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Crimes contra as relações de consumo no Cadernos de

Pós-Graduação
Código de Defesa do Consumidor em Direito Político
e Econômico

Túlio Augusto Tayano Afonso


Aluno do Curso de Mestrado do Programa de Pós-graduação em
Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie

RESUMO

O presente estudo tem como objeto os crimes contra as relações


de consumo previsto no Código de Defesa do Consumidor. Mos-
traremos até que ponto essas normas penais incriminadoras são
eficazes na prevenção do abuso do poder econômico no caso das
relações de consumo. Mostraremos ainda a classificação doutriná-
ria dos crimes, bem como seus aspectos mais importantes, que se
faz indispensável no estudo do assunto.
Palavras-chave: Consumidor. Consumo. Fornecedor. Relação de
Consumo.

O presente estudo tem como objeto os crimes contra as relações de consumo


previstos no Código de Defesa do Consumidor. Mostraremos até que ponto essas
normas penais incriminadoras são eficazes na prevenção do abuso do poder econômi-
co no caso das relações de consumo. Tais crimes estão elencados no art. 63 e seguin-
tes do Código de Defesa do Consumidor.

Art. 63: Omitir dizeres ou sinais ostensivos sobre a nocividade ou periculosidade de


produtos, nas embalagens, nos invólucros, recipientes ou publicidade: Pena – Detenção
de seis meses a dois anos e multa. §1o Incorrerá nas mesmas penas quem deixar de alertar,
mediante recomendações escritas ostensivas, sobre a periculosidade do serviço a ser
prestado. §2o Se o crime é culposo: Pena – Detenção de um a seis meses ou multa
(BRASIL, 1990).

MACKENZIE

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Cad. de Pós-Graduação em Dir. Político e Econômico São Paulo, v. 4, n. 1, p. 69-78, 2004.
Cadernos de Como sabemos, o Código de Defesa do Consumidor possui uma estrutura
Pós-Graduação
bem definida e harmônica. Com isso, o artigo ora analisado procura reforçar o manda-
em Direito Político
e Econômico mento do artigo 9º do mesmo Código, pois este exige dos fornecedores de produtos
e serviços a obrigação de informar nos rótulos e mensagens publicitárias, de maneira
clara, os aspectos de nocividade e periculosidade do produto ou serviço que podem
colocar em risco a saúde ou segurança do consumidor. Tudo isso, está intimamente
ligado também aos direitos básicos do consumidor, que estão elencados no primeiro
inciso do artigo 6o.
Doutrinariamente, sua classificação é a seguinte,

Comum (quanto a legislação), próprio (quanto ao sujeito ativo), de perigo abstrato (quanto
a lesão do bem jurídico tutelado), de mera conduta (quanto ao resultado), omissivo
próprio (quanto a ação), principal (quanto a exigibilidade de consumação de outro crime),
unissubsistente (quanto ao fracionamento do iter criminis), unissubjetivo (quanto ao
número de sujeitos ativos), doloso ou culposo (quanto ao elemento subjetivo), de ação
única (quanto ao núcleo do tipo), de ação penal pública incondicionada (quanto à ação
penal) e instantâneo (quanto a duração) (PASSARELLI, 2002, p. 54).

O objeto jurídico são os direitos do consumidor de proteção a vida, saúde e


segurança, contra os riscos que os produtos e serviços nocivos e perigosos possam
causar, bem como o direito a informação clara e inequívoca sobre os riscos do produ-
to e ou serviços. O sujeito ativo é qualquer fornecedor que tenha o dever de informar
e que se omitiu dessa obrigação. O sujeito passivo é a coletividade e o consumidor
difusamente considerado.
Em relação à pena no caso de crime doloso, observa-se a cumulatividade.
Além da pena privativa de liberdade, deverá o magistrado impor o cumprimento de
sanção pecuniária.
No que diz respeito ao §1o, se estendeu a abrangência da norma penal aos
prestadores de serviços perigosos e ou nocivos à vida ou segurança dos consumido-
res. Em relação ao §2o, Passarelli (2002, p. 55) comenta em sua obra que,

De acordo com o art. 18, parágrafo único, do Código Penal, que positivou o princípio da
excepcionalidade, a figura culposa será admitida apenas quando expressamente prevista
no texto legal. Na Lei federal n. 8.078/90,o legislador optou por criminalizar as condutas
tipificadas no art. 63, § § 1º e 2º, quando o elemento subjetivo do agente for a culpa
stricto sensu.

