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PSICÓPIO
psicópio

REVISTA VIRTUAL DE
PSICOLOGIA HOSPITALAR
E DA SAÚDE

Editor
Susana Alamy
ISSN 1982-9299

Ano 5 - Número 9 - Fevereiro a Julho-2009


Edição Semestral - Distribuição Gratuita
PSICÓPIO: REVISTA VIRTUAL DE PSICOLOGIA HOSPITALAR E DA SAÚDE
ISSN 1982-9299
Revista Semestral - Distribuição Gratuita
Ano V, Número 9, Fevereiro a Julho-2009

Editor: Susana Alamy


Idealização e Realização, Capa, Editoração Eletrônica, Diagramação e Arte Final: Susana Alamy
WebMaster: Carlos Alexandre de Melo Pantaleão

Conselho Editorial:
Susana Alamy - psicóloga clínica e hospitalar, psicoterapeuta, professora de psicologia hospitalar e supervisora de
estágios em Belo Horizonte/MG, especialista em psicologia hospitalar (CRP) e em administração hospitalar e ciências
da saúde (FCMMG). CRPMG 6956
Damaris Campos Teixeira - psicóloga. CRPMG 29183.
Elisângela Lins - psicoterapeuta, psicóloga clínica e hospitalar, professora de psicologia do CESUR - Centro de Ensino
Superior de Rondonópolis. CRPMT 1281-2
Glenda Rose Gonçalves-Chaves - advogada, bacharel em Letras, mestre em Direito Internacional e Comunitário (PUC-
Minas), mestre em Literatura Brasileira (UFMG), professora de Direito Constitucional e Direito Administrativo.
Luciane Jordão Pereira - psicoterapeuta, psicóloga clínica, gestora em saúde da Prefeitura Municipal de Itabira/MG.
CRPMG 18744
Luíza Santiago de Assis - acadêmica de psicologia na PUC-Minas, campus Coração Eucarístico.

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Para citação da revista na bibliografia:


ALAMY, Susana (Ed.). Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde, Belo Horizonte, a.5, n.9, fev.
-jul 2009. Disponível em: <http://alamysusana.sites.uol.com.br/>. Acesso: em 02 mar. 2009.

Para citação de artigos da revista na bibliografia:


SILVA, José Maria. Psicologia hospitalar. Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde , Belo
Horizonte, a.5, n.9, fev.-jul. 2009. Disponível em: <http://alamysusana.sites.uol.com.br/>. Acesso: em 02 mar. 2009.

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Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, a.5, n.9, fev.-jul. 2009. i
PSICÓPIO: REVISTA VIRTUAL DE PSICOLOGIA HOSPITALAR E DA SAÚDE
ISSN 1982-9299
Revista Semestral – Distribuição Gratuita
Ano V, Número 9, Fevereiro a Julho-2009

SUMÁRIO

Editorial
Susana Alamy ..................................................................................................................................................................................... iii

Contribuições da abordagem gestáltica para atendimentos de urgência subjetiva em um hospital de pronto socorro .... 05
Sandra Maria Moreira de Menezes (Belém/PA)

Suicídio mal-sucedido e psicologia hospitalar: a necessidade de intervenção profissional ................................................. 14


Nilson Almeida Tiradentes Júnior (Alegre/ES)

Luto, pesar e perda ............................................................................................................................................................................ 21


Danielle Silva Veiga (Rio de Janeiro/RJ)

Atendimento psicológico a pacientes com doenças crônicas no contexto hospitalar e as reações iatrogênicas ............... 27
Maria Del Carmen Garcia Lima (São Paulo/SP)

Sobreposição de vivências durante recidiva na adolescência: um estudo de caso ................................................................. 28


Marina de Moraes e Prado, Patrícia Marinho Gramacho (Goiânia/GO)

Oficina terapêutica - um olhar da psicologia sobre os idosos .................................................................................................... 42


Regiane Guimarães Silva (Valinhos/SP)

Depoimento pessoal - Preparada eu? Nem tanto .......................................................................................................................... 43


Clarence Rose de Carvalho Knafelç Bonilha (Angra dos Reis/RJ)

Dinâmica de grupo - Vida e morte ................................................................................................................................................. 45


Susana Alamy (Belo Horizonte/MG)

Legislação - Lei 10.205/01 - Dispõe sobre a captação, proteção ao doador e ao receptador, coleta, processamento,
estocagem, dis tribuição e transfusão do sangue, de seus componentes e derivados .............................................................. 46

Cursos de Psicologia Hospitalar ..................................................................................................................................................... 54

Formulário para envio de artigos, normas e termos .................................................................................................................... 55

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, a.5, n.9, fev.-jul. 2009. ii
EDITORIAL

Prezados Leitores e Colaboradores,

Manter uma revista não é tarefa nada fácil, pois as dificuldades com as quais nos deparamos para sua realização vão
desde o tempo que nos requisita até a sua colocação no ar. Assim, vencidos todos os percalços, entramos agora no
quinto ano de publicação da Psicópio e, com grande alegria, recebemos um e-mail da Biblioteca Pe. Alberto Antoniazzi
da Puc Minas, através da Beatriz Marquez, em que o incentivo nos faz renovar as forças em busca e realização dos
sonhos diários de ver e sentir uma saúde melhor em nosso país. Temos a certeza de que cada artigo aqui publicado
possibilita a reflexão e o aprendizado, ou o reaprendizado, para um atendimento mais adequado do paciente, nosso
grande tesouro e razão das nossas buscas.

Diante disso, é que transcrevemos na íntegra o e-mail recebido em 01-12-2008, para que todos os que colaboraram e os
que leram as nossas publicações vejam reconhecidos os seus esforços e sintam-se motivados para a continuidade da
árdua tarefa de estudar e do ofício simples de dividir e somar.

Prezados Senhores:

Gostaríamos de receber informações sobre a interrupção do envio da Revista


Psicópio, anteriormente encaminhada à Biblioteca da PUC Minas como
doação.

O último fascículo recebido foi o número 1 de 2005.

Solicitamos manter o nome da PUC Minas em seu cadastro de doações


regulares, uma vez que, avaliada a publicação, a mesma foi considerada
muito importante pelo nosso corpo docente (grifos nossos).

No aguardo de uma resposta, desde já agradecemos.

Atenciosamente,

Beatriz Marques
Biblioteca Pe. Alberto Antoniazzi
PUC Minas - Setor de Periódicos
------------------------------------------
Av. Dom José Gaspar, 500 - Prédio 26
Bairro Coração Eucarístico
30.535-901 - Belo Horizonte (MG)
Tele/Fax: (31) 3319-4175

Marcamos, assim, com grande alegria o nosso sempre reinício, lembrando que as doenças existem e nos desafiam a
cada dia, pondo-nos à prova quando somos partícipes da sua evolução, seja como doentes, familiares de doentes ou
como profissionais. Não importa o rótulo que carreguemos, quando o mais importante transcende a tudo isso e nos faz
avaliar nosso comportamento diante da vida e de todos. Na reflexão, encontramos o significado e percebemos que os
discursos devem também estar em sintonia com o mu ndo, não bastando a umbigal relação que estabelecemos com nós
mesmos nesse momento pós-moderno onde o individualismo ganha um espaço jamais imaginável, pautado em falas de
liberdade, de individualidade, de privacidade, todas acompanhadas do pronome pessoal possessivo: a minha liberdade, a
minha individualidade, a minha privacidade, como se fosse possível abster-nos dos outros, do outro, e convivermos em
harmonia na sociedade e na natureza.

Nunca houve tanto discurso, tanta lei, tanta juris prudência e tantos processos acumulados na justiça com o grito que
urge pedindo pela intermediação do Estado em questões de fórum íntimo. Pego-me pensando se não é exatamente
porque na pós-modernidade falta o bom senso, a solidariedade, o enxergar o outro como fundamental para que eu

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, a.5, n.9, fev.-jul. 2009. iii
mesma me reconheça enquanto sujeito.

Hoje temos em intensidade acentuada a projeção das nossas falhas no outro e não é difícil vermos exemplos claros na
prática diária do viver. Quem não tem uma experiência para contar sobre um atendimento médico? Quem não tem
nenhuma queixa a fazer sobre a maneira como foi atendido desde sua entrada no hospital até a sua alta? Presenciamos
cenas até hilárias... infelizmente.

Recentemente vi em um hospital em Belo Horizonte: na cabeceira do leito do paciente uma placa onde se lia, em letras
garrafais “PARTICULAR”. Não trazia o nome do paciente e nenhuma outra referência que pudesse ser relevante além
dele ser um paciente particular, ou seja, alguém que pode pagar em um país que incentiva os convênios e se esquece do
SUS (Sistema Único de Saúde). Será que aquela informação deveria mesmo estar ali? Será que é ali que o funcionário
do setor de contas confere como deve cobrar, se do SUS, do convênio ou do próprio paciente? Não. Talvez a realidade
seja um pouco mais crua e dura. Talvez a placa indique aos profissionais que ali está um paciente que tem dinheiro e
que por isso mesmo talvez tenha mais condição de reivindicar os seus direitos. Será que a mensagem “particular”
escrita na placa dizia que aquele paciente deveria ser bem tratado?

Sinceramente, com mais de vinte anos de profissão como psicóloga hospitalar, jamais vi uma identificação de paciente
assim. O comum é que os pacientes sejam identificados por número de leito ou pela patologia. Mas identificados pelo
poder econômico? Nunca tinha visto.

O momento é propício a um mínimo de reflexão. Não basta que os livros sejam incorporados à sua pele, que suas letras
sejam parte do seu cérebro ou que o saber técnico o faça uma “enciclopédia”. Ser profissional está além desse mínimo e
se congratula no saber lidar com o outro, no estar, no respeito com que os tratamos e no cuidado com que os acolhemos.
É ser. E não estou falando de “passar a mão na cabeça”, coisa que muitas vezes se faz urgente, estou falando de “ser”.
Um ser que pode mais do que consegue, porque se limita em si mesmo.

Neste número publicamos: Editorial (Susana Alamy - BH/MG); Contribuições da abordagem gestáltica para
atendimentos de urgência subjetiva em um hospital de pronto socorro (Sandra Maria Moreira de Menezes - Belém/PA);
Suicídio mal-sucedido e psicologia hospitalar: a necessidade de intervenção profissional (Nilson Almeida Tiradentes
Júnior - Alegre/ES); Luto, pesar e perda (Danielle Silva Veiga - Rio de Janeiro/RJ ); Atendimento psicológico a
pacientes com doenças crônicas no contexto hospitalar e as reações iatrogênicas (Maria Del Carmen Garcia Lima - São
Paulo/SP); Sobreposição de vivências durante recidiva na adolescência: um estudo de caso (Marina de Moraes e Prado,
Patrícia Marinho Gramacho - Goiânia/GO); Oficina terapêutica - um olhar da psicologia sobre os idosos (Regiane
Guimarães Silva - Valinhos/SP); Depoimento pessoal - Preparada eu? Nem tanto (Clarence Rose de Carvalho Knafelç
Bonilha - Angra dos Reis/RJ); Dinâmica de grupo - vida e morte (Susana Alamy - Belo Horizonte/MG); Lei 10.205/01
que dispõe sobre a captação, proteção ao doador e ao receptor, coleta, processamento, estocagem, distribuição e
transfusão do sangue, de seus componentes e derivados; formulário para o envio de artigos e agenda de eventos. Temas
que não se esgotam e que poderão ser trazidos novamente nos próximos números.

Lembramos que a responsabilidade pelos artigos publicados é inteiramente de seus autores e as opiniões expressadas
nos mesmos não necessariamente condizem com a opinião do Editor.

Repetimos, então, o nosso convite para o envio de seu texto, que será analisado com critério e respeito. Agradecemos os
inúmeros e-mails recebidos, sempre incentivadores e motivadores, demonstrando a importância da Psicópio: Revista
Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde na formação e na vivência de cada um dos seus leitores. Agradecemos aos
nossos colaboradores, pacientes, professores e supervisores que incentivam seus alunos a produzirem e publicarem seus
escritos, nossos leitores, e à determinação de cada um em fazer permanecer uma revista de distribuição gratuita e sem
patrocinadores.

Com o meu forte abraço,


Susana Alamy - Verão de 2009

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, a.5, n.9, fev.-jul. 2009. iv
CONTRIBUIÇÕES DA ABORDAGEM GESTÁLTICA PARA ATENDIMENTOS DE
URGÊNCIA SUBJETIVA EM UM HOSPITAL DE PRONTO SOCORRO
Sandra Maria Moreira de Menezes 1

Resumo: O presente artigo se apresenta como uma síntese do Trabalho de Conclusão de Estágio, caracterizado por uma
pesquisa de campo de natureza qualitativa, com o objetivo de compreender como é possível, partindo do referencial
filosófico-teórico-metodológico que fundamenta a Gestalt-terapia, oferecer uma escuta terapêutica em um contexto
hospitalar de urgência e emergência. Para tanto, são feitos comentários sobre esse referencial, com ênfase nas Teorias
de Campo e Organísmica, bem como dos principais conceitos da abordagem. Apresenta-se a modalidade de Terapia de
Sessão Única como possibilidade de atendimento breve e focal.

Palavras-chave: Gestalt-terapia; Setor de urgência e emergência; Terapia de Sessão Única.

Abstract: This article comes as a synthesis of the Work of Training Conclusion is characterized for a field research of
qualitative nature, with the objective to understand as it is possible, starting from philosophical-theoretician-
methodological referential that bases Gestalt-Therapy, to offer a therapeutic listening in an urgency and emergency
hospital context. For in such a way, were identified the theoretician-practical constructed of the related boarding that
could have been applied in these attendances, through the intromissive position of the psychologist.

Words -key: Gestalt-therapy; Sector of urgency and emergency; Single Session Therapy.

Compreensão do humano: bases filosófica e teórica da gestalt-terapia

A gestalt-terapia - GT - tem em suas bases filosóficas o humanismo, o existencialismo, a fenomenologia e a dialógica


buberiana, que se mostram vinculadas entre si, delineando uma percepção de ser humano com potencial para o
saudável, o crescimento e auto-realização, ainda que, por vezes, se mostre disfuncional no seu modo de ser-no-mundo.
Este viver, por sua vez, é compreendido pelo psicoterapeuta através de um olhar existencial, considerando-o um ser de
possibilidades, livre e responsável pelos rumos que caminha para concretizar-se enquanto projeto. Apreende-se da
fenomenologia e da dialógica respectivamente, uma metodologia para abordar essa existência e um modo singular de
estar com o outro durante o atendimento psicoterápico, que é balizado por atitudes de respeito e confirmação em relação
ao cliente.

Tendo como ponto essa perspectiva de homem e de mundo, consideramos pressupostos teóricos da GT, constituídos
pela Psicologia da Gestalt, com seus estudos sobre percepção, aprendizagem e solução de problemas, as proposições de
Kurt Goldstein sobre uma nova possibilidade de compreender o homem e seu processo de auto-regulação e autogestão,
e os postulados de Kurt Lewin sobre a relação pessoa-meio, suas relações interpessoais, seus comportamentos... Seus
sintomas.

Fala-se da Teoria de Campo como uma forma de compreender o modo como uma pessoa lida com as escolhas sobre as
diferentes áreas da sua vida, pode-se falar da Teoria de Campo. Kurt Lewin afirma que as atividades psicológicas das
pessoas acontecem em um campo chamado Espaço Vital - EV -, que é a representação das necessidades do sujeito em
contato com o ambiente. Esse campo é formado por variáveis biológicas, psicológicas e sociais, onde atuam, também,
forças propulsoras de mudança e que, na medida em que se dinamizam, durante a existência do indivíduo, promovem
uma redefinição do campo em regiões ou zonas, estabelecendo fronteira entre elas. Existem, ainda, forças frenedoras,
que atuam como barreiras ou obstáculos à locomoção (KIYAN, 2001).

Entende-se que a pessoa se encontra delineada por uma fronteira permeável que torna possível identificar o que é eu e
não-eu. Há, no próprio sujeito sub-regiões comunicáveis entre si, possibilitando “... funcionar em níveis diferentes no
que se refere ao limite de contato que se estabelece com a realidade” (RIBEIRO, 1997, p.98). Para Lewin (s/d apud

1
Graduada em Psicologia pela Universidade da Amazônia (2006), aprimoramento em Psicologia Clínica na abordagem gestáltica.

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, a.5, n.9, fev.-jul. 2009. 5
SHULTZ e SHULTZ, 1992) existe uma dinâmica no comportamento humano descrita por tensão-locomoção-alívio e
que corresponde à necessidade-atividade-alívio. Isto implica um estado de tensão diretamente proporcional a toda
necessidade que emerge no espaço vital, que se dissipa toda vez que o indivíduo encontra satisfação.

A locomoção, portanto, é todo movimento do sujeito - seja físico e/ou mental - que o faz sair de um lugar/estado para
outro lugar/estado e que se revela pelas propriedades de fronteiras que existem entre as sub-regiões do campo. Quanto
mais rígida a fronteira, mais resistência há para a mudança. Afirma -se que o intercâmbio entre as sub-regiões diferencia
os limites estabelecidos pelas fronteiras e promove mudanças na configuração do EV, constituindo uma nova gestalt.
Então, a idéia de equilíbrio que se tem não corresponde à ausência de tensão, mas a uma dinâmica entre esses dois
estados de distribuição de energia psíquica. Assim, acredita-se que um sintoma caracterize um equilíbrio estático, tendo
em vista a necessidade da pessoa em evitar mudanças estruturais (KIYAN, 2001; RIBEIRO, 1997).

Portanto, há um novo paradigma pelo qual se compreende o indivíduo, suas interações com o mundo e consigo mesmo,
com possibilidades de vê-lo de modo integrado, validando sua liberdade existencial, pois, o que se destaca do campo em
termos de necessidade, depende da consciência intencional do ser, que a prioriza conforme sua percepção. Considera-se
ainda que o conceito de EV na psicoterapia subsidia uma prática que tem como ponto de partida a pessoa do cliente
como realidade primeira desse campo total para “... tentar entender como as coisas ocorrem aqui e agora, sem perder de
vista as possibilidades do futuro, [mas também], não deixar que [representem uma] predição do comportamento”
(RIBEIRO, 1999, p.62).

Kurt Goldstein (1878 apud RIBEIRO, 1999, p.102), na Teoria Organísmica postula que a pessoa é uma unidade
integrada e organizada em partes, cuja totalidade é regida por diretrizes dinâmicas que não existem nas partes
isoladamente. Essa totalidade, que é o próprio homem, encontra-se constantemente motivado para o seu crescimento e
atualização de suas potencialidades, que acontece através do contato auto-regulador entre o sujeito e sua realidade.
Desta, vêm em direção ao campo psicológico, forças em forma de tensão que impõem ao sujeito um movimento
ajustador, para que possa encontrar o equilíbrio dinâmico (GOLDSTEIN, s/d apud RIBEIRO, 1997).

Em cada indivíduo existe uma energia constante que está distribuída por todo o organismo de maneira uniforme,
caracterizando um estado de centragem. Mas, o surgimento de uma necessidade implica um aumento da tensão em
torno de um aspecto/fenômeno do campo que se destaca como figura, caracterizando um estado de desequilíbrio. O
retorno ao estado anterior, mediante a satisfação da necessidade, é o que se chama equalização (GOLDSTEIN, s/d apud
RIBEIRO, 1997). O equilíbrio dinâmico ocorre a partir de uma situação vivida como diferente, nova, emergencial, que
implica equalização provisória. No entanto, um funcionamento patológico pode se configurar no modo-de-ser do
indivíduo, na medida em que esta saída de emergência se torne, para ele, o único caminho para que continue existindo.
Para Lewin (s/d apud RIBEIRO, 1997, p.112), “um sintoma não é, simplesmente, uma manifestação de uma mudança
(...), é também uma forma de ajustamento...”.

Goldstein (s/d apud RIBEIRO, 1999, p.105) pressupunha que toda pessoa nessa condição demonstra uma “tendência de
evitar reações catastróficas, porque estas são mais perigosas para ela do que [comumente são para outras pessoas]”. Isto
é feito na tentativa de evitar tensão, desconforto. Contudo, esse movimento traz consigo a vivência de um estado de
ansiedade e desespero, em função de um “choque do organismo como um todo, [pondo] em perigo sua continuidade
como sistema...”. Portanto, há sérios prejuízos para a existência do sujeito, principalmente no que se refere às
habilidades de perceber cognitiva e afetivamente a realidade a sua volta, recorrendo à fantasia, soluções abstratas para o
problema vivido.

Com essa perspectiva, as intervenções clínicas terão como princípio a sabedoria auto-reguladora do organismo, mesmo
que este potencial se encontre, de alguma forma, impedido de se realizar. E ainda assim, a equalização provisória não
saudável (sintoma) é uma expressão dessa busca. Apenas compreendemos o cliente quando é possível ir além da
identificação de sintomas e queixas, chegando ao sentido que eles têm na e para a sua existência. A psicoterapia nessas
circunstâncias “... tem a função de descobrir esses caminhos que o corpo sugere na sua equilibração” (RIBEIRO, 1999,
p.110).

Conceitos centrais em gestalt-terapia

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, a.5, n.9, fev.-jul. 2009. 6
Percebe-se que os conceitos centrais em GT se expressam por uma interdependência entre si, semelhante ao que
acontece na relação figura-fundo: quando um construto está em relevo, os outros estão ao fundo. Assim, parte-se do
conceito de contato, considerando-o como vital para o crescimento e modificação das experiências que a pessoa tem do
mundo. É gerado por uma energia de excitamento que se manifesta a partir da emergência de necessidades - físicas e/ou
psicológicas - e que poderão, ou não, encontrar meios de satisfação pelo contato. Implica a existência de uma fronteira
que delimita e une, diferencia e assemelha, aceita e rejeita, em um movimento processual e dialético. Há um limite real
entre o “eu” e o “não-eu”. É, portanto, na fronteira entre pessoa-meio que o contato acontece (POLSTER E POLSTER,
1979; GINGER E GINGER, 1995).

