” (Cruz, 1947, p.8)
Foi neste espírito que o CN se manteve como escola de arte até ao ano lectivo de 1971/72,
ano em que se inicia a EP e em que o edifício é “invadido” por algumas centenas de alunos do 2º
ciclo em diante, sem qualquer preparação cultural para o espaço da sua nova escola, não tendo esta
“nova escola” sido minimamente adaptada para os receber. Gerou-se o caos, para além da quase
destruição física do edifício e do seu conteúdo a reforma ficou descredibilizada. Das centenas de
alunos que integraram a experiência pedagógica, poucos foram aqueles que concluíram na
totalidade os planos de estudo (planos de estudos integrados—ensino geral e ensino da música).
No que diz respeito à carreira docente, esta reforma não veio alterar a situação de vínculo
contratual da maioria dos professores do EAE de música. O regime de contrato vigorou para estes
docentes (dos dois conservatórios públicos Lisboa e Porto) até 1983.
Neste ano surge uma reforma com a alteração das políticas educativas e da regulação de
controlo, pelo Decreto-Lei nº 310/83, de 1 de Julho, que veio dividir o ensino vocacional da música
e da dança nos níveis básico, secundário e superior. No que diz respeito à Música foram criadas a
Escola de Música de Lisboa mais tarde designada de Escola de Música do Conservatório Nacional,
O Decreto-Lei nº 310/83, de 1 de Julho, veio ainda, no que diz respeito ao ensino básico e
secundário de música (e dança), promover um currículo integrado, (as componentes da parte
académica e da artística no mesmo currículo), que pode ser frequentado na mesma escola se esta
possuir condições físicas para receber os dois tipos de ensino, ou em regime articulado (entre duas
escolas, uma da componente académica outra da componente artística), prevendo-se ainda que as
disciplinas musicais fossem frequentadas independentemente das da escola regular (regime que
passou a ser informalmente designado de “supletivo”).
Houve uma forte resistência ao “310”4, assim como várias tentativas de uma regulação
autónoma por parte das escolas de música, nomeadamente em Lisboa, que sem o devido suporte
legal, culminou numa acção da Inspecção Geral de Educação (IGE) realizada em 1990, a qual durou
cerca de três anos e cujo processo final atingiu as cinco mil páginas manuscritas. Gonçalves refere
“o levantamento de um inquérito, com consequências disciplinares, numa escola5 onde se verificou uma produção
“delirante” de normas locais” (Gonçalves, 2001, p.2).
Essa regulação autónoma visou sobretudo os docentes e a sua reclassificação para níveis de
remuneração que não correspondiam à sua situação e as consequências foram negativas para a
instituição EMCN, vindo o Estado mais tarde cobrar aos docentes as verbas recebidas
indevidamente.
4
Por razões de economia do presente trabalho não é possível desenvolver os motivos que levaram a esta forte
resistência.
5
A EMCN. (nota do autor)
causa de algumas ideias subjacentes, (sobretudo pela forma como o horário lectivo teria de ser
organizado) não obteve da parte dos professores uma reacção positiva e porque do lado da Tutela
não foram produzidos os diplomas necessários, a sua implementação nunca se efectivou.
É unânime a necessidade de se fazer uma reforma do actual sistema, até porque na ausência
continuada de políticas e de uma regulação de controlo eficiente nesta área, a regulação autónoma
foi preponderante, feita (quase) sempre à luz da lei e permitindo ultrapassar alguns dos problemas,
uns mais correntes, outros bem mais complexos.
“... a investigação histórica ajudou a compreender o que se poderá designar por uma certa
paralisia, ou mesmo demissão, que vem tolhendo há anos a administração e que a tem impedido de
exercer plenamente as suas responsabilidades no domínio do ensino artístico especializado” (p.7).
6
In Programa do XVIII Governo Constitucional.
7
Não é de estranhar portanto, que o anterior governo (XVII Governo Constitucional) só tenha apresentado as políticas
educativas para este sub-sistema de ensino dois anos após a sua tomada de posse.
Era intenção inicial do ME acabar com o regime “supletivo” sobretudo no nível secundário,
mas devido à forte contestação por parte das escolas, não só dos professores mas também das
associações de estudantes e encarregados de educação, esta foi a solução encontrada para reduzir a
frequência no nível secundário. No entanto, e no seguimento da contestação já referida, o ME
enquanto não reformula o plano de estudos deste nível, tem vindo a criar regimes de excepção, que
obrigam à matrícula somente a quatro disciplinas, permitindo a frequência das três disciplinas
principais, instrumento, formação musical e classe de conjunto e uma outra disciplina do plano de
estudos. E é precisamente no regime “supletivo” que se constata a maior afluência de alunos que
escolhem a música como via profissional, entrando nas escolas superiores e universidades.
8
Até à publicação deste despacho, o cálculo era feito mediante a apresentação pelas escolas do número de alunos em
cada nível de ensino, de um mapa do pessoal docente e não docente e era atribuída uma percentagem por cada nível de
ensino. (explicação bastante simplificada, uma vez que não cabe nos objectivos da presente investigação pormenorizar
este aspecto).
9
A legislação foi apresentada às escolas em Julho e o processo de matrículas tinha sido iniciado na segunda quinzena
de Maio.
10
Este incremento da carga horária pode vir a condicionar seriamente a frequência do nível secundário.
Nesta reestruturação inicial, as escolas do EPC, são confrontadas também com alterações
profundas, nomeadamente no que diz respeito ao financiamento. A nova legislação, (Despacho nº
17932/2008, de 3 de Julho) não só estabelece as novas regras de financiamento, como reforça a
obrigatoriedade de as escolas do ensino regular constituírem turmas dedicadas a alunos que
frequentem o regime articulado. É para este regime que a tutela quer canalizar os apoios,
aumentando assim o número de alunos a frequentar o ensino da música. Esta situação é de algum
modo mais favorável às famílias, pois a frequência neste regime é gratuita.
O regime articulado foi introduzido no sistema educativo português nos anos 80 e é uma
aproximação ao sistema francês do “l’Enseignement à horaire aménagé”. O regime articulado
consiste na articulação entre as escolas do ensino regular e as escolas de música, proporcionando
aos alunos deste regime um currículo que integra as componentes académica e a artística (já
referido anteriormente).
Ao “importar-se” este regime, não se teve em conta a realidade nacional, sobretudo nos
grandes centros urbanos e dando o exemplo da cidade de Lisboa, onde só existem cinco escolas do
ensino vocacional, (duas públicas e três privadas), para algumas centenas de escolas do ensino
regular. Com estas condicionantes o sistema não pode funcionar correctamente, em virtude da
grande quantidade de alunos espalhados pelas mais diversas áreas geográficas, não se conseguindo
assim uma verdadeira articulação pedagógica, pela impossibilidade de se constituírem turmas
homogéneas e pela distância que os alunos têm de percorrer. Em urbes mais pequenas o sistema
será mais eficaz, dado a proximidade das escolas.
Também as muitas dúvidas e sobretudo, a falta de informação, tanto por parte dos
encarregados de educação, como por parte das escolas do ensino regular, foram condicionantes para
que houvesse mais alunos neste regime. A Portaria n.º 1550/2002, de 26 de Dezembro, ao
condensar alguma legislação dispersa, veio esclarecer as dúvidas relativas ao Regime Articulado,
nomeadamente nas regras de constituição de turmas nas escolas do ensino regular (Nº II, artigos 19º
a 22º). Apesar de existir legislação que tem vindo a regular o regime articulado, esta foi
sistematicamente ignorada pelos Conselhos Executivos (das escolas do ensino regular) e quando os
encarregados de educação manifestavam a intenção de matricular os seus educandos neste regime, a
elaboração dos horários para estes alunos não obedecia ao disposto na referida portaria, sendo as
escolas de música obrigadas a recorrer à tutela para que fosse cumprida a legislação.
Refira-se que nas escolas do EPC garante-se a gratuitidade do ensino no regime articulado,
como nas escolas públicas. Já no regime supletivo a comparticipação é aproximadamente de 50%,
funcionando o contrato de patrocínio como uma forma de “cheque ensino”. No entanto, e em
termos de regulação de controlo, as escolas particulares são mais controladas dos que as públicas,
devendo fazer prova várias vezes, no ano lectivo, do cumprimento de todos os requisitos legais, sob
pena de lhes ser suspenso o respectivo contrato de patrocínio e retirado o paralelismo pedagógico
ou a autonomia, consoante os casos.
Assiste-se, assim, neste momento, a uma reforma cujo efeito poderá ser a curto prazo, o de
acabar com o nível secundário em regime supletivo dos cursos do EAE área da Música, por ser
quase impossível cumprir as cargas horárias dos dois tipos de ensino, caso não haja uma reforma do
plano de estudos.
Esta política educativa na área artística parece evidenciar uma “não vontade” de se fazer
uma verdadeira reforma. O ME olha para um passado em que se demitiu da sua qualidade de
regulador, esquecendo e quase marginalizando este subsistema de ensino e agora, salientando só os
aspectos negativos (que são na sua maioria causados pela sua falta de regulação) não valoriza os
aspectos positivos e as estratégias desenvolvidas pelas escolas que garantiram o sistema a
funcionar, pelo menos durante quatro décadas, propondo medidas que parecem não ter em devida
conta todas as implicações que poderão ter sobre o sistema do EAE, área da música.
No que diz respeito às repercussões que estas medidas terão sobre o pessoal docente,
(nomeadamente se se mantiver a obrigatoriedade da frequência de todas as disciplinas do nível
secundário para os alunos do regime “supletivo” ou se este regime for completamente abolido,
dando a Tutela preferência aos regimes de frequência integrado e articulado) haverá sem dúvida
muitas escolas, sejam elas públicas ou do EPC, a dispensar docentes, vendo estes goradas as
expectativas que depositaram na sua carreira, correndo mesmo o risco de não encontrar um posto
trabalho alternativo, uma vez que estas medidas afectarão a grande maioria das escolas.
Os primeiros indícios que nos revelam a organização de uma sociedade foram encontrados
na região situada entre os rios Tigre e Eufrates, território ocupado no período que medeia entre o
séc. IV e o séc. III a. C., pela civilização suméria, onde actualmente se situa o Iraque.
Esta civilização terá sido a primeira a desenvolver um sistema de escrita que impulsionou as
várias vertentes da actividade humana, tanto física como intelectual, tais como: “o governo e a política,
a educação e a literatura, a filosofia e a moral, o direito e a justiça, e mesmo a agricultura e a medicina” (Kramer,
1963, p.9). Foi também criado o primeiro código de leis, com o objectivo de regular a sociedade.
Estas sociedades (o conjunto das organizações) por seu lado, necessitam de quem as lidere e
“Para viverem em paz, os homens cedem o seu poder a um único soberano e cria-se a figura do Estado” (Kunzler,
2004). Os modelos de governação ou sistemas políticos representados pelas diversas instituições,
que no seu todo constituem o Estado, têm o papel de regular a sociedade. Assim, os sistemas
políticos, pela sua regulação, reduzem a complexidade do ambiente (mundo real para Lieber)
mantendo uma certa ordem social, dado que as decisões tomadas pelo Estado serão ou deverão ser
cumpridas por todos os cidadãos.
É esta “obediência” à regra que mantém a ordem social indispensável ao equilíbrio das
instituições. Mas as regras quando são definidas não são imutáveis, uma vez que foram definidas
pela actividade humana, sendo um produto desta (Reynaud, 2004, p.31). Alterar uma regra pode ser
uma tarefa difícil e não se intentam alterações sem esperar resistência ou mesmo uma “réplica” i.é.,
uma regra semelhante ou ainda mais constrangedora à que se quer alterar. Nalguns casos, a
mudança tem de seguir os procedimentos previstos, que são longos e dispendiosos a nível de
energia (humana), por exemplo a votação de uma lei ou a simples assinatura de um decreto (idem,
p.31).
É a regulação que “permite ao sistema, através dos seus órgãos reguladores, identificar as perturbações,
analisar e tratar as informações relativas a um estado de desequilíbrio...” (Barroso, 2005, p.728), já que a
regulação é a “acção de manter o equilíbrio, de assegurar o funcionamento correcto de um sistema complexo”
(Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea).
Para que os sistemas complexos (organizações) se possam tornar operacionais há que criar
mecanismos de regulação, mecanismos esses que, segundo Reynaud se focalizam nas noções da
regra e da regulação (Colin, 1997). Também para Reynaud “a criação de regras é como um desafio social,
que gera conflitos por vezes violentos entre diferentes grupos de interesse, a regra é, pois um constrangimento e não
um hábito” (2004, pp.18-19). Meuret define a regulação de uma política (pública) como o conjunto
dos dispositivos e mecanismos disponíveis para que ela (regulação) atinja o fim para que foi
definida (2001).
No entanto, esse mesmo grupo de actores também se regula por regras auto-produzidas,
resultando numa regulação autónoma (idem, p.6), em que os intervenientes ajustam o
funcionamento da organização tanto às necessidades pontuais como às mais previsíveis, usufruindo
de uma certa liberdade, mesmo que limitada.
Pode acontecer haver uma negociação na produção das regras entre os diversos grupos de
interesse, sejam estes representantes da organização (por exemplo, a entidade patronal) ou dos
“trabalhadores”11 (por exemplo, os sindicatos), sendo estes consultados sobre um certo número de
regras a implementar, ou sendo estas negociadas directamente entre as partes, daí resultando uma
regulação conjunta (idem, p.15). Reynaud sublinha que apesar deste modo de regulação resultar de
uma negociação, não deixa de ser uma regulação de controlo, uma vez que esta vem do exterior,
logo não se poderá confundir com a regulação autónoma que é gerada no interior (idem).
O Estado-Nação tem sido, pela sua posição hierárquica, o principal responsável por todo o
processo de criação de regras (constrangimentos), que resultam numa regulação fortemente
centralizada e controladora da acção, não deixando espaço de manobra para uma regulação mais
autónoma em que os actores deveriam ter um papel de maior intervenção na definição das ditas
regras.
No entanto, o paradigma desta regulação de controlo tem vindo a ser de alguma forma
alterado, pelo “novo” papel a desempenhar pelo Estado-Nação.
Ao Estado regulador que pela autoridade dominava e impunha de certa maneira as suas
regras, sucedeu um Estado que não deixando de regular, passou a negociar com a diversidade de
actores que “actuam no palco” da sociedade. “A regulamentação racional legal dominante do Estado, imposta
hierarquicamente com base na sua legitimidade enquanto Estado – Providência, foi substituída pela necessária
negociação a múltiplas «vozes»” (Gonçalves, 2007, p.61). Reynaud refere que “o que caracteriza o Estado
moderno, são cada vez menos as relações de subordinação com os sujeitos” privilegiando-se agora as “relações
de troca e de negociação entre as regulações de controlo e regulações autónomas” (Reynaud, 2004, p.200).
O Estado (pela via do governo em funções) é detentor de “poder” sobre as suas organizações
e tem legitimidade nomeadamente no ensino, “para introduzir “regras” e “constrangimentos” no mercado ou
na acção social” (Barroso, 2003, p.64). O conceito de regulação é transversal às sociedades em geral,
11
Aqui o termo “trabalhador” é aplicado a todos aqueles que dentro da organização não têm poder de decisão per si,
mas por via dos seus representantes, já que toda a estrutura desenvolve um trabalho produtivo, logo todos serão
trabalhadores.
já que estas estão subordinadas a vários organismos estatais com alguma autonomia que regulam os
vários sectores chave (por exemplo, a energia, a banca e a educação). Delvaux compara duas
formas de regulação (a de controlo e a autónoma), ao controlo do trânsito: no caso em que os
semáforos regulam a travessia do cruzamento pelo cumprimento estrito da regra, não é deixada
qualquer margem de (regras de controlo) liberdade ao utilizador, uma vez que foram utilizados
sistemas inibidores de infracção; no caso da rotunda e apesar de igualmente ter de cumprir regras
(as regras de prioridade), cada utilizador tem uma certa autonomia de decisão, contribuindo para
uma melhor fluidez do trânsito (regulação autónoma) (Delvaux, 2001). Assim, uma regulação
autónoma implica a livre iniciativa aos actores, o que lhes permite contribuírem para um melhor
desempenho da organização, como será o caso da Escola.
Outras formas de regulação emergem para os estados nacionais, não só dos compromissos
de uma pertença a organizações supra-nacionais (como por exemplo, a União Europeia) mas
também de um fenómeno actualmente marcante para as sociedades: a chamada “globalização”, que
tem provocado como que uma contaminação entre os estados, com modelos sociais que ao terem
sucesso nos países de origem, são aplicados a outros, nem sempre com as devidas adaptações.
Como os modelos nacionais estão esgotados e os governos estão conscientes deste facto tentam
com novas políticas, nomeadamente as educativas, suprir as lacunas existentes, adoptando-se
exemplos de políticas educativas de outros países, com vista à obtenção de soluções rápidas que os
ajudem a ultrapassar as dificuldades (incompetências) e validando as opções tomadas (Walford,
2001, p.179, citado por Barroso, 2006)
Todos os países são, uns mais do que outros, influenciados por esta forma de regulação
transnacional. Portugal é um exemplo dessa forte influência, porque sendo um país periférico fica
como que “refém” da regulação transnacional oriunda dos países mais centrais, com mais poder a
nível das decisões e pela sua relevância financeira. É também o resultado da já citada estrutura
supra-nacional, a União Europeia, que não sendo explicitamente um poder de decisão, controla e
regula pelas regras, (veja-se por exemplo, os programas de financiamento às políticas educativas).
Refiram-se ainda as inúmeras organizações que a nível mundial regulam, com mais ou menos
subtileza os mais diversos assuntos internos de cada país, através de programas de cooperação,
sendo de facto os responsáveis por uma regulação transnacional.
