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A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

ALERSON CLARET DE JESUS


1 INTRODUÇÃO

A criação da personalidade jurídica foi sem dúvida alguma uma das grandes
criações no Direito e uma verdadeira inovação nas relações humanas. Por meio
desse instituto, relações comerciais e empresariais foram estimuladas, favorecendo
em muito o empreendedorismo, pois permite às pessoas resguardarem seus bens
pessoais, dando segurança para aqueles que se arriscavam em relações comerciais
complexas.
Porém, com o passar do tempo, verificou-se que em alguns casos a
Personalidade Jurídica passou a ser usada como verdadeiro escudo, permitindo que
fosse usada para enganar ou causar prejuízos, de forma intencional.
Como meio de solucionar este problema, surgiu uma teoria chamada de
disregar doctrine ou “doutrina de desconsideração”.
Conforme as lições de Ramos (2013), esta teoria teve construção
essencialmente jurisprudencial, tendo sido positivada bem mais tarde. Aponta-se
como caso pioneiro o caso Salomom & Co. Ltd, ocorrido na Inglaterra em 1897.
Outros autores também apontam o caso State versus Standard Oil Co., ocorrido nos
Estados Unidos, Ohio, em 1892.
Resumidamente podemos dizer que a doutrina da desconsideração traz a
possibilidade afastar os benefícios e as características da personalidade jurídica, no
que diz respeito à autonomia e à separação patrimonial, permitindo a
responsabilização e execução do patrimônio pessoal dos sócios por dívidas
contraídas pela empresa / pessoa jurídica.
Ainda nas lições de Ramos (2013, pág. 407), para efeitos da
desconsideração da personalidade jurídica, inicialmente esta só era possível quando
houvesse prova efetiva de fraude. Era uma ideia subjetiva, que requeria
demonstração inequívoca de uma intenção de prejudicar os credores. Atualmente,
esse conceito mudou, pois já não se exige mais a prova de fraude com intuito em
enganar, de forma que este conceito passou a ser mais objetivo, bastando a
caracterização de abuso da personalidade jurídica, ou ainda o seu desvio de
finalidade ou a confusão patrimonial.
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Por ser um instituto de grande importância, nosso estudo irá percorrer suas
principais características, de forma clara e objetiva, sem a intenção de esgotar o
assunto, já que o mesmo é complexo e traz vários reflexos no Direito.

2. DESENVOLVIMENTO
2.1 A criação da Personalidade Jurídica

Antes de falarmos da doutrina da desconsideração, é importante


analisarmos o nascimento da Personalidade Jurídica.
Conforme podemos observar no Código Civil de 2002, em seu artigo 45, a
Pessoa Jurídica nasce com o seu registro:
“Art. 45 começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado
com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando
necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se
no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.”

A partir daí, esse ente passa a ter direitos e obrigações independentes de


seus empreendedores, fundadores. Nas lições de Fram Martins, citado por Almeida
(2013), temos a seguinte definição:
“É a pessoa jurídica o ente incorpóreo que, como as pessoas físicas, pode
ser sujeito de direitos. Não se confundem, assim, as pessoas jurídicas com
as pessoas físicas, as quais deram lugar ao seu nascimento; ao contrário,
delas se distanciam, adquirindo patrimônio autônomo e exercendo direitos
em nome próprio. Em razão disso, as pessoas jurídicas tem nome particular,
como aquelas físicas, domicílio, nacionalidade; podendo estar em juízo,
como autoras, ou na qualidade de rés, sem que isso reflita na pessoa
daquelas que a constituíram. Por último, têm vida autônoma, muitas vezes
superior às das pessoas que a formaram;”

Ainda nas lições de Almeida, citando Requião, o autor enumera quatro


efeitos da personalidade jurídica, são eles:
1. Capacidade de direitos e obrigações, podendo estar em juízo, contratar e
se obrigar;
2. Individualidade própria não se confundindo com a de seus
empreendedores;
3. Autonomia patrimonial
4. Possibilidade de modificar sua estrutura jurídica e econômica, com
alteração do tipo societário e com ingresso, saída ou alteração de seus
sócios sem se desnaturar, respectivamente.
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Com isso fica evidente que a personalidade jurídica passa a ser real, a
existir e produzir ações no mundo real, ou seja, um ente com patrimônio e
personalidade própria. Essas características são muito importantes e com efeitos
positivos nas relações comerciais e financeiras, além disso, também podem
funcionar como um verdadeiro escudo, protegendo o patrimônio pessoal dos sócios,
que nada tem haver com o patrimônio da empresa. É o que vemos quando as
pessoas jurídicas fracassam, pois a responsabilidade de cada sócio fica restrita ao
patrimônio e capital social integralizado da empresa.
Desta maneira, por muito tempo houve uma proteção exagerada do sócio,
esquecendo-se que a pessoa jurídica, embora seja um ente ficto, também precisava
ser protegida, enquanto instituto fundamental para as relações comerciais e
empresariais, pois geram efeitos financeiros reais nas pessoas e na sociedade,
como um todo. E o que é pior, pessoas de má-fé passaram a usar a autonomia
patrimonial da pessoa jurídica para aplicar golpes ou fraudar credores, pois sabiam
que seus bens pessoais não poderiam ser executados.
Foi assim, sob essa ótica que se criou doutrinariamente a figura da
desconsideração da personalidade jurídica, tanto para proteger os credores em caso
de situações de má fé e fraude, bem como para proteger a própria Pessoa Jurídica,
enquanto instituto do Direito.
É o que passaremos a ver a seguir.