Entre as modalidades de culpa em sentido estrito previstas pelo art. 18, inciso II do
Estatuto Repressivo, é adequada ao disposto no artigo de lei supratranscrito a figura da
negligência, podendo, eventualmente, somar-se a outra modalidade de culpa stricto
sensu.

Consoante o magistério de Magalhães Noronha, negligência “é inação, inércia e passi-


vidade. Decorre de inatividade material (corpórea) ou subjetiva (psíquica). Reduz-se a
um comportamento negativo. Negligente é quem, podendo e devendo agir de determina-
do modo, por indolência ou preguiça mental, não age ou se comporta de modo diverso.

Na seqüência, o artigo 64 assim dispõe:


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Art. 64. Deixar de comunicar à autoridade competente e aos consumidores a nocividade Cadernos de
ou periculosidade de produtos cujo conhecimento seja posterior à sua colocação no Pós-Graduação
mercado: Pena - Detenção de seis meses a dois anos e multa. Parágrafo único. Incorrerá em Direito Político
nas mesmas penas quem deixar de retirar do mercado, imediatamente quando determina- e Econômico
do pela autoridade competente, os produtos nocivos ou perigosos, na forma deste artigo
(PASSARELLI, 2002, p. 55).

Tal artigo procura preservar os valores dispostos no inciso I do artigo 6o do


Código de Defesa do Consumidor. Além de apenar o sujeito ativo com penas de
detenção e pecuniária, “visa assegurar o cumprimento do dever de o fornecedor ‘fazer
boa a coisa vendida’” (FILOMENO, 2000, p. 619). O referido texto, trata dos pro-
dutos que têm sua nocividade ou periculosidade conhecidas apenas após sua distribui-
ção no mercado, e punirá o fornecedor que, tomando conhecimento do fato, não
comunicar a autoridade competente e os consumidores sobre a descoberta.
Será ainda apenado nos termos desse artigo quem deixar de tirar do mercado
os produtos nocivos ou perigosos, quando determinado pela autoridade competente,
conforme o parágrafo único do artigo em testilha.

No caso, fica evidenciado que o risco criado pelo produto deve ser minimizado: primeira-
mente, pelo próprio responsável (aviso e recall) e, secundariamente, pelas autoridades
competentes, incorrendo aquele nas penas de que trata o art. 64, sob análise em caso de
omissão de omissão de comunicação àquelas mesmas autoridades ou então não retiran-
do do mercado os produtos considerados perigosos ou nocivos, repita-se, além do que
normalmente deles se espera (FILOMENO, 2000, p. 620).

Este dispositivo é um tipo penal aberto, pois caberá ao aplicador e intérprete


dar o significado de nocividade e periculosidade. No que diz respeito aos sujeitos do
delito e aos objetos jurídico e material, estes coincidem com aqueles que definimos no
artigo anterior, pois na verdade, este tipo penal incriminador, nada mais é que um
desdobramento do artigo anterior. Este crime é omissivo próprio, e a conduta só será
punida quando for dolosa. A pena, mais uma vez, é cumulativa.
Passarelli (2002, p. 59) nos ensina que o crime definido nesse artigo é “co-
mum, próprio, de perigo, de mera conduta, omissivo, principal, simples, unissubsistente,
unissubjetivo, doloso, de ação única e instantâneo”. Seguindo nosso trabalho, exami-
naremos a seguir o artigo 65 do mesmo diploma legal,

Executar serviço de alto grau de periculosidade, contrariando determinação de autorida-


de competente: Pena Detenção de seis meses a dois anos e multa. Parágrafo único. As
penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à lesão corporal e à
morte (PASSARELLI, 2002, p. 59).

