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Fernando Fuão
Há uma luz que nos cega desde o iluminismo, o humanismo que não
permite ver nossa situação dita humana; uma luz sutil encobre nossa
condição pré-humana, de animal: às vezes na forma de macaco, ás vezes
de cavalo, ou até mesmo de um miserável inseto.
Eís o inseto e sua condição tão similar ao humano, sua propriedade, eís
o homem e seu outro símil; exatamente aquele inseto vulgar que se vê
atraído pelas luzes e que tolamente se dirigia a elas sem saber que
morrerá por isso. O inseto ignora, e se dirige numa fatalidade
irremediável, como se fosse de sua própria natureza banhar- se na luz
até afogar-se de prazer. Mais do que um simples seducco, a luz, às
vezes, parece ser a sedução suprema. A sedução da luz não é somente
irradiar e evidenciar os corpos com seu brilho, mas a luz, sobretudo atrai
e faz tudo gravitar em torno dela como satélites, como esferas, como
insetos, como a gente.
1 Lages e Silva, Rodrigo. O que são essas luzes, em Baptista, Luis Antonio; Ferreira,
Marcelo. Por que a cidade, escritos sobre experiência urbana e subjetividade. Editora
da UFF, Niterói, 2012.
mesma luz que erradia e se despeja nos monitores de tv ou mesmo do
computador, a mesma luz contida no poste de luz ou na vitrine da loja.
Somos adictos da luz elétrica, ela nos seduz tal como já o fazia o antigo
fogo, os lares, os deuses lares, a lareira. Em torno do fogo, da luz nos
reunimos, somos como aqueles insetos ávidos que se reúnem na luz e
giram em torno dela ou do fogo ate queimar.
A luz inventa um novo modo de viver a cada lumen. Ao contrario do céu
em sua infinitude distante, a cidade para Rodrigo Lages, quando era
criança, era 'uma grandeza convidativa'.
A luz inventada por nós ilumina, sem queimar, sem destruir, mas talvez
devêssemos desconfiar dessa ilusão, a luz ainda que não queime, arde
na constelação das conjunções, da comunidade; ao mesmo tempo que
reúne e promove o encontro, espanta o medo e os fantasmas das
sombra; ela também desperta o isolamento do ser através do
encantamento e do sua segurança.
Talvez por isso os surrelistas clamavam por 'mais luz', mas essa luz não
era aquela que vinha de fora mas sim de dentro, a luz que brotava da
noite, das trevas. A iluminação.
E foi assim com Restif de la Bretonne que caminha por Paris a noite, o
personagem Gaspard de la nuite de Aloysius Bertrand, assim se
seguiram todos os surrealistas: Breton, Eluard, Aragon, e inclusive
Walter Benjamin, sempre em busca do acaso, do inusitado; das colisões
das imagens, que acabariam gerando a teoria estética do schock, que
evidentemente não era elétrico.
Não é a noite que nos cega, que nos tira a visão, mas a luz do sol que
transforma a Terra numa redoma, numa casa iluminada nos impedindo
de nos estabelecer topologicamente na imensidão do cosmos. É o sol
que nos impede de entendermos que estamos sempre dentro, imersos e
submersos no liquido universal.
Mas não sejamos ingênuos de ignorar as virtudes das luzes. Essas luzes
atraem porque significa muita coisa, a própria vida. São caminhos e
pontos de chegada, orientações, lares, em outros termos mais
existênciais, nos dirigimos para UR cidade porque ela tem respostas às
doenças e enfermidades, respostas que as cidades do interior não
podem dar conta com suas tênues luzes.
Como escreve Rodrigo Lages e Silva, "Ninguém sabe tão bem como a
criança que a cidade à noite não é apenas o que a luz do dia ofusca, mas
um desvio para a insuportável retidão da estrada".
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