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Sachs

Desenvolvimento
inciudente, sustentável
sustentado
Prefácio
debate sobre o desenvolvimento vem
sendo travado há algumas décadas, mas
recentemente se intensificou, muitas vezes
de maneira estimulante, com as drásticas
mudanças políticas que o mundo tem
sofrido, o forte acirramento das tensões
sociais e a incessante degradação do meio
ambiente. Nesse contexto delicado, surge a
proposta de um Desenvolvimento
Sustentável como alternativa desejável - e
possível - para promover a inclusão social,
o bem-estar econômico e a preservação
dos recursos naturais.
Essa tese, articulada pelo professor
lgnaçy Sachs, da École des Hautes Études
en Sciences Sociales, conquista cada vez
mais apoio em todo o planeta. 0 professor
Sachs, um profundo conhecedor dos
problemas dos países do assim chamado
Terceiro Mundo, e particularmente do
Brasil, fundou na França o Centro de
Estudos sobre o Brasil Contemporâneo e o
Centro Internacional de Pesquisas sobre
lVleio Ambiente e Desenvolvimento, para
aprofundar e desdobrar essa problemática.
Neste livro, ela é abordada, como
sempre de maneira fecunda e criativa, com
enfoques centrados nas questões do
trabalho, da inclusão social, das políticas
públicas, da distribuição de renda - todas
elas perpassadas pelo fio condutor da
ética, como eixo de um pensamento que
alia o rigor científico a um humanismo
veemente. Como diz Celso Furtado, "a
leitura destes ensaios de Ignacy Sachs,
grande e lúcido conhecedor da proble-
mática do desenvolvimento e, mais
especificamente, dos impasses que
enfrenta o Brasil no momento atual, nos
encoraja a trazer essas questões para
primeiro plano."
Esta obra é publicada em co-edição
pela editora Garamond e o Sebrae, no
contexto do Projeto Parcerias com
Editoras, com o qual o Sebrae busca
incentivar o setor editorial brasileiro -
constituído majoritariamente por peque-
nas e micro empresas - e simultaneamente
direcionar suas publicações, em geral de
conteúdo técnico, para todo o segmento
dos pequenos negócios. O Projeto também
visa a estimular o aparecimento de novos
autores, especialistas em assuntos de
interesse dos empreendedores e das micro
e pequenas empresas, confirmando assim a
vocação do Sebrae e seu compromisso com
um projeto de desenvolvimento para o
Brasil que seja includente, sustentável e
sustentado.
Ignacy Sachs

Desenvolvimento
ineludente, sustentável,
sustentado

Garamond
Copyright © 2004, Ignacy Sachs

Direitos c e d i d o s p a r a esta edição à


Editora G a r a m o n d Ltda.
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Revisão
Cláudia Rubim

Editoração Eletrônica
Luiz Oliveira

Capa
Estúdio Garamond
sobre "Quadrados com círculos concêntricos",
óleo sobre tela de Wladimir Kandinsky

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÂO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL D O S EDITORES D E LIVROS, RJ.

S126d
Sachs, Ignacy, 1927-
Desenvolvimento : ineludente, sustentável, sustentado /
Ignacy Sachs. - Rio de Janeiro : Garamond, 2008
14x2; 1152p.
ISBN 85-7617-04-X
1. Desenvolvimento econômico - América Latina. 2. Desen-
volvimento social - América Latina. 3. Desenvolvimento sus-
tentável - América Latina. 4. Brasil - Política e governo. 5.
Desenvolvimento econômico - Brasil. I. Título.
04-2560. C D D 338.98
C D U 330.34

Todos os direitos reservados. A reprodução não-autorizada desta publicação,


por qualquer meio, seja total ou parcial, constitui violação da Lei n° 9.610/98.
Sumário

PREFÁCIO - Celso Furtado


7

Desenvolvimento e ética - para onde ir


na América Latina?
9

Desenvolvimento includente e
trabalho decente para todos
25

Da armadilha da pobreza ao desenvolvimento


includente em países menos desenvolvidos
69

Inclusão social pelo trabalho decente: oportunidades,


obstáculos, políticas públicas
111
PREFÁCIO

A difícil leitura da realidade


Celso Furtado

Em um futuro que, imagino, não será muito remoto, parecerá


simples devaneio de intelectual ocioso a referência ao que está ocor-
rendo na América Latina, neste final de era marcado pelo funda-
mentalismo mercantil. Ninguém, em sã consciência, acreditará que
um país rico como a Argentina, dotado de uma classe política tão
sofisticada, haja sido conduzido, em 2003, a uma situação de tama-
nha ingovernabilidade e de liquidação de seus ativos.
E também causará espanto o que está ocorrendo em outros países
do continente. Com efeito, como explicar que uma economia com a
vitalidade da brasileira, que, nos primeiros três quartos do século XX,
beneficiou-se de um ritmo de crescimento superado apenas pelo do
Japão, tenha se conformado com uma taxa de decrescimento (cresci-
mento negativo, para usar o eufemismo da moda) no correr deste
último decênio? Trata-se de satisfazer a exigências dos que arbitram
as taxas de juros escorchantes que estão absorvendo mais que a tota-
lidade da poupança nacional, conforme nos explicam consultores
credenciados. E não se admite que as vítimas do sobre-endividamento
apelem para métodos clássicos de autodefesa.
Estas são questões que a coletividade tem não somente o direito,
mas o dever de formular. A leitura destes ensaios de Ignacy Sachs,

7
grande e lúcido conhecedor da problemática do desenvolvimento e,
mais especificamente, dos impasses que enfrenta o Brasil no mo-
mento atual, nos encoraja a trazê-las para o primeiro plano. A leitura
deste livro muito nos ajudará a evitar a reprodução da fábula platô-
nica, em que os prisioneiros confundiram a realidade com as ima-
gens projetadas na caverna.

Rio de Janeiro, junho de 2004

8
Desenvolvimento e ética - para
onde ir na América Latina?
Estratégias de desenvolvimento
nacional na era da globalização 1

"Você poderia me dizer, por favor,


por qual caminho devo seguir agora?", perguntou ela.
"Isso depende muito de aonde você quer ir", respondeu o gato.
Lewis Carroll, Alice'sAdventures in Wonderland.

A - Algumas lições da tragédia desenvolvimentista


da Argentina
De acordo com Marshall Berman, a segunda parte de Fausto, de
Goethe, configura uma tragédia desenvolvimentista. Na Argentina
de hoje, somos espectadores de uma tragédia desenvolvimentista
da vida real, e não de uma tragédia literária.
Alguns chegam a atribuir ao FMI o papel de Mefístófeles. Uma
avaliação mais realista é a de que o FMI não conspirou para desenca-

1 Paper apresentado no Encontro do BID sobre Ética e Desenvolvimento


(Buenos Aires, 5 e 6 de setembro de 2002). Versão final de 6 de novembro
de 2002. Traduzido do original em inglês, intitulado Development and
Ethics. Whither Latin America? National Development Strategies in the
Globalization Age, por José Augusto D r u m m o n d e Glória Maria Vargas.

9
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

dear o desastre. Ele apenas recomendou (ou aplicou, diria alguém)


uma receita terrivelmente equivocada de políticas, inspirada por uma
visão idealizada de uma globalização simétrica e mutuamente benéfica
e pelo fundamentalismo de mercado - "má economia e má política",
para empregar as palavras de Joe Stiglitz (Stiglitz, 2002a e 2002b).
1- A primeira lição da crise desenvolvimentista da Argentina si-
naliza a falácia do pretenso fim da história e da ideologia. Tanto a
teoria, com base no estudo histórico comparativo de experiências
nacionais, quanto a ideologia, baseada em compromissos éticos,
continuam a ser importantes. Devemos repensar a teoria do desen-
volvimento e as políticas receitadas que derivam dela à luz do que
aconteceu na Argentina - o caso mais extremo de "pobreza na abun-
dância" (Keynes, 2000) e de "desdesenvolvimento" (ou de
involução, para usar um termo de Clifford Geertz) em circunstân-
cias não bélicas, uma tragédia que resultou de uma mistura letal de
dependência excessiva de recursos externos, de confiança cega no
Consenso de Washington e de má governança.
O colapso da Argentina significa o f i m do Consenso de
Washington e da versão neoliberal do fundamentalismo de merca-
do, tanto quanto o colapso do "socialismo real", na Europa Oriental,
significou o fim do estatismo e da economia de comando. Estes
dois paradigmas extremos e diametralmente opostos, agora descar-
tados, delimitam o campo de arranjos institucionais intermediários,
as economias mistas (Kalecki, 1993; Rodrik, 2000; Sachs, 1998;
1999; 2000; Tsuru, 1994; Wade, 1990) ao qual pertence o futuro.
Os mercados são uma instituição entre muitas; a governança
democrática oferece o único esquema adequado à sua regulação
(Sen, 2000). Como diz Pradab Bardhan, "cada mecanismo de coor-
denação da sociedade - o Estado, o mercado, a comunidade - tem
as suas próprias falhas, mas cada um tem algumas vantagens úni-
cas que podemos tentar combinar a fim de coordenar a correção
das falhas" (Bardhan, 2001).

10
IGNACY SACHS

2- Para que isso ocorra, é preciso haver um Estado enxuto, lim-


po, ativo, planejador e capaz de descortinar o futuro. Como José
Serra nos lembrou recentemente, a cidadania global continua a ser,
por enquanto, uma utopia. O Estado nacional tem três funções prin-
cipais:
a-A articulação de espaços de desenvolvimento, desde o nível local
(que deve ser ampliado e fortalecido) ao transnacional (que deve
ser objeto de uma política cautelosa de integração seletiva, su-
bordinada a uma estratégia de desenvolvimento endógeno);
b-A promoção de parcerias entre todos os atores interessados, em
torno de um acordo negociado de desenvolvimento sustentável;
c-A harmonização de metas sociais, ambientais e econômicas, por
meio do planejamento estratégico e do gerenciamento cotidia-
no da economia e da sociedade, buscando um equilíbrio entre
diferentes sustentabilidades (social, cultural, ecológica,
ambiental, territorial, econômica e política) e as cinco eficiên-
cias (de alocação, de inovação, a keynesiana, a social e a
ecoeficiência).

3- Em muitos países, como a Argentina, a sustentabilidade social


é ainda mais frágil e sujeita à disrapção do que a sustentabilidade
ambiental. Disto resulta a necessidade de construir a estratégia endógena
de desenvolvimento com base na questão central do trabalho decente
para todos (OIT 2001, 2002a e 2002b), por meio do emprego ou do
auto-emprego na produção de meios de subsistência. Sem negar a
importância da promoção de exportações, é preciso lembrar que nove
entre cada dez pessoas em todo o mundo trabalham para o mercado
interno (Ferrer, 2002). Portanto, as potencialidades do mercado in-
terno devem ser aproveitadas como o primeiro passo para revigorar
as economias em crise. Há três motivos para isso.

a-A falta de oportunidades adequadas para que os países periféricos


ampliem as suas exportações na atual ordem internacional

6 1
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

(CEPAL 2002; Oxfam 2002; Ricupero, 2002; UNCTAD 2002);


"desenvolvimento a partir de dentro" (Sunkel, 1992) continua a
ser a única opção viável para a Argentina e para toda a América
Latina (ver também Ferrer, 2002);
b-O mercado interno pode ser ampliado por meio da promoção da
agenda inacabada de transformação rural (reformas agrárias) e do
combate à heterogeneidade extrema das economias periféricas,
agenda esta que consta nos escritos de Aníbal Pinto. Essas eco-
nomias podem ser descritas como um arquipélago de empreendi-
mentos altamente produtivos situados num oceano de atividades
de baixa produtividade - o tecido conjuntivo do sistema econômi-
co. Uma grande parte do PIB é produzida nesse arquipélago e as
pessoas dão braçadas para sobreviver no oceano em volta. Resul-
tados rápidos podem ser obtidos por uma estratégia centrada nas
pessoas e no emprego, com a finalidade dupla de aumentar o nú-
mero dos empregos de baixa produtividade e simultaneamente
melhorar a produtividade destes empregos. Como o seu conteúdo
de importações tende a ser muito baixo, a sua promoção não exige
moeda estrangeira, nem financiamento externo. O limite para o
crescimento induzido pelo emprego, que não seja inflacionário e
que exija poucas importações, é dado pela elasticidade da oferta de
bens de salário produzidos internamente (Kalecki, op.cit.);
c-Um mercado interno em expansão fortalece a competitividade
sistêmica da economia nacional.

4- Desde que cada crise constitui uma oportunidade, a Argentina,


tão bem dotada de recursos humanos e naturais, tem o potencial
necessário para dar início hic et nunc a uma operação de ajuste infor-
mada pelo conceito de desenvolvimento sustentável, baseada nos cinco
pilares da endogeneidade (oposta ao crescimento mimético):
autoconfiança (oposta à dependência), orientação por necessidades
(em oposição à orientação pelo mercado), harmonia com a natureza e
abertura à mudança institucional (What now?, 1975).

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IGNACY SACHS

Daí a importância dos notáveis estudos, diagnósticos e propos-


tas formulados pelos acadêmicos que preparam o Plan Fénix (ver
em particular os números especiais de Enoikos, 2001, e de
Encrucijadas UBA, 2001).

B - De Aristóteles ao desenvolvimento sustentável


1- Nos seus textos Ethics and Economics, Amartya Sen (1990)
nos lembrou que a economia e a ética estavam interligadas, desde
Aristóteles, por duas questões centrais de fundo:

• o problema da motivação humana (como deveríamos viver?);


• a avaliação das conquistas sociais.

No entanto, a outra origem da economia - as questões logísticas,


que Sen chama de "abordagem de engenharia" - se tornou prepon-
derante, hoje, a ponto de fazer a ética ser praticamente esquecida.
Daí vem a insistência de Sen na reaproximação entre a economia e
a ética, sem esquecer da política.
O desenvolvimento, distinto do crescimento econômico, cum-
pre esse requisito, na medida em que os objetivos do desenvolvi-
mento vão bem além da mera multiplicação da riqueza material. O
crescimento é uma condição necessária, mas de forma alguma
suficiente (muito menos é um objetivo em si mesmo), para se
alcançar a meta de uma vida melhor, mais feliz e mais completa
para todos.
No contexto histórico em que surgiu, a idéia de desenvolvimento
implica a expiação e a reparação de desigualdades passadas, criando
uma conexão capaz de preencher o abismo civilizatório entre as
antigas nações metropolitanas e a sua antiga periferia colonial, entre
as minorias ricas modernizadas e a maioria ainda atrasada e exausta
dos trabalhadores pobres. O desenvolvimento traz consigo a pro-
messa de tudo - a modernidade inclusiva propiciada pela mudança
estrutural.

6 3
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

2- Outra maneira de encarar o desenvolvimento consiste em


reconceituá-lo em termos da apropriação efetiva das três gerações
de direitos humanos:

• direitos políticos, civis e cívicos;


• direitos econômicos, sociais e culturais, entre eles o direito ao
trabalho digno, criticamente importante, por motivos intrínse-
cos e instrumentais;
• direitos coletivos ao meio ambiente e ao desenvolvimento (Sen,
1999; Sengupta, 2001 e 2002).

Igualdade, eqüidade e solidariedade estão, por assim dizer, em-


butidas no conceito de desenvolvimento, com conseqüências de
longo alcance para que o pensamento econômico sobre o desenvol-
vimento se diferencie do economicismo redutor.
Em vez de maximizar o crescimento do PIB, o objetivo maior se
torna promover a igualdade e maximizar a vantagem daqueles que
vivem nas piores condições, de forma a reduzir a pobreza, fenôme-
no vergonhoso, porquanto desnecessário, no nosso mundo de abun-
dância.
a-O crescimento, mesmo que acelerado, não é sinônimo de desen-
volvimento se ele não amplia o emprego, se não reduz a pobreza
e se não atenua as desigualdades, conforme enfatizado, desde os
anos 1960, por M. Kalecki e Dudley Seers. De acordo com o
mesmo raciocínio, não é suficiente promover a eficiência
alocativa. O desenvolvimento exige, conforme mencionado, um
equilíbrio de sintonia fina entre cinco diferentes dimensões. Ele
também exige que se evite a armadilha da competitividade espú-
ria e, em última instância, autodestrutiva, com base na deprecia-
ção da força de trabalho e dos recursos naturais.
b-A eqüidade, traduzida em termos operacionais, significa o trata-
mento desigual dispensado aos desiguais, de forma que as re-
gras do jogo favoreçam os participantes mais fracos e incluam

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IGNACY SACHS

ações afirmativas que os apoiem. Este princípio se aplica tanto à


ordem econômica internacional (conforme colocado por Myrdal,
em 1956) quanto às economias nacionais. O recente relatório
SEBRAE-PNUD sobre o futuro dos pequenos produtores no Brasil
(Sachs, 2002) desenvolve detalhadamente esse ponto.

3- O conceito de desenvolvimento sustentável acrescenta uma


outra dimensão - a sustentabilidade ambiental - à dimensão da
sustentabilidade social.
Ela é baseada no duplo imperativo ético de solidariedade
sincrônica com a geração atual e de solidariedade diacrônica com
as gerações futuras. Ela nos compele a trabalhar com escalas
múltiplas de tempo e espaço, o que desarruma a caixa de ferra-
mentas do economista convencional. Ela nos impele ainda a bus-
car soluções triplamente vencedoras, eliminando o crescimento
selvagem obtido ao custo de elevadas externalidades negativas,
tanto sociais quanto ambientais. Outras estratégias, de curto pra-
zo, levam ao crescimento ambientalmente destrutivo, mas social-
mente benéfico, ou ao crescimento ambientalmente benéfico, mas
socialmente destrutivo. Os cinco pilares do desenvolvimento sus-
tentável são:

a-Social, fundamental por motivos tanto intrínsecos quanto instru-


mentais, por causa da perspectiva de disrupção social que paira
de forma ameaçadora sobre muitos lugares problemáticos do
nosso planeta;
b-Ambiental, com as suas duas dimensões (os sistemas de susten-
tação da vida como provedores de recursos e como "recipien-
tes" para a disposição de resíduos);
c-Territorial, relacionado à distribuição espacial dos recursos, das
populações e das atividades;
d-Econômico, sendo a viabilidade econômica a condido sine qua
non para que as coisas aconteçam;

6 5
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

e-Político, a governança democrática é um valor fundador e um


instrumento necessário para fazer as coisas acontecerem; a li-
berdade faz toda a diferença. 2
4- Para se progredir simultaneamente nessas cinco dimensões,
muita coisa tem que ocorrer, de fato. A reunião de Joanesburgo foi
uma oportunidade perdida para deslanchar uma transição planetária
para o desenvolvimento sustentável, cujo conteúdo seria:

a-Estratégias nacionais diferenciadas, mas complementares, no Norte


(mudando os padrões de consumo e os estilos de vida, reduzin-
do a dependência quanto a combustíveis de origem fóssil e dimi-
nuindo o tamanho da "pegada" da minoria rica);
b-No Sul, estratégias de desenvolvimento endógenas e inclusivas
(em vez do transplante de modelos do Norte), propiciando um
salto para uma civilização moderna, sustentável, com base na
biomassa, especialmente adequada aos países tropicais;
c-Um acordo Norte/Sul a respeito do desenvolvimento sustentável,
aumentando substancialmente o fluxo real de recursos do Norte
para o Sul (por meio da ajuda e, mais ainda, do comércio justo),
estimulando simultaneamente as economias em crise do Norte;
d-Um sistema internacional de impostos (sobre energia, pedágios
para o uso de oceanos e espaços aéreos, e algum tipo de taxação
sobre transações financeiras);
e-Gerenciamento das áreas globais de uso comum.

Gallopin (2001) está certo quando afirma que a transição para


um mundo sustentável exige um progresso simultâneo em todas
essas frentes. As perspectivas imediatas são sombrias. Enquanto
prosseguem na batalha política na frente global, os países latino-

2 Amartya Sen, em artigo recente, afirma o seguinte: "Não é nem um pouco


óbvio por que o fortalecimento das liberdades democráticas não deva
fazer parte das demandas centrais do desenvolvimento sustentável."
{International Herald Tribune, 16 de agosto de 2002).

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IGNACY SACHS

americanos, inclusive a Argentina, poderiam também usar o marco


conceituai do desenvolvimento sustentável para desenhar as suas
estratégias nacionais.

C - Como chegamos lá?


1- Seria um erro isolar as urgências de curto prazo ligadas ao
gerenciamento de crises da reflexão sobre a estratégia de médio
e longo prazos. Ambas devem ser informadas pela mesma visão
de desenvolvimento sustentável que, de um lado, oferece os cri-
térios de avaliação para as políticas propostas e, de outro, median
te um amplo debate societal, se desdobra gradualmente num pro-
jeto nacional (de acordo com Jean-Paul Sartre, o homem é um
projeto; afortiori, uma sociedade humana também deve ser um
projeto).
2- A transição para o desenvolvimento sustentável começa com
o gerenciamento de crises, que requer uma mudança imediata de
paradigma, passando-se do crescimento financiado pelo influxo de
recursos externos e pela acumulação de dívida externa para o do
crescimento baseado na mobilização de recursos internos, pondo
as pessoas para trabalhar em atividades com baixo conteúdo de
importações e para aprender a "vivir con lo nuestro".
Conforme mencionado, o único limite para o crescimento não
inflacionário e induzido pelo emprego é dado pela disponibilidade de
bens de salário. Como não é necessário ter moeda estrangeira para
o financiamento de obras públicas, outras atividades poderiam ser
financiadas por um Imposto de Valor Adicionado altamente pro-
gressivo.
Portanto, as condições necessárias para se levar à frente o cres-
cimento induzido pelo emprego são:

a-capacidade local de planejamento, entendido como a capacidade


de identificação de gargalos e de recursos ociosos capazes de
superá-los;

6 7
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

b-estímulo à capacidade de mobilizar recursos e iniciativas locais;


c-reabilitação do sistema financeiro nacional, para dotá-lo de um
mínimo de capacidade de atender às necessidades das empresas
e do financiamento de obras públicas, sem excluir o recurso (em
casos excepcionais) à quase-moeda e à promoção do escambo;
d-uma reforma fiscal que criasse um Imposto de Valor Adicionado
progressivo sobre o consumo: haveria isenção para os bens es-
senciais, mas ele teria forte incidência sobre artigos de luxo,
conforme sugerido por Kalecki, no seu texto sobre a índia (op.
cit.); os salários baixos seriam subsidiados com este imposto
(Bardhan, op. cit.);

Cabe traçar aqui uma analogia com as políticas adotadas por


alguns países da Europa e da Ásia, na primeira fase da reconstrução
posterior à Segunda Guerra Mundial. Operações de auto-salvação
eram a única opção para dar início à recuperação. A reconstrução e
a industrialização posteriores à guerra começaram exatamente des-
sa maneira, por meio do crescimento extensivo, com base na gera-
ção de quantidades maciças de empregos de baixa produtividade. 3
3- Paralelamente, o esforço deve começar em todos os níveis -
do local ao nacional tendo em vista a montagem de uma agenda
de médio prazo de criação de empregos. A emergência de conse-
lhos quatripartites de desenvolvimento facilitaria muito essa tarefa,
montando o cenário para o processo de negociação entre todos os
atores envolvidos - autoridades públicas, trabalhadores, emprega-
dores e o Terceiro Setor (sociedade civil organizada).
O objetivo supremo é o emprego decente e/ou auto-emprego
para todos - trata-se da melhor forma de assegurar simultanea-
mente a sustentabilidade social e o crescimento econômico. Em

3 A transição para o crescimento intensivo, mais tarde, gerou problemas difí-


ceis, que não precisam ser abordados aqui.

18
IGNACY SACHS

outras palavras, a ênfase deve ser colocada na mudança da distri-


buição primária de renda, em vez de se persistir com o padrão
excludente de crescimento, a ser corrigido ex post por meio de
políticas sociais compensatórias financiadas com a redistribuição
de uma parcela do PIB.
Tal abordagem exige a combinação de várias políticas comple-
mentares:

a-Explorar todas as oportunidades de crescimento induzido pelo


emprego e com conteúdo zero ou baixo de importações, parti-
cularmente:
• obras públicas;
• construção civil, especialmente programas voluntários de cons-
trução de casas populares com apoio governamental (casas
populares construídas pelo povo);
• serviços sociais (países que pagam salários baixos têm uma
vantagem comparativa absoluta na produção deste tipo de ser-
viços);
• empregos ligados à conservação de energia e de recursos e à
reciclagem de materiais (em outras palavras, ao aumento da
produtividade dos recursos), à melhor manutenção do estoque
existente de infra-estrutura, equipamentos e prédios, de forma
a ampliar o seu ciclo de vida e, dessa forma, poupar o capital
necessário à sua reprodução (nos termos de Kalecki, estas são
as fontes de crescimento que não exigem investimento).
b-Desenhar políticas para consolidar e modernizar a agricultura fa-
miliar como parte de uma estratégia para estimular o desenvolvi-
mento rural com base na pluriatividade da população rural, dan-
do um salto na direção de uma civilização moderna baseada na
biomassa (biodiversidade-biomassa-biotecnologias);
c-Promover ações afirmativas para melhorar a condição de traba-
lhadores por conta própria e microempresas, para ajudá-los a

6 9
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

sair da informalidade, e apoiar diversas formas de atividade em-


presarial compartilhada, com a finalidade de aumentar o poder
de barganha e a competitividade dos pequenos produtores (pas-
sando da competitividade espúria para a autêntica); criar uma
entidade pública - mas não estatal - que atue como um planejador
comprometido com os interesses dos pequenos produtores (o
SEBRAE é um bom exemplo);
d-Estabelecer conexões mutuamente benéficas entre grandes e pe-
q u e n a s e m p r e s a s ( c o n d i ç õ e s j u s t a s de s u b c o n t r a t a ç ã o ,
terceirização, integração de franquias de agronegócios);
e-Usar as compras governamentais para promover as micro e pe-
quenas empresas. "The Small Business Authority" (Agência para
as Pequenas Empresas), dos EUA, criou um complexo sistema
de preferências para as micro e pequenas empresas;
f-Fortalecer as empresas industriais de grande porte e transformá-
las em atores competitivos em escala global. Obviamente, é pre-
ciso uma estratégia dupla; isto nos traz de volta à importância
crucial do sistema financeiro nacional, da sua capacidade de in-
vestir e de algum tipo de controle sobre o fluxo de moeda es-
trangeira que entra e sai.

4- A insistência nessa modalidade de recuperação a partir das


próprias forças e nas estratégias nacionais para o desenvolvimento
sustentável endógeno não deve ser entendida como uma justificati-
va para negligenciar a questão primordial da inserção na economia
global. Ela tem as suas raízes numa crença dupla:

• na configuração atual da economia mundial e do equilíbrio de


poder, os países periféricos não podem agir de forma dife-
rente;
• quanto mais esses países tiverem sucesso na sua estratégia
endógena, mais forte será o seu poder de barganha para alcan-
çar a inclusão na economia global em termos mais favoráveis

1 0
IGNACY SACHS

e para renegociar a sua dívida externa em circunstâncias que


avaliem de maneira realista a sua capacidade de gerar exce-
dentes de moeda estrangeira.

Enquanto suportam os impactos negativos da globalização na


sua forma assimétrica atual, os países periféricos deveriam mobili-
zar as suas capacidades intelectuais e políticas para organizar em
todos os foros internacionais, antes de mais nada na ONU, uma
intensa campanha a favor da reforma necessária da ordem econô-
mica internacional. A sessão especial da Assembléia Geral da ONU,
em 1975, foi um fracasso. As propostas formuladas, naquela oca-
sião, não são mais aplicáveis. No entanto, a agenda de 1975 conti-
nua a ser bem pertinente.
Propostas para a reforma das instituições nascidas em Bretton
Woods e a adoção do comércio justo provavelmente não nascerão
por iniciativa dos países do G-8, satisfeitos com o status quo. Ao
contrário, virão do diálogo entre países periféricos e das suas dis-
cussões com os setores progressistas da sociedade civil dos países
centrais. O processo provavelmente será longo e difícil. No entan-
to, podemos abrandar o nosso pessimismo ao pensarmos no pro-
cesso de formação da UNCTAD, há 10 anos, graças à visão e à
energia de Raul Prebisch e dos seus colaboradores.

Referências
BARDHAN, Pranab (2001): "Social Justice in the Global Economy". In:
Economic and Political Weekly, February 3-10, p. 467-479.
CEPAL(2002): "Desarrollo y globalízación", Santiago de Chile.
ENCRUCIJADAS UBA - Revista de la Universidad de Buenos Aires (2001),
Hacia el Plan Fénix. Por un futuro, número 13, noviembre.
ENOIKOS - Revista de la Faculdad de Ciências Econômicas de la Universidad
de Buenos Aires (2001): Hacia el Plan Fénix. Dignóstico y propuestas,
número 19, noviembre.

6 1
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

FERRER, Aldo (2002): "A Argentina e a globalização". In: Estudos Avança-


dos, São Paulo, Vol. 16, n° 44, p. 37-54.
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Desenvolvimento includente e
trabalho decente para todos1

Prólogo
Ao longo dos últimos sessenta anos, o desenvolvimento tem sido
uma poderosa idée-force para o sistema das Nações Unidas, tanto
como conceito analítico quanto como ideologia. Assim como o ele-
fante de Joan Robinson - difícil de se definir, porém, fácil de se
reconhecer o desenvolvimento não se presta a ser encapsulado
em fórmulas simples. A sua multidimensionalidade e complexidade
explicam o seu caráter fugidio. Como seria de se esperar, o concei-
to tem evoluído durante os anos, incorporando experiências positi-
vas e negativas, refletindo as mudanças nas configurações políticas
e as modas intelectuais.
As discussões em torno deste tema contribuíram para o refina-
mento do conceito, porém contrastam com o sombrio histórico do
desenvolvimento existente em muitas partes do mundo. Daí a ne-
cessidade de se revisitar a idéia de desenvolvimento, com vistas a
torná-lo mais operacional, enquanto se reafirma, mais do que nun-

1
Artigo preparado para a Comissão Mundial sobre a Dimensão Social da
Globalização, O I T , O u t u b r o 2002. Traduzido do original Inclusive
Development and Decent Work for Ali, por José Augusto D r u m m o n d e Gló-
ria Maria Vargas.
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

ca, a sua centralidade, já que esta idéia está sendo contestada de


dois ângulos distintos.
Os autodenominados pós-modernos propõem renunciar ao con-
ceito, alegando que o desenvolvimento tem funcionado como uma
armadilha ideológica construída para perpetuar as relações
assimétricas entre as minorias dominadoras e as maiorias domina-
das, dentro de cada país e entre os países. Propõem avançar para
um estágio de pós-desenvolvimento, sem explicar claramente o
seu conteúdo operacional concreto. Estão certos, por suposto,
quando questionam a possibilidade de crescimento indefinido do
produto material, dado o caráter finito do nosso planeta. Porém,
esta verdade óbvia não diz muito sobre o quê deveríamos fazer
nas próximas décadas para superar os dois principais problemas
herdados do século XX, apesar do seu progresso científico e téc-
nico sem precedentes: o desemprego em massa e as desigualda-
des crescentes.
Quanto aos fundamentalistas de mercado, eles implicitamente
consideram o desenvolvimento como um conceito redundante. O
desenvolvimento virá como resultado natural do crescimento eco-
nômico, graças ao "efeito cascata" (trickle down effect). Não há
necessidade de uma teoria do desenvolvimento. Basta aplicar a
economia moderna, uma disciplina a-histórica e universalmente
válida.
A teoria do "efeito cascata" seria totalmente inaceitável em ter-
mos éticos, mesmo se funcionasse, o que não é o caso. Num mun-
do de desigualdades abismais, é um absurdo pretender que os ricos
devam ficar mais ricos ainda, para que os destituídos possam ser
um pouco menos destituídos.
Para enfrentar estes dois problemas, precisa-se urgentemente de
uma reaproximação da ética, da economia e da política (A. K. Sen,
1987). Como escreveu Gandhi, "As economias que ignoram consi-
derações morais e sentimentais são como bonecos de cera que, mes-

26
IGNACY SACHS

mo tendo aparência de vida, ainda carecem de vida real" (M. K.