O como a pessoa caminha por suas fronteiras e revela seus limites de contato pode ser entendido através da escuta de
suas palavras e também por meio da observação da expressão de sentimentos que se manifestam no corpo. Um
comportamento gestual está intimamente ligado a uma experiência interna, um sentimento, uma emoção. Assim,
entende-se o comportamento molar como ações, movimentos e gestos demonstrados por uma pessoa e que são
visivelmente observados. Enquanto que o comportamento molecular é entendido como o aspecto emocional, interno,
subjetivo que mobiliza o gesto, a ação e o movimento (RIBEIRO, 1985).

Pode-se dizer ainda, que a todo o momento estamos às voltas com inúmeras necessidades e mediante a possibilidade de
hierarquização delimitamos a prioritária - a figura, a partir do fundo, constituído por aspectos singulares de uma pessoa,
como sua história de vida, cultura, valores, situações inacabadas e mecanismos de defesa, por exemplo (KIYAN, 2001).
Essas necessidades geram uma energia de excitamento - orgânica e/ou psíquica - percebida como tensão e certo
desconforto, desestabilizando o sujeito em sua homeostase. Essa mesma energia conduz à awareness da necessidade
que emergiu enquanto figura definida, levando o sujeito a uma percepção que seleciona, no ambiente, as possibilidades
de satisfação, sejam elas no nível sensório-motor, cognitivo-afetivo e relacional. A partir da definição do que se quer,
necessita ou deseja, há o contato com o meio, cujo subproduto é a satisfação, nutrição e desenvolvimento, que marca
uma situação de resolução/fechamento deste ciclo, na qual o sujeito experimenta equilíbrio até que uma nova
necessidade emirja (ZINKER, 2001).

A descrição acima caracteriza um ajustamento criativo funcional, no qual há consciência, por parte do sujeito, de suas
necessidades, priorizando-as conforme uma hierarquia de valores e dominância. Tem-se, portanto, um funcionamento
saudável, no qual as necessidades/figuras emergem de modo energizado e definido, a ponto de mobilizar a pessoa em
uma direção, relativamente, segura para a satisfação, possibilitando “... estabelecer contatos enriquecedores e
interrompê-los quando tóxicos e intoleráveis” (FRAZÃO, 1999; CIORNAI, 1995, p.74). Isso depende do movimento de
awareness do sujeito em relação aos vínculos que estabelece e aos significados que atribui a si, ao mundo e às pessoas,
pois estar aware é “... aperceber-se do que se passa dentro e fora de si no momento presente, tanto a nível corporal,
quanto mental e emocional” (FRAZÃO, 1999, p.28).

Quando a awareness das necessidades é parcial há pouca habilidade para hierarquizá-las em uma “escala” de
prioridades, levando o sujeito a se direcionar para atividades desnecessárias, sem, muitas vezes, concluí-las, temos um
ajustamento criativo disfuncional. Assim, em um funcionamento não-saudável as necessidades/figuras emergem pouco
energizadas e pouco definidas, a partir de uma percepção distorcida, inviabilizando contatos criativos com o ambiente
através de atitudes anacrônicas e repetitivas (FRAZÃO, 1999). Por isso, entende-se que a saúde e doença são vistas
como nuances em um continuum e que, dependendo dos ajustamentos criativos estabelecidos entre o sujeito e seu meio,
pode se manifestar mais ou menos funcional (RIBEIRO, 1997). Para Perls (1977, p.20), saúde é “... um equilíbrio
apropriado da coordenação de tudo aquilo que somos”.

O Psicólogo em uma unidade de urgência e emergência: HPSM-HMP

Em termos médicos, diz-se que “urgência é um processo agudo clínico ou cirúrgico, sem risco de vida iminente. [Na]
emergência há risco iminente de vida, diagnosticado e tratado nas primeiras horas após sua constatação”
(JACQUEMONT-GIGLIO, 2005, p.21), o que implica atendimentos que sejam operacionalizados de modo rápido e
eficiente, pois a preocupação está em assegurar a estabilidade das funções vitais do indivíduo, aliviando sua dor,
ficando em segundo plano, intervenções ou procedimentos que visem o tratamento e/ou cura da enfermidade em

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, a.5, n.9, fev.-jul. 2009. 7
questão (SIMONETTI, 2004).

O Pronto-Socorro - PS - é o lugar do imprevisível, marcado por um clima tenso, experiências psiquicamente


mobilizadoras e que exigem dos profissionais res olutividade na tomada de decisões em relação a determinados
procedimentos a serem realizados, estabilidade emocional para lidar constantemente com imprevistos e prontidão para
dar conta de uma certa sobrecarga de trabalho (COSTA E MIRANDA, 1997 apud SEBASTIANNI, 2002; PEREZ,
2005). Para o paciente, a urgência é a necessidade de obter alívio da sua dor e, dependendo do caso, de assegurar a
própria vida. Em condições de ameaça a sua integridade físico-psíquica, é como se a pessoa estivesse imersa em um
“...mar de sensações cruas e intensas, [para as quais] não encontra meios de fazer valer a simbolização como forma de
enfrentamento” (SIMONETTI, 2004, p.144).

Nestas situações, as reações psicológicas incluem “... medo, ansiedade, ressentimento, abalo e/ou perda quanto á
autonomia e de referenciais próprios, sensação de estranheza, alteração da auto-estima e na imagem corporal” (COPPE
E MIRANDA, 2002, p.67). Aspectos subjetivos como estes se fazem presentes em pessoas que chegam ao Hospital
Pronto Socorro Dr. Humberto Maradei Pereira - HPSM -HMP -, com demandas que não são, necessariamente, médicas,
mas que implicam sensação de dor real e significativo desequilíbrio emocional. Para Buarque (1998, p.08) os
sofrimentos psicossomáticos são “... fenômenos que tem um nível diferente de realidade organísmica. Fenômenos que
são predominantemente funcionais ou fenômenos que estão atingindo a estrutura orgânica da pessoa. Essa
predominância de causalidade tem a ver com a etiologia”. Isto pressupõe a idéia de que “o desequilíbrio, em forma de
conflito, de dor, de angústia, traz no seu bojo uma tentativa desesperada de equilibração” (RIBEIRO, 1999, p.13). Desse
modo, o sintoma transcende seus indícios acerca de uma doença ou transtorno, que devem ser eliminados ou aliviados, e
passa a ser compreendido, tanto como uma linguagem peculiar de cada pessoa para comunicar aos outros e, sobretudo, a
si mesma, acerca da necessidade de ajuda, como uma expressão do seu próprio potencial de vida.

Nesse contexto, o serviço de psicologia se caracteriza, geralmente, por um único atendimento, que acontece um curto
espaço de tempo e que pretende possibilitar ao indivíduo sustentação emocional necessária para que tenha clareza das
circunstâncias de vida que favorecem seu estado de crise e, também, para que possa tomar decisões que visem cuidados
necessários a sua saúde físico-psíquica (ANGERAMI-CAMON, 1992 apud SEBASTIANI, 2002).

Mas, como conciliar o objetivo processual do trabalho em GT com o imperativo de uma intervenção imediata no
momento da crise experienciada pelo sujeito? Como intervir, orientado por uma noção de saúde, baseada no
movimento, na fluidez e no contato criativo entre organismo -meio ambiente, considerando a doença um alerta de que
algo está obstruído, estagnado na existência do sujeito, sem perder de vista a precisão de um atendimento focal? Como
desenvolver uma postura existencial-fenomenológica que prioriza não as respostas, mas a busca por elas e as relações
entre sentido e significado que a pessoa faz ao vivenciar o processo psicoterapêutico, sem esquecer as peculiaridades
desse tipo de atendimento que, mais do que uma escuta especializada, impõe a necessidade de fazer orientações e
impressões diagnósticas em pouco tempo de contato, com informações abrangentes, mas restritas sobre o modo de
estar-no-mundo dessas pessoas?

Uma possibilidade de intervenção psicoterápica em unidades de urgência e emergência: Terapia de sessão única

A Psicoterapia Breve que surgiu no período que se seguiu à Segunda Guerra Mundial, momento em que muitos
soldados apresentavam sérios transtornos psiquiátricos e que se dispunha de apenas três sessões para realização dos
atendimentos. Essa demanda se mostrou desafiadora, tanto para psiquiatras como para psicólogos da época, em função
de que a teoria que embasava essa prática era, predominantemente, psicanalítica e por representar a necessidade de
adaptação dessa teoria a essa nova prática. Desenvolveu-se um método que procurava identificar um foco, um tema ou
conflito central, que pudesse ser abordado em pouco tempo de psicoterapia. As primeiras experiências são de
atendimentos realizados por Freud em 1906, os quais foram concluídos em seis sessões de análise (BALLAK e
SMALL, 1980).

A psicoterapia de crise (SMALL, 1974) ou de emergência (BALLAK e SMALL, 1980), como se costumou chamar,
encontrou outros campos de aplicação, como os hospitais psiquiátricos, no serviço de urgência, cujo objetivo é diminuir
a demora na espera por atendimentos, pois “... uma ajuda rápida e eficaz pode resultar numa diminuição do sofrimento,

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no encurtamento do período de perturbação e numa maior realização para a vida do indivíduo” (SMALL, 1974, p.14).
Considera-se como foco os principais sintomas que mais comprometem a vida da pessoa, bem como suas causas.
Quanto ao número de sessões fala-se de uma variação de 4 a 8 sessões, chegando até a um número de 20 encontros
(BALLAK, 1992, AUSTAD, 1996, BLOOM, s/d, O’HARA, 1998 apud TASSINARI, 1999). Contudo, Lemgruber
(1984) afirma que a identificação de uma técnica terapêutica focal ou breve transcende o mero cronometrar do tempo,
pois esta metodologia está diretamente ligada a uma postura interventiva que visa a profundidade em uma dada
problemática que se configure na principal necessidade do sujeito no momento.

Portanto, não se fala de uma psicoterapia breve, visto que esse atributo pressupõe a contabilização, somatória de horas
que podem constituir a experiência de alguém em terapia, mas fala-se de uma psicoterapia de curta duração, orientada
por um tempo “... experiencial ou existencial, [no qual] tudo pode acontecer em questão de um momento. Acredita-se
que a mudança transcende o tempo cronológico e a lógica de causalidade linear sobre as atitudes humanas, e chega a
uma compreensão de que ela “acontece no tempo, não é causada por ele, e sim pela vontade e poder pessoal do cliente
...” (RIBEIRO, 1999, p.15, 141).

Com isso, diz-se que a psicoterapia breve de base fenomenológico-existencial, torna a pessoa como um todo, o foco de
toda e qualquer atitude terapêutica. Há uma mudança técnica quanto à intervenção, visto que “na psicoterapia breve
tradicional, o sintoma é visto e tratado como figura. Na nossa perspectiva, há uma inversão. O sintoma passa a ser o
fundo, e a vida da pessoa, como realidade total emergente, passa a ser figura” (RIBEIRO, 1999, p.14).

Mesmo considerando a validade de uma proposta de psicoterapia de curta duração como uma forma de intervir em uma
realidade hospitalar de U/E, ressalta-se a inviabilidade do cumprimento de um programa de atendimentos constituído
por 8 ou 15 sessões (RIBEIRO, 1999), pois o objetivo de atendimentos psicológicos em hospitais não é exatamente
fazer psicoterapia e sim atender a urgência subjetiva no aqui-agora do sujeito. Contudo, sustenta-se, dessa proposta, a
postura interventiva do psicólogo que prima pela perspectiva de totalidade, considerando o sintoma a partir do seu
contexto, que é a própria pessoa, considerando ainda a objetividade desse tipo de escuta e a fundamentação teórico-
metodológica da GT. Diante disso, apresenta-se como coerente com a realidade de um PS, a Terapia de Sessão Única,
desenvolvida por Talmon (1999 apud TASSINARI, 1999, p.31) que parte de três premissas básicas: “todas as terapias
começam na primeira sessão; freqüentemente uma única sessão é suficiente; a primeira sessão tende a ser mais efetiva,
poderosa e importante, independente da duração da terapia”.

Ainda que se estranhe a possibilidade de ocorrerem resultados positivos em um único encontro terapêutico, considera-se
uma das principais pesquisas feitas pelo autor, na qual realizou 200 entrevistas de follow-up com clientes que já haviam
sido atendidos em sessão única. Destes, um percentual expressivo de 88% confirmaram que alcançaram o que
desejavam naquela única sessão. Outro importante experimento foi a realização, durante cinco anos, de cerca de
100.000 atendimentos e comparou-os com outras pesquisas já publicadas por Bloom, Kogan, Silverman e Beech (s/d
apud TASSINARI, 1999), em termos de eficácia quanto aos resultados obtidos. Uma terceira investigação sobra a
aplicabilidade desta metodologia psicoterápica, teve a participação de dois outros psicólogos, Robert Rosenbaum
(abordagem erikisoniana) e Michael Hoyt (psicoterapia breve dinâmica) que atenderam 60 pessoas com idade entre 4 e
96 anos, dentre as quais haviam sujeitos asiáticos, negros, brancos e hispânicos, com escolaridade variando de pós-
doutores à pessoas que abandonaram a escola antes de concluírem o ensino básico. As queixas incluíam temáticas como
pânico, insônia, violência familiar e necessidade de desabafar. Desse total, 58 sujeitos experimentaram a terapia de
sessão única e, depois de 3 a 12 meses transcorridos, um quarto pesquisador realizou entrevistas de follow-up, por
telefone, através das quais registrou-se que, em mais de 80% (em uma escala de cinco pontos) dos casos atendidos, as
pessoas relataram melhora ou muita melhora desde àquele encontro, pois conseguiram se apropriar de suas soluções e
mudanças.

Tanto o resultado dessas pesquisas quanto as necessidades que caracterizam a demanda dos atendimentos emergências
realizados no HPSM-HMP, levam à consideração de que a proposta de uma única sessão se mostra com uma
viabilidade significativa, tendo em vista as particularidades de uma U/E. Ao mesmo tempo evidencia o potencial de
mudança no campo perceptivo do sujeito já no primeiro contato com o psicólogo.

Metodologia

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O método fenomenológico está indicado para “... pesquisas sobre fenômenos humanos, tais como vividos e
experienciados. Esse empreendimento dá-se através de descrições de experiências dos sujeitos que vivenciam os
fenômenos em estudo” (FORGHIERI, 2004; Giorgi, 1985 apud MOREIRA, 2002, p.110). Para tanto, optou-se pelo
Método Fenomenológico de Sanders (1982), apresentado por Moreira (2002), que consiste em três passos distintos e
complementares: determinação dos limites da pesquisa, quanto ao que e quem deve ser investigado (refere-se aos
atendimentos psicológicos de urgência realizados no HPSM -HMP); coleta de dados (entrevista clínica não dirigida) e
análise fenomenológica dos dados. Sobre o fator quantidade, o autor deste método afirma que não dever ser confundido
com qualidade e que a profundidade de uma pesquisa em nada deixa a desejar de outra que trabalhe com muitos
participantes, o que justifica o universo desta pesquisa que compreende 5 sujeitos, sendo um adolescente e 4 adultos.

A análise fenomenológica dos dados fundamenta-se no referencial teórico proposto e seguiu a descrição do fenômeno
da mesma forma como foi revelado (transcrição dos atendimentos, considerando trechos relevantes para a pesquisa); a
identificação de temas invariantes que emergiram na etapa anterior; e a união destes em conjuntos de essências que
definem o fenômeno. Entende-se que, para esta pesquisa o objeto de estudo (ou o quê) refere-se aos atendimentos
psicológicos de urgência. Os sujeitos (ou o quem) são as pessoas atendidas no Serviço de Psicologia do HPSM-HMP.

Resultados

No que diz respeito às pessoas atendidas, temos as seguintes essências: Queixa inicial, entendida como o motivo
explícito ou que é primeiramente mencionado pelo sujeito ao ser perguntado sobre o que o levou a estar no PS; as
Manifestações somáticas, que correspondem às sensações de dor eminentemente físicas, orgânicas; os Aspectos
subjetivos, que incluem toda a percepção do sujeito sobre o que está acontecendo consigo próprio, bem como seus
sentimentos e fantasias; a Figura mobilizadora , que descreve a necessidade que realmente caracteriza a emergência e
que evidencia o foco do atendimento.

Quanto às intervenções, temos as seguintes essências: descrição fenomenológica da queixa, que corresponde às
perguntas feitas ao sujeito, tanto no sentido de esclarecer aspectos relevantes para a compreensão da situação trazida,
quanto para possibilitar à pessoa que chegue à figura mobilizadora e à awareness. Considerando os construtos teórico-
práticos, que subsidiam tais intervenções, que são: contato, aqui-agora, awareness, comportamento
molar/comportamento molecular, figura-fundo.

As intervenções realizadas junto aos sujeitos desta pesquisa estiveram balizadas pelos seguintes construtos teórico-
práticos da GT: contato, esteve presente em todos os atendimentos, a partir do momento que iniciaram, quando sujeito e
P-E se viram, até o momento que terminaram, com a despedida de ambos. Mostrou-se, também, como uma forma de
revelar a própria postura terapêutica embasada no: 1) humanismo, que possibilita olhar o sintoma como uma expressão
da criatividade de uma pessoa na tentativa de autorregular-se, mesmo que isso implique restrições, adoecimento; que
prioriza, sobretudo, o potencial de vida, as possibilidades de ajustamento criativo saudável; 2) no existencialismo -
fenomenológico, que possibilita compreender as pessoas em suas singularidades, concretude, liberdade e a
responsabilidade por seus bem e mal-sucedimentos durante a realização de seu projeto existencial, sem pré-julgá-las; e
3) na abordagem dialógica, que visa o resgate e/ou re-construção do diálogo consigo próprio e com o mundo através de
uma presença autêntica, confirmadora, recíproca.

O conceito de aqui-agora permeou todos os atendimentos, visto que o contato com o outro e consigo mesmo ocorre no
momento presente, mesmo que os assuntos trazidos pelos sujeitos sejam referentes ao passado. A emoção dos
participantes expressou-se no agora, possibilitando a emergência de situações inacabadas. Além disso, intervenções do
tipo: “Como você sente agora?” permitiram à pessoa voltar a atenção para o seu corpo e verificar o que estava sendo
manifesto nele e através dele, e como o sintoma havia cessado ou atenuado, abrindo caminho para o mínimo de
estabilidade emocional e tranqüilidade, o que pode ser caracterizado como um estado dinâmico de equalização. Nestas
circunstancias, torna-se possível fazer qualquer devolutiva, orientação e/ou encaminhamento.

A awareness, outro conceito vinculado aos dois anteriores, pode ser percebido em todos os momentos em que os
sujeitos comunicaram e/ou se emocionaram em relação à situação mobilizadora de sofrimento. Os comportamento

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molar e molecular, podem ser observados em todos os atendimentos, tendo em vista que a comunicação humana, por
ser complexa, manifesta-se de diversas formas, principalmente através do corpo. O conceito figura-fundo é observado
nos momentos em que os sujeitos redirecionam o foco de atenção e energia dos sintomas físicos - o que no início do
atendimento é figura - para a situação mobilizadora - que no início estava no fundo. Assim, observa-se a dinâmica
presente na relação figura -fundo, que é mobilizada justamente pelo potencial auto-regulador de cada ser, que caminha
sempre no sentido de fechar situações inacabadas e, põe em evidência a verdadeira urgência. Dessa maneira, o que é
figura passa ao fundo e o que estava no fundo vai à figura.

Principais conclusões

Com base nisto, afirma-se que o vivido, relatado por pessoas que estão em circunstancias de urgência subjetiva,
especificamente, os sujeitos desta pesquisa, caracteriza a experimentação de uma necessidade que os mobilizou na
busca de satisfação, mas que, em algum momento desse percurso, encontrou barreiras - seja em si mesmos ou no meio -
para efetivamente encontrá-la. Fala -se no termo eficiência em função de que a pessoa poderá alcançar uma satisfação
parcial, substituta ou ainda ter a ilusão de. Contudo, o potencial de energia suscitado, não é equalizado e estabelece um
equilíbrio estático, que não promove mudança no seu campo perceptivo, gerando um sintoma que, inevitavelmente,
sinaliza um ajuste criativo disfuncional, uma gestalt aberta. Daí uma possível compreensão sobre o motivo pelo qual,
em muitos casos, como em uma síndrome do pânico ou em uma depressão, o sintoma ocupa o centro ou boa parte da
vida do sujeito, expressando-se por diversas vias, especialmente, o corpo.

Tanto a literatura pesquisada quanto às informações à que se chegou mediante a análise fenomenológica dos
atendimentos, corroboram a hipótese de que a necessidade de um atendimento de urgência subjetiva pressupõe a
vivência de um estado de crise e descontrole emocional que se reflete no corpo através de somatizações, as quais,
mesmo sendo apresentadas como queixa principal, não são, necessariamente, a figura que mobiliza dor e sofrimento,
fato que confirma outra hipótese levantada.

