Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Dissertacaovaleriabittar PDF
Dissertacaovaleriabittar PDF
CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DE
PROFESSORES DE ARTES VISUAIS
Juiz de Fora
2007
TERMO DE APROVAÇÃO
VALÉRIA MAIA SOARES BITTAR
_______________________________________
Prof. Drª. Déa Lúcia Campos Pernambuco
(Orientador)
Programa de Pós-Graduação em Educação, UFJF
_______________________________________
Prof. Drª. Maria Teresa de Assunção Freitas
Programa de Pós-Graduação em Educação, UFJF
_______________________________________
Prof. Drª. Mirian Celeste Ferreira Dias Martins
Programa de Pós-Graduação em Educação, UNESP
AGRADECIMENTOS
Chegar a estas páginas pressupõe que etapas foram vencidas e em cada
agradecer àqueles que ajudaram a construir este trabalho com diálogos, idéias,
RESUMO
Este estudo tem como objetivo compreender as concepções de ensino de Arte de
professores de Artes Visuais e suas práticas na escola. Para tal, fez-se uma
pesquisa qualitativa de abordagem sócio-histórica, buscando uma interlocução
entre autores e pesquisadores do ensino de Arte e da construção social do
conhecimento, articulando-se as idéias dos autores Vygotsky e Bakhtin com a
questão do ensino de Arte na atualidade. Nove professores de escolas públicas e
particulares de Juiz de Fora, Minas Gerais, constituíram-se como sujeitos desta
pesquisa, cujos instrumentos metodológicos foram entrevistas e grupos focais. A
análise dos dados revelou que a concepção de ensino de Arte construída pelos
professores pesquisados coincide com a concepção contemporânea que
considera o ensino dessa disciplina como fonte de aquisição e construção de
conhecimentos, incluindo a arte como um fenômeno da cultura humana que não
pode ser sonegada no âmbito da educação Escolar. Além disso, pôde-se
depreender que os professores de Arte realizam práticas que envolvem trabalhos
interdisciplinares e integradores, fazendo uso da Abordagem Triangular com o
objetivo de desenvolver no aluno capacidades de representar, interpretar,
imaginar, compreender o que o cerca e a si mesmo.
ABSTRACT
This study is aimed at analysing the concepts of Art Teaching as shared by the
teachers of Visual Arts as well as their classroom work. In order to do so, a socio-
historical qualitative research was carried out, seeking for an interaction between
authors and researchers in the field of Visual Art teaching and the social
construction of knowledge, weaving the ideas proposed by Vygotsky and Bakhtin
into the present issue of how to teach Visual Arts. Nine teachers from public and
private schools of Juiz de Fora, in Minas Gerais, were selected as subjects for the
research, which comprised interviews and focal groups. Data analysis revealed
that the concept of Visual Art teaching as constructed by the subjects is the same
as the contemporary view which considers Visual Art teaching as a phenomenon
of human culture which cannot be overlooked within the school context. Apart from
that, Visual Art teachers were found to develop interdisciplinary and integrating
projects, making use of the Abordagem Triangular, aiming at making students
develop the skills of acting, interpreting, imagining and understanding their
surroudings as well as himself.
Key words: Art teaching, Concepts, Classroom work, Teachers´formation, Context.
SUMÁRIO
1. UM MEMORIAL...................................................................................................1
2. O PROCESSO METODOLÓGICO......................................................................7
5. AMPLIANDO FRONTEIRAS...........................................................................108
REFERÊNCIAS...................................................................................................114
ANEXOS..............................................................................................................117
LISTA DE ANEXOS
4. Auto-retratos....................................................................................................121
1
É importante observar que o meio utilizado pelas professoras foi a arte, no caso: artes visuais, arte popular e
literária.
2
O Professor Dr. Bernd Ficthner, é profesor e pesquisador da Universität Siegen, UNI-SIEGEN, Alemanha.
“Vygotsky: a aprendizagem como atividade” causou grande impacto nos
professores, dada a semelhança entre a teoria apresentada por Ficthner e a
prática da escola. O professor Ficthner foi convidado a visitar nossa escola e,
nessa visita, uma conversa com o professor alemão marcou o início de minhas
investigações e de meus estudos sobre Vygotsky. Ele disse: “Você faz o que
Vygotsky fala”. Logo pensei: “Quem será esse tal de Vygotsky?” Para não
demonstrar minha falta de conhecimento em relação ao autor, tratei de concordar
com ele e mudei de assunto. Após esse acontecimento, ficamos sabendo que o
professor alemão iria dar um curso sobre Vygotsky no Centro de Formação do
Professor da Secretaria Municipal de Educação de Juiz de Fora. Participando do
curso, pude conhecer um pouco sobre a teoria vygotskyana e passei a entender
melhor por que minha prática e a de outros professores do projeto tinham
relações com os conceitos trabalhados por ele.
Como fora mencionado, a arte foi escolhida como elemento integrador das
atividades desenvolvidas pelos professores do projeto “Trabalhando com Arte”.
Percebíamos sua capacidade em fazer o elo entre as disciplinas, por ser uma
linguagem que transitava pelos diversos conteúdos. As experiências vividas em
minhas aulas proporcionavam aos alunos estabelecerem uma vinculação da
realidade com a fantasia, o que Vygotsky(1987) considera como a primeira e
principal lei a que se subordina a função imaginativa. Pude observar também que,
principalmente nos dias das apresentações dos trabalhos, uma espécie de
“sentimento social“ ou “efeito catártico” tomava conta da escola, outro ponto
importante trabalhado por Vygotsky(1998) que se mostrava presente nas
semanas culturais.
Tendo Ficthner visitado e apreciado nosso trabalho reiteradas vezes,
concluiu que havíamos criado “um modelo de escola diferenciada”. Este foi o
primeiro reconhecimento que tivemos do trabalho que lutávamos para
desenvolver. Nosso projeto ganhou, também, expressão em Juiz de Fora, tendo
sido notícia da imprensa escrita e televisiva. Em 2001 fomos convidados a
ministrar palestras em um seminário na Universidade de Siegen, na Alemanha.
Eu e mais cinco professores participamos desse seminário, representando a E. M.
Olinda de Paula Magalhães. Todo esse caminho percorrido, pela escola e seus
membros, resultaram na busca pelo aperfeiçoamento e trazendo-me ao mestrado.
Decorre de toda essa experiência, com o ensino de artes e do
entrelaçamento de minhas idéias com diversos autores, o meu interesse em
dialogar com outros profissionais da área, conhecer suas concepções de ensino e
como desenvolvem suas práticas.
Sempre tive um incômodo sentimento de impotência diante da
desvalorização da disciplina de Arte nas escolas. Um sentimento que, embora
fosse amenizado enquanto membro do projeto “Trabalhando com Arte”, estava
presente quando comparava nossa realidade com a realidade da maioria das
escolas que havia trabalhado e, também, quando conversava com outros
professores de Arte. Até mesmo a minha escola deixava a desejar quando o
assunto era, por exemplo, aumentar a carga horária dessa disciplina. Assim, e em
função desses questionamentos, me propus desenvolver esta pesquisa, cuja
questão é compreender as concepções e práticas de professores de Artes
Visuais na escola.
No segundo capítulo faço considerações sobre a metodologia utilizada e
sobre alguns dados referentes aos interlocutores desta pesquisa. Também
esclareço sobre a opção pelo grupo focal e de sua pertinência como método para
a coleta de dados.
No terceiro capítulo estabeleço um diálogo com os autores, observando a
pertinência de suas idéias para a compreensão das concepções de Ensino de
Arte na atualidade, volto um pouco no tempo e exponho algumas conquistas
realizadas por educadores, pesquisadores em arte, buscando trazer para a
atualidade as influências dessas lutas. Procuro esclarecer quais métodos estão
sendo utilizados na aprendizagem artística, falando sobre o potencial da
Abordagem Triangular como sistema metodológico, além de expor sobre a
necessidade da experiência artística para a aquisição de conhecimento e das
possibilidades de construção do saber artístico integrado a outros saberes.
Procuro compreender, no quarto capítulo, as práticas de professores de
Arte e as concepções de ensino dessa disciplina através das análises dos dados
colhidos nos encontros dos grupos focais descritos nesta dissertação. Procuro
apresentar minha questão de estudo como mais um elo na cadeia desses
enunciados. Faço reflexões sobre a formação do professor de Arte e da formação
continuada de professores a fim de evidenciar sobre a realidade vivida por esses
atores, seus contextos, suas experiências.
No quinto e último capítulo, teço algumas considerações sobre os achados
desta pesquisa, apontando algumas respostas para as questões levantadas nesta
dissertação.
Penso que os resultados alcançados por esta investigação possam não só
contribuir para uma visão ampliada do papel do professor de Arte e de sua
disciplina, mas também de gerar reflexões em busca de renovação da prática
pedagógica e da valorização da arte na escola.
2. O PROCESSO METODOLÓGICO
Acredito que a técnica do grupo focal possibilita uma coleta de dados que
permite pensar, construir, compartilhar e discutir, em seu interior, temas
relevantes para a compreensão da realidade do professor de arte e suas
concepções acerca de seu trabalho, viabilizando, também, a auto-reflexão de
cada colaborador e a ação emancipatória desse grupo diante dos demais
profissionais.
3
Os nomes dos professores foram substituídos por nomes fictícios a fim de preservar suas
verdadeiras identidades.
A razão da escolha pelo trabalho com grupo focal se consolida na posição
de Gatti (2005):
O grupo focal é um método oral e grupal e identifica-se por ser uma técnica
de investigação qualitativa/hermenêutica apoiada na descrição, no entendimento,
na busca de significado, na interpretação, na linguagem e no discurso. A definição
de Powell e Single (1996) é também esclarecedora desse método: “um grupo
focal é um conjunto de pessoas selecionadas e reunidas por pesquisadores para
discutir e comentar um tema, que é objeto de pesquisa, a partir de sua
experiência pessoal” (1996, p. 449). Nessa técnica o pesquisador assume uma
posição crítica de mediador/participante da discussão, em torno de um conjunto
de questões relevantes para o grupo. De acordo com recomendações4, podemos
reunir um mínimo de 3 grupos até 12 grupos com, geralmente, 6 a 10 membros:
4
Como operacionalizar um grupo focal (2001) Disponível em: http://www.bireme.br/bvs/adolec. Acesso em
27 de março de 2007
valores que governam o grupo. Perceber, respeitar, potencializar e valorizar
tamanha riqueza, eis uma importante tarefa para o pesquisador.
A presença de relatores para anotarem as discussões ocorridas durante os
encontros e de equipamentos para o seu registro é fundamental nesse tipo de
pesquisa.
Através dos debates estabelecidos nos grupos focais, pude perceber as
concepções dos professores em relação ao ensino de arte e, ao mesmo tempo,
por meio desses relatos, pude compreender suas práticas. Acredito que dessa
forma foi possível contribuir para a reflexão do professor, ampliando os modos
como percebemos a arte e seu ensino.
Criando uma interação natural nos grupos focais, pude dar voz aos
professores para que resignificassem suas práticas, conforme Bakhtin (1995): “O
centro organizador e formador da atividade mental não está no interior do sujeito,
mas fora dele, na própria interação verbal. Não é a atividade mental que organiza
a expressão, mas a expressão que organiza a atividade mental, modelando e
determinando a sua orientação” (Freitas,1995,p.138).
