Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
a Miss x
De Salomé
Agosto 2008 | 3
Extra_Femmes Fatales na arte
4 | Agost0 2008
sua linda cabeleira, o seu único ornamento. Quando ela ce. Essas mulheres são desastres dos quais ficam sempre
agarra um homem não o solta facilmente”. Na obra de vestígios no corpo e na alma. Há homens que matam
Rossetti, Lilith surge num aposento privado do Paraíso, por elas, outros que se extraviam”.
a pentear o seu longo cabelo ondulado e observando-se, A banalização do tema pelo decorativismo Art
ensimesmada, num espelho de mão, consciente da sua Nouveau e Art Déco reduziu a imagem a ornamento de
beleza divina. Rosas, dedaleiras e uma papoila acompa- jarras, jóias, candelabros, vitrais, espelhos, etc. A desin-
nham a figura, talvez atributos florais do lado escuro tegração do mito tornou-se assim efectiva, pelo menos
do eterno feminino. Enquanto em Londres a mulher até à sua recuperação pela indústria do celulóide. O
fatal se transfigurava em Lilith, em Paris, com o pincel cinema, melhor ainda do que a pintura, apropriar-se-ia
de Gustave Moreau, metamorfoseava-se em Salomé. da imagem mítica da femme fatale e fabricaria estrelas
A obra de 1876, intitulada A Aparição, alude à morte cinematográficas imbuídas de muitas das suas qualida-
de João Baptista por decapitação, funesto resultado des eróticas e carismáticas.
da dança orgíaca perante Herodes. A cabeça do Santo,
suspensa e aureolada, fixa o olhar na jovem da Galileia, Cinema, publicidade e arte contempo-
quem, surpreendida e extasiada diante do arrepiante rânea | Em 1915, Theda Bara protagonizou o filme
espectro, não manifesta qualquer arrependimento. Se a Escravo de uma paixão. Nascia assim a primeira mulher
Lilith de Rossetti é a mulher auto-suficiente, que recusa fatal do cinema mudo norte-americano. A consagração
a intervenção do homem e de Deus no seu destino, a chegaria dois anos mais tarde, com Cleópatra, ficando co-
Salomé de Moreau é a virgem sedutora, hipnótica, que nhecida desde então como a vamp. Outras actrizes, como
com um simples meneio obtém o que quer, por mais Louise Brooks (A Caixa de Pandora) e Marlene Dietrich
ambicioso que seja o seu pedido. A obra de ambos os (O Anjo Azul), também alcançariam o êxito encarnando
artistas supôs a irrupção profética de uma imagem desapiedadas amantes. No entanto, não foi na Europa que
feminina cujas características se estenderam por toda a a figura da femme fatale alcançou a sua máxima expres-
Europa, levada ao extremo da ficção por autores como são, mas em Hollywood, no cinema negro dos anos 40
Rops, Khnopff, Klimt, Franz von Stuck, Jean Delville e 50, demonstrando que o arquétipo funcionava para os
ou Munch. milhões de espectadores que acudiam às salas de cinema.
Na aparência física da femme fatale apreciam-se E assim continuou durante as décadas seguintes, pro-
uma série de coincidências: beleza sublime, pele mar- porcionando bons filmes e imortalizando beldades. As
mórea, cabelos longos – cobreados ou dourados mais intensas de finais do século XX foram, sem dúvi-
– e olhos verdes, por vezes violáceos. Em relação aos da, Kathleen Turner (Noites Escaldantes), Sharon Stone
seus rasgos psicológicos, sobressai a sua capacidade de (Instinto Fatal) e Linda Fiorentino (A Última Sedução).
subjugar o varão e a sua frialdade imperturbável, o que As mais recentes e desconcertantes, Jess Weixler (Teeth)
não a impede de usar uma voluptuosa sensualidade. e Amber Heard (All the boys love Mandy Lane), em dois
Uma das descrições mais esclarecedoras surge numa trabalhos enquadrados nos parâmetros da comédia e do
passagem de La Cara de Dios, do espanhol Valle-Inclán: terror adolescente, respectivamente. O primeiro retoma
“A mulher fatal é a que se vê uma vez e nunca se esque- o mito castrador da vagina dentada, enquanto o segundo
Gustav Klimt,
Friso de Beethoven
(As Forças Inimigas),
pintura sobre estuque,
1902. Österreichische
Galerie Belvedere,
Viena.Cortesia
Österreichische
Galerie Belvedere
Extra_Femmes Fatales na arte
6 | Agost0 2008