Gandhi, Young índia, 27/10/1921).
Na medida em que as desigualdades morais 2 resultam da organi-
zação social, elas só podem ser superadas mediante atos de
voluntarismo responsável - políticas públicas que promovam a ne-
cessária transformação institucional e ações afirmativas em favor
dos segmentos mais fracos e silenciosos da nação, a maioria traba-
lhadora desprovida de oportunidades de trabalho e meios de vida
decentes, e condenada a desperdiçar a vida na luta diária pela sobre-
vivência.
Como observou Ricupero (2002, p. 64), as economias não se
desenvolvem simplesmente porque existem. O desenvolvimento
econômico tem sido uma exceção histórica e não a regra. Não
acontece espontaneamente como conseqüência do jogo livre das
forças de mercado. Os mercados são apenas uma das muitas ins-
tituições que participam do processo de desenvolvimento. Sendo
míopes por natureza, socialmente insensíveis e, segundo G. So-
ros (2002), amorais, a sua regulação - melhor seria dizer a sua re-
regulação - é urgente, tendo em vista o resultado negativo da apli-
cação das prescrições neoliberais, resumidas pelo Consenso de
Washington.
De certa forma, o Consenso de Washington atuou como uma
contra-reforma direcionada contra o capitalismo reformado, que
atingiu a sua maturidade após a Segunda Guerra Mundial, inspirado

2
Para uma distinção entre desigualdades naturais, ver Jean-Jacques Rousseau:
"Je conçois dans 1'espèce humaine deux sortes d'inégalités; l'une que j'appelle
naturelle, et qui consiste dans la différence des âges, de la santé, des forces
du corps, et de ses qualités de 1'esprit, ou de 1'âme, 1'autre q u o n peut
appeler inégalité morale, ou politique, parce qu'elle dépend d'une sorte de
convention, et quelle est établie, ou du moins autorisée par le consentement
des hommes. Celle-ci consiste dans les différents privilèges, dont quelques
uns jouissent, au préjudice des autres, comme d'être plus riches, plus honores,
plus puissants queux, ou même de s'en faire obéir" (p. 77).

27
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

nos escritos de Keynes e Beverídge e nas experiências do New-


Deal americano. O capitalismo reformado foi, assim, construído
com o propósito de exorcizar as terríveis lembranças da Grande
Depressão, com base nos conceitos de pleno emprego, Estado de
Bem-Estar e planejamento. Ele proporcionou também uma alterna-
tiva ao "socialismo real" do bloco soviético, que, naquela época,
tinha credibilidade entre segmentos importantes da opinião pública,
devido ao seu sucesso em mobilizar toda a força de trabalho dispo-
nível para o crescimento econômico extensivo e rápido e para a
industrialização. 3
Os trinta anos dourados do capitalismo 4 (1945-1975) coincidi-
ram com a Guerra Fria entre os dois velhos blocos e com a corrida
armamentista. Esta situação frustrou os esforços das Nações Uni-
das de construir uma ordem internacional mais eqúitativa, porém,
ao mesmo tempo, criou condições favoráveis para que os países
em desenvolvimento se envolvessem em políticas de não-alinha-
mento e tirassem proveito das melhores experiências dos dois blo-
cos competidores. 5
A situação mudou radicalmente durante os anos 70. A invasão
da Checoslovaquia, em 1968, apagou as últimas ilusões quanto à
capacidade do bloco soviético de construir uma versão do "socia-
lismo com rosto humano". Os capitalistas perderam assim parte do
seu medo e ficaram mais arrogantes. A crise de energia e suas con-
seqüências foram usadas para desacreditar o keynesianismo e logo

3
Conforme colocado por Jean Ziegler (2002, p. 33), os partidos social-
democratas ocidentais e os seus sindicatos transformaram em vantagens
sociais para seus clientes o medo capitalista da expansão do comunismo
(Les nouveaux mêtres du monde et ceux qui leur résistent, Fayard, Paris,
2002, p. 33).
4
"Les trente années glorieuses", segundo Jean Fourastier.
5
Este foi certamente o caso da índia durante o governo de Nehru, a tentativa
mais importante de definição de uma terceira via.

1 8
IGNACY SACHS

depois a contra-reforma neoliberal ganhou força, com as eleições


de Margaret Thatcher e Ronald Reagan.
A queda do muro de Berlim marcou o fim do socialismo real
como paradigma de desenvolvimento e abriu o cenário para o evan-
gelho neoliberal, que dominou a cena até o final dos anos 90. Po-
rém, o paradigma neoliberal não cumpriu as suas promessas. A
tragédia do desenvolvimento da Argentina 6 pode ser considerada
como o fim do Consenso de Washington, se não como um conceito
ideológico - as ideologias alienadoras custam a morrer - pelo me-
nos como programa pragmático.
Não precisamos aqui entrar na polêmica sobre o papel do FMI
(ver, em particular, J. Stiglitz, 2002). Reparemos simplesmente que
os únicos países em desenvolvimento que se deram razoavelmente
bem, na década passada, foram precisamente aqueles que se recu-
saram a aplicar à la lettre as prescrições contidas no Consenso de
Washington.
Assim, estamos sentados em cima das ruínas de dois paradigmas.
Chegou o momento de colocar o evangelho neoliberal entre parên-
teses, como um interlúdio 7 infeliz, e de revisitar a breve história da
idéia do desenvolvimento, rica em apreciações e recomendações
muito pertinentes para a nossa discussão.

6
Marshall Berman analisou a segunda parte de Faustus, de Goethe, como a
primeira tragédia do desenvolvimento. Por analogia, podemos falar da
tragédia de desenvolvimento argentino, desta vez verdadeira, e não produ-
to da ficção literária.
7
Usa-se esta palavra em analogia com a observação de Gunnar Myrdal de que
o capitalismo de livre mercado foi apenas um interlúdio entre dois perío-
dos marcados pelo intervencionismo do Estado: o mercantilismo e, de-
pois, o capitalismo reformado.

29
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

Desenvolvimento: um conceito fugidio e em evolução


Está por ser escrita uma história abrangente da idéia de desenvol-
vimento. 8 Limitar-me-ei neste espaço a umas poucas observações,
enfatizando alguns pontos relevantes para a presente discussão.
1. Recordemos que a reflexão sobre o desenvolvimento, tal como
se conhece hoje, começou nos anos 40, no contexto da preparação
dos anteprojetos para a reconstrução da periferia devastada da Eu-
ropa no pós-guerra. Refugiados antifascistas húngaros, poloneses
e alemães, residentes na Grã-Bretanha, foram mobilizados para esta
tarefa, na suposição de que o Leste Europeu não cairia sob a influência
soviética - a Conferência de Yalta não tinha acontecido ainda.
Os problemas que estes países enfrentavam eram similares aos
de outras periferias: estrutura fundiária anacrônica, agricultura cam-
p o n e s a atrasada, c o n d i ç õ e s a d v e r s a s de c o m é r c i o para as
commodities primárias, industrialização incipiente, desemprego e
subemprego crônicos, e necessidade de um Estado desenvolvi-
mentista ativo para enfrentar o desafio de estabelecer regimes de-
mocráticos capazes simultaneamente de conduzir a reconstrução
do pós-guerra e de superar o atraso social e econômico. Em grande
medida, o trabalho da primeira geração de economistas do desen-
volvimento foi inspirado na cultura econômica dominante da época,
que pregava a prioridade do pleno emprego, a importância do Esta-

8
Um primeiro volume poderia tratar das discussões precursoras dos séculos
XIX e XX sobre desenvolvimento avant la lettre, na Rússia, Índia, Japão,
China e América Latina, bem como das contribuições dos autores dos
países periféricos da Europa. U m segundo volume deveria focalizar os
planos de reconstrução para a Europa escritos na Grã-Bretanha, princi-
palmente por refugiados de países sob ocupação nazista, muitos dos quais
subseqüentemente ingressaram nas Nações Unidas como a primeira gera-
ção de funcionários. U m terceiro volume seria necessário para avaliar a
importante contribuição das diferentes agências das Nações Unidas e de
outras agências, com ênfase especial nas comissões regionais. U m quarto e
último volume concentrar-se-ia no trabalho acadêmico, enfatizando as
importantes contribuições de pensadores de países em desenvolvimento.

30
IGNACY SACHS

do de Bem-Estar, a necessidade de planejamento 9 e a intervenção do


Estado nos assuntos econômicos para corrigir a miopia e a insensi-
bilidade social dos mercados.
Passado meio século, algumas das preocupações originais des-
ses p l a n e j a d o r e s c o n t i n u a m v á l i d a s . C o m o lidar c o m a
heterogeneidade estrutural, tanto econômica quanto social? Uma das
muitas definições do subdesenvolvimento insiste na impossibilidade
de se empregar toda a força de trabalho disponível mediante a ado-
ção de tecnologias avançadas, por falta de capital suficiente. Daí a
necessidade de se achar um equilíbrio entre as metas de moderniza-
ção e industrialização, de uma parte, e, de outra, a promoção do
pleno emprego e/ou o auto-emprego sem perder de vista a necessi-
dade de aumentar continuamente a produtividade do trabalho, em
última instância, a fonte de progresso econômico.
Mesmo hoje, as economias em desenvolvimento ainda podem
ser descritas como arquipélagos de empresas modernas com alta
produtividade do trabalho, imersas no oceano de atividades de pro-
dutividade baixa ou muito baixa, que formam o tecido intersticial do
sistema econômico. 10 A maior parte do PIB vem do arquipélago. A
maior parte das pessoas nadam no oceano, tentando sobreviver.
Os padrões de crescimento econômico devem ser avaliados
neste contexto. O crescimento rápido impulsionado por empre-
sas modernas não reduzirá por si só a heterogeneidade inicial.
Pelo contrário, tende a concentrar a riqueza e a renda nas mãos
dos poucos felizardos que controlam o arquipélago, relegando
ao oceano todos aqueles que se tornam redundantes, devido à
substituição do trabalho pelo capital. Os autores latino-america-

9
Von Hayek, por causa de sua desconfiança quanto ao planejamento, ficou
numa situação de dissidente solitário.
10
Esta descrição difere dos dois modelos setoriais das economias formal e
informal. A O I T está certa quando afirma que as atividades podem ser
formais ou informais, porém não representam setores separados.

6 1
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

nos estavam certos ao denunciar este padrão de crescimento


como concentrador e excludente. Daí a necessidade de se ter
uma estratégia dupla, na qual também se dê atenção às oportuni-
dades para o que pode ser chamado de crescimento puxado pelo
emprego, 11 um assunto do qual falaremos em maior detalhe mais
adiante.
2. A negociação política feita pelos aliados em Yalta colocou
os países do Leste Europeu na trilha do "socialismo real", relati-
vamente bem-sucedido, como foi dito, em promover um cresci-
mento extensivo e acelerado durante as primeiras duas décadas
do pós-guerra. Toda a força de trabalho disponível foi utilizada;
embora mal paga, ficou protegida contra a maldição do desem-
prego e se beneficiou de um sistema razoavelmente elaborado de
proteção social. As dificuldades que levaram, em última instân-
cia, ao colapso do sistema, ainda estavam por vir: a incapacida-
de de passar de um sistema de crescimento extensivo para um
crescimento intensivo guiado pela tecnologia e pelo consumo em
massa, a impossibilidade de administrar eficientemente, sob re-
gimes autoritários, economias e sociedades complexas, a repres-
são manu militari às tentativas de se reformar internamente o
sistema. A credibilidade do socialismo real perdeu-se definitiva-
mente com a invasão a Praga pelos tanques soviéticos, em 1968.
As reformas de Gorbatchev vieram tarde demais. A queda do
muro de Berlim marcou o fim do paradigma de desenvolvimento
não capitalista, conhecido como socialismo real, e a vitória da
coalizão liderada pelos Estados Unidos na guerra fria contra o
bloco soviético.
O fim do socialismo real foi certamente um marco importante
na breve história da idéia de desenvolvimento. Alguns se apressa-

u
A esse respeito, ver Sachs (1999), que trata da teoria do desenvolvimento
de Kalecki (Mondes en développement).

1 2
IGNACY SACHS

ram em ver nele a desqualificação final do conceito de desenvolvi-


mento não capitalista, chegando até a proclamar o fim da história.
Tal conclusão não tem fundamento. Como conceito histórico e
social, o desenvolvimento é por natureza aberto, o que o diferen-
cia da noção de desenvolvimento orgânico. Outras tentativas de
transcender o capitalismo podem surgir, na China ou em qualquer
outro lugar, e elas não precisam ter o mesmo destino do socialis-
mo real.
É ainda mais absurdo descartar o planejamento como tal, por
causa do fracasso do planejamento autoritário, centralizado e
abrangente do tipo soviético. As suas duas principais fraquezas
foram a sua base técnica inapropriada - estávamos ainda na época
pré-informática - e, mais importante, a falta de feedbacks da so-
ciedade, por causa da natureza não democrática do regime. A ad-
ministração de economias complexas requer transparência e res-
ponsabilidade, circulação de informações exatas e liberdade de dis-
cussão, bem como uma mídia plural.
Em contraste com o tipo de planejamento soviético, o planeja-
mento moderno é essencialmente participativo e dialógico, e exige
uma negociação quatripartite entre os atores envolvidos no proces-
so de desenvolvimento, levando a arranjos contratuais entre as au-
toridades públicas, as empresas, as organizações de trabalhadores e
a sociedade civil organizada. Certamente, este tipo de planejamento
tem um futuro brilhante pela frente.
3. A maior parte da reflexão sobre desenvolvimento realizado
nas Nações Unidas ou induzido por esta organização tinha como
base implícita o paradigma do capitalismo reformado, reconhecen-
do, no entanto, uma diferença básica entre o funcionamento das
economias desenvolvidas e das menos desenvolvidas. As primeiras
são essencialmente limitadas pela demanda, enquanto que os países
menos desenvolvidos compartilhavam com os países do socialismo
real a característica de serem limitados pela oferta e, portanto, de-

6 3
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

penderem do investimento dirigido à expansão das capacidades pro-


dutivas.
Assim, concentraram-se diferentes modalidades e aspectos do
desenvolvimento em economias periféricas, estruturalmente hete-
rogêneas, com predominância de mercados capitalistas e mistas.
Cada adjetivação exige uma explanação:
• periféricas: opostas às economias capitalistas centrais, às quais
estão vinculadas por relações assimétricas,12 analisadas por Raul
Prebisch no seu célebre e ainda pertinente modelo de centro-
periferia (ver, em particular, Beilschowsky, R., 2000, e
Ricupero, R., 2002);
• estruturalmente heterogêneas em vários sentidos: apresentam
um contraste forte entre enclaves urbanos modernos e econo-
mias rurais mais ou menos atrasadas, enormes disparidades
sociais, culturais e de estilo de vida entre as elites ocidentalizadas
e o grosso da população, padrões concentrados de distribui-
ção de renda e de riqueza;
• de mercado predominantemente capitalista: já que o setor ca-
pitalista da economia, mesmo coexistindo com outros mode-
los de produção pré-capitalistas ou protocapitalistas, é o mais
dinâmico;
• economias mistas, por terem diferentes configurações de
seus setores privado e público e, pelo menos em alguns
casos, um Estado desenvolvimentista enxuto, limpo e pró-
ativo.

12
François Perroux definiu dominação como uma relação assimétrica e
irreversível.

14
IGNACY SACHS

Box 1 - Boa sociedade, meios de existência viáveis, trabalho decente.

O desenvolvimento pretende habilitar cada ser humano a ma-


nifestar potencialidades, talentos e imaginação, na procura da
auto-realização e da felicidade, mediante empreendimentos
individuais e coletivos, numa combinação de trabalho autôno-
mo e heterônomo e de tempo dedicado a atividades não produ-
tivas.
A boa sociedade é aquela que maximiza essas oportunidades,
enquanto cria, simultaneamente, um ambiente de convivência
e, em última instância, condições para a produção de meios de
existência (livelihoods) viáveis, suprindo as necessidades ma-
teriais básicas da vida - comida, abrigo, roupas - numa varie-
dade deformas e de cenários-famílias, parentela, redes, comu-
nidades.
A produção de meios de subsistência depende da combinação
dos seguintes elementos:
• Acesso a ativos requeridos para a produção de bens e servi-
ços para autoconsumo, no âmbito da economia doméstica;
• Acesso ao treinamento, técnicas e ativos necessários para a
produção de bens e serviços orientados para o mercado
mediante auto-emprego;
• Disponibilidade de trabalho decente, de tempo integral ou
parcial, para os membros da família que o desejam;
• Acesso universal aos serviços públicos;
• Acesso ã habitação autoconstruída, alugada ou adquirida
mediante esquemas subsidiados de moradia popular;
• Disponibilidade de tempo livre para atividades não pro-
dutivas.

Os aspectos qualitativos são essenciais. As formas viáveis de


produção de meios de existência não podem se apoiar em esforços
excessivos e extenuantes dos seus produtores, em empregos mal
pagos e realizados em condições insalubres, na provisão inadequa-
da de serviços públicos e em padrões subumanos de habitação.

6 5
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

Dois avanços conceituais importantes devem ser enfatizados:


a- Desde os anos 70, a atenção dada à problemática ambiental levou
a uma ampla reconceitualização do desenvolvimento, em termos
de ecodesenvolvimento, recentemente renomeado desenvolvi-
mento sustentável.
O desenvolvimento sustentável obedece ao duplo imperativo éti-
co da solidariedade com as gerações presentes e futuras, e exige a
explicitação de critérios de sustentabilidades social e ambiental e de
viabilidade econômica. Estritamente falando, apenas as soluções que
considerem estes três elementos, isto é, que promovam o cresci-
mento econômico com impactos positivos em termos sociais e
ambientais, merecem a denominação de desenvolvimento, como se
pode ver na tabela a seguir:

Tabela 1: Padrões de Crescimento Econômico


impactos sociais impactos ambientais
1- desenvolvimento + +
2- selvagem - -

3- socialmente benigno + -

4- ambientalmente benigno - +

Durante as três décadas que separam a Conferência das Nações


Unidas sobre Meio Ambiente - a de 1972, realizada em Estocolmo,
e a Cúpula sobre Desenvolvimento Sustentável, realizada em
Joanesburgo, em 2002 - , o conceito de desenvolvimento sustentá-
vel foi refinado, levando a importantes avanços epistemológicos.
Para os p r o p ó s i t o s deste texto, é s u f i c i e n t e e n f a t i z a r que a
sustentabilidade social é um componente essencial deste conceito.
Com relação aos critérios de sustentabilidade social, podemos re-
^ tomar a posição de Dudley Seers, para o qual o crescimento econô-
/ mico, mesmo quando rápido, não traz desenvolvimento, a menos que
gere emprego e contribua para a redução da pobreza e das desigual-

1 6
IGNACY SACHS

dades. Kalecki e Seers estiveram entre os primeiros economistas a


assinalar, nos anos 60, a necessidade de se analisar o desenvolvimen-
to econômico não só em termos de crescimento do PIB, mas tam-
bém, e talvez em primeiro lugar, em termos do emprego.
b- A segunda e talvez mais importante reconceituação foi forte-
mente influenciada pelos trabalhos de A. K. Sen (1999). O desen- e*
volvimento pode ser redefinido em termos da universalização e do
exercício efetivo de todos os direitos humanos: políticos, civis e
cívicos; econômicos, sociais e culturais; bem como direitos coleti-
vos ao desenvolvimento, ao ambiente etc. Embora os direitos sejam
indivisíveis, deve ser dado um status especial ao direito ao trabalho,
visto o seu duplo valor, intrínseco, mas também instrumental, já
que o trabalho decente abre o caminho para o exercício de vários
outros direitos.
4. Podemos resumir a evolução da idéia de desenvolvimento, no
último meio século, apontando para a sua complexificação, repre-
sentada pela adição de sucessivos adjetivos - econômico, social,
político, cultural, sustentável - e, o que é mais importante, pelas
novas problemáticas. Mesmo assim, carecemos de um paradigma
convincente capaz de lidar com os dois problemas aos quais já nos
referimos, isto é, desemprego maciço/subemprego e desigualdade
crescente.
Segundo a OIT, um terço da força de trabalho está desemprega-
do ou subempregado e os sucessivos relatórios do PNUD sobre o
desenvolvimento humano documentam a brecha crescente entre a
renda das minorias ricas e as maiorias pobres. A distribuição da
riqueza é ainda mais desequilibrada. Vivemos em um mundo
crescentemente fragmentado, a despeito de toda a fala sobre a
globalização. E mais, as nossas economias se caracterizam por um
alto grau de desperdício. De todas as formas de desperdício, a pior
de todas é aquela que destrói vidas humanas por meio do déficit de
oportunidades de trabalho decente.

6 7
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

Isso não quer dizer que as vítimas do desenvolvimento desigual


não trabalhem. Como observou Joan Robinson, elas são pobres de-
mais para poderem se dar ao luxo de não trabalhar. Ao mesmo
tempo, quando desempregadas, descobrem que pior que ser explo-
rado é não ser sequer explorado.
De tal forma, e em sentido estrito, a maioria pobre não está
totalmente excluída da esfera econômica. O sociólogo brasileiro
José de Souza Martins (2002) tem razão quando fala de formas
perversas, anormais e desiguais de inclusão social. 13 Podemos di-
zer, no entanto, que a maioria pobre está praticamente excluída do
processo de desenvolvimento, entendido como a apropriação efe-
tiva da totalidade de direitos humanos (ver, em particular, Kothari,
1993). Sob algumas circunstâncias, a inclusão justa se converte
em requisito central para o desenvolvimento. Se o adjetivo deve
colocar atenção no aspecto mais essencial do paradigma de de-
s e n v o l v i m e n t o , p o d e m o s f a l a r e n t ã o de desenvolvimento
ineludente.

Definindo a inclusão justa


A maneira natural de definir o desenvolvimento ineludente é por
oposição ao padrão de crescimento perverso, conhecido, como já
se mencionou, na bibliografia latino-americana como "excludente"
(do mercado de consumo) e "concentrador" (de renda e riqueza).
Dois outros aspectos do crescimento excludente são:
• mercados de trabalho fortemente segmentados, que mantêm
uma grande parcela da maioria trabalhadora confinada a ativi-
dades informais, ou condenada a extrair a sua subsistência
precariamente da agricultura familiar de pequena escala, sem
quase nenhum acesso à proteção social (ver Rodriguez, O.,

13
Ver também a sua entrevista na Folha de São Paulo, "Mais!", 15 de setembro
de 2002.

1 8
IGNACY SACHS

1998, e Revista Latinoamericana de Estúdios dei Trabajo,


1999);
• fraca participação na vida política, ou completa exclusão dela,
de g r a n d e s setores da p o p u l a ç ã o , p o u c o instruída,
suborganizada e absorvida na luta diária pela sobrevivência,
sendo as mulheres, sujeitas à discriminação de gênero, as mais
fortemente atingidas.
O desenvolvimento includente requer, acima de tudo, a garantia
do exercício dos direitos civis, cívicos e políticos. A democracia é
um valor verdadeiramente fundamental (A. K. Sen) e garante tam-
bém a transparência e a responsabilização (accountability) neces-
sárias ao funcionamento dos processos de desenvolvimento. No
entanto, existe uma grande distância entre a democracia representa-
tiva e a democracia direta, que cria melhores condições para o de-
bate dos assuntos de interesse público.
Todos os cidadãos devem ter acesso, em igualdade de condi-
ções, a programas de assistência para deficientes, para mães e fi-
lhos, para idosos, voltados para a compensação das desigualdades
naturais ou físicas. Políticas sociais compensatórias financiadas pela
redistribuição de renda deveriam ir mais longe e incluir subsídios ao
desemprego, uma tarefa praticamente impossível naqueles países
onde apenas uma pequena minoria está empregada no setor organi-
zado e onde o desemprego aberto é bem menos significativo que o
subemprego.
O conjunto da população também deveria ter iguais oportunida-
des de acesso a serviços públicos, tais como educação, proteção à
saúde e moradia. Seguem-se alguns comentários a este respeito.
A educação é essencial para o desenvolvimento, pelo seu valor
intrínseco, na medida em que contribui para o despertar cultural, a
conscientização, a compreensão dos direitos humanos, aumentan-
do a adaptabilidade e o sentido de autonomia, bem como a
autoconfiança e a auto-estima. É claro que tem também um valor

6 9
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

instrumental com respeito à empregabilidade. Porém, a educação é


condição necessária, mas não suficiente, para se ter acesso a um
trabalho decente. Deve vir junto com um pacote de políticas de
desenvolvimento, mesmo que alguns prefiram apresentá-la como
uma panacéia. Um dos paradoxos que prevalecem hoje é o desem-
prego maciço de adultos existindo lado a lado com o intolerável
fenômeno do trabalho infantil. Para poder colocar todas as crianças
na escola é necessário distribuir bolsas para aqueles oriundos de
famílias pobres, cuja sobrevivência depende do dinheiro que levam
para a casa.14
Mesmo sendo muito importante o acesso aos serviços de saúde,
eles fazem parte de um objetivo mais amplo, que é o de melhorar a
saúde das pessoas. Isto depende de uma alimentação adequada (se-
gurança alimentar), do acesso à água limpa, da melhoria das condi-
ções de moradia e de trabalho, de uma melhor educação e de medi-
das preventivas, como vacinação.
Existe um debate a respeito de a moradia ser ou não um serviço
público. Tratá-la desta forma, nos países do antigo bloco soviético,
não trouxe resultados satisfatórios. No entanto, a provisão de mo-
radia decente para todos, preenchendo, desta forma, uma necessi-
dade básica, é certamente um enorme desafio para o desenvolvi-
mento includente. Daí a importância de políticas de moradias popu-
lares e, em particular, de esquemas baseados na autoconstrução
assistida, nos quais as autoridades públicas se juntam aos esforços
dos futuros moradores, cujo trabalho se constitui numa forma não
monetária de poupança.
Todos os quatro itens se serviços públicos citados acima -
programas de assistência, a educação, a saúde, e a moradia - exi-
gem financiamento público, por meio da redistribuição de uma

14
O programa pioneiro "Bolsa Escola", introduzido por Cristovam Buarque,
em Brasília, merece todo o destaque neste contexto.

40
IGNACY SACHS

parcela do PIB, independentemente da forma como sejam admi-


nistrados: seja diretamente pela administração pública, por insti-
tuições que pertençam ao terceiro setor da sociedade civil organi-
zada ou até por empresas privadas. A questão de se as primeiras
três devem permanecer completamente na esfera pública, devido
ao seu valor para o bem-estar social, é matéria de acaloradas dis-
cussões ideológicas. Os defensores do paradigma neoliberal pro-
põem, em seu lugar, soluções de mercado, no que são auxiliados
pelo fato de que, em muitos países, a atuação do setor público tem
sido um tanto falha. 15
Os limites entre as esferas pública e privada, assim como a defi-
nição dos bens públicos, são outros assuntos a serem discutidos.
Mais importante ainda é fazer uma distinção entre as políticas
compensatórias financiadas pela redistribuição de renda mediante
o sistema fiscal e as políticas de emprego que mudam a distribui-
ção de renda primária. Ambas são necessárias, porém as primei-
ras são de natureza puramente social e requerem despesas contí-
nuas, ano após ano, enquanto que as segundas, mediante a criação
de oportunidades de trabalho decente, geram renda e proporcio-
nam uma solução duradoura ao problema social. Ceteris paribus,
a g e r a ç ã o de e m p r e g o d e v e ser p r e f e r i d a às p o l í t i c a s
assistencialistas compensatórias, se não por outra razão, porque
as segundas nunca proporcionam a dignidade que provém do em-
prego. 16
A economia capitalista é louvada por sua inigualável eficiência
na produção de bens (riquezas), porém ela também se sobressai
por sua capacidade de produzir males sociais e ambientais. Para

15
A este respeito, ver o prólogo de Kannan K. P. e Pillai N. V. (2002).
16
Segundo Há-Joon Chang (2002), J. Stiglitz apóia esta opinião e considera
que se exige mais ênfase para que o pleno emprego e a maior participação
do emprego sejam considerados como partes essenciais de uma sociedade
genuinamente democrática.

6 1
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

os ideólogos do fundamentalismo de mercado, estes males são o


preço inevitável do progresso econômico. Só podem ser mitiga-
dos e compensados mediante a produção de bens públicos, tais
como a redução da pobreza ou a proteção do meio ambiente. Em
outras palavras, o desemprego maciço, o subemprego e as desi-
gualdades sociais são inerentes ao sistema capitalista, porém estes
inconvenientes seriam mais do que compensados pela eficiência
da economia capitalista de mercado.
Este argumento se apóia, no entanto, numa definição muito
estreita de eficiência. Num importante livro sobre os limites do
mercado, Kuttner (1997) distingue três tipos de eficiência: a
alocadora, associada ao nome de Adam Smith, a inovadora
(schumpeteriana) e a keynesiana, que consiste em pleno emprego
de todos os meios de produção. Em outro texto, argumentei que
há outros dois tipos de eficiência: a social (que se sobrepõe à
keynesiana quanto ao pleno emprego e a força de trabalho) e a
ecoeficiência. Não resta dúvida de que o capitalismo é muito
eficiente em termos de alocação, porém deficiente em termos das
eficiências keynesiana, social e ecoeficiência, que são essenciais
ao conceito de desenvolvimento ineludente, fundamentado no tra-
balho decente para todos. Longe de ser um parâmetro estimado a
partir de comportamentos passados, a elasticidade de emprego do
crescimento deve ser tratada como uma variável no planejamento
do desenvolvimento, pois é a chave de uma estratégia de desen-
volvimento ineludente. Taxas mais altas de crescimento econômi-
co global presumivelmente trarão maior emprego. Porém, é igual-
mente importante refletir sobre como maximizar o potencial de
emprego para uma dada taxa de crescimento, influenciando a com-
posição do produto (output-mix) e selecionando as técnicas apro-
priadas, sem perder de vista o objetivo de aumentar a produtivida-
de do trabalho, no qual se apóia, em última instância, o progresso
econômico.

1 2
IGNACY SACHS

Produtividade maior e mais empregos - maximizando o


potencial de emprego do crescimento.
A lamentável situação caracterizada pelo crescimento perverso
(desdesenvolvimento) dos países periféricos e pela deterioração do
emprego nos países centrais se relaciona muito com a transforma-
ção estrutural da economia mundial e com os três descolamentos
identificados por Peter Drucker (1986):
1 .descolamento entre a economia financeira e a economia real
(financiarização);
2.descolamento entre o crescimento do PIB e a demanda por
commodities, basicamente como uma conseqüência do crescimen-
to da parcela de serviços nos padrões de consumo;
3.descolamento entre o crescimento do PIB e o emprego, devi-
do à substituição de empregos causada pelo progresso técnico.
O crescimento da produtividade do trabalho deve ser bem-vin-
do, já que se constitui na base do progresso econômico. Em teoria,
ele deveria nos permitir avançar pelo caminho da progressiva elimi-
nação do trabalho heterônomo, doloroso e alienante, liberando tem-
po para atividades autônomas, produtivas e não produtivas. 17 Esta é
a essência da visão generosa proposta, entre outros, por Ivan Illich
(1977) e por André Gorz (1988).
Não há dúvida de que os países industrializados avançados devem
refletir sobre o uso ótimo do progresso técnico: quanto se destina à
redução do tempo de trabalho e quanto vai para a acumulação de bens
adicionais? Em que ponto se deve parar a busca do crescimento ma-
terial, se se considera que o objetivo último do desenvolvimento é
uma civilização do ser e não do ter, e, mais ainda, que a finitude do
planeta estabelece um limite para a expansão da produção material?

17
Para uma distinção entre trabalho heterônomo (dirigido por outros) e
autônomo, ver Ivan Illich. O mesmo autor nos lembra da etimologia da
palavra francesa "travai/": a tortura medieval chamada tripallium.

