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CENTRO HOSPITALAR DE VILA NOVA DE GAIA E ESPINHO

SERVIÇO DE PEDIATRIA

UNIDADE DE IMUNOALERGOLOGIA E PNEUMOLOGIA PEDIÁTRICA

ANAFILAXIA
- Protocolo de atuação -

Liliana Branco, Maria Almiro, Catarina Maia, Cláudia Pedrosa, Jorge Romariz,

Mª Fátima Praça, Herculano Costa

Março 2015
Anafilaxia – Protocolo de Atuação

1- Introdução

Anafilaxia consiste numa reação de hipersensibilidade sistémica, com compromisso de dois ou


mais órgãos e/ou sistemas, de início súbito e potencialmente fatal.
Trata-se de uma emergência médica que requer tratamento imediato, sendo a precocidade da
intervenção fundamental para o sucesso terapêutico.

2- Epidemiologia

 A anafilaxia não é uma situação rara, tendo-se verificado um aumento do número de casos
nos últimos anos, principalmente nas crianças <3-4 anos, adolescentes e adultos jovens.
 Pode ocorrer em qualquer idade (casos descritos no 1ºmês de vida).
 A Incidência na população geral: 1,5-7,9 por 100.000 pessoas/ano.
 A prevalência na população geral situa-se entre 0,05-2%, contudo está provavelmente
subestimada (frequente subdiagnóstico e/ou desvalorização por parte do doente e/ou
médico). Na idade pediátrica a prevalência é desconhecida.
 A taxa de mortalidade é baixa (0,0125 a 0,3 mortes por 100.000 pessoas), sendo mais
frequente nos adolescentes e adultos jovens por causa alimentar.

3- Etiologia

A anafilaxia pode ocorrer por ingestão, injeção, inalação ou contacto direto com o agente
desencadeante.
Na população pediátrica, os principais agentes etiológicos são:

1- Alimentos
 É a causa mais comum de anafilaxia em idade pediátrica e no ambulatório.
 Qualquer alimento pode estar envolvido, dependendo dos hábitos de consumo de cada
região geográfica.
 Na Europa os alimentos mais frequentemente implicados são: o leite, o ovo, o
amendoim, os frutos secos, o peixe, o marisco, a soja, o pêssego e o sésamo.

2- Fármacos
 É a causa mais comum de anafilaxia nos serviços de saúde e na população adulta (na
criança é a 2ª causa mais frequente).
Anafilaxia – Protocolo de Atuação

 Em idade pediátrica, os principais fármacos são: os antibióticos betalactâmicos


(principalmente a amoxicilina) e os anti-inflamatórios não esteroides.
 Outros fármacos também foram descritos como possíveis desencadeantes: antivíricos,
antifúngicos, outros antibióticos, meios de contraste iodado, alguns fármacos
quimioterápicos, relaxantes musculares usados em anestesia (ex: vecurónio),
anestésicos, expansores do plasma e agentes biológicos.
 A vacinação é rara causa de anafilaxia:
o 1,5 casos por um milhão de administrações
o Mais prevalente nos 1ºs 20-30 min após administração
o Vacinas mais implicadas: VASPR e a vacina para o vírus influenza

3- Picada de himenópteros (abelhas e vespas)

4- Látex
 Raro (<1%)
 ↑ incidência na população geral nos últimos anos
 Idade pediátrica: pouco comum
 Frequente contacto com brinquedos de borracha, chupetas, tetinas de biberão,
aspiradores nasais, fraldas, balões – pode provocar sensibilização alérgica
 Existe um maior risco:
o Na população atópica
o Nas crianças com <1 ano de idade submetidas a múltiplas intervenções cirúrgicas
(ex: crianças com espinha bífida ou malformações génito-urinárias), sendo mais
grave quanto> precoce e/ou> número de intervenções.