Este comando vem no sentido de punir aquele que executa serviços de alto
grau de periculosidade contrariando determinações de autoridade competente.
Filomeno (2000, p. 623), em seu comentário ao referido artigo, observa que
“se trata mais uma vez de norma penal em branco, pois as autoridades competentes
devem dispor e determinar as especificações que devem ser observadas nos serviços
perigosos”. O conceito de “alto grau de periculosidade”, não se confunde com o do
artigo 10 da mesma lei, pois estes serviços possuem sua periculosidade adquirida, e MACKENZIE

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Cadernos de por isso não podem e nem devem ser colocados no mercado à disposição do consu-
Pós-Graduação
midor.
em Direito Político
e Econômico Sua classificação doutrinária é a seguinte: é um delito comum, próprio, de
perigo, de mera conduta, comissivo, principal, simples, plurissubsistente, unissubjetivo,
doloso, de ação única e instantânea. É admitida a tentativa, pois como vimos, trata-se
de crime comissivo e plurissubsistente. Mais uma vez a sanção cominada é cumulativa.
O objeto jurídico tutelado é o direito do consumidor de ter sua vida, saúde e
segurança protegidas. O sujeito ativo é qualquer prestador de serviço que contrariar
determinação de autoridade competente na execução do serviço perigoso. Os sujeitos
passivos por sua vez são a coletividade, os consumidores difusamente considerados e
o exposto diretamente ao serviço perigoso prestado.
Para bem entender o parágrafo único do artigo, nos valemos do escólio Passarelli
(2002, p. 67-68):

Em síntese, o fornecedor que deixa de observar a determinação da autoridade competen-


te acerca da execução de um serviço entendendo como de alto grau de periculosidade, e
em decorrência vem a matar uma pessoa, atenta contra dois objetos jurídicos diversos
(as relações de consumo e a vida humana), devendo ser punido pela violação de ambos.

Dando continuidade, passaremos ao próximo artigo,

Art. 66. Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natu-
reza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço
ou garantia de produtos ou serviços: Pena - Detenção de três meses a um ano e multa. §
1º Incorrerá nas mesmas penas quem patrocinar a oferta. § 2º Se o crime é culposo; Pena
Detenção de um a seis meses ou multa (PASSARELLI, 2002, p. 67-68).

Aqui, a finalidade do legislador foi de proteger o direito do consumidor à


informação clara e não contraditória, que lhe é inerente, e que estão dispostas no
artigo 30 e seguintes do Código de Defesa do Consumidor. O comando penal pune
quem fizer afirmação falsa ou enganosa, ou quem omitir dados ou informações rele-
vantes e que digam respeito à natureza, característica, qualidade, quantidade, segu-
rança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços (caput).
Será também punido quem de alguma forma patrocinar a oferta (§1o). Também é
admitida a modalidade culposa (§2o).
O objeto jurídico é a relação de consumo. Podemos indicar ainda, a saúde e
a segurança dos consumidores. Temos aqui, mais uma vez, a duplicidade de bens
jurídicos tutelados por intermédio de uma única norma penal.
Concluindo, o sujeito ativo é qualquer fornecedor que ofereça produtos ou
serviços em desconformidade com o artigo, ou quem patrocine a oferta fraudulenta
ludibriando ou não informando o consumidor. O elemento subjetivo do tipo é “o dolo,
ou seja, a vontade livre e consciente de fazer a afirmação falsa ou enganosa, omitir
informação relevante ou patrocinar oferta sabendo-a fraudulenta. Embora prevista em
lei, há controvérsia quanto a modalidade culposa” (ALMEIDA, 1993, p. 134, 135).
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Art. 67. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou Cadernos de
abusiva: Pena - Detenção de três meses a um ano e multa. Parágrafo único – Vetado – Pós-Graduação
Incorrerá nas mesmas penas quem fizer ou promover publicidade de modo que dificulte em Direito Político
sua identificação imediata (BRASIL, 1990). e Econômico