Afirma-se também, a viabilidade de conciliar o objetivo processual do trabalho em GT com o imperativo de uma
intervenção imediata, através da premissa de permeabilidade das fronteiras entre as sub-regiões ora mencionadas.
Acredita-se que em função dessa propriedade seja possível abordar a pessoa, de um modo não tanto abrangente e
profundo - como seria feito em uma psicoterapia - e ainda assim conseguir efeitos terapêuticos positivos, no sentido de
facilitar a mudança perceptiva desta, já que a intervenção do psicólogo, no momento em que agrega elementos e
perspectivas novas sobre a situação vivenciada, funciona como uma força, do meio externo, que atinge um - ou mais de
um - dos sub-campos dessa pessoa, modificando o potencial de energia atual, promovendo modificações em outros sub-
campos - inclusive nos mais profundos, dependendo da rigidez/fluidez dessas fronteiras. Isto porque sendo o indivíduo
uma totalidade, a mínima alteração em uma de suas partes, implica mudanças em todas as outras... E esse todo, que é o
sujeito da urgência, certamente será um todo qualitativamente outro, diferente.

Diante disso, uma intervenção que seja orientada por uma noção de saúde, baseada no movimento, na fluidez e no
contato criativo entre organismo -meio ambiente, considerando a doença um alerta de que algo está obstruído, estagnado
na existência do sujeito, sem perder de vista a precisão de um atendimento focal, é garantida, primeiramente, pelo olhar
diferenciado que se lança sobre os sintomas, percebendo-os não somente como indicativos de doença, mas, sobretudo,
como um sinal de que a pessoa está tentando tudo para encontrar equilíbrio e continuar existindo, mesmo que esse tudo
esteja limitando-a em suas possibilidades de se realizar, dia-a-dia, enquanto um projeto de si mesma. Esse modo de
olhar abre espaço para uma inversão daquilo que se tem por foco, já que este é direcionado para o ser como um todo e
não somente para os sintomas apresentados, sem, no entanto, perder de vista o sentido e o significado que estes têm na e
para a sua existência.

Depois, pela leitura daquilo que é a expressividade dos sentimentos e emoções - comportamentos moleculares - através
do modo como o sujeito fala, seu tom de voz, seu olhar, seus gestos, os quais se mostram para o psicólogo como um
caminho de acesso a real urgência subjetiva, dada pela figura mobilizadora. Portanto, sinalizar/pontuar para o indivíduo
o que se percebe enquanto comportamento molar é um dos instrumentais técnicos desta abordagem que conduz ao foco
do atendimento e, conseqüentemente à ampliação da awareness dessa pessoa.

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Isto posto, confirma-se a possibilidade de se desenvolver uma postura existencial-fenomenológica por parte do
psicólogo, sem esquecer as peculiaridades desse tipo de atendimento que, mais do que uma escuta especializada, impõe
a necessidade de se fazer orientações e impressões diagnósticas em um curto espaço de tempo. Isto se dá a partir da
atitude de submeter essas impressões à avaliação do próprio sujeito – que é o único que sabe de si mesmo -, buscando
verificar se elas fazem sentido para ele. O mesmo vale para as orientações, esclarecimentos e possíveis
encaminhamentos a serem efetivados, já que este procedimento, além de fazer parte do compromisso deste profissional
para com a promoção de saúde da pessoa em atendimento, demonstra um posicionamento que respeita a liberdade e a
responsabilidade do sujeito sobre seu bem-estar, pois ao ser informado sobre o que pode estar acontecendo, as chances
de os sintomas evoluírem para um estágio de morbidade ou cronicidade, bem como as possibilidades de tratamento, o
indivíduo passa a ter diante de si opções que poderão ou não se transformar em escolhas saudáveis.

Tal fato corrobora a última hipótese desta pesquisa acerca da fundamentação filosófica, teórica e conceitual da GT
como possibilidade para oferecer uma escuta breve, focal e, portanto, coerente com a realidade hospitalar e que
considere a pessoa como um todo, intervindo de modo a ampliar, o máximo possível, a awareness da situação imediata
em que vive, viabilizando atitudes em direção à busca de cuidados com a saúde físico-psíquica.

Desse modo, responde-se aos questionamentos suscitados, considerando, também, o fato de que o serviço de psicologia
oferecido nessa instituição não pode ser visto como superficial ou pouco eficaz, pelo fato óbvio de que as duas
modalidades de atuação - clínica e hospitalar - se diferenciam, dentre outros aspectos, pelo que se propõem a alcançar.
Em uma unidade de U/E, não se pretende fazer psicoterapia e sim, intervir de modo a possibilitar ao indivíduo
sustentação emocional necessária para que tenha clareza das circunstâncias de vida que favorecem seu estado de crise e
que se desdobre em conscientização, por parte do sujeito, acerca do que pode ser feito para obter melhora em relação à
situação atual. Daí a própria incompatibilidade, até mesmo, de se seguir os parâmetros de uma psicoterapia de curta
duração, já que esta pressupõe a realização de mais de um atendimento.

Assim, acredita-se que as considerações feitas até aqui, se configuram como contribuições da abordagem gestáltica para
os atendimentos de urgência subjetiva, ressaltando a possibilidade de manter uma atuação profissional que trabalhe os
níveis de auto-regulação organísmica-existencial, experiencial e experimental - e que esteja criativamente ajustada à
proposta de terapia de sessão única, no sentido de intervir para potencializar o valor terapêutico deste único encontro.

Percebe-se que, além de respostas, a pesquisa científica gera outras perguntas e, como uma tentativa de conclusão,
ressalta-se que, a própria modalidade de terapia constituída por uma única sessão, implica questionamentos: O quanto
de tempo se precisa para mudar, encontrar-se consigo mesmo, ser feliz? Que tipo de mudanças, a(s) resposta(s) a essa
pergunta pode gerar na prática do psicólogo em todos os seus campos de atuação?

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____________________
Recebido em 21/01/2009
Aprovado em 21/01/2009

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SUICÍDIO MAL-SUCEDIDO E PSICOLOGIA HOSPITALAR:
A NECESSIDADE DE INTERVENÇÃO PROFISSIONAL
Nilson Almeida Tiradentes Júnior1

RESUMO

O presente artigo tem como finalidade abordar a importância do trabalho do psicólogo hospitalar no atendimento aos
pacientes suicidas, enfocando a problemática social e familiar decorrente da tentativa de suicídio.

Palavras-Chave: Atuação Profissional, Psicologia Hospitalar, Suicídio.

INTRODUÇÃO

“Para a questão “suicídio”, os estudos quantitativos são indispensáveis; para a


pessoa suicida impõe-se uma abordagem histórica, individual, qualitativa.” (FEIJÓ,
1998, p. 102).

No cotidiano das instituições hospitalares, são muitos os motivos que levam os pacientes e seus familiares a procurarem
vagas para internação. Dentre esses motivos, encontra-se o suicídio mal-sucedido, pois traz repercussões e
conseqüências na saúde física, social e mental do praticante do ato - considerando o conceito da Organização Mundial
de Saúde (OMS), que defende a idéia de que a saúde integral de um indivíduo está relacionada ao seu bem-estar físico,
social e mental.

Atualmente, o suicídio pode ser considerado um problema de saúde pública, pois, “segundo estatísticas, temos a
estimativa de que mais de mil pessoas tiram a vida por dia em todo o mundo, e que mais de 10 mil tentam fazê-lo -
quase uma tentativa de suicídio por minuto. O pior nesse quadro alarmante é que as perspectivas são de que esses
números aumentem ainda mais. Existe um grande número de tentativas de suicídio que são escondidas ou falseadas nos
prontuários hospitalares, devido principalmente à omissão social do suicídio. É praticamente impossível detectar o
número exato de tentativas de suicídio que ocorrem diariamente, seja em razão do paciente fornecer dados falsos de
identificação, seja atribuindo uma causalidade acidental ao ato da tentativa de suicídio” (ANGERAMI-CAMON, 2004,
p. 56).

Sendo assim, o trabalho em equipe interdisciplinar torna-se fundamental, pois a maneira pela qual o indivíduo tentou
realizar o ato suicida indicará a aplicação dos tratamentos médicos e terapêuticos. Existem várias formas de suicídio.
Como exemplo, podemos citar: queda de lugares altos, intoxicações medicamentosas, ingestão de produtos tóxicos,
atropelamentos provocados, disparos com arma de fogo, enforcamento, entre outras. Em quaisquer dessas
possibilidades de tentativa de suicídio, a saúde física, social e mental do indivíduo pode ser comprometida, o que
automaticamente demanda o trabalho integrado e harmonioso da equipe de trabalhadores de s aúde.

“O trabalho em equipe, além de acrescentar conhecimentos e dividir ansiedades, favorece o surgimento de soluções. É
importante que o psicólogo busque sua integração na equipe, estando presente onde estiverem acontecendo os fatos”
(CAMPOS, 1995, p. 98).

Alamy (2003) aponta que o psicólogo hospitalar deve ter a capacidade técnica de trabalhar em interação com os
médicos e toda a equipe de saúde, respeitando o conhecimento de cada um e favorecendo espaço para que sejam
colocadas todas as opiniões (mesmo que sejam divergentes), em relação ao paciente – a fim de que possa haver um
consenso sobre quais são os cuidados a serem promovidos em cada processo de internação, e sobre como deve

1
Psicólogo, CRP 16-1015. Psicólogo clínico e hospitalar. Especialista em Saúde da Família pela Universidade Cândido Mendes (Rio
de Janeiro - RJ).

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acontecer a promoção de cuidados. Dessa forma, a atuação conjunta possibilita ao paciente ser atendido em seus
aspectos subjetivos e concretos sem ser fragmentado por cada profissional, oferecendo ao mesmo uma outra escuta para
seus sofrimentos.

No que se refere à atuação profissional do psicólogo hospitalar, Campos (1995) sugere que o conhecimento do doente
vai além do entendimento clínico da doença, pois abrange a pessoa como um todo - em sua história, suas aspirações,
seus medos e seu modo de adoecer. Assim, o diálogo com o psicólogo ajuda o paciente a sentir-se compreendido, aceito
e assistido integralmente, tomando consciência dos seus problemas, medos, fantasias e perdas, e refletindo sobre o
significado do seu adoecer. Nesse enfoque, o psicólogo hospitalar deve levar o indivíduo a conhecer (e a fortalecer)
suas potencialidades e possibilidades pessoais de lidar com situações de crise, no objetivo de evitar ou aliviar o
sofrimento psicológico de tais ocorrências.

Deve-se ressaltar que, dependendo da maneira que as pessoas próximas e familiares do paciente hospitalizado reagir à
tentativa de suicídio, pode se tornar necessário que o trabalho do psicólogo hospitalar se estenda a todos os envolvidos,
assim como pode ser preciso que o acompanhamento psicológico hospitalar tenha continuidade após o período de
hospitalização – tanto para o paciente, como para sua família e amigos. Cada caso é um caso (em suas particularidades e
características situacionais), e, por essa razão, as possibilidades de atuação profissional devem ser contextualizadas a
cada ocorrência - para que os resultados alcançados sejam satisfatórios e compensadores.

Romano (1999) revela que o indivíduo que busca cuidados nas instituições de saúde não é um ser isolado do seu
contexto vital – pois com ele vem a doença, a família e todas as implicações relacionadas a funções familiares e
necessidades adaptativas. Dessa forma, cabe ao psicólogo hospitalar compreender duas coisas: que é o conjunto de
pessoas que adoece e que se apresenta ao hospital procurando socorro.

Para Angerami-Camon (2004), o psicólogo deve estar aberto para um atendimento que possa abarcar o sofrimento dos
familiares, sem contudo se revestir de uma postura crítica a possíveis falhas no relacionamento familiar. O atendimento
hospitalar deve levar em conta que o ato do suicídio expõe a família a uma vulnerabilidade sequer tangenciada pela
razão. A catarse, fator importante nos processos psicoterápicos, adquire a condição de bálsamo cicatrizante das chagas
existenciais. Todos se fundem num sofrimento único, escorando na própria dor a indignação diante da precariedade da
condição humana, presente na violência da tentativa de suicídio.

Um aspecto muito importante da conduta do psicólogo no trabalho junto ao paciente vítima de tentativa de suicídio é a
estruturação de um trabalho multidisciplinar. A reflexão sobre aspectos inerentes ao suicídio e a sua significação na
existência humana são fatores primordiais na adoção de atitudes que possam abarcar a problemática do paciente de
modo abrangente. Uma compreensão dos aspectos globais do paciente será parâmetro para o êxito do trabalho
realizado. É necessária uma visão clínica na qual apenas o médico, os enfermeiros e eventualmente o psicólogo opinem,
mas também uma visão social, incluindo-se os aspectos da própria dificuldade socioeconômica e familiar desse
paciente. A inserção desses aspectos globalizantes na análise do caso elucidará os diversos fatores que contribuíram
para levar o paciente ao desespero da tentativa de suicídio, e assim ajudará a determinar o tratamento mais eficiente em
seu processo de recuperação. Inicialmente, o psicólogo poderá detectar possíveis condições emocionais que
contribuíram para o ato, mas é necessário que todos os outros aspectos sejam analisados para que o diagnóstico não se
perca em mero reducionismo teórico (ANGERAMI-CAMON, 2004).

Considerando o fato de o ato suicida ser intencional e emocionalmente significativo para o praticante (é a exteriorização
de uma vontade que acontece a nível subjetivo e singular), torna-se válido entender as causas psicológicas do suicídio;
os fatores sociais, econômicos e culturais que podem favorecer o ato e o impacto da ação no ambiente familiar; já que o
homem é um ser essencialmente social, e suas ações têm influência direta na transformação do ambiente onde vive –
quer seja na própria família, ou na sociedade. Nesse processo, a maneira de ser, agir e pensar dos homens também se
transforma; pois os fatos sociais contribuem para a formação de crenças, valores e parâmetros de comportamento
individuais.

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, a.5, n.9, fev.-jul. 2009. 15
As Causas Psicológicas Do Suicídio

“Não te irrites se te pagarem mal um benefício: antes cair das nuvens que de um
terceiro andar.” (ASSIS, 2004, p. 133).

Friedrich (apud Feijó, 1998, p. 40) afirma que “o suicídio é cometido quando o indivíduo sente-se incapaz de dominar
uma situação insuportável, tem a convicção que não pode sair dela, desespera-se pela perda de controle sobre o
ambiente; enfim, quando todas as maneiras de agir fracassaram. Seria assim que o suicida percebe o mundo, pensa,
interpreta suas experiências internas e externas. O pensamento é rígido, o campo de conceituação estruturado.”

Na opinião de Craig (1991), existe um estilo cognitivo particular que distingue os pacientes suicidas, entendendo estilo
cognitivo enquanto forma habitual de associar idéias e utilizar a inteligência para resolver problemas. Em primeiro
lugar, seu pensamento tende a ser rígido – não desenvolvem facilmente soluções alternativas para os problemas. Eles
são incapazes de arregaçar as mangas e partir para a luta. Carecem de flexibilidade e perspectiva; e essa rigidez leva ao
uso de uma palavra que os pesquisadores procuram evitar: único – é a única saída, a única coisa a fazer.

Quando tal rigidez é acompanhada de dois sentimentos comumente encontrados nos sujeitos propensos ao suicídio –
desesperança e desamparo – há fundamentos para uma preocupação maior com relação ao risco de suicídio. A
desesperança implica na ausência do otimismo que leva a crer que a situação pode melhorar, e tudo se torna sombrio e
triste.

Expectativas excessivas também podem aumentar a probabilidade do fracasso e dos sentimentos de desamparo. O
perfeccionismo freqüentemente acompanha a rigidez e é uma característica regularmente encontrada nas pessoas
ansiosas por realizações que apresentam comportamento suicida.

A raiva é um resultado freqüente de contínuos sentimentos de desamparo e descrença. Uma vez que a passividade é
muitas vezes uma função da rigidez e do desamparo, a raiva não pode ser expressa abertamente.

A pessoa suicida pode dirigir sua raiva contra si própria, depois que outros mecanismos de vazão foram bloqueados pela
perda do controle e pelo medo da resposta desconhecida do verdadeiro alvo da ira – resultando então o “auto-
assassinato”.

A ação suicida (e a tentativa de suicídio) pode acontecer associada à ocorrência de quadros psiquiátricos que trazem
grande sofrimento psíquico, como: depressão, esquizofrenia paranóide, transtorno bipolar de humor, entre outros. No
entanto, para haver entendimento adequado do tema em seus aspectos clínicos e motivacionais, torna-se necessário
compreender o suicídio a nível individual e particular, ou seja, o suicídio pelo praticante – o ser subjetivo e
idiossincrático que encerra suas razões ao intencionar e executar o ato.

Os Fatores Sócio-Econômico-Culturais Relacionados Ao Ato Suicida

“Modernamente, o suicídio não deixou de ser entendido como um ato pessoal, como
ação do indivíduo. Contudo, sua significação ultrapassa – na atualidade – aqueles
que o protagonizam para envolver a comunidade em cujo seio ocorre. Em cada
sujeito que se mata fracassa uma proposta comunitária. Não se trata apenas do
derrubar de uma esperança pessoal. Trata-se também da inviabilidade de um projeto
coletivo posto ao indivíduo e elaborado por ele através da família, a educação e o
trabalho. Ali onde os suicídios são freqüentes e numerosos cabe reconhecer que se
está ante uma sociedade com um alto potencial autodestrutivo. Com isso queremos
dizer que assim como há uma profunda correlação entre a pessoa que se mata e a
família dessa pessoa, assim ela também existe entre esse sujeito e a sociedade em que
vive e morre.” (KALINA, 1983, pp. 64-65).

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Segundo Kalina (1983), vivemos atualmente num estado de cultura tóxica, que contamina e intoxica a vida dos
indivíduos e dos grupos – levando a condutas autodestrutivas. Vícios legais como o álcool e o cigarro (e o consumo de
substâncias ilícitas), stress, preocupação excessiva com o aumento de bens materiais e prestígio, dificuldades
econômicas e políticas de governo desfavoráveis são, entre outros males, elementos que provocam amargura e desgosto.
Nessa dimensão, o indivíduo não se mata no ato suicida, e sim termina de morrer – pois se autodestrói continuamente.

“Uma cultura tóxica se suicida ao viver como vive; é vivendo como vive que diariamente se mata uma sociedade onde
predominam as formas tóxicas de existência. A existência tóxica, em suma, vive daquilo que a aniquila” (KALINA,
1983, p. 41).

Ainda sobre o assunto, Kalina (1983) sugere que, principalmente nos centros urbanos, acontece um fenômeno de grande
importância para a compreensão do tema – A Despersonificação Urbana Contemporânea. Assim, a sociedade que
contribui para a despersonificação (perda da identidade) de seus integrantes fomenta a proliferação de práticas suicidas.
Segundo este autor (1983), podemos considerar como fatores que levam à despersonificação:

1) Status E Agressividade – “nas sociedades capitalistas, nas quais o espírito competitivo é objeto de constante
estimulação, a agressividade frente aos demais assume características especialmente afirmativas. Mas aí onde há
competência e onde a dose de violência pessoal, unida a uma série de fatores complementares determina a quota de
poder que cabe a cada um, nós também encontramos, permanentemente, o reverso daqueles que triunfam, ou seja, os
perdedores” (KALINA, 1983, p. 88).

“O perdedor é, por essência, um desqualificado. Alguém cujo volume de agressão foi superado pelo de outro. Por isso,
restam duas possibilidades ao homem que perde: ou elege concorrentes sobre os quais seu poder de agressividade é
suficientemente grande para redimi-lo de seus fracassos prévios, ou então volta seu potencial agressivo contra si
mesmo” (KALINA, 1983, pp. 88-89).

“Pois bem: enquanto a agressão contra o outro implica uma esperança – a do triunfo gratificante, a agressão exercida
contra si mesmo é o resultado da dissolução da auto-estima. Expressão extrema desse caso é o suicida. O homem que se
mata, tenta libertar-se de uma ausência intolerável – a falta de preparo emocional para lidar com os fatos angustiantes.
O suicídio é hoje a expressão radical de uma crise de despersonificação” (KALINA, 1983, p. 89).

“A auto-agressão possui matizes incontáveis. Pode traduzir-se numa úlcera, o consumo de quarenta ou mais cigarros
diários, a ingestão de álcool em quantidades abusivas, o trabalho mecânico e sem limite, ou excessos na comida. E
também pode assumir a forma terminante de um disparo na própria cabeça. Mas seja qual for a manifestação que tenha,
o suicídio – pólo catastrófico da auto-agressão – constitui a expressão final de um mecanismo atrofiado: a agressividade
sobre o próximo entendido como objeto externo. Com seu comportamento, o suicida manifesta conformidade com o
veredicto que decretou seu fracasso social: não há lugar para ele. Através da morte redime seu ser da frustração de ser”
(KALINA, 1983, p. 89).

2) A Solidão Citadina – o crescimento demográfico nas cidades auxilia a expansão da despersonificação. As relações se
tornam cada vez mais distantes e os homens aprendem a passar mais horas entre desconhecidos do que entre
conhecidos. Esse distanciamento intensifica a inumanidade dos vínculos e a irrelevância que a vida do próximo ganha
para cada um.

O específico a essa deterioração é a volatilização (desconsideração e menosprezo) do próximo. O outro se converte num
objeto, um meio para se atingir um fim, e tais relações inautênticas resultam no sentimento de solidão, pois não há
contato e compreensão sincera.

3) As Leis Do Mercado Econômico E A Despersonificação – o valor do homem, na sociedade regida por leis
econômicas, é diretamente proporcional ao requerimento quantitativo que se faz dele. Se ele consegue impor

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constantemente seu produto (e já sabemos que esse produto pode ser ele mesmo), triunfará. Se seu produto está fora das
leis que regem a oferta e a procura, produz-se seu aniquilamento. A auto-estima, por sua vez, subordina-se inteiramente
ao êxito social.