Em Portugal e até à Revolução de Abril de 1974, o acto regulador era exercido com as
características de um regime autoritário e de cariz ditatorial. No período que se segue, assiste-se a
uma instabilidade em todas as estruturas da sociedade, provocada pelas “convulsões” da mudança
do regime de cariz fascista para uma democracia, onde os vários partidos dos diversos quadrantes
políticos se debatem, não só para ocuparem um lugar de destaque na “cena” política como para
impor a sua ideologia e influenciar a sociedade agora em mudança. Mudança essa que é feita “...de
forte participação social, por vezes espontânea e radical, mas quase sempre instrumentalizada pelas vanguardas
partidárias, empenhadas em eliminar (ou esconder) os vestígios do passado anti-democrático e em disputar a primazia
na definição de um modelo futuro”. (Barroso, 2003, p. 66). No entanto, assiste-se a uma grande evolução
“durante as décadas de 80 e 90 do século passado, fruto das mudanças políticas, económicas e culturais que se fizeram
sentir, a redefinição do papel do Estado, adquire uma grande centralidade.” (Almeida, 2007, p.20).
Nos domínios das políticas públicas da educação em Portugal destaca-se a Lei de Bases do
Sistema Educativo (Lei nº 46/86, de 14 de Outubro), que aparece de certa forma, para restabelecer a
ordem no ensino e “recuperar o poder e o controlo do Estado e sua administração sobre a educação” (Barroso,
2003, p.68).
Com efeito, o Decreto-Lei nº 115-A/98, de 4 de Maio, vem criar um novo órgão de decisão
dentro da escola, a Assembleia de Escola, composta por representantes dos vários actores
intervenientes no processo educativo: os docentes (até aproximadamente 50%); o pessoal não
docente; os alunos (do nível secundário); os pais e encarregados de educação; a autarquia;
interesses económicos e culturais locais. “Contudo esta representação é minoritária e o recrutamento dos
representantes dos pais faz-se essencialmente junto de grupos sociais reduzidos (classe média) e em particular de pais
e mães que são professores”. (Barroso, 2003, p.81). O Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de Abril, vem de
alguma forma corrigir esta condição minoritária quando no seu n.º 3 do Artigo 12º diz: “O número de
representantes do pessoal docente e não docente, no seu conjunto, não pode ser superior a 50% da totalidade dos
membros do conselho geral”. Assim, acredita-se que haverá garantias de uma maior equidade nas
tomadas de decisões.
Mas este último diploma vem trazer alterações profundas no funcionamento das escolas,
nomeadamente quanto ao modo como é escolhido o director, que passa a ser eleito pelo conselho
geral após concurso documental, substituindo a sua eleição pelo pessoal docente e não docente,
pelas representações dos estudantes do nível secundário e representantes dos pais e encarregados de
educação. Barroso, num parecer sobre o Projecto de Decreto-Lei nº 771/2007-ME – «Regime de
autonomia, administração e gestão...» (DL n.º 75/2008, de 22/04) refere: “(...) a autonomia” tem sido uma ficção, na
medida em que raramente ultrapassou o discurso político e a sua aplicação esteve sempre longe da concretização
efectiva das suas melhores expectativas” e “A retórica sobre a autonomia das escolas aparece assim como um
leitmotif para o reforço dos instrumentos de controlo estatal da gestão naquilo que alguns autores designam por uma
governação de “mão de ferro em luva de veludo” (Barroso, 2008).
Apesar desta conclusão para o caso específico destas disposições legais, há autores que
consideram que o Estado tende a transferir mais responsabilidade para a escola. Assim, a actual
tendência do Estado é cada vez mais o de avaliar o resultado final das políticas que define para cada
sector,
“O Estado não se retira da educação. Ele adopta um novo papel, o do Estado regulador e
avaliador que define as grandes orientações e os alvos a atingir, ao mesmo tempo que monta um sistema
de monitorização e de avaliação para saber se os resultados desejados foram, ou não, alcançados”.
(Lessard, et al 2002, citado por Barroso, 2005, p.732)
O Estado, sem deixar de financiar a educação, delega a gestão da educação nas direcções
das escolas, nas associações de pais e nas autarquias, vindo posteriormente “cobrar” a estes actores
o sucesso ou o insucesso dos resultados. Continuam os mesmos autores:
“Se, por um lado, ele continua a investir uma parte considerável do seu orçamento em
educação, por outro, ele abandona parcialmente a organização e a gestão quotidiana, funções que
transfere para os níveis intermediários e locais, em parceria e concorrência com actores privados
desejosos de assumirem uma parte significativa do “mercado” educativo”. (idem)
Mas no momento em que se vive uma crise financeira a nível global há inevitavelmente uma
crise social nos estados mais fragilizados. A tendência desse mercado é ficar mais selectivo, e os
seus “clientes”, que são maioritariamente pertencentes à classe média, estão a ficar
descapitalizados, com um significativo aumento da carga fiscal e a redução de salários no sector
público. Ora, se as famílias perdem recursos, o mercado tende a desaparecer. Há uma diminuição de
alunos que frequentam o ensino privado transferindo-se para as escolas públicas, onde
paradoxalmente o ME está a reorganizar o parque escolar reduzindo o número de estabelecimentos
de ensino, ficando as escolas com excesso de alunos e a consequente inflação das turmas.
poder (Costa, 2003, p.73). De facto, tanto o modelo de avaliação de desempenho como o poder de
decisão que é conferido ao conselho geral podem ser dois factores de divisão na escola, em que os
diferentes actores lutam cada vez mais pelos seus interesses, em detrimento do interesse público que
é contribuir para um ensino de qualidade, criar condições para uma escola mais dinâmica e geradora
de saber.
Voltando às políticas educativas em que o Estado transfere algumas das suas competências,
importa citar o Decreto-Lei n.º 144/2008, de 28 de Julho, que começa no seu preâmbulo por afirmar
que o Programa do XVII Governo prevê lançar novas políticas educativas locais e de políticas
sociais de proximidade, assentes numa efectiva transferência de competências para as autarquias.
Este diploma descentraliza para os municípios, entra outras, a responsabilidade de gestão do pessoal
não Docente do ensino básico estendendo-a ao 2º e 3º Ciclos.
Em síntese, o novo paradigma da regulação passa a ser a de um estado mais avaliador das
políticas que define, regulando mais pelos resultados da acção educativa levada a cabo por todos os
agentes do que propriamente através da sua intervenção directa nos processos educativos.
71 ATÉ AO PRESENTE.
Como é referido no já citado relatório o ensino artístico, o Estado demitiu-se das suas
obrigações de regulador no que diz respeito ao ensino artístico especializado. No entanto, essa
demissão pode ser interpretada de duas formas: (i) ou como uma incapacidade de compreensão dos
problemas deste tipo de ensino, protelando a sua resolução; (ii) ou por ter outras prioridades, face à
necessidade de “investir” em reformas no ensino genérico, ou em medidas pontuais, para dar
solução a problemas também eles pontuais.
Mas sempre que a situação económica o justifica, a Tutela “lembra-se” que o ensino
artístico existe, precisamente para efectuar cortes no orçamento destinado ao seu funcionamento.
Recuando à segunda década do séc. XX, com a instabilidade política e o descontentamento geral,
reuniram-se as condições para que os opositores ao regime parlamentar organizassem a denominada
Revolução Nacional de 28 de Maio de 1926, pondo assim termo à 1ª República.
“...em plena ditadura nacional, uma nova reforma do Conservatório de Lisboa, o qual, desde a
publicação do Decreto de 22 de Maio de 1911, é constituído por duas instituições organicamente
separadas entre si, uma destinada ao ensino da arte dramática, e outra destinada ao ensino musical”
(Gomes, 2002, p.127).
É dito no seu preâmbulo que esta medida vem criar condições económicas favoráveis a um
melhor desempenho da organização, uma vez que tanto a nível de recursos humanos como
financeiros haverá uma economia significativa, devendo a medida ser aplicada de imediato, uma
vez que servirá de base à reforma pretendida. Para a referida reforma, o mesmo decreto cria uma
comissão para elaborar, com carácter de urgência, uma proposta que de algum modo viesse trazer
uma nova política de funcionamento do Conservatório, agora instituição única incorporando a arte
musical e a arte dramática, política essa baseada em critérios de “estreita economia” (Decreto nº
18461/30, de 14 de Junho).
Esta nova ordem política utiliza formas de regulação de forte controlo sem deixar margens
de manobra aos restantes actores. Nos anos 60 os movimentos estudantis começaram a abalar a
“falsa” estabilidade vivida até então e num estado onde a liberdade de expressão não era consentida,
a censura foi uma das formas de repressão utilizada para defesa da unidade da Nação.
Nas sequência das reformas propostas por Veiga Simão, interessa realçar em termos de
regulação a Experiência Pedagógica (EP) de 1971 aplicada no CN, que surge num momento de
viragem na atitude do ainda Estado Novo. Esta reforma insere o ensino das artes no ensino geral e
vem introduzir uma estrutura, no caso do ensino da música, onde o percurso é vertical abrangendo
os ciclos geral, complementar e superior. No entanto, esta “experiência não chegou a concretizar-se na
totalidade” (Gonçalves, 2001, p.25), como já referi: a falta de legislação regulamentadora determinou
a não implementação da experiência na totalidade e o seu insucesso. No que diz respeito à carreira
docente esta EP veio criar ainda mais instabilidade, uma vez que o número de professores
contratados aumentou consideravelmente, em virtude do alargamento do plano de estudos, ter sido
substancial, sobretudo no que diz respeito a alguns instrumentos que passaram a ter um professor
especialista (casos do trompete, do trombone, da tuba, do saxofone e do fagote, entre outros).12
No entanto, e na sequência da aprovação deste diploma, a Tutela sugeriu mais uma vez às
escolas públicas da área da música13, que apresentassem um projecto de legislação que desse
continuidade ao processo de criação dos quadros docentes e à respectiva carreira. Mais uma vez as
direcções das seis escolas do EAE público uniram esforços e no ano de 2000 foi concluído e
apresentado um projecto de lei que vinha, entre outras medidas, possibilitar que cada escola
escolhesse os seus professores pela via dos concursos locais. O ME não deu andamento à pretensão
das escolas.
12
Havia alguns instrumentos de sopro pertencentes à mesma “família” que eram leccionados por um único docente.
13
À semelhança do que tinha acontecido com o Decreto-Lei nº 234/97 de 3/9, que foi proposto pelo conjunto das
escolas públicas.
As escolas do EAE públicas já praticavam na sua gestão uma autonomia, de alguma maneira
consentida pela tutela, motivada talvez pela incapacidade desta em perceber as diferenças entre este
tipo de ensino e o dito ensino geral. “É de facto inegável que as escolas do ensino especializado da música
apresentam algumas características que as distinguem das do ensino regular e que podem ter consequências no modo
como se organizam e são geridas” (Gonçalves, 2001, p.7).
Uma dessas características, mencionadas por Gonçalves, era a possibilidade que as escolas
tinham de escolher os seus docentes: ou por convite em função da relevância do seu currículo, ou
por concurso local. No caso da EMCN, por exemplo os candidatos a professor de instrumento ou
canto prestavam uma prova artística e duas provas práticas de docência. Para as restantes
disciplinas, os candidatos prestavam unicamente as duas provas de docência.
A regulação de controlo no que diz respeito à carreira docente do EAE público, resume-se
pois, aos seguintes diplomas: o Decreto-Lei nº 310/83, de 1 de Julho (cria os quadros transitórios e
integra os professores do EAE nas carreiras docentes dos respectivos níveis); o Decreto-Lei nº
344/90, de 2 de Novembro, (prevê as categorias de professor - concertista e professor - compositor);
o Decreto-Lei nº 234/97, de 3 de Setembro (cria os quadros de nomeação definitiva); a Portaria nº
693/98, de 3 de Setembro (cria os grupos de docência e as habilitações); Decreto-Lei nº 69/2009, de
20 de Março (define as regras para o ingresso no quadro de escola); e a Portaria nº 1266/2009, de
16 de Outubro (estipula os lugares de quadro para cada grupo disciplinar).
3. METODOLOGIA DA INVESTIGAÇÃO
3.1. INTRODUÇÃO
“A investigação em ciências sociais segue um procedimento análogo ao do pesquisador de
petróleo. Não é perfurando ao acaso que este encontrará o que procura”. (Quivy, 2008, p.15).
Logo que todo o plano de trabalho esteja delineado, é imprescindível encetar contactos com
os indivíduos e instituições que irão fornecer ao investigador o material de estudo, para assim, se
estabelecerem os protocolos de participação nas suas várias fases, devendo estas ficar bem
clarificadas, evitando constrangimentos durante a fase de investigação.
Assim, pretende-se que uma investigação nos ajude a encontrar respostas e soluções para o
problema em estudo, sendo o objectivo final produzir novos conhecimentos sobre o “caso”
investigado.
No quadro abaixo, estão sintetizadas algumas vantagens e desvantagens destes dois métodos
de investigação:
Após uma referência genérica das abordagens disponíveis, é importante analisar mais
especificamente a investigação qualitativa, justificando a opção pela escolha desta abordagem de
investigação, que pareceu a mais adequada ao tipo de estudo que se realizou.
3—Os investigadores qualitativos interessam-se mais pelo processo do que simplesmente pelos
resultados ou produtos. A ênfase qualitativa no processo tem sido particularmente útil na
investigação educacional, ao clarificar a “profecia auto-realizada”, a ideia de que o desempenho
cognitivo dos alunos é afectado pelas expectativas dos professores (Rosenthal e Jacobson, 1968,
citados por Bogdan e Biklen (1994, pp.47-51).
4—Os investigadores qualitativos tendem a analisar os seus dados de forma indutiva. Não
recolhem os dados ou provas com o objectivo de confirmar ou infirmar hipóteses construídas
previamente; ao invés disso, as abstracções são construídas à medida que os dados particulares
foram recolhidos e se vão agrupando.
Em função das questões de investigação e quando estas apontam para explicar o “como e o
porquê” de um certo fenómeno social contemporâneo e em que o investigador tem pouco, ou
nenhum controlo sobre este fenómeno, mais o método do estudo de caso se justifica (Yin, 2009,
p.4-13).
É referido pelo mesmo autor, que um Estudo de Caso é uma pesquisa empírica que deve ser
utilizada quando: (i) se se pretende investigar um fenómeno contemporâneo dentro do seu contexto
real; (ii) em que as fronteiras entre o fenómeno e o contexto não são claramente evidentes; (iii) e
múltiplas fontes de evidências podem ser utilizadas.” (Yin, 2005). Estes estudos podem ainda
incidir sobre uma organização (ou grupo social) ao longo de um determinado período de tempo, em
que há um relato do seu desenvolvimento (Bogdan & Biklen, 1994, p.90).
Sendo o objectivo do presente trabalho estudar a Carreira Docente do EAE, este caracteriza-
se como um “Estudo de Caso” em que se fez pesquisa histórica, análise documental e recolha de
dados com recurso ao inquérito por entrevista.
Para efeitos do presente trabalho, os instrumentos para a recolha de dados foram a análise
documental e as entrevistas.
O “corpus” documental analisado foi constituído por documentação oficial do ME, ofícios e
pareceres de um Sindicato, as entrevistas e a legislação aplicável a este tipo de ensino.
A entrevista é definida por vários investigadores como uma conversa entre o investigador e o,
ou os “investigados”, previamente acordada com o entrevistado e estruturada do ponto de vista das
perguntas a fazer. Bogdan & Binklen referem que em investigação qualitativa, as entrevistas podem
ser utilizadas de duas formas: podem constituir a estratégia dominante para a recolha de dados ou
podem ser utilizadas em conjunto com a observação participante, análise de documentos e outras
técnicas (1994, p.134).
A entrevista poderá ser estruturada ou não. Nas entrevistas estruturadas, as perguntas estão
formuladas de modo a obter-se a informação exacta do que se investiga, não havendo liberdade do
entrevistado em “divagar” sobre o tema. A entrevista não estruturada permite uma maior liberdade
ao investigador para incluir, ao longo da conversa, outras perguntas que surjam no seguimento do
discurso, que tende a ser mais “solto” por parte do entrevistado.
Neste estudo, as entrevistas foram elaboradas segundo a forma semi-estruturada, que é outra
das opções de construção deste instrumento de recolha de dados A entrevista está “orientada para a
resposta não considera de modo absoluto a ordem de aparição das informações no desenvolvimento do processo”
(Lessard-Hérbert, Goyette et Boutin, 2005, p.162). As entrevistas realizadas tiveram como
objectivo encontrar algumas respostas junto dos entrevistados para a compreensão das questões e
dos problemas que afectam a carreira docente do EAE público.
Na entrevista ao Jurista, e dado o seu conhecimento dos problemas do EAE nas várias
vertentes, a conversa deambulou por vezes em aspectos conexos ao tema que estava a ser tratado,
mas como todas as problemáticas se interligam e é difícil falar-se de um aspecto sem referir outro,
acabei por ter material “precioso” para analisar, mas nem todo se revelou pertinente para o tema
aqui estudado. A entrevista ao Docente I, apesar de alguns factos já não estarem tão presentes na
memoria do entrevistado, revelou-se um contributo muito útil para este trabalho. O Docente II, em
virtude do seu percurso por várias direcções da EMCN, forneceu-me dados de extrema importância,
nomeadamente no que ao Decreto-Lei nº 234/97, de 3 de Setembro, diz respeito, uma vez que fez
parte do grupo de trabalho, integrado pelas direcções das escolas públicas, que elaborou o projecto
do diploma.
A qualidade das gravações, permitiu fazer transcrições fidedignas daquilo que foi dito pelos
entrevistados e assim obter os dados relevantes para análise.
Bardin questiona; “O que é a análise de conteúdo actualmente?, respondendo que ele é “Um conjunto de
Instrumentos metodológicos cada vez mais subtis em constante aperfeiçoamento, que se aplicam a «discursos»
(conteúdos e continentes) extremamente diversificados”. (Bardin, 2008, p.11)
No presente trabalho, procedeu-se a uma análise de conteúdo das entrevistas, com base na
perspectiva de que à medida em que os dados vão sendo lidos, “repetem-se ou destacam-se certas
palavras, frases, padrões de comportamento, formas dos sujeitos pensarem e acontecimentos (...) “sendo” estas
palavras ou frases categorias de codificação”. (Bogdan, Biklen 1994, p.221).
