Você está na página 1de 130

Universidade regional do noroeste do estado do rio grande do sul – unijuí

vice-reitoria de graduação – vrg


coordenadoria de educação a distância – CEaD

Coleção Educação a Distância


Série Livro-Texto

Vera Lúcia Trennepohl


(Organizadora)

formação e
desenvolvimento da
sociedade brasileira

Ijuí, Rio Grande do Sul, Brasil


2014
 2014, Editora Unijuí
Rua do Comércio, 1364
98700-000 - Ijuí - RS - Brasil
Fone: (0__55) 3332-0217
Fax: (0__55) 3332-0216
E-mail: editora@unijui.edu.br
Http://www.editoraunijui.com.br
Editor: Gilmar Antonio Bedin
Editor-adjunto: Joel Corso
Capa: Elias Ricardo Schüssler
Designer Educacional: Jociane Dal Molin Berbaum
Responsabilidade Editorial, Gráfica e Administrativa:
Editora Unijuí da Universidade Regional do Noroeste
do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí; Ijuí, RS, Brasil)

Catalogação na Publicação:
Biblioteca Universitária Mario Osorio Marques – Unijuí

F724 Formação e desenvolvimento da sociedade brasileira / organizadora Vera Lúcia Trennepohl.


– Ijuí : Ed. Unijuí, 2014. – 130 p. – (Coleção educação a distância. Série livro-texto).
On-line
ISBN 978-85-419-0101-7
1. Brasil - Desenvolvimento. 2. Sociedade brasileira - Desenvolvimento. 3. Sociedade
brasileira - História. 4. Sociedade brasileira - Política. 5. Desenvolvimento industrial. I.
Trennepohl, Vera Lúcia (Org.). II. Título. III. Série.
CDU : 338
338(81)
Sumário

CONHECENDO OS PROFESSORES..................................................................................................................................................... 5

APRESENTAÇÃO ...................................................................................................................................................................................... 9

UNIDADE 1 – O ESTUDO DA SOCIEDADE BRASILEIRA.............................................................................................................13

Seção 1.1 – Brasil: Que País é Este? ................................................................................................................................................13

Seção 1.2 – A Complexidade da Sociedade Brasileira ............................................................................................................15

UNIDADE 2 – CARACTERÍSTICAS DO TERRITÓRIO BRASILEIRO.............................................................................................23

Seção 2.1 – O Processo de Conquista e Delimitação do Território Brasileiro...................................................................24

Seção 2.2 – As Características Naturais do Território Brasileiro............................................................................................29

Seção 2.3 – A Ocupação do Território e as Desigualdades Sociais e Regionais..............................................................36

Seção 2. 4 – Os Desafios ao Desenvolvimento...........................................................................................................................41

UNIDADE 3 – A FORMAÇÃO DO POVO BRASILEIRO.................................................................................................................43

Seção 3.1 – A Contribuição dos Diversos Grupos Étnicos......................................................................................................44

Seção 3.2 – Relações Étnico-Raciais................................................................................................................................................47

Seção 3.3 – Características Sociais..................................................................................................................................................50

Seção 3.4 – Indicadores Sociais: Educação, Desigualdade e Saúde....................................................................................51

3.4.1 – Educação........................................................................................................................................................................52

3.4.2 – Desigualdade................................................................................................................................................................54

3.4.3 – A Saúde: o Papel do Sistema Único de Saúde – SUS......................................................................................57

UNIDADE 4 – ESTRUTURA ECONÔMICA E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO..................................................................61

Seção 4.1 – A Formação e Desenvolvimento da Agropecuária Brasileira.........................................................................62

4.1.1 – A Constituição do Modelo Primário-Exportador.............................................................................................63

4.1.2 – Agricultura Familiar: Minifúndio, Trabalho Familiar e Policultura..............................................................65

4.1.3 – Modernização da Agricultura.................................................................................................................................67

Seção 4.2 – Formação e Desenvolvimento da Indústria Brasileira......................................................................................70

4.2.1 – Getúlio Vargas e a Industrialização – 1930 a 1945..........................................................................................73

4.2.2 – Industrialização Entre 1945 e 1964.......................................................................................................................75

4.2.3 – O Contexto Econômico no Regime Militar........................................................................................................78

3
Seção 4.3 – Formação e Desenvolvimento do Setor Terciário..............................................................................................81
Seção 4.4 – A Crise do Modelo e os Esforços pela Estabilização Econômica...................................................................82
4.4.1 – Desafios e Dilemas do Século 21...........................................................................................................................84
Seção 4.5 – Globalização, Desafios e Perspectivas para o Século 21..................................................................................92

UNIDADE 5 – ORGANIZAÇÃO SOCIAL E POLÍTICA BRASILEIRA......................................................................................... 101


Seção 5.1 – Formação do Estado Nacional, Sociedade Civil e Políticas Públicas........................................................ 101