Nesse sentido, diante do objetivo de conhecer as concepções e práticas de
professores de Artes Visuais, a opção pela metodologia da pesquisa qualitativa
parece ser a mais adequada. No dizer de Mazzoti: “o pesquisador se torna parte
da situação observada, interagindo por longos períodos com os sujeitos,
buscando partilhar o seu cotidiano para sentir o que é estar naquela situação”.
Todo esse processo vivencial é subsídio para que a pesquisa possa
construir compreensões sobre a complexidade de formas de pensar e agir em
face das questões expostas levadas para os grupos e trazidas por eles.
Para formar dois grupos focais, tive que atender aos horários
disponibilizados pelos professores e encontrar um local de fácil acesso para
todos. Os encontros foram realizados no período de 15/05/06 a 07/07/06, no
Centro de Educação de Jovens e Adultos – CEM, que se localiza no complexo do
Centro Cultural Bernardo Mascarenhas na região central da cidade de Juiz de
5
Tal documento consta do anexo 1.
6
Como operacionalizar um grupo focal (2001) Disponível em: http://www.bireme.br/bvs/adolec. Acesso em
27 de março de 2007.
Fora. O grupo da noite reunia-se às quintas-feiras no horário de 18h e 30min `as
20h e o grupo da tarde às quartas-feiras no horário de 15h às 16h e 30min.
O CEM atendia às nossas necessidades por ser de fácil acesso e
disponibilizar uma sala de reuniões para a realização dos encontros. Sobre esse
aspecto, a recomendação é que:
7
No anexo 2 consta um modelo desta ficha.
8
O modelo do termo de compromisso utilizado se encontra no anexo 3.
artista plástico e professor de Desenho e Pintura, especialista em Arte e
Educação Infantil pela UFJF, professora de Artes da rede municipal em turmas de
educação infantil e professora de Arte do curso de Pedagogia da Faculdade
Particular do Instituto Grambery, 23 anos de magistério; a professora Teresa,
formada em Desenho e Plástica pela UFJF, trabalha com a disciplina de Artes na
rede municipal de ensino com turmas de educação infantil e ensino fundamental,
23 anos de magistério; a professora Marta, formada em Educação Artística pela
UFJF, trabalha com a disciplina de Artes na rede municipal de ensino com turmas
de educação infantil, séries iniciais e projeto da 3ª idade, 4 anos de magistério; a
professora Rosa, formada em Educação Artística pela UFJF, que trabalha com
Desenho Artístico em oficinas do CEM, 11 anos de magistério. Além de Patrícia,
aluna de 7º período do curso de Arte, que participou como redatora e tem
experiência de estágio em escolas da rede pública municipal de ensino e
Andressa, aluna do 3º período do curso de Arte, que ajudou nas filmagens dos
encontros.
O grupo focal da tarde, que passarei a chamar de grupo T, seria formado
por seis professores, porém três não compareceram. Cheguei a fazer contato com
os professores ausentes para me certificar se estariam presentes no próximo
encontro. Uma das pessoas me disse que não poderia comparecer e as outras
duas, embora tenham reiterado a intenção de participar do grupo focal, nunca
apareceram. Optei por continuar trabalhando com um grupo menor, de apenas
três membros, primeiro por respeito àqueles que se disponibilizaram em participar
e, segundo, porque mesmo com um número reduzido esse grupo traria
contribuições para nossos estudos e também para os próprios membros
envolvidos. São membros do grupo T: André, que é artista plástico e professor da
Rede Municipal de Ensino atuando de 5ª a 8ª séries do ensino fundamental,
formado em Educação Artística pela UFJF, 6 anos de magistério, com projeto
aprovado pela Lei Murilo Mendes: “Mestres das artes visitam a escola”; a
professora Elisa, professora de Artes da rede municipal nas 1ª, 5ª e 6ª séries do
ensino fundamental e nas escolas da rede estadual de ensino nas 7ªe 8ª séries
do ensino fundamental e 1º ano do ensino médio, formada em Desenho e Plástica
pela UFJF, 27 anos de magistério e a professora Rosane que trabalha nas 1ª, 3ª
e 4ª séries do ensino fundamental na rede pública municipal e 5ª a 8ª séries do
ensino fundamental nas escolas da rede Estadual de ensino, formada em
Educação Artística pela Fundação Escola Guignard em Belo Horizonte, 18 anos
de magistério.
Essa composição dos grupos proporciona uma riqueza de pontos de
vista. Ao mesmo tempo, percebe-se que os principais aspectos debatidos
coincidem nos dois grupos, o que nos oferece uma dimensão global das questões
que envolvem o Ensino de Arte.
Realizei um número maior de sessões não apenas para compensar
um número menor de grupos formados, mas também por sentir necessidade de
um aprofundamento maior das questões propostas e proporcionar maior interação
entre os membros dos grupos. Em tais sessões foram utilizados recursos
variados, na seguinte ordem: um auto-retrato modelo para que cada membro
participante elaborasse o seu próprio auto-retrato (nem todos fizeram o “dever de
casa”), um texto sobre o contexto atual do ensino de arte, um texto sobre os
PCN´s Arte, fichas com pequenos trechos de falas de Vygotsky, um questionário
com perguntas direcionadas ao foco das questões debatidas e cenas de filmes
que discutem a questão da educação e da arte.
Os auto-retratos9 foram usados como dinâmica para conhecer o grupo,
permitir espaços de falas no início dos encontros e, ao mesmo tempo, perceber
como os professores fazem leituras de imagens. Nesse sentido, as cenas dos
filmes apresentadas aos professores foram utilizadas exatamente com essa
mesma intenção de observar como cada membro do grupo faz a leitura da
imagem, como interpretam as cenas, como fazem a contextualização das obras.
Concluídas as etapas de transcrição das falas dos interlocutores,
organização e classificação do material coletado, mergulhei nas análises, sempre
operando com conceitos do referencial teórico. Acredito que os procedimentos
realizados, juntamente com os documentos anexados ao final deste estudo,
garantem o rigor desta pesquisa. As transcrições das falas selecionadas e
inseridas na análise dos dados são documentos que garantem ao leitor acesso ao
“material bruto” para que possa tirar suas próprias conclusões, atitude que
também contribui para a confiabilidade e a legitimidade das interpretações feitas e
dos resultados alcançados nesta dissertação.
9
Os auto-retratos produzidos se encontram no anexo 4.
3. DIALOGANDO E INTERAGINDO COM OS AUTORES
Como a própria autora irá afirmar em seu texto, será preciso que cada
escola defina a melhor maneira de utilizar uma das linguagens artísticas,
elaborando uma proposta pedagógica condizente com as necessidades da
comunidade escolar, garantindo uma prática pedagógica de qualidade.
10
Artigo publicado no boletim Arte na Escola. Disponível em www.artenaescola.org.br . Acesso em
05/06/06.
O Ensino de Arte na contemporaneidade tenta abarcar tanto o conceito de
arte como experiência cognitiva quanto o conceito de arte como instrumento de
mediação cultural. Pelo fato de vivermos em uma época em que a informática, os
meios de comunicação, a publicidade estão presentes na vida cotidiana, é
recorrente o uso da expressão de que estamos na era da imagem. Autores como
Hernández (2000) fazem uma análise muito apropriada das mudanças educativas
e do envolvimento da cultura visual nesse processo:
11
Texto publicado em Diálogos e Reflexões:Mary Vieira. SP:Centro Cultural do Banco do Brasil ,
2005.
Hoje a metáfora do triângulo já não corresponde mais à sua
estrutura. Nos parece mais adequado representá-la pela figura do
zig-zag, pois os professores nos têm ensinado o valor da
contextualização tanto para o fazer como para o ver. O processo
pode tomar diferentes caminhos: /Contextualizar\ Fazer/
Contextualizar\ Ver ou Ver/Contextualizar\fazer/contextualizar\ ou
ainda Fazer/ Contextualizar\ Ver/ Contextualizar\.
O fazer sempre esteve presente nas aulas de arte, porém o que se deve
questionar são os processos de criação desenvolvidos nessas aulas. Na
abordagem triangular, o fazer (produção,criação) não acontece sozinho, ele vem
acompanhado do apreciar e do contextualizar. A produção artística ajuda o aluno
a pensar de forma inteligente sobre as imagens visuais. Suas criações podem
conter força expressiva, coerência, inventividade. O domínio da técnica irá facilitar
as possibilidades expressivas do aluno e estimular novas criações.
Observo que, quando os alunos dizem não saber fazer, estão se referindo
ao fazer estereotipado e não ao fazer que envolve sentir e perceber o mundo e os
elementos que o compõem. O professor de Arte tem a possibilidade de capacitar
alunos para reproduzirem estereótipos ou estimular-lhe a criação, a leitura e a
fruição.
O apreciar e o contextualizar acabam levando os professores de Arte a
proporem releituras. Ana Amália Tavares Bastos Barbosa (in Barbosa,2005a)
possui uma boa definição para a prática da releitura:
12
Trecho do texto publicado no Journal of Art & Design Education, Londres, 1988, v. 7, nº.2. Tradução
Fundação Iochpe e que consta do livro Arte-Educação: leitura no subsolo, organizado por Barbosa, ed.
Cortez, 2005.
adequados para esculpi-los. Através desses exemplos, a lei da catarse se
confirma e se torna clara.
Vygotsky conclui seu trabalho, no livro Psicologia da Arte, com uma relação
entre arte e vida. Inicia procurando fazer uma ligação da reação estética com o
significado da arte no sistema geral do comportamento humano. Lembra que seria
desolador se a arte só tivesse a finalidade de contagiar as pessoas através da
expressão de sentimentos alegres, animados, de dor, de medo etc. A natureza da
arte implica transformação, supera o sentimento comum:
A arte está para a vida como o vinho está para a uva – disse um
pensador, e está coberto de razão, ao indicar assim que a arte
recolhe da vida o seu material mas produz acima desse material
algo que ainda não está nas propriedades desse material.(1998,
p.307,308)
A partir dessa análise geral das funções exercidas pela arte postuladas por
Vygotsky (1999), passaremos a refletir sobre a importância dada a ela, por esse
autor, no processo educativo. “Tudo que a arte realiza, ela o faz no nosso corpo e
através dele, (...) desde a remota Antiguidade, a arte tem sido um meio e um
recurso da educação” (p.320,321).
O autor, em seu livro Psicologia Pedagógica, expõe que algumas
concepções estabelecem que o sentido da estética está na distração e na
satisfação. Quando enxergam o sentido sério da emoção estética, ela,
normalmente, é utilizada como meio para atingir resultados pedagógicos
estranhos à estética. Diz Vygotsky (2004): “Essa estética a serviço da pedagogia
sempre cumpre funções alheias e, segundo os pedagogos, deve servir de via e
recurso para educar o conhecimento, o sentimento ou a vontade moral”.(p.324)
Tourinho13, em seu texto Transformações no ensino da Arte: algumas
questões para uma reflexão conjunta, reúne alguns argumentos que, ao contrário
de defender o Ensino de Arte na escola, acabam escamoteando funções como o
conhecimento e a mágica:
13
Texto que faz parte do livro Inquietações e Mudanças organizado por Ana Mae Barbosa,
publicado em 2002
Dentre os mais conhecidos destes argumentos para a defesa do
ensino de Arte na escola – não desprezíveis, porém, nem sempre
educacional e artisticamente sustentáveis – encontramos: 1.
aprendizagem da Arte para o desenvolvimento moral, da
sensibilidade e da criatividade do indivíduo; 2. ensino da Arte como
forma de recreação, de lazer e de divertimento; 3. Arte-Educação
como artifício para a ornamentação da escola e como veículo para
a animação de celebrações cívicas ou familiares naquele ambiente;
4. Arte como apoio da aprendizagem e memorização de conteúdos
de outras disciplinas, e, finalmente; 5. Arte como benefício ou
compensação oferecida para acalmar, resignar e descansar os
alunos das disciplinas consideradas “sérias”, importantes e difíceis
(p.31).