Nesse artigo, o legislador pune quem fizer ou promover publicidade que sabe
ou deveria saber ser enganosa ou abusiva, ou seja, punirá o publicitário e o responsá-
vel pelo meio de veiculação da propaganda. Mas como saber o que é enganosa ou
abusiva? Temos aqui novamente uma norma penal em branco.
Tal dispositivo tem de se socorrer com o artigo 37 e parágrafos do mesmo
diploma legal, que conceitua o que vem a ser publicidade enganosa e abusiva.
O crime possui duas objetividades jurídicas. Uma é tutelar as relações de
consumo, e a outra é proteger a integridade psíquica de todos os consumidores. Esse
artigo, ao contrário do anterior, trata-se de crime de dano, pois se exige lesão do bem
jurídico tutelado, não bastando apenas o perigo.
Os sujeitos ativos são os profissionais que criam e produzem publicidade (pu-
blicitários) e os responsáveis pelo meio de veiculação dessa publicidade. Os sujeitos
passivos são os consumidores difusamente considerados e os expostos diretamente a
publicidade. Os elementos subjetivos do tipo são dois: o dolo (sabe) e a culpa (deveria
saber).

Art. 68. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser capaz de induzir o
consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa a sua saúde ou segurança:
Pena - Detenção de seis meses a dois anos e multa: Parágrafo único – Vetado – Incorrerá
nas mesmas penas quem fizer ou promover publicidade sabendo-se incapaz de atender à
demanda (BRASIL, 1990).

Novamente, a preocupação com a saúde e segurança do consumidor. Trata-


se de um tipo penal que pune quem faz ou veicula propaganda que sabe ou deveria
saber ser capaz de induzir o consumidor a ter um comportamento prejudicial ou peri-
goso a sua saúde. O parágrafo único vetado puniria com a mesma pena quem fizesse
ou veiculasse propaganda sabendo que esta não seria capaz de atender a demanda.
O dispositivo (caput) comina pena de detenção e multa. Como se trata de um
delito que cuida diretamente da vida e segurança do consumidor, o legislador cominou
uma pena que é duas vezes maior que a do artigo anterior, que trata tão-somente de
uma lesão que não seja prejudicial à vida ou segurança do consumidor.
Neste delito, o legislador tratou de uma publicidade abusiva determinada: “aque-
la capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa a
sua saúde ou segurança” (ALMEIDA, 1993, p. 77). Com isso, chegamos a conclusão
que esse dispositivo somente será acionado quando a propaganda induzir o compor-
tamento do consumidor de tal maneira que coloque em risco a sua saúde ou seguran-
ça. Se esse risco não for observado, e houver publicidade abusiva ou enganosa, nos
valeremos do artigo anterior do diploma em estudo.
No que diz respeito à objetividade jurídica, temos duas proteções: a primeira
protege a relação de consumo, e a segunda protege a saúde e segurança dos consumi- MACKENZIE
dores.
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Cadernos de Há mais de um sujeito ativo para este delito: um é quem faz a publicidade
Pós-Graduação
(publicitário) e outro é quem veicula propaganda que sabe ou deveria saber ser capaz
em Direito Político
e Econômico de induzir o consumidor a ter um comportamento prejudicial ou perigoso a sua saúde
ou segurança. Já os sujeitos passivos são todos os consumidores difusamente consi-
derados e aquele no qual a publicidade seja capaz de induzi-lo a ter um comportamen-
to prejudicial ou perigoso a sua saúde. Os elementos subjetivos do tipo são dois: o
primeiro é dolo direito ou eventual (sabe), e o segundo é a culpa (deveria saber).

