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Conversas de Taverna I

Por BJ Moraes

Conversas de Taverna I - Bom, que eu me lembre, era um a noite


O Caso do Taverneiro Roubado parecida com essa, há poucos verões atrás. Lembro bem
do cheiro das flores e do barulho dos grilos. Muitos
Eis que em uma pequena vila perdida nos viajantes estavam por aqui, e tudo aconteceu pouco
confins do Reinado, há uma taverna conhecida tempo depois que a filha de Edgar, o jardineiro,
como a Caneca Rachada, um lugar como outros adoeceu e foi levada pelos deuses (que esteja em paz).
tantos pelo mundo; e lá, muitos vagabundos e Então, poucas pessoas da cidade estavam por aqui, pois
heróis já passaram, e continuam passando até todos estavam abatidos, e os poucos que saíram de casa
hoje. E esses visitantes, ilustres ou não, sempre estavam consolando o pobre Edgar e sua mulher.
foram bem recebidos, pois Ellon, o taverneiro, e Comentei com Miludda que estava com medo,
Miludda, sua mulher, são bons anfitriões e bons pois muitos mal- encarados chegaram naquela noite.
atendentes. Poucas foram as vezes em que a Não demorou muito para que a bebida subisse à cabeça
confusão ou a violência entraram por aquelas deles, como vocês já sabem que acontece muito por
grandes e fortes portas de madeira. aqui. – uma risada sincera de todos interrompeu
A Caneca Rachada era (e continua sendo), brevemente o silêncio, antes que os homens e mulheres
uma casa de pedra, com telhado de palha grossa. As presentes voltassem a prestar atenção no bom Ellon.
portas e janelas foram feitas de madeira nobre, Começaram então a brigar dois dos
como em poucos lugares ou reinos se encontra hoje vagabundos; desarrumados e mal penteados que
em dia. E dizem os freqüentadores mais antigos, estavam, pensei que eram mendigos. Mas um sacou a
como o velho Haggam, que a casa da taverna tinha espada, e todos se desesperaram. A correria foi terrível,
sido construída há mais de cem anos. Lá dentro, um gritos e mesas caindo para todo o lado. Mas depois de
grande salão era aquecido por uma lareira sempre algumas tentativas de estocar o outro, o homem com a
bem mantida nos dias frios. Duas mesas com muitos espada foi nocauteado com um soco bem dado no
lugares eram compartilhadas pelos freqüentadores, queixo; afinal de contas, estava mais bêbado que o
principalmente quando a jovem Fellas, filha de primeiro.
Ellon, o taverneiro, servia sua comida saborosa ou a As coisas começaram a acalmar e um grupo de
famosa cerveja feita ali mesmo. O balcão também homens levou o coitado desmaiado para fora. Foi
servia de mesa, quando necessário, e as cadeiras e quando me dei conta que alguns sacos de tibares foram
bancos se amontoavam quando Laurinell, o Elfo, levados na confusão... alguém se aproveitou e roubou
que já era velho mesmo para sua raça, contava as nosso dinheiro. Eu jamais teria esperança de recuperá-
histórias dos tempos idos, ou quando um dos lo ou de descobrir quem o roubara se não fosse pelo que
presentes compartilhava de suas próprias histórias. aconteceu no dia seguinte...
E entre essas histórias contadas por lá, está - E o que foi que aconteceu, Ellon? – perguntou
a que começará a seguir, e eis que foi contada pelo um viajante de roupas vistosas.
próprio Ellon, dono do lugar, em uma noite - Meu bom viajante, muitos aqui sabem o que
estrelada e quente de verão. Viajantes e habitantes aconteceu, e seria mais engraçado se não fosse tão
da vila estavam por lá, bebendo e descansando, trágico. Morwen, a mulher de Broda, veio correndo e
conversando sobre seus assuntos, até que um dos gritando pela rua bem cedo. Acho que ela mesma pode
homens, um tal de Broda, pediu a Ellon para que contar melhor o que viu.
divertisse a todos contando o caso de quando fora Morwen, uma mulher bela, de longos cabelos
roubado. A taverna inteira calou-se e só se pôde negros e olhar penetrante, sorriu e levantou-se. Todos
ouvir o som incessante dos grilos lá fora; Ellon viram-se para prestar atenção.
coçou a sua grande barba grisalha, quase branca, - Eu havia saído cedo de casa para buscar água
como se tentasse lembrar de tudo com clareza. no poço, quando vi algo estirado no chão. Eram três
Ainda com a testa franzida, deu um passo a frente e corpos de homens mal vestidos, mortos a golpes de
sorriu a todos que o olhavam quietos. E foi assim espada. Chamei a todos, e o próprio Ellon os
que começou a contar: reconheceu como alguns que estavam na taverna

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durante a noite passada, e entre eles, os próprios que
armaram uma briga... todos se perguntavam o que
em nome dos deuses havia acontecido com os sujos,
embora poucos o lamentassem. Foi quando achamos
um bilhete em fina caligrafia, como poucos sabem
fazer. E eis que dizia... como era mesmo, Ellon?
- Eu tenho o tal bilhete guardado aqui,
Morwen! Tenho pensado em mandar Viggo, o
marceneiro, colocar uma moldura e fixá-lo na
parede, como aviso. – todos riram.
Ellon desdobrou o bilhete em uma papel
meio amarelado, escrito em tinta negra.
- Diz assim: “ não sabemos de onde vieram
esses gatunos, mas a julgar pela tentativa de roubar
nosso grupo, não eram muito inteligentes. Não
sabiam, pois, que éramos aventureiros a passar no
meio da noite em uma viagem! Não tivemos escolha
senão matar esses bandidos. Deixamos ainda com
eles os sacos de tibares que tinham e que
provavelmente não os pertencia. Assinado, Will
Manto- Verde, o mago ”.
- Coitados! – disse o viajante de roupas
finas- que sorte infeliz! Mas não posso dizer que
não foi merecida.
- Parece que Nimb rolou bons dados para
Ellon, afinal. – disse Morwen.
- Mas dados ruins para os ladrões! - disse
Ellon, seguido de risos dos homens e mulheres
presentes; e completou, como que em desabafo
sincero- e não digo que não é assim que tem que ser.
Era tarde então, e aos poucos a Caneca
Rachada foi esvaziando. Muitas noites como aquela
se repetiriam pelos anos que se passaram, e muitas
são as histórias e canções que se ouviram por lá.
Todos voltaram para suas casas ou seus quartos, e a
noite terminou quieta, com o som dos grilos e dos
pássaros que começavam a cantar, anunciando a
aurora que em algumas horas chegaria, banhando
com o sol aquela taverna no meio do Reinado.

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