5- Fatores físicos
 Exercício (por vezes associado à ingestão de um alimento específico)
 Calor, frio ou a exposição solar

6- Outros: (raros)
 Ingestão de etanol
 Exposição ao sémen
 Exposição a aeroalergénios

7- Idiopática: (até 20%)


 Quando após extensa investigação, não é possível determinar a causa de anafilaxia
Anafilaxia – Protocolo de Atuação

4- Fisiopatologia

Independentemente do agente causal, numa reação anafilática ocorre libertação:


 Mediadores preformados, de forma súbita e maciça, por desgranulação dos mastócitos e/ou
basófilos -histamina, prostaglandinas, leucotrienos, quimase, triptase, heparina-
 Fatores quimiotáticos para os eosinófilos e neutrófilos
 Mediadores préformados a partir dos fosfolípidos da membrana celular - prostaglandinas,
leucotrienos, tromboxano e fator ativador das plaquetas-
Dependendo do agente causal, este processo pode ser desencadeado por um ou mais mecanismos
patogénicos (alguns agentes podem relacionar-se com vários mecanismos) - ver tabela 1

Mecanismo imunológico mediado por IgE


 Mecanismo responsável pela maioria dos episódios de anafilaxia
 A união do antigénio a IgE específica ligada ao mastócito e/ou basófilo produz a ativação e
desgranulação destas células
 Este tipo de reação exige uma sensibilização prévia (não aparece na 1ª exposição ao alergénio)
 Exemplos:
- Alimentos (leite, ovo, peixe, amendoim, frutos secos, crustáceos, sésamo, aditivos (sulfitos,
glutamato de sódio, papaína, corantes e contaminantes)
- Medicamentos: antibióticos betalactâmicos, anti-inflamatórios não esteroides, anestésicos,
miorrelaxantes, alérgenos (imunoterapia específica)
- Venenos de insetos: himenópteros (abelha, vespa)
- Látex
- Alergénios ocupacionais e alergénios inalantes (cavalo, hamster, pólenes)
- Fluido seminal
- Meios de contraste radiológico
Mecanismo imunológico não mediado por IgE
 Anafilaxia ocorre por outros mecanismos imunes (ex: ativação da cascata do complemento ou
do sistema de coagulação, citotoxicidade mediada (IgM, IgG ou imunocomplexos)
 Não exige sensibilização prévia (pode aparecer no 1ª contato com o agente causal)
 Exemplos:
- Dextranos, meios de contraste radiológicos
- Terapêuticas biológicas: anticorpos monoclonais (ex: omalizumab, infliximab, cetuximab),
vacinas, hormonas
Mecanismo não imunológico
 A presença de cofatores desencadeantes provoca a libertação direta de mediadores dos
Anafilaxia – Protocolo de Atuação

mastócitos e basófilos através de mecanismos ainda não esclarecidos


 Exemplos:
- Agentes físicos: frio, calor, radiação solar / UV, exercício
- Etanol
- Medicamentos: opiáceos
Anafilaxia idiopática
 Quando o agente desencadeante não é identificado
Tabela 1 – Possíveis mecanismos patogénicos responsáveis por anafilaxia descritos na literatura

5- Fatores de risco

Associados a um maior risco de gravidade de anafilaxia e mortalidade

1. Fatores relacionados com a idade:


 Crianças em idade pré-escolar (principalmente os lactentes):
o Incapacidade de descrição de sintomas
o Clínica inespecífica, sendo alguns sintomas habituais nas crianças saudáveis
(regurgitações, fezes moles,…)
o Frequente ocorrer a 1ª manifestação clínica de sensibilização ao alergénio
 Adolescentes:
o São o maior grupo de risco em idade pediátrica
o Redução da supervisão dos cuidadores
o Maior frequência de comportamentos de risco (drogas e álcool) e de transgressões
dietéticas
o Esquecimento ou preconceito em transportar o auto-injetor de adrenalina
2- Doenças concomitantes:
 Asma (principalmente quando grave/mal controlada) e outras doenças respiratórias
 Doença cardiovascular
 Mastocitose ou outras patologias clonais dos mastócitos
 Doença alérgica associada (rinite, eczema)
 Doença psiquiátrica

3- Uso de fármacos:
Anafilaxia – Protocolo de Atuação

 Beta-bloqueantes, inibidores da enzima conversora da angiotensina (interferem com a


capacidade de resposta a adrenalina)
 Álcool, sedativos, hipnóticos e drogas (pelo paciente ou cuidador -induzem dificuldade
de reconhecimento de causas ou sintomas)
4- Cofatores:
 Exercício físico, infeção aguda (IVAS), febre, stress emocional, alterações à rotina
quotidiana (ex: viagens), período pré-menstrual