A validação dos dados é importante para que outros investigadores possam chegar às
mesmas conclusões, utilizando os mesmos instrumentos de pesquisa. No entanto, por o presente
trabalho ser um estudo de caso de carácter qualitativo, as conclusões dizem respeito apenas ao
contexto investigado, não podendo ser generalizáveis, (como já referi).
Para proceder à análise de conteúdo, utilizei a Triangulação das fontes de dados, recolhidos
nas entrevistas, na legislação e na documentação. Para as entrevistas, elaborou-se uma grelha de
categorização segundo as questões de investigação. Assim, oito grandes categorias foram
encontradas e organizadas da seguinte forma: quatro categorias analisadas por período de tempo
que se pretende investigar; uma para a Actualidade; uma para a Carreira Docente; uma categoria
para análise do EPC; e finalmente uma última categoria – Sindicalista - que é transversal às
restantes nos diversos períodos de tempo.
Na categoria Experiência Pedagógica de 1971, foi meu objectivo identificar o que levou à
sua implementação, quais as linhas orientadoras e as alterações entretanto introduzidas; na categoria
Decreto-Lei nº 310/83, de 1 de Julho, saber a sua origem e os pressupostos que levaram à sua
elaboração e pormenores da aplicação; na categoria Decreto-Lei nº 344/90, de 2 de Novembro,
perceber a origem e os pressupostos; na categoria Decreto-Lei nº 234/97, de 3 de Setembro, em
primeiro lugar saber a sua origem, quais os resultados da aplicação e consequências para o futuro,
bem como saber quais os pressupostos, o nível de participação e o papel desempenhado pelos vários
actores; na categoria Actualidade, saber como se está a processar o provimento dos quadros das
escolas; na categoria carreira docente, perceber se houve progressão dos docentes e que tipo de
formação foi oferecida; na categoria EPC fazer uma análise comparativa dos estatutos dos seus
docente em relação aos docentes do ensino público; e, por, fim na categoria Intervenção Sindical,
perceber qual o papel desempenhado pelas estruturas representantes dos docentes na defesa dos
seus interesses.
Origem EP-O
Experiência Alteração e Percepção EP-AP
Pedagógica
Linhas Orientadoras/Pressupostos EP-LoP
Origem 310-O
Quadro/Contratações 310-QC
Decreto Lei nº 310/83 Aplicação 310-A
Origem/Pressupostos 310-OP
Horário Lectivo 310-HL
Decreto Lei nº 344/90 Origem/Pressupostos 344-OP
Origem 234-O
Quadros/Contratação 234-QC
Pressupostos/Docentes 234-PD
Pressupostos/Sindicatos 234-PS
Pressupostos/Tutela 234-PT
Decreto Lei nº 234/97 Participação/Docentes 234-PaD
Participação/Sindicatos 234-PaS
Participação/Tutela 234-PaT
Papel/Docentes 234-PpD
Papel/Sindicatos 234-PpS
Papel/Tutela 234-PpT
Actualidade Quadros Concursos Actu-QC
Para melhor compreensão dos extractos das entrevistas, adoptei a seguinte codificação: para
os docentes aparecerá em cada citação (entr. D, I ou II, 2, 3) em que os dígitos informam o número
da respectiva página da transcrição; para o Jurista será (entr. J, 1, 2, 3); finalmente para o
sindicalista (entr. S, 1, 2).
Os participantes neste estudo foram: (i) um professor do EAE público, a exercer funções em
escolas do EAE de música durante a introdução da EP de 1971; (ii) um professor que conta com
mais de vinte e seis anos de serviço, cuja carreira foi abrangida pela reforma introduzida pelo
Decreto-Lei nº 310/83, de 1 de Julho; (iii) Ao nível da Tutela o Jurista que contribuiu para a
redacção final deste diploma; (iv) Uma associação sindical que apoiou os docentes em momentos
chave de negociação com a Tutela.
A todos estes participantes foi realizada uma entrevista semi-estruturada, com base em
guiões estruturados a partir das questões de pesquisa e que a seguir se apresentam.
GUIÕES DE ENTREVISTA
Ser “profissional” significa ser-se especialista em determinada área, resultando daí um modo
de vida e de subsistência a nível financeiro.
Os conservatórios de Lisboa e Porto foram, durante grande parte do séc. XX, as únicas
escolas públicas que ministraram o EAE. Os seus professores, nomeadamente no conservatório de
Lisboa, eram na sua maioria membros da então Orquestra Sinfónica da Emissora Nacional, para os
instrumentos de cordas, ou pertencentes às bandas de música militares mais importantes, para os
instrumentos de sopro. As competências reconhecidas a estes profissionais enquanto tal não se
poderão pôr em causa. No entanto, a sua formação pedagógica/científica era inexistente:
transmitiam o seu conhecimento do mesmo modo como o tinham recebido, ou seja, de forma
empírica, sem bases científicas ou pedagógicas. Vasconcelos refere também que “Os músicos eram
contratados para o desempenho destas funções (lectivas) pela excelência e visibilidade, real ou simbólica, do seu
desempenho artístico - musical, mais do que ser portador de formação pedagógica” (2000, p.147). Com a
inexistência, no ensino, da vertente pedagógica - didáctica do instrumento, também não se podia
Esta vertente começou a ser ministrada no ensino superior, aquando do aparecimento das
escolas superiores de Música, Lisboa e Porto na segunda metade da década de 80 e a disciplina da
pedagogia do Instrumento iniciou-se em 1993 na Secção Autónoma de Comunicação e Arte
(licenciatura em música) da Universidade de Aveiro14. Como já foi atrás mencionado, as acções de
profissionalização foram implementadas para estes docentes muito mais tarde, já na passagem para
o séc. XXI.
Uma segunda acção foi realizada em 2003, desta vez dedicada exclusivamente aos docentes
do EPC, que desta vez foi mais participada do que da anterior. No entanto, poderá ter havido falta
de informação e divulgação por parte das direcções de algumas escolas, porque a Associação de
Estabelecimentos de Ensino Particular (AEEP) e as direcções regionais, informaram
atempadamente as escolas das datas em que se iria realizar o concurso, as escolas por razões várias
não propuseram mais docentes. Uma das razões poderá ter sido por exemplo, os professores que
frequentassem a profissionalização terem direito a uma redução do horário lectivo, facto que iria
implicar a contratação de professores para as horas remanescentes, onerando o orçamento das
escolas.
14
Fonte da Universidade de Aveiro (2011).
15
Estes têm o dever profissional de validarem anualmente as declarações de tempo de serviço passadas pela escola ou
escolas onde leccionem e enviá-las posteriormente às direcções regionais competentes, para sua homologação. São estes
documentos que comprovam os anos de serviço necessários para o processo de admissão ao concurso.
A aprendizagem ao longo da vida é um tema que tem sido discutido em várias cimeiras
europeias, nomeadamente na cimeira que se realizou na capital portuguesa e que ficou conhecida
pela “Cimeira de Lisboa 2000”. Aí se debateu a coesão social, o emprego, os seus constrangimentos
e soluções para o futuro, assim como uma estratégia para implementar os mecanismos para a
“Europa do Conhecimento”, ou seja uma Europa competitiva sobretudo apoiada fortemente pelas
novas tecnologias da informação. Das conclusões desta cimeira foi aprovado o programa “Educação
e Formação 2010”.
“sempre que necessário e nos termos da legislação e práticas nacionais, implementar acções para
tornar mais atractiva a profissão de docente e de formador, inclusive tomando medidas destinadas a atrair
e reter os melhores talentos, inclusive oferecendo condições de trabalho aliciantes e uma carreira
adequadamente estruturada e com boas perspectivas de evolução.”16
16
Relatório "Educação e Formação para 2010" A Urgência das reformas necessárias para o sucesso da Estratégia de
Lisboa, Bruxelas (2004).
As acções de formação têm contribuído para essa aprendizagem, mas para os docentes do
EAE público (área da música), as acções de formação específicas à sua especialidade têm sido
escassas. É certo que aprender a trabalhar com as novas tecnologias e direccioná-las para a sala de
aula é importante, saber como se elabora um projecto educativo de escola também é de grande
utilidade, mas há que considerar todo o trabalho que um professor/músico realiza na preparação de
uma apresentação pública. Essa preparação implica pesquisas a vários níveis: análise musical das
obras a interpretar, investigação ao nível do compositor, adaptação das suas características de
instrumentista à obra, à tipologia da sala, ao agrupamento que vai integrar e o tempo de preparação.
As diversas escolas de música, sejam elas públicas ou do EPC, organizam anualmente diversos
cursos de aperfeiçoamento, ministrados por professores tanto nacionais como estrangeiros de
qualidade reconhecida e até ao presente a participação dos docentes nestes eventos não foi ainda
reconhecida como formação17.
17
Exceptua-se o Instituto Gregoriano de Lisboa, que em associação com um centro de formação para professores, tem
vindo a proporcionar acções de formação específicas para o EAE, área da música. Pode-se considerar um exemplo de
regulação autónoma que vem ao encontro das necessidades reais dos docentes.
Nos finais da década de sessenta e início da década de setenta, o regime, fragilizado com o
desaparecimento do seu ideólogo em 1969, começou a sofrer pressões internas e externas, para “Por
um lado, conceder o acesso de todos à educação, por outro, Portugal pelos acordos que tinha firmado no exterior,
nomeadamente com a EFTA e OCDE, era pressionado para a prática de políticas que conduzissem à modernização do
país”. (Vieira, 2003, p.30) Nesse sentido o Professor Veiga Simão, Ministro da Educação em
funções à época, idealiza uma reforma do ensino, que será apresentada ao país pelo sucessor de
António de Oliveira Salazar, o Professor Marcello Caetano. Este, num discurso radiofónico,
proferido a 17 de Janeiro de 1970, declara conduzir “a grande e decisiva batalha da educação” (Machado
1973, p.6), citado por Stoer (1973, p.793).
A Reforma de Veiga Simão, como é conhecida, foi apresentada pelo próprio no ano de
1971, desta vez na televisão, e focava as opções reformadoras do ensino. O Projecto do Sistema
Escolar e as Linhas gerais da Reforma do Ensino Superior, passou a lei em 1973, (Lei nº 5/1973,
de 25 de Junho), não antes de ter sido amplamente debatido publicamente e largamente apresentado
à nação, como refere Rita Pinto Leite:
“Bastará dizer que se tornou necessário imprimir 50.000 exemplares de cada um daqueles
projectos, sem contar com a larga difusão que a imprensa deu ao seu texto integral. Pode afirmar-se que
aqueles textos programáticos foram entregues à Nação Inteira”. (Leite 1973, p. x. citado por Stoer 1983,
p. 803).
Esta Reforma que estava em preparação foi posta em prática mesmo antes de ser transposta
para lei. Ela é abrangente, contemplando também o ensino artístico, sendo nomeada em 1971, pelo
Ministério da Educação Nacional, uma comissão com a finalidade de reestruturar esta área do
ensino que se encontrava desactualizada desde 1930. Denominava-se então por Comissão
Orientadora da Reforma do Conservatório Nacional (CORCN) e foi presidida pela Drª. Madalena
de Azeredo Perdigão.
Nessa reforma, embora tal não esteja explícito na Lei nº 5/1973, de 25 de Junho, prevê-se a
criação de três tipos de liceus, cada um com a sua especialidade, a saber: “Liceu Clássico, Liceu Técnico
e Liceu Artístico” (Gomes, 2002, p.153). Os liceus artísticos englobariam os conservatórios e
ministrariam a área da música, assim como outras áreas de expressão artística, com equivalência ao
actual 12º ano. Ficaria, assim, inserida a aprendizagem das artes no ensino geral, à semelhança de
outros países europeus. No entanto, esta medida não chegou a ser implementada.
Entre 1972 e 1974 uma extensão da Escola Francisco Arruda foi incluída no CN ao abrigo
da “Experiência Pedagógica de 1971”. Esta experiência começou de modo atribulado, por não ter
havido o planeamento necessário para adequar as instalações ao aumento significativo de alunos e à
introdução do novo plano de estudos que a “Experiência Pedagógica” propunha. A sua execução
teve várias falhas importantes, como por exemplo, o facto de a legislação de suporte à “reforma”
nunca ter sido publicada, o que implicou a não oficialização dos seus planos de estudo. Para
implementar esta “reforma” que recuperava de certa forma a estrutura da reforma de 1919 de Viana
da Mota e Luís de Freitas Branco, houve necessidade de recrutar novos docentes, não só para as
novas disciplinas que foram introduzidas, também para aquelas que estavam desprovidos de
professor, pois havia alguns instrumentos, como já foi referido, que não tinham docente
especialista.
Dos docentes que à época da “Experiência Pedagógica” ensinavam no CN, poucos eram os
que estavam vinculados ao quadro, permanecendo os restantes a contrato, situação em que se
encontravam não só os recentemente admitidos, mas como alguns dos professores mais antigos. O
clima que se vivia no CN não era o melhor, em virtude da insegurança laboral e indefinição
pedagógica. Assim, instalou-se a desmotivação e com a alteração do quadro político verificado com
o 25 de Abril de 1974, a “reforma” ficou ainda mais fragilizada. A Comissão Orientadora da
Reforma do Conservatório Nacional apresentam a demissão e a regulação autónoma passou a
dominar as escolas do CN, como aconteceu com as escolas em geral: “Um movimento social muito
diversificado e descentrado que punha em causa a lógica reformista do Estado antecipou-se aos seus desígnios e
consumando as mudanças independentemente dos normativos”. (Barroso, 2003, p.66)
regula gradualmente, na tentativa de legitimar as novas formas de gestão escolar saídas dos
plenários e eleitas democraticamente por toda a comunidade escolar. O Decreto-Lei nº 221/74, de
27 de Maio, é exemplo dessa tentativa, quando no seu preâmbulo considera urgente o apoio das
iniciativas democráticas para a estabilização dos órgãos de gestão da escola e para que estes sejam
representativos de toda a comunidade escolar, mesmo que outras medidas possam ser tomadas no
sentido de regularizar “a vida académica nos diversos níveis de ensino”. Legitima assim os órgãos
eleitos democraticamente, transferindo temporariamente para as escolas o poder de regulação.
Também no CN, após a demissão da CORCN, a regulação autónoma exerceu-se com base
em comissões mistas de docentes e alunos, eleitas anualmente. No entanto, e apesar de o poder de
regulação estar do lado das comissões, estas não conseguiram criar as condições de vínculo dos
professores a um quadro de escola e à criação de uma carreira docente. Se havia uma integração do
ensino artístico no ensino geral, seria normal que os professores das áreas artísticas viessem a ter as
mesmas condições que os restantes professores das áreas académicas, o que não aconteceu.
habitavam no edifício dos Caetanos. Após um ano de trabalhos, é concedida a tão esperada
autonomia à Secção de Música do Conservatório Nacional, com a finalidade de ser elaborada mais
uma proposta de reforma para o ensino da música, tendo inclusivamente sido destacado um Jurista
para o devido apoio técnico. Desse trabalho resultou o Decreto-Lei nº 310/83, de 1 de Julho.
Não sendo objectivo deste trabalho fazer uma análise aprofundada do Decreto-Lei nº
310/1983, de 1 de Julho, será no entanto necessário dar-lhe alguma atenção no que diz respeito às
alterações que introduziu na vinculação dos docentes. Assim, pode ler-se no artigo 1º, que o
objectivo do diploma é reestruturar o ensino das várias artes ministradas no CN, (e escolas afins)
uma vez que o seu estatuto ainda se rege pela reforma de 1930, com algumas alterações pontuais.
Refere que o regime de Experiência Pedagógica, instituído em 1971, veio reorganizar os planos de
estudos, actualizando-os, tentando também integrar o ensino das artes no ensino geral, criando ao
mesmo tempo as escolas de Dança, Cinema e Educação pela Arte, estando esta última vocacionada
para a formação de professores. Salienta também os resultados positivos desta experiência, mas o
enfoque é para os “diversos factores que condicionaram e diminuíram o seu alcance”, tais como as instalações
precárias e a dificuldade de gestão da instituição, em virtude da ineficácia das estruturas
administrativas e pedagógicas.
Assim, considera-se que a solução para estes problemas terá de passar pela definição do
estatuto dos diversos tipo de ensino e do estatuto do pessoal docente do EAE público. Tendo o
ensino especializado, sido integrado nos diversos níveis do ensino geral, os seus docentes foram
integrados nas carreiras docentes dos respectivos níveis, com os mesmos direitos e obrigações dos
18
Refira-se que esta situação era comum a toda a classe de professores do ensino básico e secundário.
seus pares. Embora para isso fosse necessário produzir regulamentação complementar ao diploma
(o que só muito tardiamente se veio a verificar).
Este importante documento reformador e também regulador, veio impor alguma ordem na
(des)regulação que reinava então no CN. Este é extinto enquanto instituição de ensino e substituído
por cinco novas escolas, de Música e Dança de níveis básico e secundário e três de nível superior:
Dança, Música, Cinema e Teatro, posteriormente integradas no Instituto Politécnico de Lisboa. No
Porto criou-se uma escola superior de música, hoje denominada Escola Superior de Música e Artes
do Espectáculo, integrando o ensino do Teatro e Cinema, bem como uma escola de nível básico e
secundário de música (Escola de Música do Porto, posteriormente designada Conservatório de
Música do Porto).
I- “Inserção no esquema geral em vigor para os diferentes níveis de ensino”; II- “Criação
das áreas vocacionais da música e da dança integradas no ensino geral preparatório e
secundário”; III- “Integração no ensino superior politécnico do ensino profissional, ao mais alto
nível técnico e artístico”.