Dessa forma, o sentimento do Eu não advém mais da autoconfiança nas próprias convicções e do valor próprio, mas sim
da avaliação conferida pelo meio externo – o indivíduo passa a se ver e a se valorizar limitando-se somente ao status
que recebe.

4) Suicídio Nas Sociedades Opulentas – por sociedade opulenta, entende-se uma cultura na qual as instituições
fundamentais e suas relações (ou seja, sua estrutura) são de tal índole que não permitem a utilização dos meios materiais
e intelectuais existentes para o desenvolvimento ótimo da humanidade.

Assim, aparece o trabalho alienado (na qual o trabalhador não se sente agente total de sua produção, e explorado) e o
consumismo exacerbado, para a manutenção do poderio das classes abastadas. Não existe emprego efetivo e igualitário
dos recursos disponíveis, pois, para a perpetuação dessa sociedade, é necessário que algumas classes sejam exploradas
para o crescimento de outras.

5) Subestimação Na Intelectualidade Ocidental Contemporânea – pela excessiva manipulação das informações


transmitidas na mídia e nos meios de comunicação, os cidadãos perdem a capacidade de fazer uma le itura crítica e
questionadora dos fatos que acontecem em seu meio. O espírito crítico dá lugar à conformidade e às idéias alienadas – a
liberdade de pensar, nesse caso, é suprimida, e o indivíduo torna-se mero repetidor dos conceitos equivocados que lhe
são passados - o que acarreta grande sofrimento psíquico a nível individual. Por trás desse quadro, há o interesse em
manter o funcionamento social vigente – que beneficia alguns segmentos e hierarquias sociais.

Feijó (1998, p. 13) comenta que “é inegável que a cultura influencia a visão de morte de um indivíduo, a maneira como
este a teme ou a deseja. A partir dessa visão que a pessoa tem da morte a sua conduta com relação ao suicídio pode ser
muito diferente.”

De acordo com Durkheim (2000), a imitação é um fenômeno que sempre pode induzir ao ato suicida. Pessoas que
compartilham experiências em comum num mesmo contexto social desenvolvem formas específicas de lidar com
problemas e frustrações. Dessa maneira, o suicídio pode ser considerado uma solução viável e aceitável para colocar
fim ao sofrimento presente.

Conforme Durkheim (2000) diz, as causas sociais (e a forma como o indivíduo se relaciona com a sociedade na qual
vive) incitam principalmente três formas de suicídio. São as seguintes:

A primeira é o suicídio egoísta (ocasionado pelo interesse excessivo em tratar dos próprios interesses): processo
estimulado por um isolamento exagerado do indivíduo com relação à sociedade, que o transforma em um
marginalizado, um “solitário”, que não possui laços suficientemente sólidos de solidariedade com o grupo social.

A segunda é o suicídio altruísta (ocasionado pela dedicação excessiva ao próximo): ocorre quando o indivíduo está
extremamente ligado à sociedade e não consegue desligar-se dela. Não há distanciamento e separação entre os valores
pessoais e aqueles pertencentes ao ambiente. Podemos notar essa conduta nos indivíduos que se matam em nome de um
ideal maior, como os kamikazes e os homens-bomba.

A terceira é o suicídio anômico (acontece pela falta de parâmetros sociais que são amplamente aceitos): o suicida por
anomia é aquele que não soube aceitar os limites morais que a sociedade impõe; aquele que aspira a mais do que pode,
aquele que tem necessidades muito acima de suas possibilidades reais, e cai, portanto, no desespero.

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No âmbito geral, podemos notar algumas evidências no perfil comportamental do suicida. Esse costuma agir de maneira
caótica (confusa e desordenada) e desorganizada – o que acarreta a sensação de estar sendo incompreendido e rejeitado
nos relacionamentos interpessoais. Assim, o sistema de apoio social se fragiliza, trazendo mais desprazer ao sujeito.

Angerami -Camon (1997, p. 24) revela que “a pessoa que recorre ao suicídio na maioria das vezes em sua busca não
almeja o desaparecimento real e fatídico, e sim um possível paraíso, a reencarnação, o crime, o castigo, a fusão com o
todo. É muito difícil afirmar que a pessoa que recorre ao suicídio busca a morte. E embora tal colocação pareça revestir-
se inclusive de erro semântico, percebemos que a busca do suicídio é muito mais um desejo de resolver determinados
conflitos bem como o emaranhado de sofrimentos em que muitas vezes a existência se encontra. A morte surge como
seqüência, e não busca deliberada.”

Considerando tais fatores sócio-econômico-culturais, percebe-se a relevância desses para a prática da ação suicida, e,
principalmente quando esses atuam em conjunto e em processo de retro alimentação (onde um fator favorece a
continuidade do outro), o ato suicida tende a ser consumado produzindo o efeito conseqüente - a morte real e imediata.

O Impacto Do Ato Suicida No Meio Familiar

“O suicídio é um fenômeno que ao se manifestar não atinge apenas a vítima, mas


seus familiares e amigos próximos. Ou seja, sua ocorrência atinge a todos que direta
ou indiretamente convivem com a vítima.” (KALINA, 1983, p. 37).

No que tange ao assunto “suicídio”, devemos considerar também a repercussão do ato na família do indivíduo, pois toda
mudança no meio familiar, conforme descrito por Carter e McGoldrick (2001), gera certo grau de estresse e ansiedade
nos membros de uma família, e tal fluxo de ansiedade possui dois eixos, o “vertical” e o “horizontal”. O fluxo vertical é
constituído pelos padrões de relacionamento e funcionamento que são transmitidos de uma geração a outra. Inclui todas
as atitudes, tabus, expectativas, rótulos e questões opressivas familiares com as quais nós crescemos. Tais eventos
repercutem no desenvolvimento da personalidade das pessoas e são de ordem predizível, já que são previstos e até
esperados na vida familiar, pois cada geração deixa um legado a ser transmitido para as próximas gerações.

No fluxo vertical, de acordo com Carter e McGoldrick (2001), estão os eventos impredizíveis e inesperados, cujo
acontecimento provoca modificações importantes na vida dos integrantes de uma estrutura familiar. Por exemplo: o
suicídio de um membro (ou a tentativa de suicídio), o nascimento de uma criança deficiente, uma doença crônica, uma
guerra, entre outros.

Carter e McGoldrick (2001, p. 12) acreditam que “(...) o grau de ansiedade gerada pelo estresse nos eixos vertical e
horizontal, nos pontos em que eles convergem, é o determinante-chave de quão bem a família irá manejar suas
transições ao longo da vida.” Embora toda mudança seja estressante até certo ponto, quando o estresse horizontal faz
uma interseção com o vertical, automaticamente acontece um aumento considerável de ansiedade no sistema, e cada
família irá lidar com essa ansiedade da maneira que se fizer possível - em resposta às mudanças ocorridas, e às novas
necessidades que consequentemente aparecerão.

“Além do estresse “herdado” das gerações anteriores e daquele experienciado enquanto avançamos no ciclo de vida
familiar, existe, é claro, o estresse de viver nesse lugar, nesse momento. Não é possível ignorar o contexto social,
econômico, político e seu impacto sobre as famílias movendo-se através de diferentes fases do ciclo de vida em cada
momento da história” (CARTER E MCGOLDRICK, 2001, p. 12). Existem discrepâncias imensas nas circunstâncias
econômicas e sociais entre as famílias na nossa cultura, e tais diferenças podem inclusive motivar o ato suicida,
dependendo da maneira como os indivíduos experienciam a própria existência.

CONCLUSÃO

Por ser um evento de ordem imprevista e inesperada, a ação suicida (mesmo quando não resulta em morte) gera uma

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grande ruptura no equilíbrio familiar e social por não envolver nenhum tipo de preparação emocional e intelectual para
a situação, ruptura essa que pode inclusive dificultar a adaptação do paciente hospitalizado no retorno à vida cotidiana.
Nessa dimensão, é que se faz útil o acompanhamento psicológico intra e extra-hospitalar para as pessoas que tentaram
cometer suicídio (assim como para os familiares e amigos), em consideração às necessidades de promoção de cuidados
que se fizerem presentes em cada caso.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALAMY, Susana. Ensaios de Psicologia Hospitalar – a ausculta da alma. Belo Horizonte: [s.n.], 2003.

ANGERAMI-CAMON, Valdemar Augusto. Suicídio: fragmentos de psicoterapia existencial. São Paulo: Pioneira,
1997.

ANGERAMI-CAMON, Valdemar Augusto. Tendências em psicologia hospitalar. São Paulo: Pioneira Thomson
Learning, 2004.

ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Editora Martin Claret, 2004.

CAMPOS, Terezinha Calil Padis. Psicologia hospitalar: a atuação do psicólogo em hospitais . São Paulo: EPU, 1995.

CARTER, Betty; MCGOLDRICK, Monica. As mudanças no ciclo de vida familiar: uma estrutura para a terapia
fami liar. 2ª ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 2001.

CRAIG, Robert John. Entrevista clínica e diagnóstica. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991.

DURKHEIM, Émile. O suicídio – estudo de sociologia. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

FEIJÓ, Marcelo. Suicídio: entre a razão e a loucura. São Paulo: Lemos Editorial, 1998.

KALINA, Eduardo; KOVADLOFF, Santiago. As cerimônias da destruição. São Paulo: Lemos Editorial, 1983.

ROMANO, Bellkis Wilma. Princípios para a Prática da Psicologia Clínica em Hospitais . São Paulo: Casa do Psicólogo,
1999.

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Recebido em 03/11/2008
Aprovado em 20/11/2008

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LUTO, PESAR E PERDA
Danielle Silva Veiga1

Segundo Hernandez (2001), se chama luto, a resposta emocional em relação a uma perda, que engloba pensamentos,
sentimentos e comportamentos, dentro da enorme variedade cultural e institucional. Quando falamos de “perda”,
estamos nos referindo, a uma situação real ou percebida, onde um objeto ou pessoa valiosa, estão fora de alcance.

Ainda segundo este autor, a primeira experiência de perda é o nascimento. Perda do ambiente protegido, perda da
simbiose, etc. E a última perda é a morte, grande desconhecida. O autor destaca a divisão entre perdas reais e
percebidas, enfatizando que uma perda percebida pode ser muito mais sentida que uma perda real, tudo depende do
investimento afetivo naquele objeto.

Nasce-se e morre-se a cada dia para novos estilos de vida, novos projetos, entre outros, mostrando que o luto, em seus
diversos graus de intensidade, é uma constante ma vida do ser humano. O que caracteriza a patologia do luto e da perda
é a imobilidade que paralisa o sujeito e transforma um processo de crescimento e maturação da personalidade, em
sofrimento.

Um erro dos profissionais de saúde é crer que a morte é uma crise. Esse pensamento faz com que se creia que uma
intervenção breve possa solucionar o problema do luto, quando ele é um processo muito mais complexo, que depende
de muitas variáveis e que não deve ser excessivamente minimizado. A atitude mais correta seria a de observar a reação
do enlutado e permitir sua livre expressão de sentimentos, fornecendo suporte e continência à suas angústias, além das
informações que se fizerem necessárias (Hernandez, 2001).

O luto pode ser também percebido como processos emocionais pontuais e sem ordem pré estabelecida, que surgem
quando a perda acontece e se desenvolvem até o fechamento da “ferida” psicológica, processo que dura para a maioria
dos autores, entre seis meses e dois anos (Hernandez, 2001).

O luto é um processo de restauração e fortalece a personalidade, facilitando o enfrentamento de futuras perdas. Há duas
teorias principais sobre o processo psicológico do luto: a primeira, concebida por Otto Rank, que diz que o luto é uma
ansiedade de separação e revivência do trauma do nascimento. A segunda, mais aceita e defendida por Bowlby e
Parkes, afirma que o luto é resultado dos apegos afetivos. A dor é o preço que se paga pelo amor. Esta segunda teoria
será discutida mais adiante quando os autores forem abordados separadamente (Hernandez, 2001).

Segundo Franco (2002), pesar é: “ um complexo de pensamentos e sentimentos sobre a perda, que são vivenciados
internamente” (p.1), enquanto que luto é “o pesar tornado público.” (p.1). Esta é uma distinção fundamental quando
fala-se em Psicologia do Luto.

Ainda segunda esta autora, alguns mitos permeiam o imaginário popular, sendo um dos mais fortes, o de que o pesar
deve ter um final. Final este entendido como recuperação, resolução completa das manifestações do luto. O pesar e o
luto fazem parte de um processo e não são momentos estanques. Aos poucos o enlutado vai percebendo a realidade da
perda e se movendo de uma outra forma pela vida, fazendo uma reconciliação com esta e reorganizando sua vida. A
pessoa amada nunca será esquecida porém o enlutado poderá viver sem sua presença física, retomando seu dia a dia
com as devidas adaptações e um propósito renovado. Porém, muitos fatores interferem nesse processo e no seu
desenvolvimento, sendo o mais importantes: a natureza da relação com o falecido, circunstâncias da morte, sistema de
apoio social, personalidade do enlutado e do falecido, contextos cultural e religioso, crises vitais do enlutado, gênero e
rituais de luto (Franco, 2002).

Kitzinger (1985) concorda com esta opinião, afirmando que o luto nunca desaparece por completo e esta experiência se
integra na vida do enlutado modificando sua personalidade. A autora cita algumas etapas pelas quais o enlutado pode

1
Psicóloga formada pela UFRJ. CRP 05/31191.

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passar como: choque e letargia, negação, sensação de irrealidade, sensação de estar enlouquecendo, desorientação,
culpa e “controle automático” e cólera. O luto viria em ondas, primeiramente com uma carga sentimental muito forte e
avassaladora que teria um alívio e mais tarde voltaria de forma forte novamente. O luto não é estado emocional estável
e sim um processo variável. A autora também destaca a função do luto de preservar o vínculo com a pessoa falecida
através de seus pensamentos e lembranças.

O corpo também reage ao luto. As manifestações mais comuns confundem-se com as de estresse crônico e depressão. A
imunidade do organismo baixa e a pessoa fica mais predisposta a doenças. Pode surgir sensação de aperto na garganta,
suspiros e soluços, falta de ar, fraqueza, suor frio, dificuldade de dormir, reações alérgicas, enxaquecas, problemas
menstruais, entre outros. Um aspecto importante é a vida sexual no luto. A maioria das pessoas pensa que o enlutado
não deve ter desejo sexual pois seria um desrespeito ao falecido (não só o sexo mas qualquer manifestação de alegria).
Na prática, embora a maioria das pessoas realmente tenha uma baixa de libido porque sua energia está concentrada no
luto, outras podem ter seu desejo sexual aumentado como forma de fugir da realidade dolorosa ou para buscar sensação
de segurança e proteção nos braços do parceiro. O sexo pode tomar o lugar de palavras de consolo. Esta necessidade
sexual aumentada pode trazer culpa pois não é socialmente aceita (Kitzinger, 1985).

O luto é também uma forma de proteção contra o vazio da perda, portanto, não é incomum que algumas pessoas
queiram prolongar o luto indefinidamente. No entanto, o processo normal de luto pode ser perturbado também por
imposições externas. Como já foi comentado no item anterior, a sociedade atual suprime a manifestação de quaisquer
emoção mais vívida e o enlutado pode ser excluído socialmente caso manifeste dor psíquica após o tempo “suportável”.
Muitas vezes as pessoas impõem um tempo de luto, normalmente até uma semana após o enterro, quando as cobranças
de se retomar a vida normal começam. O choro do enlutado traz impaciência, reações de raiva ou tentativas
desesperadas de consolo, culminando com o afastamento.

A experiência de luto é única. Mesmo o primeiro luto vivido por alguém, não será igual ao segundo. A pessoa enlutada
deve passar por essa experiência sozinha, mesmo que tenha apoio social, precisa se reorganizar psicologicamente.

O luto reprimido não é curado, permanece desenvolvendo efeitos negativos sobre quem o reprime. Pode aparecer sob a
forma de doenças orgânicas ou psicológicas ou ainda permanecer silencioso até o dia em que seja possível se
manifestar. Um exemplo é o caso da pessoa que não chora por uma morte e anos depois, quando morre uma segunda
pessoa querida, chora pelas duas, ou das pessoas que choram no enterro de pessoas que mal conheceram ou choram
aparentemente sem motivo. O preço que se paga por evitar uma dor, é a diminuição da capacidade de sentir, podendo
ser manifesta, por exemplo, pela incapacidade de manter relacionamentos íntimos (Kitzinger, 1985).

Menezes (2004), atuando como observadora no Hospital de Cuidados Paliativos pertencente ao INCA, afirma que o
objetivo do trabalho de luto da família, é transformar a dor em saudade. O falecido jamais será esquecido, sua
lembrança dolorosa deverá ser transformada em algo positivo. É enfatizada também a importância da reconciliação
entre o falecido e seus parentes/amigos, quando possível antes da morte, pois ameniza a ambivalência da relação e faz
com que a culpa pós óbito diminua, facilitando o processo do luto. Um ambiente acolhedor onde o enlutado possa falar
sem ser censurado, funcionaria como facilitador do processo.

Maria Helena Pereira Franco, ao ser entrevistada pela revista Isto É , em 1999, afirma que a morte ainda é vista pela
sociedade como um castigo. Os que sobrevivem costumam ter pena daquele que morreu, como se quem possui virtudes
não merecesse a morte. Outro ponto importante abordado na entrevista é a questão do luto não franqueado,
caracterizado como aquele não aceito socialmente, visto como um não evento, como a morte de um bichinho de
estimação, um aborto espontâneo, a imigração, entre outros. O luto não franqueado não deve ser expresso porque é mal
recebido e isto dificulta a elaboração de perdas que são significativas para a pessoa. Maria Helena ressalta ainda que
nem sempre o tempo é o melhor remédio para o fim do luto, o tempo pode tornar o luto crônico e ter consequências
devastadoras para a pessoa. A entrevistada postula o tempo do luto máximo como um ano mas afirma que não há regra
fixa e que cada pessoa tem o seu próprio tempo.

Dance e Vyse (2004), conceituam o luto como “Os sentimentos e reações que temos quando perdemos algo ou alguém
importante ou significativo para nós”(p.1). Os autores afirmam que o luto não é experienciado apenas quando perde-se

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uma pessoa querida mas em vários tipos de perda como: morte de um animal de estimação, perda do emprego, término
de namoro, mudança de casa, saída de casa, perda da saúde ou perda de um sonho. O luto seria um processo
indispensável para a retomada da vida. Os autores postulam as seguintes fases para o luto normal:

Choque, descrença: O enlutado pode estranhar a sensação de que não está sentindo nada, nem dor, nem saudade, apenas
uma paralisação. Esta reação protege do desequilíbrio emocional que poderia ser causado pelo impacto da notícia.

Saudades: o enlutado pensa todo o tempo na pessoa que se foi. Pode ter sonhos constantes ou achar que viu a pessoa
amada na rua.

Culpa e Arrependimento: A fase onde a pessoa se sente culpada por estar viva e pensa que poderia ter feito alguma
coisa para evitar a morte.

Raiva: A raiva pode se dirigir aos médicos que não puderam curar a pessoa, ao próprio morto por ter abandonado o
enlutado, a outrem por estar insensível á morte.

Solidão: Fase onde a pessoa se sente incompreendida, como se ninguém pudesse vivenciar aquela dor junto com ela ou
entender o que se passa.

Depressão: Fala-se aqui da depressão clínica, tal como caracterizada pela Psiquiatria, onde há falta de interesse pela
vida no geral, falta de apetite e sono, cansaço, desespero e tendências suicidas.

Alívio: Ocorre quando a pessoa falecida estava interferindo negativamente na vida do enlutado, por exemplo, o
enlutado tinha que fornecer cuidados médicos ao doente, pagar suas contas ou se era maltratado por este.

Injustiça: Se confunde um pouco com a raiva. A pessoa entende que o falecido não fez nada de ruim para merecer a
morte e o sofrimento.

Os autores ainda colocam como prazo para o luto normal, até dois anos.

O luto patológico foi descrito pela primeira vez por Lindemann em 1944, em artigo para o Jornal Americano de
Psiquiatria. O autor descreveu este tipo de luto como merecendo uma intervenção mais agressiva. Os sintomas
preditivos do luto complicado seriam: maior grau de disfunção orgânica, síndromes depressivas e ansiosas e duração de
anos.

Prigerson e Jacobs (2001) aprofundam o tema do luto complicado ou patológico. O luto normal seria aquele que move o
sobrevivente à aceitação da morte e à habilidade de continuar vivendo. Algumas características que apontariam o bom
desenvolvimento desse processo seriam: a vida ainda ter sentido, uma boa auto-estima, senso de auto-eficácia,
confiança nos demais e habilidade de reinvestir em outras relações.

Os autores dividem as fases do luto da seguinte forma:

Choque: Normalmente trazendo surpresa ao enlutado, de perceber o quando de dor se sente em um luto. Acompanha
confusão mental e desorientação, podendo culminar com um estado dissociativo e funcionamento em “piloto
automático” (sem raciocinar).

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Angústia de Separação: Pensamentos insistentes sobre o falecido. A pessoa se torna desligada do mundo exterior.
Tempos depois podem aparecer os sintomas de estresse agudo.

Negação da Perda e Evitação da Mudança: Apesar desta fase ser normal, os autores afirmam que os enlutados com
padrão de personalidade evitativo, tendem a ter maiores dificuldades da conciliação do luto.