Art. 69. Deixar de organizar dados fáticos, técnicos e científicos que dão base à publici-
dade: Pena Detenção de um a seis meses ou multa (BRASIL, 1990).

Este artigo, em sua tipificação, pune quem não organiza dados fáticos, técni-
cos, e científicos que dão base à publicidade. Tal preceito vem no sentido de efetivar e
garantira o que o Código de Defesa do Consumidor dispõe. Confirmando tal afirma-
ção, vejamos o artigo 36, parágrafo único: “o fornecedor, na publicidade de seus
produtos ou serviços, manterá, em seu poder, para informação dos legítimos interes-
sados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem”.
Filomeno (2000, p. 658), explicando sobre a necessidade e utilidade de ter-
mos essa proteção, ensina que:

Se necessário o ajuizamento de qualquer ação, quer no âmbito individual, quer no âmbito


coletivo, em se tratando de publicidade enganosa ou abusiva (vide art. 37 e seus parágra-
fos já mencionados passos atrás), o judiciário terá melhores condições de aquilatar sobre
a tendenciosidade ou não de determinada publicidade ou então os órgão administrativos
incumbidos de seu controle, sobretudo na área de saúde.

Inicialmente, a objetividade jurídica recai sobre as relações de consumo, só


que abarca também a veracidade da publicidade. Como sujeito ativo temos o fornece-
dor, e como sujeito passivo encontramos a coletividade de consumidores. Trata-se de
crime omissivo próprio, caracterizado pelo núcleo do tipo “deixar”. Como elemento
subjetivo do tipo, temos o dolo. Inexiste punição a título de culpa.

Art. 70. Empregar na reparação de produtos, peça ou componentes de reposição usados,


sem autorização do consumidor: Pena - Detenção de três meses a um ano e multa (BRA-
SIL, 1990).

A Lei punirá quem, na reparação de produtos, utilizar peças ou componentes


de reposição usados, sem autorização do consumidor. Há cumulação de pena de de-
tenção e multa. Esse artigo protege expressamente o que diz o art. 21 da mesma Lei,
que dispõe:

No fornecimento de serviços que tenham por objetivo a reparação de qualquer produto


considerar-se-á implícita a obrigação do fornecedor de empregar componentes de repo-
sição originais adequados e novos, ou que mantenham as especificações técnicas do
fabricante, salvo, quanto a estes últimos, autorização em contrário do consumidor (BRA-
SIL, 1990).

MACKENZIE Filomeno (2000, p. 622), dá um depoimento pessoal acerca do referido texto


legal:
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Não raro, aliás, e a experiência nesses 11 anos como profissional da área de proteção e Cadernos de
defesa do consumidor no âmbito do Ministério Público nos mostra que não apenas não Pós-Graduação
se troca a peça com defeito, como também se retiram outras, ainda boas, substituindo-as em Direito Político
por outras usadas. Ou então, pura e simplesmente, embora cobrando por uma peça de e Econômico
reposição nova, o prestador de serviços de reparação substitui peça estragada por ou-
tras ‘recondicionadas’ ou nem recondicionadas.

Esse crime é classificado como comum, próprio, de perigo, de mera conduta,


comissivo, principal, simples, unissubsistente, unissubjetivo, doloso, de ação única e
instantâneo. O sujeito ativo deste delito é o fornecedor de serviços. O sujeito passivo
é a coletividade de consumidores. Podemos ainda destacar que o crime possui dúbia
objetividade jurídica, que são as seguintes: a proteção à tutela das relações de consu-
mo e o patrimônio do consumidor lesado.

Art. 71. Utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou


moral, afirmações falsas incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento
que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho,
descanso ou lazer: Pena - Detenção de três meses a um ano e multa (BRASIL, 1990).