Estes três princípios foram levados à prática, no geral. No entanto, houve aspectos em que a
sua aplicação não se concretizou em virtude da falta de publicação de legislação que viria
regulamentar aquele diploma, como é o caso por exemplo, da criação dos quadros de escola e do
acesso às acções de formação. De facto, esta lacuna veio de certa forma desvirtuar a concretização
de muitos dos objectivos da reforma, pois:
“...obviamente que não veio completar o sistema e portanto deixa-o sempre «coxo», sempre
sujeito mais uma vez às contestações todas; é claro que as contestações que se arrastaram durante 30
anos e provavelmente ainda se arrastam...” (entr. J, 22)
A contestação aqui referida pelo Jurista tem origem na “despromoção” do CN a uma escola
de nível básico e secundário, “perdendo” um pseudo estatuto superior. De facto, os cursos
superiores ministrados não conferiam grau académico nem estavam vinculados a nenhuma
instituição de ensino superior, não deixando no entanto, de ser a habilitação máxima (pelo menos a
nível de instrumento e composição) que se podia obter, até à criação das escolas superiores de
música e à introdução, nas universidades, das licenciaturas nestas áreas.
Esta não aceitação da parte das escolas de música, de nível básico e secundário (Lisboa e
Porto) e a regulação autónoma que daí resultou, veio criar constrangimentos ao “...processo de
preparação e publicação dos diplomas regulamentadores previstos no Decreto-Lei nº 310/83” (Gonçalves, 2001,
p.31) impedindo assim, a reforma de prosseguir a sua acção natural, como previsto no diploma.
O horário lectivo foi também alvo de contestação, apesar de o diploma ser explícito no art.
art. 31º, tendo ficado aqui também previsto o alargamento das 12 até às 18 horas, mas agora sem
qualquer remuneração adicional, (nº 4 do art. 32º) para os docentes que cumprissem os requisitos de
entrada no Quadro Transitório previsto na Secção III—Regime de transição de pessoal.
“...o que se dizia aqui é que eles conservavam o seu direito às 12 horas, no entanto podia ser
atribuído até 18 horas por necessidade de serviço, ou seja, apontava-se até às 18 horas semanais de
serviço Docente ou equiparadas, só podendo ser consideradas horas extraordinárias as que excedam
aquele número (18h). Bom, isto tinha que ver com quê? Isto tinha que ver com não criar um fosso muito
grande entre os novos contratados, que eram contratados com base nas 22 horas e os que já lá estavam
com base em 12 horas e se dessem 13 ou 14 já estavam a receber horas extraordinárias, isso não era
justo, até às 18 horas podia ser-lhes distribuído sem ganharem mais”. (entr. J, 14).
“Não houve interpretação nenhuma, os professores estavam todos em pé de guerra com aquilo
tudo...” (com a “despromoção” do CN a escola básica/secundária). “...Está a ver, mas foi uma coisa que
não teve uma base de equiparação nem aquilo nem aqueloutro, ou seja criou-se uma situação de
excepção de especificidade do ensino artístico. As 18 horas é porque são artistas, é por isso, é por isso,
não podem ter 20 ou 22 porque são artistas, só podem ter 18...”. (entr. J, 15)
Mas esta polémica do horário lectivo de 18 horas semanais, terá sido objecto de
regulamentação por via de um despacho que é citado pelo Jurista: “...e depois houve um despacho, quer
dizer que reduziu para as 18 horas, mas que não se baseava em coisa nenhuma, quer dizer, uma coisa arbitrária”
(entr. J, 9). Este despacho terá vindo “dar cobertura a práticas locais desenvolvidas na exploração de zonas de
incerteza decorrentes da incapacidade de o Ministério da Educação proceder à regulamentação da reforma”
(Gonçalves, 2001, p.31). A referida legislação foi o Despacho nº 167/ME/89, de 23 de Outubro, que
veio “validar” a regulação autónoma que então se praticava nas escolas públicas do EAE.
Poder-se-á deduzir que pelo menos após a entrada em vigor da primeira legislação que
estabelece o Estatuto da Carreira Docente (Decreto-lei nº 139-A/90, de 28 de Abril), os docentes
contratados do EAE público deveriam ter cumprido um horário lectivo de 22 ou 20 horas, em
função do nível de ensino ministrado, uma vez que a reforma de 1983 tinha integrado os professores
do ensino especializado nas carreiras docentes correspondentes aos níveis ensino ministrados.
Criaram-se também novos planos curriculares de música para os níveis básico e secundário
e os poucos docentes que restavam no quadro do CN bem como os que estavam em regime de
contrato anual foram integrados num quadro transitório, desde que cumprissem as disposições
finais e transitórias do Decreto-Lei n.º 310/83, de 1 de Julho, (artigos 29º e 46º), remetendo-se
sempre a respectiva regulamentação para diplomas posteriores. Regulamentação essa que, para
algumas matérias, nunca existiu ou tardou em ser implementada, como já se disse, nomeadamente a
profissionalização dos docentes, que só foi possível realizar pela primeira vez, de forma
generalizada, após a publicação da Portaria nº 916/98, de 20 de Outubro, tendo sido realizadas mais
duas acções, como já atrás referi.19
Ainda no que diz respeito à vinculação dos docentes nas escolas públicas do EAE de música
e após o Decreto-Lei nº 310/83, de 1 de Julho, só em 1997, por via do Decreto-Lei nº 234/97, de 3
de Setembro, proposto à tutela pelo conjunto das escolas públicas, se voltaram a vincular os
docentes que não cumpriam os requisitos da legislação anterior e os docentes que nesse hiato de
catorze anos tinham estado em regime de contrato e que eram inevitavelmente a maioria.
Esta situação de instabilidade laboral e ausência de vínculo à escolas manteve-se até 1997,
apesar de ter havido da parte da organização sindical FENPROF, tentativas de dar continuidade ao
“310”:
“...a partir dos anos 90 (...) tínhamos conseguido que os professores de Educação Musical no
chamado ensino regular (que) eles fossem considerados bacharéis entrando com grau superior, o que
não foi acompanhado por uma indefinição por parte do Ministério, isto é, (...) esta medida não abrangeu
19
Houve uma profissionalização que abrangeu docentes em funções à data da publicação do “310” e que tinham
entretanto completado os anos de serviço necessários.
os professores das escolas vocacionais...de música, o que fez com que durante algum tempo nós
tivéssemos essa situação, que a todos nós parecia dificilmente justificável em termos de progressão na
carreira e em termos de vencimento e até em termos de ingresso nos quadros. A situação dos professores
de educação musical nas escolas do 2º ciclo era bastante mais sólida e bastante mais sustentada que os
professores das escolas vocacionais...” (entr. S, 1, 2)
Os docentes de Educação Musical que leccionavam no 2º ciclo, (à excepção dos que eram
portadores de licenciatura em ciências musicais), tinham as mesmas habilitações que os docentes do
EAE público, uma vez que lhes era exigido o 12º ano de qualquer área científica ou humanística e o
8º grau de qualquer curso de música, sendo assim eram considerados portadores de habilitação
suficiente para leccionar a disciplina no 2º ciclo. O conjunto destas habilitações foi considerado
equivalente ao grau de bacharel, ficando assim criada uma situação de desigualdade e talvez de
injustiça, uma vez que os professores do EAE público estariam melhor habilitados e melhor
preparados para leccionar nas suas escolas do que os docentes que leccionavam a componente de
música no ensino geral. No EAE havia professores com os cursos superiores de instrumento,
composição e cursos gerais do Decreto-Lei nº 18881/30, de 25 de Setembro, e ainda com os cursos
da “Experiência Pedagógica de 1971” (componente musical), para além da experiência da prática
de música de câmara e integrados em orquestras. Esta habilitação não é somente académica, traduz-
se em mais competências ao nível prático e científico, uma vez que estão direccionados para ensinar
nas escolas do EAE público. Por isso falta esclarecer porque é que não puderam, também estes,
serem considerados bacharéis para prosseguimento de estudos e integrados num quadro de
nomeação provisória, devendo a Tutela ter criado as condições para que estes professores pudessem
completar a sua formação, tanto académica como profissional.
20
Entre a aplicação do Decreto-Lei nº 310/83 de 1/07 e a publicação do Decreto-Lei nº 234/97, de 3/09.
reconhecidamente insuficiente, incompatível com a situação vigente na maioria dos países europeus”. A referência
aos países europeus, é feita no sentido de realçar a necessidade de reforçar no ensino geral o ensino
das artes, como acontece em muitos desses países.
E era nesta vertente que este diploma poderia ter sido aplicado, uma vez que a ausência da
componente artística (Música) no primeiro ciclo do ensino básico, é realmente uma lacuna que se
verifica há várias gerações. Os docentes das escolas públicas do EAE de música podem dar um
contributo alargado numa escola que se deseja mais voltada para a comunidade, contributo esse,
que ao ser articulado com as escolas de primeiro ciclo da área de intervenção da escola do EAE de
música, iria possibilitar a um maior número de alunos a descoberta das artes musicais. É neste
contexto que o Decreto-Lei nº 344/90, de 2 de Novembro, vem também propor a criação da figura
do professor itinerante21, promovendo um ensino musical de qualidade. O diploma prevê ainda as
figuras de “professor – concertista” e de “professor – compositor”.
“as pessoas tiveram opiniões e até gostavam da carreira de concertista, não com o modelo que
lá estava previsto (...) na ideia sim, na possibilidade, (mas) não no modelo que estava a ser proposto que
tinha implicações de horário de trabalho e remuneratórios, etc. Mas de facto a ideia em si acolheu
alguma satisfação da parte das pessoas” (entr. D II, 5).
Este diploma não vinha resolver o problema dos professores das escolas públicas. Na
conversa com o Jurista sobre este Decreto-Lei refere: “O que é que este decreto adiantou? Nada!”, remete
depois para os comentários do Conselho Nacional de Educação (CNE), que elaborou um parecer
onde considera “...o projecto pouco realista do Governo” (cf. Parecer do CNE: 10/89).
O parecer do CNE propôs algumas alterações ao projecto de lei, tendo dois dos seus
conselheiros apresentado uma declaração de voto. António Teodoro declara abster-se da votação
“por considerar que tanto os projectos de diploma em apreciação como o parecer do relator não ajudam a desfazer a
21
O professor itinerante teria o seu horário lectivo repartido por várias escolas.
larga polémica que presentemente existe entre os professores dos diferentes ramos do ensino artístico”. Considera o
projecto do Governo “um documento simultaneamente excessivo, por palavroso em demasia, e vago, por não
concretizar opções em aspectos fundamentais”. Por seu lado, Fraústo da Silva, entre outras considerações
refere que o “projecto de decreto-lei é desnecessariamente longo, confuso e mistura aspectos de uma lei de bases
com meras disposições regulamentares que se prevêem no artigo 37º (...) ou outras de efeitos práticos duvidosos...”
(idem).
Em resumo e no que diz respeito ao corpo docente para as escolas públicas do EAE de
música, este diploma dedica-lhe unicamente três artigos: o art. 33º remete para o Decreto-Lei nº
344/89, de 11 de Outubro, a formação e qualificação dos professores, de acordo, com o nível de
ensino ministrado; o art.º 34, refere que o professor especializado do ensino artístico poderá apoiar
uma ou mais escolas do 1º e 2º ciclos, (professor itinerante) em condições a definir pelo ME. Como
já foi referido, propõe a criação de estatutos especiais para algumas áreas de docência do ensino
artístico, (professor - concertista e professor - compositor), excluindo assim, os professores de
formação musical e das disciplinas ditas teóricas; e finalmente, no art. 35º, há uma referência à
criação de lugares de quadro para os docentes que leccionem educação artística nos 2º e 3º ciclos,
não explicitando claramente qual o modelo de quadro, nem o tipo escola em que o mesmo seria
aplicado.
docentes do Quadro Transitório, (Decreto-Lei 310/83), os docentes que contassem cinco ou mais
anos de serviço e fossem portadores de habilitação própria adquirida em Portugal, ou habilitação
estrangeira devidamente reconhecida, assim como os docentes com sete ou mais anos de serviço
com habilitação estrangeira não reconhecida.
Na entrevista com o Docente II, este descreve como se iniciou a discussão para se chegar ao
texto final que possibilitou a aprovação pela Tutela do Decreto-Lei nº 234/97, de 3 de Setembro:
“O “234”partiu de uma iniciativa das escolas públicas que se reuniram e em situação de novo
governo, tínhamos estado dez anos sob governo “cavaquista”, (...) e quando entrou o novo governo, com
o Dr. Guilherme de Oliveira Martins (Secretário de Estado), foi possível sermos ouvidos e foi possível
fazer uma proposta das escolas, e portanto isto na sequência de um anterior, não sei se era um decreto se
era um despacho, não chegou a sair, (...) proposto ainda pelo anterior governo e que quando nos foi
proposto, (ao qual) nós claramente dissemos que não.” (entr. D II, 6).
O “...que se pode dizer (é) que o 234/97 reproduz no essencial as propostas que as escolas
fizeram, que as escolas fizeram suportadas pelo sindicato, e aqui depois há questões formais, as escolas
podem apresentar projectos mas quem negoceia é o sindicato, de facto fui eu próprio que negociei isso.
Claro que tinha a preocupação de acompanhar as posições das escolas e eu penso que o projecto “234”
incorpora boa parte das preocupações das escolas na altura.” (entr. S, 3, 4)
Não sendo uma afirmação contraditória sobre o papel do sindicato em todo este processo,
não deixa de ser curiosa a forma como tenta chamar a si a responsabilidade das negociações com o
ME, quando o Docente II afirma peremptoriamente que a acção sindical se resumiu a concordar
com as propostas das escolas de música.
“e portanto obviamente os professores com menos de cinco anos de serviço não foram
integrados, mas todas as situações mesmo com habilitações mais antigas entre estrangeiras e não se
conseguiu negociar todos os casos e integrar todos aqueles que tivessem as situações que se
considerou.” (entr. D II, 4)
Mas foi mais uma medida pontual para resolver a situação do momento, não tendo sido,
contudo essa a intenção, pois:
“Aquele (Dc. Lei) era pontual, mas atrás dele (após a sua aplicação) teriam de ser definidas
outras questões da carreira, que outras condições seriam necessárias fazer e depois a parte pedagógica
mais directamente ligada à prática educativa, que também estaria implicada nisso e infelizmente esse
processo não foi continuado...” (entr. D II, 5)
Mas o ECD poderá não ter sido aplicado em todas as escolas no que diz respeito ao horário
lectivo. Por exemplo a Comissão Executiva em funções na EMCN, manteve as 18 horas lectivas, no
sentido de não criar grandes diferenças entre os docentes que leccionavam todos os níveis de
ensino, (caso dos professores de instrumento) e os que só leccionavam o nível secundário (caso dos
professores de Canto e das disciplinas denominadas “teóricas”: História da Música, Acústica e
Análise e Técnicas de Composição). Mantendo as 18 horas desta componente, a mesma comissão
executiva efectuou as reduções da componente lectiva previstas no artº. 79º do Decreto-Lei nº 139-
A/90, de 28 de Abril, pelas vinte horas e não pelas 18 horas, uma vez que este horário lectivo era já
uma excepção à legislação em vigor. Este princípio foi aplicado de acordo com a tutela (Of.
DSRH/PD2 de 6/8/01).
Esta polémica terá sido originada por um ofício da Federação Nacional dos Professores
(FENPROF) (FP-166/98) dirigido à Escola de Dança do CN, na sequência de uma reunião tida com
a Secretaria de Estado da Administração Educativa em que alegadamente terá havido:
No entanto, esta informação não terá sido confirmada pelo ME, nem as escolas visadas,
nomeadamente a EMCN, foram notificadas para proceder de acordo com a suposta directiva.
22
Ofício da FENPROF dirigido à Escola de Dança do Conservatório Nacional.
Direcção Regional, em que informa e confirma a sua presença numa reunião com o Sr. Ministro (da
Educação) em que também participou a direcção da EMCN em 26/05/2000. Após ter sido
examinada a questão dos referidos requerimentos e seu conteúdo, o Secretário de Estado tomou a
decisão de revogar um despacho proferido a 24/05/2000. Dá também indicações para que a
Direcção Regional, após tomar conhecimento desta nova directiva, esclareça a escola como
proceder à redução da componente lectiva. (cf. Info. do SEAE de 26/05/2000)
Esta forma de regulação autónoma é prejudicial para o bom funcionamento das instituições,
porque na ausência de concordância superior, escrita (suporte legal), a tutela vem com toda a
legitimidade, pelas vias legais, “pedir contas” aos autores e instaurar processos disciplinares a todos
os presumíveis beneficiados pelas medidas tomadas.
“Que seja instaurado procedimento disciplinar aos elementos que fizeram parte de Conselhos
Administrativos por, no exercício desta funções, terem atribuído ao pessoal letras de vencimento de valor
superior ao que por lei lhe era devido e pelo consequente processamento de vencimentos por excesso.”
(Relatório Final IGE-18/01/93, 6.2, fl. 5098 a 5100)
Passados treze anos a situação não sofreu alteração, ou seja “Neste momento aqui (EMCN) já é o
dobro, mais do dobro” (entr. D II, 5) de professores contratados, embora a legislação já tenha sido
publicada, nomeadamente o Decreto-Lei nº 69/2009, de 20 de Março, que define a admissão aos
quadros de escola definidos pela Portaria nº 551/2009, de 26 de Maio e actualizada pela Portaria nº
1266/2009, de 16 de Outubro. Contudo, o processo de abertura dos concursos ainda não foi
iniciado.
“A situação actual? Não sei descrever muito bem, mas creio que há um quadro de escola, aliás
do QND acho que passei sem dar por isso, mas passei. No entanto os concursos para esse quadro ainda
não foram realizados e há para quem está à espera de concorrer, nomeadamente professores que cá
trabalham há vários anos, têm profissionalizações feitas o ano passado, (2009) que creio que não estão
homologadas, embora tenham sido feitas com autorização do Ministério, com reduções de horário e na
ESML...” (entr. D I, 6)
“Numa situação bem mais angustiante do que os anteriores contratados, porque se eu entendo o
que se passa, é que por exemplo professores que fizeram concurso para ensinarem nesta escola, prova de
concerto e alguns fizeram provas pedagógica, não têm nenhuma (segurança)...” (entr. D I, 6)
música e da dança...”, depreendendo-se que os docentes que não reúnam todas as condições
previstas para admissão ao processo de concurso não poderão continuar a leccionar. Isto porque,
estando a leccionar há menos de seis anos e não tendo tido acesso à profissionalização (mesmo
detentores do grau de mestre), não poderão ser opositores ao concurso de acesso ao quadro de
escola.