Raiva: Pode ser sentida por conta do abandono do falecido. A hostilidade é normalmente dirigida à equipe ou ao
sistema de saúde por não ter conseguido curar o paciente.

Culpa: Pode surgir culpa pelo que poderia ter sido ou não feito em favor do paciente. Pode culminar em depressão ou
tendências suicidas.

Para os autores, luto intenso após 6 meses da morte, é um preditor de complicações psicológicas.

Para Rando (1993 apud Domingos e Maluf , 2003), as características mais marcantes do luto patológico seriam:
evitação de certos aspectos ou de toda a perda e resistência em se desligar do falecido, que pode ser demonstrada em
uma imitação de seus trejeitos ou fala, por exemplo, o que é saudável até certo ponto. Segundo a autora, além das
manifestações físicas e psicológicas já citadas, o luto patológico pode também levar à morte.

Domingos e Maluf (2003) em uma pesquisa com adolescentes enlutados, encontraram alguns fatores que segundo os
sujeitos da pesquisa, dificultam a expressão dos sentimentos de pesar. Os principais são: sensação de não ser
compreendido, tentativa de poupar os outros de sua dor, dificuldade de lidar com afetos, evitação da perda, inibição
quando da tentativa de conversar com alguém, família fechada e pouco afetiva ou com estilo de negação de
sentimentos.

Engel (1977) problematiza o luto enquanto doença, como é caracterizado por alguns. Segundo o autor, o luto não se
encaixa na definição tradicional de doença. É uma reação psicológica normal a um fator claro: uma perda significativa.
Constantemente as pessoas procuram o médico com sintomas vagos que não associam a nenhuma perda, e buscam
alívio para tal. Na maioria das vezes, o médico não reconhece os sintomas do luto e medica com algum paliativo. O
autor enfatiza a importância da concepção biopsicossocial, que traria muitos benefícios para ambos os lados. Sendo
contemplados também os aspectos psicológicos e sociais, o diagnóstico do luto se tornaria mais fácil, assim como o
encaminhamento para profissionais mais adequados.

Para Casarett, Kutner e Abrahm (2001), a palavra luto descreve uma resposta multifacetada para a perda. A discussão se
o luto é ou não uma doença seria muito importante, porém, uma fonte de distração para a Medicina, que continua
deixando esta questão de lado. Principalmente no que diz respeito às doenças físicas desencadeadas pelo estresse que o
luto desencadeia.

Os autores conceituam diversos tipos de luto. Entre eles estão:

Luto Antecipatório: É o processo onde família e amigos se defrontam com a possibilidade de perda de uma pessoa
querida. Seria uma síndrome multidimensional com os seguintes sintomas: raiva, culpa, ansiedade, irritabilidade,
tristeza, sentimento de perda e queda do funcionamento normal.

Luto Agudo: Experimentado como uma reação dramática e perturbadora de estresse agudo. Pode incluir: negação,
choro intenso, ansiedade, torpor, senso de desrealização e sintomas somáticos. O enlutado fica bastante agitado e
desesperado pois acaba de receber a notícia da perda.

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, a.5, n.9, fev.-jul. 2009. 24
Luto Complicado ou Depressão: Marcado por uma impossibilidade de voltar aos padrões pré-perda ou estado de bem
estar emocional. Necessita frequentemente de psicoterapia ou aconselhamento no luto (ver último capítulo). Os
sintomas depressivos podem ter início até dois meses após a perda e persistir por vários meses. Grupos de risco seriam:
pessoas jovens, mulheres e pessoas com pouco suporte social. O luto patológico pode ser difícil de ser reconhecido
porque cada pessoa tem sua forma e seu tempo de luto.

Ainda acerca dos tipos de luto, Mello Filho (1989), conceitua o chamado “Luto Corporal”, ou seja, um luto que não se
manifesta psicologicamente mas que aparece sob a forma apenas de sintomas físicos. Um exemplo seria um homem
saudável cujo pai morre de diabetes, e o filho adquire diabetes emocional no período de luto, ficando curado após o
término deste.

O diagnóstico do luto normal pode ser feito comparando o padrão de personalidade pós-perda com o padrão inicial e
com suas reações em lutos anteriores, além de acompanhar o processo para ver se a pessoa está retomando suas
atividades e interesses normais.

O luto seria uma reação complexa e multidimensional, imprevisível, de caráter recorrente e flutuante e de intensidade
geralmente decrescente, concordando com a opinião de autores citados anteriormente.

Para Melo e cols. (2004), a construção da personalidade prossegue enquanto em cada trabalho de luto, as perdas são
reconstruídas e ressignificadas. Perda e ganho são duas faces da mesma moeda. Silva (2003), além de concordar com
este comentário, acrescenta que os profissionais devem estar atentos a dois componentes normais de toda perda: a
resposta emocional e a interrupção de atividades normais. Avaliando o grau de paralisação nestas duas áreas, qualquer
intervenção deve ser feita de forma clara e honesta. O objetivo é atingir uma prevenção, a prevenção do luto patológico.
Se possível, deve haver uma despedida daquilo que foi perdido e o psicólogo deve estar atento às fantasias do enlutado
para baixar os níveis de ansiedade especialmente relativos à culpa percebida. O psicólogo pode se aliar a um membro
mais forte para atingir toda a família de luto, contando com seu auxílio para ter abertura com os demais membros.

Devem-se tecer alguns comentários sobre o impacto do luto nos familiares. Todo diagnóstico grave afeta não só o
paciente como familiares e amigos (o núcleo social da pessoa). A demanda psicológica dos familiares pode por vezes
superar as do paciente. Nestes casos, surge a ansiedade familiar que pode se tornar de difícil manejo. É importante que o
psicólogo faça o diagnóstico das pessoas envolvidas no processo de morte e luto, para detectar aquelas que têm
prioridade na intervenção.

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Recebido em 16/05/2006
Aprovado em 16/05/2006

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ATENDIMENTO PSICOLÓGICO A PACIENTES COM DOENÇAS CRÔNICAS NO
CONTEXTO HOSPITALAR E AS REAÇÕES IATROGÊNICAS
Maria Del Carmen Garcia Lima 1

Em primeiro lugar, considero relevante trazer uma explanação sobre o termo doença crônica para que o leitor possa
situar-se: trata-se de doença não curável, mas que pode ter seus sintomas e sinais amenizados por meio de cuidados
específicos. A hipertensão e o diabetes são exemplos de doenças crônicas amplamente conhecidas e divulgadas
atualmente.

Vale lembrar que é a doença que se cronifica, embora com a terminologia paciente crônico, incentivemos a pessoa a
fundir-se com seu quadro clínico, compondo uma unidade que muitas vezes se fortalece e influencia seu funcionamento
psíquico.

É claro que lidar com uma patologia que irá acompanhar um indivíduo para o restante de sua existência não é algo fácil
de aceitar e lidar. Entretanto, é possível contribuir, minimamente que seja, para levar um paciente a refletir acerca da
dimensão que este acontecimento tomou em sua vida. A prática hospitalar permite, a um profissional de psicologia,
deparar-se com diversas situações de internação recorrente devido a doenças crônicas.

Diante disso, a atuação deste profissional gira em torno, basicamente, do estilo de vida, dos ganhos secundários, da
adesão do paciente ao tratamento médico, bem como a influência da família e de outras pessoas próximas na
estabilidade da saúde do paciente. Poderia discursar com mais profundidade sobre estes pontos básicos, porém não é o
meu objetivo no momento. Gostaria de destacar outro aspecto da atuação dos profissionais da saúde: as reações
iatrogênicas. Este termo refere-se aos comportamentos ou distúrbios orgânicos desencadeados pela falta de manejo dos
profissionais em interagir com as pessoas por eles assistidas. Por exemplo, se um paciente solicita a equipe em demasia
para falar sobre suas dores e um dos seus membros infere que as dores são fruto da imaginação e que o paciente é um
caso psiquiátrico, não raro, será perceptível uma reação de raiva, apatia e/ou humor deprimido naquele indivíduo, o que
por conseqüência pode resultar em pico hipertensivo, aumento do nível de glicemia , agravamento da dor, entre outros.

Trabalhar na assistência a pessoas com doenças crônicas exige do profissional de saúde um preparo e um manejo
diferenciado. Neste contexto, o profissional de psicologia pode atuar junto à equipe, embora nem sempre seja uma
tarefa fácil, a fim de conscientizá-la em relação a quanto a postura do profissional pode contribuir com a melhora ou
piora do quadro clínico do paciente. O hospital é um ambiente atípico para aquele que fica internado e para seus
familiares, suscitando, muitas vezes, em sentimentos de angústia, tristeza, insegurança, medo da morte, o que os torna
mais sensíveis e frágeis. Com isso, a tendência a sentirem com mais intensidade as ações da equipe, aumenta. E se estas
ações não forem acolhedoras e respeitosas a todo o sofrimento advindo da hospitalização, corre -se o risco de se
potencializar as reações iatrogênicas.

Deste modo, o trabalho do psicólogo diante da doença crônica, pode, e em alguns casos deve, direcionar-se a mais de
uma vertente. Além da atuação direta com pacientes e familiares, a atuação com a equipe também pode levar benefícios
ao paciente mesmo que indiretamente. Além do que, auxiliar na conscientização do colega também é uma forma de
colaborar com o crescimento e maturidade profissional da equipe como um todo. Para finalizar, gostaria de frisar que
para realizar este trabalho é preciso que o profissional psicólogo esteja apto para tal, não colaborando para que se
manifestem reações iatrogênicas na equipe, no paciente ou nas famílias ao realizar uma intervenção. É importante
considerar que enquanto membro de uma equipe de saúde, o psicólogo além de orientar, deve estar em constante auto-
avaliação.

____________________
Recebido em 10/11/2008
Aprovado em 16/01/2009

1
Psicóloga. CRP 06/79045. Especialista em Psicologia Hospitalar pela Universidade São Marcos. Atua nas áreas de treinamento,
psicologia escolar, psicologia hospitalar. Docente em psicologia hospitalar.

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SOBREPOSIÇÃO DE VIVÊNCIAS DURANTE RECIDIVA NA
ADOLESCÊNCIA: UM ESTUDO DE CASO
Marina de Moraes e Prado 1 e Patrícia Marinho Gramacho2

Resumo

A adolescência constitui-se como um período de mudanças e ressignificações, necessitando de lutos concernentes à


perda da identidade, pais e corpo da infância, para que novos papéis possam ser estabelecidos. (Aberastury e Knobel,
1981; Jerusalinsky, 1999; Outeiral, 2003; Pereira, 2005; Rassial, 1999). Quando se trata, porém, de um adolescente
portador de uma doença crônica como o câncer, as angústias, medos e elaborações próprias dessa fase de doença se
sobrepõem a estas ressignificações inerentes à adolescência, resultando em um complexo processo de desenvolvimento.
O objetivo desse trabalho é analisar como um adolescente lida com tantas vivências sobrepostas e como isso interfere
em seu processo natural de desenvolvimento. Paralelamente investiga-se o aparecimento de comportamentos anti-
sociais defensivos, utilizando-se a teoria de Winnicott como forma de ancorar a equipe de saúde para melhor
compreendê-los. Foi realizado um estudo de caso, com um adolescente de 18 anos, do sexo masculino, com diagnóstico
de Leucemia Linfóide Aguda, com acompanhamento psicológico desde o diagnóstico de recidiva até o momento do
óbito. Foram realizados 25 atendimentos ao paciente e 10 atendimentos aos pais. Foi feita análise de conteúdo,
dividindo-se os resultados em quatro categorias temáticas, enquanto sobreposições vividas pelo adolescente nessa fase:
a) diagnóstico de recidiva x conflito de independência; b) corticóide x conflitos com a imagem corporal; c)
agressividade dirigida à equipe x agressividade dirigida aos pais; d) morte simbólica x morte real. Os resultados
mostram a necessidade de acompanhamento psicológico para que a integridade do indivíduo se mantenha diante de
tantas dificuldades e angústias, já que o seu processo de desenvolvimento não cessa com o adoecer.

Palavras-chaves: adolescência, câncer, tratamento psicológico.

A adolescência constitui-se como um período de mudanças e ressignificações. Isso se exacerba quando se trata de um
adolescente que recebe um diagnóstico de câncer e necessita iniciar um tratamento que tem profundas repercussões
psicossociais.

Na doença o paciente torna-se frágil por confrontar-se com ambivalências diante das questões mais angustiantes da
existência humana, relacionadas aos conflitos da doença, da vida e da morte (Chiattone, 2002), podendo sentir que tudo
o que havia programado para o futuro não mais acontecerá (Bacarji e Gramacho, 2005).

O medo diante da doença e da possibilidade de morte eminente estimula o paciente a produzir fantasias irracionais que
demarcam o seu comportamento. A hospitalização interrompe sua rotina de vida, promovendo uma ruptura em sua
história, caracterizando um estado de crise, que é ainda mais agravado pelas próprias condições hospitalares, a saber:
clima constante de estresse, isolamento familiar e social (figuras de apoio e segurança), presença constante de aparelhos
intra e extra corpóreos, clima eminente de morte, perda das noções de espaço e tempo, de sua privacidade e liberdade,
além da despessoalização (característica das instituições), perda de identidade e inclusão direta ou não no sofrimento do
outro. Diante disto tudo, conseqüentemente existe uma constatação da perda do sentimento de invulnerabilidade
(Chiattone, 2002; Moraes, 1994; Nigro, 2004), podendo ocasionar reações de luto (Bacarji e Gramacho, 2005).

Schneider (1976, em Santos e Sebastiani, 1987), enfatiza que a tríade psicodinâmica de base do paciente crônico
constitui-se em dependência, regressão e passividade.

Além disso, a adolescência em si já se constitui como um período de mudanças e ressignificações, necessitando de lutos
concernentes à perda da identidade, pais e corpo da infância, para que novos papéis possam ser estabelecidos
(Aberastury e Knobel, 1981; Jerusalinsky, 1999; Outeiral, 2003; Pereira, 2005; Rassial, 1999). Melman (1999)

1
Bacharel em Psicologia pela Universidade Católica de Goiás e Estagiária do Serviço de Oncologia Pediátrica do Hospital Araújo
Jorge da Associação de Combate ao Câncer em Goiás.
2
Psicóloga clínica e hospitalar. CRP 09/01125. Responsável pelo atendimento na pediatria do Hospital Araújo Jorge.

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caracteriza-a enquanto uma crise psíquica, ou seja, um momento em que o sujeito não encontra o lugar de seu gozo, o
que demanda dele a necessidade de buscar saber como se colocar em relação ao seu próprio gozo.

Nesse momento, Jerusalinsky (1999) destaca que o adolescente necessita “suportar de um modo dramático a solidão
real, ou estabelecer laços imaginariamente indissolúveis, substitutivos daqueles familiares dos quais o jovem precisa
tomar distância para penetrar no mundo” (p. 16), por isso constituem-se os laços de amizade tão característicos dessa
fase de desenvolvimento.

Assim, para o adolescente, a morte constitui-se como fatal e real, mas distante. Quando vivencia uma situação de
urgência deixa de negar que a morte também poderá acontecer com ele. O adoecimento é uma frustração, em
decorrência de sua impossibilidade de viver no egocentrismo e na onipotência. Há um interesse normal na imortalidade,
podendo ser empregado defensivamente de forma a negar o horror à morte, evitar a tristeza e perpetuar a fantasia de
todo-poderoso. Diante disso, o adolescente doente pode preocupar-se mais com a imagem e alterações corporais do que
com a possibilidade de morte (Coppe e Miranda, 2002).

Diante de tantas perdas, tanto referentes à doença quanto a essa fase de vida, comportamentos de isolamento e
introversão são necessários para que se consiga elaborar os lutos e permitir que os desinvestimentos libidinais ocorram,
encontrando-se “espaço para resolução de conflitos interpessoais, resgate de laços desfeitos, permitindo que o ritual de
despedida aconteça de forma que a morte, embora temida e desconhecida, possa ser vista a partir de nova dimensão
existencial ou transcendental” (Perina, 2005, p. 120).

Kovács (1992) também mostra que a doença pode ser fonte de insight, propiciando revisões de vida e aprofundamento
de relações.

Como a possibilidade de morte trás dor e sofrimento, necessitando de elaborações, Kovács (1992) pontua que a atuação
mais sábia frente a esses pacientes é a possibilidade de escuta atenta do paciente e de suas necessidades.

Para o adolescente com câncer, Whyte e Smith (1997) mostram que mais do que a preocupação com a sobrevivência no
futuro, se impõe a preocupação com a sobrevivência no presente, tanto em relação à doença e possibilidade de morte,
como às transformações que levarão à vida adulta. Diante disso, várias reações podem emergir, desde quadros
psiquiátricos, depressão, transtornos de ansiedade, até reações de raiva, ira, hostilidade situacionais, sentimentos de
desconfiança, ressentimento, perseguição, abandono e apreensão com a auto-imagem. Além de possíveis sentimentos de
culpa e punição (Chiattone, 2002; Moraes, 1994; Nigro, 2004).

Frente a esses medos e angústias, o indivíduo lança mão de mecanismos psicológicos de defesa, com a finalidade de
lutar contra a angústia desencadeada pelas ameaças da doença e buscar novas formas de se relacionar com o meio e
consigo mesmo (Chiattone, 2002; Moraes, 1994). No contexto hospitalar, diferentemente do contexto clínico, a
manutenção dessas defesas, permite ao paciente lidar com tamanhos conflitos, de modo que a tentativa de trabalhar e
eliminar esses mecanismos, ao invés de ajudar, vulnerabiliza ainda mais o paciente e a família. Assim sendo, percebe-se
a necessidade de respeitar e buscar manter esses mecanismos de defesa na medida em que auxiliem o indivíduo
(Gramacho, 1998).

Perina e Trinca (1992) mostram que esses mecanismos podem ser de vários tipos: racionalização ou intelectualização,
negação, raiva e depressão.

O psicólogo, nesse contexto, deve atuar no nível da comunicação, do reforço ao trabalho estrutural de adaptação ao
enfrentamento dessas crises, dando acompanhamento, apoio, atenção, compreensão, suporte ao tratamento, clarificação
dos sentimentos, esclarecimentos sobre a doença e fortalecimento de vínculos pessoais e familiares (Chiattone, 2002).
Enfim, uma escuta acolhedora (Nigro, 2004; Campos, 1995) que evite inclusive, os sentimentos de solidão do paciente,
oferecendo encorajamento, consolo e cuidado, propiciando um relacionamento agradável, restaurador e terapêutico
(Ceccim, 1997).

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Gimenes (1994), Bacarji e Gramacho (2005) afirmam que a função do psicólogo abrange também a adesão ao
tratamento ou a consciência da não adesão.

Chiattone (1987) mostra que quando a equipe consegue perceber a importância do trabalho do psicólogo hospitalar, “as
diferenças, medos e as fantasias são amenizados” (p. 13), passando a solicitá-lo sempre que necessário.

Valle e Françoso (2004), a partir de sua experiência, sistematizaram alguns comportamentos que auxiliam nesse
ambiente, como a participação no processo, dando informações sobre si e sobre a sua doença diante de
questionamentos, a escolha de procedimentos que lhe sejam menos ofensivos (na medida do possível), antecipação do
processo diante do conhecimento já adquirido, solicitação de informações sobre o tratamento e a doença, solicitação de
participação dos acompanhantes e mesmo da equipe.

Durante todo esse processo, a angústia encontra-se presente, mas se ocorre uma recaída após o tratamento, sabe-se que
há um aumento das dúvidas e incertezas quanto à efetividade do tratamento e às possibilidades de cura. O conhecimento
anterior faz com que medos, angústias persecutórias e depressivas sejam mobilizadas, podendo resultar em revolta do
paciente por se sentir agredido, dirigindo sua raiva e agressividade à equipe ou familiares (Perina, 1994).

Para adentrar um pouco mais no universo do câncer na adolescência, sabe-se que dentre os diversos tipos de câncer, a
Leucemia Linfóide ou Linfocítica Aguda (LLA ) caracteriza-se como o tipo mais comum na infância e adolescência,
chegando a 25% - 30% dos casos (Braga, Latorri e Curado, 2002; Camargo e Lopes, 2000; Ikeuti, Borim, Luporini,
2006; Pedrosa e Lins, 2002; Rodrigues, 2003; Spence e Johnston, 2003). Esta consiste em “uma neoplasia maligna do
sistema hematopoiético caracterizada pela alteração do crescimento e da proliferação das células linfóides na medula
óssea, com conseqüente acúmulo de células jovens indiferenciadas, denominadas blastos” (Ikeuti, Borim, Luporini,
2006, p.45).

Isso pode propiciar uma queda no número de glóbulos brancos funcionais, de modo que o organismo fica desprotegido
contra a ação bacteriana. Este fato propicia o aparecimento de infecções ulcerativas na boca, colo e em outras regiões do
tubo gastrintestinal ou no aparelho respiratório, visto que nessas regiões geralmente existem várias bactérias
patogênicas que se mantêm inativas por ação contínua desses glóbulos. Por isso a necessidade do tratamento com
antibióticos durante esse período (Guyton, 1988).

O diagnóstico definitivo de LLA é feito a partir do mielograma com mais de 25% de células blásticas (Ikeuti, Borim,
Luporini, 2006).

O tratamento da LLA é prolongado, variando de dois a três anos, dependendo do esquema terapêutico do centro de
tratamento. Constitui-se de cinco grandes fases: indução da remissão, intensificação-consolidação, reindução, prevenção
da leucemia no SNC e continuação ou manutenção da remissão, quando se busca manter uma observação cuidadosa em
caso de recidiva (Pedrosa e Lins, 2002).