A ação descrita na tipificação penal acima era muito comum antes do Código
de Defesa do Consumidor. Havia todo um aparato de cobrança, onde colocava o
consumidor devedor em posição vexatória e de grande humilhação. Com isso, se
sentiu a necessidade de criminalizar a conduta, para coibir os abusos que eram
costumeiramente cometidos. Com a tipificação, será punido cumulativamente com
detenção e multa, o fornecedor (sujeito ativo)1 que se valer de ameaça, coação, cons-
trangimento físico ou moral, afirmações falsas, incorretas ou enganosas, ou qualquer
outro meio que exponha o consumidor (sujeito passivo juntamente com a coletividade)
ao ridículo, ou que interfira no seu trabalho, descanso ou lazer, para que assim seja
cobrado e impelido a pagar a dívida.
Esse dispositivo veio no sentido de garantir e reforçar o que já veio disposto
anteriormente no Código, mais precisamente no artigo 42, que diz o seguinte,

Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo,
nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Parágrafo único. O
consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor
igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais,
salvo hipótese de engano justificável (BRASIL, 1990).

Sobre o crime exposto no artigo 71, Passarelli (2002, p. 86) comenta o se-
guinte,

O consumidor não pode ser constrangido, indevidamente, ao pagamento de suas dívi-


das. Por essa razão, é válido o emprego do advérbio “injustificadamente” na letra da lei.
Por ilustração, o constrangimento moral justificado em lei não é criminoso. Assim sendo,
o fornecedor pode encaminhar o nome do consumidor inadimplente ao cartório de pro-
testos ou ao serviço de proteção ao crédito (SPC). Nessas hipóteses obviamente, não
incorrerá em crime. Pune-se na realidade, a natureza abusiva do procedimento emprega-
do para a cobrança de dívida.

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Cadernos de Temos como objetividade jurídica primeira, a relação de consumo. Secunda-
Pós-Graduação riamente se protege a honra, a incolumidade física e psíquica do consumidor lesado. Já
em Direito Político
e Econômico
a classificação que se dá a esse crime é a seguinte: é crime comum, próprio, de perigo,
de mera conduta ou material, comissivo, principal, simples, unissubsistente,
plurissubsistente, unissubjetivo, doloso, de ação múltipla e instantâneo. “Art. 72. Im-
pedir ou dificultar o acesso do consumidor às informações que sobre ele constem em
cadastros, banco de dados, fichas e registros: Pena - Detenção de seis meses a um
ano ou multa” (BRASIL, 1990).
Esse artigo procura através de sua tipificação penal proteger o que já consa-
gra o mesmo Código no artigo 43, parágrafos 1o e 2o, que diz o seguinte:

Art. 43. O consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às informações
existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados
sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes. § 1° Os cadastros e dados de
consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreen-
são, não podendo conter informações negativas referentes a período superior a cinco
anos. § 2° A abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser
comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele (BRASIL, 1990).

Pune-se o fornecedor (sujeito ativo) que impedir ou dificultar o acesso do


consumidor (sujeito passivo juntamente com a coletividade) às informações que sobre
ele constem em cadastros, banco de dados, fichas e registros2 . Neste caso, teremos
apenas uma sanção, que será de detenção ou de multa. A proteção aqui recai sobre as
relações de consumo e sobre o direito a informação por parte do consumidor. Estamos
diante de um crime comum, de perigo, de mera conduta, comissivo, principal, simples,
uni-subjetivo, doloso, de ação múltipla e instantânea.

Art. 73. Deixar de corrigir imediatamente informação sobre consumidor constante de


cadastro, banco de dados, fichas ou registros que sabe ou deveria saber ser inexata:
Pena - Detenção de um a seis meses ou multa.