UNIDADE 6 – PROBLEMAS ATUAIS E DESAFIOS DO FUTURO............................................................................................. 125


Seção 6.1 – Diagnóstico e perspectiva de desenvolvimento............................................................................................. 125

REFERÊNCIAS....................................................................................................................................................................................... 127
Conhecendo os Professores

Vera L. Trennepohl
Iniciou em 1987 o curso de Estudos Sociais (Licenciatura Curta) na Unijuí.
No decorrer do curso transferiu residência para o Nordeste, concluindo esta
etapa de formação profissional na Universidade Estadual da Paraíba – Campina
Grande – em 1990. Nesse mesmo ano ingressou no curso de História (Licencia-
tura Plena) na UEPB, concluindo o curso de História na Unijuí, em 1993. Em 1995
iniciou o Mestrado em Educação nas Ciências, na Unijuí, concluindo em 1997
com a dissertação intitulada “O Ensino de História em Questão: os caminhos de
uma experiência”, publicada na Coleção Trabalhos Acadêmico-Científicos, Série
Dissertações de Mestrado. Como professora da Unijuí iniciou suas atividades em
1994, atuando em diversos cursos de Graduação da Universidade, especialmente
nas disciplinas: Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira; História
do Brasil; História Contemporânea, Civilizações Clássicas, dentre outras. Na dis-
ciplina Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira tem assumindo
mais turmas, produzindo com os demais colegas este texto, como também o
livro Agricultura Brasileira: Formação, Desenvolvimento e Perspectiva, produzido
em conjunto com o professor Argemiro J. Brum.

Dilson Trennepohl
Possui formação de Técnico em Agropecuária pelo Instituto Municipal
de Educação Assis Brasil – Imeab de Ijuí (1978), de tecnólogo em Administração
Rural pela Unijuí (1981), de bacharel em Administração pela Unijuí (1987), de
mestre em Economia, pela Universidade Federal da Paraíba, em Campina Grande
(1991) e doutor em Desenvolvimento Regional pela Universidade de Santa Cruz
do Sul – Unisc (2010). É professor efetivo 40 horas do Departamento de Ciências
Administrativas, Contábeis, Econômicas e da Comunicação da Unijuí – Universi-
dade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – desde 1983. Tem
experiência docente nas áreas de Desenvolvimento, Economia e Administração
nos cursos de Graduação e Pós-Graduação e experiência em Gestão Universitária.
Atuou como Pró-reitor de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão (dois mandatos) e
como vice-reitor de Administração da Unijuí e Diretor Executivo da Fidene (dois
mandatos). Atualmente atua como docente-pesquisador nas áreas de Economia,
Administração, desenvolvimento, finanças, mercado de capitais, agronegócios
e planejamento. Integra o grupo de docentes responsável pelo componente
curricular Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira.

5
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

João Afonso Frantz


Graduação em Estudos Sociais – Licenciatura Curta – pela Unijuí (1988).
Graduação em História – Licenciatura Plena – pela Unijuí (1990). Especialização
em Pós Graduação Lato Sensu pela Unijuí (1997) e Mestrado em Educação nas
Ciências pela Unijuí (2002). Atualmente professor do Departamento de Huma-
nidades e Educação/Unijuí – Universidade Regional do Noroeste do Estado do
Rio Grande do Sul. Trabalhou também como professor da rede pública Estadual
no Ensino Básico (1995-2000).

Romualdo Kohler
Graduação em Administração de Empresas pela Universidade Regional do
Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (1982), em Ciências Jurídicas e Sociais
pela Universidade de Cruz Alta (1983), em Ciências Econômicas pela Universidade
de Cruz Alta (1992), Especialização em Teoria Econômica e Desenvolvimento
Regional pela Universidade de Cruz Alta (1991), Mestrado em Desenvolvimento
Regional pela Universidade de Santa Cruz do Sul (2002) e Doutorado em Adminis-
tração pela Universidad Nacional de Misiones, Posadas, Argentina (2009). Desde
1998 atua como professor na Universidade Regional do Noroeste do Estado do
Rio Grande do Sul. Tem experiência nas áreas de Economia e Administração, com
ênfase em Economia Regional e Urbana, Gestão da Economia Local e Consultoria
Empresarial, investigando principalmente os seguintes temas: planejamento
local/regional, contabilidade social, gestão da economia local e consultoria
econômica empresarial.