6- Manifestações clínicas

A anafilaxia pode afetar qualquer órgão ou sistema, existindo um amplo espectro de


manifestações clínicas possíveis, o que pode dificultar o seu diagnóstico - ver tabela 2
 No geral a clínica:
o Inicia-se nos primeiros 30 minutos (o intervalo entre a exposição e o início dos
sintomas pode variar com o tipo de alergénio e via de exposição – progressão pode
ser mais rápida se picada de inseto ou administração de fármaco endovenoso)
o É mais grave quanto mais precoce for o aparecimento da reação anafilática após
exposição ao fator desencadeante
 As manifestações podem diferir entre os pacientes e até mesmo no mesmo paciente (em
episódios distintos)
 Sintomas mucocutâneos:
o Na maioria dos casos estão presentes (80-90%) associando-se a um ou mais sintomas
de outros órgãos
o Ausentes até 20% casos – Nunca excluir um quadro de anafilaxia se não existir
atingimento mucocutâneo
 Sintomas respiratórios:
o Mais frequentes na idade pediátrica, sendo as manifestações cardiovasculares mais
prevalentes na população adulta
Pele e mucosa Eritema, prurido, urticária, angioedema, exantema morbiliforme, ereção pilosa
(80-90%) Prurido, eritema e edema peri-orbitários, eritema conjuntival, lacrimejo
Prurido labial, da língua, palato ou do canal auditivo externo; edema dos
lábios, língua e úvula
Prurido palmar, plantar e dos genitais (patognomónico)
Respiratórios Prurido ou congestão nasal, rinorreia, espirros
(40-60%) Prurido e aperto da orofaringe, disfonia, estridor ou tosse seca Taquipneia,
Anafilaxia – Protocolo de Atuação

dificuldade respiratória, constrição torácica, sibilância, diminuição do


DEMI/PEF*
Cianose, paragem respiratória
Gastrintestinais Dor abdominal, náuseas, vómitos, diarreia, disfagia
(40-60%)
Cardiovasculares Dor retrosternal, taquicardia, bradicardia, outras arritmias, palpitações
(40-60%) Hipotensão, lipotimia, choque Paragem cardíaca
Sistema Nervoso Agitação, alterações do comportamento (ex: irritabilidade nos lactentes),
Central sensação de morte iminente, alterações mentais, tonturas, confusão, visão em
(1/3 casos) túnel, cefaleia
Outros Sabor metálico, hemorragia uterina, perda de controlo dos esfíncteres
*PEF/DEMI – Débito expiratório máximo instantâneo (peak expiratory flow) Tabela 2- Sintomas e sinais de anafilaxia

6.1- Classificação de gravidade da anafilaxia (tabela 3)

Ligeira Moderado Grave


Prurido generalizado
Eritema (flushing)
Cutâneo Sintomas anteriores Sintomas anteriores
Urticária
Angioedema
Prurido orofaríngeo
Sintomas anteriores
Edema labial Sintomas anteriores
+
Sensação de opressão +
Digestivo Diarreia
orofaríngea Perda de controlo de
Dor abdominal intensa
Náuseas/vómitos esfíncteres
Vómitos recorrentes
Dor abdominal ligeira
Rinite Sintomas anteriores
Sintomas anteriores +
Prurido faríngeo +
Saturação O2 <92%
Respiratório Sensação de opressão Disfonia, tosse laríngea,
Cianose
torácica estridor, dispneia
Paragem respiratória
Broncospasmo ligeiro Broncospasmo moderado
Hipotensão, choque
disrritmia, Bradicardia
Cardiovascular Taquicardia Taquicardia
(grave)
Paragem cardíaca
Alteração do nível de Tontura Confusão
Neurológico
atividade, ansiedade Lipotímia Perda de consciência
Tabela 3- Classificação da gravidade de anafilaxia

7- Abordagem diagnóstica

O diagnóstico é essencialmente clínico e deve realizar-se o mais precocemente possível.