Na fase de indução, geralmente, são utilizadas três ou quatro drogas, dentre elas, o corticóide, que tem vários efeitos
colaterais, dentre eles retenção hídrica, ganho de peso e úlcera gastrintestinal. Como esse é um medicamento de uso
prolongado, sabe-se que a parada súbita de uso pode provocar sintomas de dependência, tais como febre, dor muscular,
dor nas articulações e desconforto geral (Bulário Eletrônico da Anvisa, 2007).

A segunda fase, de intensificação-consolidação, é recomendada para eliminar as células leucêmicas residuais. Já a


prevenção da recaída da leucemia no SNC (sistema nervoso central) pode ser feita de várias formas, mas, em geral,
utiliza -se de quimioterapia intratecal (Pedrosa e Lins, 2002).

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O tratamento primário é a quimioterapia, podendo ainda ser usada a radioterapia e o transplante de medula óssea.

A quimioterapia consiste no uso de substâncias químicas, no caso do câncer, para destruir as células cancerosas. Esta
pode ser administrada via oral, intravenosa, intramuscular ou intratecal. É caracterizado como um tratamento sistêmico
porque viaja por todo o corpo através da corrente sangüínea, podendo eliminar células cancerosas por todo o organismo.

Como não há grande especificidade e seletividade de ação das drogas utilizadas na quimioterapia, podem aparecer
efeitos colaterais, caracterizados como toxidade aguda, que pode se iniciar até 24 horas após a aplicação das drogas,
variando de poucas horas até três dias (Chiattone, 2002).

“O transplante de medula óssea (TMO) consiste na infusão intravenosa de células progenitoras hematopoéticas com o
objetivo de restabelecer a função medular nos pacientes com medula óssea danificada ou defeituosa” (Castro Jr.,
Gregianin, Brunetto, 2001, p.345).

Chiattone (2002) enfatiza a importância do apoio psicológico no tratamento de pacientes com doenças onco-
hematológicas para que o programa terapêutico seja eficaz e humanizado, em decorrência das inúmeras situações de
conflito e ameaças, que necessitam adaptações, as quais esses pacientes e seus acompanhantes enfrentam diante de
diagnóstico, tratamento, remissões e recidivas.

Valle (1997) mostra que vivenciar uma doença crônica grave implica em habitar um mundo do qual não se pode
escapar, o dos medicamentos, exames, internações e afastamento do cotidiano, dos familiares e amigos, além dos medos
e angústias diante da morte iminente. Mostra assim, que facticidade é justamente o sentindo de ser-no-mundo-com-
uma-doença-grave, já que é uma situação não escolhida pelo paciente.

Neste contexto, a insegurança emerge, podendo propiciar reedição de perdas anteriores e conseqüente reativação de
antigos sentimentos de insegurança nas relações vinculares.

Jerusalinsky (1999) pontua que, em especial na adolescência, o acesso ao gozo pode estar centrado no objeto, enquanto
um delírio de autonomia, de prescindência absoluta do outro. E se há a busca pelo gozo que está centrado no objeto,
pode-se buscar de todas as formas adquiri-lo, visando alcançar o gozo almejado.

Além disso, se o mundo é tão cruel como percebido, no qual não se cump rem as promessas feitas de felicidade futura,
durante a infância, tem-se a sensação de que não há nada para se esperar dos outros, precisando se virar sozinho,
utilizando de Acting out, ou seja, passagem ao ato. Assim, torna-se necessário alcançar por si mesmo os objetos e
lugares almejados, por mais que se necessite de comportamentos não-adaptados para isso.

Winnicott (2000) e Bolwby (2002) mostram que o sentimento de segurança se estabelece na infância, a partir da
internalização das primeiras relações objetais. O não estabelecimento deste sentimento de segurança pode resultar em
comportamentos anti-sociais associados, dentre eles o roubo.

Winnicott (2000) diz que quando a criança rouba não está na verdade há procura do objeto roubado, mas de alguma
outra coisa que ele acha que tem direito, reclamando ao pai e à mãe a falta de seu amor.

Segundo esse autor, a criança se torna de-privada “quando é destituída de algum aspecto essencial de sua vida em
família” (Winnicott, 2000, p. 409).

Dessa forma, através de tendência anti-social, por impulsos inconscientes, o paciente obriga alguém a cuidar dele:

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“Quando ocorre a tendência anti-social, aconteceu uma de-privação propriamente dita
(não uma simples privação), ou seja, deu-se a perda de algo bom, de caráter positivo
na experiência da criança até um certo momento, no qual esse elemento positivo foi
retirado. A retirada estendeu-se por um período maior que aquele durante o qual a
criança seria capaz de manter viva a memória da experiência” (Winnicott, 2000, p.
410).

No caso específico do roubo, a criança procura algo em um lugar e a partir do fracasso, procura em outro lugar, já que
ainda mantém a esperança de encontrar. Condições favoráveis podem permitir que, com o tempo, a criança encontre
uma pessoa e passe a amá-la, ao invés de continuar buscando a exigência de objetos substitutos que perderam seu valor
simbólico (Winnicott, 2000).

Dessa forma, Winnicott (2000) esclarece que o tratamento para a tendência anti-social, que pode aparecer em qualquer
idade e não apenas na infância, não é a psicanálise, mas o fornecimento de um ambiente cuidador e estável na terapia.

Quando se trata, portanto, de um adolescente portador de uma doença crônica como o câncer, as angústias, medos e
elaborações próprias dessa fase de doença se sobrepõem às ressignificações inerentes da adolescência, resultando em
um complexo processo de desenvolvimento.

Destarte, esse trabalho objetiva analisar como um adolescente lida com tantas vivências sobrepostas e como isso
interfere em seu processo natural de desenvolvimento. Investigando-se, paralelamente, o aparecimento de
comportamentos anti-sociais defensivos, utilizando-se a teoria de Winnicott como forma de ancorar a equipe de saúde
no sentido de melhor compreender esta tendência anti-social do mesmo.

Método

Participante

P. 3 , adolescente de 18 anos, sexo masculino, solteiro, estudante do terceiro ano no Ensino Médio. Reside em uma
cidade do interior de Goiás, com o pai, a mãe e dois irmãos mais novos (15 e 16 anos). Apresenta diagnóstico de LLA
(Leucemia Linfóide Aguda) em processo de recidiva medular.

Ambiente e materiais

O trabalho foi realizado no Serviço de Oncologia Pediátrica do Hospital Araújo Jorge, em Goiânia, Goiás, sendo
utilizados como ambientes de intervenção: a sala de espera, a sala de atividades da enfermaria , os corredores e a
enfermaria.

Foram utilizadas folhas A4, computador, impressora, cartuchos de tinta e canetas.

Procedimento

Foram realizados 25 atendimentos psicológicos junto ao adolescente. O primeiro atendimento foi realizado após
solicitação médica, em decorrência do recebimento do diagnóstico de recidiva medular. Esses atendimentos foram
realizados desde esse diagnóstico até o momento do óbito do paciente.

3
Fictício para preservar a identidade do paciente.

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Foram realizados, ainda, dez atendimentos com os pais do adolescente, durante o mesmo período descrito.

Foi utilizado o método clínico-qualitativo, interpretativo, sendo a pesquisa realizada em ambiente natural (hospital),
interpretando os fenômenos à luz das significações que os sujeitos trazem para eles, tendo as falas e os comportamentos
como objetos de estudo, já que são constituintes de significados (Turato, 2003).

O método clínico busca a constatação do fato e a escuta do dito, de forma a propiciar uma escuta adequada, priorizando-
se o discurso e a observação de seu comportamento global, que valida qualitativamente os dados (Ferreira, 2003).

O plano teórico e de intervenção utilizado foi a Psicanálise Aplicada (Guéguen, 2007; Cottet, 2007, Vieira, 2008).

O participante e seus responsáveis legais foram informados e clarificados sobre a pesquisa e foi proposta a assinatura do
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, em duas vias. Uma ficou com o responsável e outra com a pesquisadora.
Nesse termo estão explicitados os detalhes necessários sobre a pesquisa, bem como seu caráter de voluntariedade,
possibilidade de desistência a qualquer momento, benefícios e riscos, bem como o sigilo do participante.

Os atendimentos realizados foram transcritos imediatamente após o seu término, visando manter o máximo de
integralidade das falas dos pacientes.

A partir dos dados colhidos nos atendimentos ao adolescente e aos pais, foi feita análise de conteúdo, dividindo-se os
resultados em quatro categorias temáticas, consistindo nas sobreposições vividas e relatadas pelo adolescente nessa fase
de tratamento: a) diagnóstico de recidiva x conflito de independência; b) corticóide x conflitos com a imagem corporal;
c) agressividade dirigida à equipe x agressividade dirigida aos pais; d) morte simbólica x morte real.

Resultados e Discussões

a) Diagnóstico de recidiva x conflito de independência

O atendimento psicológico mais sistemático iniciou-se por solicitação da equipe médica junto ao diagnóstico de
primeira recidiva medular de LLA .

Já no início pôde-se perceber a amb ivalência que começou a emergir de forma mais acentuada, entre a dependência e a
independência, em especial relacionada à mãe, figura familiar mais presente.

A fala do paciente: “Por mim eu nem tratava, trato pela minha mãe”4 , demonstra momentos de dependência, que são
característicos do processo de hospitalização, como descrito por Schneider (1976, em Santos e Sebastiani, 1987), ainda
mais de recidiva, quando medos, angústias e inseguranças são mobilizadas, conforme descrito por Perina (1994) e Valle
(1997). A mãe o acompanha no tratamento, tratando-o na maioria do tempo, como um bebê, que precisa de proteção e
cuidados, reforçando a sua dependência.

Essa verbalização oscilou com o outro pólo da ambivalência : “Eu que sei o que é que tem que ser feito”. Mostrando a
necessidade de buscar a independência, caracterizada como uma das tarefas mais importantes dessa faixa etária da
adolescência, como corroborado por Aberastury e Knobel (1981), Jerusalinsky (1999), Outeiral (2003) e Pereira (2005).

4
As falas do paciente e sua família estão destacadas no corpo do texto por aspas, pois são falas literais dos mesmos.

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Além disso, frente à notícia de recidiva o paciente mostrou-se desesperançoso, já que acreditava que tudo o que fizesse
não teria resultado sobre a doença.

A incerteza diante dos planos, antes tidos como certos, também contribuiu para a desestruturação do paciente nessa
fase. Ele relata: “Antes eu tava pensando em casar, mas agora não sei se isso vai acontecer daqui a muito tempo ou mais
perto. Ainda mais agora, não sei nem se isso vai acontecer”. Bacarji e Gramacho (2005) mostra m essa dificuldade de
lidar com os planos antes tidos como certos diante das incertezas acopladas ao processo de doença e tratamento.

Esse processo de incerteza quanto ao futuro pode reduzir a percepção do paciente de conseguir lidar com a própria vida,
reforçando um processo de dependência e desesperança no paciente.

Emergem ainda sentimentos de medo e de passividade quando o paciente diz, em um dos atendimentos, sobre o seu
medo de cobra, porque esta chega traiçoeira, sem se ver que ela está chegando. Ao ser perguntado se há mais alguma
coisa que também chega sem avisar e ele, então, começa a falar sobre a recidiva. Nesse momento, foi pontuado que
apesar de não ter visto a recidiva chegar, agora pode olhar direto para ela, e vendo-a, pode enfrentá-la, buscando passar
o paciente da passividade, para a atividade frente ao tratamento, tentando viabilizar, inclusive a adesão.

Chiattone (2002), ao falar da fragilidade do paciente diante das ambivalências e das questões mais centrais da
existência, como os conflitos da doença, da vida e da morte é confirmada em suas características centrais pelo
adolescente.

A ambivalência, assim, está presente nas suas referências ao tratamento, onde ao mesmo tempo em que prefere não
fazer, não se permite a opção de não fazer. Juntamente com este comportamento tem o conhecimento, ainda não
explícito, de que suas chances de cura estão realmente diminuídas e que o seu prognóstico é fechado. Tudo isto se
reflete na sua enorme angústia e tendência ao isolamento.

Infelizmente o hospital não possui enfermarias específicas para essa faixa etária, o que contribuiria para o seu processo
de desenvolvimento, mas é válido lembrar que durante o último atendimento feito ao leito do paciente, este tinha
mudado da enfermaria para um apartamento e seu semblante estava mais tranqüilo e o tom de sua voz mais ameno.
Quando questionado sobre essas mudanças, o adolescente se refere ao quarto onde está sozinho agora e não precisa ficar
vendo tudo o que acontece à sua volta, como na enfermaria, além de ter agora um espaço que seja só seu. O que é
característico desse momento de desenvolvimento, sendo a necessidade de maior tempo de reflexão e isolamento,
conforme mostra Perina (2005).

b) Corticói de x conflitos com a imagem corporal

No sexto atendimento o paciente chega ao hospital com os sintomas típicos de dependência do corticóide, como
mostrado pelo Bulário Eletrônico da Anvisa (2007). Relata que parou por conta própria o uso do corticóide porque
estava com muita dor estomacal, já que a mãe não tinha comprado o medicamento prescrito para o alívio do estômago.
Além disso, relata o medo de aparecerem estrias, já que o medicamento pode provocar retenção hídrica e ganho de
peso, e que durante a primeira indução, tinham aparecido estrias no joelho e na coxa. Diz gostar muito de clube e que
não poderia usar mais sunga em decorrência da quantidade de estrias. Durante o atendimento foram discutidas
possibilidades de amenização das estrias com o uso de cremes e óleos e também a possibilidade de conversar com a
médica responsável sobre isso, buscando-se a aliança com a equipe médica com a percepção de possíveis redutores
desses efeitos colaterais para que houvesse uma maior adesão ao tratamento proposto.

Outro incômodo relatado pelo paciente relacionado ao ganho de peso, advindo do uso de corticóide, é o comportamento
das pessoas de ficarem apertando a sua bochecha. Nas palavras do paciente: “é como se tivessem o tempo todo me
lembrando: ‘esse é o doente’”.

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Tanto o aparecimento de estrias, como a retenção urinária, o ganho de peso e a forma típica do paciente em uso de
corticóide, com as bochechas acentuadas e arredondadas, conflitam com um outra característica essencial da
adolescência que é a preocupação com a imagem corporal. Mais do que isso, se uma das tarefas de luto é justamente
elaborar a perda do corpo infantil e construir um corpo adulto (Aberastury e Knobel, 1981; Jerusalinsky, 1999; Outeiral,
2003; Pereira, 2005), como fazê -lo se há a permanência de um corpo com características infantilizadas?

Isso reforça a metáfora utilizada por Jerusalinsky (1999) entre a onipotência do ninja e a sensação de estabanado do
pateta.

Essa contradição trouxe angústia, sofrimento ao paciente, necessitando ser elaborada em atendimentos psicológicos para
que se viabilizasse, inclusive, uma maior adesão ao tratamento medicamentoso, como proposto por Gimenes (1994) e
Bacarji e Gramacho (2005).

c) Agressividade dirigida à equipe x agressividade dirigida aos pais

Tristeza e raiva frente ao diagnóstico de recidiva apareceram. No dia da notícia, o paciente relata: “Estou chateado
porque tem que começar tudo de novo. Achei que tudo isso já tava acabando e agora volta a doença”.

Já no sexto atendimento, o adolescente diz que na maioria do tempo se sente revoltado, e às vezes pensa porquê a
doença e a recidiva ocorreram com ele, já que ele não fuma, não bebe, não usa drogas e mesmo assim ficou doente, e
quando achou que estava tudo terminando, voltou de novo. Mas diz que são pensamentos rápidos, que se transformam
em: “ah, tudo bem. Vamos ver o que a gente pode fazer então”.

As falas e comportamentos do paciente durante os atendimentos corroboram Perina (1994), quando mostra que a
recidiva reativa sentimentos de angústia e incerteza quanto à cura e raiva pela obediência não recompensada. A mesma
autora pontua ainda que em todo o processo de tratamento a angústia está presente, mas se ocorrem recaídas há um
aumento das dúvidas e incertezas quanto à efetividade do tratamento e às possibilidades de cura.

Essa raiva pela obediência não recompensada foi dirigida à equipe, de forma que o paciente relata ter se sentido traído
pela mesma pelo fato de ter cumprido adequadamente todas as solicitações e ainda assim ter havido recidiva.

Uma enfermeira relatou que no primeiro dia de administração da quimioterapia o adolescente foi agressivo com ela.
Esta respondeu às suas críticas, explicando-lhe o processo, tentando espelhar o comportamento de agressividade do
adolescente, falando com voz firme e autoritária no intuito (segundo ela) de mostrar não estar penalizada com a sua
situação. Aparentemente pareceu uma tentativa pouco eficiente da mesma de ser empática, visando manter a adesão do
mesmo ao tratamento. Durante o atendimento psicológico, esta enfermeira também pôde expressar sua frustração pelo
retorno da doença no adolescente, com quem já havia estabelecido vínculo.

Uma outra forma que o paciente encontra para atingir a equipe é no desrespeito às regras do hospital. Durante um dos
retornos hospitalares o paciente entra na sala de atividades da enfermaria, onde só podem entrar pacientes internados e
seus acompanhantes, permanecendo nesse ambiente até que um membro da equipe chama-lhe a atenção. O paciente em
seguida relata que acredita que “isso só aconteceu porque sou eu que tava lá, se fosse outro não tinham falado nada”.

Tal atitude caracteriza claramente, o aparecimento de angústias persecutórias frente ao staff hospitalar, que Perina
(2004) relata ocorrerem juntamente com o medo e as angústias depressivas frente o momento de recidiva.

Além disso, Perina (2004) esclarece que a revolta do paciente, por se sentir ameaçado, passa a ser dirigida à equipe, na
forma de raiva e agressividade. As pessoas mais próximas, no caso do paciente, a mãe, deveria naturalmente ser o alvo
dessa pulsão agressiva; entretanto, como ela é essencial nesse momento, em que ele não pode e não consegue ficar

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sozinho, essa raiva então é dirigida à equipe de saúde, encontrando, o adolescente, justificativas, na prática hospitalar
para se sentir agredido.

Chiattone (2002) e Moraes (1994) mostram que diante de situações críticas como essas emergem mecanismos de defesa
funcionais, que como mostra Gramacho (1998) são necessários principalmente no contexto hospitalar. Dentre esses
mecanismos mais comuns, a raiva e a revolta estão inclusos, como é o caso do paciente descrito, conforme mostra
Perina e Trinca (1992).

Isso pode ser claramente exemplificado no nono atendimento quando o paciente estava na sala de espera, aguardando o
resultado do mielograma (exame que nesse dia fora solicitado com a função de analisar como o organismo estava
reagindo ao tratamento). Assim que a psicóloga se aproxima , a mãe diz que nesse dia ele está revoltado. Quando
perguntado se é verdade ele concorda e diz: “Quero ir pra casa, não agüento mais isso tudo. Acho que esse tratamento
não serve pra nada, não tô sentindo nada. Os exames vão sair hoje, mas quero ir embora agora, não quero voltar nunca
mais”. A mãe começa a falar sobre Deus e sobre a necessidade de ter fé para curar. Ela fala que se ele passar para o lado
dela, se referindo à sua crença em Deus, ele não sofrerá assim, e diz que o filho não é mais religioso como era, que não
acredita em nada mais. O paciente responde à mãe: “eu era do seu lado e não adiantou nada, e o que aconteceu? Voltou
tudo de novo. Não adianta falar de Deus não. Se Deus existisse mesmo porque é que teria tantas crianças sofrendo aqui
do lado? Que Deus é esse?”

A psicóloga se disponibilizou a dar uma escuta acolhedora a todos os conflitos trazidos pelo paciente e logo após o
atendimento se retirou e quando voltou, passados alguns minutos, aparentemente o paciente já estava melhor. Quando
perguntado como estava, diz: “Agora estou bem melhor. Não estou mais revoltado não. Vomitei. Aquela hora o meu
estômago tava ruim também.”

Pode-se perceber que a melhora do paciente deu-se tanto pelo vômito simbólico durante o atendimento, quanto pelo
vômito biológico que ocorreu logo após a saída da psicóloga, diminuindo os sentimentos de angústia, raiva e
incompreensão existentes, permitindo que o paciente pudesse sentir outras coisas além da revolta e permitindo,
inclusive, uma interação com as outras crianças da sala de espera.

Para uma internação o paciente chega ao hospital com uma situação orgânica, pneumonia por exemplo, mas também
com uma situação social, que interfere em toda a estrutura da família, abalando questões morais dos pais. O
envolvimento em um furto, com exposição social em um jornal, mobilizou intensamente a relação parental.

O paciente nega envolvimento no ocorrido, mas os pais acreditam que o paciente esteja envolvido e isso trouxe
mudanças significativas na estrutura familiar, afastando os pais do filho, inclusive a mãe que sempre esteve mais
próxima.

Considerando-se o pensamento de Jerusalinsky (1999) e Melman (1999) pode-se atentar para o fato de o gozo estar
centrado no objeto roubado, necessitando de acting out para obtê-lo.

Sabe-se que antes do início do tratamento, do primeiro diagnóstico, houve uma situação semelhante. Winnicott (2000)
diz que quando a criança rouba não está na verdade há procura do objeto roubado, mas de alguma outra coisa que ele
acha que tem direito, reclamando ao pai e à mãe a falta de seu amor.

Em última instância, analisando-se o comportamento de roubo e sua sobreposição com este período de tratamento pode-
se também relacionar este suposto furto a uma necessidade de tornar-se a pior pessoa em todos os sentidos para que os
pais e, em especial, a mãe deixem de amá -lo em vida, não lhes causando sofrimento quando a sua morte chegar.