2.2 A desconsideração da Personalidade Jurídica


A respeito da desconsideração da pessoa jurídica, nosso Código Civil traz
que:
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo
desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a
requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir
no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de
obrigações sejam estendidas aos bens particulares dos administradores ou
sócios da pessoa jurídica.

Tal conceituação se deu em 2002, e anterior a ela, já havia dispositivo


similar no Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 28:
Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade
quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de
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poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou


contrato social.
Conforme entendimento de Slaib Filho (2006), a definição constante no
Código Civil, é melhor que a do CDC – Código de Defesa do Consumidor, pois não
se vincula unicamente à ideia de que é preciso haver culpa ou ilicitude para ocorrer
a desconsideração. Ou seja, a definição do Código Civil é mais ampla.
Citando Fábio Konder Comparato, Slaib Filho lembra que na
desconsideração da pessoa jurídica está presento “o princípio da autonomia da
pessoa coletiva, distinta da pessoa de seus sócios ou componentes, mas essa
distinção é afastada, provisoriamente e tão -só para o caso concreto”. O artigo 50 do
Código Civil é um grande avanço, pois por meio dele dispensa-se a busca de culpa
ou do dolo do agente, bastando que se verifique o abuso ou o desvio no uso da
personalidade jurídica.
Outra situação em que passa a ser possível a desconsideração é quando
ocorre a confusão patrimonial, e torna-se difícil diferenciar o que é patrimônio da
pessoa jurídica e o que é patrimônio do sócio da empresa. Assim, basta que se
demonstre qualquer uma dessas hipóteses para que o juiz autorize a
desconsideração, porém é necessário que se requeira tal situação em juízo.
Conforme salienta Slaib Filho (2006),

Em reverência ao princípio da demanda que recomenda que somente se


preste a jurisdição quando houver pleito da parte, o dispositivo em comento
exige que nos processos judiciais haja o requerimento da parte interessada
ou do Ministério Público quando este intervir no feito.

Certamente este instituto, o da desconsideração da personalidade jurídica, é


uma importante ferramenta capaz de garantir a boa – fé e proteger os credores nas
relações comerciais.

3. CONCLUSÃO
Concluímos, primeiramente, que a desconsideração da personalidade é uma
importante ferramenta de preservação do próprio conceito de pessoa jurídica. Certos
de que a Personalidade Jurídica é essencial em determinadas relações comerciais e
empresariais, deve ser protegida enquanto instituição de direito, não podendo em
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hipótese alguma servir de escudo para ações irregulares dos sócios e proprietários
que queiram agir com fraudes e má fé.
Tendo em conta que a desconsideração é uma atitude excepcional, deve ser
aplicado com certo comedimento, na certeza de que é por meio dele mesmo que se
sustenta o próprio conceito de personalidade jurídica e esta por sua vez é capaz de
fomentar as relações comerciais e empresariais, produzindo e fortalecendo a
circulação de mercadorias, bens e riquezas.
Um aspecto muito importante de se ressaltar é que a desconsideração não
põe fim à pessoa jurídica, o que ocorre é que sua autonomia fica suspensa por um
determinado tempo, por isso não deve ser confundido com o instituto da
despersonificação, pois enquanto a primeira é provisória e temporária, esta última de
certa forma “extingue” a pessoa jurídica.
Embora tenha sido positivada em 2002, no artigo 50 do Código Civil, a
desconsideração já era largamente usado nos tribunais, por jurisprudência.
Também é importante lembrar que justamente por ser uma matéria que está
sujeita à jurisdição, a desconsideração somente pode ser decretada pelo Poder
Judiciário.
Por fim, entendemos que este é um tema de extrema importância para o
Direito, pois tanto protege a pessoa jurídica quanto os cidadãos que se relacionam
com ela.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Jerfferson da Mata. A desconsideração da personalidade jurídica:


Aspectos, excepcionalidades, procedimento e afirmação da personalidade
jurídica. Disponível em:
<http://www.revistadir.mcampos.br/PRODUCAOCIENTIFICA/artigos/jerffersondamaa
almeidaadesconsideracaodapersonalidadejuridica.pdf>. Acesso em 02 dez. 2013.

BRASIL. Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Novo
Código Civil, Exposição de Motivos e Texto Sancionado. Brasília: Senado Federal.
2002.
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RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial Esquematizado. São Paulo:
Método. 2013.

SLAIB FILHO, Nagib. A desconsideração da Pessoa Jurídica no Novo Código


Civil. Disponível em:
http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/Nagib%20Slaibi%20Filho%20-formatado.pdf.
Acesso em: 02 dez. 2013.

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