Nesse contexto, a arte não é uma coisa rara e fútil e, sim, uma exigência
do dia-a-dia. O que devemos levar em conta é uma arte que tem como regra não
o adornamento da vida, mas a elaboração criadora da realidade. A tarefa do
Ensino da Arte é desenvolver e preservar as potencialidades criadoras do ser
humano. Diz Vygotsky (2004):
Em nenhum outro campo da psicologia essa idéia
encontra confirmação tão nítida quanto na arte. A possibilidade
criadora para que cada um de nós se torne um co-participante de
Shakespeare em sua tragédia e de Beethoven em suas sinfonias é
o indicador mais nítido de que em cada um de nós existem um
Shakespeare e um Beethoven (p.363).
A leitura da obra de arte nos faz abordar um tema discutido nos grupos
focais e que permeia toda a analise dos autores trabalhados até o momento,
trata-se das relações que fazemos entre as situações reais vividas com o objeto
de leitura, ou seja, a busca por significado. Para que haja aquisição de
conhecimento é preciso que a experiência do leitor seja tocante.
Para realizar esse diálogo podemos citar uma fala de Barbosa (2005) em
que a autora faz uma análise das idéias de três grandes pensadores: John
Dewey, Paulo Freire e Elliot Eisner:
14
O projeto citado no início do texto: “Trabalhando com Artes”, desenvolvido pela Escola Municipal
Olinda de Paula Magalhães, em Juiz de Fora.
desenvolver novas funções psicológicas. A arte, seja pintura, literatura, música,
dança, teatro, é um desses instrumentos por meio dos quais podemos transformar
e conhecer o mundo em que vivemos. Uma instrumentalidade fundada no
estético, conforme Barbosa (2001) afirma em seu livro John Dewey e o Ensino da
Arte no Brasil :
Eu vejo a arte como uma ponte, uma ligação com os demais conteúdos, justamente
porque em toda civilização, toda civilização, é só você pegar a história...Então é isso, a
arte é língua do mundo, é uma linguagem universal. Então vamos para o Português ou
pro Inglês, a Música, quantas letras,... A arte na Língua Portuguesa, a arte na História e
na Geografia, a arte nas Ciências, que agora foi essa última etapa que nós trabalhamos,
o meio ambiente, com a reciclagem.
Nós temos um projeto e atualmente a coisa está se encaminhando, acho que num
crescendo, o grupo como um todo...
A equipe amadureceu um pouquinho mais, além de enriquecer as aulas das crianças,
nós começamos a colocar tudo o que fazíamos nos murais, colocamos pra fora.
…E os professores começaram a perceber que houve muita diferença, os trabalhos dos
meninos eram outros.
Ao refletir sobre a maneira como a escola encara a disciplina de Arte, a
professora Helena amplia a questão. Sua resposta não envolve apenas a
formação precária do professor de Arte, mas de todos os demais professores, que
passaram pela escola e que carregam uma visão deficiente em arte, uma visão
de “aula de arte” como a descrita por Barbosa (2002):
Acho que existe uma resistência por parte dos professores em relação ao Ensino de Arte,
e em outros casos, há uma deficiência na formação do professor de Arte, porque este
professor também não sabe o que vai fazer na aula.
Me pergunto:_Por que a internet entrou tão rápida e o Ensino de Arte não entra tão
rápido na escola? Então, por que essa resistência? Por que um ser pensante não
interessa, não é? E quem estuda arte, quem lê um livro de arte, tem um espírito crítico.
Num livro de arte você está falando de História, está falando de Geografia, você localiza
as coisas no espaço e no tempo principalmente. Então,...eu acho que ainda há uma má
vontade nesse sentido, eu acho que fazer pensar ainda não é uma vontade política “lá de
cima” não.
Eu vi que a escola entende, agora, a arte de outra forma. Porém, a gente só muda ou
quebra os paradigmas com o tempo, e a gente tem que ter paciência, e os frutos a gente
vai colhendo, e vamos aprendendo com eles também. Existe uma troca e estamos
sempre voltados a aprender, é um aprendizado. Eu fico feliz quando eu vejo que os
colegas e que a escola tem dado apoio. As duas escolas em que eu trabalho não
oferecem mais recursos por falta de condições. Infelizmente quando você entra numa
escola, você não vê nem a sala de artes, nem a sala de teatro, nem a quadra de
esportes. Você só vê salas de aula, carteiras enfileiradas, um quadro e giz, você vê a
sala de professores, há uma biblioteca, muitas vezes está fechada e com poucos livros.
Porque uma professora que poda, uma professora que faz com que todos os alunos
coloram as flores de vermelho, os caules de marrom e as folhas de verde... Ela não está
deixando ninguém dizer nada, ela esta fazendo uma “pseudoarte”. Porque está colorindo
um desenho estereotipado. E colorindo tudo igual, então a criança não está criando nada.
Ela não está deixando ter arte nenhuma ali.
Agora se você realmente fala com as crianças para observarem umas flores lá no jardim
de casa ou no jardim da escola e desenhar aquela flor que viu e colorir, você está
deixando os meninos verem a sua imagem e colorirem da sua maneira.
Você tem que fazer a imaginação dos meninos montarem cenas. Você pode fazer uma
dramatização, fazer um teatro, e os meninos gostam de fazer teatro também, senão
esquecem. A coisa é vivida, a coisa é vivida. Então olha só a professora que tem um
pouquinho mais de arte, ela vai dar, a Geografia, a História, as Ciências, a Literatura, vai
contar histórias, etc e tal. Vai ficar rico, vai ficar rico.
No trecho abaixo a professora Helena comenta, no início, sobre a leitura
da obra de arte, o contexto de interpretação da obra, o grande tempo revelado
nas atividades de releituras. Outra questão apontada pela professora é a natureza
integradora da arte e o seu incoerente isolamento vivenciado na escola:
Você coloca um trabalho, começa a falar com eles sobre o trabalho e eles mesmos te
chamam a atenção para um detalhe que você não tinha visto, isso é ótimo. É por isso
que eu falo que seria importante que todo mundo trabalhasse junto, porque o menino te
diz quem ele é a partir do momento que ele olha um quadro, que ele te chama a atenção
para uma coisa que você não viu antes, é porque, de repente, aquilo que você não
percebeu não faz parte do seu universo, mas faz parte do universo daquele menino.
Quando se depara com a coisa prática, com a questão prática, que a arte ajuda muito
nisso, você não tem com quem dividir...
Se de repente aquilo se transforma numa peça de teatro,... Mesmo que ele não seja um
ator ... ele vai trabalhar o cenário, por exemplo, ele vai ter que pesquisar, ler um livro, ele
passa a falar e vivenciar aquilo como um agente, um pensador e não um receptor.
Então por isso que eu não enxergo uma escola sem arte, porque ela fica morta. É
uma entidade sem brilho, e o aluno na aula de artes ele enriquece o conhecimento dele,
ele é critico e passa a ser mais critico, a auto-avaliar. Perceber que ele pode dar mais, ele
mesmo reconhece que ele não desenvolveu aquilo que poderia, ele quer buscar mais.
- Gente, olha aqui, olha para esse retrato e olha para ele, não é ele? Agora vocês vão me
falar, se ele tivesse colorido o desenho de branquinho aqui, era ele? Não era, não é
mesmo?
Aí eu trabalhei em cima da diversidade, da identidade, da etnia, etc. Olha o cabelo dele,
se ele fizesse ele com o cabelo escorrido igual ao meu, seria ele? Não, não seria ele. Ele
fez o retrato dele, então eu repeti:
- Está maravilhoso!! Gostei.
Aí cada um começou a colorir o dele mais moreninho, porque realmente ele era
moreninho, aí cada um teve que fazer o dele.
- Olha como ficou bonito esse aqui?
A auto-estima melhora, etc e tal. Mas identificam também as diferenças.
E isso a gente pode trabalhar com a arte também. Essas diferenças de raça, de roupa, de
lugares, você vai mostrando fotos diferentes, de coisas diferentes, não é? Inclusive
mostrei Picasso também.
Considero importante iniciar esta análise com uma categoria que aparece,
implícita ou explicitamente, em diversos comentários dos professores
participantes do grupo focal. Considero, também que ao partirmos da questão do
valor do Ensino de Arte na escola, é possível obter uma visão mais concreta da
realidade da disciplina e dos problemas enfrentados pelos professores.
No primeiro encontro houve um desabafo, nos dois grupos formados,
relativo à desvalorização do Ensino de Arte. Entendo essa desvalorização como
uma conseqüência de uma educação que não prioriza a cultura, reflexo de um
contexto político-econômico social e cultural da sociedade brasileira. Os avanços
tecnológicos, a mundialização da economia e as novas concepções de trabalho e
produção configuram o que se denomina sociedade da informação e do
conhecimento, apontando para uma nova configuração global, na qual são
ressaltadas novas concepções do saber articuladas à questão do poder entre as
mais diversas culturas, povos e nações.
Nesse sentido, a discussão sobre a multiculturalidade se faz necessária no
espaço da educação escolar, porque essa impõe um sistema de trocas, inter-
relacionando diversas culturas e saberes, compreendendo a escola e a vida como
instâncias não neutras e carregadas de complexidade. Entretanto, essas
discussões e mudanças de paradigmas estão acontecendo de forma muito lenta
no ambiente escolar.
A desvalorização do Ensino de Arte, que é um exemplo claro dessa
dificuldade em obter mudanças no espaço da educação escolar, é uma
preocupação constante para os professores de Arte. A fala de uma das
professoras do grupo N aponta a falta de reconhecimento do artista plástico como
profissão, estabelecendo um paralelo desse fato com a desvalorização do
professor de Arte:
Rosa: Eu, quando fazia a minha declaração de imposto de renda, tinha que escolher a
opção de pintor de paredes e correlatos, não tinha artista plástico, não tinha a figura do
artista. Ou então desenho técnico, mas como eu não estava trabalhando mais como
desenhista de projetos, na época, eu não ia colocar. É muito difícil isso. Realmente, um
país que não existe como profissão o artista plástico, não vai existir o professor de Arte.
Porque esse professor de Arte é o que afinal de contas? Porque quando você faz
faculdade você tem como optar pela Licenciatura ou Bacharelado em Artes. Mas se você
esta fazendo o bacharelado, você não vai ter uma profissão, porque essa profissão não
existe.
Além disso, para completar o cargo, esse professor provavelmente terá que
trabalhar em 3 ou 4 escolas diferentes, pois o número de turmas oferecidas não
são suficientes para fechar o cargo. Fica a pergunta: como conhecer o aluno, a
comunidade escolar e a realidade do bairro num esquema como esse?
Os professores acreditam que, para mudar essa situação, a escola deveria
ser de tempo integral e os professores trabalharem em regime de dedicação
exclusiva. Encaram esses dois aspectos como ideais, já que teriam tempo para
fazer pesquisas, atualizar conhecimentos, levar alunos a exposições e museus,
ter tempo para expor trabalhos realizados em sala, conhecer os alunos e sua
realidade.