“...Estamos aqui outra vez numa situação de injustiça por força dos atrasos de tempo nas decisões que não
sabemos muito bem o que vai acontecer” (entr. D II, 8). A Tutela tem dificuldade em tomar decisões em
tempo útil e em pôr em prática medidas que resolvam os problemas no EAE. Reformas tardias, que
não foram desenvolvidas e devidamente avaliadas; legislação que não tem continuidade; medidas
que ao não terem a abrangência necessária vêem criar injustiças:
“...assim que abrir o quadro (este) pode criar mais injustiças também, porque não podem
concorrer professores não profissionalizados é o que está previsto na portaria, e muito dos nossos
professores que aqui estão há mais de cinco anos, neste momento não vão poder (concorrer) se não
tiverem a profissionalização feita.” (entr. D II, 8)
Estas injustiças são o oposto daquilo que a Constituição da República Portuguesa (CRP) diz
no nº 2 do artigo nº 58º: Para assegurar o direito ao trabalho, incumbe ao Estado promover entre
outras medidas “A formação cultural e técnica e a valorização profissional dos trabalhadores.” (alínea c).
Até aqui este trabalho tem sido dedicado à análise da carreira, (ou à falta dela), dos
professores do EAE das escola públicas. Parece-me pertinente fazer uma comparação ainda que
muito breve, com a situação dos docentes das escolas do EAE do EPC, que têm o mesmo tipo de
formação académica e profissional e ministram os mesmos planos de estudo dos docentes das
escolas públicas.
Uma vez que ministram o EAE em áreas geográficas, na sua maioria, onde não existem
escolas públicas, o ME pode celebrar com estas contratos de patrocínio. Com efeito apenas existem,
no continente, seis escolas públicas, estando estas sediadas nas grandes cidades: Braga, Porto,
Aveiro, Coimbra e Lisboa, onde se encontram a EMCN e o Instituto Gregoriano. É pois, pertinente
a existência de um tão grande número de estabelecimentos para este tipo de ensino, de modo a
abranger todos aqueles que queiram estudar música como complemento de formação ou pretendam
vir a ser profissional na área.
O perfil destas escolas varia em função da região do país em que está situada. Há escolas
com um corpo docente estável há vários anos, sobretudo as que estão nas grandes cidades, ou nas
suas imediações. Há outras instaladas em zonas nas regiões do interior, que têm um corpo docente
mais instável e com horários parciais, pagando as escolas um “preço” elevado pela interioridade,
uma vez que para além do salário o professor receberá nalguns casos subsídio de deslocação, verba
esta que não está prevista no contrato de patrocínio celebrado com o ME.
dimensão, que não conseguem um horário completo e aí os docentes terão de leccionar noutra ou
noutras escolas de modo a perfazer as 22 horas. A partir daí, considera-se regime de acumulação,
não sendo esse tempo contabilizado para efeito de progressão, carecendo os docentes de autorização
anual da tutela para poderem leccionar neste regime.
A admissão dos professores é feita segundo critérios adoptados por cada escola, mas todos
deverão ser portados das habilitações previstas na Portaria nº 693/98, de 3 de Setembro. A sua
progressão é regulamentada através de três tabelas salariais e depende da avaliação de desempenho
docente, cujo modelo foi também aprovado em CCT, tendo havido nalguns casos escolas que
aplicaram um modelo próprio adaptado à sua realidade, em virtude de o proposto em CCT ser mais
direccionado para os docentes do ensino regular.
A entidade patronal é obrigada a proporcionar 35 horas de formação por ano, que deverão
estar de acordo com a especialidade e as necessidades de formação dos docentes.
As grandes diferenças que se verificam neste momento entre as carreiras do ensino privado e
público a salientar são: (i) a possibilidade de as escolas privadas poderem escolher os seus docentes
por simples convite; as escolas públicas só podem escolher os docentes através de prova (pública)
quando há necessidade de contratar para além do quadro, uma vez que para preenchimento de vaga
para quadro o que está previsto é o concurso documental (nacional); (ii) nas escolas particulares os
docentes ficam vinculados ao fim dos 180 dias de período probatório; nas as escolas públicas os
docentes só adquirem estabilidade laboral após concurso e ingresso num quadro; (iii) nas escolas
privadas a progressão é feita também com avaliação docente, mas não há limite de quotas de
graduação, isto é, todos os docentes com avaliação qualitativa de Bom ou Muito Bom progridem
sempre; nas escolas públicas o sistema de avaliação é mais complexo, e a progressão para além do
actual 5º escalão, está sujeita às quotas atribuídas a cada escola; (iv) no ensino privado não há
23
Dados recolhidos nas Tabelas Salariais do CCT aprovado para o período de 01/01/2009 a 31/08/2009.
redução do horário lectivo em função do número de anos de serviço, ao contrário do que acontece
no ensino público.
3. CONCLUSÕES
Após a análise quer dos vários documentos a que tive acesso, quer das transcrições das
entrevistas, parecem ser as seguintes conclusões principais:
Segundo estas afirmações do Jurista, depreende-se que houve debate sobre o conteúdo. Pode
dizer-se que houve um certo consenso quanto aos pressupostos da legislação, em que os docentes, e
outros intervenientes tiveram uma oportunidade de introduzir algumas das suas perspectivas, o que
leva a considerar a existência de uma regulação conjunta, embora tenha havido posteriormente um
avolumar de tomadas de decisão por parte das comissões instaladoras. Ao analisar o relatório final
da IGE sobre irregularidades detectadas na EMCN, infere-se que uma regulação autónoma, quase
anárquica, imperou nesta escola.
De facto, a alteração das letras (hoje índices) remuneratórios dos professores, sem a devida
autorização superior, (inclusivamente com o acordo de um órgão de gestão intermédia, que não tem
competência para tomar decisões ao nível financeiro, como é o caso do conselho pedagógico) e a
atribuição de dezoito horas de horário lectivo aos professores contratados, em vez das vinte ou vinte
e duas, são decisões que vão muito além do que é o conceito de regulação autónoma, considerando
que o ECD aprovado pelo Decreto-Lei nº 139-A/90, de 28 de Abril, era aplicável aos docentes do
ensino especializado.
Uma vez que foram os docentes que ao elaborarem o projecto de legislação, estabeleceram
as regras de entrada no quadro, o ME pelo seu lado, vinculou os docentes ao ECD com todos os
direito e obrigações inerentes à progressão na carreira, podendo considerar-se esta forma de
regulação como autónoma/conjunta, já que foram os dois grupos de actores a definir as regras do
“jogo”.
Conclui-se neste ponto, que os docentes poderão ter sido orientados, com propósitos
políticos, para contornar uma situação que legalmente não tinha outra solução senão o cumprimento
do ECD em vigor;
VII—Na fase actual, toda a legislação que define os quadros de escola e regula os
respectivos concursos do seu provimento está publicada, mas uma vez mais o ME parou todo o
processo. As razões para este novo impasse podem ser originadas pelas contenções do orçamento
geral de estado, que não prevê mais vínculos à função pública, ou por uma revisão do ECD, que
poderá ir no sentido de serem retiradas as reduções da componente lectiva em função dos anos de
serviço, e que, a acontecer, implicaria que uma parte dos docentes agora contratados ficassem sem
horário, sendo os alunos distribuídos pelos professores pertencentes ao quadro. Assim sendo, se
forem de facto, estas as razões para a suspensão do processo, só depois de apuradas as necessidades,
será dado início ao processo de concurso.
Conclui-se, assim, que uma forte regulação de controlo está a afectar a estabilidade
pedagógica das escola públicas de Música. Os docentes contratados com profissionalização não têm
certezas quanto ao seu futuro e aqueles que não tiveram acesso à profissionalização vêem-se
impedidos de aceder aos concursos. Poderão, caso haja procura, leccionar em escola do EPC, (já
que nestas escolas ainda não é requisito obrigatório ser-se profissionalizado).
Depois da análise destes sete pontos chave da investigação: (i) a Experiência Pedagógica de
1971, no que diz respeito ao vínculo dos Docentes; (ii) o processo polémico da aplicação do
Decreto-Lei nº 310/83, de 1 de Julho; (iii) a publicação do Decreto-Lei nº 344/90, de 20 de
Novembro; (iv) a elaboração do projecto de legislação que resultou no Decreto-Lei nº 234/97, de 3
de Setembro; (v) a tentativa de controlo por parte do sindicato das tomadas de decisão, neste caso
específico, do órgão de gestão da EMCN; (vi) a actuação das organizações sindicais; (vii) a da
paragem de todo o processo de abertura de concurso para os quadros de escola, conclui-se que:
ao Conservatório (...), porque os melhores também lá estavam, não todos, havia bons que não estavam lá...” até
porque a “preocupação que havia no Ministério e que se compreende, de que as escolas superiores tinham de nascer
livres dos compromissos (...) com aquilo que havia antes” (entr. J, 11). O objectivo do ME foi criar uma
estrutura, que de alguma maneira rompesse com o passado e fosse inovadora nesta área específica.
Outras soluções poderiam ter sido adoptadas, mas esta foi a que melhor se enquadrou, à época, na
estrutura do ensino superior existente.
O maior contributo dos professores para a criação de uma carreira docente, foi sem dúvida o
Decreto-Lei nº 234/97, de 3 de Setembro. Conseguiram que as suas ideias fossem levadas à prática,
começando-se a desenvolver as bases para a construção de um percurso mais sólido na sua
profissão de professores.
O ME colocou nas mãos das escolas a possibilidade de estas encontrarem a melhor solução
para a situação dos docentes contratados. Foi possível, como já foi referido, elaborar uma proposta
que depois de trabalhada com o ME nos aspectos mais técnicos, veio englobar a grande maioria dos
docentes em regime de contrato (anual), integrando-os na carreira existente prevista no ECD em
vigor (1996/97).
Essa proposta pode considerar-se como uma forma de regulação conjunta, já que os actores,
neste caso os docentes e a Tutela, acordaram claramente numa medida que veio regular a situação
de vínculo dos docentes e garantir a estabilidade laboral e pedagógica ao sistema. Foi uma
oportunidade única para os docentes poderem finalmente ser ouvidos, e o problema que realmente
os preocupava foi de certa maneira resolvido.
Actualmente, a Tutela volta a exercer uma forte regulação de controlo, uma vez que criou os
instrumentos legislativos para resolver o problema dos professores a contrato do ensino público
que, por exemplo na EMCN já ultrapassam os 50% do corpo docente, mas não os acciona e na
actual conjuntura política, as escolas e as representações profissionais dos professores não têm
conseguido dialogar com o ME, no sentido de se abrirem os concursos para os quadros de escola,
acabando com a instabilidade laboral que afecta os docentes contratados desde 1997.
Após esta análise, conclui-se que a influência dos docentes na construção de uma carreira
docente foi em certos momentos de grande actividade, conseguindo deixar uma marca positiva com
uma forma de regulação autónoma, em que o seu contributo se revelou útil. Talvez porque a Tutela
lhes deu oportunidade de expor as suas opiniões, sentirem que foram ouvidos e o esforço
compensado. Noutras ocasiões, também de grande actividade, perderam a oportunidade de se
fazerem ouvir, talvez pela forma de intervenção, direccionada para problemas que não estavam
relacionados com a Carreira Docente.
Não será suficiente invocar, anos a fio, que ser professor do EAE (área da música) é ser
diferente dos restantes professores das outras áreas e que a música tem especificidades de ensino
que talvez as outras matérias não tenham, porque os docentes deste tipo de ensino não deixam de
cumprir a função de ensinar, que é comum a todos os que se dedicam à prática pedagógica.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho teve como objectivo perceber que regulação tem caracterizado o
desenvolvimento da carreira dos docentes do EAE, área de música, desde a Experiência Pedagógica
de 1971 até à actualidade, tendo-se verificado que ao longo do tempo houve uma diversidade de
situações, que evidenciam, da parte da Tutela, algum desconhecimento deste tipo de ensino, que
tem as suas especificidades e às quais aquela não têm sabido ou querido responder e, da parte dos
docentes, uma demissão traduzida na não utilização dos meios à sua disposição para a definição da
sua carreira profissional e uma ausência de estratégias que fossem no sentido da construção dessa
mesma carreira.
A regulação de controlo tem sido a preponderante no que diz respeito ao EAE, em geral, e à
respectiva carreira docente em particular. O ME tem revelado alguma dificuldade em lidar com este
tipo de ensino, para o qual são necessários bons formadores, o que não se consegue sem garantir a
estes uma adequada formação e condições profissionais condignas com a responsabilidade que lhes
é exigida pelo exercício da sua actividade de professor.
Por seu lado, a regulação autónoma por parte dos docentes tem-se verificado em menor
proporção e teve especial relevo no episódio referido na Parte II deste trabalho, quando é abordada
a problemática do horário lectivo, em que faço um relato detalhado da situação, pois pareceu-me
pertinente realçar a tentativa de uma regulação local dos docentes em relação ao seu horário lectivo
e as diversas “interpretações” (talvez por hábito profissional) que foram feitas ao longo do tempo,
sobretudo após o “310”. De facto um horário lectivo de 18 horas não era condicente com “coisa
nenhuma” como referiu o Jurista, devendo terem sido cumpridos os horários definidos para cada
nível de ensino, neste caso específico as 22 horas lectivas.
24
Os ditos cursos superiores do CN não conferiam grau académico nem estavam ligados a qualquer instituição de
ensino superior.
Surgiram ao longo desta investigação pistas de extrema importância para uma melhor
compreensão da realidade do EAE público em Portugal, pistas essas que, ou por limitação temporal,
ou porque não estavam enquadradas na problemática do presente trabalho, não puderam aqui ser
incluídas. Temas tais como Regime Integrado/Articulado, Planos de Estudo e Avaliação Docente
são questões que se prendem com a carreira docente e com as condições de exercício profissional
dos docentes do EAE, da área da música, mas que por si sós constituem objectos a merecer
investigação específica.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Sítio Internet consultado em 21 de Janeiro de 2011.
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http://www.ac-creteil.fr/zeprep/espace_regulation.html
Sítio Internet consultado em 23 de Agosto de 2009.
-YIN, Robert, (2005) "Case Study Research: design and methods" Tradução e síntese: Prof. Ricardo
Lopes Pinto. Adaptação: Prof. Gilberto de Andrade Martins.
http://www.focca.com.br/cac/textocac/Estudo_Caso.htm
Sítio Internet consultado em 12 de Setembro de 2009
-Ofício da FENPROF, Ref. FP-166/99, Assunto: Horário dos professores das áreas artísticas de Música
e Dança, mantêm-se em vigor de acordo com o Despacho nº 17656/98 de 13 de Outubro.
-DSRH/PD nº. 17675, de 9/05/2000. Assunto: Deferimento de requerimento a solicitar o abono de duas
horas de serviço lectivo extraordinário.
-Ofício nº 9784 de 23 de Julho de 2001, Origem: DGAE. Assunto: Aplicação do disposto no artigo
79º do ECD – Redução da Componente lectiva, aos professores do Ensino Vocacional da Música.
-Ofício Circular nº B08028474V de 21/05/2008. Assunto: Horário dos Docentes dos estabelecimentos
públicos do ensino artístico especializado da Música e da Dança.
6. SIGLAS UTILIZADAS:
7. ÍNDICE DO QUADROS:
-Quadro 1. Vantagens e Inconvenientes dos métodos Qualitativos vs. Quantitativos .......................... pág. 34
-Quadro 2. Categorias e sub - categorias de investigação ..................................................................... pág. 41
-Quadro 3. Guião de entrevista aos Docentes........................................................................................ pág. 45
-Quadro 4. Guião de entrevista ao Jurista.............................................................................................. pág. 46
-Quadro 5. Guião de entrevista ao Sindicalista...................................................................................... pág. 47
8. ANEXOS
NOTA PRÉVIA
As transcrições das entrevistas têm uma paginação entre ( ) correspondente às citações no texto.
Jurista—Sou formado em direito e trabalhei muitos anos no Ministério da Educação. Comecei por
trabalhar no Gabinete de Estudos e Planeamento de Acção Educativa em 1966, já lá vão muitos
anos, depois...depois passei para o Instituto de Acção Social Escolar, onde fui Director de Serviços
de Estudos e Planeamento também e depois, em 1978, Janeiro de 78, fui para os Açores como
Director Regional da Administração Escolar, e o primeiro papel que me puseram nas mãos para
resolver foi o da criação do Conservatório que o Governo Regional já tinha criado, oficializado,
passando, integrando, o Conservatório Regional, que era privado, e ao mesmo tempo criando pólos
ainda não existentes, mas enfim, que eles queriam pôr a funcionar em Angra e na Horta;
simplesmente ninguém sabia o que era isto de um Conservatório...
Investigador—Imagino...
Jurista—Não, quer dizer, é evidente que o Conservatório Regional existia e era particular, mas era
totalmente apoiado pela Junta Distrital e por isso pediram imediatamente a sua oficialização; mas
simplesmente qual é o estatuto de uma escola destas... – ah!, isso é o estatuto do Conservatório
Nacional. O Conservatório Nacional era outra coisa, (dependia) da Direcção Geral do Ensino do
Ensino Superior, e a DG também não sabia muito bem o que aquilo era – era um ensino artístico
especializado…nem era nem deixava de ser...bom…!…que foi aliás na DG do ES uma herança da
antiga Direcção Geral do Ensino Superior e das Belas Artes, das quais se autonomizou da Direcção
Geral dos Assuntos Culturais, hoje Ministério da Cultura, não é, que absorveu tudo o que não era
ensino; mas como era ensino (o CN) ficou na DG do ES, porquê?,…porque era ensino das Belas
Artes,...bom, já havia as escolas superiores de Belas Artes, que já se chamavam “Superiores de
BA”, mas que também não tinham o estatuto, que era o estatuto existente no ensino superior.