Em muitas ocasiões, este pode não ser evidente (sintomatologia clínica variada), pelo que é
necessário manter um alto índice de suspeição.
Anafilaxia – Protocolo de Atuação

Todos os episódios são de registo obrigatório no Catálogo Português de Alergias e outras Reações
Adversas -CPARA- (mesmo na ausência da identificação do agente indutor).

7.1 - Critérios clínicos de diagnóstico


Deve considerar-se anafilaxia como muito provável quando exista uma reação sistémica grave, na
presença de pelo menos UM dos TRÊS critérios clínicos seguintes:
Início súbito (minutos a algumas horas) com envolvimento da pele e/ou mucosas (urticária,

1
eritema ou prurido generalizado; edema dos lábios, da língua ou da úvula) e pelo menos UM
dos seguintes:
a. Compromisso respiratório - dispneia, sibilância/broncospasmo, estridor, diminuição do
FEV1/PEF*, hipoxemia
b. Hipotensão ou sintomas associados de disfunção de órgão terminal - hipotonia
(colapso), síncope, incontinência
Ocorrência de DOIS ou mais dos seguintes, de forma súbita, após exposição a um alergénio

2
provável para aquele doente (minutos a algumas horas):
a. Envolvimento da pele e/ou mucosas - urticária, eritema ou prurido generalizado; edema
dos lábios, da língua ou da úvula
b. Compromisso respiratório - dispneia, sibilância/broncospasmo, estridor, diminuição do
FEV1/PEF*, hipoxemia
c. Hipotensão ou sintomas associados (ex. hipotonia (colapso), síncope, incontinência)
d. Sintomas gastrintestinais súbitos – cólica abdominal, vómitos
Hipotensão após exposição a um alergénio conhecido para aquele doente (minutos a algumas
horas):

3
a. Lactentes (1-12 meses): PAS* <70 mmHg
b. Crianças (1-10 A): PAS* < 70 mmHg + (2xidade)
c. Crianças > 11 A: PAS* < 90mmHg ou diminuição do valor basal do doente superior a
30%/ diminuição da PAS* superior a 30%
*FEV1- volume expiratório máximo no 1º segundo; PEF - peak expiratory flow; PAS - pressão arterial sistólica
Tabela 4- Critérios de diagnóstico de anafilaxia segundo anafilaxia segundo NIAID/FAAN (2006) – adaptado da Norma da
DGS nº014/2012 de 16/12/2012 atualizada em 18/12/2014

NOTA: Anafilaxia não é sinónimo de choque anafilático – O choque anafilático corresponde ao


quadro de maior gravidade na anafilaxia (não é necessário para o diagnóstico)

7.2 – História clínica

Deve ser meticulosa, breve e dirigida fundamentalmente para:


 Sintomas atuais
Anafilaxia – Protocolo de Atuação

 Se alergénio conhecido ou suspeito - Tempo decorrido entre a exposição ao alergénio e o


aparecimento dos sintomas
 Se alergénio desconhecido - Eventos decorridos e locais frequentados nas horas prévias ao
episódio (ingestão de alimentos, medicamentos, picadas de inseto, exercício físico,…) –
orienta para o possível agente causal e para os potenciais fatores/cofatores de risco
 Antecedentes prévios de alergia ou de episódios similares (geralmente o agente
desencadeante é a mesma substância a qual ele é alérgico)
NOTA: A ausência de antecedentes alérgicos não descarta o diagnóstico (pode ser a 1ª
manifestação de uma alergia)

7.3 – Exame físico


 Avaliação rápida do doente de forma a verificar quais os órgãos/sistemas afetados, sendo
fundamental avaliar: via aérea (Airways), respiração (Breathing), circulação (Circulation),
estado de consciência (Disability), pele (Exposure).
 Estimar o peso ponderal

7.4 – Exames complementares de diagnóstico

 Doseamento da triptase sérica


 Trata-se de um dos mediadores preformados que se encontra principalmente nos mastócitos
e em menor quantidade nos basófilos
 É recomendado efetuar:
o O doseamento nas primeiras 6 horas após o início dos sintomas (preferencialmente
nos primeiros 15-60 minutos)
o A colheita de 3 amostras (idealmente):