Outra questão levantada diz respeito à maneira como, na escola, se
evidencia a desvalorização do Ensino de Arte e, conseqüentemente, do
profissional. O professor, ao ouvir comentários que desqualificam a disciplina,
geralmente, mobiliza-se na sua defesa. Entretanto, quando isso é constante, os
profissionais declaram-se, muitas vezes, cansados de precisar assumir tal
posição. Manifestam-se desanimados pelo fato de terem sempre de reafirmar a
importância de seu trabalho e, mesmo assim, freqüentemente só serem
lembrados em ocasiões em que se faz necessária a decoração do ambiente
escolar ou a promoção de atividades de lazer. “Somos um mero componente do
currículo. Estou cansada, isso está me machucando, isso vai virar um câncer”, diz
a professora Teresa
Essa desvalorização da disciplina parece relacionar-se com o fato de não
haver profissionais formados em Arte em número suficientes para atender às
escolas na educação infantil e séries iniciais. Um fato que aponta para a
desvalorização, também, na gestão do sistema, não só da escola. Como alegam
não existirem esses profissionais, a Secretaria de Educação contrata professores
de outras aulas para assumir, principalmente, os projetos de Arte e Literatura,
hoje desenvolvidos em várias escolas municipais. Profissionais que não foram
devidamente preparados para exercer o cargo, professoras de pedagogia ou
mesmo de outras especialidades que tentam fazer um bom trabalho. Algumas
participam de palestras, treinamentos, cursos de aperfeiçoamento e eventos na
área de artes. Porém, na maioria das vezes, o resultado é desastroso. Repetem-
se as atividades prontas, mimeografadas, desenhos estereotipados, atividades
descontextualizadas, priorizando a prática de técnicas.
Observa-se essa realidade, tanto na rede pública quanto na rede particular.
Muitas escolas têm utilizado a própria professora regente para realizar a tarefa de
ensinar arte aos alunos pequenos. Verifica-se, também, que uma boa parte dos
professores de Arte não tem uma linguagem e um manejo apropriado para lidar
com crianças nas séries iniciais e na educação infantil. A falta de
aprofundamento, de formação adequada traz conseqüências enormes na
formação dos alunos e na própria visão do papel da arte pela comunidade
escolar.
Teresa: Tenho cinco anos de trabalho na rede municipal e nunca vi nenhum professor
dando aula de Matemática que não seja formado em Matemática ou de Português que
não seja licenciado.
Rosa: Por que dar aula de Arte pode, não é?
Teresa: Olha, é tão agressivo isso. E é isso que está fazendo a nossa desvalorização, as
professoras não conhecem arte, as diretoras não conhecem arte, as coordenadoras não
conhecem arte, então eles acham que arte é trabalhos manuais, eles estão vivendo,
numa época de...
Marta: Desenhos rodados no mimeógrafo para colorir, não é?
No grupo T:
André: A gente percebe isso na própria faculdade, na realidade a gente faz o curso pra
artes plásticas e ao mesmo tempo a gente vê que precisa de emprego, não é? Mesmo
porque existe um contexto no curso que não condiz com a realidade que está aí no
mundo, a gente precisa de trabalhar. A gente não é preparado pra enfrentar a sala de
aula, aí você coloca a questão da arte-educação, na própria Faculdade de Arte existe o
maior preconceito com a arte-educação. Eu sou artista plástico e nunca tive problema
com isso. Eu acho fundamental, pra formação de público, que exista a arte nas escolas.
O aluno ter contato com os artistas é a base de tudo, pra que um dia esse aluno tenha
um pouco de interesse por arte.
No grupo N:
Teresa: Nós fazemos o curso com a intenção de nos aprofundarmos na arte, de sermos
artistas, de sermos autônomos. Nós passamos muito tempo na Universidade com essa
intenção, e aí nós caímos no mundo do trabalho, e por um acaso vamos para a
educação, por um acaso. Eu não acho que a maioria dos alunos que estão saindo tenha
a intenção de se tornar professor, ele gostaria se tornar um profissional da arte.
A respeito dessa questão, foi unânime a opinião dos participantes de que
não fomos preparados adequadamente para sermos professores de Arte. Os
professores acreditam que uma parte desse despreparo tem relação com a
própria estrutura do curso de Arte. A predominância do enfoque curricular do
curso de Arte ainda está organizada a partir de uma lógica tecnicista: na
fragmentação e compartimentalização do conhecimento. São as disciplinas que
introduzem os alunos no saber fazer – desenho, pintura, escultura, mosaico,
cerâmica etc. As disciplinas voltadas à contextualização, à interpretação da
imagem são aquelas que abordam a História da Arte. Raramente são oferecidas
disciplinas com a finalidade de introduzir os alunos, em processos de leitura de
imagens. Quando estes chegam às disciplinas de Licenciatura, terão dois
períodos para dominar a leitura da imagem e propor esse tipo de prática a seus
alunos.
Por outro lado, tenho observado uma movimentação maior no sentido de
uma integração do Instituto de Arte e Design (IAD) com a Faculdade de Educação
da UFJF. Esse interesse pode ser traduzido como um reflexo das discussões a
respeito da interdisciplinaridade, da transdiscipinaridade que tem ocorrido no
ensino nos últimos anos. A despeito de tais avanços demorarem a dar frutos,
essa iniciativa já representa um bom começo.
Outro questionamento envolvendo o curso de Arte da UFJF, observado
pelos participantes do grupo focal (ex-alunos do curso de Arte), diz respeito ao
objetivo dos professores do curso em formar artistas plásticos com visão e
produção pós-modernas. Essa visão acaba demonstrando um preconceito em
relação aos alunos que têm uma produção figurativa, que gostam dos clássicos,
de fazer retratos por exemplo. O grupo vê nessa atitude uma forma de imposição,
ou mesmo de permitir que o aluno faça o movimento inverso de iniciar com
abstrações e terminar com trabalhos figurativos. Durante esse debate estávamos
de posse de uma grade curricular do Curso de Arte e pudemos observar as
disciplinas oferecidas atualmente, comparando-as com as experiências vividas
pelo grupo.
Conforme foi evidenciado anteriormente, a desvalorização do Ensino de
Arte esbarra na questão da formação de professores. A falta de professores
qualificados para dar aulas de Arte na educação infantil e séries iniciais, com
desvio de função de professores de outras áreas, sem preparo para assumir a
função dos arte/educadores, é uma preocupação evidenciada nos dois grupos
focais, portanto penso ser importante fazer algumas considerações a respeito
dessa questão.
No texto da LDB de 1996, ficou assegurado o Ensino de Arte em todos os
níveis do ensino fundamental. Trata-se de uma conquista que levou à ampliação
da docência para a primeira fase do ensino fundamental. Nesta última década,
várias escolas particulares e algumas prefeituras trouxeram para seus quadros
professores de Arte com a finalidade de atuarem nessa fase. Outro avanço
importante foi a mudança curricular, em boa parte dos cursos de pedagogia,
visando a inclusão do Ensino de Arte na formação do pedagogo, mudança esta
que beneficiou nossa área, com a abertura de concursos nas Faculdades de
Educação e Cursos de Pedagogia para incluir o profissional de Ensino de Arte em
seus quadros docentes.
As discussões implementadas nos cursos de Pedagogia, referentes ao
Ensino de Arte estão voltadas para uma formação cultural do pedagogo,
objetivando a desmistificação dos conceitos e pré-conceitos sobre a arte e seu
ensino. O trabalho do professor de Arte é na perspectiva de formar esse educador
para ser um colaborador e agente da formação cultural das crianças, bem como
para um trabalho que construa e não desconstrua a relação da criança com a
arte, principalmente na Educação Infantil. O trecho selecionado retrata a
importância dessa formação em arte nos primeiros anos de escolarização:
Teresa: Olha, quando me deparei com este trabalho de uma aluna de oitava série. Eu
levei um choque! Olha, isso aqui são aquelas folhas mimeografadas que passaram no
sub-consciente dessa pessoa anos e anos. Você não apaga.
Rosa: Eu vivo esse problema nas minhas aulas de desenho, inclusive eu orientei, no
primeiro dia, sobre as nuvens, o sol, as cores.
Débora: Mas depois de um tempo, não tem mais isso não.
Teresa: Menina, escuta aqui, essa aluna está na oitava série, meu bem. Olha, turma 802,
essa aluna passou pela 5ª, pela 6ª, pela 7ª, está na 8ª, meu bem!
Rosa: Mas não é só isso não, eles desenham o céu branco, põem a nuvem azul e o sol
amarelo. (mostrando desenho) Isso é uma questão de figura e fundo, não é? Quais foram
os professores de Arte dessa aluna?
Teresa: Isso que eu quero revelar. Aí que eu descobri o desastre que é a criança passar
o 1º período, o 2º, o primeiro ano, que agora o 3º período chama primeiro ano, até a
quarta série. Gente...olha...
Valéria: A desconstrução...
Teresa: Olha, menina, você tem que tirar leite da pedra. Porque o ser humano é uma
planta, tem que cultivar.
Marta: Me lembrei da fala de uma professora de história, que está dando aula de artes,
ela reclamando:__Eu não sei o que é que eu faço com os meus alunos, porque eu não
sei o que eu vou dar. Já dei aula de brincar, já dei aula de colorir e agora o que é que eu
faço? O que quer dizer, ela estava numa angústia porque não é formada em Arte.
15
O desenho em questão se encontra no anexo 5.
As falas, que se sucedem, esbarram num outro fato importante dentro do
processo de desenvolvimento do desenho infantil e que está relacionado ao
processo de aquisição da escrita. Na fase mencionada pela professora Teresa,
educação infantil e séries iniciais, a escrita é a grande novidade, pois a criança
está iniciando o processo de alfabetização. Tanto o professor quanto os pais
estão direcionando toda a atenção para que a criança seja bem sucedida nessas
novas habilidades de ler e escrever. As linguagens artísticas ficam em segundo
plano neste momento. Paralelamente à valorização da escrita, acontecem
julgamentos da produção artística do aluno, ou seja, o adulto avalia o trabalho,
padroniza, cria estereótipos, o que faz com que o aluno passe a temer expressar-
se, temer expor-se.
Teresa: São raríssimas as Universidades que têm alguém na nossa área, então fica
complicado.
Rosa: Eu já pesquisei num monte de sites, da USP, UFMG, UFRJ, mas é muito difícil de
conseguir.
Regina: Na área de educação tem. Eu não sei de arte-educação?
Valéria: Mestrado e doutorado em Arte-educação na USP, com a Ana Mae Barbosa.
Rosa: Eu acho que tem arte-educação, artes plásticas e tem uma outra área lá...
Valéria: Eu acho que no Rio Grande do Sul agora tem mestrado em arte/educação.
Teresa: Agora na UFMG eu não esperava, é só um item e muito fechado, eu fiquei triste
de ver aquilo, é direcionado pra uma área, é muito restrito.
Estes e outros comentários me ajudaram na escolha de um texto16 que
trouxesse informações a respeito de entidades, associações de arte/educadores
espalhadas pelo país. Falei sobre a Associação Mineira de Arte Educação –
AMARTE e a Federação de Arte Educadores do Brasil – FAEB, sites e boletins
específicos para a área de ensino de arte que alguns professores não conheciam.
O texto escolhido é uma entrevista realizada pela jornalista, editora do
boletim Arte na Escola e consultora de comunicação da Fundação Iochpe, Sylvia
Bojunga Meneghett com o título “Contexto Nacional: as principais mudanças
políticas e conceituais na visão dos arte/educadores”. (Boletim Arte na Escola,
Número 20, março/1999) As Arte/educadoras entrevistadas são: Elizabeth Aguiar,
Lucimar Bello, Rosa Iavelberg, Mariazinha Fusari e Heloisa Ferraz.