Naquela altura só existia o ensino universitário, ora o estatuto dos próprios professores não era o
estatuto do ensino superior (universitário), embora os cursos… e isso começa com os cursos de
arquitectura...(este) já era considerado um curso superior mas não dava uma licenciatura...
Investigador—Exactamente não tinha grau académico.
eram essas ligações pessoais que se criam, a Carmo Norton e outros, o Victor Dinis, não sei se sabe
quem é?, violinista e depois foi para o Brasil, o Santiago...
Investigador—Santiago Kastner? (5)
Jurista—Não o Armando Santiago, que foi para o Canadá e foi director do Conservatório do
Quebec, etc. Estávamos todos dentro do grupo, a Maria José Nobre...não sei para onde anda...ela
esteve por Castelo Branco, ela esteve nos Estados Unidos e doutorou-se por lá, depois esteve em
Castelo Branco...
Investigador—Há muito tempo que não ouço falar dela...
Jurista—Mas enfim só para dizer que eu andava também nesses meios e portanto conhecia várias
pessoas que estavam no Conservatório nesse momento já como professores, etc., e portanto alguma
ligação também pessoal...
Investigador—Isto nos anos 80...
Jurista—Isto nos anos 80, exactamente inicio dos anos 80, 81, pois, princípios de 81 foi quando
comecei a trabalhar nisso. Bom, portanto eles vieram ter comigo, o ministro nomeou, enfim, para
superintender esse grupo o Professor Alberto Ralha – que faleceu agora há poucos dias, em
Dezembro, salvo erro – e começámos a trabalhar, pronto! E a ideia fundamental, que enfim vai
muito no meu feitio é...bom eu vou para lá, tenho uma ideia do que me parece que será certo, mas
eu vou para lá e eles vão-me dizer quais são os problemas; vamos negociar aqui esta coisa, vamos
assentar num esquema. E assim foi – a primeira proposta feita ao Ministério sobre a estruturação do
“310”, do ensino e da carreira Docente, etc, etc., (foi) redigida por mim, mas não foi assinada por
mim, foi assinada pela comissão directiva do Conservatório; portanto a responsabilidade não é
minha é deles, (risos)! É claro que ele (310) levava uma ideia, mas essa ideia não tinha nada de
original, não é?, essa ideia não tinha nada de original, para além daquilo que eu lhe disse há
bocadinho – nos Açores uns meninos que dos 10 aos 16 anos, estudavam no ensino secundário no
liceu e nas horas vagas iam ao Conservatório, infelizmente era assim e toda a gente achava que era
infelizmente assim, e havia já as experiências do ensino integrado em Braga, enfim havia várias
tentativas de ensino articulado, que também não funcionava...
Investigador—E a Experiência Pedagógica também não tinha corrido muito bem...
Jurista—A Experiência Pedagógica começou em 71 e foi interrompida em 74, 75 e depois ficou-se
numa auto-gestão até 77...
Investigador—Nunca foi legislada...
Jurista—Exactamente, sim, mas a Experiência Pedagógica… E nisso o Conservatório também tem
uma história “triste”, que é a seguinte: A Reforma de 1930 procurou ajustar o sistema de ensino do
integrado, não é? No ensino articulado não havia nenhuma definição, não era ensino
articulado, naquela altura chamava-se articulação de horários, não havia uma (8)
integração do currículo e foi isso que se procurou fazer no 310, que muitas vezes é acusado de ser
apenas uma..., um decreto burocrático, que quis meter a coisa nas baias burocráticas, igualar tudo e
não tendo em conta a especificidade do ensino artístico. Bom! Na verdade não era bem isso e em
primeiro lugar (era) de facto uma ideia de uma reforma pedagógica, que contemplasse essa
integração no currículo, aliviando os alunos daquilo que …(carga horária). Fora isso, havia uma
outra coisa que era...os programas do 3º ano, que depois já passaram para o 4º, porque praticamente
os programas do 4º ano eram os do antigo 3º ano. E o 4º ano quem é que o fazia em 4 anos?
Investigador—Era difícil...
Jurista—Era muito difícil fazer o 4º ano em 4 anos; e depois dependia … se fosse no clarinete
fazia, no piano não, nem pensar nisso. Bom! (risos)
Investigador—Essa é uma batalha que ainda temos hoje.
Jurista—Ah pois é! Pois é…mas isso, hoje a batalha tem outros contornos (risos). No
Conservatório Nacional, tem outros contornos, mas...(risos). Aqui há tempos houve um rapaz nosso
conhecido que se quis inscrever no Curso de Canto e foi lá e perguntou: “Bom, quantos anos é que
são?”, e tal. “Bom, o curso geral de Canto são 3 anos; bom, mas não pense que faz em 3 anos! Ah
sim, não faz em menos de 6”. É claro que se tinha de dar o programa todo de canto, não é...; isto
não foi agora, já foi há uns dois três anos...
Investigador—Também em três anos não se faz um cantor, é evidente...
Jurista—Pois, é evidente que não, mas um curso geral não é para fazer completamente um cantor,
não é? Ah, mas a função do Conservatório é fazer “até ao fim”, não é?; pronto, é esta ideia …; e
portanto passar para a escola superior … “isso a escola superior é qualquer coisa que a gente rejeita,
o Conservatório é que tem de ser, pronto!”; e depois vem a contestação toda e a ideia do “ensino
vertical” – que o ensino tem de começar no mesmo sítio, desde os 5 anos com o mesmo professor
até aos 25 anos de idade, até ao curso superior, etc. Isto é um dos mitos da carreira Docente não é?
Porque isto tem que ver com a carreira Docente, dar a alunos …, tem...tem que ver com a carreira
Docente, tem a ver com a concepção do professor.
Investigador—É mais a carreira pedagógica...
Jurista—Pois, “o aluno tem de ser aluno daquele mestre para toda a eternidade!, isto de mudar de
professor é altamente negativo, cada professor tem o seu método”. É claro que isto é uma teoria
pedagógica; porque há outra teoria pedagógica que diz que quando ele (aluno) muda dá um “salto”,
não é?, porque é obrigado a refazer tudo aquilo que já fez, a sua técnica, com uma outra
perspectiva, pronto, (risos); mas isto são perspectivas diferentes, que têm que ver
depois com a carreira Docente, não é. O que é um professor do ensino “secundário” (9)
do Conservatório – “coisa horrível”!; o que é um professor do ensino “superior” do Conservatório,
aquela coisa que acha que é superior a tudo e a todos! … a nós sobretudo. Bom! Isto tudo gerou de
facto uma situação muito complicada; a situação que eu em 87, fiz uma proposta …; porque isto
tinha muito que ver com uma outra coisa: a criação das escolas superiores separadas do
Conservatório, e quem herdou o “sacrossanto” Conservatório foi a escola “secundarizada”,
horrivelmente “secundarizada”; eu estou a fazer a caricatura...
Investigador—Evidentemente.
Jurista—Reconheço, e o problema é esse. Isto gera um mal estar entre as pessoas, não é, que se
teria evitado se a escola superior (de música) tivesse herdado o Conservatório e se (se) tivesse
criado autonomamente uma escola de nível básico e secundário que começasse a fazer o
trabalho...eu penso que hoje o Conservatório já está mais para aí virado e já tem secções de bairro...
Investigador—Não tem...
Jurista—Mas fala-se em criar em Oeiras.
Investigador—Em criar pólos na Amadora e Odivelas.
Jurista—Têm pólos? É isso. Isso foi uma das coisas que eu defendi, tinha que ter e podia integrar
aliás num projecto pedagógico comum, os pólos já existentes de ensino particular que havia nessa
altura – uma escola em Algés, no Palácio Anjos, que agora já não há, mas havia, a de Linda-a-
Velha, havia a Academia de Amadores de Música, a AAM não a Academia de Stª. Cecília, bom, a
AAM claro mas essa era ali mesmo ao lado.
Investigador—A Fundação Musical dos Amigos das Crianças.
Jurista—A Fundação Musical dos Amigos das Crianças, e se calhar havia que criar um pólo em
Oeiras, um pólo ma Amadora, um pólo...pronto...
Investigador—Em Loures existe agora.
Jurista—Em Loures pois. Quer dizer, porquê? Porque exactamente o ensino articulado só pode
fazer-se, ao nível do ensino básico até ao 9º ano, só pode fazer-se pela proximidade dos alunos; é
utópico pensar que as “mãezinhas” vão levar os meninos, isso era antigamente, quando as
mãezinhas não faziam mais nada a não ser de “mãezinhas”, mas as mãezinhas agora trabalham…
Investigador—A sociedade mudou.
Jurista—Pois, a sociedade mudou e portanto o Conservatório do “Bairro Alto”, tem de ser o
Conservatório Regional do Bairro Alto, quer dizer que abrange ali o Bairro Alto, ainda com a
concorrência da Academia de Amadores de Música.
Investigador—Exactamente... (10)
Jurista—Mas pronto, o que fazia sentido era então reunir naquele edifício central, digamos assim,
reunir os cursos de nível 10º, 11º e 12º (anos) assim e porque não em proximidade com os cursos
superiores, não é? Mesmo que tivessem uma autonomia pedagógica, mas num conjunto em que os
alunos se iam integrando também, etc. Bom, mas isto … mas isto era um projecto, não teve na
altura... A razão fundamental, na altura do 310, para isto não acontecer foi a preocupação que havia
no Ministério e que se compreende, de que as escolas superiores tinham de nascer livres dos
compromissos – tinham que escolher de facto os melhores professores, os habilitados, não sei quê, e
livres dos compromissos com aquilo que havia antes, e que era o caso designadamente também das
escolas do magistério primário, mas que acabou por absorver nas escolas superiores de educação,
estas acabaram por absorver e era isso que acontecia naturalmente. É evidente que as escolas
superiores foram buscar professores fora do Conservatório, mas também foram buscar muitos
professores ao Conservatório, não é? Como é evidente, porque os melhores também lá estavam, não
todos, havia bons que não estavam lá, até por limitação de vagas etc. As pessoas entram e depois
nunca mais saem, e portanto arrastam-se durante anos; mas isto teria possibilitando um outro tipo
de coisa, bom. Mas esta proposta de 87 não foi aceite pela escola superior, que naquela altura já
estava em conflito aberto, e, bom, era a subversão total daquilo; e também não seria aceite pelo
próprio Conservatório que se veria esvaziado, absorvido pela escola… pela odiada escola superior.
Criou-se de facto uma tensão que foi muito negativa.
Investigador—Deixe-me perguntar: acha que pelo facto de terem ficado fisicamente no mesmo
edifício não terá ajudado a essa separação real?
Jurista—Bom, na altura não havia outra solução, não é. Eu penso que foi sobretudo depois da saída
do edifício que se agravou esse corte, não é...talvez tendesse a pensar que isso se agravou ainda
depois da saída do edifício, acha que não?, que, que....
Investigador—Não sei, estou como...
Jurista—Pois, quer dizer, já não me lembro bem, depois manteve-se muito tempo numas salas lá
em cima, o Centro de Documentação e uma ou duas aulas, que se mantinham lá, numa certa tensão,
mas agora não me lembro em pormenor. A escola, quer dizer, as escolas (superiores) foram criadas
em (19)83, mas efectivamente só começaram a funcionar em 1987, Janeiro e Fevereiro de 1987, e
esses quase quatro anos, esses três anos e tal de indefinição das próprias escolas superiores
alimentaram no Conservatório todo esse …; quer dizer, a não criação imediata da Escola Superior
(de Música), que criou também essa tensão, não é, “agora tu vais e eu fico”, e tal; e depois é o tal
complexo da “secundarização”, não é? Bom, que enfim compreende-se na...pronto, no contexto; e
legislação geral aplicável aos concursos, etc.”. Isto foi muito contestado também porque,
evidentemente, os professores deviam de ter um concurso de provas práticas e não concurso
meramente...(documental).
Investigador—Mas não fazia sentido fazer também um concurso com provas práticas?
Jurista—Podia fazer, quer dizer foram feitos ajustamentos...
Investigador—Para além do concurso documental?
Jurista—Para além das documentais, claro; evidentemente que poderia fazer sentido, poderia fazer
sentido, se bem que os concursos documentais deviam documentar uma carreira que comprovava
…, não é? Portanto, quer dizer, poderia não ser indispensável fazer um concurso de provas práticas.
Investigador—Poderia ser redundante...
Jurista—Desde que, claro, desde que o que se exige num concurso documental comprove uma
carreira artística, quer uma carreira, quer uma carreira Docente, nesse domínio, não é? Portanto,
poderia ser ou não.... “Poderão ser contratados para prestação de serviços” etc,.... Pois, isto é outra
coisa que estava prevista e não sei se hoje se faz um pouco – “Aos Docentes do ensino da música de
níveis preparatório e secundário poderá ser distribuído serviço em diferentes estabelecimentos de
ensino, incluindo a leccionação de iniciação musical e instrumental, no ensino preparatório e no
ensino primário, na educação pré-escolar, em turmas reguladas por despacho”; portanto já aqui se
previa que pudesse haver uma iniciação ao nível...
Investigador—Ao que se chama hoje as AECs.
Jurista—Hoje as AECs; mas as AECs, atenção, atenção, estão situadas fundamentalmente no
domínio da preparação musical geral e não das iniciações instrumentais; o que se previa aqui, aos
Docentes, portanto, poderia se atribuída serviço de leccionação, de iniciação musical e instrumental
no ensino primário e na educação pré-escolar, … até na educação pré-escolar, bom, “em termos a
regular pelo Ministério da Educação”; “quando o serviço destes Docentes obrigar à deslocação dos
estabelecimentos onde estão colocados, dá direito à compensação dos encargos de deslocação, nos
termos da lei geral”. Isto o que é que previa? É que pudesse haver professores que circulam, porque
dão duas horas aqui, duas horas ali, duas horas acolá, não é? E isto é uma coisa que já estava
prevista no 310, e que me parecia importante. “Aos Docentes do ensino superior aplica-se o estatuto
das carreiras Docentes do ensino superior politécnico”; isto, claro, foi outra opção que foi discutida,
porque o Plano Nacional de Educação Artística encaminhava-se no sentido do ensino universitário,
da integração do ensino da música no ensino universitário; entretanto em (19)80 foi criado o …
(Departamento de Ciências Musicais, na Universidade Nova de Lisboa). O Plano Nacional de
Educação Artística é de (19)79; eu não sei se você tem o Plano Nacional de Educação Artística?
Investigador—Não tenho...
Jurista—É muito difícil, é espantoso …; a Drª Cecília tem de certeza, mas o António Ângelo de
Vasconcelos, não encontrou isto no Ministério, (risos) encontrou aqui na minha papelada.
Investigador—Plano Nacional de Educação Artística.
Jurista—Seria engraçado ver o que é que se aí dizia sobre as carreiras Docentes, se é que se dizia
alguma coisa, que eu já não me lembro.
Investigador—Irei fazer pesquisa.
Jurista—Pois, a Drª Cecília tem de certeza, que ela trabalhou nisso; mas o António Ângelo de
Vasconcelos, quando foi ao Ministério, aos arquivos lá em...
Investigador—Na 5 de Outubro possivelmente...
Jurista—Na 5 de Outubro também, mas o que acontece é que muito do que havia na 5 de Outubro
foi tudo despejado para uns armazéns que o Ministério tem em...
Investigador—No Instituto Histórico da Educação?
Jurista—Sacavém, é uma coisa que há para ali em Sacavém, não sei exactamente onde é, também
nunca lá fui. Mas pronto, ele procurou por ai tudo e não encontrou nada. É espantoso, até porque
aquilo foi distribuído por toda a gente; eu recebi lá também nos Açores e vim cá a uma sessão em
conjunto com toda a gente, etc. Portanto há-de haver muita gente que o tem, mas ele estranhamente
não encontrou isso no Ministério; mas a Drª Cecília tem com certeza e eu tenho-o, o António
Ângelo Vasconcelos tirou fotocópias do meu, mas neste momento confesso-lhe que não encontrei
ali. Portanto o que se dizia...Ah pois...pronto, mas isto já é do ensino superior; o que está a estudar,
não é ensino superior.
Investigador—Não é só o secundário.
Jurista—“Ensino Particular e Cooperativo”, etc., … os contratos simples e os contratos de
associação, isto nunca foi aplicado como eu preferiria, mas enfim …; depois, regime de transição
em relação ao pessoal Docente – “Regime de transição do pessoal Docente”, “os professores
beneficiam do regime de transição previsto”, etc. “São criados os quadros transitórios …, “Têm
direito a ingresso no quadro transitório os professores com mais de 5 anos, etc., será contado o
tempo prestado no ensino particular...quadro transitório, etc...Os professores do quadro transitório
do ensino superior serão equiparados …; aos professores do quadro transitório que prestam serviço
nos estabelecimentos de música complementar e secundário poderão ser atribuídas de acordo com
as necessidades de serviço até 18 horas semanais”. Ou seja, o que se dizia aqui é que eles
conservavam o seu direito às 12 horas, no entanto podia ser atribuído até 18 horas por necessidade
de serviço, ou seja, apontava-se até às 18 horas semanais de serviço Docente ou equiparadas, só
podendo ser consideradas horas extraordinárias as que excedam aquele número (14)
(18h). Bom, isto tinha que ver com quê? Isto tinha que ver com não criar um fosso muito grande
entre os novos contratados, que eram contratados com base nas 22 horas, e os que já lá estavam,
com base em 12 horas e que, se dessem 13 ou 14, já estavam a receber horas extraordinárias; isso
não era justo, até às 18 horas podia ser-lhes distribuído sem ganharem mais.
Investigador—Mas e todos foram contratados com 18 horas no máximo...eu fui.