6 3
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

Essas são, sem dúvida, perguntas muito importantes para um


debate prospectivo de longo prazo. Porém, elas não devem nos dis-
trair quanto às urgências sociais que devem ser resolvidas com prio-
ridade. Embora proponha como a meta do desenvolvimento uma
civilização do ser, Joseph Lebret especifica como pré-condição ne-
cessária um compartilhamento eqüitativo do ter.18
A nossa preocupação deve dirigir-se imediatamente às imensas
desigualdades que existem hoje no acesso às oportunidades de tra-
balho, na remuneração do trabalho, na proteção e participação so-
ciais e na geração de renda e riqueza. Na ausência de condições e
regras de conduta eqüitativas em todos estes quesitos, o fim do
trabalho (heterônomo) não tem chance de se converter numa meta
realista. Tanto mais que as pessoas ainda têm que aprender a apre-
ciar como uma verdadeira medida de sua liberdade cultural o tempo
liberado para atividades autônomas e a dar preferência a elas, em
vez de alocar o seu tempo liberado aos prazeres do consumismo.
Hic at nunc o nosso problema consiste assim em reconciliar os
objetivos do progresso econômico, alimentado pelo aumento da pro-
dutividade do trabalho, com o imperativo de proporcionar oportuni-
dades de trabalho decente para todos. Várias observações cabem
aqui.
• Primeiro, a redução do conteúdo do trabalho por unidade de
um dado produto pode ser compensada pelo incremento na
demanda total por este produto, estimulada pela redução do
preço e pelo crescimento geral do PIB, ocasionado pelo pro-
gresso técnico.
• Segundo, as reduções na incorporação direta de trabalho são
compatíveis com o incremento da demanda por trabalho a mon-
tante da cadeia produtiva (pesquisa, desenho) e a sua jusante
(;marketing, distribuição, manutenção).

18
"La civilisation de l'être dans lepartage équitable de 1'avoir".

44
IGNACY SACHS

• Terceiro, o progresso técnico é instrumental para a criação de


novos produtos e para o estímulo a novas necessidades.
• Quarto, e mais importante, a perda de empregos em alguns
setores pode ser compensada com a ampliação do emprego
em outros setores, dependendo das mudanças realizadas na
composição do produto e na escolha das técnicas. Estas são
as duas variáveis-chaves do jogo do planejamento que visa à
harmonização dos dois objetivos aparentemente contraditórios,
a saber, o progresso técnico veloz e o pleno emprego. Para
isto, faz-se necessária uma estratégia dupla.
De uma parte, o progresso técnico rápido é uma exigência nas
indústrias de bens comercializáveis que competem nos mercados
mundiais. Nenhum país pode se dar o luxo de não ter firmas quali-
ficadas que atuem como global players, mesmo que isto implique
em enxugamento do seu pessoal.
De outra parte, as mesmas pressões não se aplicam à produção
de bens e serviços não comercializáveis, nem de muitos bens que
pertencem à categoria de comercializáveis, mas que, na prática,
não enfrentam uma competição externa nos mercados internos, pois
estão protegidos pela distância, pelos altos custos de transporte ou
pelas preferências dos consumidores (por exemplo, alimentos pe-
recíveis). Nove de cada dez pessoas, pelo menos, estão emprega-
das na produção de não comercializáveis. Portanto, as tendências
negativas do emprego nas indústrias modernas deveriam ser com-
pensadas por meio da ampliação da participação dos bens e serviços
não comercializáveis no perfil da produção.
Isto requer uma participação maior nos padrões de consumo
de serviços e alimentos produzidos localmente (segurança alimen-
tar local), bem como uma maior prioridade para investimentos em
infra-estrutura e construção civil (especialmente vivenda social).
Richard Méier (2000) se aventurou a sugerir que os países africa-
nos deveriam dar o pulo do gato na direção da sociedade de servi-

6 5
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

ços, sem necessariamente ter que repetir os estágios de cresci-


mento pelos quais os países industrializados passaram.
O universo do crescimento puxado pelo emprego deveria ser plena-
mente explorado, recorrendo-se, em todas as esferas da produção de
não comercializáveis, a métodos intensivos em trabalho. Em outras
palavras, precisamos investigar até onde podemos avançar por esta via
antes de encontrar a barreira da oferta adequada de bens de salário
(uma condição para evitar pressões inflacionárias) e/ou a da escassez
de divisas. Como regra, a maior parte dos bens não comercializáveis
tem um conteúdo baixo em importações. Em muitos países, a agricul-
tura e as indústrias manufatureiras locais têm a possibilidade de ajustar
a oferta de bens de salário até a demanda incrementada que advém dos
empregos adicionais gerados pelas obras públicas.
Mudando o foco para outros setores da economia, as seguintes
margens de liberdade devem ser exploradas:
• examinar as sinergias potenciais entre empresas modernas de
grande porte e empresas de pequeno porte, trabalhando com
métodos relativamente intensivos em mão-de-obra
(subcontratação da produção e terceirização dos serviços); um
caso especial é a integração de pequenos produtores rurais
com os agronegócios (sobre conexões entre empresas, ver
UNCTAD, 2000 e 2001);
• avaliar as possibilidades de expansão da produção de vários
tipos de biomassa agrícola, florestal e aquática para usos
diversificados, como alimento, rações para animais, ener-
gia, fertilizantes, materiais de construção, matéria-prima in-
dustrial, fármacos e cosméticos. Diversos países em de-
senvolvimento terão um futuro brilhante se conseguirem
explorar competentemente a sua biodiversidade, mediante
o uso de biotecnologias, tanto para aumentar a produção de
biomassa quanto para aumentar o espectro de produtos de-
rivados dela. Desta forma, podem se engajar, antes dos

1 6
IGNACY SACHS

países industriais, num padrão relativamente intensivo e ge-


nuinamente sustentável de emprego, desde que sejam res-
peitadas as regras de um manejo ecologicamente viável das
florestas, dos solos e dos recursos hídricos (ver Sachs,
2000b, 2001 e 2001b);
• ativar, mediante métodos intensivos em emprego, fontes de
crescimento independentes de investimento, de duas manei-
ras: (a) prestando mais atenção à produtividade dos recursos
naturais, por meio da conservação da energia e da água,
reciclando o lixo e usando produtivamente os resíduos agrí-
colas (Sachs, 1988, Weizsacker, Lovins and Lovins, 1997);
(b) garantindo uma melhor manutenção do estoque de infra-
estruturas, equipamentos e prédios, para prorrogar o seu ci-
clo de vida e, desta forma, liberar para investimento produti-
vo adicional o capital que seria de outra maneira exigido para
a sua reposição; 19

• por último, cuidar do futuro da maioria trabalhadora dos pe-


quenos produtores, auto-empregados, que trabalham na agri-
cultura familiar e em pequenos negócios e que se pautam por
um padrão de racionalidade similar àquele observado por
Chayanov na agricultura camponesa. 20 Esta questão será abor-
dada na seção seguinte.

19
Kalecki, em sua teoria do crescimento, introduz dois parâmetros responsá-
veis pelo crescimento sem investimentos: a taxa de depreciação real e o
coeficiente de melhor utilização das capacidades produtivas existentes.
Quanto mais baixa a taxa de depreciação (atingida mediante melhor ma-
nutenção), maior será ceteris paribus a taxa de crescimento econômico.
Uma melhor utilização da capacidade produtiva existente também levará
a uma maior taxa de crescimento global.
20
O dinheiro flui com facilidade dos bolsos das empresas até os bolsos domés-
ticos, e vice-versa, algo totalmente contrário à racionalidade observada
em empresas organizadas.

6 7
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

Box 2 - Taxas de crescimento do emprego

A taxa de crescimento do emprego (e) depende das taxas de


crescimento do PIB (r) e da produtividade do trabalho (p):
e- r-p
A tabela seguinte apresenta as taxas de crescimento do empre-
go (e) resultantes das diferentes combinações de r e p. As taxas
de crescimento de r figuram na primeira linha horizontal, as
taxas de crescimento da produtividade p figuram na primeira
coluna à esquerda e as taxas de emprego resultantes da combi-
nação de r e p na interseção das duas.

Para muitos países em desenvolvimento, um crescimento anual


do emprego de 2% é o mínimo exigido para absorver os recém-
chegados ao mercado de trabalho. A redução do desemprego e do
subemprego exige combinações de r e de p localizadas à direita da
diagonal 2 (assinalada em negrito). Todas as combinações à esquer-
da da diagonal representam uma deterioração de emprego.

De pequenos produtores a microempresários


A categoria de "pequenos produtores" inclui todos aqueles en-
volvidos em atividades de pequena escala realizadas fora do univer-

1 8
IGNACY SACHS

so das empresas modernas. Estas últimas abrangem tanto firmas


grandes e médias, como uma variedade de pequenas empresas in-
dustriais, comerciais e de serviços, algumas delas unipessoais, que
vão desde lojas e restaurantes até sofisticadas empresas de alta
tecnologia e firmas de consultoria. As micro e pequenas empresas
respondem pela maioria dos postos de trabalho na economia mo-
derna. Porém, isto não significa que o seu coeficiente de capital/
trabalho seja necessariamente baixo. 21
O desafio é transformar pequenos produtores em empresas or-
ganizadas de pequena escala, capazes de competir no mercado ca-
pitalista. A sua consolidação será produto da atualização das suas
competências e capacidades administrativas (incrementando a
competitividade intrafirma) e da melhora da sua competitividade
sistêmica mediante uma série de ações afirmativas, tais como aces-
so preferencial a crédito, tecnologias e mercados.
O desenho destas ações pressupõe um conhecimento detalhado
do funcionamento da economia real (substantiva, nos termos de
Polanyi), indo além da dicotomia formal/informal. A complexidade da
economia real raramente é reconhecida por economistas convencio-
nais. Ela deriva da presença simultânea de vários modos de produção:
• a produção fora do mercado (produção de bens e serviços
para autoconsumo);
• a pequena produção pré e protocapitalista, de artesãos, vende-
dores ambulantes, provedores de serviços pessoais, negócios
familiares, lojas, barracas e indústrias caseiras; 22

21
O coeficiente capital/trabalho (i), a proporção de produção de capital (k),
e a produtividade do trabalho (p) estão vinculados mediante a seguinte
relação: i = k x p. Além disso, muitas empresas modernas são intensivas
em conhecimento.
22
A distinção entre indústrias caseiras e de pequeno porte foi estabelecida há
muito tempo na índia (Dhar P. N., Sen, A. 1960). A maioria dos negócios
caseiros não é administrada como empresas, podendo-se fazer uma com-
paração entre eles e as propriedades agrícolas camponesas.

6 9
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

• a economia capitalista de mercado, orientada para lucro, que


inclui empresas grandes e pequenas, nacionais e estrangeiras,
públicas e privadas;
• a economia social (chamada, no Brasil, de economia solidária)
orientada para mercado, mas não para o lucro individual (coo-
perativas, empresas auto-administradas, organizações da so-
ciedade civil, instituições filantrópicas etc.23).
A agricultura familiar participa dos quatro modos de produção
listados acima. Os serviços públicos formam uma categoria à parte.
Todos os bens e serviços entram nos seguintes circuitos:
• economia doméstica; 24
• a "economia popular", que proporciona à população de baixa
renda bens e serviços de baixo custo, produzidos em parte
por pequenos produtores locais, que, no entanto, têm que
enfrentar a competição de bens contrabandeados ou fabrica-
dos por firmas multinacionais especialmente para a popula-
ção de baixa renda; estes bens circulam na economia popular
por meio de redes de supermercados e também mediante
esquemas de distribuição de porta em porta; 25
• o mercado capitalista, do qual os pequenos produtores partici-
pam como provedores de serviços pessoais ou de serviços
terceirizados para firmas, como vendedores de rua e de porta

23
Ver Jeantet (1999). No Brasil, a economia social é conhecida como econo-
mia solidária (Singer, P. Souza, R. D. (eds), 2000).
24
O escambo de produtos é, em parte, uma extensão da economia domés-
tica e, em outra, uma forma de trocar bens e serviços produzidos para
o mercado sem necessidade de usar o dinheiro, devido a condições
anormais na economia monetária (hiperinflação, pouca moeda circulante
etc.).
25
No Brasil, um gigante da indústria de cosméticos norte-americana, a
Avon, tem uma rede de mais de 700 mil vendedores e vendedoras de
porta em porta.

50
IGNACY SACHS

em porta e, ocasionalmente, como subcontratados de indús-


trias organizadas;
• compras governamentais, uma ferramenta potencialmente im-
portante para ações afirmativas em favor de pequenos produ-
tores e microempresas. 26
A segmentação dos mercados de bens e serviços caminha lado
a lado com a segmentação do mercado de trabalho. Os servidores
públicos e de firmas privadas formalizadas têm um status privile-
giado, quando comparados com os pequenos produtores, pois estão
protegidos pelas leis trabalhistas, têm acesso à previdência social
e têm direito à aposentadoria. Mesmo assim, muitos pequenos pro-
dutores parecem apegados à sua informalidade. Argumentam que
estão em situação melhor em termos de ganhos imediatos, já que
não pagam impostos ou encargos sociais. Esta visão é míope e,
em última instância, falaciosa. Porém, ela mostra claramente os
tipos de políticas que são necessárias para estimular o acesso dos
pequenos produtores à economia formal, capitalista ou social. As
duas opções estão disponíveis - a primeira dominante e a segunda
socialmente preferível.

Como mencionado, é necessário dar aos pequenos produtores


uma oportunidade de melhora das suas atividades, aperfeiçoando as
suas habilidades mediante treinamento. Este ponto é de suma im-
portância para o número crescente de provedores de serviços téc-
nicos e de manutenção para firmas e famílias urbanas e rurais. A
demanda por serviços técnicos, mas também sociais e pessoais,
muito provavelmente aumentará nas áreas rurais, acompanhando,
desta forma, a modernização da agricultura e o estabelecimento de
indústrias de processamento de biomassa. Os serviços podem criar

26
Os EUA têm uma detalhada legislação que dá às pequenas empresas trata-
mento preferencial nas compras públicas.

6 1
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

uma importante fonte de emprego para as famílias camponesas,


como parte das estratégias de desenvolvimento rural direcionadas à
promoção da pluriatividade.
O aperfeiçoamento organizacional é tão importante quanto o
aperfeiçoamento técnico. Os pequenos produtores em via de
transformação em pequenos empresários precisam melhorar a
sua cultura administrativa. Ao mesmo tempo, deve-se ajudá-los
a tirar proveito da assistência mútua e do empreendedorismo
coletivo, como meios poderosos de fortalecer os seus esforços
individuais. 27
O empreendedorismo coletivo pode tomar formas diferentes,
desde esquemas de caução mútua para o microcrédito até coo-
perativas de poupança e crédito, de produção e comércio; 28 as-
sociações de poupança e crédito rotativo (conhecidas, no Brasil,
sob o nome de consórcios); agrupamentos setoriais e territoriais
de produtores e comerciantes, visando à criação de economias
de escala e obtenção de melhores preços, mediante compras ou
vendas conjuntas, e gerando externalidades positivas para seus
negócios, mediante ações colaborativas no campo da tecnologia,
de design e do marketing.
A concorrência não exclui a cooperação, como aprendemos
com a experiência dos distritos industriais no nordeste italiano (a
"Terza Itália", nos termos de Arnaldo Bagnasco), também conhe-
cidos como arranjos produtivos locais (APLs), que concentram
centenas ou até milhares de trabalhadores e pequenas unidades

27
Sobre o papel da assistência mútua na evolução social, ver Kropotkin, P.
(1988).
28
Cabe aqui uma advertência: no Brasil, os empregadores algumas vezes
substituem os seus empregados regulares por meio da contratação dos
serviços de cooperativas de trabalhadores, esquivando-se assim do paga-
mento dos encargos sociais. N ã o é necessário dizer que esta é uma
distorção total dos ideais cooperativos e que ela deve ser vigorosamente
combatida.
IGNACY SACHS

industriais num município ou microrregião. 29 Os APLs, parecem


ser um campo particularmente importante para as políticas públi-
cas voltadas à transformação gradual dos pequenos produtores
em microempresários.
Por importante que seja a promoção do empreendedorismo cole-
tivo, ela tem que ser complementada por feixes de políticas públi-
cas que se reforçam mutuamente.
A experiência mostra que as reformas agrárias não funcionam
enquanto a distribuição da terra não for complementada por medi-
das que quebrem o poder dos agiotas e comerciantes estabelecidos
no campo e que ofereçam aos camponeses os seguintes requisitos
necessários para uma modernização bem-sucedida da agricultura
familiar:
• acesso a tecnologias apropriadas (intensivas em conhecimen-
to e em trabalho, porém poupadoras de capital e recursos) e a
serviços de extensão e de capacitação eficientes;
• créditos subsidiados para produção e investimentos;
• garantia de preços mínimos, acesso aos mercados e atendimen-
to preferencial nos mercados institucionais (compras públicas);
• assistência na identificação de nichos de mercado locais, nacio-
nais e internacionais para produtos de qualidade (queijos, vi-
nhos, frutas, hortaliças etc.).

25
Pesquisadores brasileiros, inspirados nos estudos pioneiros da O I T (Pyke, F.,
Sengerberger W., Becattini, G. 1990, Pyke F., Sengerberger W., 1992) e
trabalhando em associação com colegas italianos, estão descobrindo centenas
de arranjos produtivos locais industriais espalhados pelo país, especializados
na confecção de roupas, sapatos e artigos de couro, móveis, pedras preciosas
etc. O SEBRAE está elaborando um atlas destes APLs. Os bens produzidos
nos APLs são freqüentemente comercializados por vendedoras de rua e de
porta em porta. São conhecidas como "sacoleiras". Milhares delas visitam os
APLs para comprar as suas mercadorias diretamente dos produtores, muitas
vezes tendo que percorrer longas distâncias. O SEBRAE planeja dar alta
prioridade ao programa de consolidação e desenvolvimento dos APLs.

6 3
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

Box 3 - Tecnologias apropriadas.


Os países em desenvolvimento precisam de padrões de cresci-
mento intensivos em conhecimento e trabalho e, no entanto,
poupadores de capital e de recursos, e devem procurar solu-
ções triplamente vitoriosas, isto é, viáveis social, ambiental e
economicamente.
Isto é, sem dúvida, uma tarefa difícil, na qual a criatividade e a
disponibilidade de tecnologias apropriadas que respondam
aos critérios acima especificados têm um papel crucial.
Na agricultura, estes critérios estão incorporados ao conceito da
revolução sempre verde, formulado pioneiramente pelo agrôno-
mo indiano M. S. Swaminathan, e aos sistemas integrados de pro-
dução de alimentos e energia propostos pela Universidade das
Nações Unidas (Sachs, Silk, 1990). No entanto, o escopo para
tecnologias apropriadas é muito mais amplo. Inclui todos os ou-
tros tipos de produção orientada ao mercado, bem como a produ-
ção de subsistência na economia familiar fora do mercado.
A modernização das economias familiares, nas áreas rurais mais
remotas e nas favelas mais pobres, é importante por duas ra-
zões: ela melhora a qualidade de vida e/ou reduz o tempo em-
pregado em tarefas domésticas, liberando tempo para ativida-
des orientadas para o mercado e para o lazer. Os pobres das
áreas rurais e urbanas precisam de fogões aperfeiçoados, lâm-
padas e congeladores funcionando com energia solar, fdtros
de água etc., antes de ter acesso aos eletrodomésticos disponí-
veis para os estratos mais ricos da população.
O conceito de tecnologias apropriadas é mais amplo que o de
tecnologias intermediárias, defendido por Schumacher. Mes-
mo sendo úteis em certos contextos, estas estão longe de ser
uma panacéia.
Deve-se dar atenção ao emprego catalisador de tecnologias
avançadas para, assim, garantir a viabilidade das cadeias pro-
dutivas intensivas em trabalho. Isto pode acontecer de várias
maneiras, por exemplo, abrindo-se novos mercados para pro-
dutos naturais, mediante processamentos inovadores, ou pro-
porcionando previsões exatas do tempo para pescadores e agri-
cultores. Pode-se falar em tecnologias combinadas, levando-

1 4
IGNACY SACHS

se em conta todo o espectro disponível, desde o conhecimento


indígena até as invenções mais sofisticadas.
Isto nos leva à alfabetização digital e ao potencial das
tecnologias de comunicação e informação (CITs). Sem dúvida,
os serviços de extensão rural, de saúde e de educação se bene-
ficiarão delas. Da mesma forma, o acesso instantâneo à infor-
mação sobre condições do mercado e preços de commodities,
por intennédio de um cyber café rural, pode ser muito impor-
tante para um pequeno agricultor, com a condição, no entanto,
de que ele disponha de produção excedente à venda e que pos-
sa chegar ao mercado sem cair nas rédeas de intermediários
gananciosos.
O acesso a tecnologias apropriadas é um dos ingredientes do
pacote de políticas de desenvolvimento. Para ser efetivo, ele
tem que caminhar lado a lado com o acesso à terra, à
capacitação, ao crédito e aos mercados.

Nenhum destes requisitos será preenchido na ausência de vigo-


rosas políticas públicas, desenhadas e implementadas por um Esta-
do desenvolvimentista enxuto, limpo e pró-ativo (ver Box 6 e Sachs,
I, 2000a e Rodrik D., 2000).
O mesmo vale para pequenos produtores dedicados à produção
artesanal, aos serviços e ao comércio. Para ajudá-los na sua trans-
formação gradual em microempresários e para integrá-los na eco-
nomia formal, as seguintes medidas foram recomendadas, num re-
cente estudo patrocinado pelo SEBRAE e o PNUD (Sachs, 2002):
• simplificar os procedimentos burocráticos e reduzir os custos
administrativos do registro de novos negócios;
• simplificar o regime fiscal, com a redução significativa da carga
tributária em todos os níveis (federal, estadual e municipal);
• diminuir os encargos e simplificar o acesso aos serviços de
saúde e proteção social;
• dar tratamento preferencial aos micros e pequenos empresári-
os nos mercados institucionais e fortalecer os vínculos entre

6 5
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

as grandes empresas e os pequenos negócios, mediante práti-


cas eqüitativas de subcontratação, terceirização e franquias
destinadas a proteger o interesse dos parceiros mais fracos; 30
• e, por último, proporcionar crédito em base preferencial.
Este último ponto exige u m esclarecimento. Enquanto a necessi-
dade de crédito subsidiado para os agricultores é amplamente reco-
nhecida, as agências financiadoras internacionais consideram, em
contraste, que os créditos para pequenas atividades não agrícolas
não devem ser subsidiados.

Box 4. Terceirização: uma oportunidade real para


a criação de emprego?

A terceirização é a última moda da ciência da administração.


Para reduzir custos e agilizar a administração, as corporações
são aconselhadas a externalizar todas as atividades que não
façam parte do núcleo do seu negócio: limpeza, segurança, ma-
nutenção, mas também processamento de informação, serviços
de atendimento ao cliente, serviços de pedidos e reservas, comér-
cio por Internet. Nas indústrias manufatureiras, a tendência é
comprar subsistemas prontos para serem montados; isto é parti-
cularmente verdadeiro para o caso da indústria de automóveis.
Novos vínculos são assim estabelecidos entre grandes empre-
sas e uma variedade de pequenas indústrias fornecedoras de
peças e acessórios ou firmas prestadoras de serviços. No entan-
to, a terceirização não eqüivale necessariamente à criação de
empregos.
Em muitos casos, ela ocorre juntamente com a redução de em-
pregos na empresa terceirizadora, o que resulta na substitui-
ção de empregos estáveis e decentes por outros mal remunera-
dos e instáveis na firma subcontratada.

30
Sobre os vínculos entre grandes empresas multinacionais e os seus contra-
tados, ver U N C T A D .

1 6
IGNACY SACHS

Em contraste, ocorre um aumento líquido de empregos num


país quando uma indústria local substitui componentes até
então importados.
Por outro lado, os serviços baseados nas TCIs que crescem
rapidamente oferecem para os países em desenvolvimento uma
oportunidade para se especializar em exportações de ativida-
des qualificadas e intensivas em trabalho, que vão desde a pro-
dução de softwares até serviços de atendimento, já que o custo
da força de trabalho qualificada e semiqualificada necessária
para estas tarefas é muito menor em vários países em desenvol-
vimento, se comparado com os industrializados, mesmo levan-
do-se em conta o diferencial da produtividade do trabalho. No
entanto, não será fácil reproduzir a fenomenal irrupção da ín-
dia nos mercados internacionais de softwares e de serviços de
informática.3' O sucesso da índia deve-se a uma série de fatores
favoráveis: abundante oferta de força de trabalho altamente
qualificada e que recebe remunerações bem menores que nos
EUA e na Europa, conhecimento do inglês, a presença nos Es-
tados Unidos de uma grande comunidade de cientistas india-
nos peritos nas ciências da computação (que atuam como in-
termediários), sem falar das vantagens do país que ingressa
primeiro num mercado emergente novo.
Levando-se em conta que a montagem é uma atividade intensi-
va em trabalho, muitas indústrias transferem para os países em
desenvolvimento o último estágio do seu processo produtivo.
Isto incentivou a proliferação de maquiladoras na fronteira do
México com os EUA e em muitas zonas francas. Ai fábricas
montadoras são enclaves, praticamente sem conexões produti-
vas a montante e a jusante no país em que funcionam. Desta
forma, os resultados para a economia local são modestos e se
restringem ao aumento de empregos não muito bem pagos.

31
As receitas do mercado indiano de serviços de software alcançaram US 6,2
bilhões de dólares, a partir de pouco menos de 500 milhões de dólares
registrados na metade de 1990 (The Economist, 11 de janeiro de 2003).

6 7
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

Microcréditos ou créditos para pequenos produtores?


Como reza o ditado popular, os bancos só emprestam dinheiro para
aqueles que realmente não precisam dele. Para a grande maioria das
pessoas, o acesso ao crédito está bloqueado, pois elas carecem de bens
e de garantias suficientes. Em situações de urgência, elas tomam di-
nheiro de agiotas. Na melhor das hipóteses, podem aspirar a comprar
alguns eletrodomésticos ou roupas em prestações, muitas vezes pa-
gando juros até superiores àqueles cobrados pelos agiotas. Nos países
que atravessaram períodos de inflação elevada, os consumidores pres-
tam mais atenção à possibilidade de pagar as prestações do que às taxas
de juros incorporadas aos preços dos bens adquiridos.
A revolucionária experiência do Grameen Bank, em Bangladesh,
quebrou o tabu da impossibilidade de acesso ao crédito para os
pobres.
O seu sucesso se deve ao reconhecimento de que mesmo um
empréstimo muito modesto pode mudar radicalmente a vida de uma
família pobre ao proporcionar o capital de giro para as atividades
que permitem uma circulação rápida deste capital - várias vezes,
numa mesma semana (por exemplo, na venda de hortaliças de porta
em porta, na compra de ingredientes por vendedores ambulantes de
cachorro-quente, pipoca etc.).
Igualmente, a aquisição de um animal doméstico - um bode, um
porco, aves, uma vaca - significa muito para os mais pobres, os
camponeses sem-terra e minifundistas.
Além do mais, as garantias não são necessárias desde que os que
têm acesso ao crédito estejam organizados em grupos e garantam
conjuntamente o reembolso dos empréstimos individuais.
O Grameen Bandk opera atualmente de maneira auto-sustentá-
vel, cobrando taxas de juros moderadas. Isto só é possível porque
os custos administrativos em Bangladesh são baixos.
Reproduzir esta experiência bem-sucedida coloca, no entanto,
muitas questões:

1 8
IGNACY SACHS

1- Em muitos países, os programas de microcrédito, adminis-


trados por ONG's, cobram taxas de juros altas, mesmo que elas
tenham acesso a capital barato de agências internacionais ou gover-
nos locais. O motivo é que elas precisam cobrir os seus custos
administrativos mediante os encargos que cobram, se pretendem
operar de forma sustentada.
Ao contrário do que acontece em Bangladesh, num país como o
Brasil, estes custos são substanciais. Não é convincente o argu-
mento de que, mesmo assim, as taxas de juros são mais baixas que
as cobradas por agiotas; os pobres raras vezes recorrem a agiotas
para conseguir capital para fins produtivos. Ademais, as políticas
de desenvolvimento deveriam assumir uma meta mais ambiciosa
que a de competir com agiotas cobrando taxas de juros um pouco
mais baratas, porém ainda altas.
2- Mais importante, o escopo dos microcréditos orientados à
produção é limitado às instâncias já mencionadas do pequeno capi-
tal de giro de rápida circulação (a taxa de juros, neste caso, é
irrelevante) ou à aquisição de animais domésticos, equipamentos
baratos - máquinas de costura de segunda mão, congeladores, bici-
cletas ou materiais para consertos domésticos.
As demandas deste tipo são limitadas e, portanto, rapidamente
exauridas. O desemprego e o subemprego, nos países em desenvol-
vimento, não serão resolvidos multiplicando a quantidade de vende-
dores de cachorro-quente, pipoca, sorvete ou refrigerante ou de
entregadores de pizzas. A concorrência entre costureiras já é bas-
tante apertada. O financiamento para a compra de animais produto-
res de leite, ovos e carne faz muito mais sentido.
3 - 0 que importa é o fornecimento adequado de diferentes tipos
de créditos - não necessariamente microcréditos - para pequenos
produtores.
Devemos começar por uma análise abrangente do padrão alta-
mente diversificado de demanda por créditos oriunda das diferentes

6 9
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

categorias de pequenos produtores para, depois, ver como dar con-


ta desta demanda mediante créditos acessíveis (ajfordable), de quan-
tidades e condições variáveis, dependendo do caso.
A acessibilidade depende, de um lado, da renda dos que tomam
os empréstimos e, de outro, das taxas de juros cobradas e das con-
dições de pagamento.
Os juros podem ser reduzidos e as condições suavizadas por
meio de medidas que visem:
• à redução do risco de inadimplência pelo recurso a garantias
coletivas por parte de grupos que tomam empréstimos (como
se faz no Grameen Bank), mediante fundos de garantia e es-
quemas de seguros de crédito;
• à redução dos custos operacionais mediante a combinação das
seguintes medidas: promovendo, sempre que possível, as fi-
nanças de proximidade por meio de cooperativas de crédito e
de poupança, associações de poupança e de crédito rotativo
(.consórcios) e bancos de APLs; subsídios às taxas de juros
financiados por fundos públicos ou subsídios cruzados medi-
ante a aplicação de spreads diferenciados a categorias distintas
de tomadores de empréstimos; e, finalmente, a administração
direta dos créditos por bancos públicos, pelas agências de de-
senvolvimento e até pelos correios.
Os créditos subsidiados para pequenos agricultores, pequenos
produtores urbanos e para a autoconstrução de moradias são ins-
trumentos importantes para a promoção do desenvolvimento
includente. A rejeição dos subsídios, por motivos ideológicos, não
se justifica, apesar das freqüentes práticas equivocadas do passa-
do. Como qualquer outro instrumento de política, os subsídios po-
dem ser bem ou mal aplicados.
Reivindicar subsídios para os pequenos produtores, em países
em desenvolvimento, não é contraditório com uma posição crítica a
respeito dos subsídios à agricultura nos EUA e na União Européia.

6 0
IGNACY SACHS

As agências de desenvolvimento e os bancos internacionais po-


deriam juntar forças com a Aliança Cooperativa Internacional e com
a União Européia (onde a economia social desempenha um papel
importante) numa grande iniciativa para promover finanças de pro-
ximidade nos países em desenvolvimento, dando ênfase especial às
cooperativas de poupança e crédito e aos bancos de APLs.

