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TENDÊNCIAS GASTRONÔMICAS

Cesar Augusto Kenzo Horikawa Sakaki


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5 A ESTÉTICA NA GASTRONOMIA

Apresentação
Neste bloco, vamos estudar de modo geral os princípios envolvidos na montagem de
pratos, que não são montados apenas seguindo um determinado gosto ou preferência
visual, mas uma série de princípios que envolvem não apenas a estética final.
Conheceremos a origem do valor estético no serviço empratado, os princípios de
montagem de pratos e finalizaremos com uma discussão de alguns erros e vícios que
muitos restaurantes ainda cometem e o porquê de isso acontecer.

5.1 Influência oriental


A preocupação estética com a montagem dos pratos não é recente, haja vista que
desde o período dos grandes banquetes promovidos pela corte francesa havia
impecáveis montagens de preparações tanto doces quanto salgadas.
O intuito era impressionar os convidados, com bolos com diversos andares de altura,
animais assados inteiros, sobremesas decoradas com frutas etc.
No entanto, o serviço empratado só se tornou padrão a partir de Escoffier, que
também deu um novo tratamento estético aos pratos, agora individuais, em porções
menores. É bastante conhecida a passagem em que o chef Escoffier esculpiu um cisne
de gelo para servir uma sobremesa criada especialmente em homenagem à cantora de
ópera Nellie Melba. Isso mostra o refinamento da preocupação estética com seus
pratos.
Porém, da mesma forma que a cozinha francesa clássica se tornou obsoleta ao longo
do século XX, igualmente seu padrão estético ficou ultrapassado e a Nouvelle Cuisine
se debruçou também sobre esse problema e pensou em saídas, alternativas para
reformular o visual de suas preparações.
A inspiração veio da Cozinha Oriental, especialmente da China e do Japão. A Cozinha
Chinesa é bastante colorida, valorizando as cores naturais dos ingredientes, sendo
comum você encontrar, por exemplo, um pimentão vermelho radiante, brilhante, que

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visualmente já transmite sua crocância e seu frescor. A Nouvelle Cuisine, então,


incorporou essa ideia do frescor e da combinação de cores.
Da Cozinha Japonesa, veio a ideia do minimalismo, de se colocar o alimento no prato
como se este fosse um altar, o prato sendo o altar da comida, sem a necessidade de
decorações exageradas ou diversas guarnições. Em outras palavras, uma comida
preparada fabulosamente já será visualmente atraente por si, basta saber oferecê-la
do modo correto.

Figura 5.1 ̶ Tempura ̶ Estética japonesa minimalista influenciou a Nouvelle Cuisine.

Assim, a Nouvelle Cuisine começou a desenvolver uma filosofia minimalista, buscando


harmonizar esteticamente a louça e o alimento servido nela, a exemplo dos japoneses,
tratando o prato como o altar e realçando as características mais proeminentes de
cada ingrediente, seja sua cor, textura, umidade etc., não utilizando mais decorações
desnecessárias tão comuns até então.
Mas o que seriam as decorações desnecessárias?
Você já deve ter visto uma flor feita com tomate ou um alecrim espetado, ou então,
uma pimenta dedo de moça inteira decorando um prato. Tudo isso ainda é feito

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atualmente, mas sua origem data lá da década de 1980 e 1990, um tanto quanto
ultrapassado, não é mesmo?
Não entrando na discussão visual e estética, mas falando de uma questão prática,
todos esses elementos citados acima que estão decorando o prato têm um mesmo
destino final: o lixo. É um desperdício de insumo, um alimento que foi cultivado (e
sabemos de todos os desafios em se cultivar um alimento, o tempo, o trabalho, o
cuidado), beneficiado, transportado, armazenado, enfim, passou por toda a cadeia
completa de produção para no final da refeição ir parar no lixo: um desperdício.
Em termos ainda mais objetivos, aquela pimenta dedo de moça custou dinheiro.
Dinheiro que está indo, literalmente, para o lixo.
Dessa maneira, a fim de transformar a relação com o alimento e estabelecer um
consumo mais consciente e, porque não, mais respeitoso com ele, a Nouvelle Cuisine
trouxe essa perspectiva minimalista na qual a estrela do prato é a própria preparação e
que, de tão bem trabalhada, não necessita de praticamente mais nenhum artifício.

Figura 5.2 ̶ Percebe-se que não há nenhuma decoração desnecessária.

5.2 Princípios de montagem de pratos


Há quatro princípios básicos que servem como técnicas de montagem de um prato:
unidade, equilíbrio, ponto focal, fluxo.