Jurista—Pois, mas isso foi depois deste despacho, pois foram, mas essas 18 horas não podiam ser,
tinham de ser 22 horas. Atenção essa diminuição de 4 horas não teve que ver com o decreto (310) e
o que este decreto dizia era as 12 horas, podiam ir até às 18 horas, só a partir das 18 horas é que
eram extraordinárias. Porquê? Na carreira com base nas 22 horas ao fim de não sei quantos anos
passava a 20 e ao fim de não sei quantos anos passava a 18 horas. Portanto, as 18 era o horário dos
professores do ensino Secundário, era de 18 a 22 horas, não é? 18 no fim da carreira, 22 no início da
carreira, mas as 18 era o mínimo que os professores do ensino secundário tinham. Bom. É claro,
não estamos a falar do ensino nocturno, pois … e as direcções de turma, de departamento, tinham
reduções em função das 18, das 20 ou das 22.
Investigador—Então terá havido aqui uma interpretação muito peculiar da legislação?
Jurista—Não houve interpretação nenhuma, os professores estavam todos em pé de guerra com
aquilo tudo. Disseram: “pronto, calem-se lá todos, dou-lhes as 18 horas a todos” (risos). Está a ver
…; mas foi uma coisa que não teve uma base de equiparação nem àquilo nem àqueloutro, ou seja,
criou-se uma situação de excepção, de “especificidade” do ensino artístico. As 18 horas … é porque
são artistas, é por isso, é por isso, não podem ter 20 ou 22, porque são artistas, só podem ter 18!
Mas está a ver, eu estou a dizer isto desta forma irónica, da “especificidade” do ensino artístico …;
mas é que, de facto, este termo de “especificidade” do ensino artístico passou a ser daqueles
chavões...
Investigador—Uma capa para esconder...?
Jurista—Interesses que são muito compreensíveis. Depois outra coisa que se tentou, … porque
havia sempre um problema, … Os professores do EAE têm que ser artistas, ser artistas praticantes,
não é? … têm que tocar, e não há tempo …, não pode ser uma coisa e outra. Então tentou-se
negociar uma coisa deste tipo: muito bem, o professor é contratado para dar as 22 horas ou seja lá o
que for, as 18 horas de aulas, bom, mas pode ser dispensado em função de uma prática artística,
mas também não é uma prática artística qualquer. Depois foi complicado definir o que era isso,
incluído no ordenado do professor; ou seja o professor daria concertos, tudo bem; daria concertos
para os quais estava dispensado então de horas de aulas; não era para ir dar concertos para a
“Cochinchina”, naturalmente a ser pago pela escola, … porquê? Você está em (15)
Linda-a-Velha e agora só dá metade do horário porque vai dar concertos por esse mundo fora; então
o que é que a escola de Linda-a-Velha tem que ver com isso? Não, agora, se você der regularmente
concertos no Conservatório e para o prestígio do Conservatório, como exemplo dos seus alunos,
ah!, isso sim!; pronto, se tiver essa prática artística ali; … agora se tiver um segundo emprego, isso
é outro problema. Se tocar na orquestra sinfónica nacional tudo bem, mas isso é outra questão, não
é? Isso aí é naturalmente incompatível com a exclusividade, mas os professores do ensino
secundário não tinham exclusividade, portanto desde que os horários (permitissem) podiam fazer
uma outra carreira artística paralela; não havia razão para essa carreira artística paralela … e
portanto também não havia digamos razão… – essa carreira artística paralela, é pago para isso, não
é verdade? – fazer reduzir o número de aulas, pagando-se o mesmo, não é?
Investigador—Nunca foi posta a hipótese aos professores de haver duas carreiras paralelas, ou seja
um professor “artista” que tem um horário reduzido e que ganha, ganharia consoante a carreira, para
permitir fazer os tais concertos e o professor na sua pura acepção da palavra?
Jurista—Ouça, nada impede que esteja contratado a tempo parcial, isso qualquer professor pode
estar, porque tem um trabalho intensivo na orquestra, não sei que mais, não pode dar 22 horas, está
bem, mas pode dar 10, pode dar 8...
Investigador—Ou 12...
Jurista—Ou 12 e então, bom, mas não está a receber um ordenado por inteiro, está contratado a
tempo parcial, também não está a ocupar um lugar de quadro...
Investigador—Exactamente.
Jurista—Mas isto faz parte do senso comum; aliás há uma outra coisa, que já agora isto tem a ver
com a carreira Docente, e que é o seguinte: Quando eu cheguei ao Conservatório o Sr....Ah! Como
é que ele se chamava, o secretário do Conservatório? Ah! Já lá vão 30 anos...já lá vão 30 anos!
Investigador—Eu também estou a tentar...(Sr. Antunes)
Jurista—Então o secretário do Conservatório o Sr. ...está-me debaixo da língua …, veio-me expor
um assunto que era complicado, quer dizer, “Isto agora com a complicação do estatuto da função
pública …”; havia um problema com as faltas, as faltas, porque as faltas, agora já não me lembro
bem exactamente qual era o problema, mas...as faltas eram descontadas de uma maneira...porquê?
Porque eles como só davam 12 horas de aulas, aquilo era considerado pelo Ministério das Finanças
e pela Administração Pública como um tempo parcial. E pronto, eles ganhavam pela letra não sei
quê, tinham um lugar de quadro na letra baixinha, mas depois aquilo era considerado um tempo
parcial …! Mas então, a final de contas era um lugar de quadro…, não era um tempo parcial, se era
um lugar de quadro; isto não encaixava dentro daquilo! Ora eu tinha passado por (16)
uma situação semelhante a esta, que era a dos médicos escolares no Instituto da Acção Social
Escolar, que era a dos médicos escolares – os médicos escolares tinham 18 horas de serviço, mas
tinham um lugar de quadro de médico daquela escola e não sei quê; mas estas 18 horas de serviço –
os funcionários públicos tinham 36 – era obviamente meio tempo, e lá estavam depois essas
regalias, não sei quê, eram todas de meios tempos, não sei de quê, e era considerado tempo parcial.
Ora bem, porquê é que isto era assim? Isto também não era tão original como isso, porque os
professores do ensino superior no fundo também se considerava, tinham evidentemente escalões lá
em cima, os prestígios e a sua coisa etc. … mas era considerado um tempo parcial; esta história da
dedicação exclusiva que mais tarde foi criada, etc., não existia; porque era suposto que o Prof. de
arquitectura era um Arquitecto, que o Prof. de Engenharia era um engenheiro...
Investigador—Praticante como o músico...
Jurista—Que o Prof. de Medicina, bom, se ele não era um médico e não tinha a sua clínica, o que é
que ele sabia daquilo, não é? Bom, portanto, isto era um complemento para os que sabiam mais,
mas não eram professores em tempo inteiro, isso não era concebível, que fossem só professores de
medicina, só ali fechados ali a ensinar, a ensinar o quê? Tinham que estar na prática! O mesmo
acontece com os músicos – os professores do Conservatório, era suposto, eram músicos a fazer
música em qualquer sítio e por isso tinham ali um tempo parcial de 12 horas para dar aulas, para
ensinar aquilo que sabiam e que praticavam, não é? Bom, só que esta perspectiva (actual) era
diferente, é uma perspectiva do professor de tempo pleno e que ensinava a tempo pleno e que
evidentemente com 22 horas não tinha tempo para andar a fazer concertos e para andar a tocar na
orquestra, não é?
Investigador—Exactamente...
Jurista—Como conciliar as duas coisas, e tal. Há um papel curioso que eu tenho ali. (a entrevista é
interrompida neste ponto para consulta documental)
Jurista—Agora conduza isto com mais...
Investigador—Agradeço … é que são elementos extremamente...(importantes). Esta versão (do
310) que foi apresentada aos professores, este preâmbulo tem cinco pontos, o decreto final tem dez,
o documento final está dividido em dez pontos, este aqui tem cinco, houve alguma razão na altura,
se é que se recorda...
Jurista—Mas não tem aí o (310 final)?
Investigador—tenho em computador...parto do pressuposto que o documento final não estaria
pronto, do documento final...
Investigador—Exactamente. (22)
Jurista—Agora uma coisa: não há dúvida, não é, o 310 criou as escolas superiores; não sei se as
escolas superiores tiveram o melhor desenvolvimento, se realmente foram puxar para cima no
ensino, não tenho elementos para (avaliar)...penso que foi muito importante e que ainda é muito
importante...não tenho capacidade para avaliar isso, de maneira nenhuma, mas pelo menos
permitiram também, quanto mais não seja aos próprios alunos um estatuto de ensino superior. Eu
lembro-me que uma das queixas dos alunos que andavam no Conservatório, é que enquanto um
aluno do ensino superior tinha dispensa do serviço militar, enquanto não sei o quê...os do
Conservatório não tinham.
Investigador—A menos que fossem músicos militares...
Jurista—A menos que fossem músicos militares, esses não iam, já lá estavam.
Investigador—Não iam para o ultramar …
Jurista—Pois, pois …; mas é isso, havia necessidade de definir um estatuto da escola, um estatuto
dos professores, um estatuto dos alunos (de nível superior, reconhecido); bom, isso é uma
perspectiva meramente burocrática? Não é meramente burocrática, é quase, diria que é de
cidadania, que é de cidadania. Porque de facto era considerado “Ah! Aqueles são os artistas, são os
artistas, coitados só têm a 4ª classe, mas acham que são uns artistas, tocam corneta”! Mas isto (a
necessidade de equiparação de estatutos) era de facto uma ideia minha? Não, isto é uma ideia que
vinha de trás e muito de trás e que teve reformas falhadas sucessivas, que se agarraram a um
presente que ficou rapidamente passado com a história de 1930 e 1971; é característico, quer dizer
foi de facto um azar das duas vezes sucessivas a 40 anos de distância. E de resto … não me lembro
em pormenor disso, … eu tenho para aí um livro do (Dr.) Ivo Cruz que se chama “O que fiz e o que
não fiz”, você conhece? mas a certa altura, tenho uma vaga ideia, não o li todo ao pormenor, ele
tentou apresentar várias propostas de reforma que depois nunca tiveram saída.
Investigador—Eu ouvi da boca dele ele dizer isto.
Jurista—Evidentemente, esse aspecto … de facto a Direcção Geral do Ensino Superior estava
bloqueada porque aquilo não era ensino superior, também não era ensino secundário, era um ensino
especial, um ensino artístico, um ensino que ninguém sabia muito bem o que lhe havia de fazer, não
é?; e aquilo bloqueava ali, quer dizer os papeis iam para lá, e mais papeis, que ficavam na gaveta;
quer dizer, enquanto a gente não souber o que isto vai ser, pronto …. E portanto a integração disto
no sistema de ensino era uma prioridade e estava já contemplado no projecto de (19)79, no Plano
Nacional de Educação Artística de 79, estava em vista na Experiência Pedagógica de 71 e
provavelmente vinha de trás com algumas ideias que nunca tiveram seguimento. Mas a sua
pergunta concretamente essa tal última era?
Investigador—Até que ponto o 310 não teve um maior impacto e não foi...
Jurista—O desenvolvimento do 310 fez-se em relação ao plano de estudos, fez-se em relação a
alguns programas mas não todos, sobretudo penso que não se chegou a fazer nos programas dos
instrumentos e que era esse tal repertório classificado por graus e a adopção francamente dos graus.
Investigador—Com objectivos finais.
Jurista—Com objectivos finais exactamente, uma das coisas que tenho nesse papel, que eu ali
tenho e que diz: serão fixados os objectivos finais de cada ciclo e há uma maleabilidade na
progressão deles; e depois concretamente previa-se, por exemplo naquele esquema anexo do coiso
que tinha isso, naquela minha, no meu papel, o curso de instrumento tinha de ter uma saída com o
8º grau, não é, no mínimo, tanto podia ser o 9º grau ou 10º, mas tinha que ter uma saída com o 8º
grau no mínimo; o curso de educação musical tinha que ter uma saída com o 5º grau de
instrumento, tinha de haver domínio de um instrumento para seguir para as escolas superiores de
educação; para seguir para as ciências musicais tinha que haver o domínio de um instrumento ao
nível do curso geral, 5º grau; e portanto quem chegasse ao 12º ano, não é, e não dominasse o 8º grau
tinha de qualquer forma o 12º de música, mas tinha do curso de educação musical (formação
musical) e não de instrumento; o que também não o impedia de estudar mais instrumento e
concorrer à escola superior, isso é outra questão; mas pelo menos tinha o diploma do 12º ano de
formação musical se tivesse o domínio do instrumento ao nível do 5º grau e portanto essa
maleabilidade era extremamente importante; já na F.M. não havia a mesma maleabilidade, quer
dizer, em princípio isso correspondia ao 1º ano, 2º ano, 3º ano, pronto, e tinha de ter aproveitamento
de F.M....
Investigador—Mas deixe-me só voltar um pouco ao 310, está previsto criar os quadros de escola a
nível Docente?
Jurista—Os quadros de escola, evidentemente; os quadros de escola porque é que nunca foram
criados, não sei se foram, eu julgo que foram...
Investigador—Não, nunca foram.
Jurista—Nunca foram mesmo?
Investigador—Historicamente o 310 inseriu uma série de Professores que estavam nas condições
previstas num quadro transitório; depois disso a inserção seguinte vem incluir noutro quadro que
também é transitório, é o Decreto Lei nº 234/97, que foi apresentado ao governo pelo conjunto das
escolas públicas...e entretanto...
Investigador—Bom dia, esta entrevista destina-se a servir de suporte para uma tese, de dissertação
na área da Administração Educacional, cujo tema é a Estrutura da Carreira Docente (ECD) do
Ensino Artístico Especializado, (EAE), quer dizer que esta entrevista não tem qualquer, digamos, o
objectivo não é identificar quem é entrevistado mas saber ao longo da sua carreira, que mais ou
menos de 1971 até ao presente, gostaria de perguntar qual a sua profissão neste caso?
Docente—Eu sou músico, guitarrista, chamada guitarra clássica que já teve muitos nomes e
professor de guitarra desde 1971 no ensino particular e depois desde (19)84 se não estou em erro
professor do Conservatório. Fiz nesta escola que eu amo, neste espaço toda a minha formação como
músico, fiz o curso de guitarra ao abrigo da Experiência Pedagógica de (19)71 crio e depois fiz
simultaneamente o curso superior de educação pela Arte que funcionou também neste espaço.
Investigador—Aqui nesta escola?
Docente—Nesta escola, quer dizer neste edifício porque eram escola diferentes. Aqui viviam
escolas várias, a escola de cinema, a escola de teatro, escola de dança, depois desdobrada em escola
superior de dança e a escola Superior de Educação pela Arte.
Investigador—E já dava um grau académico?
Docente—Na altura em que foi feito, quando conclui o curso, não tinha ideia que desse nenhum
grau académico, (depois) quando aqui e não me recordo bem há quanto tempo foi para os
professores que não pertenciam ao quadro transitório de (19)83 fomos integrados no quadro,
apercebi-me, porque sou uma pessoa distraída, que esse meu curso juntamente com o curso de
música do Conservatório me dava habilitação de licenciatura para a carreira Docente. Eu comecei
aqui a fazer quando entrei para o quadro entrei como licenciado, com surpresa, agradável surpresa
minha que esse curso que eu achava que era simplesmente enriquecimento na área das expressões
artísticas, da psico-pedagogia, e pronto o que me permitiu ter contacto com pessoas extraordinárias,
como o pedopsiquiatra Silva Santos, com o grande João de Freitas Branco, dois nomes só para
nomear dois mestres, e foi assim. Depois em termos de formação académica quando se iniciaram os
CESES, os cursos especializados na ESML, eu mesmo não precisava da habilitação que dava,
inscrevi-me como aluno tendo sido colega de alunos meus aqui do conservatório que frequentavam
em simultâneo os dois cursos e com a minha filha que era a presidente da associação de estudantes
da ESML à data, depois conclui esse curso que me deu a habilitação de licenciatura específica de
guitarra.
Investigador—Mas voltemos ao 234. Tem ideia se esse projecto lei foi, digamos da autoria do ME
ou se houve uma movimentação das escolas do EAE, neste caso eram seis, que o tenham redigido
ou que o tenham proposto?
Docente—Eu creio que nessa altura houve muita movimentação das escolas, não sei se foi o
GETAP ou organismos criados no Ministério, específicos para o EAE. Lembro-me que as pessoas
que estava nesse organismo era a colega Isabel Rocha do (Conservatório do) Porto, acabou de se
aposentar agora e havia bastantes movimentação no sentido de se resolver a situação. Depois a
solução que foi encontrada era uma espécie de quadro transitório, que não era aquilo que se
pretendia, mas a situação era tão aflitiva em relação aos professores que estavam há muitos anos
nesta situação precária.
Investigador—Este “234” resolveu a situação naquele momento?
Docente—Sim, para aqueles professores, os que iam entrando e os que estavam há menos de cinco
anos...
Investigador—Continuaram a contrato?
Docente—Exactamente, era tal a situação precária em que estávamos, por exemplo como eu estava
no momento anterior.
Investigador—E qual é a situação actual?
Docente—A situação actual? Não sei descrever muito bem, mas creio que há um quadro de escola,
aliás do QND acho que passei sem dar por isso, mas passei. No entanto os concursos para esse
quadro ainda não foram realizados e há para quem está à espera de concorrer, nomeadamente
professores que cá trabalham há vários anos, têm profissionalizações feitas o ano passado, que creio
que não estão homologadas, embora tenham sido feitas com autorização do Ministério, com
reduções de horário e na ESML, não sei se já foram homologados, sinceramente não sei. Mas até há
muito pouco tempo não estavam e pronto não sei qual é o calendário para esses concursos.
Investigador—Portanto mantêm-se como professores contratados?