Desenvolvimento territorial, empoderamento


e iniciativas locais
A enorme diversidade das configurações socioeconômicas e cul-
turais, bem como das dotações de recursos que prevalecem em dife-
rentes micro e mesorregiões, excluem a aplicação generalizada de
estratégias uniformes de desenvolvimento. Para serem eficazes, es-
tas estratégias devem dar respostas aos problemas mais pungentes e
às aspirações de cada comunidade, superar os gargalos que obstru-
em a utilização de recursos potenciais e ociosos e liberar as energias
sociais e a imaginação. Para tanto, deve-se garantir a participação de
todos os atores envolvidos (trabalhadores, empregadores, o Estado e
a sociedade civil organizada) no processo de desenvolvimento.
Daí a importância do planejamento territorial nos níveis munici-
pal, microrregional e mesorregional, de forma a reagrupar vários
distritos unidos pela identidade cultural e por interesses comuns.
Para este fim, deve-se criar espaços para o exercício da democra-
cia direta, na forma de foros de desenvolvimento local que evoluam
na direção de formar conselhos consultivos e deliberativos, de for-
ma a empoderar as comunidades para que elas assumam um papel
ativo e criativo no desenho do seu futuro. 32

Sobre o conceito de empoderamento (empowerment), central na política do


desenvolvimento, ver Friedman, John (1999). Sobre a emergência da socieda-
de civil organizada como o terceiro sistema de poder, ver Nerfin M. (1986) e,
de forma mais geral, toda a coleção de dossiês do IFDA (International
Foodservice Distributors Association). Ver também, What Now? (1975).

6 1
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

A maior experiência relativamente bem-sucedida de planejamen-


to participativo local ocorreu no estado indiano de Kerala (Isaac e
Franke, 2000).
Merece também menção uma experiência muito positiva que
ocorre na área altamente industrializada da região metropolitana
de São Paulo, conhecida como o ABCD. 33 Várias municipalidades
reuniram-se para criar um conselho de desenvolvimento regional,
ao qual são creditadas várias iniciativas bem-sucedidas.
O empoderamento das comunidades e a abertura de espaços
para a democracia direta constituem a chave para as políticas de
d e s e n v o l v i m e n t o (John Friedmann) e p r e s s a g i a m um novo
paradigma de economias mistas que funcionam mediante o diálo-
go, as negociações e os vínculos contratuais entre os atores do
desenvolvimento. Não há dúvida de que as iniciativas partidas de
baixo terão cada vez mais importância. No entanto, não é possível
construir uma estratégia de desenvolvimento simplesmente agre-
gando iniciativas locais de desenvolvimento, no mínimo porque
estas iniciativas devem ser harmonizadas, na busca de arranjos
colaborativos e sinergias, para evitar duplicações antieconômicas.
O planejamento é um processo interativo que inclui procedimen-
tos de baixo para cima e de cima para baixo dentro do marco de
um projeto nacional de longo prazo, 34 uma visão compartilhada
pela maioria dos cidadãos da nação sobre valores, a sua conver-
são em objetivos societais e a inserção do seu Estado-Nação num
mundo globalizado. 35

33
Derivado dos nomes dos municípios que a integram: Santo André, São
Bernardo, São Caetano e Diadema.
34
Segundo Jean Paul Sartre, o homem é um projeto. A posteriori, as socieda-
des humanas devem ser vistas como projetos.
35
A U N C T A D está certa quando afirma que vivemos num mundo já liberali-
zado e ainda em processo de se globalizar.

1 2
IGNACY SACHS

Box 5: Qual o futuro dos Estados-Nação?


Na ausência de uma globalização includente, os Estados-Nação
continuarão sendo o locus principal das estratégias de desenvol-
vimento. O progresso alcançado dependerá da habilidade de trans-
cender a ênfase excessiva na regulação macroeconômica, junto
com uma sobreestimação do papel da racionalidade
microeconômica no nível das empresas, e um fortalecimento das
instituições e políticas no nível meso. Grande parte do que vai
acontecer dependerá das respostas dadas às seguintes perguntas:
• Qual o tipo de Estado, qual o tipo de mercados, e para qual
tipo de desenvolvimento?
• Quais mecanismos institucionais e legais são necessários no
âmbito do funcionamento e da regulação da economia mista
para se garantir transparência e uma verdadeira democracia?
• Qual o papel que cabe ao Estado na promoção da finalidade
social do desenvolvimento, respeitando as regras da prudência
ambiental e da eficiência econômica? Como devem ajustar-se
as considerações sociais no desenho de estratégias de desen-
volvimento? Em particular, como desenhar políticas de empre-
go que sejam a pedra angular das políticas sociais pró-ativas?
• Qual o papel do setor público no oferecimento da infra-es-
trutura necessária para o desenvolvimento, capaz de garan-
tir uma competitividade sistêmica?
• Quais formas de articulação devem existir entre padrões de
propriedade pública, privada com finalidades lucrativas, pri-
vada sem finalidades lucrativas, cooperativa e comunal?
• Quais formas de parceria e de cooperação sinergética deve
haver entre os atores sociais do desenvolvimento ?
• Quais modalidades de articulação devem existir entre os di-
ferentes níveis de decisão e implementação (que sentido con-
creto deve se dar ao conceito de subsidariedade ?) ?
• Quais formas de inserção seletiva devem ser procuradas na
economia internacional, afim de garantir a combinação ade-
quada entre abertura e proteção? Mais amplamente, qual
relação deve existir entre a governança interna e o sistema
emergente de governança global?
(Ver também Sachs I., 2001, e Wade R.,1990)

63
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

Inclusão e globalização
Ao longo deste trabalho, presumimos que os Estados-Nação so-
beranos são e continuarão sendo o locus principal para a promoção
do desenvolvimento includente. Num artigo recente, Kofi Annan
(2002) nos lembrou que a tradução arábica da palavra "globalização"
significa literalmente "inclusividade mundial". No entanto, as for-
mas assimétricas e desiguais da globalização atual prejudicam os
interesses dos países em desenvolvimento, favorecendo alguns in-
cluídos e deixando de fora muitos excluídos. Os incluídos vivem
no capitalismo reformado, enquanto os excluídos estão condena-
dos a formas mais duras e até selvagens de capitalismo. Os Esta-
dos-Nação, nos países em desenvolvimento, se esforçam para pro-
teger a sua gente contra a situação de crescente deterioração. Nas
suas formas atuais, a globalização reproduz, entre as nações cen-
trais e periféricas, o mesmo padrão perverso de crescimento con-
centrado e excludente que se observa dentro das nações.
Por analogia, com o desenvolvimento includente podemos postu-
lar a consolidação da globalização includente, instituindo uma ordem
econômica baseada no princípio de tratamento desigual aos desiguais,36
promovendo o comércio justo, 37 incrementando o fluxo da assistên-
cia pública destituída de compromissos implícitos e transformando a
ciência e a tecnologia em bens públicos (em contraste com os acor-
dos internacionais sobre a propriedade intelectual - TRIPs).
Seria desnecessário dizer que a globalização includente facilitaria
muito a transição para o desenvolvimento includente. Porém, as
possibilidades de se avançar neste sentido são remotas no futuro
previsível. Isto ressalta a importância crucial das estratégias nacio-

36
Aliás, este princípio foi originalmente formulado para o estudo das relações
econômicas internacionais, entre outros, por Gunnar Myrdal (1956), e
constitui a pedra angular sobre qual a U N C T A D foi construída.
37
Sobre este tema, ver Oxfam (2002) e os relatórios anuais da U N C T A D .

1 4
IGNACY SACHS

nais baseadas no conceito de "desenvolvimento a partir de dentro"


(Oswaldo Sunkel), que não deve ser confundido com um apelo em
favor de estratégias voltadas para dentro.

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Reply by the Director-General to the discussion ofhis Report, Provisional Record,
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68
Da armadilha da pobreza ao
desenvolvimento includente em
países menos desenvolvidos1

Introdução
Os relatórios da UNCTAD (Conferência das Nações Unidas para
o Comércio e o Desenvolvimento) sobre os países menos desenvol-
vidos (PMDs 2 ) oferecem uma análise precisa da sua situação. 3 Se-
jam quais forem as suas diferenças em termos de tamanho, popula-
ção, densidade demográfica, patrimônio natural, localização geo-
gráfica, geopolítica e história, 4 todos eles estão tolhidos por uma

1 - Paper de contextualização escrito para o Least Developed Countries Report,


2004, da U N C T A D . Versão final composta em 21 de julho de 2003.
Traduzido do original em inglês por José Augusto D r u m m o n d e Gloria
Maria Vargas.
2 Nota dos Tradutores: traduzimos « less developed countries » (LDCs) como
« países menos desenvolvidos » (PMDs).
3 Ver também Gore C. e Akyiiz Y„ 2001.
4 No momento, 49 países pertencem à categoria de Países Menos Desenvol-
vidos - são considerados estruturalmente prejudicados no seu processo de
desenvolvimento e merecedores do mais alto grau de preocupação por
parte da comunidade internacional. O Conselho Econômico e Social da
O N U , na sua mais recente revisão trienal sobre a situação dos PMDs,
feita em 2000, seguiu os três seguintes critérios: - critério de baixa renda,

69
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

armadilha de pobreza estrutural, em virtude do acentuado subde-


senvolvimento de suas forças produtivas, agravado por um ambi-
ente internacional desfavorável e pela falta de um compromisso au-
têntico dos países ricos no sentido de lhes dar assistência. Assim,
os PMDs são os principais perdedores na globalização assimétrica.
Este texto sustenta que, apesar dessas desvantagens, esses países
têm um potencial latente para construir estratégias de desenvolvi-
mento nacionais, includentes, sustentáveis e sustentadas, 5 capazes
de quebrar o ciclo vicioso de subdesenvolvimento e pobreza, dentro
de um esquema de economias mistas, devidamente regulamentadas
por estados desenvolvimentistas enxutos, limpos e democráticos.
Evidentemente, eles poderiam ser muito auxiliados nesse esforço por
ações internacionais efetivas. No entanto, não existe quantidade sufi-
ciente de ajuda externa capaz de substituir a mobilização dos recursos
internos - físicos ou humanos. Da mesma forma, a ausência dessa
ajuda não deve ser invocada como pretexto para adiar a reflexão so-
bre as estratégias nacionais de desenvolvimento. O "desenvolvimento
a partir de dentro" (O. Sunkel, 1992) é a melhor, se não for a única,
oportunidade para o desenvolvimento, mesmo em países pequenos.
Mercados internos dinâmicos melhoram a competitividade sistêmica
das economias nacionais.

baseado numa média estimada para três anos do PIB per capita (menos do
que $900 para ser incluído na lista, e acima de $1.035 para sair dela); -
critério de escassez de recursos humanos, que envolve um índice Físico
Ampliado de Qualidade de Vida; -critério de vulnerabilidade econômica,
baseado na instabilidade da produção agrícola, na instabilidade das expor-
tações, na importância econômica das atividades não tradicionais, na con-
centração de mercadorias exportadas e nas desvantagens de ter pequena
dimensão econômica (ver U N C T A D , 2001).
5 Pesquisadores da índia sugerem que se use a expressão desenvolvimento
inclusionário, em vez de desenvolvimento includente. O adjetivo susten-
tável se refere à condicionalidade ambiental, enquanto sustentado se refe-
re à permanência do processo de desenvolvimento. O desenvolvimento
sustentado não é o mesmo que o crescimento material.

66
IGNACY SACHS

Este texto se divide em três partes. Na primeira, revisitamos a


caixa de ferramentas analíticas. A segunda oferece peças para a mon-
tagem de uma estratégia de desenvolvimento triádica que consiste na
consolidação e na expansão de um núcleo modernizador da economia
composto de indústrias, minas e agricultura mecanizada de alto valor
agregado, intensivos em conhecimento e competitivos, juntamente
com a promoção de um crescimento puxado pelo emprego e a ação
direta para o bem-estar da população. A terceira parte do texto con-
tém anotações a respeito de uma agenda internacional.
O texto se f u n d a m e n t a nas s e g u i n t e s pressuposições
epistemológicas:
• o desenvolvimento é um conceito multidimensional: os seus
objetivos são sempre sociais e éticos (solidariedade sincrônica).
Ele contém uma condicionalidade ambiental explícita (solidarie-
dade diacrônica com as gerações futuras); o crescimento eco-
nômico, embora necessário, tem um valor apenas instrumen-
tal; o desenvolvimento não pode ocorrer sem crescimento, no
entanto, o crescimento não garante por si só o desenvolvi-
mento; o crescimento pode, da mesma forma, estimular o mau
desenvolvimento, processo no qual o crescimento do PIB é
acompanhado de desigualdades sociais, desemprego e pobre-
za crescentes;
• a necessidade evidente de respeitar equilíbrios macroeconômicos
não é motivo para mergulhar no "curtoprazismo" e na aborda-
gem estritamente orçamentária. Tanto mais que as relações en-
tre os mercados financeiros e a economia real são cada vez
mais esquizofrênicas; a análise dos potenciais latentes da eco-
nomia real deve vir primeiro, e apenas depois se deve refletir
sobre o financiamento do desenvolvimento;
• na medida em que a oferta de oportunidades de trabalho decen-
te seja o objetivo central do desenvolvimento, a elasticidade de
emprego do crescimento deve ser tratada como a variável es-

6 1
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

tratégica fundamental e não como um parâmetro resultante de


escolhas que visam a maximizar a taxa de crescimento do PIB.
Como prólogo, cabe incluir aqui um ponto de vista africano sobre o
desenvolvimento. Para Joseph Ki-Zerbo (2003), historiador, ativista dos
direitos humanos e estadista muito respeitado, oriundo de Burkina Faso,
só faz sentido adotar um projeto africano endógeno: "Arrastar toda a
África na direção do mercado, sem preparação, significa abolir a civi-
lização e a cultura da África. É um haraquiri programado cujo software
está no computador do mercado. Nós, africanos, não conhecemos esse
princípio de que "tudo está à venda" ("tout marche"). Talvez isto
ocorra porque o mercado do tipo que existe na Europa desde o século
XVII teve presença limitada na África" (p. 33).
O desenvolvimento autêntico da África não pode acontecer a
partir da reprodução de modelos estrangeiros: "Existem coisas que
estão, e devem estar, acima efora do mercado. Cabe aos africanos
descobrir e inventar novos paradigmas para a sua própria socieda-
de. Podem os países do Sul mudar as cartas do jogo nos dias de
hoje ? Terão sucesso ao montar uma síntese que lhes permita con-
servar o que têm de melhor e incorporar o melhor do que vem de
fora? Existem motivos para responder sim, mas há também razões
mais fortes para responder não" (p. 157). Não só é impossível co-
piar o modelo atual dos países ricos; não se pode reproduzir sequer
a sua linha evolutiva, o caminho seguido no passado pelos países
ricos de hoje.
Para Ki-Zerbo, "o desenvolvimento consiste na multiplicação de
escolhas quantitativas e qualitativas" (p. 173). É um fenômeno
total que escapa ao reducionismo economicista.
Nessa totalidade, os fatores culturais e a educação são primor-
diais. No entanto, a cultura não pode ser quantificada. Este é o
motivo pelo qual é tão difícil classificar os países de acordo com o
seu desenvolvimento. "E um problema, porque os aspectos mais
íntimos do desenvolvimento são quase impossíveis de definir e to-

72
IGNACY SACHS

car, tal como felicidade, saúde e alegria" (p. 173). A ciência exige,
é claro, quantificação, "mas coisas raras e refinadas são produzidas
em muitos países pobres do mundo. Considerem-se a culinária, a
vestimenta, o artesanato, as artes ou a sensibilidade e o refinamen-
to de algumas línguas" (p. 173-174).
A e d u c a ç ã o , tal c o m o existe h o j e , é u m a "educação
antidesenvolvimento". A maioria das crianças africanas recebe hoje
uma educação que destrói o seu futuro. A erradicação do analfabe-
tismo exige recurso às línguas locais. "Usar as línguas africanas
significa ao mesmo tempo restaurar a dignidade dos camponeses.
Os camponeses sofrem de um complexo de inferioridade, porque as
pessoas se dirigem a eles numa língua estrangeira" (p. 176).
O Estado tem um papel fundamental a desempenhar no desenvol-
vimento. "Quase desde o seu nascimento, o Estado é surrado por
instituições como o Banco Mundial. Essas instituições exigem que
haja menos Estado ainda, e a influência das empresas transnacionais
é cada vez mais forte. A África terá tempo suficiente para criar um
Estado que será o clone do Estado europeu? Atualmente, os líderes
africanos o transformam num Estado patrimonial ou num Estado
étnico, o que não é um Estado genuíno e capaz de transcender inte-
resses particulares em prol do bem comum" (p. 7-8).

I - Revisitando a caixa de ferramentas

1- Aspectos estruturais dos PMDs: orientação para a subsistência,


fraca capacidade de poupança e vulnerabilidade às importações.

Sejam quais forem as suas diferenças em termos de tamanho,


demografia, localização geográfica ou geopolítica, os PMDs com-
partilham as três características citadas acima.
Eles são orientados para a subsistência, na medida em que estas
atividades absorvem muito mais tempo de trabalho do que as ativi-
dades direcionadas ao mercado. Em todas as sociedades, mesmo

6 3
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

nas mais industrializadas, a parcela de tempo dedicada às atividades


caseiras é maior do que a passada no trabalho profissional e remu-
nerado. Os franceses gastam anualmente 43 bilhões de horas nas
tarefas domésticas e apenas 39 bilhões de horas no trabalho profis-
sional e no emprego remunerado (Gazier B., 2003, p. 210).
Nos PMDs, essa proporção é de fato muito alta, como se pode
verificar a partir dos orçamentos do tempo dos membros da famí-
lia, diferenciados pelo gênero e pela idade e ponderados pelas esta-
ções do ano e pelo calendário de atividades agrícolas. Além das
atividades diárias ligadas à preparação da comida e aos cuidados
com as crianças, alguns domicílios rurais e mesmo urbanos são,
em grande parte, auto-suficientes no que diz respeito a alimentos
básicos, fazem investimentos não monetários (freqüentemente não
contabilizados no PIB), na forma de construção e reparo de prédios,
desmatamento, colocação de cercas em pastos etc., em regime de
mutirão.
Embora seja errado falar de um setor de subsistência inteira-
mente autônomo, que raramente existe (o mesmo se aplica ao setor
informal), 6 o volume de atividades de subsistência e a parcela do
tempo disponível consumida por elas devem ser avaliados e explici-
tamente incluídos numa estratégia de desenvolvimento, já que a
modernização das atividades de subsistência teria um efeito duplo:
1 .inovações técnicas na agricultura de subsistência, na criação
de animais, na horticultura, no suprimento e na estocagem de água
e de energia, no cozimento dos alimentos, na iluminação, na prote-
ção contra mosquitos e outras melhorias nas condições de moradia,
assim como a disseminação de conhecimentos práticos de econo-
mia doméstica e de higiene, teriam um efeito imediato no bem-estar
das pessoas, na sua saúde e na sua capacidade de trabalhar;

6 A esse respeito, ver Wuyts M., 2001. Ver ainda Sachs I. 1980,1988 e
2000a.

74
IGNACY SACHS

2.ao melhorar a produtividade do trabalho doméstico, tornando-


o mais leve e encurtando as longas horas gastas diariamente com a
obtenção de água e de lenha, tal modernização liberaria algum tem-
po das mulheres para que elas se engajassem em atividades adicio-
nais orientadas para o mercado e/ou em alguma atividade de lazer;
no caso das crianças em idade escolar, este tempo liberado iria para
estudos e diversão.
A redução do tempo dedicado às atividades de subsistência as-
sume importância dramática em domicílios que sofrem escassez de
mão-de-obra por causa da endemia da AIDS.
Consideramos que progressos significativos podem ser alcança-
dos na racionalização e na modernização das atividades de subsistência,
usando recursos modestos e dentro de prazos relativamente curtos.
Os PMDs têm fraca capacidade de poupança. À primeira vista,
isso parece ser natural em países assolados pela pobreza, dado o
seu PIB per capita extremamente baixo. No entanto, a história está
cheia de exemplos da extorção de excedentes das populações que
viviam abaixo do que seria considerado, nos dias de hoje, a linha de
pobreza, em detrimento do seu consumo mais básico e fragal. Na
verdade, a acumulação primitiva, em países rurais atrasados sujei-
tos a governos despóticos, só poderia ter acontecido dessa maneira
(se excetuarmos as guerras de conquista), nas costas de escravos
semifamintos, servos feudais, peões ou camponeses coletivizados
em colcoses e comunas (Sachs I., 1966).
Motivos éticos fortes e o compromisso com a democracia ex-
cluem a possibilidade de se recorrer a esse atalho cruel para se
chegar à modernidade. Não temos o direito de sacrificar a geração
presente em prol de um futuro radiante para aqueles que virão de-
pois de nós, da mesma forma que não temos o direito de privar as
gerações futuras de herdarem um planeta habitável.
Isso significa que os PMDs estão condenados ao crescimento
lento e a ficarem para sempre atrás dos demais?

6 5
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

É possível assumir uma posição menos pessimista, com base


nas seguintes considerações:
• embora a taxa atual de poupança dos PMDs seja muito baixa, a
taxa de extração do excedente é bem substancial; no entanto,
parte deste excedente se direciona para fora dos PMDs, por
meio dos termos de troca desfavoráveis e do serviço da dívi-
da; além disso, ele financia o consumo conspícuo das elites
urbanas e, muitas vezes, sustenta a administração pública su-
pérflua e o Estado patrimonial; em outras palavras, o exceden-
te extraído é flagrantemente mal alocado; 7
• o fluxo da ajuda oficial externa poderia crescer muito se os
países industrializados fossem minimamente sérios quanto ao
seu compromisso de alocar para este fim 0,7% do seu PIB;
• a taxa de crescimento do PIB dos PMDs e o volume de inves-
timento podem ser melhorados um pouco se forem explora-
das as potencialidades do crescimento puxando o emprego e
do desenvolvimento ineludente (ver abaixo).
O terceiro aspecto estrutural dos PMDs é a sua vulnerabilidade a
importações (Sachs I., 1966 e 1969), em virtude do alto conteúdo
de importações de todos os processos de investimento, dada a
inexistência de uma indústria doméstica de bens de capital e de ca-
pacidade de engenharia, agravadas, em alguns casos, pela depen-
dência de importações de alimentos básicos e de energia.
Assim, a vulnerabilidade quanto às importações resulta da estru-
tura da economia nacional. Ela não depende do grau de abertura
econômica, nem da percentagem do comércio exterior na composi-
ção do PIB dos PMDs. Muitas economias coloniais eram acentua-
damente abertas, como bem aponta a UNCTAD, mas o problema

7 Para uma discussão sobre as distorções patológicas do Estado nos PMDs,


ver Mkandawire T. (2001) e Mohne G. C. Z. (2001).

76
IGNACY SACHS

dos PMDs não é o seu nível de integração com a economia mundi-


al, mas a maneira pela qual se dá esta integração (UNCTAD, 2002a).
A questão crucial é a participação das importações essenciais
nas importações totais. Paradoxalmente, quanto mais alta é essa
participação (normalmente um sinal de bom gerenciamento de di-
visas escassas), mais sensível se torna o país a mudanças adver-
sas nos termos de troca e/ou a variações negativas nas receitas
obtidas pelas exportações. Quando cai a capacidade de importar,
ocorre um corte involuntário nas importações essenciais, o que,
por sua vez, desacelera ou mesmo paralisa o processo de inves-
timento em curso.
A vulnerabilidade às importações é um componente essencial da
armadilha da pobreza que aprisiona os PMDs. 8

2- A armadilha da pobreza
Para fins analíticos, pode ser assim resumido o ciclo vicioso e
mutuamente alimentado de obstáculos ao desenvolvimento enfren-
tado pelos PMDs: 9
• uma agricultura primitiva, de baixa produtividade (tanto em
termos de rendimentos por hectare quanto de produtividade
por trabalhador), é incapaz de produzir um excedente de ali-
mentos para atender às necessidades de uma população urba-

8 Uma armadilha completamente diferente, uma espécie de "doença holan-


desa" ou, para usar os termos de Ricupero, "a maldição da riqueza" (Folha
de São Paulo, 25 de maio de 2003), afeta os países produtores de petróleo,
como Angola, que têm grande facilidade de importar por causa das suas
abundantes receitas de exportação e de suas moedas sobre-valorizadas.
Sobre a "doença holandesa" nos PMDs, ver também Mhone, 2001, e as
observações de Gustav Ranis no Ad Hoc Expert Group Meeting on "New
Trade and Development Strategies in the Least Developed Countries",
U N C T A D , Genebra, 11-12 de junho de 2003.
9 Para versões anteriores da análise da armadilha da pobreza, ver Sachs I.
1963, 1967 e 1979.

6 7
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

na crescente (a armadilha ricardiana) e de oferecer as matérias-


primas agrícolas necessárias às indústrias;
• por sua vez, a falta de indústrias manufatureiras impede o for-
necimento aos agricultores de implementos e de máquinas agrí-
colas, fertilizantes e pesticidas que eles poderiam usar para
aumentar a sua produção.
Além do mais, tanto o setor primário quanto o secundário so-
frem com investimentos insuficientes (por causa do baixo nível de
poupança) e com a falta de pessoal qualificado disponível domesti-
camente.
A única maneira de quebrar esse ciclo vicioso é transferir o pro-
blema para o comércio externo, recorrendo a importações de insumos
e equipamentos para a agricultura, máquinas para as indústrias etc.,
contratando especialistas estrangeiros e atraindo capital também
estrangeiro para aumentar a taxa de investimentos.
A capacidade de importar é, portanto, a variável crucial para se
escapar da armadilha da pobreza. Se ela puder ser aumentada por
meio da expansão das exportações e pelo acesso a fontes externas
de capital em condições razoáveis (sem disparar uma outra armadi-
lha - a acumulação de uma dívida externa impossível de ser
gerenciada), o país terá entrado no caminho virtuoso do desenvol-
vimento.
Inversamente, se entram em colapso os esforços de aumentar
a capacidade de importação e, pior ainda, se o país enfrenta mu-
danças adversas nos termos de troca, causando declínio das re-
ceitas das importações e elevando os custos do capital externo, a
armadilha se fecha de novo, desta feita por meio de um poderoso
feedback negativo que afeta as atividades correntes de investi-
mento, que têm nos PMDs, como sabemos, um alto conteúdo de
importações; mesmo se existe poupança interna disponível, a sua
transformação em investimento acaba sendo paralisada (ver a fi-
gura IA).

78
IGNACY SACHS

Infelizmente, no entanto, na medida em que os PMDs vulne-


ráveis às importações enfrentam um ambiente econômico inter-
nacional desfavorável, conforme analisado em sucessivos rela-
tórios da UNCTAD, eles continuam presos na armadilha da po-
breza.
Para ser mais preciso, eles foram induzidos a buscar uma fuga
recorrendo a empréstimos externos excessivos, enquanto coloca-
vam as suas esperanças nos investimentos diretos de capital es-
t r a n g e i r o que não o c o r r e r a m . O r e s u l t a d o l í q u i d o de sua
malsucedida fuite en avant é a sua inadministrável dívida externa,
que complica ainda mais a busca das saídas da armadilha da po-
breza.
A saída terá de ocorrer mediante políticas nacionais que tenham
as três metas seguintes (ver a figura 1B):
1- aumento da poupança doméstica, tanto como resultado de
uma taxa maior de crescimento geral quanto de um aumento da
participação da poupança no PIB (ver a próxima seção);
2- remoção dos obstáculos institucionais ao desenvolvimento agrí-
cola, por meio de reforma agrária, se for preciso, e da promoção da
segurança alimentar;
3- aumento da capacidade de importação, por meio da promoção
das exportações, da substituição de importações e da eliminação de

69
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

importações não essenciais, especialmente itens de consumo cons-


pícuo das elites urbanas. 10
Figura 1B

Será necessário algum grau de planejamento. Para propor uma


saída à armadilha da pobreza, é necessário saber em que direção se
deseja ir e quais são as prioridades derivadas dela, onde estão os
gargalos e as potencialidades ainda não aproveitadas, que tipo de
estratégia baseada em forças próprias (bootstrap strategy) ainda está
disponível, na ausência de assistência internacional efetiva. 11

10 As melhores oportunidades de substituir exportações e importações de-


vem ser usadas em proporções variadas, sem qualquer viés ideológico em
relação a umas ou outras: o critério para a escolha dos melhores itens é o
custo doméstico líquido de uma unidade de moeda estrangeira recebida
por meio de exportações ou poupada por meio da substituição de impor-
tações.
11 Esta seção atualiza trabalhos anteriores de Sachs sobre o assunto (Sachs
I., 1963, 1964, 1967, 1969).

80
IGNACY SACHS

3- Definindo o desenvolvimento includente12


A maneira natural de se definir o desenvolvimento includente é
por oposição ao padrão de crescimento perverso, conhecido, como
já se mencionou, na bibliografia latino-americana como "excludente"
(do mercado de consumo) e "concentrador" (de renda e riqueza).
Dois outros aspectos do crescimento excludente são:
• mercados de trabalho fortemente segmentados, que mantêm
uma grande parcela da maioria trabalhadora confinada a ativi-
dades informais, ou condenada a extrair a sua subsistência
precariamente da agricultura familiar de pequena escala, sem
quase nenhum acesso à proteção social (ver i.a. Rodriguez,
O., 1998, e Revista Latinoamericana de Estúdios dei Trabajo,
1999);
• fraca participação na vida política, ou completa exclusão dela,
de g r a n d e s setores da p o p u l a ç ã o , p o u c o i n s t r u í d a ,
suborganizada e absorvida na luta diária pela sobrevivência,
sendo as mulheres, sujeitas à discriminação de gênero, as mais
fortemente atingidas.
O desenvolvimento includente requer, acima de tudo, a garantia
do exercício dos direitos civis, cívicos e políticos. A democracia é
um valor verdadeiramente fundamental (A. K. Sen) e garante tam-
bém a transparência e a responsabilização (accountability) necessá-
rias ao funcionamento dos processos de desenvolvimento. No en-
tanto, existe uma grande distância entre a democracia representati-
va e a democracia direta, que cria melhores condições para o debate
dos assuntos de interesse público.
Todos os cidadãos devem ter acesso, em igualdade de condi-
ções, a programas de assistência para deficientes, para mães e fi-

12 Esta seção retoma textualmente uma parte do capítulo anterior, de manei-


ra a permitir uma leitura autônoma dos capítulos.

6 1
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

lhos, para idosos, voltados para a compensação das desigualdades


naturais ou físicas. Políticas sociais compensatórias financiadas pela
redistribuição de renda deveriam ir mais longe e incluir subsídios ao
desemprego, uma tarefa praticamente impossível naqueles países
onde apenas uma pequena minoria está empregada no setor organi-
zado e onde o desemprego aberto é bem menos significativo que o
subemprego.
O conjunto da população também deveria ter iguais oportunida-
des de acesso a serviços públicos, tais como educação, proteção à
saúde e moradia. Seguem-se alguns comentários a este respeito.
A educação é essencial para o desenvolvimento, pelo seu valor
intrínseco, na medida em que contribui para o despertar cultural, a
conscientização, a compreensão dos direitos humanos, aumentan-
do a adaptabilidade e o sentido de autonomia, bem como a
autoconfiança e a auto-estima. É claro que tem também um valor
instrumental com respeito à empregabilidade. Porém, a educação é
condição necessária, mas não suficiente, para se ter acesso a um
trabalho decente. Deve vir junto com um pacote de políticas de
desenvolvimento, mesmo que alguns prefiram apresentá-la como
uma panacéia. Um dos paradoxos que prevalecem hoje é o desem-
prego maciço de adultos existindo lado a lado com o intolerável
fenômeno do trabalho infantil. Para poder colocar todas as crianças
na escola é necessário distribuir bolsas para aqueles oriundos de
famílias pobres, cuja sobrevivência depende do dinheiro que levam
para a casa. 13
Mesmo sendo muito importante o acesso aos serviços de saúde,
eles fazem parte de um objetivo mais amplo, que é o de melhorar a
saúde das pessoas. Isto depende de uma alimentação adequada (se-
gurança alimentar), do acesso à água limpa, da melhoria das condi-

13 O programa pioneiro "Bolsa Escola", introduzido por Cristovam Buarque,


em Brasília, merece todo o destaque neste contexto.

