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Ensino integral: mais

tempo para ensinar. E


agora?
A extensão da carga horária impacta a rotina da escola.
Nesta reportagem, os desafios que a equipe gestora
precisa enfrentar - e as soluções de cada um deles
POR:
Fernanda Salla, GESTÃO ESCOLAR, Aurélio Amaral
01 de Agosto de 2012

Mesmo que a instituição em que você trabalha ainda não esteja


atendendo os alunos em tempo integral, certamente a discussão sobre a
ampliação da carga horária já chegou às reuniões dos gestores, pois está
na pauta de todas as Secretarias de Educação do país. A oferta de vagas
em jornada de no mínimo sete horas vem aumentando ano a ano - e
virou política pública prioritária, tanto que o objetivo do Plano Nacional
de Educação (PNE) é chegar a 2020 com metade das escolas e um
quarto dos alunos das redes públicas nesse regime (veja gráfico abaixo).

Para as escolas, trata-se de uma mudança e tanto. É preciso ampliar o


currículo, rever a duração das aulas e adaptar os espaços. Ainda é
preciso reorganizar as turmas e o número de professores e funcionários e
recalcular a quantidade de material e merenda. Para o bem e para o mal,
não existe um modelo de organização nem tampouco um consenso sobre
de que maneira as horas a mais podem contribuir para a aprendizagem
dos alunos. Se por um lado as redes e as unidades têm liberdade para
decidir o que fazer com as horas que passam a mais com as crianças,
por outro há o risco de a falta de parâmetros levar a ações vazias e sem
impacto na formação dos alunos.

Contudo, há alguns consensos. O primeiro é que somente ter uma carga


horária maior não é determinante para que os estudantes tenham bom
desempenho - entre os primeiros colocados do Programa Internacional de
Avaliações de Alunos (Pisa), estão os finlandeses, cuja jornada é de cinco
horas nas séries iniciais. "Ficar mais na escola só é bom para o estudante
quando as atividades são planejadas e têm objetivos claros e há um
maior contato dele com o conhecimento", afirma Sergio Martinic,
professor da Pontifícia Universidade Católica do Chile (PUC-Chile) e
pesquisador da relação entre tempo e aprendizagem. Daí a importância
de investir na decisão sobre o currículo.

Outra unanimidade entre os especialistas é a importância social da


permanência na escola. No Brasil, essa concepção remete aos ideais dos
educadores Anísio Teixeira (1900-1971) e Darcy Ribeiro (1922-1997).
Para eles, a instituição de ensino deve investir também na formação
humanística e na inserção social dos alunos (leia a linha do tempo na
próxima página).

É justamente este um dos principais argumentos do Ministério da


Educação (MEC) na defesa da expansão do ensino integral: diante das
desigualdades sociais, é preferível que os educadores se responsabilizem
pelas crianças por mais tempo a deixá-las nas ruas. "Em muitas famílias,
não há quem as mantenha afastadas da violência", afirma Jaqueline Moll,
diretora de Educação Integral do MEC.
Com esse objetivo, o Programa Mais Educação, criado pelo governo
federal em 2007, financia o aumento da carga horária nas redes
estaduais e municipais, priorizando as unidades localizadas em regiões
de vulnerabilidade social e com baixo Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica (Ideb). Até 2011, cerca de 15 mil instituições haviam
aderido ao programa. A questão é: como vencer o desafio de ampliar a
oferta justamente nos locais que são mais carentes de recursos e
infraestrutura?

Segundo Jaqueline, é possível chegar a uma solução sem gastar muito


em reformas estruturais ou na contratação de pessoal. O Mais Educação
aposta na colaboração de instituições vizinhas à escola que possam
ceder seus espaços e no trabalho de voluntários - preferencialmente
universitários, professores aposentados e especialistas - dispostos a
contribuir com seu conhecimento específico (um mestre de tae kwon do
ou de xadrez, por exemplo) para a formação das crianças. Nesse caso, as
despesas de transporte e alimentação são custeadas pelo Programa
Dinheiro Direto na Escola (PDDE). O MEC sustenta que o contato com os
profissionais externos traz novas experiências à escola e a aproxima da
comunidade - argumento que também justifica a utilização de locais
alternativos para as atividades, como quadras públicas, praças, parques
e centros culturais.