 1ª - Logo que possível após início do tratamento

 2ª- 1 - 2h após início dos sintomas

 3ª- À data de alta ou em consulta posterior

 Um valor > 11,4 ug/l com regressão em 24-48 horas para valores basais:
o Indicativo de ativação dos mastócitos e permite apoiar o diagnóstico de anafilaxia
o Não prediz o grau da gravidade da reação
o Não é especifico (ex: pode estar ↑ na mastocitose sistémica)

 O valor normal não exclui o diagnóstico de anafilaxia (típico nos casos de anafilaxia alimentar
e quando não existe hipotensão)
Anafilaxia – Protocolo de Atuação

8- Diagnóstico diferencial

Na abordagem clínica de anafilaxia é importante considerar outros diagnósticos diferenciais, mas a


ponderação não deve implicar um atraso na decisão médica -Ver tabela 5

Síndromes associados a flushing Excesso endógeno de histamina


- Síndrome carcinoide - Mastocitose sistémica
- Ingestão álcool - Leucemia de basófilos
- Carcinoma medular da tiroide (raro) - Leucemia promielocítica aguda
Doenças respiratórias e cardiovasculares - Quisto hidático
agudas Urticária / angioedema
- Asma em agudização - Urticária aguda generalizada
- Embolia pulmonar aguda - Angioedema hereditário
- Enfarto agudo do miocárdio - Angioedema adquirido
- Laringospasmo Miscelânea
- Bronquiolite* - Reação vasovagal
- Obstrução respiratória congénita (ex: - Aspiração de corpo estranho
laringomalácia)* - Espasmo de choro*
- Disritmia - Obstrução GI congénita (ex: estenose do
Doenças não orgânicas piloro)* ou adquirida (ex: invaginação
- Ataque de pânico intestinal)*
- Crise de ansiedade - GEA ou enteropatia induzida por proteínas*
- Disfunção das cordas vocais - Síndrome oral alérgica
- Globo histérico - Reação a sulfitos/glutamato monossódico
- Síndrome de Munchausen Feocromocitoma
Síndromes neurológicos - Outras causas de choque (hipovolémico,
- Epilepsia cardiogénico, séptico, hemorrágico…)
- Acidente vascular cerebral - Sindrome metabólico*
- Traumatismo crânio-encefálico* - Síndrome de morte súbita do lactente*
- Meningite* - Intoxicação acidental (medicamentos/
produtos químicos)*

* Patologias a considerar no diagnóstico diferencial particularmente nos lactentes e crianças em idade pré-escolar
Tabela 5- Diagnóstico diferencial de anafilaxia

9- Abordagem terapêutica

 A anafilaxia é uma situação de emergência médica, cuja abordagem é dependente de um


diagnóstico adequado e uma intervenção imediata.
 A precocidade desta intervenção é fundamental para o sucesso terapêutico.
Anafilaxia – Protocolo de Atuação

 Na sua abordagem NENHUMA medida deve atrasar a administração da adrenalina, que é


prioritária!
 NOTA: A abordagem terapêutica e as respetivas doses dos fármacos a utilizar estão
representadas no algoritmo terapêutico da anafilaxia – ver anexo 1

9.2- Medidas gerais não farmacológicas

 Interromper a exposição ao alergénio conhecido ou provável


o Se fármaco endovenoso - suspender perfusão
o Se fármaco ingerido ou alimento - não provocar o vómito; remover se presente na
boca ou pele
o Se picada de himenóptero - retirar o ferrão

 Efetuar uma avaliação rápida do doente (segundo a metodologia de prioridades ABCDE) e


obter uma estimativa do peso corporal e idade do paciente. Em qualquer altura:
o Se dificuldade/insuficiência respiratória refratária ou edema da glote – Entubação
orotraqueal ou nasotraqueal
o Se paragem cardiorespiratória – Iniciar suporte avançado de vida

 Monitorizar o doente (TA, FC, SaO2 e ECG)

 Administrar O2 suplementar:
o Todos os pacientes com anafilaxia (principalmente se sintomas respiratórios ou
hipotensão)
o Utilizar máscara de alto débito (O 2 a 10-15 L/min; FiO 2 – 40-80%), de forma a obter
SpO2 > 95%
 Posicionar o doente consoante a sintomatologia presente:
o Dificuldade respiratória – semi-sentado (numa posição confortável para o doente)
o Se inconsciente (a respirar) ou vómitos – decúbito lateral
o Se hipotensão/ hipotonia - decúbito dorsal com membros inferiores elevados
(Trendelemburg)
 Considerar a colocação de cateter venoso periférico