9 2
IGNACY SACHS

ções de moradia e de trabalho, de uma melhor educação e de medi-


das preventivas, como a vacinação.
Existe um debate a respeito de a moradia ser ou não um serviço
público. Tratá-la desta forma, nos países do antigo bloco soviético,
não trouxe resultados satisfatórios. No entanto, a provisão de mo-
radia decente para todos, preenchendo, desta forma, uma necessi-
dade básica, é certamente um enorme desafio para o desenvolvi-
mento ineludente. Daí a importância de políticas de moradias popu-
lares e, em particular, de esquemas baseados na autoconstrução
assistida, nos quais as autoridades públicas se juntam aos esforços
dos futuros moradores, cujo trabalho se constitui numa forma não
monetária de poupança.
Todos os quatro itens de serviços públicos citados acima - pro-
gramas de assistência, a educação, a saúde, e a moradia - exigem
financiamento público, por meio da redistribuição de uma parcela
do PIB, independentemente da forma como sejam administrados:
seja diretamente pela administração pública, por instituições que
pertençam ao terceiro setor da sociedade civil organizada ou até por
empresas privadas. A questão de se as primeiras três devem perma-
necer completamente na esfera pública, devido ao seu valor para o
bem-estar social, é matéria de acaloradas discussões ideológicas.
Os defensores do paradigma neoliberal propõem, em seu lugar, so-
luções de mercado, no que são auxiliados pelo fato de que, em muitos
países, a atuação do setor público tem sido um tanto falha. 14
Os limites entre as esferas pública e privada, assim como a defi-
nição dos bens públicos, são outros assuntos a serem discutidos.
Mais importante ainda é fazer uma distinção entre as políticas
compensatórias financiadas pela redistribuição de renda mediante o
sistema fiscal e as políticas de emprego que mudam a distribuição
de renda primária. Ambas são necessárias, porém as primeiras são

14 A este respeito, ver o prólogo de Kannan K. P. e Pillai N . V. (2002).

6 3
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

de natureza puramente social e requerem despesas contínuas, ano


após ano, enquanto que as segundas, mediante a criação de oportu-
nidades de trabalho decente, geram renda e proporcionam uma so-
lução duradoura ao problema social. Ceteris paribus, a geração de
emprego deve ser preferida às políticas assistencialistas compensa-
tórias, se não por outra razão, porque as segundas nunca proporci-
onam a dignidade que provém do emprego. 15
A economia capitalista é louvada por sua inigualável eficiência
na produção de bens (riquezas), porém ela também se sobressai por
sua capacidade de produzir males sociais e ambientais. Para os
ideólogos do fundamentalismo de mercado, estes males são o preço
inevitável do progresso econômico. Só podem ser mitigados e com-
pensados mediante a produção de bens públicos, tais como a redu-
ção da pobreza ou a proteção do meio ambiente. Em outras pala-
vras, o desemprego maciço, o subemprego e as desigualdades soci-
ais são inerentes ao sistema capitalista, porém estes inconvenientes
seriam mais do que compensados pela eficiência da economia capi-
talista de mercado.
Este argumento se apóia, no entanto, numa definição muito
estreita de eficiência. Num importante livro sobre os limites do
mercado, Kuttner (1997) distingue três tipos de eficiência: a
alocadora, associada ao nome de Adam Smith, a inovadora
(schumpeteriana) e a keynesiana, que consiste em pleno emprego
de todos os meios de produção. Em outro texto, argumentei que
há outros dois tipos de eficiência: a social (que se sobrepõe à
keynesiana quanto ao pleno emprego e a força de trabalho) e a
ecoeficiência. Não resta dúvida de que o capitalismo é muito efici-
ente em termos de alocação, porém deficiente em termos das efi-

15 Segundo Há-Joon Chang, (2002), J. Stiglitz apóia esta opinião e conside-


ra que se exige mais ênfase para que o pleno emprego e a maior participa-
ção do emprego sejam considerados como partes essenciais de uma socie-
dade genuinamente democrática.

7 4
IGNACY SACHS

ciências keynesiana, social e ecoeficiência, que são essenciais ao


conceito de desenvolvimento includente, fundamentado no traba-
lho decente para todos. Longe de ser um parâmetro estimado a
partir de comportamentos passados, a elasticidade de emprego do
crescimento deve ser tratada como uma variável no planejamento
do desenvolvimento, pois é a chave de uma estratégia de desen-
volvimento includente. Taxas mais altas de crescimento econômi-
co global presumivelmente trarão maior emprego. Porém, é igual-
mente importante refletir sobre como maximizar o potencial de
emprego para uma dada taxa de crescimento, influenciando a com-
posição do produto (output-mix) e selecionando as técnicas apro-
priadas, sem perder de vista o objetivo de aumentar a produtivida-
de do trabalho, no qual se apoia, em última instância, o progresso
econômico.

II- Elementos de uma estratégia triádica


de desenvolvimento

1- Por que planejar?

Na medida em que as forças do mercado são míopes e insensí-


veis em termos sociais e ambientais, não se pode esperar que os
PMDs entrem na órbita do desenvolvimento includente, sustentável
e sustentado apoiando-se exclusivamente nas reformas pró-merca-
do propostas pelas instituições financeiras internacionais. O seu
futuro dependerá da capacidade de criar os padrões de "economia
mista", considerado por Dani Rodrik (2000) como o legado mais
importante do século XX. 16

16 Esse conceito foi central para a reflexão de Kalecki sobre o desenvolvi-


mento. Tive o privilégio de ser co-autor com ele de um volume a respeito
dos problemas de financiamento do desenvolvimento em economias mis-
tas, publicado em polonês, em 1967. Ver também Shigeto Tsuru, 1976.

6 5
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

O planejamento será, mais do que nunca, necessário para acele-


rar o crescimento econômico e fazê-lo socialmente responsável.
Gargalos devem ser identificados e suprimidos, capacidades ocio-
sas dever ser aproveitadas 17 e recursos latentes (humanos e natu-
rais) devem ser mobilizados para a implementação de uma estraté-
gia societal de longo prazo, cuja explicitação e implementação exi-
gem uma atitude pró-ativa de um estado desenvolvimentista enxuto
e limpo.
A elaboração de tal estratégia deve começar como um exame
rigoroso das potencialidades da economia real. O financiamento do
crescimento não inflacionário e sustentado dependerá, em última
instância, de duas variáveis reais:
• a capacidade de importar e
• a oferta elástica de alimentos e de outros bens de salário, para
atender à demanda crescente por parte de trabalhadores adicio-
nais e/ou de trabalhadores mais bem remunerados.

Desde que essas duas variáveis sejam tratadas de forma apropria-


da, é possível definir uma meta de crescimento que fique acima da
que resulta de uma perspectiva convencional, estreitamente
monetarista e orçamentária. Em termos estritamente financeiros,
pode-se imaginar a combinação de:

• reformas fiscais que eliminem os tributos sobre itens de con-


sumo popular e que, ao mesmo tempo, criem tributos alta-
mente progressivos sobre bens de consumo não essenciais e
bens de luxo, combinadas com a arrecadação rigorosa do im-
posto de renda das empresas e das pessoas físicas no setor
moderno;

17 Milhares de fábricas e oficinas existentes nos PMDs, imobilizadas por várias


razões, poderiam ser recuperadas e reequipadas a custo moderado, de acor-
do com um antigo comissário da Comunidade Européia, Edgar Pisani.

7 6
IGNACY SACHS

• aumentar a proporção de créditos públicos em relação ao PIB,


geralmente muito baixa e inferior às regras de prudência im-
postas pelo Bank for International Settlements (Banco para
Regulamentações Internacionais) e pelo FMI;
• abrandamento da disciplina estritamente fiscal recorrendo-se
ao uso limitado de financiamento deficitário contra-cíclico do
crescimento não inflacionário. 18
O planejamento estratégico defendido neste texto tem pouca se-
melhança, no entanto, com o tipo soviético de planejamento
abrangente, adotado pelas economias de comando, com base na
crença equivocada de que todas as incertezas poderiam ser exorci-
zadas por meio da prática de alocação de todos os recursos dispo-
níveis - no presente e no futuro - , de acordo com metas definidas
de uma maneira bastante voluntarista. Sugere-se que o projeto nacio-
nal de desenvolvimento deve emergir gradualmente de um diálogo
conduzido, tanto em nível local quanto nacional, entre todos os ato-
res significativos do processo de desenvolvimento (governo, cam-
poneses e trabalhadores, empresários, intelectuais e a sociedade ci-
vil organizada), com vistas a alcançar objetivos negociados e a de-
finir as obrigações contratuais de todas as partes envolvidas.
Espera-se que o caminho proposto, informado pelo conceito de
desenvolvimento includente, sustentável e sustentado, maximize a
elasticidade de emprego do crescimento, reduza a dependência de
importações e respeite a regra de crescimento não inflacionário.
De acordo com a definição sucinta de Kalecki, planejar é pensar
por variantes. Planejar consiste em comparar padrões alternativos

18 Uma das principais críticas feitas ao pacote conhecido como o Consenso


de Washington é a sua natureza pró-cíclica, que leva a uma política de
"parar e andar", enquanto que o desenvolvimento sustentado exige, ao
contrário, medidas fortes e contra-cíclicas. Esta mesma polêmica ocorreu
na Europa a respeito do chamado pacto da estabilidade.

6 7
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

de alocação de recursos escassos para finalidades que competem


entre si.

2- Os três componentes da estratégia


No caso de PMDs, os planejadores devem compatibilizar três
objetivos importantes.
Uma alta prioridade deve ser conferida à consolidação e à moderni-
zação do núcleo modernizador da economia, que consiste de empresas
industriais, mineradoras (e, por vezes, agrícolas) intensivas em conhe-
cimento, de alta tecnologia e de alto valor agregado. Elas terão papel
decisivo na transformação da estrutura econômica do país, no aumen-
to geral da produtividade da sua economia e na produção de bens que
sejam realmente competitivos em mercados externos.
Por essas razões, é natural dar alta prioridade aos investimentos no
núcleo modernizador. No entanto, por serem capital-intensivos, os
empreendimentos desse núcleo geram poucos empregos diretos, em-
bora o seu efeito indireto possa ser substancial: seja pela compra de
matérias-primas, seja pelas subcontratações e pela terceirização de ati-
vidades como limpeza, manutenção e segurança; este efeito indireto se
faz ainda sentir por meio do aumento das despesas de consumo por
parte das pessoas empregadas por esses empreendimentos modernos.
Como forma de compensar a baixa densidade de empregos ca-
racterística do crescimento do núcleo modernizante, a estratégia de
desenvolvimento deveria explorar todas as oportunidades de cres-
cimento produtivo focalizado no emprego, tanto nos setores de ati-
vidade naturalmente intensivos em trabalho, quanto nos setores que
não sofrem a competição internacional por produzirem bens e ser-
viços chamados "não comercializáveis" (non-tradables), de manei-
ra a aumentar a elasticidade emprego/crescimento e, possivelmen-
te, a melhorar o desempenho do país em termos da taxa de cresci-
mento e de investimento. Este segundo componente da estratégia
triádica será abordado detalhadamente na seção II-3.

9 8
IGNACY SACHS

Além disso, a estratégia deve contemplar maneiras e meios para


a ação direta focalizada no bem-estar das pessoas, dando-lhes aces-
so a serviços básicos como educação, saúde, saneamento e habita-
ção, e apoiando-as na modernização de suas atividades de subsis-
tência fora do mercado.
Enquanto os dois primeiros componentes da estratégia lidam com
setores produtivos, que contribuem para o crescimento do PIB, a
provisão de serviços básicos por intermédio de redes públicas deve
ser financiada pela redistribuição de uma parcela do PIB, coletada
pelo Estado na forma de impostos; as taxas de uso geralmente co-
brem apenas uma pequena parte dos custos desses serviços e elas
não podem ser cobradas aos pobres. A primeira vista, essa é uma
despesa com a qual os PMDs dificilmente podem arcar, ainda mais
porque a expansão de serviços básicos compete com desembolsos
feitos para programas de redução da pobreza, pretensamente mais
eficientes, já que trazem alívio imediato para os necessitados.
No entanto, o objetivo não deve ser tanto a mitigação da pobre-
za, mas a sua erradicação, por meio da combinação da inclusão
social pelo trabalho e da implementação de outros direitos da cida-
dania, tais como o direito à educação, à proteção da saúde, ao aces-
so à água potável, ao saneamento, a moradias decentes etc.
Deve-se, portanto, recomendar aos PMDs, por pobres que se-
jam, que façam um esforço para aumentar a parcela relativa dos
serviços básicos em seus orçamentos, especialmente de serviços
educacionais e paramédicos, que são razoavelmente intensivos em
trabalho. Mais exatamente, eles são intensivos em trabalho qualifi-
cado. Mas o treinamento de professores e de paramédicos não é
muito complicado. Eles desempenharão tarefas similares às dos seus
pares nos países desenvolvidos com a mesma "produtividade" (di-
gamos, o mesmo número de alunos por professor), mas os seus
salários serão muito mais baixos. Os PMDs têm, assim, uma vanta-
gem comparativa absoluta no que diz respeito aos custos dos serviços

6 9
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

básicos. Por isso, eles devem tirar proveito dessa oportunidade,


enquanto os salários médios continuam a ser baixos no país. Longe
de ser um sonho a ser adiado, a construção de estados de bem-estar
nos países pobres é uma possibilidade efetiva, 19 havendo diversos
exemplos históricos conclusivos (o México, nos anos 20, as repú-
blicas soviéticas da Ásia, nos anos 30, e, mais recentemente, China
e Cuba, além do estado indiano de Kerala e do Sri Lanka).
Em outras palavras, não há motivo para que, nos PMDs, a expan-
são do consumo coletivo e do acesso a serviços básicos não deva
figurar com destaque no modelo de desenvolvimento emergente. Isto
é ainda mais verdadeiro por causa dos recentes avanços na tecnologia
da comunicação e da informática, que permitem reduzir drastica-
mente o custo administrativo das redes públicas de serviços básicos.
Conforme mencionado, nos PMDs, as atividades de subsistência
absorvem grande parte do tempo produtivo da população. A sua racio-
nalização e modernização teriam um efeito positivo imediato sobre o
bem-estar das pessoas. Daí a importância da disseminação de conhe-
cimentos e da disponibilização de técnicas mais eficientes capazes de
poupar esforço, recursos e tempo em atividades tais como: prepara-
ção e conservação de alimentos, iluminação, horticultura, construção
de moradias, proteção contra insetos e pragas, captação e
armazenamento das águas pluviais, e assim por diante.
A seguir, examinaremos o escopo para o crescimento puxado pelo
emprego, a força motriz do "desenvolvimento a partir de dentro".

3- Identificando oportunidades para o crescimento


puxado pelo emprego
Podemos distinguir quatro categorias de oportunidades de cres-
cimento puxado pelo emprego: B, C, D, E, na figura 2, na qual a

19 Ver a este respeito artigo de minha autoria publicado na índia há mais de


30 anos (Sachs, I. 1971) e Sen A. K„ 1999.

8 0
IGNACY SACHS

produção de bens de salário foi escolhida como uma quinta catego-


ria, para enfatizar o seu papel na busca de trajetórias não inflacioná-
rias do crescimento.
A primeira consiste da produção de bens não comercializáveis,
que não sofrem concorrência internacional e, portanto, oferecem
margens de liberdade muito maiores para a opção por técnicas in-
tensivas em trabalho, sem cair nos exageros de "investimento hu-
mano", responsáveis pelo colapso do "grande salto para a frente"
da China maoísta. O engajamento de grandes massas de trabalha-
dores não qualificados em atividades envolvendo pás e picaretas
tem as suas limitações, mas oferece também algumas potencialidades
em obras públicas de melhoria de infra-estrutura da qual dependem
as empresas do núcleo modernizante e as populações urbanas.
De acordo com o relatório de 2003 do diretor geral da Organiza-
ção Internacional do Trabalho (OIT), os gastos com infra-estrutura
representam cerca de 20% do investimento total dos países em de-
senvolvimento. "C/ma reorientação das políticas de investimento
em infra-estrutura para assegurar que sejam empregadas opções
tecnicamente viáveis, com custos/benefícios favoráveis e intensi-
vos em emprego, acelera a redução da pobreza, ao gerar emprego
produtivo e decente" (p. 42). Programas pilotos e de grande escala
de construção intensiva em mão-de-obra das infra-estruturas, exe-
cutados em diferentes países, mostram que estas abordagens são
de 10 a 30% menos caras em termos financeiros, reduzem a de-
manda de divisas em 50 a 60% e criam entre três a cinco vezes
mais empregos para o mesmo volume de investimento. 20
A construção é outro setor no qual técnicas intensivas em traba-
lho podem ser empregadas. Mas as maiores oportunidades surgem
na área de serviços.

20 O relatório da O I T dá ênfase aos resultados positivos do programa de


estradas vicinais, realizado em Moçambique, que recuperou cerca de 7.000
kms de estradas vicinais nos últimos 10 anos.

6 1
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

Figura 2

A B
c D E

Produção de Artesanatos, Investimento Fontes de crescimento


Não indústria e agricultura não monetário que não requerem
bens de salário comercializáveis intensivas em trabalho ;—Emento

PIB

Os PMDs podem dar o pulo do gato e virar "sociedades de


serviços", segundo a sugestão de Richard Meier (2000), desde
que se dê aos serviços a prioridade adequada no projeto de desen-
volvimento.
Conforme dito antes, deve-se enfatizar os serviços básicos ofe-
recidos por meio de redes públicas, como educação, saúde e sa-
neamento, sem se esquecer a comunicação, o correio e a adminis-
tração pública. Existe também escopo para se ampliar os serviços
técnicos, tais como manutenção e reparação ou ainda o transporte
de pessoas e mercadorias. O comércio e os serviços pessoais po-
dem criar muitas ocupações, distintas dos serviços domésticos
mal pagos.
Finalmente, devem-se mencionar os serviços intensivos em tra-
balho qualificado com base em tecnologias de comunicação e infor-
mação (TCI). Hoje em dia, a índia é um líder na oferta de software
e de serviços baseados na informática, que estão sendo também
terceirizados para países c o m o China, Rússia e Vietnã ( T h e

92
IGNACY SACHS

Economist, 19 de julho de 2003). É provável que oportunidades


nesse campo surj am também em países africanos francófonos, como
a Tunísia, o Marrocos e o Senegal. 21
A expansão dos serviços deve ocupar um lugar destacado no
desenvolvimento rural, oferecendo - juntamente com as indústrias
rurais - muitas vagas para empregos não agrícolas e reduzindo a
clivagem civilizacional entre a cidade e o campo. A pluriatividade
tende a se tornar uma palavra-chave para os agricultores e as suas
famílias. Entre 1978 e 2000, a China conseguiu criar mais de 120
milhões de empregos não agrícolas em áreas rurais, muitos deles
nos setores da construção e da administração. Certamente vale a
pena meditar sobre esta lição.
A segunda categoria poderia ser chamada de "quase não
comercializáveis": alimentos perecíveis e produtos agrícolas volu-
mosos que não suportam o custo do transporte a longa distância.
Parte dos produtos da agricultura familiar de pequena escala inten-
siva em trabalho se destina ao autoconsumo; o resto vai para os
mercados locais ou cidades próximas ou é p r o c e s s a d o por
agroindústrias, algumas delas tradicionais, outras pertencentes ao
núcleo modernizador da economia.
Nesse contexto, a seleção dos cultivos agrícolas se torna mui-
to importante. Sempre que possível, deve-se dar preferência a
cultivos intensivos em trabalho, como frutas, hortaliças e flores.
Samir Amin (2003) está certo quando afirma que a agricultura
camponesa de pequena escala representará um problema ao longo
do século XXI, na medida em que 20 milhões de agricultores efi-
cientes poderiam eliminar facilmente os três bilhões de pequenos

21 Ver Le Monde, 27 de maio de 2003. De acordo com um estudo, 30% dos


grandes grupos financeiros já realocaram parte dos seus serviços em países
que pagam baixos salários, e essa proporção deve crescer até 75% nos
próximos anos. Em 2008, os serviços financeiros terão realocado 350
bilhões de euros e dois milhões de empregos.

6 3
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

produtores ineficientes, na ausência de políticas apropriadas para


protegê-los. 22
A produção de biomassa em regime intensivo de trabalho tem
um futuro muito promissor nos PMDs, por várias razões:
• para alcançar a segurança alimentar e assegurar uma oferta
elástica de bens de salário (comida, principalmente) nas eco-
nomias em crescimento, será preciso um aumento substancial
na produção doméstica de alimentos;
• em alguns PMDs, tanto os alimentos básicos quanto os ali-
mentos sofisticados e de luxo são atualmente importados, ha-
vendo, pois, vastas possibilidades para a substituição de im-
portações, mais fácil de se conseguir do que nas indústrias;
• algumas frutas, hortaliças e outros produtos agrícolas pode-
rão encontrar acolhida em mercados externos;
• a biomassa agrícola, florestal e aquática tem diversos usos
potenciais: alimento, ração animal, bioenergia, fertilizantes, ma-
teriais de construção, matérias-primas para indústrias (fibras,
plásticos etc.), fármacos e cosméticos.
Vários PMDs de grande extensão territorial são dotados de gran-
de biodiversidade, condições climáticas favoráveis e disponibilidade
de terra e água para cultivar diversos tipos de biomassa, por meio
de m é t o d o s r a z o a v e l m e n t e intensivos em mão-de-obra. As
biotecnologias abrem caminho tanto para o aumento da produtivi-

22 O diferencial de produtividade entre a moderna agricultura mecanizada e


o trabalho agrícola atrasado e de pequena escala do camponês está hoje
numa escala de 2000 para 1. A agricultura avançada capitalista produz
entre uma e duas toneladas por trabalhador, por ano. Os fazendeiros que
passaram pela "Revolução Verde" produzem entre 10 e 50 toneladas por
ano. Os fazendeiros mais atrasados mal chegam a 1 tonelada por ano
(Amin S., 2003, p. 36-39). "Industrialização sem descampenização" (ex-
pressão cunhada por outro economista egípcio, Ismail Sabri Abdalla) é o
único caminho razoável que existe para os países em desenvolvimento.

7 4
IGNACY SACHS

dade quanto para a abertura de um vasto leque de produtos deriva-


dos da biomassa, produzidos num arranjo industrial em duas etapas
sugerido por M. S. Swaminathan - refinarias locais de biomassa
incumbidas de reduzir o volume do produto a ser transportado para
unidades centrais de processamento, integrantes do núcleo
modernizador.
Na medida em que muitos países tropicais têm condições de dar
o pulo do gato na direção de uma civilização moderna, baseada na
biomassa e ambientalmente sustentável, seria lamentável que a cha-
ve deste desenvolvimento, constituída por biotecnologias verdes
(agrícolas), vermelhas (farmacêuticos) e brancas (industriais), fosse
monopolizada por multinacionais sediadas em países industrializa-
dos. Por isso, impõe-se um grande programa Sul-Sul de pesquisa
em biotecnologias aplicadas (Sachs I., 2000a). 23
Ao contrário dos não comercializáveis, a competitividade é um
fator crucial a ser considerado para o terceiro componente do cres-
cimento puxado pelo emprego - indústrias e artesanatos natural-
mente intensivos em trabalho, capazes de produzir bens de salário
não agrícolas e uma variedade de produtos para os mercados lo-
cais, nacionais e internacionais.
Essas indústrias enfrentam uma dura competição - a dos outros
países em desenvolvimento que gozam da mesma vantagem compa-
rativa: mão-de-obra barata. O perigo é transformar essas atividades
em indústrias altamente exploradoras dos trabalhadores, em virtude

23 Uma revisão recente sobre o assunto da biotecnologia, publicada em The


Economist, em 29 de março de 2002, aponta a possibilidade de substituir
a atual "economia dos hidrocarbonos" pela f u t u r a "economia do
carbohidrato", e acrescenta: "As áreas rurais seriam rejuvenescidas como
fontes de matérias-primas. Terras atualmente sem cultivo seriam usadas de
novo. Instalações químicas de pequeno porte para processar os materiais
apareceriam em todos os lugares. Os países produtores de petróleo se
veriam desempregados" (p. 16).

6 5
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

da competitividade espúria (autodestrutiva em longo prazo), obtida


com base em salários excessivamente baixos, longas jornadas de tra-
balho, uso de trabalho infantil, ausência de rede de segurança social e
segurança de emprego, para não mencionar a fraude fiscal.
Em compensação, nichos de competitividade autêntica devem
emergir em atividades de artesanato artístico que exigem uma tradi-
ção solida de trabalho qualificado e original. Como já foi dito, ativi-
dades intensivas em trabalho qualificado - desde tecelagem e talha
em madeira até a produção de software e de serviços baseados em
TICs - merecem atenção especial em todos os países em desenvol-
vimento, inclusive em alguns PMDs.
Podemos passar agora para a quarta categoria de atividades in-
tensivas em trabalho que levam à liberação de recursos adicionais
para o desenvolvimento e o investimento. Trata-se das chamadas
"fontes de crescimento que não exigem investimento" (Kalecki,
1993, Sachs, 1999).
Todas as atividades orientadas para poupar recursos naturais (con-
servação de energia e água, por exemplo), reciclar resíduos e reutilizar
materiais resultam numa melhor utilização das capacidades produti-
vas existentes e, ceteris paribus, contribuem para uma taxa maior de
crescimento e para a sustentabilidade ambiental deste crescimento.
Por outro lado, uma melhor manutenção do estoque existente de
infra-estruturas, equipamentos e prédios, de forma a prorrogar o
seu ciclo de vida e a reduzir a sua depreciação (física) real, leva a
uma demanda reduzida por capital de reposição e, ceteris paribus,
24
libera recursos para novos investimentos.

24 Ver a teoria do crescimento de Kalecki. A equação básica é:


r=i- a+u
k
onde: r é a taxa de crescimento, i é o tamanho relativo do investimento em
relação ao PIB, k é a razão entre o capital e a produção, a é o coeficiente
de depreciação real e u é o coeficiente de utilização melhorada do aparato
produtivo.

96
IGNACY SACHS

Acontece que tanto a conservação de recursos quanto a manu-


tenção são atividades intensivas em trabalho. A grande dificuldade é
o desenho de esquemas financeiros e organizacionais e de incenti-
vos adequados para micro e pequenos empreendimentos.
N e s s a m e s m a linha de r e f l e x ã o , d e v e m o s e x p l o r a r as
potencialidades do investimento não monetário. Trata-se de uma
prática relativamente comum na economia camponesa (embora ela
não seja contabilizada no PIB). O investimento não monetário de-
sempenha também um papel significativo na autoconstrução assis-
tida de moradias, tanto rurais quanto urbanas, muitas vezes basea-
das em práticas de mutirão.
Existe um vasto potencial para programas de autoconstrução
assistida de moradias, melhoria das condições de vida nas favelas,
captação e armazenamento de água (cisternas), saneamento, cons-
trução de escolas e de equipamentos culturais, financiados em parte
por contribuições voluntárias em forma de trabalho gratuito. A aju-
da mútua pode ser transformada numa poderosa alavanca do de-
senvolvimento.
Para concluir esta seção, é importante lembrar que o objetivo do
crescimento puxado pelo emprego não é apenas a perpetuação de
estratégias de sobrevivência, por importante que seja em curto pra-
zo, mas a geração, em números crescentes, de empregos decentes.
Como o ponto de partida é caracterizado por uma produtividade do
trabalho muito baixa, a estratégia de desenvolvimento precisa in-
cluir um processo constante de sua melhoria, em todos os níveis de
atividade. Isto implica na melhoria de todas as atividades informais,
que tanta importância têm nos PMDs.

4- Qual o futuro dos pequenos produtores?


Atividades informais nos serviços, no comércio, nas oficinas de
conserto e no artesanato constituem a maioria esmagadora dos
empregos nas áreas urbanas. Qual o seu futuro?

6 7
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

Por muitas décadas, a opinião dominante era que essas ativida-


des eram meros remanescentes de um passado que a modernização
se incumbiria de eliminar, mais cedo ou mais tarde. O mesmo des-
tino estaria supostamente reservado às atividades agrícolas de pe-
quena escala dos camponeses, em todo o mundo. Havia ainda a
suposição otimista de que os excedentes de mão-de-obra do setor
tradicional seriam gradualmente absorvidos pelo setor moderno em
expansão.
A história se encarregou de desmentir essa visão. Mesmo os
países industrializados estão cada vez mais vivenciando um fenô-
meno maciço de exclusão social. Este resulta de uma combinação
de um crescimento lento e que gera relativamente poucos empre-
gos com a incapacidade de traduzir o aumento da produtividade
do trabalho num processo eqüânime de redução do tempo de tra-
balho, de maneira a assegurar o emprego pleno. 25 Por causa dis-
so, o dualismo, antes considerado um sintoma do subdesenvolvi-
mento, está sendo reinterpretado em alguns círculos como um
fenômeno inevitável, que ganhou um nome novo para se tornar
mais palatável - "sociedade de duas marchas". Da mesma manei-
ra, atividades mal pagas e precárias são elogiadas como uma solu-
ção, e não como um problema. Alguns chegam a afirmar que o
setor informal é um "motor do crescimento" para as economias
africanas.

25 Dois economistas franceses, Coutrot T. e Husson M. (2001), mostraram


(p. 42) que, entre 1965 e 1974, o crescimento médio anual do PIB francês
foi de 4,96%, praticamente igual à taxa de crescimento da produtividade
do trabalho por hora (4,93%). A mesma tendência ocorreu entre 1983 e
1999: o PIB cresceu a 2,12% ao ano e a produtividade do trabalho a
2,13% ao ano. Em outras palavras, o crescimento do emprego (0,76% no
primeiro período, e 0,33%, no segundo) se deveu principalmente à redu-
ção da jornada de trabalho (-0,76% e - 0 , 3 4 % ) . O problema é que essa
redução ocorreu de uma maneira eqüânime, levando a um grande cresci-
mento do desemprego.

98
IGNACY SACHS

No seu excelente estudo sobre as atividades informais da


Tanzânia, Wuyts (2001) acertadamente contesta essa posição. Na
falta de medidas apropriadas para se alcançar a segurança alimentar,
a expansão do setor informal enfrentará a armadilha ricardiana, tal
como ocorreu, no passado, com as políticas de substituição de im-
portações. Igualmente, não é realista pretender que trabalhadores
informais e moradores de favelas, em todo o mundo, estejam senta-
dos em cima de um tesouro no valor de vários trilhões de dólares,
formado por casebres cujos donos poderiam obter hipotecas se os
seus direitos de propriedade fossem reconhecidos (de Soto H., 2000).
A idealização da economia informal se baseia numa confusão -
mencionada antes - entre estratégias de sobrevivência e estratégias de
desenvolvimento. Mesmo sendo criativas e cheias de invenção, as pri-
meiras só conseguem oferecer rendimentos insuficientes à custa de
muitas dificuldades e sacrifícios. Para competir com empresas moder-
nas, as empresas informais são obrigadas a recorrer à competitividade
espúria. Além do mais, as relações de trabalho, no âmbito das empre-
sas informais, são tudo, menos idílicas. É errado supor que as ativida-
des informais sejam por natureza conviviais. Mesmo as relações de
trabalho entre os representantes das diferentes gerações e gêneros,
dentro da família e da comunidade, são freqüentemente marcadas por
tensões e conflitos. Alguns pais e mães são coniventes com o trabalho
infantil. A exploração do trabalho familiar gratuito é corriqueira. Os
donos de habitações em favelas freqüentemente cobram aluguéis
abusivos e muitos pequenos empreendedores não são particularmente
escrupulosos nas suas relações com os empregados.
A visão romântica de um setor informal convivial convém àqueles
que o consideram, cinicamente, uma válvula de escape para a econo-
mia capitalista em apuros, cada vez mais incapaz de gerar oportuni-
dades de trabalho decente em números suficientes para contemplar
todos os recém-chegados ao mercado de trabalho, isso sem mencio-
nar o estoque acumulado dos desempregados ou subempregados.