Nos pontos relativos aos profissionais que ministram as oficinas e os


lugares em que elas acontecem, o governo encontra alguma resistência.
Boa parte dos educadores defende que as funções de ensinar devem ser
ocupadas por docentes especializados - necessitando, nesse caso,
ampliar as contratações da rede para atender à demanda. "Educação de
qualidade se faz com profissionalismo. O ideal é que os alunos estejam
sempre acompanhados por gente preparada para educar e que receba
formação específica para isso: os professores", defende Lígia Martha
Coelho, coordenadora do Núcleo de Estudos de Tempos, Espaços e
Educação Integral, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
(Unirio).

Em relação aos espaços alternativos, Lucia Helena Alvarez, professora da


Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), afirma que as parcerias
não podem servir para tapar buracos: "A formação humana e social faz
parte da concepção de ensino integral e, por isso, a escola precisa se
relacionar com o entorno. Contudo, isso não pode ser desculpa para a
falta de infraestrutura. A instituição precisa ser suficientemente equipada
para atender à demanda de aulas".

Como não há modelos definidos, é possível encontrar no Brasil vários


arranjos de tempo e espaço funcionando de forma eficaz. Algumas
iniciativas - como contratações, reformas estruturais e aumento da
merenda - deverão ser assumidas pela rede de ensino. Outras dependem
de decisões da equipe gestora. E é nos pontos que estão a cargo da
escola que esta reportagem irá se focar. Aqui, você vai conhecer os
principais desafios que a instituição enfrenta na hora de ampliar a
jornada e como solucioná-los.

Crescimento veloz

O número de matrículas em ensino integral* na Educação Básica no ano passado foi cinco
vezes maior que há cinco anos. Mas isso ainda é apenas um sexto da meta do Plano
Nacional da Educação para 2020.
* Carga horária diária igual ou superior a sete horas/ ** Projeção/ Fonte: MEC
Uma nova concepção de ensino

As primeiras experiências de jornada ampliada são antigas. Mas só agora elas se


consolidaram como tendência.

Década de 1950
Escolas-parque
Enquanto secretário de Educação da Bahia, Anísio Teixeira idealizou
instituições em que os alunos receberiam em um turno o ensino
tradicional e, no outro, a Educação social e humanística. Contudo, a
experiência pioneira não teve continuidade.
Década de 1980
Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs) 
Criados por Darcy Ribeiro com a proposta de desenvolver também
atividades desportivas, artísticas e de formação profissional. Hoje,
grande parte dos CIEPs (75%) do estado do Rio de Janeiro não é mais
integral.

1996
Lei de Diretrizes e Bases (LDB) 
Segundo o artigo 34, a permanência na escola deverá ser ampliada
progressivamente - o que consolida uma tendência da Educação
brasileira ao ensino integral.

2007
Programa Mais Educação 
Criado pelo Ministério da Educação (MEC), o programa financia a
ampliação do tempo de aula prioritariamente em escolas de baixo Ideb e
localizadas em territórios de vulnerabilidade social.
Estruturar o currículo

Conteúdo articuladoO laboratório aprofunda os temas de Ciências na


Marechal Ribas, em Goiânia
O MEC não estipula diretrizes curriculares para o ensino integral, porém
estabelece dez áreas do conhecimento a fim de orientar a escolha das
disciplinas. São elas: acompanhamento pedagógico, Meio Ambiente,
Esporte e Lazer, Direitos Humanos, Cultura e Artes, Cultura Digital,
Prevenção e Promoção da Saúde, Educomunicação, Educação Científica e
Educação Econômica. O aconselhável é que escolas com baixo
desempenho deem atenção especial ao acompanhamento pedagógico
(aulas de reforço, monitoramento para a lição de casa etc.).

Quando a escola tem autonomia, é interessante envolver a comunidade


na elaboração do currículo. A EM Marechal Ribas Júnior, em Goiânia,
selecionou as oficinas após consultar o conselho escolar. No fim do ano,
os alunos são avaliados e também dão sua opinião sobre as atividades.
Os resultados ajudam o conselho a reavaliar as propostas e a deliberar
se o currículo do ano seguinte será mantido ou não.