 Considerar colheita de sangue para triptase (idealmente 3 amostras)

9.2- Adrenalina intramuscular (IM)

 É o fármaco de eleição no tratamento de anafilaxia (fármaco de 1ª linha)


 Está indicado:
Anafilaxia – Protocolo de Atuação

o Em TODOS os pacientes que cumprem os critérios clínicos de diagnóstico de


anafilaxia
o Nos pacientes de alto risco (reações prévias) mesmo que não cumprem estritamente
os critérios de diagnóstico
 Tem efeitos:
o α1 adrenérgicos (aumento da vasoconstrição e da resistência vascular periférica –
reverte a hipotensão e edema da mucosa)
o β1 adrenérgicos (efeito cronotrópico/ionotrópico positivos- reverte hipotensão)
o β2 adrenérgicos (broncodilatação, diminuição da libertação de mediadores dos
mastócitos e basófilos)
 Não existem contraindicações absolutas para o seu uso numa situação de anafilaxia
 Esta deve ser administrada o mais precocemente possível (não se deve esperar que
apareçam os sinais de choque ou falência cardiovascular)
 A via intramuscular permite obter uma concentração plasmática elevada mais rápida e com
uma maior margem de segurança que a via subcutânea
 Local - preferencialmente na face ântero-lateral da coxa
 Dose-
Solução aquosa 1:1000 (1 mg/ml → 1 mg= 1 ml)
o Por grupo etário:
o <6 Anos - 0,15 mg
o 6-12 Anos - 0,3 mg
o >12 Anos - 0,5 mg
o Por peso:
o 0,01 mg/kg/dose (dose máxima 0,5 mg – exceto se crianças com <12 anos ou
<40 kg cuja dose máxima é 0,3 mg)
o Pode ser repetida após 5 - 10 minutos até ao total de três administrações

 Frequente os pacientes responderem a uma única dose de adrenalina intramuscular,


particularmente se for dada imediatamente após o início dos sintomas (18 a 35% dos casos
necessitam de mais de uma dose de adrenalina)
 Aparecimento de possíveis efeitos adversos (ansiedade, tontura, cefaleia, palpitações,
palidez e tremor):
o Pouco frequente (quando administrado por via IM)

9.3 - Outros fármacos

Anti-histamínico
 Fármaco de 2ª linha (não substitui a adrenalina)
Anafilaxia – Protocolo de Atuação

 Útil para o controlo dos sintomas cutâneos (prurido, urticária e angioedema)


 Sem efeito a obstrução das vias aéreas superiores ou inferiores, hipotensão ou choque
 Tipos de anti-H1 recomendados – clemastina ou hidroxizina
 Considerar a associação de um anti-H2 (controlo mais eficaz dos sintomas cutâneos que os
anti-H1 usados de forma isolada) – ranitidina

Corticoides
 Fármaco de 2ª linha (não substitui a adrenalina)
 Útil na presença de asma concomitante e na prevenção ou redução de reações prolongadas e
de reações bifásicas
 Fármacos recomendados - Hidrocortisona ou Metilprednisolona

Salbutamol
 Utilizar se presença de broncospasmo

 Recomendado a sua administração sob forma inalada por nebulização ou aerossol


pressurizado com câmara expansora
 Repetir a inalação em cada 10-20 min se necessário

 Se não for possível a administração por via inalatória optar pela via endovenosa

Adrenalina inalada
 Recomendado na presença de estridor (edema de laringe)

 Administração por nebulização

Fluídos eletrolíticos
 Utilizar em caso de hipotensão

 Recomendado administrar bólus de soro fisiológico

 Pode-se repetir se necessário

Glucagon
 Recomendado em caso de terapêutica com B-bloqueante ou hipotensão persistente
(anafilaxia refratária)
Adrenalina endovenosa
 Considerar o seu uso caso não se verifique a resolução do quadro de anafilaxia com os
restantes fármacos
Anafilaxia – Protocolo de Atuação