6 9
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

Por isso, deve-se contemplar explicitamente, nas estratégias de


desenvolvimento, a saída progressiva dos pequenos produtores da
informalidade, contribuindo para a sua transformação em arquite-
tos do futuro.
Para tanto, faz-se necessário um conjunto de políticas públicas
complementares baseadas no princípio do tratamento desigual aos
desiguais, neste caso, de ações afirmativas que favoreçam os pe-
quenos produtores e os empreendimentos de pequeno porte, para
compensar a sua desvantagem inicial em relação a empresas maio-
res, modernas e mais fortes. Na falta de uma discriminação positi-
va, a maioria trabalhadora de pequenos produtores tem pouca chance
de sobreviver ao darwinismo social dos mercados, e menos ainda
de se libertar do jugo da competitividade espúria.
Um estudo realizado no Brasil para o PNUD e para o SEBRAE
(Sachs I., 2003) identificou seis políticas que, tomadas em conjun-
to, podem estimular uma redução gradual da informalidade:
• redução dos entraves burocráticos e dos custos administrati-
vos ligados à abertura de microempresas formais;
• isenções fiscais e alíquotas reduzidas de impostos;
• acesso simplificado à previdência social e diminuição das con-
tribuições;
• acesso ao crédito barato e farto; 26
• acesso a tecnologias apropriadas, treinamento e assistência téc-
nica;
• acesso a mercados, especialmente por meio de tratamento prefe-
rencial das micro e pequenas empresas nas compras públicas.27

26 Em muitos países, existe crédito subsidiado para pequenos fazendeiros,


mas não para artesãos e pequenos produtores urbanos. Essa assimetria se
deve exclusivamente ao preconceito ideológico contra os subsídios.
27 Existe um, legislação detalhada sobre esse assunto nos EUA.

100
IGNACY SACHS

O efeito conjunto dessas políticas provavelmente induzirá alguns


microempresários informais e trabalhadores autônomos a formaliza-
rem os seus negócios ou então a formar cooperativas. Esta segunda
solução exige, além das seis políticas enunciadas acima, o apoio públi-
co a todas as formas de empreendedorismo coletivo, que é, de longe, a
maneira mais eficaz de fortalecer o poder de negociação, as economias
de escala e a competitividade de produtores de pequeno porte.
Mesmo assim, outros preferirão manter o seu status atual, por
acreditarem que as vantagens oferecidas pela formalização não com-
pensam os custos em que terão de incorrer. As pessoas que estejam
vivendo na maior precariedade por meio de toda a sorte de expedien-
tes, mergulhadas em complexas relações de família e de parentesco,
não tendem a ser bons avaliadores dos prós e contras da formalização.
É por isso que a saída da informalidade deve ser tratada sob uma
perspectiva de longo prazo, nos PMDs, associada a outras trans-
formações da economia real, cuja complexidade vai muito além da
dicotomia formal-informal. 28

28 O estudo da economia real começa com a identificação dos modos de


produção distintos que coexistem e interagem dentro dela: não-mercado;
pequena produção pré e protocapitalista; produção capitalista orientada
para o mercado; economia social; atividades de mercado que não são volta-
das para a maximização do lucro (cooperativas, associações mutualistas,
empresas de trabalhadores autogeridas, associações de cidadãos).
Os bens e serviços produzidos entram em quatro circuitos distintos: a
economia doméstica; a economia popular que atinge os estratos de baixa
renda da população; a corrente principal da economia de mercado; as
compras governamentais.
Enquanto a produção externa ao mercado é totalmente absorvida na eco-
nomia doméstica, uma competição feroz ocorre na economia popular,
entre pequenos produtores, grandes empresas nacionais e multinacionais,
assim como produtos contrabandeados do exterior ou roubados. Por ou-
tro lado, alguns produtos e serviços gerados pelos pequenos produtores
chegam à corrente principal do mercado.
Uma complicação a mais nesse esquema analítico surge quando se leva em
conta o comércio externo.

101
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

III- Anotações a respeito de uma agenda internacional


Este texto argumentou que os PMDs, por causa de um ambiente
internacional desfavorável, devem formular estratégias nacionais de
desenvolvimento baseadas no conceito do desenvolvimento a partir
de dentro, socialmente ineludente, ambientalmente sustentável e
sustentado, e que eles devem começar a adotar estas estratégias
para fugir dos constrangimentos da armadilha da pobreza. Quanto
mais cedo se engajarem nessa longa jornada, difícil e cheia de aven-
turas, maior será o seu poder de negociação no âmbito da comuni-
dade internacional, principalmente se forem bem-sucedidos no for-
talecimento de sua posição comum e na obtenção do apoio de um
movimento não alinhado renovado. 29
A primeira demonstração de autoconfiança de um país deve ser
assumir a responsabilidade pelas suas políticas. Aldo Ferrer (2003)
cunhou o conceito de "densidade nacional" para denotar as cir-
cunstâncias que determinam a capacidade de uma sociedade defen-
der eficientemente o seu interesse nacional num contexto de rela-
ções internacionais globalizadas. Para ele, o nacionalismo (mas não
o chauvinismo) sempre foi uma condição necessária para o desen-
volvimento econômico e social. Como diz, "o desenvolvimento não
pode ser importado".
Ainda assim, conforme destacado pelo relatório da UNCTAD
(2002b), as políticas internas, mesmo sendo centrais, não são os
únicos fatores que determinam a capacidade de gerar recursos para
a acumulação acelerada. Estes recursos dependem também de apoios
e limitações externos. "Em virtude das suas fraquezas estruturais,
do pequeno tamanho dos seus mercados e da dependência de im-
portações para usar as suas capacidades de produção e para acu-
mular, a capacidade dos países pobres para gerar os recursos neces-

29 Daí a importância dos esforços recentes do Brasil, da África do Sul e da


índia para construir um G-3.

102
IGNACY SACHS

sários ao desenvolvimento depende muito do grau em que conse-


guem traduzir os seus recursos naturais não explorados e o exce-
dente de mão-de-obra em receitas de exportação, importações e
investimentos" (p. 7).
Infelizmente, a liberdade de ação dos PMDs na definição de suas
estratégias de desenvolvimento continua a ser severamente limitada
pelas condicionalidades ligadas aos financiamentos multilaterais e à
redução da dívida. 30
Às vésperas da XI UNCTAD, estes eram os principais pontos de
discórdia:
1- A dívida externa dos PMDs chegou a um nível claramente
inadministrável; o seu cancelamento, a sua diminuição ou a sua
reestruturação deveriam ser acelerados. Uma fórmula razoável para
a reestruturação consistiria em limitar a parcela das receitas de ex-
portação a ser alocada para pagar o serviço da dívida, deixando em
aberto o número de anos necessários para saldar a dívida. Isto cria_ria
um incentivo para que os países desenvolvidos facilitassem a entra-
da dos produtos oriundos de países endividados nos seus merca-
dos. 31
2- Há a necessidade urgente de um controle internacional sobre
os fluxos de capitais. Há quem considere isto uma condido sine qua
non para o desenvolvimento. Num texto muito bem argumentado,
Robert Kuttner (2001) chega à conclusão de que "o re-regulamen-
tação dos fluxos de capitais é precisamente o que se precisa para
que os governos de centro-esquerda recuperem a capacidade de adotar
políticas de crescimento rápido e de justiça social" (p. 162) e

30 De acordo com Rubens Ricúpero (2002), quando se examina com cuida-


do 27 Papers sobre Estratégias de Redução de Pobreza em Países Sub-
Saharianos, vê-se que em muitos deles o número médio de condicionalidades
chega ao número estonteante de 114 por país (p. 11).
31 U m esquema parecido com esse está sendo usado no Brasil para a
reestruturação das dívidas fiscais.

103
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

reinventar uma economia mista para o século XXI, capaz de repro-


duzir o desempenho da economia mista na era posterior à Segunda
Guerra Mundial, quando, pela primeira vez na história do capitalis-
mo, trabalhadores experimentaram a melhoria dos seus níveis de
vida, juntamente com segurança social e segurança econômica. 32
Como a re-regulamentação dos mercados de capitais não acon-
tecerá do dia para a noite, nesse meio tempo, são necessários con-
troles nacionais sobre os movimentos do capital volátil de curto
prazo. Mesmo The Economist, conhecido pelo seu conservadorismo
fiscal, reconheceu, a partir de um survey recente sobre as finanças
globais, que a rejeição liminar de controles sobre o capital em todas
as circunstâncias é um erro. A revista elogiou a experiência do Chi-
le e chegou a recomendar a aplicação de medidas fiscais discrimi-
nando os capitais voláteis como uma forma de regulamentação
prudencial que deveria ser reconhecida pelo FMI e pelos países
ricos, para provar que o mercado global de capitais não funciona
apenas para o benefício dos bancos dos países ricos (The Economist,
3 de maio de 2003). Sob pressão norte-americana, o Chile abriu
mão do seu plano, mas, significativamente, um dos primeiros pas-
sos do recém-eleito presidente da Argentina foi precisamente criar
controles sobre movimentos de capitais de curto prazo.

32 Para Kuttner, "o fato é que a economia mista posterior à guerra foi uma
conquista magnífica, e os mercados livres globais minam de diversas manei-
ras o projeto de manutenção de uma economia doméstica mista, gerenciada
e regulamentada. O laissez-faire global empurra o capital para aqueles recan-
tos do planeta em que existe menos regulamentação, o que por sua vez faz
com que os países avançados tenham mais dificuldade no controle dos seus
bancos, bolsas de valores e mercados de capitais, bem como os seus padrões
sociais... o projeto centenário de transformar o capitalismo cru em algo
socialmente tolerável é minado de inúmeras maneiras pelo globalismo. Do-
mesticamente, existem mecanismos regulatórios e correntes políticas dota-
das de apoio social. Eles são quase varridos do cenário quando se deixa tudo
para os mercados, em nome do livre comércio. O mercado global desloca a
economia nacional doméstica" (p. 154-155).

104
IGNACY SACHS

3- Juntamente com todos os países em desenvolvimento, os


PMDs exigem um comércio eqüitativo, o que significa preços jus-
tos e estáveis para as commodities, oportunidades para aumentar o
valor agregado por meio do processamento de matérias-primas e
acesso preferencial para os produtos novos aos mercados dos paí-
ses industrializados. Hoje em dia, o comércio funciona de uma for-
ma prejudicial aos pobres, como foi reconhecido por um editorial
recente do International Herald Tribune (21 de julho de 2003). 33
4- Eles esperam também que o fluxo da ajuda externa oficial
cresça, de maneira a alcançar, em poucos anos, a meta de 0,7% do
PIB dos países industrializados, com uma forte concentração de
ajuda pública e de doações e créditos do Banco Mundial para os
PMDs.

33 A condenação da situação atual foi, de fato, muito forte: "Ao montar o jogo
do comércio internacional de forma a prejudicar os fazendeiros de países em
desenvolvimento, a Europa, os EUA e o Japão estão essencialmente dando
um chute na escada do desenvolvimento na qual se encontram algumas das
populações mais desesperadas do planeta. Isso é moralmente indecente. As
ações dos EUA estão criando pobreza em todo o mundo ". O artigo continua
afirmando que a hipocrisia amplia a revolta e que a globalização consiste de
uma rua de mão única: "A gritante falta de credibilidade que divide o discur-
so de livre comércio do mundo desenvolvido de suas ações sobre a agricul-
tura que distorcem os mercados não pode continuar. Enquanto quase 1
bilhão de pessoas lutam para viver com 1 dólar por dia, as vacas da União
Européia recebem em média um subsídio governamental líquido de 2 dóla-
res por dia." Ironicamente, o mesmo jornal publicou, no mesmo dia, um
artigo de Louis Uchitelle, intitulado "How globalization thwarts economic
recovery" ["Como a globalização obstrui a recuperação econômica"], atri-
buindo a fraqueza da recuperação da economia dos EUA à competição dos
produtos importados da China e de outros países cuja mão-de-obra é bara-
ta. O artigo prevê que os EUA pressionarão os chineses a flutuar o seu
câmbio, de maneira a tornar as suas exportações mais caras nos EUA. Como
a maior parte dessas exportações vem de empresas cujos proprietários são
dos EUA, a alternativa seria os EUA forçarem, por meio de regulamentos,
essas empresas norte-americanas a ficar de fora de países que não cumprem
os padrões mínimos de proteção da mão-de-obra e do meio ambiente, o que
evitaria a perda de mais empregos dentro dos próprios EUA.

105
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

5- Devem ser encontradas maneiras para oferecer acesso prefe-


rencial à tecnologia e remédios essenciais, tratando-os como bens
públicos internacionais, e não como commodities.
6- O investimento externo direto não representa uma modali-
dade satisfatória de financiar a expansão do núcleo modernizador,
já que ele raramente se ajusta às prioridades colocadas pela estra-
tégia nacional e ainda cria uma vulnerabilidade de longo prazo para
o balanço de pagamentos, em função dos lucros repatriados. Seria
talvez aconselhável voltar aos empréstimos de longo prazo para a
aquisição de equipamentos para novas unidades produtivas, pagá-
veis por uma parcela das exportações adicionais geradas por estas
unidades.
7- A cooperação científica e técnica Sul-Sul, crucial para se criar
uma autoconfiança coletiva e para encontrar soluções inovadoras
para problemas comuns aos países tropicais, por enquanto pratica-
mente inexiste. Parte da culpa recai no sistema da ONU, que não
investiu na cooperação Sul-Sul como uma meta prioritária. 34
Esta lista poderia ser ampliada. Uma avaliação serena do equilí-
brio do poder internacional não dá margem a muito otimismo a
respeito de se alcançarem mudanças significativas em qualquer
uma dessas dimensões. Avanços modestos são, evidentemente,
possíveis e desejáveis. Nesse meio tempo, as estratégias nacio-
nais são a única área na qual se pode esperar um progresso subs-
tancial.

34 Ver, no entanto, o programa da U N E S C O intitulado "Programme on


South-South Cooperation on Environmentally Sound Socio-Economic
Development in the Humid Tropics", que promoveu a colaboração em
rede de reservas da biosfera da Ásia, África e da América Latina, para
intercâmbio de experiências no manejo de recursos naturais para alcançar
o desenvolvimento sustentável.

106
IGNACY SACHS

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109
Inclusão social pelo trabalho
decente: oportunidades,
obstáculos, políticas públicas
Texto para discussão
preparado para o Escritório no Brasil da
Organização Internacional do Trabalho

Para quando a "fábrica de empregos"?


O Brasil entrou no século XXI com um aparelho industrial mo-
derno e diversificado e um setor de agronegócios que lhe confere a
liderança mundial em vários outros campos. 1 No entanto, a sua es-
trutura ocupacional reflete o atraso social do país. Segundo a PNAD
de 2002, os empregados sem carteira assinada constituíam 24,2%
da PEA e os empregados por conta própria 22,3%. 4,2% das pes-
soas ocupadas trabalhavam unicamente para o próprio consumo, e

1
O Brasil vende 29% de todo o açúcar, 28,5% do café em grão e 43,6% do
café solúvel consumidos no mundo. Assumiu a liderança em vendas de
carne bovina, em 2003, com 19% de participação no mercado mundial. É
o primeiro em vendas de carne de frango, com exportações de 1,9 bilhão
de dólares. Detém 38,4% do mercado mundial de soja em grão. Vende
23,1% do tabaco consumido no mundo e 81,9% do suco de laranja (Veja,
14 de janeiro de 2004).

11 1
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

11,7% não tinham nenhum rendimento monetário. 27,1% dos tra-


balhadores tinham rendimentos inferiores ou iguais a um salário-
mínimo, 26,3% de um a dois salários-mínimos, 12,4% de dois a
três salários-mínimos, enquanto apenas 1,3% superava os vinte
salários-mínimos. A economia brasileira é constituída de um arqui-
pélago de empresas modernas e eficientes, algumas entre elas de
classe mundial, imerso num oceano de atividades de baixíssima pro-
dutividade. A riqueza está concentrada no arquipélago, e uma par-
cela importante da população busca a sobrevivência nadando no
oceano da informalidade. 2
Para acomodar os novos contingentes que entram na força de
trabalho, da ordem de 1,5 milhão de trabalhadores, e saldar a imen-
sa dívida social a c u m u l a d a sob a f o r m a de d e s e m p r e g o e
subemprego 3 durante quarenta anos de crescimento econômico e
de modernização rápidos, porém socialmente perversos, seguidos
de mais de duas décadas quase perdidas, o Brasil precisa se trans-
formar numa gigantesca fábrica de empregos. Ano após ano, deve-
rão ser gerados de 2 a 2,5 milhões de postos adicionais de trabalho
definido pela OIT como decente, ou seja, empregos e/ou auto-em-
pregos realizados em boas condições e convenientemente remune-
rados, fazendo com que a força de trabalho empregada cresça a um
ritmo anual de pelo menos 2,5%.

2
N o dizer de Antônio Ermírio de Moraes, presidente do conselho de adminis-
tração do grupo Votorantim, juros mais impostos mais burocracia é igual
a economia informal. 70% da economia são informais, hoje (entrevista
concedida a Carta Capital, n° 272, 24 de dezembro de 2003).
3
A taxa de desemprego aberto é de 12,4% e, portanto, supera a média latino-
americana de 11%. Segundo os dados da OIT, o desemprego afeta, na
América Latina e no Caribe, 19 milhões de pessoas, dos quais 10 milhões
de brasileiros (O Globo, 8 de janeiro de 2004). Porém, num país como o
Brasil, o trabalho precário e o subemprego constituem um desafio ainda
mais grave, a menos que se considere a informalidade uma solução e não
um grave problema.

112
IGNACY SACHS

No entanto, como bem observou José Pastore, "o Brasil vive


um tempo paradoxal: euforia no mercado financeiro e desespero no
mercado de trabalho",4 Os resultados alcançados no primeiro ano
do governo do presidente Lula, no que diz respeito à redução por
dois terços da taxa de risco, revalorização dos papéis brasileiros,
balança comercial altamente positiva, superávit fiscal superior a 5%
do PIB e valorização das bolsas, mereceram rasgados elogios por
parte de altos responsáveis do Banco Mundial. David de Ferranti e
Vinod Thomas, respectivamente vice-presidente do Banco Mundial
para a América Latina e diretor do seu escritório no Brasil, chega-
ram a falar de um "Consenso de Brasília" - novo modelo que viria
substituir o Consenso de Washington, compatibilizando o desenvol-
vimento econômico com o progresso social. Para eles, o Consenso
de Brasília aponta para um novo paradigma de desenvolvimento, de
maior interesse para o conjunto dos países do Sul. 5
Assim, o choque de credibilidade junto à comunidade internacio-
nal de banqueiros foi coroado de sucesso, mas ao preço de um
desempenho medíocre da economia real: no ano 2003, a taxa de
crescimento foi praticamente nula, o rendimento médio do trabalho
caiu 12,9%, nas zonas metropolitanas, caindo pelo sexto ano segui-
do, e a taxa de desemprego só não aumentou porque foram criados
numerosos subempregos sem rendimento monetário ou com rendi-
mentos abaixo de um salário-mínimo.
O aumento do trabalho precário foi a principal característica do
mercado em 2003. Entre dezembro de 2002 e dezembro de 2003,
subiu em 812 mil o número de trabalhadores ocupados nas seis
principais regiões metropolitanas. Mas a quantidade de empregados
com carteira de trabalho, no setor privado, encolheu em 907 mil.

4
O Estado de São Paulo, 26 de outubro de 2003.
5
David de Ferranti e Vinod Thomas, "A new model of growth - why eyes are
on Brazil", International Herald Tribune, 24-25 de dezembro de 2003.

113
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

Enquanto isso, cresceu em 446 mil o número de empregados sem


carteira e em 334 mil o de trabalhadores por conta própria. 6
Um estudo recente realizado pelo Instituto de Economia da
UFRJ, a pedido da CEPAL e coordenado por David Kupfer, apre-
sentou dados estarrecedores sobre a eliminação de empregos que
se seguiu à abertura da economia brasileira, em 1990. A moderni-
zação tecnológica do país fechou 8,98 milhões de postos de tra-
b a l h o no s e t o r a g r o p e c u á r i o , 3 , 6 3 m i l h õ e s na i n d ú s t r i a
manufatureira, 902 mil na administração pública e 757 mil na cons-
trução civil. A produtividade do trabalho na agropecuária cresceu,
em média, 5,12% ao ano, de 1990 a 2001, e, na indústria, 2,52%.
Por sua vez, as importações provocaram a redução de 1,54 milhão
de postos de trabalho.
Ao todo, perderam-se assim, em onze anos, 12,3 milhões de
empregos. Ao mesmo tempo, criaram-se, na economia doméstica,
11,96 milhões de empregos e, nas exportações, 3,58 milhões, com
um saldo global positivo, nos onze anos, de 3,24 milhões. Este últi-
mo número deve ser comparado com a entrada anual de 1,5 a 1,8
milhão de pessoas novas no mercado de trabalho. Os anos 2002 e
2003, para os quais os dados não estão ainda disponíveis, conhece-
ram um desempenho similar. O crescimento pífio da economia não
compensa os efeitos da modernização tecnológica. 7
Estes números merecem alguns reparos. A perda de empregos
industriais é em parte compensada pela criação de ocupações no
setor de serviços para o qual as indústrias terceirizaram atividades
de limpeza, manutenção etc. A questão que se coloca é saber se a
modernização poderia ter sido menos destruidora de empregos, caso
fossem aplicadas políticas diferentes na agricultura, na indústria e

6
Rodrigues, L. "Resultado de um ano de retratação", O Globo, 24 de janeiro
de 2004.
7
Todos estes dados foram citados em Fátima Fernandes, "Liberalização à
brasileira", Folha de São Paulo, 18 de janeiro de 2004.

114
IGNACY SACHS

no comércio exterior, já que, ao se ultrapassar certos limites, o que


Schumpeter chamava de destruição criadora passa a ser destruição
tout-court.
Qualquer que seja a resposta dada a esta pergunta (pessoalmen-
te, penso que boa parte do estrago poderia ter sido evitada), com-
preende-se que, nestas condições, o presidente Lula e vários minis-
tros tenham proclamado em vários pronunciamentos recentes a
geração de empregos como a prioridade máxima para o ano de 2004,
reconhecendo ao mesmo tempo, com razão, que o crescimento por
si só não bastava para assegurar uma trajetória da economia com
uma intensidade de emprego satisfatória.
O Brasil não está isolado frente a este desafio, bem ao contrá-
rio.8 Praticamente, o mundo inteiro está à volta com a epidemia de
crescimento sem emprego (jobless growth), inclusive os Estados
Unidos, onde a retomada recente não se acompanha de criação
satisfatória de empregos. 9
O crescimento sem emprego resulta de uma combinação de vá-
rios fatores:
• introdução agressiva do progresso técnico poupador de traba-
lho nas indústrias;
• renúncia a uma política de salários altos (o fordismo) sacrifi-
cados no altar de uma busca desenfreada de lucros financei-
ros e a conseqüente redução do ritmo de crescimento da de-
manda efetiva, uma das causas principais do crescimento pífio;
• deslocalização das produções intensivas em mão-de-obra para
plataformas de exportação situadas em países periféricos que
se satisfazem com a competitividade espúria, lograda por meio

O discurso de ano novo do presidente Chirac, na França, bateu na mesma


tecla.
Em cinco anos, os Estados Unidos perderam 2,9 milhões de empregos
industriais {Le Monde, 15 de janeiro de 2004).

115
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

de salários excessivamente baixos, longas jornadas de traba-


lho e ausência de proteção social.10
Há quem acredite que a epidemia de crescimento sem emprego
só pode ser combatida por taxas de crescimento econômico exces-
sivamente elevadas 11 que não entram em linha de conta na conjun-
tura internacional atual. Elas teriam que ser de 5% ao ano ou mais,
enquanto nada for feito para modificar a intensidade em empregos
dos paradigmas atuais de crescimento. Em outras palavras, o de-
semprego, o subemprego e a exclusão social afiguram-se como um
mal necessário a ser minorado por vigorosas políticas assistenciais.
Neste trabalho, adotaremos uma linha diferente. Continuamos a
pensar que é necessário e possível desenhar estratégias de desen-
volvimento que asseguram a todos a inclusão social pelo trabalho
decente 12 atuando simultaneamente sobre as taxas de crescimento
econômico e os coeficientes de elasticidade de emprego/crescimento.
Enquanto persistirem as abismais diferenças sociais e os níveis de

10
A deslocalização abarca as indústrias tradicionais intensivas em mão-de-obra
(vestuário, calçados, montagem de aparelhos eletrônicos etc.), dá origem às
atividades de maquiladoras e, cada vez mais, atrai para países como a índia
os serviços baseados nas tecnologias modernas de informação e comunica-
ção pertencentes à categoria de intensivos em mão-de-obra qualificada. Para o
Brasil, coloca-se o problema de competição nos mercados externos, mas
também no mercado brasileiro, com produtos fabricados em países que não
hesitam em lançar mão da competitividade espúria, a começar pela China.
11
Veja-se, por exemplo, o artigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardo-
so "Ano bom? Tomara" (O Globo, 4 de janeiro de 2004): "Os governos
também, costumam ser considerados culpados pelas taxas de desemprego. Hoje,
no Brasil, elas batem recordes históricos. Nas condições tecnológicas atuais, o
crescimento do PIB precisa ser espetacular (no caso, cabe a qualificação) para ter
efeito significativo sobre o desemprego".
12
Veja-se Sachs, Ignacy, 2003, Inclusão social pelo trabalho - desenvolvimento
humano, trabalho decente e o futuro dos empreendedores de pequeno porte,
relatório patrocinado pelo SEBRAE e pelo P N U D , Garamond, Rio de Ja-
neiro. Veja-se também a reportagem sobre o seminário "A inclusão social
pelo trabalho decente e o sistema de fomento", realizado no BNDES, em
setembro de 2003, Rumos, Ano 27, n° 211, setembro-outubro de 2003.

116
IGNACY SACHS

exclusão que conhecemos hoje no Brasil, as políticas sociais com-


pensatórias serão indispensáveis, além da urgência em se promover
o acesso universal aos serviços sociais de base - educação, saúde,
saneamento, moradia. Porém, o emprego e o auto-emprego decen-
tes constituem a melhor maneira de atender às necessidades sociais
por duas razões:
• a inserção no sistema produtivo oferece uma solução definiti-
va, enquanto as medidas assistenciais requerem financiamen-
to público recorrente;
• em nível psicológico, o exercício do direito ao trabalho pro-
move a auto-estima, oferece oportunidades para a auto-reali-
zação e o avanço na escala social, ao contrário do desânimo e
da falta de perspectivas vivenciados por assistidos crônicos.
Para avançar nesta direção, o Brasil deverá buscar uma solução
ao dilema seguinte: "Sem emprego, a equação brasileira não fecha.
Sem crescimento acelerado e industrialização, o Brasil não tem
13
conserto".
Na realidade, o desenvolvimento é um processo com duas ver-
tentes que devem ser compatibilizadas:
• em nível econômico, trata-se de diversificar e complexifícar
as estruturas produtivas, logrando, ao mesmo tempo, incre-
mentos significativos e contínuos da produtividade de traba-
lho, base do aumento do bem-estar;
• em n í v e l s o c i a l , d e v e - s e , ao c o n t r á r i o , p r o m o v e r a
homogeneização da sociedade, 14 reduzindo as distâncias so-
ciais abismais que separam as diferentes camadas da popu-
lação.

13
Rubens Ricúpero, Folha de São Paulo, 31 de agosto de 2003.
14
Deve-se ao economista chileno Anibal Pinto, um dos principais pensadores
c e p a l i n o s , a d e f i n i ç ã o do d e s e n v o l v i m e n t o c o m o s u p e r a ç ã o da
heterogeneidade social.

117
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

Infelizmente, o crescimento econômico promovido pelas for-


ças do mercado traz, mesmo quando bem-sucedido em nível eco-
nômico, resultados sociais opostos aos almejados: as diferenças
sociais aumentam, a riqueza se concentra na mão de uma minoria,
com marginalização simultânea de uma parcela importante da po-
pulação.
Quando isto acontece, por maiores que sejam as taxas de cresci-
mento do PIB e o progresso alcançado na modernização do apare-
lho produtivo, o país avança na direção do "maldesenvolvimento",
sobretudo quando se lança mão da inflação para eludir os conflitos
distributivos. Como já dissemos, o Brasil passou por esta experiên-
cia nas décadas do "milagre" dos anos 1940-1980. O quarto de
século de baixo crescimento que se seguiu acrescentou a uma he-
rança já complicada o peso de uma dívida externa e interna de difícil
administração.
Voltando ao nosso dilema, é normal que recursos financeiros
vultosos sejam mobilizados para a indispensável expansão do nú-
cleo modernizador da economia brasileira constituído de indústrias
e agronegócios de alta tecnologia, amparados por uma infra-estru-
tura eficiente nos setores de energia e transporte e capazes de ex-
pandir as exportações em condições de competitividade genuína,
baseada em conhecimentos, tecnologias avançadas e aproveitamen-
to das vantagens comparativas naturais.
E s t e p r o c e s s o d e v e r á a i n d a r e s p e i t a r os p r e c e i t o s de
sustentabilidade ambiental. Devemos nos esforçar por desenhar
uma estratégia de desenvolvimento que seja ambientalmente sus-
tentável, economicamente sustentada e socialmente includente,15
vale dizer, capaz de caminhar na direção de pleno emprego e auto-

15
Sobre o conceito de desenvolvimento includente, ver Sachs, I., Desenvolvi-
mento includente e trabalho decente para todos, documento preparado para a
Comissão Mundial sobre a Dimensão Social da Globalização, OIT, outu-
bro de 2002; editado em português pela O I T - escritório no Brasil.

118
IGNACY SACHS

emprego decentes, no sentido que a OIT dá a este adjetivo, ou


seja, condições de trabalho e remuneração dignas.
No entanto, o crescimento do núcleo modernizador vai gerar
pouquíssimos empregos diretos, ou mesmo reduzir, como vimos, o
seu número. Daí a importância de aproveitar da melhor maneira
possível o multiplicador de empregos indiretos, tema do qual trata-
remos em detalhe no decorrer deste trabalho, e que funciona em
dois níveis:
• por meio de empregos criados a montante e a jusante das grandes
indústrias, nas empresas fornecedoras de insumos e serviços,
e nas que usam como insumos os produtos destas indústrias;
• por meio da demanda por bens e serviços, gerada pelo consu-
mo dos trabalhadores destas indústrias (aqui aparece o papel
do fordismo)\
Mesmo assim, estaremos ainda longe da conta, no que diz res-
peito ao volume de empregos criados com relação à demanda re-
presentada pela entrada dos novos contingentes de força de traba-
lho, além dos milhões de desempregados e subempregados à espera
de trabalho decente. Por isso, deverão ser aproveitadas ao máximo
todas as oportunidades de geração de empregos nos setores da eco-
nomia em que o crescimento puxado pelo emprego16 é ainda possí-
vel, ou seja, nos quais existem margens de liberdade para escolher
tecnologias intensivas em mão-de-obra.
Acreditamos que, ao contrário de muitos países, o Brasil apre-
senta potencialidades excepcionais para avançar nesta direção.
O fato de possuir uma fronteira agrícola ainda não totalmente ex-
plorada, junto com a maior biodiversidade do mundo e climas diversos

16
Ver, a respeito, Sachs, I. 2001, "Economia política do desenvolvimento
segundo Kalecki: crescimento puxado pelo emprego", in Pomeranz L.,
Miglioli J., Tadeu Lima G. (Org.), Dinâmica econômica do capitalismo
contemporâneo (homenagem a M. Kalecki), EDUSP/FAPESP, São Paulo,
pp. 269-288.