Elisa: Por que isso não é divulgado? Eu acho engraçado que nós que somos professores,
olha só...
Valéria: Exatamente, exatamente por isso que eu coloquei esse texto na mão de vocês.
Elisa: Mas eu vou falar pra você outra coisa, olha só, nós do Município, porque eu ainda
sou do Estado e sou recente no Município, eu tenho 26 anos de Estado. O Estado não
tem nada, não é André? Que você já passou por lá e sabe disso. O Estado não tem nada
que nos una, que a gente converse.
Rosa: Valéria, eu acho que, sinceramente, eu acho que vai ser ótimo esta oportunidade
da gente se reunir. Sinceramente, ultimamente, isso está vindo de encontro a uma
16
O texto em questão consta do anexo 6.
vontade minha. Ultimamente o que eu mais estava querendo fazer é ver a experiência
das outras pessoas da área, porque a gente não tem esse contato.
André: Eu acho muito legal o que a Valéria está fazendo porque ela está abrindo uma
porta.
Rosane: Com certeza.
André: Eu acho legal, Valéria, porque essa porta que você está abrindo é pra todo mundo
que é professor de arte, principalmente. Porque aqui todo mundo pode fazer mestrado.
Valéria: Olha eu...
André: Eu quero fazer mestrado, um mestrado em Arte, na realidade.
Rosa: Como você anotou o e-mail de todo mundo, você manda o e-mail pra gente e a
gente vai fazendo a rede.
Valéria: Ah, certo, isso mesmo.
Teresa: Agora, eu fico olhando, o seguinte, como a gente tem sede de contato, irmanar,
...
Marta: Estamos muito isolados.
Teresa:Isolados, eu acho que o dia que você falar que acabou, eu vou chorar.
Risos.
Valéria: Aí vocês, a partir de agosto se reúnem aqui pra estudar para a prova de
mestrado.
Teresa: Deixa eu fazer uma pergunta: Vocês já viram um professor de música trabalhar?
Imagina que ele vai trabalhar os sons. Vai ter uma hora que ele vai ter que colocar a mão
na massa, os meninos vão ter que usar um instrumento, só de percussão, só de batuque.
Quais são os instrumentos que a escola tem?
Valéria: Então, falta material.
Débora: Ainda pode ser que a escola tenha outro instrumento, as flautas.
Teresa: Uma meia dúzia pode ser que tenha. É igual o nosso trabalho, de Artes Visuais,
só tem giz de cera, lápis de cor e papel, não tem mais do que isso. Então vai ficar uma
mesmice, uma coisa assim difícil pra ele e os meninos vão ficar só reconhecendo os
sons. Imaginando, ouvindo.
Valéria: O professor pode tentar formar um coral, alguma coisa assim. Mas...
Rosa: Mas tem professor formado em Música que está dando aula de Artes Visuais?
Trabalhando só com Música?
Valéria: Tem projetos de música em algumas escolas.
Débora: Aí sim, eu entendo que a Música, eu acho o seguinte um professor de Música,
música mesmo, que sabe tocar um violino, que saiba tocar um piano, ele trabalha mais é
com projetos. Porque imagina assim, você trabalhar piano, por exemplo, 50 minutos,
você entrou agora na 7ª série, daí a 50 minutos você vai pra 8ªsérie, esse piano vai pra
onde? Qual é o ambiente?
18
Disponível em http://portal.mec.gov.br/cne. Acesso em 20/06/06
focal estava a autonomia de escolhas no planejamento curricular dos professores
de Artes. Alguns professores reivindicaram as diretrizes de Artes Visuais, outros
questionaram sua necessidade.
“Arte tem conteúdo, é uma disciplina, uma matéria como as outras”, estas
são falas insistentes dos membros do grupo focal, das quais se servem como
argumento para tentar amenizar os equívocos e discriminações por que
passamos na escola. Os participantes fizeram comparações entre a disciplina de
Arte e as demais disciplinas. Observamos que não possuímos livros didáticos ou
um programa curricular relativo às séries que vamos trabalhar, com conteúdos
definidos, pré-requisitos que um aluno deve ter para acompanhar a disciplina de
Arte em qualquer lugar onde vá estudar. Somos autônomos para fazermos
nossas escolhas, porém pagamos um preço por essa autonomia, principalmente,
quando estamos iniciando a profissão. Não temos onde nos apegar. A escola nos
cobra um planejamento anual e não temos com quem debater sobre o mesmo.
Normalmente só existe um professor de Arte na escola em cada turno. Na hora de
planejar, procuramos afinidades de trabalho integrado com outras disciplinas ou
ficamos sós. Os professores acreditam que seria diferente se o Ensino de Arte
tivesse um programa claro com conteúdos a serem cumpridos.
Alguns reclamam que o trabalho de preparação das atividades artísticas é
desgastante e cansativo. São muitas atividades anuais em cujo planejamento
estão incluídas a seleção de conteúdos e metodologias apropriadas, continuidade
com conteúdos anteriores, inter-relações significativas com as outras áreas do
currículo e com a comunidade, além da procura por livros, por materiais a serem
utilizados pelos alunos em suas produções, do ato de registrar as atividades,
envolvendo inclusive questões financeiras. Selecionei a fala da professora Elisa
do grupo T que expõe sobre esse fato:
Elisa: - Pra preparar as minhas aulas de arte, independente de ser ensino médio,
1ª série ou 5ª, 6ª, 7ª e 8ª, porque eu dou aula pra isso tudo! Eu compro muito livro, eu
gasto muito dinheiro. Gente, eu volta e meia estou dentro de livraria. Por quê? Porque a
linguagem da arte muda, as técnicas de trabalho mudam. Os alunos têm outro
comportamento e outros interesses hoje em dia, e olha que eu sou professora há muito
tempo, dou aula há 27 anos, eu sou velha, comecei a dar aula antes de formar.
Como pesquisadora, resolvi instigar esse debate para perceber melhor o
que realmente pensavam sobre essa questão de um programa curricular
específico para o ensino de Artes Visuais. Introduzi a seguinte pergunta:
Valéria: Vocês não acham que existem dois lados de uma mesma moeda? Porque tem
esse lado, assim, de ter um programa já elaborado pra você chegar e trabalhar, e tem um
outro lado que é o da autonomia, que é de trabalhar aquilo que você tem maior domínio
ou que você gosta mais de trabalhar e aí você tem essa liberdade de poder trabalhar
aquilo que você tem maior gosto.
Teresa: É aí que eu entro na formação da universidade, eu gostaria de visitar a
universidade pra ver o histórico escolar, os conteúdos, as matérias que esses alunos
estão desenvolvendo, pra ver se eles estão sendo preparados para ter esta facilidade de
montar um planejamento anual, um projeto...
Rosa: Essa autonomia, essa capacidade de discernir o que vão dar, eles não têm.
Teresa:...na 5ª, na 6ª, na 7ª.
Rosa: Eles não têm. Não têm.
Portanto, existe uma preocupação, por parte dos membros do grupo, com
os professores que estão iniciando a profissão. Observo que o grupo tem dúvidas
a respeito da capacidade dos novos professores de Arte de programarem
atividades para todas as séries do currículo com a competência necessária.
Nesse sentido, são favoráveis às DCN`s de Artes Visuais que poderiam servir de
alicerce para o planejamento das aulas.
No 5º encontro, tanto do grupo T quanto do N, senti necessidade de tornar
claros alguns tópicos debatidos, percebi que deveria introduzir questões
estruturadas para direcionar as respostas e tirar dúvidas que estavam surgindo no
debate aberto. Lancei 6 questões para o grupo pensar e responder:
1 – Qual o perfil do bom professor de Arte?
2– O que o professor deve fazer para não “engessar” o aluno?
3 – Quando o professor manda o aluno copiar uma obra de arte ele está
reprimindo a criação da criança?
4 – Até que o ponto o professor deve interferir na produção da turma?
5 – O que uma criança perde quando não tem a chance de aprender o que é
comunicação visual?
6 – Qual é a finalidade da disciplina de Arte?
Marta: O primeiro passo, conhecer o conteúdo da arte para ensinar os alunos. Porque
podemos partir do princípio de que o professor formado em Arte já saiba e conheça
bastante de arte, não para conceituá-la para o aluno, mas para promover um diálogo
sobre ela.
Débora: É ter aquele olhar de artista. Porque o olhar do artista enxerga diferente!
Enxerga diferente o mundo, enxerga diferente o aluno, enxerga diferente a criação do
aluno.
Nas respostas dadas por escrito pude observar que são apontadas como
atribuições aos professores de um modo geral, características tais como: ser
atualizado, ser alegre, comprometido, flexível, possibilitar descobertas. Considero
que no escopo desse perfil do bom professor de Arte estão, também, embutidos
os objetivos que os professores de Arte querem alcançar com seus alunos e que
estes objetivos determinam suas ações. Algumas reflexões acerca de tais
objetivos puderam ser realizadas pelo direcionamento dado pela atividade
proposta no 6º encontro com o grupo N.
Com esse grupo foi possível promover um encontro extra cuja intenção foi
de oferecer uma atividade na qual se pudesse perceber como os participantes
reagem às imagens, como as interpretam, enfim, como realizam a leitura da
imagem. Para tanto organizei a exibição de trechos de dois filmes: Sonhos de
Akira Kurosawa, episódio O Corvo e Sociedade dos poetas mortos de Peter
Weir. Essa atividade acabou revelando, de forma espontânea, os objetivos dos
professores de Arte. Procederei, portanto, à descrição das cenas apresentadas
em ambos os filmes:
No episódio O Corvo, o autor utiliza efeitos especiais através das quais a
imagem se mistura com a pintura que tenta reproduzir as pinceladas de Van
Gogh. Inicialmente o personagem central é um espectador que observa obras de
Van Gogh em uma galeria de arte. Em dado momento o espectador se vê dentro
do quadro e resolve seguir à procura do artista, passando por diversas de suas
obras. O episódio retratado é um mergulho nas obras de Van Gogh. As
professoras fazem uma verdadeira “viagem”, sorrindo enquanto acompanham as
cenas e fazendo relações com suas próprias vivências como arte/educadoras.
Vendo Van Gogh carregar seus instrumentos de trabalho, as professoras
comentam sobre as sacolas de materiais que carregam quando vão dar suas
aulas: “-Precisávamos ter um carrinho de supermercado para colocar os
materiais”, disse a professora Marta.
Tecendo relações com outros filmes, a professora Regina recomenda um
outro que também leva o espectador a viajar na obra de um artista, nesse caso, a
viagem é na vida de Pablo Neruda em O carteiro e o poeta.
Após os comentários provocados pela exibição do episódio O corvo, iniciei
a apresentação do trecho do filme Sociedade dos poetas mortos. Passo a
descrever, agora, o filme e as cenas escolhidas:
O filme Sociedade dos Poetas Mortos, (1989), do diretor Peter Weir não se
trata de mera ficção descontextualizada, uma vez que põe em cena as
representações e os valores sociais da sociedade contemporânea. O personagem
principal é Keating, interpretado por Robin Williams, um professor de literatura
que chega para trabalhar numa escola tradicional onde fora aluno, trazendo seu
“moderno método de ensino”. Introduzindo na escola práticas educativas que
levavam em conta as reais necessidades e aspirações dos alunos. Keating vai
analisar a poesia além do rigor da composição, mostrando os impulsos e paixões
dos poetas, buscando pela fruição da vida, por tornar extraordinárias as vivências
do dia-a-dia. É nesse sentido que o professor vai buscar através da poesia, a via
para chegar ao conhecimento, possibilitando ao indivíduo uma formação não só
da racionalidade cientifica, objetivante e calculadora, mas uma formação plena
para a vida, na qual expressar-se e conhecer-se se processam através do
sensível.