Outra questão a ser resolvida é como encadear as disciplinas e as


oficinas. Deixar as primeiras em um turno e as segundas em outro é
mais fácil? Talvez. Porém, na Marechal Ribas, os gestores perceberam
que os alunos davam importância apenas ao turno da manhã e viam a
tarde como um horário de brincadeira - quando o que se queria era que
tudo tivesse o mesmo valor. Outras escolas tiveram essa mesma
sensação. A solução foi então pedir à rede para intercalar aulas e
oficinas. "Ambos os esquemas podem funcionar desde que os gestores
concebam o currículo como um projeto único e atribuam sentido às
atividades", afirma Ilana Laterman, professora da Universidade Federal
de Santa Catarina (UFSC).

Definir horários
Aulas ampliadasOs professores de Arte do São Luiz, em São José (SC),
têm mais tempo para projetos especiais

Quantas vezes por semana oferecer cada oficina? Quantos minutos terá
cada uma? O tempo é a mudança mais nítida do ensino integral. Com
aproximadamente o dobro de horas e tendo a responsabilidade de
manter as crianças envolvidas com as propostas pedagógicas, os
gestores podem se questionar se as atividades diversificadas precisam
ter a mesma duração das aulas do currículo estruturante. O CEM São
Luiz, em São José, na Grande Florianópolis, achou que não - e precisou
fazer um bom exercício para montar a rotina.

Até o ano passado, todas as aulas tinham 45 minutos. No começo deste


ano, quando foi ampliada a carga horária, Xadrez, Dança, Arte Visual e
Música foram previstas seguindo essa regra. No entanto, os professores
notaram que as atividades propostas ganhavam ritmo e envolviam mais
os alunos justamente quando o sinal já estava para tocar. Após discutir o
assunto com a coordenação pedagógica, a direção decidiu ampliar o
tempo de algumas atividades para uma hora e meia. Deu certo para as
três primeiras. Nem tanto para Música: as crianças se mostravam mais
dispersas depois da metade da aula. Ela, então, voltou a ser dividida em
dois períodos de 45 minutos. "Como estamos no primeiro ano de
experiência, investimos na observação, nos registros dos docentes e na
reflexão coletiva para tomar as decisões. Com isso, vamos optando pelos
caminhos que dão mais resultado na aprendizagem", explica a
orientadora educacional Cris Junckes.

Adaptar espaços

Salas ambientesNa Rodrigues Mendes, em Jundiaí (SP), as atividades


extras são realizadas em espaço próprio

A estruturação da grade de horários depende também da disponibilidade


e da conveniência dos ambientes específicos para cada finalidade - e o
aumento do tempo é diretamente proporcional à demanda por espaço.
Há três alternativas para as instituições que mantêm turmas em dois ou
três turnos e vão transformá-los em um só. A primeira delas é reduzir o
número de turmas - o que depende de haver outras unidades da rede na
vizinhança que possam absorver parte dos alunos. A segunda é atender
a todas as turmas em ambos os turnos - e isso exige a ampliação do
prédio e, mais uma vez, o apoio da Secretaria. Por último, é possível
buscar novos locais e adaptar os já existentes - e é aí que as iniciativas
têm de partir dos gestores.

Como vimos no começo da reportagem, a reorganização dos espaços não


deve ser uma resposta improvisada à falta de estrutura. Qualquer
instituição - antiga ou recém-reformada - vai precisar de adaptações para
atender às necessidades específicas do integral. A EMEB Fábio Rodrigues
Mendes, em Jundiaí, a 63 quilômetros de São Paulo, havia sido ampliada
pouco antes de começar a atender seus alunos o dia todo. Mesmo
ganhando cinco novas salas, dois espaços tiveram de ser adaptados para
alocar todas atividades diversificadas em salas ambientes.

Um dos locais, previsto inicialmente para ser usado apenas para leitura,
passou a receber também aulas de Produção de Texto. O outro, projetado
para ser a secretaria, virou a sala de Inglês - e aquela acabou se
mudando para um espaço ao lado. Em ambos, os alunos se sentam em
mesas redondas - uma boa solução para lugares menores. A sala dos
professores, que antes comportava toda a equipe, ficou pequena para os
atuais 29 docentes e hoje ela serve apenas aos estudos e ao
atendimento individual feito pela coordenação pedagógica. As reuniões
de formação passaram a ser realizadas em uma sala de aula comum logo
após as aulas.