Esse artigo é uma forma de desdobramento do anterior. Castiga-se aqui, o


fornecedor ou qualquer pessoa que seja responsável (sujeito ativo) e que não corrigir
imediatamente informação sobre consumidor difusamente considerado (sujeito passi-
vo) que conste em cadastro, banco de dados, fichas ou registros que sabe ou deveria
saber não estar correto. Pune-se apenas com uma sanção, que pode ser de detenção
ou multa. O artigo anterior se preocupou com o artigo 43 e seus parágrafos 1o e 2o do
mesmo Código. Neste delito o legislador abarcou os parágrafos 3o, 4o, e 5o do referi-
do artigo 43, que rezam o disposto a seguir:

§ 3° O consumidor, sempre que encontrar inexatidão nos seus dados e cadastros, poderá
exigir sua imediata correção, devendo o arquivista, no prazo de cinco dias úteis, comuni-
car a alteração aos eventuais destinatários das informações incorretas. § 4° Os bancos
de dados e cadastros relativos a consumidores, os serviços de proteção ao crédito e
congêneres são considerados entidades de caráter público. § 5° Consumada a prescri-
ção relativa à cobrança de débitos do consumidor, não serão fornecidas, pelos respecti-
vos Sistemas de Proteção ao Crédito, quaisquer informações que possam impedir ou
dificultar novo acesso ao crédito junto aos fornecedores (BRASIL, 1990).
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O §3o acima citado regula o que vem a ser a correção “imediata”, e prevê um Cadernos de
Pós-Graduação
prazo de 5 (cinco) dias para que ela seja feita. O § 4º confere a esses bancos de dados
em Direito Político
e aos serviços de proteção ao crédito e congêneres, o caráter público. Sendo assim há e Econômico
a possibilidade do interessado impetrar habeas data. O §5o diz que quando ocorrer a
prescrição no que diz respeito a dívida do consumidor, este não será mais obstado de
qualquer transação econômica, por informações impeditivas a concessão de crédito.
Ocorrendo a prescrição, a informação sobre isso no SCPC, por exemplo, torna-se
errônea, e se não for mudada, estará incorrendo em crime o responsável.
A tipificação em questão no referido artigo 73 visa proteger as relações de
consumo e a dignidade do consumidor diante da proteção ao crédito. A classificação
desse crime é a seguinte: é crime comum, próprio, de perigo, de mera conduta, omissivo
próprio, principal, simples, unissubsistente, unissubjetivo, doloso, de ação única e ins-
tantânea. “Art. 74: “Deixar de entregar ao consumidor o termo de garantia adequada-
mente preenchido e com especificação clara de seu conteúdo; Pena - Detenção de um
a seis meses ou multa” (BRASIL, 1990).
Nessa tipificação criminal, pune-se quem deixar de entregar (sujeito ativo) ao
consumidor (sujeito passivo junto com a coletividade) o termo de garantia adequada-
mente preenchido com indicação clara do conteúdo. Esse artigo corrobora com o
disposto no artigo 50 da mesma Lei. Entrando na classificação doutrinária, achamos o
seguinte: é crime comum, próprio, de perigo, de mera conduta, omissivo próprio, prin-
cipal, simples, unissubjetivo, doloso, de conteúdo variado e instantâneo.

Crimes against the foreseen relation of consumption in the Code


of Defense of the Consumer

ABSTRACT

The present study it has as object the crimes against the foreseen
relations of consumption in the Code of Defense of the Consumer.
We will show until point this incriminated criminal norms are efficient
in the prevention of the abuse of the economic power in the case of
the consumption relations. We will still show the doctrinal classification
of the crimes, as well as its more important aspects, that if makes
indispensable in the study of the subject.
Keywords: Consumer. Consumption. Supplier. Relation of
Consumption.

NOTAS
1
Devemos ressaltar que é possível a cobrança de dívida por alguém a mando do fornecedor, que será considerado
no caso de crime como se fosse uma espécie de longa manus, como por exemplo, as empresas de cobrança.
2
Na verdade o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa que tenha obrigação de fornecer tais dados, e o sujeito
passivo pode ser também qualquer pessoa que pretenda ver seus dados. MACKENZIE

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Cadernos de REFERÊNCIAS
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MACKENZIE

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Cad. de Pós-Graduação em Dir. Político e Econômico São Paulo, v. 4, n. 1, p. 69-78, 2004.

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