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Unidade diz respeito ao conjunto do prato como um todo, que deve formar um
conjunto coeso, deve ficar clara uma determinada linguagem estética, uma
composição visual harmoniosa. Não significa que você deva sempre dispor um único
elemento no centro do prato ou que não possa deixar espaços vazios. Pelo contrário, o
espaço em branco, o espaço vazio é que ajuda a criar a unidade e a harmonia. Tal qual
numa música, não é o som que cria uma melodia harmoniosa, mas os espaços sem
som que ditam as nuances de uma música. Assim, o princípio da Unidade não é
sinônimo de elementos amontoados ou necessariamente unidos, mas diz respeito a
uma unidade coesa, ainda que os elementos estejam separados entre si.
Equilíbrio estabelece o equilíbrio de cores, proporção e porcionamento: cores que
estejam em harmonia, sejam as cores dos alimentos ou as cores das louças em relação
aos alimentos; proporção dos alimentos entre si, por isso, escolher os cortes e a forma
de preparo já pensando na montagem, bem como na proporção da louça em relação
ao quanto de alimento será oferecido dentro dela; e porcionamento, que seja
adequado a um serviço empratado individual, sem exageros, mas também sem
porções insuficientes, que sejam corretas para a tipologia de serviço proposta.
Também é importante se considerar o tipo de preparação. Imagine que receitas
gordurosas acabam sendo servidas em porções menores.
Ponto Focal é um princípio quase sempre desrespeitado. Como o próprio nome já
sugere, diz respeito a se determinar qual será o ponto focal da montagem daquele
prato.
É claro que sempre se desejará que o ponto focal do prato seja obviamente a estrela
principal da preparação. Imagine que o prato seja uma proteína, um bacalhau, por
exemplo. É o bacalhau que deve imediatamente estar à vista do cliente. Quando o
comensal receber o prato, seus olhos precisam intensamente se conectar à proteína,
ela é a estrela e deve ser o ponto focal.
Porém, nem sempre isso acontece, pois, ao se colocar uma guarnição em posição
incorreta, ou até mesmo, uma mínima decoração que seja, pode-se perder esse ponto
focal e mudar a atenção do cliente e, assim, perder o efeito visual mais impactante.
Isso quando não se esconde a estrela do prato sob uma camada de molho ou, ainda
pior, se encobre com uma salada ou outra guarnição.

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Finalmente, o fluxo se preocupa em pensar de que maneira o cliente se servirá


daquele prato, de que forma ele vai comer, como facilitar sua refeição, ou então, como
executar uma montagem que o guie em determinada direção desejada.
Pense em um simples bife a cavalo... Imagine um ovo de gema cremosa sobre um
contrafilé. Sua primeira ação instintiva será romper a gema para que ela escorra pela
proteína. O ponto focal, então, desse prato deve ser a gema e, dessa maneira, você já
estará encaminhando o comensal a se servir segundo um determinado fluxo ideal.
Também é importante que não se dificulte o acesso do comensal à estrela do prato,
erro bastante comum. Uma situação bastante comum é servir uma proteína com uma
guarnição e o prato, a louça ser pequena demais para comportar aquele
porcionamento. Então, fica o comensal ali tendo de afastar uma coisa aqui e outra ali
no prato para ir se servindo, uma falta de fluxo adequado.

Figura 5.3 ̶ Exemplo de montagem que segue os quatro princípios.

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5.3 Realidade versus fotografia


É preciso que se faça uma distinção bastante clara entre os pratos que são montados
para o serviço de um restaurante e os pratos montados para fotos.
Um exemplo bastante fácil de compreender é pensar em um prato de espaguete com
molho pomodoro. Se você já tem uma razoável experiência em cozinha, já imaginou
um espaguete com o molho totalmente incorporado a ele, misturado, aderido. Isso
porque para a finalização desse prato o correto é cozinhar a massa e logo em seguida
salteá-la com o molho fumegante a fim de aderir o molho à massa. Assim, ao se comer
esse espaguete, o molho vem junto com a massa, não ficando aquela infeliz e
indesejada poça de molho no fundo do prato.
Porém, o primeiro impulso de quem não conta com muita experiência é dispor a massa
cozida no prato e por cima dela o molho. Por que esse é o padrão de pensamento?
Porque nas fotos é quase sempre assim que um prato de massa com molho é
mostrado, pois esteticamente é bonito, visualmente o contraste entre a massa e o
molho fica interessante na imagem.
Pense bem, qual o problema de servir um prato assim a um cliente? Ora, em primeiro
lugar a massa ficará toda grudada, dificultando que ele se sirva. Em segundo lugar, a
massa que está ali no fundo do prato ficará sem molho suficiente, ainda que o cliente
misture os dois elementos. Por fim, duas das funções do molho são manter a
temperatura e a umidade da preparação, assim aquela massa sem molho estará fria e
seca.
Portanto, sugerimos bastante cuidado ao se tomar referências visuais de montagens
de prato, pois a imagem que se vê nas fotos dificilmente funciona no serviço real de
um prato de verdade.

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Figura 5.4 ̶ Uma massa correta, como deve ser, com o molho incorporado a ela.

Conclusão
Neste bloco, pudemos ver as linhas gerais de como planejar a montagem de um prato
e quais foram as inspirações que levaram a Nouvelle Cuisine a estabelecer um novo
entendimento sobre a estética visual dos empratamentos.
Ainda que pareçam conceitos abstratos, tenho certeza de que com a prática e a
vivência, entre tentativas, erros e acertos, você será capaz de compreendê-los e
assimilar esse conhecimento em seu aperfeiçoamento profissional.

Referências
BARCELOS, G. Banquete da psiquê, imaginação, cultura e psicologia da alimentação.
Petrópolis: Vozes, 2017.

JAMES. K. Escoffier, o rei dos chefs. São Paulo: Senac-SP, 2008.

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KELLY, I. Carême, cozinheiro dos reis. São Paulo: Zahar, 2005.

MONTANARI, M.; FLANDRIN, J. L. História da alimentação. São Paulo: Estação


Liberdade, 2003.

MONTANARI, M. Cucina politica. Il linguaggio del cibo fra pratiche sociali e


rappresentazioni ideologiche. Bari: Laterza, 2021.

MONTANARI, M. The culture of food. Hoboken, New Jersey: Wiley-Blackwell, 1994.

PERULLO, N. O gosto como experiência: ensaio sobre filosofia e estética do alimento.


São Paulo: SESI-SP, 2013.

SAVARIN, J. A. B. A fisiologia do gosto. Serra-ES: Companhia de Mesa, 2017.

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