Com o afastamento da mãe, o paciente aumenta sua agressividade e solicita, mais freqüentemente, a presença da
namorada.

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O pai visita o filho nos dias em que vai à cidade em que o paciente está internado, já que moram no interior, com um
outro objetivo principal e, segundo o paciente, “passa pra me ver”. O adolescente relata que antes de o pai iniciar um
compromisso regular nessa cidade suas visitas não eram freqüentes. Durante um dos atendimentos psicológicos a esse
pai, ele diz, por duas vezes, ser um pai ausente, enquanto queria dizer presente. Ao ser pontuado pela troca não
confirma o seu distanciamento, porém mesmo sendo professor de Educação Física nunca incluiu o filho em nenhuma
atividade, segundo ele privilegiando os estudos. Mesmo assim, o adolescente diz que pretende ser professor de
Educação Física, mostrando uma possível identificação com o pai.

Winiccott (2000) mostra que a psicanálise pode funcionar nesse contexto, fornecendo um ambiente cuidador e estável
na terapia. Apesar de os atendimentos psicológicos no contexto hospitalar não se constituírem como uma análise
propriamente dita, acredita-se que esse contexto estável nos atendimentos e uma disposição do psicólogo a ‘estar com’,
permitindo uma escuta apropriada e um relacionamento restaurador, como proposto por Ceccim (1997), Chiattone
(2002), Nigro (2004) e Campos (2005), podem viabilizar tanto uma melhora relativa a questões extra-tratamento bem
como às situações diretamente relacionadas ao processo terapêutico.

Em decorrência disso, no décimo sexto atendimento realizado, o paciente verbaliza que não se sente mais sozinho, já
que sabe que pode contar com a psicóloga quando não tem alguém ao seu lado. Ceccim (1997) mostra ainda que uma
das funções do psicólogo no contexto hospitalar é justamente auxiliar a minimizar o sentimento de solidão do paciente
de forma que este se sinta cuidado e acompanhado, mesmo nos momentos mais críticos, pela equipe e em especial, pelo
psicólogo.

d) Morte simbólica x morte real

Durante vários momentos do acompanhamento psicológico o conteúdo de morte apareceu de formas distintas. Em
decorrência de uma maior facilidade de aceitação do paciente foram utilizados filmes e vídeo-game como recursos
terapêuticos durante os atendimentos.

Durante os atendimentos pôde-se perceber o aparecimento das perdas próprias da adolescência, como do corpo infantil,
dos pais da infância e da identidade infantil, como já relatados nos tópicos anteriores, para que a partir de uma
elaboração pudessem ser construídos novos corpo, pais e identidade, conforme reafirmado por Aberastury e Knobel
(1981), Jerusalinsky (1999), Outeiral (2003), Pereira (2005) e Rassial (1999). Sobrepostas a estas , as angústias relativas
a perdas reais relacionadas ao processo do adoecimento também emergiram, inclusive da própria morte.

No quarto atendimento, o paciente disse não gostar de falar muito sobre a doença porque “é como quando um amigo seu
morre, aí fica todo mundo perguntando pra você como foi que ele morreu e fica lembrando a todo hora a morte do seu
amigo”.

Nesse momento o paciente faz uma relação das perdas simbólicas concernentes ao adoecimento com a morte real,
quando trás a figura da morte do amigo enquanto algo doloroso e difícil de vivenciar.

Durante o nono atendimento, quando mostra raiva diante da expectativa do resultado do mielograma, diz que as pessoas
falam que se parar o tratamento, morre, mas que isso não importa para ele, que tanto faz morrer agora ou depois, de
todo jeito vai morrer mesmo , corroborando Coppe e Miranda (2002), que mostra que a morte para o adolescente é fatal
e real, mas distante.

Nesse mesmo dia, durante o atendimento, foi feita uma lista dos filmes preferidos do adolescente. Ao final foi pontuado
a ele que em quase todos os filmes tinha a presença da morte, ou alguém matando ou alguém morto e ele completa: “ou
alguém morrendo”. O adolescente diz que os vampiros morrem de tiro e os humanos de tudo de ruim: “atropelado,
doença, tiro”. “Mesmo na morte tem alguma coisa de bom, pelo menos a pessoa não precisa ficar mais aqui”.

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Ao falar sobre um desses filmes, “o motoqueiro fantasma”, durante o décimo segundo atendimento, o paciente cita a
possibilidade de morte do pai do motoqueiro de câncer, contraponto à imortalidade do motoqueiro. Compara a certa
imortalidade de algumas pessoas que sofrem muitos ferimentos, passam por muitos tiros e não morrem. Pensa um
pouco e compara com a sua situação de que também passou por muitas dificuldades e ferimentos, mas que não é
imortal, que morre.

Isso corrobora Coppe e Miranda (2002), que mostram que o adolescente que vivencia uma situação de urgência ou
doença deixa de negar que a morte também poderá acontecer com ele, sendo o adoecimento caracterizado
prioritariamente como uma frustração que o impossibilita de viver no egocentrismo e na onipotência, típicos dessa fase
de vida. Dessa forma, é natural que surja um interesse pela imortalidade, como uma forma de negar o horror à morte,
evitar a tristeza e perpetuar a fantasia de todo-poderoso.

Diante de uma complicação respiratória de uma pneumonia fúngica, o paciente foi deslocado para uma UTI adulta,
onde não é permitida a presença constante de acompanhante. Nesse contexto ele verbaliza, repetidamente, sobre o seu
medo de ficar sozinho, solicitando um aparelho de som que pudesse ficar ligado o tempo todo de forma que a se sentir
acompanhado. Os atendimentos psicológicos nesse período objetivaram uma tentativa de maior integração egóica,
apesar de ser esse período de crise, um momento que favoreça a desintegração, para que o paciente pudesse, a partir de
recursos internos, se sentir mais amparado, reduzindo o seu medo da solidão.

Nesse período, a mãe chegou ao consultório psicológico, mobilizada emocionalmente, solicitando a possibilidade de
liberar a entrada de sua comida na UTI. O choro compulsivo que acompanhou o pedido mostrou que mais do que a
entrada da comida na UTI e o medo de o filho passar fome, por não comer a comida do hospital, o que estava
mobilizando mais era a necessidade de poder fazer alguma coisa pelo filho querido que se encontra totalmente fora de
suas possibilidades e controle, desejando apenas poder nutri-lo, que seria uma função primária, relacionada a algo que
ela ainda poderia fazer pelo filho, já que ela verbalizou “Meu filho está indo embora! Eu não vou agüentar, tá muito
difícil passar por tudo isso”. “Deus sabe o que é o melhor para o meu filho, se achar que ele tem que passar por tudo
isso para aprender, Ele vai deixar ele com a gente, mas se achar que tá na hora dele ir, essa é a vontade de Deus. E Ele
vai me dar forças pra suportar a dor”. A mãe começa a ter consciência do grave prognóstico do filho e inicia uma
elaboração de sua possibilidade de perda.

Foi liberada a entrada de comida da mãe, na UTI, pela equipe médica e em seguida liberada a sua presença constante.
Logo após esse acontecimento não foi mais necessária a entrada de comida e o filho passou a se alimentar da comida do
hospital. Isso corrobora o que foi dito acima.

Os pais discutiram com a equipe médica, a pedido do filho, a possibilidade de ser retirado da UTI, de ir para o quarto,
mesmo que mantendo-se o oxigênio para que esse pudesse ficar mais próximo da família, o que foi discutido, falando-
se dos riscos e ganhos. Foi consentida a ida para o quarto. Durante todo o período de estada do adolescente na UTI o
pai permaneceu na cidade onde o filho estava internado, indo vê-lo diariamente, sendo reforçado, pela equipe
psicológica, essa relação e presença do pai nesse momento para que pudesse viabilizar ressignificações nesse contexto
familiar.

Ainda na UTI, em um dos atendimentos psicológicos, o paciente encontrava-se mais calado, reflexivo, mas solicitando
a presença da psicóloga ao seu lado. Foi pontuado por essa, que ela ficaria ao seu lado, com ele, em silêncio, e que se
ele quisesse falar algo, ela estaria a disposição, com o objetivo de estar presente com o paciente nesse momento de dor,
tentando acompanhá-lo em seu processo de despedida e desinvestimento libidinal, que é explicitado por Perina (2005).

Depois de alguns instantes de silêncio e presença o paciente começou a derramar lágrimas e começou a falar sobre os
irmãos, com quem ele sempre teve uma relação difícil. Falou sobre a visita dos dois no dia anterior, da saudade que
estava sentindo deles e da percepção de necessidade de mudança da relação. O paciente verbalizou, chorando: “Deus
faz as coisas certas. Ainda bem que sou eu que estou aqui nessa cama. Eu não conseguiria ver nenhum dos meus irmãos
aqui passando pelo o que eu tô passando. Graças a Deus que sou eu que estou aqui”.

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Logo após esse atendimento, o paciente foi levado de volta ao quarto. De alguma forma, esses momentos de crise
intensa possibilitaram ao paciente trazer à consciência a angústia relacionada à possibilidade de morte, de forma mais
próxima, sendo possível sentí-la e começar a elaborá-la; e uma ressignificação de toda a estrutura familiar, tanto das
percepções do paciente sobre, em especial, o pai e os irmãos, como destes em relação ao paciente, o que foi relatado em
atendimentos posteriores do pai.

Após subir para o quarto, o paciente teve uma melhora considerável e surpreendente do quadro infeccioso e teve alta
hospitalar. Na saída ele verbalizou: “Já aproveitei tudo o que tinha que aproveitar aqui no hospital, agora eu tenho que
aproveitar em casa”.

Após um período em casa o paciente retornou ao hospital mais debilitado e com muitas dores, decorrentes, inclusive, do
avanço da doença. Durante essa internação, a mãe conseguiu dar continuidade ao seu processo de elaboração e
despedida, falando sobre as sensações de perda e sobre momentos importantes vividos com o filho, bem como sobre
alguns acontecimentos sobre os quais nunca tinha falado com o filho, mas que agora gostaria de falar.

No dia do óbito do paciente, houve um atendimento psicológico pouco antes da transição. No momento da morte os pais
e um tio mais próximo do paciente conseguiram se despedir dele, realizando o desinvestimento libidinal necessário.
Todo esse processo foi acompanhado pela psicóloga que pôde funcionar como figura de apoio emocional para o
adolescente na transição e para a família também no pós-óbito imediato.

Nesse contexto de atuação da psicóloga frente à possibilidade de morte real do paciente, buscou-se atuar conforme
proposto por Perina (2005) viabilizando uma permissão de elaborações de desinvestimentos libidinais, bem como uma
escuta atenta às necessidades do paciente e de sua família, conforme corroborado por Kovács (1992).

Percebe-se claramente que o tempo todo, o paciente e a família estão tendo que lidar com diversas questões sobrepostas:
a doença, o tratamento, a adolescência, tendências anti-sociais e a morte propriamente dita.

O ambiente de hospitalização já é complexo para qualquer indivíduo que dele necessite como es perança de vida, isso se
exacerba no caso de um adolescente que vive concomitantemente às perdas causadas pela doença e hospitalização, as
perdas próprias dessa faixa etária. Assim, os sentimentos de revolta, raiva, angústia e necessidade de reflexão,
isolamento e escuta se fazem presentes e merecem um cuidado pela equipe médica, em especial da equipe psicológica
que lida com tais pacientes e seus acompanhantes, já que o seu desenvolvimento psicológico não cessa diante do
processo do adoecer.

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http://bulario.bvs.br/index.php?action=search.2004080216222460659463000191&search=Cortisol&bas=search#inicio,
acessado em 09 de junho de 2006.

____________________
Recebido em 16/11/2008
Aprovado em 16/12/2008

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, a.5, n.9, fev.-jul. 2009. 41
OFICINA TERAPÊUTICA - UM OLHAR DA PSICOLOGIA SOBRE OS IDOSOS
Regiane Guimarães Silva 1

O aumento da expectativa de vida e o percentual de idosos na população são um fenômeno universal. Para que o
envelhecimento seja bem sucedido são necessárias políticas e práticas eficazes, que propiciem a valorização da
identidade do sujeito idoso, com qualidade de vida e integração biopsicossocial satisfatória e digna.

No momento em que se criam meios e ações mais eficazes que contribuam para o resgate de um sujeito idoso,
fornecendo-lhe meios e condições para uma vida mais satisfatória e digna, propicia-se o repensar sobre os processos do
envelhecimento como algo inerente ao desenvolvimento humano, desvinculando a velhice da exclusão, patologia,
improdutividade e estagnação.

Repensando esta concepção nova de envelhecer, realizei o projeto Oficina Terapêutica em várias instituições públicas e
particulares entre os anos de 2001 a 2007. A saber: Fundação João de Freitas - Juiz de Fora - MG (de 2001 a 2003),
Clínica de Repouso Raio de Sol - Santos - SP (2005 a 2006) e Secretaria do Bem Estar Social de Itutinga - MG (2006 a
2007).

Este projeto objetivava promover encontros semanais, com no máximo 10 idosos por grupo, promovendo a integração,
o resgate do sujeito idoso, buscando melhoria na qualidade de vida e das relações interpessoais, através de discussões,
dinâmicas, palestras, passeios, festividades e elaboração de poesias sobre os temas do envelhecimento. Foram
apresentados temas diversos, bem como o Estatuto do Idoso, com a entrega de livretos para cada participante.

Ao longo deste trabalho constatei que há ainda muito que se fazer com o sujeito idoso, uma vez que seus direitos são
pouco respeitados (muitos desconhecem o Estatuto do Idoso), políticas públicas pouco eficazes ou inexistentes em
alguns lugares, familiares mal orientados, ausentes ou pouco participativos na vida daqueles que se encontram
institucionalizados, cultura de exclusão ou assistencialista (muito paternalista, restringindo a sua autonomia), entre
outros.

Todavia este projeto desafiador e ao mesmo tempo muito gratificante fornece a eles (idosos) e principalmente a mim
(profissional e pessoalmente) meios de interação e participação saudável na sociedade, valorizando a vivência humana,
suas histórias, angústias, alegrias, desejos, sonhos, saudades, sabedoria e talentos.

Oficina terapêutica é o projeto que mais gratificações e satisfações me trouxe ao longo destes mais de oito anos de
formada, pois possibilita trabalhar a identidade do sujeito idoso, de forma respeitosa, ética e digna.

____________________
Recebido em 02/11/2008
Aprovado em 05/01/2009

1
Psicóloga. CRP 04/17265.

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, a.5, n.9, fev.-jul. 2009. 42
PREPARADA EU? NEM TANTO
Clarence Rose de Carvalho Knafelç Bonilha 1

Eu estava com 30 anos. Fui fazer o exame Papanicolau em um posto de saúde em um município vizinho do que eu
morava no interior de São Paulo, a enfermeira chefe fez a coleta do material e tão logo o resultado chegou, fui agendada
para passar com a médica.

Para minha surpresa, o resultado não foi nada agradável – diagnóstico – Displasia Severa.

Estava no corredor aguardando ser chamada. A ginecologista falou meu nome e eu entrei na sala. Foi aí que ocorreu
meu primeiro contato com a médica. Quando adentrei a sala, não houve empatia da minha parte com a Dra . Ela era nova
(depois vim saber que ela tinha minha idade, casada e tinha um filho de 03 anos de idade). Ela foi muito cuidadosa ao
me falar do resultado do meu exame, explicou todas as possibilidades na conduta do caso, mas disse que precisaríamos
fazer outros exames e inclusive repetir o Papanicolau e depois de posse dos outros resultados, voltaríamos a conversar.
A segunda coleta do material foi realizada por ela em seu consultório (embora eu continuasse a ser paciente do posto de
saúde). De posse de todos os exames, retornei ao consultório conforme tínhamos combinado. Todos os exames
confirmaram o resultado da primeira – Displasia Severa. A médica com muita clareza e transparência, foi me orientando
e explicando de todas as possibilidades de tratamento para o meu caso, inclusive o de fazer uma histerectomia parcial.
Pensei muito antes de tomar a minha decisão, mas optei pela histerectomia parcial, embora fosse solteira, sem filhos.
Naquele momento, eu pensava apenas em mim, na minha cura e na possibilidade de um futuro tranqüilo.

Realizei todos os exames de práxis de um pré-operatório. Marcamos a cirurgia para o dia 10 de fevereiro de 1992.

Lá fui eu para Santa Casa do município vizinho da minha cidade, num domingo as 18:00 horas, acompanhada da minha
mãe e minhas irmãs, mas elas não poderiam ficar, pois eu estava sendo internada pelo SUS e não tinha direito a
acompanhantes. Fui instalada em um quarto com banheiro e com uma paciente recém operada, minha família foi
embora. Deitei, foi me dando uma angustia, as horas não passavam, aquele silêncio começou a me incomodar, eu queria
que minha mãe estivesse ali comigo, assim poderia me sentir mais segura. Aquela noite foi muito longa, não consegui
dormir, passava por cochilos, até que amanheceu.

Após a troca de plantão da equipe de enfermagem, veio uma enfermeira que fez toda preparação para a cirurgia. Tomei
banho e vesti a famosa camisola azul aberta nas costas.

Minha cirurgia estava marcada para as 10:00 horas. As 9:00 horas veio à maca para me levarem para o centro cirúrgico.
Minha mãe e minhas irmãs estavam comigo neste momento. Subi na maca e lá vou eu por aqueles corredores
infinitamente longos... a enfermeira caminhava a passos largos e minha família quase que fazendo Cooper para
conseguir acompanhar a maca. Entramos em um elevador extremamente apertado. Ali, minha mãe segurou minha mão
que estava gelada, eu estava com medo, muito medo, mas não queria deixar transparecer, as pessoas estavam
espremidas, silêncio total, nós só nos entreolhávamos sem nada dizer, nesta hora não tem o que falar, as palavras
somem num piscar de olhos.

Chegamos no andar do centro cirúrgico. Saímos do elevador e foi aquela maratona novamente até chegarmos a porta
do centro cirúrgico.

Momento das despedidas e dos desejos de boa sorte. Esse momento foi terrível, eu não conseguia falar nada, tinha um
nó na minha garganta e meus olhos lacrimejavam por mais que eu me esforçasse, as lágrimas escorriam pelo canto dos
olhos, esbocei um sorriso muito dos sem graça e a maca adentrou-se centro cirúrgico.

1
Psicóloga clínica. CRP 06/29468. Formada em 1987 pela Universidade de Marília/SP. Experiência nas áreas judicial, pessoas
especiais e clínica.

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, a.5, n.9, fev.-jul. 2009. 43
Eu tinha a sensação de estar em um labirinto, vira a maca para esquerda, depois direita, eu via o corredor, as portas em
sentido contrário. Minha médica veio ao meu encontro e eu não a reconheci, pois ela estava toda paramentada para
realizar a cirurgia.

Olha, mesmo que eu quisesse fugir daquele lugar, eu não conseguiria, eu não saberia sair dali tamanho labirinto.

Lembro me nitidamente da sala de cirurgia. Ampla, pintada de azul clarinho, muita clara, teto arredondado, mesas com
os instrumentos, aparelhos, muitas enfermeiras. Passaram-me para a mesa cirúrgica. Veio a anestesista, pegou minha
veia, colocou soro e conversando comigo, pediu para que eu contar o número de lâmpadas que havia em cima de mim,
lembro me de ter contado até o número 23...

Acordei na sala de recuperação.

Ali dentro, perdi totalmente a noção do tempo... Olhei para os lados e vi pacientes recém operados como eu, ouvia
gemidos, outros reclamando de dores, aquilo começou a incomodar me e eu queria sair dali. Como eu estava bem, sinais
vitais dentro da normalidade, não sentia dores fui levada para o quarto. O enfermeiro colocou me na cama com muito
cuidado e saíram do quarto com a maca.

Perguntei as horas para minha companheira de quarto, ela me respondeu que eram 17:00 horas. Logo veio o jantar, uma
sopa leve (odeio sopas), mas tomei, pois eu queria me restabelecer o quanto antes para ir embora para minha casa.
Minha noite foi longa, eu cochilava, enfermeira entrando a noite toda no quarto para dar medicação, aferir sinais vitais e
controlar o soro.

Logo cedo, fui tomar um banho no chuveiro, tomei o café da manhã e fiquei aguardando a visita da minha médica.
Quando ela veio me ver, conversamos bastante, ela me explicou como tinha sido minha cirurgia e se tudo corresse bem,
na quinta feira eu teria alta hospitalar.

As 15:00 horas recebi a visita da minha família. Que delícia estar com as pessoas que amamos, elas nós passam
segurança, mas durou pouco, apenas meia hora e as vistas foram embora. E assim foi durante a minha permanência no
hospital. Chegou o dia tão esperado – minha alta hospitalar.

Sinto que foi muita bem preparada pela minha médica, ela me passou confiança e credibilidade, eu tinha total
consciência que minha cirurgia era irreversível. Todo e qualquer procedimento a que seria submetida, ela orientou de
forma clara e transparente. Quanto à equipe de enfermagem fui muito bem assistida.

Eu estava preparada para o ato cirúrgico em si, mas não estava preparada para estar sozinha no hospital, este foi meu
maior sofrimento, a solidão, hospitalar.

Hoje estou casada, embora não temos filhos, me considero uma pessoa realizada e feliz, pois tenho um marido que me
aceitou com o que tenho de melhor para oferecer, muito carinho, respeito, ternura e muito amor.