119
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

e amenos favoráveis à produtividade primária,17 nos permite pensar


num novo ciclo de desenvolvimento rural. Os diferentes setores de
produção de bens e serviços não comerciáveis (non tradables), portan-
to não sujeitos à competição internacional, poderão resultar na criação
de numerosos empregos e auto-empregos, em particular na área de
serviços. Paradoxalmente, a baixa produtividade do trabalho nas ativi-
dades informais abre oportunidades para um avanço rápido à condição
de se desenhar um conjunto de políticas públicas baseado no conceito
de tratamento desigual dos desiguais (discriminação positiva em favor
dos atores mais fracos), favorecendo as saídas da informalidade. Por
fim, cabe mencionar o desafio de construir sinergias positivas entre as
grandes empresas e os empreendimentos de pequeno porte.
A meta de transformar o Brasil numa fábrica de empregos afigu-
ra-se difícil, porém perfeitamente factível. No que segue, procura-
remos justificar o nosso otimismo.

Crescimento, produtividade e emprego


A taxa de crescimento da economia r é aproximadamente igual à
taxa de crescimento da produtividade do trabalho p mais a taxa de
crescimento do emprego e:
r=p+ e
Podemos chamar de crescimento extensivo aquele logrado unica-
mente por meio do aumento do emprego (p = 0) e de crescimento
intensivo aquele obtido por meio dos aumentos de produtividade (e =
0), sendo que ocorrem ainda casos em que p é maior do que r e o
crescimento, por forte que seja, se traduz por reduções de emprego.

17
U m a vez controladas as doenças endêmicas, o trópico passa a ser uma
vantagem natural, como intuiu Gilberto Freyre ao lançar o conceito de
Tropicologia. Ver, a respeito, Sachs, I., 2002: "Dos tristes trópicos aos
trópicos alvissareiros", in: Carvalheira Cunha, L. e Vila Nova S. (orgs.),
Dos tristes trópicos aos trópicos alvissareiros, Fundação Joaquim Nabuco / Ed.
Massangana, Recife, pp. 23-69.

120
IGNACY SACHS

Para o planejador, o dilema consiste em encontrar um ponto de


equilíbrio entre crescimento extensivo e intensivo. Na medida em
que se considera como um imperativo social a absorção, no míni-
mo, de todo o contingente de jovens que ingressa na força de traba-
lho, e deve, no mínimo, garantir este objetivo. Se a força de traba-
lho aumenta a 2% ao ano, e min. = 2.
O quadro seguinte nos permite ler a taxa de crescimento do
emprego e em função das diferentes combinações de r e p:

1 0 1 2 3 4 5

2 -1 0 1 3 4

3 -2 -1 0 1 3
\
4 -3 -2 -1 0 l

5 -4 -3 -2 -1 0 1

As boas soluções estão à direita da diagonal de e = 2. É claro que


sua efetivação seria mais fácil para valores altos de r. Infelizmente,
como já dissemos, na atual conjuntura, não se pode esperar que o
Brasil logre o pleno emprego por meio de crescimento acelerado,
pelo menos nos próximos anos. Daí a necessidade de se desenhar
políticas finas que permitam compensar o crescimento intensivo
nas indústrias modernas que incorporam as tecnologias de ponta
por taxas maiores de crescimento dos setores da economia em que
o crescimento extensivo ainda faz sentido.
Em outras palavras, trata-se de incentivar um mix apropriado de
atividades, atuando em três níveis:
• reequilibrando os setores (mais serviços e, em particular, mais
serviços sociais, maior ênfase sobre a construção de moradias
e obras públicas);

121
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

• privilegiando, dentro dos setores, produções naturalmente mais


intensivas em mão-de-obra, na agricultura, 18 na indústria e no
artesanato;
• incentivando, em nível microeconômico, a escolha de
tecnologias apropriadas, com especial destaque para o uso de
tecnologias híbridas.19

18
A produção de hortigranjeiros requer pelo menos cem vezes mais trabalha-
dores por ha do que a de grãos altamente mecanizados. Por sua vez, a
floricultura absorve quinze vezes mais trabalhadores por ha do que os
hortigranjeiros. As culturas perenes, como o café e o cacau, são três a
quatro vezes menos intensivas em mão-de-obra do que os hortigranjeiros.
Infelizmente, não se pode transformar em floricultura os 100 milhões de
ha de terras cultiváveis ainda disponíveis no Brasil.
Em trabalho recente, José Eli da Veiga afirma que, na agricultura brasileira,
treze lavouras devoram postos de trabalho: cana-de-açúcar, café, laranja,
algodão, milho, cacau, alho, banana, coco-da-bahia, maçã, mandioca, to-
mate rasteiro e trigo. Porém, outras dez são capazes de aumentar a oferta de
ocupação: amendoim, arroz, caju, feijão, malva, mamona, sisal, soja, uva e
tomate envarado. Outrossim, grandes quantidades de mão-de-obra podem
ainda ser absorvidas pela fruticultura em plena expansão e as produções de
borracha, chá, dendê, erva-mate, ervilha, fava, palmito e urucum, além da
intensa osmose que prevalece entre a policultura destes vegetais e as ativida-
des pecuárias. O Brasil dispõe de um imenso mosaico de sistemas produti-
vos diversificados, cuja essência é a sinergia agropecuária {Valor Econômico,
12/08/2003, artigo reproduzido em Estudos Avançados, USP, 17 (48) 2003).
19
O conceito de tecnologias apropriadas é mais amplo que o de tecnologias
intermediárias, advogadas por Schumacher no seu celebrado livro Smallis
beautiful. As tecnologias apropriadas são aquelas que respondem ao conjun-
to de critérios adotados para sua avaliação. Estes, no nosso entender, não
se devem limitar a critérios puramente técnicos, e sim incluir critérios
sociais (geração de empregos decentes) e ambientais.
As tecnologias híbridas constituem um caso particular de tecnologias apro-
priadas, combinando, por um lado, o saber moderno com o tradicional
(episteme com techne) e, por outro lado, aplicando tecnologias de diferen-
tes intensidades em mão-de-obra nos diferentes elos de uma cadeia de
produção. Os casos mais interessantes ocorrem quando o uso catalítico de
tecnologias de ponta num elo viabiliza o recurso a tecnologias intensivas
em mão-de-obra nos demais elos da cadeia. Isto acontece com freqüência
nas cadeias de valorização da biomassa, m e d i a n t e a aplicação de
biotecnologias que abrem o leque dos produtos dela derivados.

122
IGNACY SACHS

Para aprofundar esta discussão, seria interessante poder contar


com dados setoriais que relacionam a evolução de r, p e e, nos
últimos dez anos, e cotejá-los com dados microeconômicos que
ilustram a amplitude das funções de produção que, a um dado mo-
mento, coexistem em cada setor. A coexistência de assincronismos
é uma característica de subdesenvolvimento. Por outro lado, a in-
corporação do progresso técnico nunca se faz de uma vez só.20
Acreditamos que um estudo deste tipo pode ser realizado a partir
dos dados existentes no IBGE, IPEA, BNDES e FIESP. Sem espe-
rar por seus resultados, podemos adiantar o estudo do potencial de
geração de empregos e auto-empregos decentes no Brasil, apontan-
do para os setores que oferecem as maiores oportunidades.

Um novo ciclo de desenvolvimento rural21


Acreditamos que o maior potencial de empregos e auto-empre-
gos decentes resida no mundo rural, em que pese a alta taxa de
redução de postos de trabalho observada atualmente no setor
agropecuário. Não acreditamos que o Brasil esteja fadado a repetir a
experiência dos países hoje industrializados, que conseguiram re-
duzir a uma percentagem insignificante o emprego na agricultura e
absorveram com sucesso o excedente de mão-de-obra rural nas
cidades, principalmente nas indústrias. Esta transformação não se-

20
M. Kalecki introduziu o conceito de período de reestruturação (retoolingperiod).
Se uma inovação tecnológica abrange, a cada ano, um décimo do aparelho
de produção existente no país, o período de reestruturação será de dez anos.
A modulação deste parâmetro pode ser objeto da política industrial.
21
Abordei este tema em três trabalhos recentes. Ver Sachs, I. 2001: "Brasil
rural: da descoberta à invenção", in Estudos Avançados n° 15 (43), pp. 75-
82; "Um projeto para o Brasil: a construção do mercado nacional como
motor do desenvolvimento" in Bresser Pereira, L. C. e Rego J. M. (orgs.):
2001, A grande esperança em Celso Furtado, Ed. 34, São Paulo, pp. 45-52;
"Quo Vadis Brasil", in Sachs, I.; Wilheim, J. e Pinheiro P. S. (orgs): 2001,
Brasil, um século de transformações, Cia das Letras, São Paulo, pp. 488-501.

123
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

ria, aliás, possível para os países europeus sem a emigração massiva


para as Américas e o papel desempenhado pelas colônias.
As condições mudaram. A desindustrialização em curso torna
impossível a reprodução deste padrão, tanto mais que o Brasil já
efetuou uma urbanização prematura e excessiva. 22 É um erro supor
que os refugiados do campo que migram para as favelas e os bair-
ros periféricos das cidades se transformam automaticamente em
citadinos. São candidatos a uma urbanização cuja efetivação depen-
derá da criação de empregos e alojamentos decentes e de condições
para o exercício da cidadania. Na visão otimista, as favelas funcio-
nam como purgatórios. Tudo indica que o custo da urbanização
dos que já foram arraigados do campo será muito mais elevado do
que seria a geração de empregos e auto-empregos decentes e a pro-
moção do progresso civílizatório no meio rural.
Segundo dados do PRONAF, a agricultura familiar é, hoje, res-
ponsável por 77% da ocupação no meio rural e responde por 37%
da produção agrícola brasileira. Cerca de 84% dos 5 milhões de
estabelecimentos agropecuários são de agricultores familiares. De
acordo com um estudo do IBASE, cada operação de financiamento
do PRONAF (no ano 2003, 1,147 milhão de contratos num valor
total de R$ 3,8 bilhões) estaria garantindo a manutenção de três
empregos e a geração de 0,58 ocupações. 23 A agricultura familiar
tem, portanto, ainda um longo futuro à frente, tanto mais que a sua
modernização gradual afigura-se viável e que, sem a sua consolida-
ção, dificilmente o Brasil poderá contar com um sistema eficiente

22
Os trabalhos de José Eli da Veiga mostraram que o grau de urbanização real
do Brasil é inferior às estatísticas do IBGE: nos 4500 municípios rurais,
viviam, no dirimo ano do século passado, quase 52 milhões de habitantes
(José Eli da Veiga, 2002, Cidades imaginárias — o Brasil é menos urbano do
que se calcula, Ed. Autores Associados, Campinas).
23
Em questão, n°143, 16 de janeiro de 2004. Se estes dados se confirmam, eles
indicam um custo extremamente baixo de geração de empregos por meio
dos créditos do PRONAF.

124
IGNACY SACHS

de segurança alimentar. Parte do agronegócio, que tanta importân-


cia tem para o comércio exterior do Brasil, é constituída por agri-
cultores familiares bem-sucedidos, por exemplo, no setor de aves
ou carne suína. Não se deve considerar a produção mecanizada de
grãos (soja), que cria um número diminuto de empregos diretos,
como representativa do conjunto de agronegócios.
A reforma agrária bem conduzida, cobrando resultados pro-
dutivos dos seus beneficiários e incentivando a lógica empreen-
dedora dos assentados, 24 com destaque para todas as formas de
empreendedorismo coletivo - cooperativas de produção, venda,
poupança e crédito, outras formas de associativismo - , pode am-
pliar o setor da agricultura familiar viável, gerando empregos e
auto-empregos a um custo inferior a qualquer alternativa urba-
na.
Não esqueçamos que a racionalidade da economia familiar é di-
ferente da economia de empresa e que os membros da família não
imputam ao seu tempo de trabalho um salário como se estivessem
empregados como assalariados. Daí resulta a resiliência dos agri-
cultores familiares submetidos à concorrência dos produtores mo-
dernos. 25
Para todos os efeitos, podemos considerar a unidade familiar como
possuidora de uma reserva potencial de tempo de trabalho a ser apro-
veitada como uma verdadeira reserva de desenvolvimento. Por isso,
longe de serem meramente políticas sociais, a reforma agrária e as

24
Veja, a este respeito, a entrevista de Ricardo Abramovay, no Estado de São
Paulo de 21 de dezembro de 2003.
25
Como observou José Eli da Veiga, no artigo já citado (2003), "é da essência
microeconòmica que a fazenda patronal se desfaça imediatamente de qualquer
sobra de braços, enquanto entre agricultores familiares, prevalece a tendência
inversa. A propensão do sitiante inovador é evitar a ameaça da redundância, ou
retardá-la, graças à diversificação, não apenas de seu sistema produtivo, como
também das atividades dos membros da família, antes e depois da porteira'.

125
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

medidas de apoio à agricultura familiar afiguram-se como alavancas


importantes da estratégia de desenvolvimento. 26 O que importa é criar
condições para que esta reserva de tempo de trabalho se transforme
em trabalho efetivo mediante aumento da escala das produções já
existentes, acréscimo de novos módulos ao sistema familiar de pro-
dução agropecuária e investimentos não monetários no desmatamento,
na criação de pastos, nas benfeitorias e na moradia.27 Acreditamos
que a complexificação de sistemas familiares de produção agropecuária
e a sua adequação aos diferentes ecossistemas constituam uma prio-
ridade para as pesquisas da EMBRAPA. O progresso da agricultura
brasileira requer soluções intensivas em conhecimentos e em traba-
lho, porém poupadoras do capital, da energia fóssil e de recursos
naturais escassos (como a água no semi-árido). Esta equação difere
da dos países industrializados, empenhados numa agricultura intensi-
va em capital e poupadora de mão-de-obra.
Um outro fator, geralmente ausente nas políticas de apoio à agricul-
tura familiar, é a oferta de tecnologias apropriadas para a modernização
das produções de subsistência, mediante aumento dos rendimentos e/

26
Carta Capital, de 14 de janeiro de 2004, publicou uma surpreendente entre-
vista de Alain Touraine, intitulada "Reforma urbana já", na qual o sociólogo
francês afirma que a reforma urbana é dez vezes mais importante que a
reforma agrária, porque atinge dez vezes mais gente. Touraine considera que
não há tempo para esperar que os enormes recursos necessários para a
reforma urbana venham do crescimento econômico e propõe, portanto, que
ela seja financiada pela redistribuição da riqueza às expensas dos 5 ou 10%
mais ricos que notoriamente escapam ao fisco. Concordo com o autor que
a reforma urbana é necessária, embora duvide que haja, no Brasil, condições
políticas para seguir a sua proposta. Divirjo, no entanto, frontalmente da
sua subestimação do papel da reforma agrária. Infelizmente, a idéia de que
reforma agrária não passa de uma política social é muito difundida nas elites
brasileiras. Já ouvi a tese de que seria mais barato oferecer aos sem-terra
motocicletas para que virem motoqueiros nas cidades.
27
Por serem não monetários, estes investimentos não estão incluídos no côm-
puto do PIB. Em certas circunstâncias, o seu volume pode chegar a ser
significativo.

126
IGNACY SACHS

ou redução do tempo de trabalho que poderá ser aproveitado nas pro-


duções voltadas ao mercado ou nas atividades não econômicas.
A experiência de numerosos países em desenvolvimento mos-
tra que o não-aproveitamento desta reserva de desenvolvimento cons-
titui um grave erro de estratégia, já que o êxodo rural prematuro e
excessivo gera problemas de difícil solução no meio urbano. Para
todos os países que têm ainda uma fronteira rural a explorar, vale o
conceito de industrialização sem descamponização (industrialisation
sans dépaysannisation), proposto pelo economista egípcio Ismáíl
Sabri Abdallah.
A observação sobre a necessidade de se assegurar um futuro em
longo prazo para a agricultura familiar vale para o conjunto dos
países do Sul. Atualmente, cerca da metade da população mundial é
constituída de agricultores familiares. Os mais atrasados, do ponto
de vista técnico, têm uma produtividade de trabalho ínfima, que
chega a ser mil vezes menor que a dos agricultores modernos alta-
mente mecanizados. 28 Estes poderiam, em pouco tempo, varrer do
mercado a massa dos agricultores familiares, com conseqüências
sociais dramáticas na ausência de estratégias de desenvolvimento
que protejam os agricultores familiares e, ao mesmo tempo, pro-
movam a sua gradual modernização, reduzindo a disparidade hoje
existente na produtividade do trabalho.
O importante é raciocinar em termos de desenvolvimento rural e
não meramente agrícola, promovendo a pluriatividade dos membros
das famílias de agricultores e incentivando os empregos rurais não
agrícolas os mais diversos: nas agroindústrias, no artesanato, nas pe-
quenas indústrias descentralizadas, na prestação de serviços técnicos,
de manutenção, sociais e pessoais, no transporte, na construção, no

28
No mundo atual, vinte milhões de camponeses trabalham com um trator,
trezentos milhões usam a tração animal, enquanto um bilhão só dispõe de
seus braços para trabalhar. Dados da FAO, citados por De Ravignan F., 2003,
Lafaim, pourquoi? un déft toujours d'actualité, La Découverte, Paris, p. 79.

127
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

desenvolvimento de atividades turísticas, sem esquecer a administra-


ção pública. Entre 1985 e 2001, a China conseguiu criar 140 milhões
de atividades não agrícolas nas zonas rurais. Elas ocupam atualmente
168 milhões de pessoas, a comparar com 28 milhões, em 1978.29 Hoje,
este potencial se esgotou, mas a lição vale para outros países.
A prospecção do potencial de empregos e auto-empregos, no
meio rural, passa pelas etapas seguintes:
a) avaliação dos empregos rurais não agrícolas podendo dar lugar a
planos locais (municipais) de desenvolvimento;
b) avaliação do potencial de emprego e auto-emprego de sistemas
agropecuários familiares que combinam a policultura com ativi-
dades pecuárias, aqüicultura e produções agroflorestais, com es-
pecial destaque para sistemas com culturas perenes que atuam
simultaneamente como sumidouros do carbono e a este título
podem competir por financiamentos especiais; 30
c) em particular, avaliação do efeito multiplicador da renda auferida
pelos trabalhadores do setor de agronegócio constituído pela gran-
de agricultura mecanizada, pouco numerosos, porém bem-re-
munerados (em particular, empregos na construção civil e nos
serviços);
d) análise sistemática das relações entre os pequenos produtores
rurais e as grandes agroindústrias, com vista à transformação de
situações a d v e r s a r i a i s em sinergias p o s i t i v a s m e d i a n t e
reformulação de contratos;
e) alternativamente, organização dos pequenos produtores em coo-
perativas e promoção de pequenas agroindústrias;

25
Lemoine, Françoise: 2003. L'économie chinoise, La découverte, Paris, p. 29.
Dos 168 milhões, 77% estavam empregados em empresas coletivas e 23%
em empreendimentos privados e individuais.
30
Trata-se da venda de certificados de carbono prevista pelo Protocolo de
Kyoto. Insistimos sobre o fato de que a preferência deva ser para sistemas
integrados de produção com fortes impactos sociais e econômicos e não
aos projetos de aflorestamento que constituem a forma mais simples de
venda de serviços ambientais.

128
IGNACY SACHS

f) avaliação do potencial de empregos e auto-empregos ligados à


valorização dos resíduos agrícolas;
g) avaliação do potencial de empregos e auto-empregos voltados à
gestão do meio ambiente, dos solos, águas e florestas;
h) por último, identificação de novas oportunidades de geração de
empregos e auto-empregos por meio da valorização das biomassas,
tema que será tratado na próxima seção deste trabalho.

Empregos e auto-empregos ligados à valorização


das biomassas
O Brasil possui a maior biodiversidade do mundo. Seu extenso
território abriga ecossistemas variados, em sua maioria dotados de
recursos hídricos abundantes e de climas favoráveis à produção de
biomassas as mais variadas, terrestres, florestais e aquáticas. A maior
floresta tropical do mundo está localizada na Amazônia brasileira.
As reservas de solos agriculturáveis são calculadas em dezenas de
milhões de hectares, sem contar com a possibilidade de transfor-
mar em culturas os extensos pastos. Em outras palavras, a frontei-
ra agrícola ainda pode avançar, mantendo integralmente em pé as
florestas intocadas, conquanto sejam respeitadas as regras de ma-
nejo ecologicamente sustentável dos recursos naturais.
Por último, o país dispõe de uma base científica sólida nas áreas
da agronomia e biologia que lhe permite avançar no caminho da
revolução duplamente verde e da revolução azul.31

31
A revolução duplamente verde (evergreen revolution, na terminologia do agrôno-
mo indiano M. S. Swaminathan) busca simultaneamente avanços tecnológicos
de produtividade e sustentabilidade ambiental. A revolução azul diz respeito
à passagem da caça e coleta ao cultivo de espécies que vivem no meio aquáti-
co. Ela se encontra ainda numa fase incipiente. As potencialidades do Brasil
resultam da combinação de uma extensa faixa litorânea do oceano Atlântico,
em parte protegida pelos recifes de coral, com os ecossistemas amazônicos, o
Pantanal e, por fim, os numerosos lagos de represa.

129
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

Nenhum outro país do mundo reúne condições igualmente favo-


ráveis à criação gradual de uma nova civilização sustentável dos
t r ó p i c o s , b a s e a d a na e x p l o r a ç ã o s i s t e m á t i c a do t r i n ô m i o
biodiversidade-biomassas-biotecnologias, estas últimas aplicadas nas
duas pontas para aumentar a produtividade das biomassas e abrir o
leque dos produtos dela derivados.
As biomassas têm oito usos principais: alimentos, ração animal,
bioenergia, fertilizantes, materiais de construção, matérias-primas
industriais (fibras, celulose, óleos, resinas etc.), fármacos e cos-
méticos. Neste elenco, convém ressaltar as bioenergias que permi-
tem a substituição das energias fósseis e, portanto, contribuem para
a luta contra o efeito estufa. O Brasil foi pioneiro, em escala mundi-
al, com o seu plano Pró-Álcool, que está longe de ter esgotado as
suas potencialidades.
A identificação sistemática de novas oportunidades de aproveita-
mento de biomassas e a quantificação do número de empregos e
auto-empregos que poderão ser gerados constituem uma prioridade
para o BNDES, como ficou claro no seminário "A inclusão social
pelo trabalho decente e o sistema de fomento", promovido por este
banco, em setembro de 2003, em cooperação com a ABDE e a OIT.32
Um passo importante nesta direção seria a confecção de um
atlas seletivo de biodiversidade para as diferentes ecorregiões do
país, tarefa esta que os pesquisadores da EMBRAPA estão dispos-
tos a empreender. 33 Desde já, podemos adiantar vários temas
prioritários.

32
Rumos, de setembro-outubro de 2003, publicou uma extensa reportagem
sobre este evento.
33
Esta é também uma área para potencial cooperação entre os pesquisadores
brasileiros e indianos. A declaração de Brasília, de 6 de junho de 2003,
pelos ministros das Relações Exteriores do Brasil, da África do Sul e da
índia, cita as biotecnologias, as fontes alternativas de energia e a agricul-
tura, entre os setores científicos e tecnológicos nos quais os três países
pretendem ampliar a cooperação.

130
IGNACY SACHS

a) do Pró-Álcool ao Pró-Cana:

O Pró-Álcool foi implementado como um programa de econo-


mia de guerra num breve lapso de tempo, sem se olhar os custos da
operação. Ele permitiu ao Brasil reduzir a sua dependência com re-
lação às importações de petróleo e provou ainda que a aditivação do
álcool à gasolina não criava problemas no funcionamento dos mo-
tores de automóvel, em que pesem as restrições que, na época,
foram emitidas. Fundamentado numa aliança entre os grandes
usineiros, as montadoras, as indústrias nacionais de equipamentos
e o Estado autoritário, ele contribuiu para a concentração de terras
e de capital, implantando quase todas as unidades de produção em
São Paulo e no Nordeste.
A concentração espacial resultou num altíssimo custo de trans-
porte do álcool através do subcontinente brasileiro. Provavelmente,
foi um erro autorizar a circulação dos carros movidos a álcool no
país inteiro, em vez de se usar esta tecnologia para frotas de circu-
lação restrita (viaturas de serviço público, transporte coletivo).
O projeto de incentivar a construção de dezenas de milhares de
micro e miniusinas para o abastecimento local de combustível e
reduzir, desta maneira, o custo de distribuição do álcool foi encami-
nhado pelo Ministério da Indústria, mas nunca chegou a ser discu-
tido pelo Congresso.
Por outro lado, faltou um programa gêmeo para a substituição
parcial do óleo diesel por óleos vegetais, criando uma situação insó-
lita: o Brasil era obrigado a continuar a importar petróleo para aten-
der à demanda pelo diesel, ficando com sobras de gasolina que eram
vendidas no exterior a um preço muito baixo.
Por fim, todo o esforço foi concentrado sobre o álcool e o açú-
car, dando-se pouca atenção ao aproveitamento dos demais
subprodutos da cana-de-açúcar, a começar pelo bagaço e pelo
vinhoto. A sucroquímica e a alcoolquímica tampouco tiveram o
desenvolvimento que se poderia esperar.

14 1
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

Estas observações são importantes, hoje, quando se fala da even-


tual duplicação da produção do álcool para atender à demanda exte-
rior, principalmente do Japão. Pensamos que esta duplicação pode-
rá ocorrer sem se repetir os erros do primeiro Pró-Álcool e deveria
se dar primordialmente por intermédio da implantação de micro e
miniusinas no interior do país, aproveitando o potencial das grandes
unidades já instaladas para a exportação.
Outrossim, esta é uma oportunidade para se analisar a cadeia da
cana com o intuito de sua racionalização e densificação em ativida-
des econômicas anexas geradoras de emprego e renda. Acredita-
mos que esta cadeia proporciona oportunidades de criação de em-
preendimentos de pequeno porte, cooperativos ou privados, para se
aproveitar melhor a palhagem, o bagaço, 34 o vinhoto (tratado no
biodigestor) e as proteínas recuperadas das águas de lavagem. Como
já foi dito, existe ainda um vasto campo para a diversificação dos
produtos derivados do açúcar e do álcool, a começar pela exporta-
ção de produtos como o chocolate, em vez do açúcar e do cacau.
Um projeto voltado para estes problemas está sendo organizado
no estado de Pernambuco, numa parceria do SEBRAE-PE, SEBRAE-
Nacional e a Confederação Pernambucana das Indústrias. Seria so-
bremodo interessante a replicação deste projeto no estado de São
Paulo.

b) Pró-Óleo:

O governo lançou recentemente o Programa Brasileiro de De-


senvolvimento Tecnológico de Biodiesel (Probiodiesel) e o presi-
dente da República inaugurou, em Piracicaba, o Pólo Nacional de
Biocombustíveis, que funcionará na ESALQ-USP. Junto com o La-

34
Fonte potencial de cogeração de energia, matéria-prima para a produção de
papel, de briquetes que substituem o carvão vegetal, de materiais de cons-
trução, de fibras para uso industrial e sob forma hidrolizada, ração para
gado leiteiro.

132
IGNACY SACHS

boratório de Desenvolvimento de Tecnologias Limpas (Ladetel), este


pólo vai desempenhar um papel importante na formulação e
implementação do Probiodiesel.
O Ladetel está atualmente trabalhando sobre onze variantes de
óleos vegetais que podem servir de aditivo ao diesel: soja, amendoim,
girassol, algodão, milho, canola, mamona, pequi, macaúba, babaçu,
dendê, além de óleos de recuperação utilizados para fritura nos res-
taurantes. A UFPE concentra os seus estudos sobre a soja.
Aparentemente, todos estes estudos têm um cunho técnico privile-
giando a produtividade e os custos. Pensamos que a avaliação das dife-
rentes opções para a aditivação de óleos ao diesel deveria ser objeto de
uma avaliação mais ampla, incluindo critérios sociais e ambientais, além
de considerações de estratégia de desenvolvimento regional. Senão,
corremos o risco que o biodiesel venha a ser mais um fator de expan-
são da cultura de soja, inclusive em áreas ambientalmente pouco adap-
tadas para este cultivo, e que se perca assim a oportunidade de gerar
um número mais elevado de empregos e auto-empregos pela escolha
de plantas que proporcionam maior oferta de ocupação e se enquadram
melhor em sistemas policulturais da agricultura familiar. Do ponto de
vista ambiental, um critério essencial para o Nordeste semi-árido é a
escolha de plantas que requerem pouca água (enquanto a Amazônia
deveria se especializar em culturas aqüívoras).
A Agência USP de Inovação Tecnológica, que está sendo forma-
da, poderia servir de ponto focai para a avaliação abrangente dos
óleos vegetais candidatos ao Probiodiesel, em cooperação com a
EMBRAPA. O SEBRAE e a ABDE (que representa o sistema de
fomento) constituem, a nosso ver, parceiros potenciais neste em-
preendimento, na medida em que estão interessados em identificar,
promover e viabilizar, do ponto de vista da arquitetura financeira, os
empreendimentos de pequeno porte que possam surgir ao longo da
cadeia de produção de óleos vegetais desde o campo até a fase de
processamento.

133
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

Este projeto poderá ocorrer em unidades pequenas, de prefe-


rência cooperativas, ou dar ensejo a uma integração dos pequenos
produtores de biomassa com agroindústrias de porte maior. Con-
vém lembrar aqui o conceito de refinarias de biomassas, formula-
do pelo agrônomo indiano M. S. Swaminathan, que se encarrega-
riam da primeira fase de processamento de maneira a reduzir o
volume do semiproduto encaminhado para unidades industriais de
grande porte.
O Probiodiesel prevê, por enquanto, a aditivação de 5% de óleo
vegetal ao diesel. Tudo indica que este percentual poderá ulterior-
mente aumentar significativamente, a exemplo do que aconteceu
com a mistura do álcool com a gasolina, abrindo enormes perspec-
tivas para o cultivo das plantas oleaginosas.
O estudo dos óleos vegetais não se deve restringir aos seus usos
energéticos. O Brasil está atualmente importando óleos vegetais,
em particular o óleo de dendê, para consumo humano. Este poten-
cial de substituição de importações merece figurar alto na lista das
prioridades do país.
A cultura do dendezeiro (originário da África e amplamente di-
fundido na Ásia) encontra um ambiente favorável em várias áreas
da Amazônia e na Zona da Mata da Bahia. Estudos indicam que, no
mercado mundial, o óleo de dendê é cada vez mais procurado. O
seu cultivo é bastante intensivo em mão-de-obra. Dez hectares de
dendezeiros requerem um trabalhador a tempo integral durante o
ano todo. Como se trata de uma cultura perene, a plantação funcio-
na como um sumidouro do carbono. Na Malásia, as plantações de
dendê serviram de base à reforma agrária.
No contexto brasileiro, a pedido do governo do Amapá, chegou
a ser elaborada, no ano de 2001 (porém não implementada), uma
proposta de assentamentos de reforma agrária para ocupar terras já
desmatadas da Amazônia com plantações de dendezeiro, à razão de
dez hectares para cada família assentada, complementados por ou-

134
IGNACY SACHS

tros dez hectares para cultivos de subsistência e agroflorestais. 35


Entendimentos mantidos, na época, com uma grande empresa nacio-
nal especializada na produção do óleo de dendê indicaram a sua
disposição em colocar uma usina de processamento conquanto o
assentamento tivesse uma área de 5000 hectares cultivados com
dendezeiros. A empresa se encarregaria de oferecer as mudas, da-
ria a assistência técnica aos assentados e assinaria um contrato de
compra exclusiva dos cachos de dendê a um preço estipulado em
percentual do preço mundial do óleo de dendê. Tudo indica que um
assentamento deste tipo, além das inegáveis vantagens ambientais
(recuperação dos solos, seqüestro do carbono), proporcionaria aos
assentados de três a quatro ocupações com rendimentos decentes
por família, contando-se os empregos agrícolas, as atividades de
subsistência, os empregos na fábrica, no transporte, nos serviços
técnicos, sociais, administrativos e pessoais, além do comércio lo-
cal. Um assentamento de 500 famílias se transformaria, em poucos
anos, numa próspera vila agroindustrial.
O projeto suscitou grande interesse por parte das autoridades
federais, porém, por circunstâncias que não vem ao caso discutir,
não saiu do papel. Ele pode servir, no entanto, de protótipo para
projetos de reforma agrária e de desenvolvimento rural sustentável
e integrado construídos ao redor de um cultivo perene. Como já foi
dito, extensas áreas da Amazônia legal prestam-se à implementação
dos projetos de dendê.

c) Madeira e fibras:

Um outro componente do complexo agrobioindustrial a ser cui-


dadosamente estudado, focalizando-se a articulação dos produtores

35
O projeto elaborado pelo SEBRAE, em colaboração com o Ministério da
Reforma Agrária, contou com a valiosa contribuição dos professores Ademar
Ribeiro Romeiro (Unicamp/IE e Embrapa), Paulo Choji Kitamura (Embrapa
/ Cnpma) e Paulo Yoshio Kageyama (USP / ESALQ, atualmente MMA).