Docente—Numa situação bem mais angustiante do que os anteriores contratados, porque se eu
entendo o que se passa, é que por exemplo professores que fizeram concurso para ensinarem nesta
escola, prova de concerto e alguns fizeram provas pedagógica, não têm nenhuma (segurança), ou
seja esse concurso acaba ao que parece não valer nada e terão que concorrer, sendo que a
mobilidade, portanto um professor que esteja em Aveiro, no Porto, em Braga ou qualquer que
queira tem e que seja do quadro tem prioridade em relação aos actuais professores da escola. Creio
que a situação é essa e portanto aquilo que eu me apercebo é que os actuais professores contratados,
estão numa situação de insegurança e de angústia como eu não tenho memória, mesmo de quando
(7)
eu estava a contrato havia alguma...a pessoa entrava com curso e se a escola o escolheu, salvo
qualquer situação anormal esse professor continuava, ia sendo recontratado e renovado o contrato.
Aqui penso que as direcções, a direcção embora procura fazer isso, manter a estabilidade no corpo
Docente e o corpo Docente que foi seleccionado em concurso mas que não está nas suas mãos
mantê-lo, há regras de concurso...
Investigador—Portanto continuamos numa situação, digo continuamos as seis escolas de música,
continuamos numa situação precária no que diz respeito ao seu corpo Docente que não está ainda
vinculado. Terá uma progressão na os que estavam no QND e que estão agora num quadro de
escola um pouco virtual, penso que seja isso e os que estão a contrato não tem ainda qualquer
vínculo?
Docente—Não têm qualquer vínculo e...
Investigador—Com o risco e não serem reconduzidos no próximo ano lectivo?
Docente—Claro. No próximo ano lectivo não sei se vai haver concursos, essa dúvida se o concurso
será para o próximo ano lectivo ou só em 2011, mas aquilo que me parece é que a situação é bem
mais angustiante que aquela por que eu passei, apesar de tudo não era tão, a palavra para mim é
angustiante.
Investigador—Quero agradecer-lhe esta palavras, esta entrevista. Dar-lhe-ei conhecimento assim
que tiver transcrito, antes de mais ninguém terá conhecimento daquilo que nós aqui falámos, terá
algumas alterações, que acho que sejam pertinentes fazer e terá no fim, quando esta dissertação for
aprovada no instituto onde está a ser feita, terá com muito gosto, dar-lhe-ei um exemplar.
Docente—Para mim foi um prazer, foi a colaboração possível mas como colega e meu ex-director
que a minha boa memória das direcções, naturalmente inclui a direcção do José Coutinho. Todas as
direcções foram impecáveis mesmo em momentos difíceis, alguns por que eu passei, tive sempre o
apoio extraordinário, estou a lembrar-me de um processo disciplinar por causa de uma acumulação
em que as direcções e creio que foi durante a tua direcção, foi uma, foi um exemplo que deu para
trazer ao de cima a solidariedade e a defesa do professores, que toda a memória que eu tenho das
direcções o Carlos Franco, todos sem excepção, foram extraordinárias.
Investigador—Muito Obrigado.
Investigador—Em que ano é que começaste as tuas funções lectivas aqui na escola?
(2)
Docente—Nesta escola foi no ano de 87, 1987.
Investigador—Cargos directivos?
Docente—Cargos directivos. Eu comecei por ter a primeira experiência de direcção da escola , na
actual Escola do Centro de Formação Artística da Sociedade Filarmónica Gualdim Pais (Tomar)
onde fui directora pedagógica, nos dois primeiros anos da escola, fundei, fiz as raízes todas da
escola, depois disso, portanto forma dois anos, 91-92, 92..., não peço desculpa, 92-93, 93-94 e no
ano seguinte fiquei como presidente da Comissão Instaladora da EMCN durante três anos. Após
isso estive dois anos fora também da direcção. Depois regressei como vice-presidente da Comissão
Provisória e depois no ano seguinte já Conselho Executivo, em 2000 até hoje, depois já não sai
mais. Neste momento e desde Junho de 2009 como Directora.
Investigador—Ao abrigo do 74...75 de 2007?
Docente—Ao abrigo do 75.
Investigador—Queria fazer uma pergunta no que diz respeito à relação laboral, ou seja: o vínculo
até ao 234/97 que é um decreto que nós vamos falar mais à frente, que foi o último que criou
vínculo dos Docentes à escola...
Docente—284?
Investigador—Não, 234 de 97, até este decreto que já vamos falar a seguir, houve, ou aliás não
houve um vínculo, os professores não estavam vinculados à escola, eram professores que estavam
contratados, certo?
Docente—Não todos, a situação...queres que conte a história daquilo que eu sei?
Investigador—Sim.
Docente—Pronto. Quando em princípios dos anos 80 o Conservatório (Nacional) foi gerido por
gestores, houve uma fase em que os professores tiveram que assinar uma rescisão de contrato, nem
era de contrato, foi uma rescisão da sua situação que era de Docentes do quadro do conservatório
nacional e eles assinaram, não tenho exactamente a certeza, assinaram a rescisão de contrato e
ficaram sem contrato à antiga instituição que depois deixou de existir. Eles quando voltaram a ser
contratados, já foram contratados para a nova situação de escola (de música do C.N), já não era o
conservatório nacional, porque em (19)83 foi criada...
Investigador—Com o 310?
Docente—Com o 310 foram criadas as escolas que hoje em dia funcionam, umas secundárias as
outras superiores. Nessa altura os professores foram contratados de novo, digamos assim, e são
integrados, julgo que posteriormente mas também aqui não tenho a data, os antigos professores do
quadro numa situação de quadro transitório que portanto, os que eram do quadro antigo ficaram
num quadro transitório à aguardar a definição posterior do que aconteceria à situação de carreira
destes professores do ensino artístico que a partir daí ficou desenquadrada.
Investigador—Esse “310”, esse decreto lei foi, se é que te recordas, uma vez que não estavas como
Docente na escola mas como aluna...
Docente—Como aluna, que na altura era da associação de estudantes.
Investigador—Qual é que foi o impacto do decreto lei na escola. Houve uma discussão com os
professores, houve alguma proposta que o corpo Docente tenha feito para a sua alteração, neste caso
para o melhorar?
Docente—Eu desconheço, mas julgo que não, acho que o decreto foi apresentado como uma versão
final, penso eu que foi, mas não sei se foi discutido internamente. Nessa altura eu era aluna e
portanto não tínhamos acesso. Tivemos depois acesso às propostas finais, também enquanto
estudantes, ainda falamos na altura com as comissões instaladoras, com a Drª. Elisa Lamas, o Dr.
Meneres Barbosa e o pianista Jorge Moyano, que estavam nas direcções nessas alturas e que
iniciaram a escola superior de música de Lisboa, a comissão instaladora da ESML, e de facto nós
associação de estudante ainda conversámos sobre aquilo, e aquilo (Dc.L-310) teve um impacto eu
lembro-me de olhar para os papeis e tentar verificar “o que é que isto quer dizer, o que é que isto
não quer, o que é que isto vai implicar?”, mas foi a partir do momento que ele saiu, teve um
impacto muito negativo imediatamente, houve aqui ondas que como é que hei-de dizer, de
contestação internamente nos professores.
Investigador—Não aceitaram o quê? não aceitaram o vínculo à escola, ou era mais do ponto de
vista...
Docente—Não aceitaram no fundo a estrutura que estava a ser criada, não é. Claro que em termos
de carreira também houve esses problemas, mas penso que os professores destas escolas, tiveram
sempre uma grande maleabilidade e foram aceitando ao longo dos tempos muitas situações que se
calhar outras profissões não aceitariam. Talvez porque são artistas (risos), não faço ideia, mas a
verdade é que sempre trabalharam independentemente de saberem o que é que lhes acontecia no
mês seguinte e claramente estamos outra vez na mesma situação. Mas pronto, não nós (os que estão
no quadro), mas os contratados. Agora em relação ao impacto que teve, foi um impacto de que tipo
de escola (secundária) e de que estrutura que estava a ser criada.
Investigador—Quando entraste como Docente para a escola, entraste a contrato?
Docente—Exactamente.
Investigador—O vínculo era contratual anual?
Docente—Era um contrato anual de trabalho, feito de acordo com o estatuto normal dos outros
professores.
Investigador—Sentias alguma discriminação da parte dos colegas que estavam no quadro
transitório em relação aos colegas que não estavam no QT e que eram contratados pontualmente?
Docente—Não, nada, nunca senti nada.
Investigador—Eram sempre tratados por igual, as direcções sempre os trataram por igual?
Docente—Claro havia diferenças que nós sabíamos, em termos de horários, fundamentalmente
carga horária, de resto sempre foi tudo tratado de igual maneira. Eu pelo menos da minha parte não
senti.
Investigador—Entre o “310” e o “234”, foram alguns anos, um em (19)83 o outro em (19)97.
Houve alguma movimentação dos professores para que fossem criadas condições para haver uma
carreira Docente específica do ensino da música?
Docente—Eu penso que em termos de direcções desta escola, portanto das várias comissões
instaladoras que foram existindo, que houve sempre pressão nos ministérios para que isso
acontecesse. Sempre contactos mais respondidos ou não, mas que de facto na tentativa de resolver
essa situação, no entanto ou porque nunca houve “feedback” ou porque também nunca houve uma
luta em termos de grupo de professores, das pessoas encontrarem-se e em conjunto, eu penso que
nunca existiu e nesse sentido talvez não tenham tido a força que seria necessária, também porque
obviamente estas cinco escolas ou seis que existem no país representam um número tão reduzido
que nunca impuseram no fundo as suas reivindicações, não é. Posteriormente houve condições para
o poder fazer e então essas seis escolas conseguiram algum “feedback”. Nós os dois sabemos
quando.
Investigador—Exactamente. Depois eu ia saltar para o decreto lei que apareceu em (19)90 que é o
344. Este decreto, recordas-te se houve alguma negociação com as escolas?
Docente—Eu julgo que não.
Investigador—Soube-se na altura que era uma pessoa (o autor) conhecida do nosso meio musical,
o maestro Miguel Graça Moura.
Docente—O decreto em si, eu julgo que não houve, julgo que não houve grande (entusiasmo), eu já
era professora e julgo que não.
Investigador—Já éramos professores.
Docente—Também já cá estavas.
1
TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA COM SINDICALISTA
(1)
Investigador—Eu ia começar esta entrevista com um 1º bloco, em que eu tento recolher alguns
dados pessoais e profissionais, nunca mencionando o nome, estes são dados entre o investigador e
quem é entrevistado mas há algum interesse em saber alguns dados, a área de conhecimento e as
funções que são exercidas.
Sindicalista—Então eu sou professor de filosofia, numa escola, na escola de Dança do
Conservatório Nacional e sou também presidente do sindicato dos professores da grande Lisboa e
nessa qualidade membro do secretariado da FENPROF onde tenho acompanhado e sido responsável
pela área do ensino artístico.
Investigador—Muito bem. Depois neste bloco 2, gostaria de saber se há memoria no sindicato,
uma vez que já lá vão alguns anos, haverá com certeza memória sobre a redacção do célebre
Decreto lei 310/83, e se o Sindicato foi consultado e quais foram as, digamos as propostas e
tomadas de posição sobre esse Decreto Lei?
Sindicalista—Que eu saiba o Sindicato não foi chamado a, nem consultado para a elaboração do
310/83. Essa foi uma questão que em termos sindicais foi pouco acompanhada. De resto, eu devo
dizer que só a partir dos anos 90 é que em termos da FENPROF houve um acompanhamento mais
organizado e mais sistematizado destas escolas vocacionais de Música e Dança. Eu sei que em 83
ainda tive alguns contactos com gente ligada às escolas, mas eram bastantes inorgânicas, isto é não
houve da parte da FENPROF uma intervenção muito activa nestas áreas no que diz respeito ao
310/83, só posteriormente é que se desenvolveram.
Investigador—Uma vez que foi um decreto que teve alguma importância, porque começou a
delinear uma carreira Docente.
Sindicalista—Mas não foi matéria, até que sabes melhor do que eu o 310 acabou por ficar um
bocado parado, a concretização de boa parte do que lá estava demorou depois muitos anos a ser
posto em prática.
Investigador—A concretizar-se. Mas a minha outra pergunta é na ausência de legislação posterior,
o sindicato teve alguma iniciativa no sentido de alterar, uma vez que o 310 prevê uma série de
legislação posterior para o seu funcionamento, o sindicato teve algum papel activo?
Sindicalista—A partir, sim a partir, que eu possa falar com conhecimento de causa, a partir dos
anos 90. Nós situamos, confrontamos com o seguinte absurdo: tínhamos conseguido, tínhamos
conseguido que os professores de Educação Musical no chamado ensino regular tínhamos
isso. Claro que tinha a preocupação de acompanhar as posições das escolas e eu penso que o
projecto 234 incorpora boa parte das preocupações das escolas na altura. Mas atenção, o 234 é uma
solução provisória é uma solução para remediar de uma forma que me pareceu muito justa, não é
justa, não é uma questão de justiça ou injustiça, (o ministério) resolveu colocar esses professores
nas mesmas condições dos outros, dos outros da área académica se quisermos, agora foi uma
situação para resolver a situação dos professores que lá estavam, que tinham, salvo erro pelo menos
cinco anos de serviço.
Investigador—É isso que o texto diz.
Sindicalista—Ou seja, não resolveu nada para o futuro e o problema depois do 234 é que
evidentemente na altura a boa parte dos professores foram integrados na escola de Música foram
todos integrados e nos conservatórios também, mas quando chegamos a 2008, 2009 tínhamos outra
vez um número elevado de professores que estavam, que não tinham quadro, ai já não era o
problema da...não era o problema das habilitações, é que não havia quadro para os integrar.
Continua a não haver, isto é foi criada mais uma vez legislação excepcional o 69/2009 que integrou
mais um conjunto de professores num quadro que não existe ainda, e esta é a situação que é um
bocado caricata, está-se a criar quadros nominais, isto é para vagas que são fechadas quando os
professores abandonam esses lugares e eu penso que só agora muito recentemente foi publicado um
decreto lei criando formalmente um quadro das escolas de música e dança.
Investigador—Do ensino especializado? De dança e...?
Sindicalista—e de música do Conservatório. Não se fez concurso por uma questão anedótica, quer
dizer que o Ministério tratou de tal modo da publicação que tornou inviável a realização de
concurso, mas eu penso que neste momento as coisas estão bem encaminhadas, isto é vai ser criado
um quadro de...os quadros das escolas de música, vai ser criado o quadro das escolas de dança, o
número de lugares abertos corresponde grosso modo aqueles que as escolas pediram, não se pode
dizer...
Investigador—Às necessidades exigidas...
Sindicalista—Às necessidades exigidas e eu penso que as escolas têm neste momento condições de
estabilidade que não tinham. Acho que foi um processo, que da parte das escolas houve uma boa
intervenção, da parte do ministério sobretudo a partir de 97 houve alguma abertura e acho que da
parte do sindicato houve o bom senso de não, de nunca se desvincular das posições maioritárias das
escolas. Em termos sindicais este processo apresentou contudo dois grandes problemas internos: um
foi exactamente o facto de serem tratados como licenciados um conjunto de professores que o não
eram formalmente. Ora nós tínhamos vários professores, sobretudo na área do 1º Ciclo exactamente
Sindicalista—Sim. Para não serem só esses, no fundo não são movimentações muito fortes nos
anos a seguir porque o número de professores não era muito forte, não era muito grande, na minha
escola na escola de dança era zero.
Investigador—E na escola de música haveria?
Sindicalista—Haveria alguns mas não eram um número significativo que justificava essa
necessidade de estar a vincula-los e temos de ter atenção ao seguinte em termos sindicais, essa era a
situação de todas as outras escolas, isto é nas escolas não vocacionais tinham os seus professores de
quadro e depois havia alguns professores que eram contratados, e portanto tínhamos posto as
escolas de música na mesma situação das outras. Pronto, mas isto funcionou durante alguns anos,
vá lá até 2000, a partir dai foi acumulando o número de professores contratados que não tinham
lugar no quadro, o quadro não existia. A partir dos anos 2002 a 2004, a 2004 sobretudo volta a
haver forte pressão das escolas com o nosso apoio para encontrar uma solução definitivamente, que
eu penso que foi só encontrada em 2008, 2009 mas a partir de 2004, são os dados que tenho aqui, a
partir de 2004 volta a haver forte pressão da parte dos sindicatos e da parte das escolas no...temos
aqui outra vez um número significativo de professores que deveria estar em condições de entrar nos
quadros, nós sempre defendemos que a esses professores fosse aplicado o mesmo critério que foi
aplicado aos...no 234, mas isso não conseguimos a integração do 69 faz-se curiosamente de uma
forma engraçada e isso vale a pena, porque aí acho que jogámos bem. Nós em termos sindicais
estávamos muito preocupados com uma situação residual em algumas escolas que eram as
chamadas Técnicas Especiais. Também eram grupos que estavam como os professores dos
conservatórios. Uns anos antes não tinham grupo de recrutamento, não tinham quadro, não tinham
carreira, portanto estavam ali os anos que fossem precisos, muitas vezes no mesmo escalão. E nós
estávamos preocupados, enfim não eram muitos, uma boa parte deles acabaram por sair, mas ainda
tínhamos um número significativo de professores que tinham 10, 12, 15 anos e estavam contratados
e que não podiam deixar de estar, não podiam ser chamados à profissionalização e não havia
quadros para os integrar. Na altura nós desencadeamos uma estratégia que foi tentar que o
Ministério vinculasse definitivamente os professores que tivessem 10 anos, que era a maior parte
desses tinha 10 anos e conseguimos, e nessa altura quer na escola de música, quer na escola de
dança, embora fossem poucos, mas era na escola de música houve a pressão para que os professores
dessas escolas que tivessem mais de 10 anos fossem também abrangidos, e nós achámos sempre
que misturar as duas coisas não ia ajudar a resolver os problemas de nenhuns e portanto optámos
por dividir. Tentámos primeiro garantir a situação dos professores das chamadas Técnicas Especiais
e só depois de ganhar essa batalha, isso foi publicado é que passámos a desenvolver campanha
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