____________________
Recebido em 02/11/2008
Aprovado em 09/11/2008

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, a.5, n.9, fev.-jul. 2009. 44
DINÂMICA

VIDA E MORTE
Susana Alamy 1

Destina-se aos professores de Psicologia Hospitalar para que possam trabalhar junto aos seus alunos a dimensão “vida e
morte”.

ETAPAS:

1. Distribuir entre os alunos 2 folhas em branco.


2. Pedir aos alunos que desenhem a “morte” e a “vida”. Deixá-los livres para fazerem um desenho em cada folha ou os
dois na mesma folha.
3. Depois de prontos os desenhos, pedir aos alunos que falem sobre eles, o que observaram, o que pensaram a respeito
etc.
4. Pedir que escrevam o que falaram a respeito dos desenhos.
5. Discutir a dinâmica com a turma, onde cada um poderá participar. Aqueles que não quiserem discutir, deverão ser
respeitados em seu silêncio.

OBJETIVO:

Possibilitar aos alunos tomarem consciência da maneira como percebem a morte e a vida.

____________________
Recebido em 01/10/2008
Aprovado em 01/01/2009

1
Psicóloga Clínica e Hospitalar. CRP 04/6956.

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, a.5, n.9, fev.-jul. 2009. 45
LEGISLAÇÃO

Lei 10.205/01 - Dispõe sobre a captação, proteção ao doador e ao receptor, coleta, processamento, estocagem,
distribuição e transfusão do sangue, de seus componentes e derivados.

LEI N. 10.205, DE 21 DE MARÇO DE 2001

Regulamenta o § 4o do art. 199 da Constituição Federal, relativo à coleta, processamento, estocagem, distribuição e
aplicação do sangue, seus componentes e derivados, estabelece o ordenamento institucional indispensável à execução
adequada dessas atividades, e dá outras providências.

TÍTULO I

DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

Art. 1o Esta Lei dispõe sobre a captação, proteção ao doador e ao receptor, coleta, processamento, estocagem,
distribuição e transfusão do sangue, de seus componentes e derivados, vedada a compra, venda ou qualquer outro tipo
de comercialização do sangue, componentes e hemoderivados, em todo o território nacional, seja por pessoas físicas ou
jurídicas, em caráter eventual ou permanente, que estejam em desacordo com o ordenamento institucional estabelecido
nesta Lei.

Art. 2o Para efeitos desta Lei, entende-se por sangue, componentes e hemoderivados os produtos e subprodutos
originados do sangue humano venoso, placentário ou de cordão umbilical, indicados para diagnóstico, prevenção e
tratamento de doenças, assim definidos:

I - sangue: a quantidade total de tecido obtido na doação;

II - componentes: os produtos oriundos do sangue total ou do plasma, obtidos por meio de processamento físico;

III - hemoderivados: os produtos oriundos do sangue total ou do plasma, obtidos por meio de processamento físico-
químico ou biotecnológico.

Parágrafo único. Não se considera como comercialização a cobrança de valores referentes a insumos, materiais, exames
sorológicos, imunoematológicos e demais exames laboratoriais definidos pela legislação competente, realizados para a
seleção do sangue, componentes ou derivados, bem como honorários por serviços médicos prestados na assistência aos
pacientes e aos doadores.

Art. 3o São atividades hemoterápicas, para os fins desta Lei, todo conjunto de ações referentes ao exercício das
especialidades previstas em Normas Técnicas ou regulamentos do Ministério da Saúde, além da proteção específica ao
doador, ao receptor e aos profissionais envolvidos, compreendendo:

I - captação, triagem clínica, laboratorial, sorológica, imunoematológica e demais exames laboratoriais do doador e do
receptor, coleta, identificação, processamento, estocagem, distribuição, orientação e transfusão de sangue, componentes
e hemoderivados, com finalidade terapêutica ou de pesquisa;

II - orientação, supervisão e indicação da transfusão do sangue, seus componentes e hemoderivados;

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, a.5, n.9, fev.-jul. 2009. 46
III - procedimentos hemoterápicos especiais, como aféreses, transfusões autólogas, de substituição e intra-uterina,
criobiologia e outros que advenham de desenvolvimento científico e tecnológico, desde que validados pelas Normas
Técnicas ou regulamentos do Ministério da Saúde;

IV - controle e garantia de qualidade dos procedimentos, equipamentos reagentes e correlatos;

V - prevenção, diagnóstico e atendimento imediato das reações transfusionais e adversas;

VI - prevenção, triagem, diagnóstico e aconselhamento das doenças hemotransmissíveis;

VII - proteção e orientação do doador inapto e seu encaminhamento às unidades que promovam sua reabilitação ou
promovam o suporte clínico, terapêutico e laboratorial necessário ao seu bem-estar físico e emocional.

§ 1o A hemoterapia é uma especialidade médica, estruturada e subsidiária de diversas ações médico-sanitárias corretivas
e preventivas de agravo ao bem-estar individual e coletivo, integrando, indissoluvelmente, o processo de assistência à
saúde.

§ 2o Os órgãos e entidades que executam ou venham a executar atividades hemoterápicas estão sujeitos,
obrigatoriamente, a autorização anual concedida, em cada nível de governo, pelo Órgão de Vigilância Sanitária,
obedecidas as normas estabelecidas pelo Ministério da Saúde.

Art. 4o Integram o conjunto referido no caput do art. 2o desta Lei os reagentes e insumos para diagnóstico que são
produtos e subprodutos de uso laboratorial oriundos do sangue total e de outras fontes.

Art. 5o O Ministério da Saúde, por intermédio do órgão definido no regulamento, elaborará as Normas Técnicas e
demais atos regulamentares que disciplinarão as atividades hemoterápicas conforme disposições desta Lei.

Art. 6o Todos os materiais e substâncias ou correlatos que entrem diretamente em contato com o sangue coletado para
fins transfusionais, bem como os reagentes e insumos para laboratório utilizados para o cumprimento das Normas
Técnicas devem ser registrados ou autorizados pelo Órgão de Vigilância Sanitária competente do Ministério da Saúde.

Art. 7o As atividades hemoterápicas devem estar sob responsabilidade de um médico hemoterapeuta ou hematologista,
admitindo-se, entretanto, nos locais onde não haja esses especialistas, sua substituição por outro médico devidamente
treinado para bem desempenhar suas responsabilidades, em hemocentros ou outros estabelecimentos devidamente
credenciados pelo Ministério da Saúde.

TÍTULO II

DA POLÍTICA NACIONAL DE SANGUE, COMPONENTES E HEMODERIVADOS

CAPÍTULO I

DO ORDENAMENTO INSTITUCIONAL

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, a.5, n.9, fev.-jul. 2009. 47
Art. 8o A Política Nacional de Sangue, Componentes e Hemoderivados terá por finalidade garantir a auto-suficiência do
País nesse setor e harmonizar as ações do poder público em todos os níveis de governo, e será implementada, no âmbito
do Sistema Único de Saúde, pelo Sistema Nacional de Sangue, Componentes e Derivados - SINASAN, composto por:

I - organismos operacionais de captação e obtenção de doação, coleta, processamento, controle e garantia de qualidade,
estocagem, distribuição e transfusão de sangue, seus componentes e hemoderivados;

II - centros de produção de hemoderivados e de quaisquer produtos industrializados a partir do sangue venoso e


placentário, ou outros obtidos por novas tecnologias, indicados para o diagnóstico, prevenção e tratamento de doenças.

§ 1o O Ministério da Saúde editará planos e programas quadrienais voltados para a Política Nacional de Sangue,
Co mponentes e Hemoderivados, como parte integrante e específica do Plano Plurianual da União.

§ 2o Para atingir essas finalidades, o Ministério da Saúde promoverá as medidas indispensáveis ao desenvolvimento
institucional e à capacitação gerencial e técnica da rede de unidades que integram o SINASAN.
Art. 9o São órgãos de apoio do SINASAN:

I - órgãos de vigilância sanitária e epidemiológica, que visem ao controle da qualidade do sangue, componentes e
hemoderivados e de todo insumo indispensável para ações de hemoterapia;

II - laboratórios de referência para controle e garantia de qualidade do sangue, componentes e hemoderivados, bem
como de insumos básicos utilizados nos processos hemoterápicos, e confirmação de doadores e amostras reativas, e dos
reativos e insumos diagnósticos utilizados para a proteção das atividades hemoterápicas;

III - outros órgãos e entidades que envolvam ações pertinentes à mencionada política.

Art. 10. A Política Nacional de Sangue, Componentes e Hemoderivados observará os princípios e diretrizes do Sistema
Único de Saúde.

Parágrafo único. Os serviços privados, com ou sem fins lucrativos, assim como os serviços públicos, em qualquer nível
de governo, que desenvolvam atividades hemoterápicas, subordinam-se tecnicamente às normas emanadas dos poderes
competentes.

Art. 11. A Política Nacional de Sangue, Componentes e Hemoderivados será desenvolvida por meio da rede nacional de
Serviços de Hemoterapia, públicos e/ou privados, com ou sem fins lucrativos, de forma hierárquica e integrada, de
acordo com regulamento emanado do Ministério da Saúde.

§ 1o Os serviços integrantes da rede nacional, vinculados ou não à União, Estados, Municípios e Distrito Federal, reger-
se-ão segundo os respectivos regulamentos e normas técnicas pertinentes, observadas as disposições desta Lei.

§ 2o Os serviços integrantes da rede nacional serão de abrangência nacional, regional, interestadual, estadual, municipal
ou local, conforme seu âmbito de atuação.

Art. 12. O Ministério da Saúde promoverá as medidas indispensáveis ao desenvolvimento institucional, modernização
administrativa, capacitação gerencial e consolidação física, tecnológica, econômica e financeira da rede pública de
unidades que integram o SINASAN.

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, a.5, n.9, fev.-jul. 2009. 48
Art. 13. Cada unidade federativa implantará, obrigatoriamente, no prazo de cento e oitenta dias, contados da publicação
do regulamento desta Lei, o Sistema Estadual de Sangue, Componentes e Derivados, obedecidos os princípios e
diretrizes desta Lei.

CAPÍTULO II

DOS PRINCÍPIOS E DIRETRIZES

Art. 14. A Política Nacional de Sangue, Componentes e Hemoderivados rege-se pelos seguintes princípios e diretrizes:

I - universalização do atendimento à população;

II - utilização exclusiva da doação voluntária, não remunerada, do sangue, cabendo ao poder público estimulá -la como
ato relevante de solidariedade humana e compromisso social;

III - proibição de remuneração ao doador pela doação de sangue;

IV - proibição da comercialização da coleta, processamento, estocagem, distribuição e transfusão do sangue,


componentes e hemoderivados;

V - permissão de remuneração dos custos dos insumos, reagentes, materiais descartáveis e da mão-de-obra
especializada, inclusive honorários médicos, na forma do regulamento desta Lei e das Normas Técnicas do Ministério
da Saúde;

VI - proteção da saúde do doador e do receptor mediante informação ao candidato à doação sobre os procedimentos a
que será submetido, os cuidados que deverá tomar e as possíveis reações adversas decorrentes da doação, bem como
qualquer anomalia importante identificada quando dos testes laboratoriais, garantindo-lhe o sigilo dos resultados;

VII - obrigatoriedade de responsabilidade, supervisão e assistência médica na triagem de doadores, que avaliará seu
estado de saúde, na coleta de sangue e durante o ato transfusional, assim como no pré e pós-transfusional imediatos;

VIII - direito a informação sobre a origem e procedência do sangue, componentes e hemoderivados, bem como sobre o
serviço de hemoterapia responsável pela origem destes;

IX - participação de entidades civis brasileiras no processo de fiscalização, vigilância e controle das ações
desenvolvidas no âmbito dos Sistemas Nacional e Estaduais de Sangue, Componentes e Hemoderivados;

X - obrigatoriedade para que todos os materiais ou substâncias que entrem em contato com o sangue coletado, com
finalidade transfusional, bem como seus componentes e derivados, sejam estéreis, apirogênicos e descartáveis;

XI - segurança na estocagem e transporte do sangue, componentes e hemoderivados, na forma das Normas Técnicas
editadas pelo SINASAN; e

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, a.5, n.9, fev.-jul. 2009. 49
XII - obrigatoriedade de testagem individualizada de cada amostra ou unidade de sangue coletado, sendo proibida a
testagem de amostras ou unidades de sangue em conjunto, a menos que novos avanços tecnológicos a justifiquem,
ficando a sua execução subordinada a portaria específica do Ministério da Saúde, proposta pelo SINASAN.

§ 1o É vedada a doação ou exportação de sangue, componentes e hemoderivados, exceto em casos de solidariedade


internacional ou quando houver excedentes nas necessidades nacionais em produtos acabados, ou por indicação médica
com finalidade de elucidação diagnóstica, ou ainda nos acordos autorizados pelo órgão gestor do SINASAN para
processamento ou obtenção de derivados por meio de alta tecnologia, não acessível ou disponível no País.

§ 2o Periodicamente, os serviços integrantes ou vinculados ao SINASAN deverão transferir para os Centros de


Produção de Hemoterápicos governamentais as quantidades excedentes de plasma.

§ 3o Caso haja excedente de matéria -prima que supere a capacidade de absorção dos centros governamentais, este
poderá ser encaminhado a outros centros, resguardado o caráter da não-comercialização.

CAPÍTULO III

DO CAMPO DE ATUAÇÃO

Art. 15. A Política Nacional de Sangue, Componentes e Hemoderivados objetivará, entre outras coisas:

I - incentivo às campanhas educativas de estímulo à doação regular de sangue;

II - recrutamento, triagem clínica e laboratorial do doador, coleta, fracionamento, processamento, estocagem,


distribuição, provas imunoematológicas, utilização e descarte de sangue, componentes e hemoderivados;

III - verificação e aplicação permanente de métodos e ações de controle de qualidade do sangue, componentes e
hemoderivados;

IV - instituição de mecanismos de controle do descarte de todo o material utilizado na atividade hemoterápica, para que
se evite a contaminação ambiental, devendo todos os materiais e substâncias que entrem em contato com o sangue
coletado, seus componentes e hemoderivados, ser esterilizados ou incinerados após seu uso;

V - fiscalização da utilização ou estocagem do sangue, componentes e hemoderivados em todas as instituições públicas


ou privadas que exerçam atividade hemoterápica;

VI - implementação, acompanhamento e verificação da observância das normas relativas à manutenção de


equipamentos e instalações físicas dos órgãos que integram a Rede Nacional dos Serviços de Hemoterapia;

VII - orientação e apoio aos casos de reações transfusionais e doenças pós-transfusionais do sangue, seus componentes
e hemoderivados;

VIII - participação na formação e aperfeiçoamento de recursos humanos em Hemoterapia e Hematologia;

IX - ensino, pesquisa e desenvolvimento tecnológico em Hemoterapia e Hematologia;

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, a.5, n.9, fev.-jul. 2009. 50
X - a implementação de sistemas informatizados com vistas à formação e estruturação de banco de dados e
disseminação de informações tecnológicas, operacionais e epidemiológicas;

XI - produção de derivados industrializados de plasma e reagentes, para uso laboratorial em Hemoterapia e em


Hematologia e autorização para aquisição de anti-soros ou outros produtos derivados do sangue, essenciais para a
pesquisa e diagnóstico.

CAPÍTULO IV

DA DIREÇÃO E GESTÃO

Art. 16. A Política Nacional de Sangue, Componentes e Hemoderivados, cuja execução estará a cargo do SINASAN,
será dirigida, em nível nacional, por órgão específico do Ministério da Saúde, que atuará observando os seguintes
postulados:

I - coordenar as ações do SINASAN;

II - fixar e atualizar normas gerais relativas ao sangue, componentes e hemoderivados para a sua obtenção, controle,
processamento e utilização, assim como aos insumos e equipamentos necessários à atividade hemoterápica;

III - propor, em integração com a vigilância sanitária, normas gerais para o funcionamento dos órgãos que integram o
Sistema, obedecidas as Normas Técnicas;

IV - integrar-se com os órgãos de vigilância sanitária e epidemiológica e laboratórios oficiais, para assegurar a
qualidade do sangue, componentes e hemoderivados e dos respectivos insumos básicos;

V - propor às esferas do poder público os instrumentos legais que se fizerem necessários ao funcionamento do
SINASAN;

VI - organizar e manter atualizado cadastro nacional de órgãos que compõem o SINASAN;

VII - propor aos órgãos competentes da área de educação critérios para a formação de recursos humanos especializados
necessários à realização de atividades hemoterápicas e à obtenção, controle, processamento, estocagem, distribuição,
transfusão e descarte de sangue, componentes e hemoderivados, inclusive a implementação da disciplina de
Hemoterapia nos cursos de graduação médica;

VIII - estabelecer critérios e conceder autorização para importação e exportação de sangue, componentes e
hemoderivados, observado o disposto no § 1o do art. 14 e no parágrafo único do art. 22 desta Lei;

IX - estimular a pesquisa científica e tecnológica relacionada com sangue, seus componentes e hemoderivados, de
reagentes e insumos para diagnóstico, assim como nas áreas de hemoterapia e hematologia;

X - fixar requisitos para a caracterização de competência dos órgãos que compõem o SINASAN, de acordo com seu
ordenamento institucional estabelecido no art. 15 desta Lei;

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XI - estabelecer critérios de articulação do SINASAN com órgãos e entidades nacionais e estrangeiras de cooperação
técnico-científica;

XII - avaliar a necessidade nacional de sangue humano, seus componentes e hemoderivados de uso terapêutico, bem
como produtos de uso laboratorial e propor investimentos para a sua obtenção e produção;

XIII - estabelecer mecanismos que garantam reserva de sangue, componentes e hemoderivados e sua mobilização em
caso de calamidade pública;

XIV - incentivar e colaborar com a regulamentação da atividade industrial e sua operacionalização para produção de
equipamentos e insumos indispensáveis à atividade hemoterápica, e inclusive com os Centros de Produção de
Hemoderivados;

XV - estabelecer prioridades, analisar projetos e planos operativos dos órgãos que compõem a Rede Nacional de
Serviços de Hemo terapia e acompanhar sua execução;

XVI - avaliar e acompanhar o desempenho técnico das atividades dos Sistemas Estaduais de Sangue, Componentes e
Hemoderivados;

XVII - auxiliar na elaboração de verbetes da Farmacopéia Brasileira, relativos aos hemoterápicos e reagentes utilizados
em Hemoterapia e Hematologia;

XVIII - propor normas gerais sobre higiene e segurança do trabalho nas atividades hemoterápicas, assim como sobre o
descarte de produtos e rejeitos oriundos das atividades hemoterápicas.

Art. 17. Os Estados, Distrito Federal e Municípios, por meio de suas Secretarias de Saúde ou equivalentes, coordenarão
a execução das ações correspondentes do SINASAN no seu âmbito de atuação, em articulação com o Ministério da
Saúde.

Art. 18. O Conselho Nacional de Saúde atuará na definição da política do SINASAN e acompanhará o cumprimento das
disposições constantes desta Lei.

CAPÍTULO V

DO FINANCIAMENTO

Art. 19. (VETADO)

TÍTULO III

DISPOSIÇÕES GERAIS E TRANSITÓRIAS

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Art. 20. O SINASAN promoverá a estruturação da Rede Nacional de Serviços de Hemoterapia e Laboratórios de
Referência Estadual e/ou Municipal para controle de qualidade, a fim de garantir a auto-suficiência nacional em sangue,
componentes e hemoderivados.

Parágrafo único. A implantação do SINASAN será acompanhada pelo Conselho Nacional de Saúde.

Art. 21. Os Centros de Produção de Derivados do Plasma, públicos e privados, informarão aos órgãos de vigilância
sanitária a origem e quantidade de matéria-prima, que deverá ser testada obrigatoriamente, bem como a expedição de
produtos acabados ou semi -acabados.

Art. 22. A distribuição e/ou produção de derivados de sangue produzidos no País ou importados será objeto de
regulamentação por parte do Ministério da Saúde.

Parágrafo único. O SINASAN coordenará, controlará e fiscalizará a utilização de hemoderivados importados ou


produzidos no País, estabelecendo regras que atendam os interesses e as necessidades nacionais, bem como a defesa da
produção brasileira.

Art. 23. A aférese não terapêutica para fins de obtenção de hemoderivados é atividade exclusiva do setor público,
regulada por norma específica.

Art. 24. O processamento do sangue, componentes e hemoderivados, bem como o controle sorológico e
imunoematológico, poderá ser da responsabilidade de profissional farmacêutico, médico hemoterapeuta, biomédico ou
de profissional da área de saúde com nível universitário, com habilitação em processos produtivos e de garantia e
certificação de qualidade em saúde.

Art. 25. O Poder Executivo encaminhará ao Congresso Nacional, no prazo de cento e oitenta dias, a contar da data de
publicação desta Lei, projeto de lei disciplinando as sanções penais, cíveis e administrativas decorrentes do
descumprimento das normas contidas nesta Lei.

Art. 26. O Poder Executivo, por intermédio do Ministério da Saúde, regulamentará no prazo de cento e oitenta dias,
contados a partir da promulgação desta Lei, mediante Decreto, a organização e funcionamento do SINASAN, ficando
autorizado a editar os demais atos que se fizerem necessários para disciplinar as atividades hemoterápicas e a plena
execução desta Lei.(Regulamento)

Art. 27. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 28. Revoga-se a Lei n o 4.701, de 28 de junho de 1965.

Brasília, 21 de março de 2001; 180o da Independência e 113o da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO


José Gregori
Pedro Malan
José Serra
Roberto Brant

Referência: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LEIS_2001/L10205.htm

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