 Deve ser administrada preferencialmente numa unidade de cuidados intensivos (devido ao


risco dos efeitos adversos)

9.4 – Após resolução da anafilaxia


 Num episódio de anafilaxia (após a estabilização clínica) o doente deve manter-se sob
vigilância clínica por um período mínimo de 6 a 24 horas
 Este período pode ser mais prolongado e individualizado em pacientes com:
o Antecedentes de reações bifásicas prévias
o Antecedentes de asma grave/não controlada ou se apresenta broncospasmo
importante
o Difícil acesso ao meio hospitalar
o Reações de anafilaxia grave
o Situações em que a exposição ao alergénio pode repetir-se com facilidade
 Risco de reação bifásica:
o Consiste na ocorrência de uma 2ª reação anafilática após a resolução aparente do 1º
episódio inicial SEM exposição adicional ao agente desencadeante
o Ocorre até 11% em idade pediátrica (23% na população geral)
o Frequente surgir nas 1as 8 horas após resolução dos sintomas iniciais (mas em casos
excecionais pode prolongar-se até 72h)
o Geralmente afeta os mesmos órgãos/sistemas que a reação inicial (mas pode
associar-se a uma maior gravidade)
o Não existem preditores clínicos → alguns fatores de risco foram identificados:
o Ausência/atraso na administração de adrenalina
o Ausência de administração de corticosteroides
o Resposta inicial mais grave (com necessidade de> 1 dose de adrenalina para
resolução) ou mais prolongada

9.5 – Recomendações após a alta hospitalar

Face a um episódio de anafilaxia, devem ser preconizadas estratégias que minimizem o risco de
novos episódios e medidas preventivas que passam pela intervenção e orientação especializada:

 Orientar para consulta de Imunoalergologia pediátrica – OBRIGATÓRIO


 Fornecer:
Anafilaxia – Protocolo de Atuação

 Informações sobre como reconhecer uma anafilaxia - entregar folheto informativo


“Anafilaxia – como reconhecer e atuar”
 Plano de atuação de emergência de anafilaxia por escrito individualizado
o Este deve ser também fornecido a escola, particularmente se lactente (frequenta
infantário/ama) ou criança em idade pré-escolar e escolar
o Deverá constar o diagnóstico, a descrição dos sintomas possíveis e a atitude
terapêutica a adoptar, bem como a identificação dos contactos de emergência
 Formação verbal e por escrito sobre o manuseamento correto do auto-injetor de adrenalina
(ao doente e as pessoas com quem se envolve (família, professores,…) e alertar para a
necessidade de verificação do prazo de validade do mesmo
 Prescrever auto-injetor de adrenalina

Indicações absolutas Indicações relativas


 Anafilaxia prévia com agente  Reação não esclarecida de possível anafilaxia
desencadeante conhecido  Reação alérgica leve a moderada com pequenas
 Anafilaxia induzida por exercício quantidades de alimento
 Anafilaxia idiopática  Reação alérgica leve a moderada ao amendoim/noz
 Alergia alimentar nos pacientes  Residência com difícil acesso aos estabelecimentos
com asma persistente moderada aos cuidados médicos com antecedentes de reação
a grave ou não controlada alérgica leve a moderada a alimento, picada de
insecto, látex ou aeroalergénios
 Alergia alimentar em adolescentes
 Em Portugal, existem 1 tipo de auto-injetor (Anapen ®):
o 0,15 mg - Crianças com < 25 kg
o 0,3 mg - Crianças com ≥ 25 kg
 Evitar:
 Os agentes desencadeantes de anafilaxia (se conhecidos)
 Descompensação da patologia de base (ex: asma, mastocitose)
 Aconselhar a identificação do doente
 Ser portador de pulseiras ou outro tipo de identificação que assinalam o risco de anafilaxia e
os possíveis agentes desencadeantes

10- Bibliografia
Anafilaxia – Protocolo de Atuação

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 Echeverría Zudaire LA, del Olmo de la Lama MR, Santana Rodríguez C. Anafilaxia en Pediatría.
En: Protocolos diagnósticos y terapêuticos en pediatria de la AEP: Alergologia e Inmunologia
Clínica 2013;1:63-80
 Anafilaxia: Abordagem Clínica. Norma da DGS nº014/2012 de 16/12/2012 atualizada em
18/12/2014
 Campbell R, Li J, Nicklas R et al. Emergency department diagnosis and treatment of
anaphylaxis: a practice parameter. Ann Allergy Asthma Immunol 2014; 113:599-608