135
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

familiares com a grande indústria, é o da produção da madeira, com


especial destaque para quatro temas:
• as florestas familiares (a serem preferidas às Fonas) e o seu
encadeamento com as madeireiras na Amazônia;
• integração do plantio de eucaliptos e outras espécies para celu-
lose nos projetos de desenvolvimento rural integrado e susten-
tável;
• produção de fibras vegetais com potencial de aproveitamento
industrial inovador (por exemplo, uso de fibras vegetais na
construção de automóveis);
• diversificação de materiais de construção de origem vegetal
(bambu, fibras etc.).

d) O potencial da revolução azul:

A revolução azul, ou seja, a passagem da caça e coleta de espé-


cies aquáticas e anfíbias para a sua criação e cultivo, encontra-se
ainda numa fase incipiente, porém de crescimento rápido em nível
mundial. Em 1970, a piscicultura respondia por apenas 3,9% da
produção total do pescado. Este percentual subiu para 27,3%, no
ano 2000.
No Brasil, a indústria do camarão tem crescido à taxa de 50% ao
ano, e devia alcançar, em 2003, 90 mil toneladas cultivadas sobre
14.000 hectares de tanques, alcançando uma produtividade excepcio-
nalmente alta de 6,4 toneladas por hectare e gerando cerca de 48 mil
empregos diretos. Na Tailândia, um dos líderes deste mercado, com
260.000 toneladas, em 2002, a produtividade é de 3,4 toneladas/ha/
ano.36 Estima-se que foram exportados cerca de US$ 240 milhões,

36
Em 2002, a produção mundial de camarão foi de 1,3 milhões de toneladas
sobre pouco mais de 2 mil hectares e uma produtividade média de apenas
644 kg/ha/ano. O maior produtor foi a China, com 311 mil toneladas.

136
IGNACY SACHS

em 2003, o que confere à indústria do camarão do Nordeste o segun-


do lugar na exportação depois do açúcar. Infelizmente, surgem fortes
críticas com relação aos impactos ambientais desta atividade. Os exem-
plos ao Equador e das Filipinas estão lá para sinalizar os perigos daí
decorrentes. Por outro lado, os pequenos produtores queixam-se de
um padrão insatisfatório de relacionamento com as grandes empre-
sas do ramo que cobram taxas excessivas pela administração e assis-
tência técnica, porém, nas condições atuais, constituem o indispen-
sável elo intermediário para se alcançar os mercados.37
A piscicultura foi responsável, em 2003, pela produção de 120 mil
toneladas. Entre as espécies nativas de peixes, poucas são ainda as
cultivadas em escala comercial, apesar das excelentes qualidades
gustativas: tambaqui, pacu, jundiá e matrichã.38 O potencial brasileiro
para aqüicultura marinha e em águas continentais é excepcional. Não
há razão para que os peixes não passem a constituir uma fonte impor-
tante de proteína animal na dieta dos brasileiros. A introdução da
piscicultura nos sistemas integrados de agricultura familiar pode con-
tribuir decisivamente para sua maior rentabilidade.39

Empregos nos setores não comerciáveis da economia


Como já foi dito, por não estarem submetidos à competição inter-
nacional, os setores de produção de bens e serviços não comerciáveis
deixam uma maior margem de liberdade à escolha de tecnologias. Em
vez de aceitar os padrões dos países mais avançados, é possível lan-

37
Ver Biondi, A., "A guerra do camarão - enquanto produtores americanos
acusam os brasileiros de dumping, no Nordeste, o crustáceo gera fortunas
e conflitos", in Carta Capital, 21 de Janeiro de 2004, pp. 8-14.
38
Dados citados por Philip C. Scott, em entrevista a Rumos, setembro-outu-
bro de 2003.
39
Segundo certos pesquisadores, faz sentido agregar um módulo de piscicultura
nos sistemas integrados de produção de alimentos e energia a partir da cana-
de-açúcar, já que o vinhoto pode ser aproveitado como ração para peixes.

137
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

çar mão de tecnologias de menor intensidade de capital. É claro que


se deve estipular para cada país e momento a produtividade de traba-
lho mínima abaixo da qual não faz sentido descer. Convém sempre
ter presente a diferença entre estratégias de mera sobrevivência -
logradas, muitas vezes, mediante um esforço extenuante, porém de
baixíssima produtividade - e estratégias de desenvolvimento que im-
plicam um piso de produtividade além do seu contínuo aumento.
Com estas ressalvas, pensamos que, nas condições brasileiras,
existem consideráveis reservas de emprego condicionadas por uma
escolha mais criteriosa das tecnologias nos setores de produção
de não comerciáveis, que passamos a comentar brevemente.

a) Os serviços sociais ministrados pelas redes de educação, saúde


pública e assistência social:

Paradoxalmente, os países pobres deveriam carregar a sua fun-


ção-objetivo com os serviços desta natureza enquanto o nível geral
de salários permanece baixo, em vez de postergar o desenvolvi-
mento social para uma fase ulterior do seu crescimento. Os profes-
sores primários, para citar um exemplo, são tão "produtivos" nos
países pobres quanto nos países ricos: nos dois casos, o professor
toma conta do mesmo número de alunos. Porém, o seu custo é bem
inferior nos países pobres que, por assim dizer, gozam de vanta-
gens comparativas nas atividades intensivas em mão-de-obra qua-
lificada, que exigem investimento módico por posto de trabalho
criado. Em outras palavras, o desenvolvimento social não deve es-
perar pelo desenvolvimento econômico e a seqüência histórica se-
guida pelos países industrializados deve ser invertida. 40

40
Apresentei este argumento, que figura proeminentemente em vários traba-
lhos ulteriores de Amartya Sen, no artigo "Welfare State in poor countries",
in Economic and PoliticalWeekly, Bombay, vol. VI, n° 3-4, janeiro de 1971,
pp. 367-370. O sucesso recente da Índia na exportação de softwares e de
serviços relacionados às novas tecnologias de informação e comunicação
(NTIC) baseia-se nesta mesma vantagem comparativa.

138
IGNACY SACHS

Pelo fato de contribuir diretamente ao bem-estar da população, a


universalização do acesso aos serviços sociais afigura-se como uma
componente essencial do tripé de desenvolvimento ineludente, sus-
tentável e sustentado. Em que pesem as investidas dos economistas
neoliberais contra a hipertrofia do aparelho do Estado, a demanda
por serviços sociais está longe de ser saturada, inclusive nos países
mais ricos do planeta. O escopo, volume e qualidade destes servi-
ços oferecem numerosas oportunidades de emprego e um campo
de atuação para organismos públicos, OSCIPs, e diferentes parce-
rias entre o público e o privado (PPP). Sem dúvida, as administra-
ções pletóricas devem ser reduzidas, ao passo que o número de
agentes dos serviços sociais aumenta. Desde 1997, a Grã-Bretanha
criou 500 mil empregos adicionais nos serviços públicos, ou seja, a
metade de todos os empregos gerados.

b) Serviços, comércio, turismo:

Pela facilidade de entrada, os serviços domésticos e o comércio


ambulante (camelôs, sacoleiras) são as atividades que hoje abrigam
contingentes pletóricos da mão-de-obra em busca de estratégias de
sobrevivência. Estas ocupações precárias e mal remuneradas fun-
cionam como a válvula de segurança do capitalismo selvagem.
Na maioria dos casos, sua desinformalização e transformação
gradual em trabalho decente será acompanhada da redução dos efe-
tivos. Em compensação, há espaço para se expandir serviços técni-
cos e pessoais em forma de ocupações decentes para trabalhadores
por conta própria, cooperativas de serviços e micro e pequenas
empresas.
Os serviços de manutenção merecem um comentário. A boa
manutenção do estoque existente de equipamentos, das infra-estru-
turas, do parque imobiliário e viário, resulta numa prorrogação de
sua vida útil e, portanto, na redução da demanda pelo capital de
reposição. Ceteris paribus, isto significa uma disponibilidade maior

139
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

de capital para investimento líquido. Trata-se, portanto, de uma


importante e subestimada alavanca de desenvolvimento.
O mesmo pode ser dito de atividades que poupam os recursos
naturais, mediante conservação de solos, água e energia, reciclagem
do lixo e dos materiais e aproveitamento dos resíduos agrícolas etc.
Elas resultam numa maior produtividade dos recursos e, portanto,
contribuem assim para um maior crescimento do PIB. Trata-se de
um conjunto de atividades intensivas em mão-de-obra e que deveria
ser objeto de um cuidado especial, tanto mais que elas contribuem
para a sustentabilidade ecológica do processo de desenvolvimento.
A absorção da mão-de-obra pelo setor de turismo vai depender
do modelo adotado. Quer nos parecer que o potencial de atração do
Brasil para turistas e s t r a n g e i r o s e n d i n h e i r a d o s está sendo
sobreestimado. A competição internacional, neste setor de servi-
ços, já é acirrada e os investimentos em redes de hotéis de luxo são
muito dispendiosos. No entanto, o turismo interno de massas e a
organização de colônias de férias para trabalhadores e escolares não
estão recebendo a devida atenção.
O sucesso dos rodeios de Barretos aponta para o efeito indutor
de festas populares, festivais, cerimônias religiosas, espetáculos
artísticos e esportivos, além do carnaval. O verdadeiro turismo eco-
lógico (denominação usada hoje abusivamente) nunca poderá ser
de massas, mas está se impondo como um ramo de atividades a ser
integrado nas estratégias de desenvolvimento local de numerosas
microrregiões.

c) A construção civil, com especial destaque para a construção de


moradias de maneira a reduzir o déficit calculado em vários milhões
de unidades habitacionais:

Trata-se de uma indústria na qual as tecnologias intensivas em


mão-de-obra encontram ainda um vasto campo de aplicação que
poderia ser ainda mais ampliado ao se lançar mão da inclusão de

140
IGNACY SACHS

cláusulas apropriadas nos termos das licitações públicas e nos con-


tratos de financiamento por bancos públicos. Pensamos que os ban-
cos públicos e o sistema de fomento podem desempenhar um papel
relevante no redirecionamento das tecnologias para a produção de
bens não comerciáveis.
A tradição do mutirão está arraigada na cultura brasileira. Daí o
interesse em se promover grandes programas de construção de
moradias populares por meio de mutirão assistido, ou seja, devida-
mente enquadrado por assistência técnica, dispondo de créditos para
a aquisição de materiais de construção por parte dos futuros mora-
dores e provido com terrenos viabilizados. Convém observar que o
trabalho fornecido pelos futuros moradores constitui uma forma de
poupança não monetária, aumentando ceteris paribus o volume do
investimento realizado no país.

d) As obras públicas:

Como a construção civil, as obras públicas permitem escolher


tecnologias de grande intensidade em mão-de-obra, conquanto se
respeite um limite mínimo de produtividade de trabalho, abaixo do
qual as frentes de trabalho passam a constituir uma política
assistencial e não mais um instrumento de política econômica.
Entre as obras públicas, destacam-se aquelas que têm um retor-
no rápido, tais como construção de cisternas no Nordeste, de pe-
quenos perímetros de irrigação, de estradas vicinais, de calçamento
de ruas etc. O saneamento foi reconhecido ajusto título como uma
prioridade.
A c r e d i t a m o s que o v o l u m e de obras públicas p o d e ser
grandemente expandido ao se dar uma interpretação menos restritiva
ao conceito de responsabilidade fiscal. Não há razão para se pensar
que um afrouxamento de créditos para estas obras resulte numa
pressão inflacionária, conquanto a agricultura e a indústria brasilei-
ras sejam capazes de enxugar a demanda adicional por bens de sa-

14 1
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

lário com uma oferta elástica destes bens a preços estáveis. Esta
condição existe no presente.
A participação de cooperativas de trabalho genuínas, devida-
mente fiscalizadas no que diz respeito às leis trabalhistas e
previdenciárias, recomenda-se fortemente, podendo se dar em for-
ma de contratos diretos ou de subcontratação por empreiteiras.
Mais uma vez, convém lembrar aqui o papel que os bancos pú-
blicos e o sistema de fomento podem desempenhar na promoção de
tecnologias apropriadas. 41

Indústrias naturalmente intensivas em mão-de-obra


e artesanato
Ao contrário do setor de produção dos não comerciáveis, as
indústrias naturalmente intensivas em mão-de-obra (têxtil, confec-
ções, sapatos, móveis etc.) estão expostas a uma competição inter-
nacional acirrada, já que quase todos os países menos desenvolvi-
dos apostam neste nicho do mercado. O que está acontecendo no
mercado de calçados é emblemático. As grandes empresas
multinacionais que controlam o acesso ao mercado de países in-
dustrializados deslocam a sua produção para as zonas francas dos
países que oferecem o menor custo de produção, ou seja, salários
extremamente baixos, longas jornadas de trabalho e isenções de
impostos e taxas alfandegárias, a começar pela China. 42

41
Em seu primeiro pronunciamento, o novo ministro do Trabalho, Ricardo
Berzoini, indicou que pretende dar um grande destaque às políticas de
combate ao desemprego, à cooperação do seu ministério com os bancos
estatais (O Globo, 25 de janeiro de 2004).
42
Os industriais do calçado chineses contrataram numerosos técnicos brasi-
leiros, conseguindo uma entrada espetacular no mercado norte-america-
no, no qual o Brasil encontra dificuldades crescentes em se manter. Nume-
rosas indústrias maquiladoras no México, localizadas ao longo da frontei-
ra estadunidense, foram adquiridas por empresários chineses, que as fe-
charam, transferindo a produção para a China e causando uma grave crise
de desemprego no México.

142
IGNACY SACHS

A termo, esta competição selvagem gera, para países como o


Brasil, problemas tão graves quanto o protecionismo dos países
industrializados com respeito aos produtos agrícolas. Daí a impor-
tância de se colocar este tema na pauta das negociações entre os
membros dos recém-formados G-3 (Brasil, índia e África do Sul) e
G-20.
Em paralelo, é preciso envidar esforços para racionalizar es-
tas indústrias de maneira a garantir a sua parcela do mercado
interno. Esta racionalização passa pelo fortalecimento dos pou-
cos APLs hoje existentes e políticas de apoio à emergência e
consolidação de novos APLs, em outras palavras, na rearticulação
das relações entre grandes empresas e empreendimentos de pe-
queno porte, e na p r o m o ç ã o das m a i s variadas f o r m a s de
empreendedorismo coletivo a montante (serviços técnicos, trei-
namento da mão-de-obra, design, compras coletivas) e a jusante
(comercialização). Deve-se contemplar ainda a criação de ban-
cos de APLs.
Em que pese a competição internacional, o Brasil tem condições
para identificar nichos de exportação em certos ramos de confec-
ção (roupas de praia) e indústria de móveis, esta última favorecida
pela abundante oferta de madeiras de lei e de couros.
Várias regiões do Brasil possuem um artesanato artístico de qua-
lidade, por enquanto insuficientemente conhecido no mundo e pou-
co utilizado pelas redes nacionais de hotéis e restaurantes, um mer-
cado institucional potencialmente grande. Ao mesmo tempo, é pre-
ciso tomar cuidado para que este artesanato não seja desnaturalizado
por meio de uma produção de massa de pacotilha, como aconteceu
em países que têm uma grande tradição de artesanato artístico, como
a índia ou o México.
Pensamos que o artesanato artístico deveria ser objeto de um
programa abrangente: criação de escolas vocacionais, bolsas para
artistas populares, concursos anuais com numerosos prêmios de

143
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

aquisição (uma maneira de se constituir um acervo de peças para


museus e exposições itinerantes), intermediação entre os artesãos e
os mercados institucionais, promoção do artesanato artístico brasi-
leiro no exterior.

Empreendimentos de pequeno porte


Devido ao seu grande peso na estrutura de empregos e auto-
empregos, a consolidação, expansão e geração de empreendi-
mentos de pequeno porte devem ocupar um lugar de destaque na
estratégia de inclusão social pelo trabalho decente. O relatório já
citado do SEBRAE-PNUD mostrou a enorme heterogeneidade
deste setor da economia e a conseqüente necessidade de se de-
senhar políticas diferenciadas para os seus diferentes segmen-
tos:
• os trabalhadores por conta própria que se subdividem em duas
categorias bem distintas, os empenhados em atividades de bai-
xa qualificação (vendedores ambulantes, sacoleiras, prestadores
de serviços domésticos e pessoais etc.) e os prestadores de
serviços profissionais altamente qualificados;
• micro e pequenas empresas com atividades informais;
• micro e pequenas empresas atuando na economia formal;
• trabalhadores por conta própria, micro e pequenas empresas
pertencentes ao setor cooperativo, às entidades sem fim lu-
crativo e demais formas de economia solidária.
De uma maneira geral, o que caracteriza os empreendimentos
de pequeno porte é o reduzido custo em capital de entrada na
atividade. O coeficiente capital/trabalho (i) é baixo (com a exce-
ção de certos serviços profissionais que requerem equipamentos
de alta tecnologia). Porém, a contraparte de um i módico é cons-
tituída por um coeficiente baixo produto/trabalho (p), ao ponto
de acarretar, em muitos casos, um coeficiente alto de capital/

144
IGNACY SACHS

produto (fc).43 Os três coeficientes estão ligados pela identidade:


i - kp.
A maioria dos pequenos empreendedores é obrigada, pela baixa
produtividade do seu trabalho, a buscar a competitividade por meio
de expedientes conhecidos como fatores de competitividade espú-
ria'. baixos salários, ausência de proteção social, longas jornadas de
trabalho, sonegação de impostos, condições de trabalho insalubres.
Em outras palavras, para enfrentar os rigores do darwinismo social
no mercado, eles não têm outra solução a não ser mergulhar na
informalidade. Os próprios interessados são as primeiras vítimas
do trabalho precário, porém a sociedade toda sai perdendo. O Esta-
do deixa de arrecadar, ao mesmo tempo, a luta contra a pobreza sob
forma de ações focalizadas assistenciais drena recursos que devem
ser desviados de investimentos direcionados à inclusão social pelo
trabalho decente.
Por isto consideramos que a desinformalízação dos empreendi-
mentos de pequeno porte e o aumento contínuo da sua produtivida-
de de trabalho constituem as prioridades máximas nas políticas vol-
tadas para este setor da economia. Ao mesmo tempo, é necessário
consolidar as MPEs existentes e diminuir os altos índices de morta-
lidade observados atualmente. A concentração dos esforços na pro-
moção de novos empreendimentos fadados a desaparecer em me-
ses ou em poucos anos assemelha-se a um trabalho de Sísifo. Por
último, deve-se pensar na expansão das empresas de pequeno porte

43
Um £alto em atividades de baixa tecnologia é um resultado contra-intuiti-
vo. O famoso ambar-cbarka (roda de fiar) de Gandhi, símbolo da resistên-
cia indiana aos britânicos, era muito barato, porém excessivamente pouco
produtivo, levando o coeficiente capital/produto k a um nível bem supe-
rior ao prevalecente nas fiações industriais. Já o caso era bem diferente
com relação aos teares manuais. Por isso, durante várias décadas, para
salvar os empregos artesanais, a índia aplicou uma política que protegia os
tecelões trabalhando em teares manuais com fios de origem industrial.

145
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

existentes e, sempre que possível, na sua graduação para a catego-


ria de médias empresas. 44
A saída da informalidade requer um feixe de políticas públi-
cas complementares inspiradas pelo princípio de tratamento de-
sigual dos desiguais, no caso, ações afirmativas em favor dos
empreendedores mais fracos, para que possam, com o tempo,
enfrentar o mercado em condições de competitividade genuína e
de produtividade suficiente para proporcionar postos de trabalho
decente.

Listamos a seguir as políticas que se fazem necessárias:


• a desburocratização do processo de criação de novos empre-
endimentos (micro e pequenas empresas, cooperativas, con-
sórcios, associações de produtores etc), em outras palavras,
um Fácil mais fácil, mais abrangente e mais barato;
• um regime fiscal com alíquotas mais baixas, ou seja, um Sim-
ples mais abrangente, incluindo os impostos federais, estadu-
ais e municipais;
• um Simples previdenciário;
• acesso amplo a créditos preferenciais;

44
Pensamos que um crédito de imposto associado à geração do primeiro
emprego adicional numa microempresa poderia resultar numa expansão
significativa de emprego. O aprendizado, devidamente institucionalizado,
pode constituir uma forma importante de criação de oportunidades de
trabalho nas microempresas artesanais, como mostra a experiência de vá-
rios países industrializados. Por outro lado, a legislação fiscal atual não é
favorável à graduação de MPEs na medida em que a passagem do Simples
para o regime geral implica um grande aumento da carga tributária. Deve-
ria-se pensar numa maneira de se atenuar este choque, prevendo, por
exemplo, reduções progressivas da alíquota nos três primeiros anos que
seguem à graduação.

146
IGNACY SACHS

• acesso aos mercados, por meio de um regime preferencial nas


compras públicas e licitações de obras públicas; 45
• acesso às tecnologias apropriadas, que provavelmente vai exi-
gir a criação de um serviço de extensão análogo aos serviços
de extensão rural;
• promoção de todas as formas de empreendedorismo coletivo,
o mais importante instrumento de fortalecimento de pequenos
empreendedores no enfrentamento do mercado como com-
pradores, vendedores e fornecedores de bens e serviços com
especial destaque para a consolidação dos Arranjos Produti-
vos Locais existentes e emergentes; este é um campo de atu-
ação para instituições como o SEBRAE, os sindicatos, a OIT,
a OCB e as incubadoras da economia solidária que estão sur-
gindo em várias universidades;
• racionalização da articulação entre as grandes empresas e os
empreendimentos de pequeno porte, de maneira a amenizar
as relações adversariais, promover, na medida do possível,
sinergias positivas (subcontratações, terciarizações, integração
nas agroindústrias, franquias etc.), 46 e lograr a necessária

45
A legislação atual, baseada no princípio de aquisição pelo menor custo, não
permite incluir outros critérios (sociais e ambientais). N a prática, ela
discrimina negativamente os empreendedores de pequeno porte que não
têm condições de atender às múltiplas exigências do processo de licitação.
Existe também uma discriminação de fato contra as cooperativas de traba-
lho, como se todas fossem cooperativas de gatos criadas para burlar as leis
trabalhistas. As cooperativas de gatos devem ser rigorosamente combati-
das. Ao mesmo tempo, deve-se instaurar um regime preferencial para au-
tênticas cooperativas de trabalho.
46
Um importante estudo do W I D E R ("World Institute for Development
Economic Research), da Universidade das Nações Unidas, coordenado
por Robert Mclntyre e Bruno Dallago, sobre as experiências da transição
à economia de mercado dos países do Leste Europeu, mostrou que, con-
trariamente ao que se esperava, o setor de pequenas empresas não é capaz
por si só de gerar um crescimento econômico bem-sucedido. Para que o

147
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

complementaridade entre a expansão do núcleo modernizador


da economia e o universo dos empreendimentos de pequeno
porte.
Aproveitando o atual debate sobre a reforma tributária, o SEBRAE
nacional está empenhado em promover uma autêntica lei áurea das
MPEs, integrando a maioria das políticas enumeradas acima.
Devido à variedade de configurações, o estudo empírico das saí-
das da informalidade requer um grande número de estudos de caso,
tanto nas regiões metropolitanas como em aglomerações de menor
porte.
A implantação da estratégia de combate à pobreza pela Secreta-
ria do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da Prefeitura de
São Paulo, 47 a atuação do SEBRAE-SP na zona leste de São Paulo e
a próxima criação de um observatório social e econômico da zona
leste no novo campus da USP criam condições favoráveis para um
estudo da maior concentração da pobreza metropolitana no Brasil.
Devemos entender melhor os determinantes do comportamento
dos informais confrontados com o dilema de permanecer nas ativi-

desenvolvimento aconteça, é preciso criar uma relação sinérgica entre os


empreendimentos de p e q u e n o porte e as grandes empresas ( U N U /
W I D E R , "Ten years of transition: what success in building 'market
essence'", Helsinki, 17 de dezembro de 2003. Por outro lado, o recente
escândalo da Parmalat pôs em evidência a existência de um verdadeiro
cartel do leite no Brasil, no qual quatro empresas - Nestlé, Parmalat,
Elegê e Paulista - tinham 70% do mercado, impondo aos pequenos forne-
cedores de leite preços pouco remuneradores. Atualmente, a Nestlé, que,
antes da crise desencadeada pela concordata da Parmalat, pagava RS 0,52
por litro, está pagando R$ 0,43 ("Crise do leite", O Globo, 29 de janeiro
de 2004).
47
Vejam os livros organizados por Márcio Pochmann: Desenvolvimento, traba-
lho e solidariedade: novos caminhos para a inclusão social, São Paulo, Funda-
ção Perseu Abramo/Cortez Ed. 2002; Atlas da exclusão social no Brasil, São
Paulo, Cortez Ed., 2003 (2 vols.); e Outra cidade épossível - alternativas de
inclusão social em São Paulo, São Paulo, Cortez Ed., 2003.

148
IGNACY SACHS

dades informais ou sair delas rumo a uma microempresa (muitas


vezes, unipessoal) ou ainda a uma cooperativa. Para tanto, deve-se
levar em conta a complexidade da economia real urbana, em que se
e n t r e l a ç a m q u a t r o m o d o s de p r o d u ç ã o ( f o r a do m e r c a d o ,
protocapitalista, capitalista e solidário) com os bens e serviços dis-
tribuídos por intermédio de quatro circuitos (a economia domésti-
ca, a economia popular atendendo as populações de baixa renda, os
demais setores da economia de mercado e as compras públicas).
Contrariamente a um preconceito presente na literatura do tema,
não existem duas economias separadas - a formal e a informal - e
sim atividades formais e informais entrelaçadas. A economia popu-
lar, longe do constituir o apanágio exclusivo de artesãos e produto-
res protocapitalistas 48 locais, é objeto de uma intensa competição
entre os empreendedores de pequeno porte, as multinacionais cujos
produtos ali chegam por meio de supermercados e de redes especi-
almente criadas de revendedores, enfim os produtos contrabandeados
duplamente competitivos por não pagarem nenhuma taxa e por te-
rem sido produzidos em países que não hesitam em promover as
suas exportações recorrendo à competitividade espúria. Que im-
pacto terão, nestas condições, as políticas discutidas acima?
Os obstáculos à saída da informalidade apresentam-se sob uma
luz diferente, num caso como o do pólo de confecções do Agreste
Pernambucano que emprega aproximadamente 76 mil pessoas em
12 mil unidades produtivas, das quais 8% apenas são formais. A
produção é de 57 milhões de peças por mês, com um faturamento
mensal superior a R$ 144 milhões. Quase toda a produção é escoa-
da através das três grandes feiras semanais realizadas às segundas
em Caruaru, às terças em Toritama e às quartas em Santa Cruz do

48
U m a m a n e i r a de d i s t i n g u i r um p r o d u t o r p r o t o c a p i t a l i s t a de um
microempresário capitalista é saber se ele faz a devida distinção entre o
bolso da empresa e o bolso familiar.

149
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO

Capibaribe, com a presença de cerca de 45 mil compradores que ali


comparecem, transportados por ônibus especiais. 49
Trata-se de uma forte concentração geográfica de indústrias de
confecção, que atualmente não tem nenhuma semelhança com o tão
atrativo modelo de Arranjos Produtivos Locais encontrado na Terza
Itália. A feição essencial dos APLs é a presença simultânea de com-
petição e cooperação entre os produtores. O que mais falta, no pólo
do Agreste Pernambucano, é a cooperação. A competição é extre-
mamente acirrada e os pequenos produtores locais enfrentam, em
condições adversariais, as empresas de grande porte que as abaste-
cem com tecidos e aviamentos e que vendem a maquinária, os ban-
cos (o crédito é caro e escasso), além de encontrarem dificuldade
para escoar os seus produtos por um método mais eficiente do que
a colportagem por sacoleiras. Para completar o quadro, os produ-
tores locais se queixam da concorrência de produtos chineses que
ali chegam a um preço menor do que os custos de produção locais.
É possível fazer evoluir o pólo de confecções do Agreste para que
se torne um APL? Que políticas seriam necessárias para isso?

Empreendimentos de pequeno porte de alta tecnologia


A sua importância para o desenvolvimento é indiscutível, embo-
ra o seu potencial de geração de empregos seja diminuto. As MPEs
deste tipo complementam o tecido produtivo do núcleo modernizador
e desempenham uma função extremamente útil na interface entre a
pesquisa acadêmica e o setor produtivo. As incubadoras de empre-
sas high-tech junto às universidades constituem um instrumento
eficaz para a sua promoção.

49
Ver Estudo de caracterização econômica do pólo de confecções do Agreste
Pernambucano, relatório final apresentado ao SEBRAE-PE, em maio de
2003. Este estudo foi coordenado pelos professores Maria Cristina Rapo-
so e Gustavo Maia Gomes.

150
IGNACY SACHS

É verdade que a expansão de serviços baseados nas novas


tecnologias de informação e comunicação (NTIC) poderia impactar
o mercado de trabalho, caso o Brasil pudesse se posicionar favora-
velmente nos mercados internacionais, o que não nos parece ser o
caso. A tendência mais provável será um aumento de emprego nes-
te tipo de serviços (não necessariamente em micro e pequenas em-
presas) que não será suficiente para compensar as reduções de
emprego nos bancos e escritórios. A terciarização se traduz por
uma transferência e não uma criação de empregos adicionais.

Em conclusão, pensamos ter mostrado que as potencialidades


para transformar o Brasil em "fábrica de empregos decentes" exis-
tem. A tarefa mais urgente é quantificar aproximativamente o tama-
nho dos diferentes nichos de oportunidades, aprofundando, ao mesmo
tempo, a discussão sobre os obstáculos que devem ser removidos e
as políticas públicas que se fazem necessárias. Sugere-se que o
Ministério do Trabalho promova este estudo, valendo-se do acervo
de dados acumulados pela OIT para estimar o custo dos diferentes
empregos, o conteúdo em divisas dos investimentos propostos, a
capacidade de gerar poupança adicional pelos mutirões, e oferecer
assim um subsídio importante para a elaboração de estratégias lo-
cais e regionais de desenvolvimento. Pela abrangência do estudo, o
Ministério do Trabalho iniciador e gestor do projeto deverá buscar
parcerias com vários outros ministérios, com o BNDES, o IPEA, a
FINEP, a EMBRAPA, a CNI e o SEBRAE, bem como a OIT, o
PNUD e a CEPAL.

151
Este livro foi composto em Times New Roman 10,5/14,5
impresso em papel off-set 90 gr pela PSI7, em São Paulo
para a Editora Garamond no mês de maio de 2012
^ ^ debate sobre o desenvolvimento vem
sendo travado há algumas décadas, mas recen-
temente se intensificou, muitas vezes de
maneira estimulante, com as drásticas
m u d a n ç a s políticas que o m u n d o tem sofrido,
o forte acirramento das tensões sociais e a
incessante degradação do meio ambiente.
Nesse contexto delicado, surge a proposta de
um Desenvolvimento Sustentável como
alternativa desejável - e possível - para
promover a inclusão social, o bem-estar
econômico e a preservação dos recursos n a -
turais.
Essa tese, articulada pelo professor lgnaçy
Sachs, da École des Hautes Études en Sciences
Sociales, conquista cada vez mais apoio em
todo o planeta.

ISBN 857617040-X

Visite-nos em
www.garamond.com.br

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