A primeira cena escolhida é uma aula em que o professor Keating pede
para os alunos retirarem páginas de um livro de literatura e jogarem no lixo. O
professor, nessa aula, faz uma relação da poesia com a vida, esclarecendo aos
alunos que, para falar de poesia, é necessário ter paixão, dizendo: “-Vocês podem
contribuir com um verso”.
Essa cena é catártica, algo bem fora do comum para uma escola só para
rapazes, conservadora, tradicionalista, que procura formar alunos que se
encaixem num padrão cultural cujos valores são marcados pela competição e por
interesses econômicos.
Através da provocação estabelecida pela reprodução da cena do filme,
surge a questão: -Essa escola favorece o questionamento acerca do sentido e do
valor da vida para cada aluno? Primeiramente, as professoras do grupo N falaram
sobre a escola que aparece no filme. Através de uma metáfora descrita pela
professora Teresa, é possível resumir os comentários: “-Uma escola que pensa
num ser humano como lápis dentro de uma caixa, todos de mesmo formato,
organizados e bem apontados”.
Analisam também, o objetivo do professor Keating de formar alunos livre-
pensantes. Percebem que a linguagem utilizada pelo professor para alcançar seu
objetivo é a arte. Com essa análise partimos para uma das finalidades
importantes da arte/educação: resgatar a magia e a sensibilidade na escola. As
professoras lembraram das depredações que estão acontecendo na escola,
observaram que o aluno não se identifica com a escola e a encara como um fardo
para carregar, lugar de sacrifício e não de prazer. Falaram da necessidade de
educar o aluno para respeitar trabalhos expostos, ser um espectador atento, fazer
silêncio para assistir a uma peça de teatro, ter acuidade musical, enfim, educar o
aluno para as linguagens artísticas e para captar a cultura.
Após esses comentários, parti para a segunda cena escolhida. Novamente
é uma cena que se passa na sala de aula. O professor Keating propusera numa
aula anterior que os alunos compusessem um poema para recitar em sala de
aula. E dirigindo seu olhar para um de seus alunos, questiona: “_Qual é o seu
verso?” O aluno em questão se sente totalmente incompetente para executar a
tarefa, se esforça-se para realizá-la mas é vencido pelo medo de se expor frente
ao grupo de colegas. O professor, ciente da dificuldade do aluno, insiste que ele
vá à frente e fale o que lhe vem à mente sobre um retrato exposto numa das
paredes da sala. Pede que o aluno feche os olhos, que não ouça seus colegas,
gira o aluno, provoca-o, instiga-o para que fale. O aluno, então, enuncia um
poema, feito naquele momento, diante de todos. Quando o rapaz abre os olhos,
toda a turma o aplaude.
Os comentários sobre essa cena giram em torno do professor e de sua
atitude. O professor Keating insiste em encorajar o aluno a se expressar com
originalidade. A questão do protagonismo surge com a idéia de reforçar no aluno
sua identidade.
Observamos que o diretor, Peter Weir, propõe ao público uma questão
muito séria a respeito da escola que vê o aluno como depósito de informações,
cuja filosofia educacional não enxerga a Arte como conhecimento. Para esse tipo
de educação, um advogado, médico ou engenheiro não precisa de poesia. Ao
combater esse pensamento, os personagens, professor Keating e seus alunos,
vão vivenciar vários problemas. Procurando instigar o grupo, questionei acerca do
tipo de aluno que queremos formar. A professora Regina, respondendo à
provocação, comenta ser papel do professor agir como um fomentador de idéias.
As idéias se somavam, ao dizerem que buscamos formar alunos sensíveis
que se emocionam, que sabem lutar por seus direitos, alunos críticos, que sabem
polemizar, alunos criativos, que sabem se virar em qualquer situação, alunos
cultos, que conhecem arte.
Em relação à segunda questão, em que se interroga sobre as ações do
professor para não “engessar” o aluno, pude observar respostas que se
aproximam muito das já faladas na primeira questão, uma vez que se referiam ao
professor de Arte como o que não engessa, que não tem o objetivo de colocar o
aluno em uma forma, que não oferece o conteúdo pronto e apresenta as técnicas
como arquivo básico de memória para contribuir na criação dos alunos.
Teresa: Eu posso mostrar pra vocês uma coisa, vocês me dão um tempinho pra eu
mostrar uma coisa. Eu tenho isso aqui, pensei: - Eu vou levar e se tiver condições eu vou
mostrar.
Este ano de 2006, este ano agora no primeiro semestre, eu trabalhei o grafismo
com os alunos de 8ª séries. Aqui na cidade, as obras de Picasso “Guernica”, de Munch
“O Grito” e outros, estão sendo grafitadas nos pontos de ônibus.
Nós fizemos um estudo histórico desde a época das cavernas, o primeiro grafismo
da humanidade, fiz um histórico e tudo mais com os meninos. Aí fotografei essa pintura e
fui mostrando para os meninos, (Mostrou para nós Guernica pintada no ponto de ônibus).
É Guernica, os alunos olharam, levaram o maior susto: - Ah, não entendo aquilo, aquilo é
uma loucura. Dentro do ônibus o motorista também estava perguntando sobre a obra
quando tirei a foto.
Aí dei um texto retirado do próprio livro de história deles para eles lerem,
reconheceram Guernica. Foram estudar a obra, eles viram que era o símbolo da
opressão e violência política, não é? Tudo bem.
Teresa: A contextualização é muito importante, gente. Talvez seja porque o que não faz
sentido pra mim eu não aprendo, nada. Se isso aqui não fizer sentido, se eu não
compreender aquela lógica. Primeiro eu dou aula pra mim mesma. Quando eu estou
montando aula eu sou minha aluna, então de repente eu sempre tive necessidade de
entender aquilo que eu estava estudando. Por que eu nunca aprendi química? Porque
não fazia sentido. A professora entrava em sala, enchia com aqueles ccc, eu nunca entrei
num laboratório. Aquilo não fazia sentido pra mim
Teresa:...O professor tem que levar o aluno pra viajar com ele. Transportar. A riqueza
está aí, então a pessoa tem que amar o que faz. Se o professor entra na sala, frio, com
apenas aquele conteúdo que ele decorou, que ele viu, que ele gostou, que ensinou na
Ana Maria Braga uma técnica lá, ele não leva ninguém com ele.
André: Então eu comecei a pesquisar a vida e a obra dos artistas, não é? Agora
eu comecei a passar pra releitura da imagem. Eu mostro uma obra na transparência e
eles vão fazendo. Ao mesmo tempo, que eu projeto, pra eles não ficarem muito perdidos,
eu faço também um desenho olhando. E é interessante porque a gente pensa que ele vai
ficar muito preocupado em copiar, então eu tiro um pouco isso da cabeça do aluno
também. Eu acho que ele deve usar a obra como inspiração pra ele: - Nunca que eu vou
conseguir fazer isso, professor. Isso é o que eu ouço e na verdade sai algo muito
diferente, você sente que tem alguma coisa a ver com a obra do artista. Então isso é que
é releitura. Eu acho assim, que é importante, a gente apresentar (mostrou a
transparência) que esta é uma obra de Guignard, que o Guignard foi um artista
importante e ir mostrando a obra para o aluno para que possa conhecer e comparar,
fazendo essa conotação com a obra do artista já é muito bom pro aluno. Sabe por quê?
Quando eu fui aluno, no meu tempo de ginásio lá no “Colégio dos Jesuítas”, eu não tive
uma aula de artes desse jeito, então eu acho que eu já estou fazendo um papel muito
bom para o meu aluno.
Por outro lado, uma contextualização mal feita, uma análise superficial da obra
ou apenas a apresentação de alguns dados biográficos do artista, seguidas de
uma releitura que lembra cópia são problemas que podem interferir no
desenvolvimento de um bom trabalho. Assim, o aluno não se identificará com o
conteúdo proposto, resultando em uma experiência vazia. Nesse sentido, alguns
autores fazem criticas severas à releitura, devido ao aspecto de cópia que lhe
pode ser imprimido. Vejamos as palavras de Ana Amália Tavares Bastos Barbosa
( in Barbosa 2005a)
André: Ok. Deixa só eu tentar colocar aqui. Porque eu acho que são valores
completamente diferentes, você mandar copiar é uma coisa, observar, copiar, é um valor
do exercício artístico. Tá? Você mandar abstrair é outro valor do exercício artístico. Você
mandar reler é outro valor. Entendeu o que eu estou falando? São valores que você deve
explorar.
Elisa: E quando você manda o aluno criar é outra coisa.
André: É só você imaginar que você está dando uma aula de desenho e você pegou uma
pessoa que não sabe nada de desenho, essa pessoa deve primeiro o quê? Deve fazer o
que? Vamos colocar um objeto aqui e vamos observar como é que faz. Depois vamos
começar a abstrair em cima desse objeto, e depois vamos começar a criar alguma coisa.
Entendeu? Então o processo de sala de aula deve ser mais ou menos a mesma coisa.
Agora, quando você pega uma criança, pequenininha não adianta colocar um objeto pra
ela copiar não. Você tem que saber com que público você está lidando, não é? Você tem
que fazer um diagnóstico desse público.
Rosane: Mas você pode chegar e falar assim: - Gente, vamos desenhar essa obra de
novo. Eu quero que vocês copiem essa obra, mas mudando cinco coisas.
André: Ah, é legal bem.
Rosane: Eu passo uma tarefa para o aluno criar sem perceber que está criando. Se eu
der uma coisa e falar: - faça um desenho. Ele vai fazer uma bobeirinha, uma casinha, um
solzinho e acabou.
O desenho geométrico foi lembrado pelos dois grupos que percebem, nos
alunos, um despreparo para o uso de instrumentos técnicos básicos como, por
exemplo, a régua. Dificuldades que se revelam no traçado de linhas e formas,
conhecimentos úteis para a execução de desenhos artísticos. Elementos do
desenho que vão desde o ponto, a linha, plano, a superposição, figura e fundo, a
perspectiva, a profundidade, a proporção, o volume, a sombra e a luz. Selecionei
algumas falas dos grupos que elucidam a necessidade de elementos básicos de
desenho, elementos estes que podem garantir uma melhora na produção da
turma, ajudando a desenvolver a linguagem gráfica dos alunos:
Valéria: Eu fiz questão de convidar a Regina, porque é o outro lado, não é? Regina é
professora do Colégio Militar, dá aulas de Desenho Geométrico e é formada em Arte pela
UFJF.
A Rosa comentou assim: - O aluno não tem mais a formação em Desenho Geométrico,
nem o professor de Matemática, que tem seis aulas, não tira uma aula para dar Desenho
Geométrico e o professor de Artes, que tem uma aulinha só, não vai priorizar o desenho
Geométrico, ele vai priorizar a Arte. Graças a Deus, está é a minha posição. Porém o
Desenho Geométrico ficou no ar. O menino, às vezes, não sabe pegar uma régua e
medir três centímetros, você fala com ele, ele começa a medir do um, ele não começa do
zero.
Rosa: Eu falei sobre a parte do Desenho Geométrico, não é que eu ache que eles têm
que sair da arte para uma coisa mais tecnicista não, mas é que isso...