11- Anexos
 Anexo 1- Algoritmo da abordagem terapêutica da anafilaxia
Abordagem da Anafilaxia
(ver critérios de diagnóstico)

Remover alergénio conhecido ou provável (se possível)

*(Medidas gerais) Avaliar (A-B-C-D-E) + Peso corporal


Posicionar o doente
- Perda de consciência (a Solução aquosa 1:1000
Chamar ajuda
respirar) /vómitos: decúbito lateral (1 mg/ml  1 mg= 1 ml)
- Hipotensão/hipotonia: decúbito Dose:
dorsal com os membros inferiores
levantados (trendelemburg) Administrar adrenalina IM
- Por grupo etário (< 6 Anos - 0,15 mg;
- Dificuldade respiratória: semi-
6.12 nos- 0,3 mg; > 12 anos -0,5 mg)
sentado (numa posição confortável para o Medidas gerais*
doente)
Administrar O2 suplementar - Por peso (0,01 mg/kg/dose; máx 0,3
(O2 a 10-15 L/min; FiO2 a 40-80%)
Monitorizar o doente (FC,PA, FR, SpO2) Resolução dos sinais/sintomas? Sim Manter vigilância 6-24h
(de acordo com a gravidade do Reagravamento?
Considerar: quadro)
- colocação de acesso venoso
Não

Sim
Administrar de forma concomitante ou em sequência

Corticosteróide Repetir adrenalina IM de 5 em 5 min Anti-histamínico


Hidrocortisona: 4 mg/kg EV lento (máx 200 mg) (até 3 administrações) Clemastina: 0,025 mg/kg/dose IM ou EV (máx 2 mg)
Ou Ou
Metilprednisolona: 1-2 mg/kg EV lento (máx 250 mg) Hidroxizina: 1mg/kg/dose IM (máx 100 mg)
(+)
Ranitidina (AH H2): 1 mg/kg/dose EV (máx 50 mg)

Considerar acrescentar:

Se broncospasmo:
Salbutamol inalado:
Aerossol pressurizado com dispositivo expansor 50 ug/kg/dose (máx 1000 ug)
OU
Nebulização com 0,03 ml/kg/dose (mín 0,3 ml; máx 1 ml)
(Se necessário EV 5 ug/kg (máx 250 ug) em 30 min)

Se estridor:
Adrenalina nebulizada 1-2 ml/dose ou 0,5 ml/kg (máx: 5 ml/dose) de 1:1000 + 3 ml SF

Se hipotensão:
Fluidoterapia EV (Soro fisiológico) 20 ml/kg em infusão rápida 10-20 min – repetir se necessário

Se terapêutica com β-bloqueador ou hipotensão persistente:


Glucagon EV 30 ug/kg/dose (máx 1 mg)
Não

UCIP Não Rever medidas gerais e remoção do alergénio conhecido ou provável ALTA
renalina EV solução diluída (1:10000) em perfusão lenta
(0,1 ug/kg/min) -Prescrever dispositivo de de
m tomadas todas as medidas adequadas a situação clinica (incluindo todos os fármacos e doses máximas)? Manter vigilância 6-24h adrenalina (+treino)
Simacordo com a gravidade do quadro)
(de
Resolução dos sinais/sintomas?
Sim
-Ponderar prescrição de
corticoide oral e AH
-Entregar o folheto “Anafilaxia
-Registar no CPARA-
Em qualquer altura:
- Se dificuldade respiratória/insuficiência respiratória refratária ou edema da glote → entubação orotraqueal/ nasotraqueal Referenciar a consulta de
- Se paragem CR → Suporte avançado de vida Imunoalergologia Pediátrica

Versão 1 (Abril 2009) - António Vinhas da Silva, Cristiana Ribeiro

Versão 2 (Setembro 2010) - Tiago Magalhães, Cláudia Pedrosa, Jorge Romariz, Fátima Praça, Herculano Costa

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