Organizar a formação

Formação em serviçoOs profisionais conveniados da Neusa Goulart, em


Porto Alegre, têm orientação da coordenadora

Como os alunos passam o dia todo na escola, os professores - em um


cenário ideal - também devem ter dedicação exclusiva. Dessa forma, fica
mais fácil organizar os encontros de formação, que podem ser realizados
logo após o horário letivo, pois, em geral, o turno integral se encerra um
pouco mais cedo que o vespertino tradicional. Caso isso não seja
possível, a melhor solução para promover a integração entre os
conteúdos trabalhados nas diferentes disciplinas é definir horários na
agenda para reunir periodicamente todos os professores de uma mesma
série.
Esses momentos são muito importantes no caso de instituições que
contam com outros agentes além do corpo docente contratado da
Secretaria de Educação, como os especialistas conveniados e os
universitários voluntários. Mesmo não fazendo parte do quadro fixo, eles
precisam conhecer o projeto político-pedagógico e contribuir para a
avaliação geral do aluno. Na prática, no entanto, é pouco comum que os
acordos firmados com a rede prevejam horas pagas para a realização da
formação dos responsáveis pelas atividades diversificadas. Nesse caso, o
diretor pode designar um coordenador pedagógico para fazer a
articulação com esses profissionais e voluntários.
Luciane Liberato Beheregaray tem exatamente essa função na EMEF
Neusa Goulart Brizola, em Porto Alegre. Ela repassa o planejamento dos
docentes da rede aos professores das oficinas em encontros após o
almoço. Periodicamente, Luciane também faz a intermediação, nesse
mesmo horário, entre os educadores da manhã e os da tarde para tratar
de dificuldades pontuais de alunos. Assim, as oficinas de Letramento no
contraturno, por exemplo, são planejadas considerando as necessidades
de aprendizagem das turmas em Língua Portuguesa.

Garantir a merenda

Diálogo com merendeirasNa Edson Giacomini, em Apucarana (PR),


reuniões garantem a qualidade das refeições
A merenda é um fator que afeta bastante a rotina da equipe gestora.
Primeiramente porque, em vez de se alimentar uma só vez na escola, o
aluno passa a fazer pelo menos três refeições ao dia - e isso requer a
seleção de um cardápio balanceado e variado por parte da direção, caso
a Secretaria não designe um nutricionista especificamente para a função.
Em segundo lugar, porque a cozinha precisa ser adaptada com fogões,
freezers e geladeiras com maior capacidade e despensas mais
espaçosas.
Além disso, a rotina de reuniões com as merendeiras ocupará mais
tempo no cronograma da direção. Há dez anos, antes de oferecer o
ensino integral, a EM Doutor Edson Giaciomini, em Apucarana, a 365
quilômetros de Curitiba, tinha apenas uma profissional que cuidava do
lanche. Desde então, a equipe aumentou para quatro. Para orientar a
chefe e as três assistentes, a diretora, Ederli Domingues, criou uma
parede de recados para a troca de mensagens pontuais e estabeleceu
uma periodicidade semanal de encontros de cerca de uma hora. "Antes
resolvíamos essas questões de um jeito informal, em conversas
esporádicas, feitas geralmente a cada 15 dias. Hoje precisamos agendar
os encontros com antecedência e reservar horário na agenda", conta
Ederli.
Nas reuniões, além do cardápio - elaborado por uma nutricionista da rede
-, são discutidas questões relacionadas à higiene e à saúde. Mais do que
supervisão, esses momentos têm uma intenção formativa.
As soluções para os problemas enfrentados por essas escolas podem
servir de orientação para a sua caso ela esteja passando pelo processo
de ampliação da jornada ou vá entrar nele. Ederli, que comandou essa
transição primeiro como coordenadora pedagógica e, posteriormente,
como diretora, conta que levou tempo para que professores, funcionários
e pais se acostumassem à nova rotina, mas que o esforço valeu: "As
taxas de evasão e reprovação, que há dez anos giravam em torno de 5%,
hoje são zero. E isso se deve em parte ao ensino integral".

Quer saber mais?


BIBLIOGRAFIA
Caminhos da Educação Integral no Brasil: Direito a Outros Tempos e Espaços Educativos, Jaqueline
Moll e colaboradores, 504 págs., Ed. Penso, tel. 0800-703-3444, 76 reais

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