Teresa: É pré-requisito.
Rosa: Isso é pré-requisito pra um monte de outras coisas.
Regina: Na verdade as áreas estão muito próximas, a gente está vivendo um momento
em que as pessoas estão tomando consciência de que uma coisa precisa da outra.
No terceiro encontro do grupo N a questão aparece novamente:
Rosa: Eu estou ensinando desenho para os meus alunos e eles não têm base, eu falo
com eles na aula assim:
_Sabe o que é perpendicular gente?
_Não lembro mais não, professora.
_ E um ângulo de 90º? Sabe o que é um ângulo de 90º?
Eu tive que parar, ir no quadro e dar uma aulinha pra eles, fiz os símbolos, fiz os ângulos,
fui mostrando, isso aqui tem 90º. Por que eu tive que fazer isso? Eu vou falar com eles
que um rosto tem uma simetria, que a linha dos olhos é perpendicular à linha do eixo do
rosto que eu estou fazendo ali. Como eu vou fazer você entender que se você inclina o
rosto essa linha (mostrando o eixo de simetria de seu rosto) inclina? Eles estavam
fazendo assim, um aqui e o outro aqui, mantendo a horizontal. Então é assim, uma coisa
básica, mas numa turma de mais ou menos 15 alunos, eles estavam tendo dificuldade.
André: Uma coisa muito legal pra trabalhar em artes que eu não sei se vocês já
exploraram, é fundo e forma. Fundo e forma. Tipo assim, os meninos desenharam um
jarro de flores. Usamos carvão no jarro, depois a gente recortou o jarro de flores e depois
recortamos um pedaço de papel colorido e pegamos uma folha e viemos colocando, o
papel colorido tipo uma mesa. Então veio o papel branco, o pedaço de papel colorido e
depois o jarro em cima colocado. Essas coisas assim.
Risos.
Valéria: Interessante, eles vêem o que é o fundo, o que é a figura, o que é plano.
André: Eu acho que essas coisas que têm volume, sombra e luz, perspectiva, você tem
como trabalhar demais em arte. São os valores da arte que você pode estar passando
para o aluno e eles descobrirem que é possível fazer isso. Perspectiva, quando eles
descobrem que podem fazer uma perspectiva de um prédio de esquina, eles ficam
babando, com ponto de fuga e tudo, que é mais ou menos uma geometria, mas não deixa
de ser arte também. Quando eles descobrem que podem estar fazendo isso, que aquilo
não tem nada de talento, que aquilo é técnica. E aí ele começa a achar que ele pode
desenhar, entendeu?
Rosane: Eu trabalho muito a perspectiva.
Rosane:... O segredo está nas aulas de Arte, essa leitura atrás da imagem, você
contextualizar uma propaganda, uma imagem, você lembra até um tempo atrás tinha uma
propaganda de revista, até daquele cara da “Bom-Bril” vestido com a roupa de Che
Guevara, aí a frase era, esqueci. Como é a frase?
Valéria: Hei de endurecer, mas perder a ternura jamais. Essa frase dele é bem
conhecida.
Rosane: Exatamente, olha bem a leitura atrás da imagem que aquilo traz, a gente
precisa, a gente deve exercitar isso nos alunos da gente e é as artes que tem mais
espaço pra isso. Uma novela na televisão, uma propaganda.
Valéria: Eu fiz o meu auto-retrato assim ó! Está aqui, olha sou eu.
(Mostrei o desenho)
Risos
Rosa: Meia engrenagem do tempo, ...
Valéria: É. Aí cada um pode falar, o que você vê, Débora? Como você vê esse desenho?
Débora: É você como ser humano e você, assim, no meio da luta, realmente, agora, de
mestrado, da falta de tempo ou o tempo pressionando em cima, mas aí tem também um
pouco da técnica de Picasso.
Risos
Teresa: É. O cubismo dela está retratando sabe o que? O lado direito, eu vejo o lado
humano, você aquela pessoa simples, tranqüila, você uma pessoa leve e o outro, o lado
esquerdo que é o da engrenagem, aquele ser humano movido ao tempo, e tendo que dar
conta de um monte de coisas e isso está te sufocando, fazendo com que você mude até
o seu olhar, seu olhar esta até puxado, sua pálpebra até desceu aqui, olha... Isso está te
cansando.
Valéria: Nossa, vocês estão fazendo um auto-retrato mesmo!
Rosa: Um dia o meu aluno perguntou assim: - Você pode analisar a gente através do
desenho? Eu disse: - Nossa e como, a gente consegue dissecar bem, não é?
Concordam e sorriem.
Teresa: Agora eu entendi esse seu auto-retrato.
Rosane: Vivemos num mundo imagético, começamos assim. Você tem mais pena, hoje,
de um deficiente visual ou de um deficiente auditivo? Hoje?
Elisa: Ah.
Rosane: Porque há um século atrás, o conhecimento que a gente recebia era muito maior
através do processo auditivo, a oralidade, não é? Uma pessoa surda/muda tinha uma
perda muito maior do que a pessoa que era deficiente visual. Hoje nesse mundo
imagético que a gente vive, gente, é complicadíssimo. A pessoa ficar antenado sem...
André: Ver
Rosane: Sem conseguir usufruir essa quantidade de conhecimento através da visão que
a gente recebe. Então essa leitura oculta que está na imagem, não é? A gente tem uma
quantidade de imagens, de conhecimento, e o menino não dá conta de absorver isso
tudo...
André: Eu acho que o recurso da visão é tão amplo, mas tão amplo, que, realmente, é
mais triste não ter a visão.
Elisa: Mas existem tantos recursos hoje em dia. Vocês viram, naquele programa de TV,
uma professora que está trabalhando com dança para pessoas cegas? Eu vi, também,
uma propaganda de um cara, que está jogando futebol, que é cego.
19
O questionário elaborado pela professora consta nos anexos.
com perguntas. Logo no primeiro encontro do grupo N, ela nos fala que um dos
objetivos do questionário é saber qual e a vivência artística e cultural de seus
alunos.
Rosa: _ Eu tenho um questionário que aplico nos alunos do CEM desde quando comecei
aqui, foi em 2003 que eu comecei a fazer esse questionário. Então, já passaram por mim,
mais de 8 turmas, acho que essa é a nona ou a décima, de 2003 para cá. Então eu tenho
esses questionários guardados. Eu ia até me desfazer deles, mas já vi que não vou me
desfazer.
Valéria: É a memória histórica.
Rosa: É um documento. É um documento que eu tenho, porque nesse questionário eu
estou perguntando se eles já tinham visto exposição de Artes Plásticas, qual é a vivência
deles de teatro, de música, de cinema, se tocam algum instrumento, se conhecem
museus, se conhecem o Cine Teatro Central. Perguntas básicas assim, mas dá pra gente
perceber qual é a vivência artística e cultural deles.
Valéria: Você pode trazer esse questionário para o próximo encontro?
Rosa: Claro. Como eles são de vários bairros, o que acontece? Dá para você ter uma
visão de Juiz de Fora com esse questionário.
Débora: Eu estou dando aula de Metodologia de Artes Visuais, no curso Normal Superior
e um dos trabalhos que eu faço é isso, mandar em campo. Meus alunos devem
pesquisar sobre as Galerias de Arte, os teatros, mando elas virem fazer pesquisas no
Bernardo Mascarenhas, no Fórum da Cultura. A grande maioria nunca foi a esses locais.
Não sabiam...
Valéria: São meninas do Grambery que é um colégio tradicional e renomado em Juiz de
Fora.
Débora: Elas ficam encantadas com Juiz de Fora, com as pinturas, com as coisas, elas
vão atrás, estão assim, oh, borbulhando, porque elas não sabiam, são adultas!!
Valéria: Meninas que, em muitos casos, tem boas condições financeiras.
Rosa: Mas por quê que existe...
Débora: E a aluna que vai ser professora dos meninos de 1ª a 4ª séries, que não tem
essa sensibilização para a arte, vai ser aquela que vai massacrar,...
Teresa: Vai massacrar.
Débora: Inclusive algumas falas das meninas são de que elas não sabiam que era de
graça. Uma delas veio encantada e disse: - Eu posso ir ao teatro. Ela não sabia que ela
podia ir ao teatro. Porque o grupo dela foi fazer a pesquisa nos teatros. Ela falou: - Eu
posso ir ao teatro. Ela descobriu com quase 30 anos que podia ir ao teatro e que ele era
franqueado, que não era de elite, que não era só de um grupo específico e que era de
graça. Então uma professora que não tem esse conhecimento, como é que ela vai formar
crianças?
Débora: Coisa que eu já fiz com os meninos, foi observação da natureza. Então eu já
conversei com eles sobre as cores do céu? As cores e as formas das folhas? E a minha
escola tem a boa qualidade de ser rodeada de montanhas, de ter árvores e tudo. Então
eu já fui para fora da sala para que eles vissem que existem formas diferentes de
árvores, de troncos e caules diferentes, tamanhos, de folhas e flores diferentes. Então
eles ficavam observando tudo, céu, nuvem e quando eu voltei pra sala, falei: - Agora
vocês vão desenhar pra mim as árvores que vocês viram. E nenhum fez aquela cópia
que todo mundo desenha, e outra coisa este desenho ninguém deixou que eu ficasse,
nenhuma turma que eu fiz esse trabalho, eles não me deram, eles quiseram o trabalho
pra eles, de tanto que eles gostaram de fazer aquilo. Porque eles sabiam fazer, árvores
diferentes, com cores diferentes e formas diferentes.
Valéria: Então olha só o salto, não é? Esse momento é o que é mais interessante.
Quando o aluno descobre que tem uma capacidade de expressão, que ele sabe fazer e
que fica lindo.
Marta: Eu tive uma experiência de uns três, quatro anos trabalhando com alunos da
terceira idade, num projeto de extensão da terceira idade então aí eu pegava pessoas já
de idade que nunca pegaram num lápis pra fazer um desenho, nunca pegaram num
pincel pra nada. Analfabetos artísticos, totalmente, de desenho, de tudo.
Eu tive uma aluna assim, com 70 anos. Eu fiz um trabalho parecido com esse da Débora.
Pedi que, quando eles estivessem na rua, no bairro, olhassem as folhas. Porque na hora
de fazer o desenho de paisagem, essa aluna não tinha noção, falei: - Vai olhar, vai
observar. Ela veio maravilhada, porque ela começou a achar folhas amarelas, folhas, não
é flor não. Folhas roxas, vermelhas, coloridas. Ela passou a fazer coleção de folhas, ela
falou: - Gente, nunca tinha visto uma folha dessas!
Risos.
Marta: Mas foi uma descoberta.
As falas das professoras são exemplos de como o exercício visual,
acompanhado de atividades práticas de produção de trabalhos, pode contribuir
para um conhecimento da linguagem artística e, ao mesmo tempo, ampliar o
conhecimento de si e do mundo. Essa possibilidade de descobrir algo novo
proporcionado pelas professoras faz com que os alunos exercitem o sentido de
pertencimento, de ser cidadão. Tal possibilidade “de que algo nos toque”, de que
ocorram mudanças na forma de olhar o mundo e de se olhar são fundamentadas
na fala de Larrosa (2004):
20
TIBURI, Márcia. Aprender a pensar é descobrir o olhar. Jornal do Margs, Porto Alegre, n.103,
set/out., 2004, p.8. Disponível em www.margs.org.br Acesso em: 08/04/2007.
MARGS – Museu de Arte do Rio Grande do Sul
que se espere dele o aspecto contemplativo. Ver é reto, olhar é sinuoso.
Ver é sintético, olhar é analítico. Ver é imediato, olhar é mediado. A
imediaticidade do ver torna-o um evento objetivo. Vê-se um fantasma,
mas não se olha um fantasma. Vemos televisão, enquanto olhamos uma
paisagem, uma pintura (2004, p.8).
Regina: É, eu acho que a gente tem que bater nessa tecla, de que existe um conteúdo que é
necessário para a formação integral do aluno e esse conteúdo está sendo perdido por algum
motivo e as pessoas estão achando isso desnecessário, mas não é. É você ampliar a sua visão, o
seu olhar, eu falo com os meus alunos: a gente nasce enxergando, a gente consegue andar e tudo
agora saber ver é uma questão de você apurar o seu olho e isso é um processo muito mais
profundo entendeu? Você pode ser um analfabeto visual, você olhar um desenho e não ver nada,
e ficar ali e quando o seu olhar for trabalhado você consegue ver as nuances, fato igual acontece
com a música.
Regina: Eu quero aproveitar a fala dela, porque eu achei muito importante e tem a ver
com o meu trabalho de mestrado. Eu trabalhei essa questão da imagem dentro do texto
literário, trabalhei o que existe de imagem na literatura poética. Eu trabalhei com Clarice
Lispector. Acho muito importante os professores terem consciência, os professores de
língua portuguesa, por exemplo, eles têm essa preocupação de alfabetizar, de fazer com
que os alunos produzam textos, mas eles não percebem que a produção de texto está
muito ligada ao pensamento imagético, à produção das imagens mentais. Se essas
imagens não são produzidas e não se desenvolvem, o texto fica pobre, ele perde, ele fica
totalmente abstrato, então existe uma riqueza de imagens a todo momento. Qualquer
texto que você lê, até de Geografia ou de História, você está ali criando imagens, você
compreende o texto através das imagens, aprecia o texto pelas imagens, e eu acho que
aí é que entra o professor de artes. Se essas imagens não são trabalhadas fora da
literatura, como é que depois elas vão entrar? Como é que o professor vai exigir que o
aluno seja criativo num texto se ele trabalha a escrita simplesmente distante,
desconectada das imagens?
Não tem conteúdo mais rico do que a arte para se trabalhar a interdisciplinaridade. A arte
está em todas as disciplinas. A primeira etapa neste ano eu trabalhei arte na História e
Geografia, com o livro de História e Geografia, com o mapa-mundo, com tudo, e montei
um trabalho sobre isso. A segunda etapa que eu estou terminando é a arte na
Matemática, então eu trabalhei com o livro de Geometria, mas vendo a arte dentro
daquele livro, no ano passado eu dei um enfoque, esse ano eu estou dando outro
enfoque.
André: É maravilhoso isso. Você faz as montanhas, as igrejas, os meninos soltando pipa,
mais dá cada desenho maravilhoso.Talvez não com tanta complexidade, não é? Os
alunos falam assim: - Professor, quantas igrejas é pra desenhar? Porque olha só tem
1,2,3,4,5,6,7,8,9, tem 9 igrejas nesse trabalho dele.
Valéria: E se eles forem a Ouro Preto eles verão que existem várias igrejas, próximas
umas das outras, acho que existem mais de 9.
André: O universo de Guignard é esse. Ele se identificou muito com Minas Gerais, é o
pintor mais mineiro que tem no Brasil, a gente pode dizer isso. Que ele pinta muitas
igrejas, muita montanha, ele é lírico não é? Combina com a paisagem de Minas Gerais, é
interessante que aqui tem um cemitério. Os alunos perguntam: -Vai desenhar o
cemitério?
Risos
André: A gente está bem distante dessa questão histórica de Minas Gerais, desse toque
do Barroco, não é? Juiz de Fora é uma cidade imperial, ela é ligada a Petrópolis, é ligada
à corte do Rio de Janeiro.
Valéria: Exatamente.
Dentro dessa integração, também foi colocado que as Artes Visuais podem
mediar conhecimentos que favoreçam o processo de letramento do aluno, ou
seja, através da arte é possível dar contribuições para tornar o aluno competente
na leitura e na escrita. Lembrando que, já na educação infantil, trabalhar com
livros de imagens traz resultados eficientes para o desenvolvimento da
interpretação e do gosto pela leitura. A educação do olhar deve começar desde a
infância e os elementos que compõem o desenho (proporção, volume,
superposição, textura, sombra e luz) devem ser desenvolvidos junto com a
aprendizagem das letras.
Rosane: Eu fiz um curso de Especialização em Psicopedagogia e, na mesma
época, fui trabalhar com meninos de 1ª a 4ª séries para a Prefeitura. Porém, trabalhando
pelo Estado, ganhei uma vaga no curso de Especialização em Alfabetização e
Linguagem na UFJF. Inscrevi-me e acabei ficando, porque eu comecei a ver essa
questão do letramento, essa condição sofrível dos meninos de 8ª série, dos meninos da
4ª série, em relação ao ato de ler um texto e interagir com ele, não é? Eu comecei a me
questionar: - O que eu, como professora de Artes, o que eu posso fazer em relação a
isso? Porque eu não fiz magistério, não sou professora alfabetizadora, porém com o
curso pude conhecer um pouco mais de alfabetização, pude me envolver mais com isso
e foi muito bom.
Teresa: vocês não queiram imaginar como é difícil, mas quando você consegue ser
entendida, as pessoas passam a ter uma visão completamente diferente da disciplina.
Marta: A luta é essa mudar a visão naquele meio onde você está, eu acho que a luta é
essa.
Teresa: Então agora nessa terceira etapa foi a arte na Língua Portuguesa, vou trabalhar
o cordel. Então eu vou trabalhar inclusive com o professor da área, eu chamo o colega: -
Eu estou pensando em fazer isso, o que você vai trabalhar com seus alunos? Eu troco
idéia com ele, eu vou até ele, eu busco. Agora ele já fala: - Teresa, você poderia fazer
isso pra mim?
Valéria: Aí é que tem que tomar cuidado, Teresa. Tem que tomar cuidado com essa
frase.
Teresa: Se eu não tivesse embasamento, tudo bem. Aí ele ia me levar no bico.
Valéria: Se você não fosse esperta.
Teresa: Mas como eu sei aonde eu quero ir e onde eu quero chegar, aí ele não me leva.
Eu tenho meu domínio.
Valéria: Mas um outro professor de Arte pode ser manipulado.
É importante buscar, em Barbosa (2005a), as palavras de Michael Parsons,
tecendo explicações sobre o aspecto discutido acima, pois usar a arte apenas
como ferramenta para os conteúdos das outras disciplinas é o maior entreve para
a prática de um currículo integrado. No texto intitulado “Currículo, arte e
cognição”, o autor, que é professor da Universidade de Ohio State, Estados
Unidos, revela que:
Rosane: É triste quando alguém não consegue se emocionar numa cena dramática de
um filme ou quando não consegue viajar num quadro. Privar o aluno do contato com a
arte na escola é uma perversidade. O aluno de escola pública, muitas vezes, tem pouco
contato com as linguagens artísticas. A aula de arte é quem faz esse papel.
Ter compromisso com a profissão, ter consciência do conteúdo a ser
ministrado, saber que existe um objetivo implícito a ser alcançado são
fundamentos para que, aluno e comunidade escolar, não tenham um olhar
pequeno em relação ao Ensino de Arte. É preciso ter em mente que as aulas de
Artes Visuais têm seus domínios. Recordar conteúdos anteriores e fazer paralelos
com outras disciplinas demonstra a relevância do assunto trabalhado, ou seja,
são os pré-requisitos necessários aos alunos para prosseguirem a aprendizagem.
Elisa:- Se você não tiver compromisso com o seu conteúdo os alunos perceberão o
descaso e assim agirão também.
Rosane: - O clima da aula propicia aquela aulinha de brincar.
Não deixar que a aula de Arte seja um simples suporte para as outras
disciplinas e reconhecê-la como uma disciplina que possui seus domínios e que
esses domínios contribuem para a aprendizagem dos alunos, são estes os
aspectos abordados pelo grupo T.
No filme Sociedade dos poetas mortos o professor queria que seus alunos
vivessem cada minuto de suas vidas intensamente. “Carpe Diem, rapazes!
Aproveitem o dia! Façam de suas vidas algo extraordinário” e com esse objetivo
ele desenvolvia seu trabalho inspirando seus alunos por meio da poesia (só podia
ser através de uma linguagem artística).
As professoras foram enumerando os objetivos: fazer com que os alunos
sejam capazes de fazerem novas descobertas, ampliar a visão artística do aluno,
ampliar, também, sua visão de mundo, perceber e desenvolver os sentidos (ver,
ouvir, tatear), capacitar o aluno para se expressar através das linguagens
artísticas, preparar para a vida, desenvolver a auto-estima para que o aluno possa
reconhecer-se como individuo e como coletivo.
Por fim, solicitei aos participantes que emitissem um parecer acerca dos
encontros, dos assuntos debatidos, da experiência vivida como participante do
grupo focal. As respostas revelam nossa carência de espaços de fala, espaços de
trocas de idéias e experiências. Revelam nosso isolamento, revelam também
nossa capacidade de superação de problemas e o quanto acreditamos naquilo
que trabalhamos, ou seja, o quanto temos consciência da importância da arte na
escola. Unir-se para defender a arte na escola passou a ser objetivo dos
participantes do grupo focal. Sobre este aspecto destaco algumas frases
significativas:
Teresa: Gostaria de propor que não acabasse, adorei, fiz amizades foi muito rico...
somos órfãos e precisamos de contato.
Rosa: Vamos trocar e-mails e telefones para mantermos contato.
Débora: Serviu para melhorar nossa própria didática.
Marta: Os encontros proporcionaram uma energia nova, animo. Nós aqui no
encontro falamos das mesmas angustias, não ficamos isolados, trocamos idéias.
Regina: Tenho agora consciência de estar imersa, de descobrir o magistério mais
forte em mim.
Valéria: Vou tentar montar um grupo de estudo para manter o vínculo.
__________. & Sales, Heloísa Margarido (org.) O ensino da Arte e sua História.
Cortez, 2001
Cortez, 2005b
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
1994.
6.
______. Parâmetros Curriculares Nacionais: Arte 5ª a 8ª. Brasília: MEC / SFE,
1998.
Papirus, 2004.
Autêntica, 2004.
Instituto de Artes. Pós Graduação. São Paulo, v.1, n.1, outubro 2005.
PILLAR, Ana Alice Dutra (org). A educação do olhar no ensino das artes. Porto
mar. 1991.
1987b.
1- Nome:___________________________________________________________
2- Endereço:___________________________________________________________
_____________________________________________________________
3- Telefone:_______________________________
4- E-mail:_________________________________
5- Formação Acadêmica:
Graduação:____________________________________Instituição:_____________
Especialização:_________________________________Instituição:_____________
Mestrado:_____________________________________Instituição:_____________
6- Vida Profissional:
Tempo de magistério: ___________________________
Local de trabalho: ____________________________________________________
Telefone:_____________________________________
Função que exerce:____________________________________________________
3. ANEXO
__________________________________________________
4. AUTO-RETRATOS
4.1 – Auto-retrato I
Professora Rosa
4.3 – Auto-retrato III
Professora Marta
4.4 – Auto-retrato IV
Professora Elisa
4.5 – Auto-retrato V
Professora Rosane
4.6 – Auto-retrato VI
Professora Teresa
5. ANEXO
6. ANEXO