Fátima Marlise Marroni Rosa Lopes


Possui Graduação em Estudos Sociais pela Universidade Regional do
Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (1978), Graduação em História pela
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Palmas – PR (1986), Graduação em
Sociologia – Bacharelado – pela Universidade Regional do Noroeste do Estado
do Rio Grande do Sul (2011) Especialização lato-sensu pela Universidade Regio-
nal Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI. Mestrado em História pela
Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos – Estudos Históricos Latino-
Americanos. Área de Concentração: Ideias e Movimentos Sociais na América
Latina (2002) e Doutorado em História pela Universidade do Vale do Rio dos
Sinos – Unisinos – Estudos Históricos Latino– Americanos. Área de Concentra-
ção: Ideias e Movimentos Sociais na América Latina (2009). Foi professora da
Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI – Campus
Frederico Westphalen, por um período de nove anos (1999 a 2008). É professora
colaboradora da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande
do Sul – Unijuí há 12 anos. Tem experiência na área de História, tendo atuado
principalmente nos seguintes temas: História do Brasil, História da Educação,
História do Direito, Sociedade, Política e Cultura, Realidade Brasileira, Formação
e Desenvolvimento Brasileiro, Ciência Política e Teoria do Estado, Sociologia Ge-
ral, Sociologia da Educação, Sociologia Brasileira, Pesquisa Social, Antropologia,
Filosofia e Metodologia da Pesquisa.

6
EaD
Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

Suimar João Bressan


Possui Graduação em Agronomia pela Universidade Federal de Santa Maria
(1974) e Mestrado em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (1979). Atualmente é secretário municipal de Planejamento da prefeitura de
Ijuí e professor titular da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio
Grande do Sul. Tem experiência na área de Sociologia, com ênfase em Sociologia
do Conhecimento, atuando principalmente nos seguintes temas: Sociologia,
sociedade, cidadania, teoria sociológica, teoria do Estado e ciência política.

7
Apresentação

A disciplina Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira tem


por objetivo possibilitar aos estudantes universitários o conhecimento sobre a
realidade em que vivem, onde irão atuar como profissionais e a compreensão
sobre a história de seu país e sua inserção mundial, capacitando-os para se
posicionar e atuarem crítica e construtivamente no contexto socioeconômico e
cultural. Este país apresenta enormes contradições, que se constituem em desa-
fios postos a todos e a cada um, particularmente para os estudantes do ensino
superior. Integrante do rol das disciplinas da Formação Geral e Humanística da
Unijuí, também contribui para o atendimento das Diretrizes Curriculares Nacio-
nais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e a qualificação dos estudantes
nas dimensões exigidas pelo Enade, em relação a todos os cursos oferecidos
pela universidade.

O mundo do pós-guerra, a partir de meados do século 20, vive um pro-


cesso de aceleração histórica, com grande velocidade das transformações tec-
nológicas, econômicas, sociais e culturais, tanto no plano internacional quanto
no âmbito de cada país, em especial no Brasil. Intensifica-se, por todos os meios,
o debate sobre os problemas da humanidade e os rumos de desenvolvimento
de cada país ou região. Um forte anseio de aprofundar o conhecimento da rea-
lidade, entender as mudanças e participar da construção do futuro perpassa a
sociedade e contagia principalmente a juventude.

Como bem ressalta Argemiro Jacob Brum, nesse contexto, os estudantes


universitários brasileiros reivindicaram, já na década de 50, a inclusão de uma
disciplina que possibilitasse o estudo e a construção de uma visão mais ampla e
um conhecimento mais aprofundado a respeito da sociedade e do seu país, no
contexto da globalização, que será o “palco” concreto de suas futuras atuações
como profissionais e como cidadãos.

Atendendo a essa demanda, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras


de Ijuí – Fafi – decidiu incluir no currículo de todos os seus cursos, a partir de
1967, a disciplina de Cultura Brasileira, ministrada em dois semestres letivos (120
horas-aula). Em 1972, por exigência legal, mas mantendo sua proposta original
e a equipe básica de professores, a disciplina passou a ser ministrada com a
denominação de Estudos de Problemas Brasileiros (EPB).

Em 2000 a Unijuí, ao rediscutir suas diretrizes de ensino e substituir o Ciclo


Básico pela Formação Geral e Humanística, manteve a proposta deste compo-
nente curricular sob a denominação de Formação e Desenvolvimento Brasileiro
(FDB). No momento atual ocorre um esforço que busca aperfeiçoar a proposta,
incorporando também experiências de outras disciplinas, especialmente da área

9
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

da Sociologia, quando assume a denominação de Formação e Desenvolvimento


da Sociedade Brasileira. Assim, incorporou e busca dar continuidade à trajetória
e experiência desenvolvida até o momento.
A sociedade brasileira, cada vez mais integrada ao contexto mundial,
complexificou-se ainda mais nas últimas décadas, desafiando pessoas, institui-
ções e profissionais, a pensar e assumir as responsabilidades da construção deste
país. Os conteúdos abordados, a metodologia utilizada, as pesquisas e o amplo
debate realizado em sala de aula contribuem para que os estudantes percebam
a dinâmica da sociedade em que vivem e se situem como parte integrante de
uma realidade, como sujeitos constituintes de um país. Estes são elementos que
têm marcado fortemente o perfil da formação no âmbito da Fafi/Fidene/Unijuí e
que se constitui, historicamente, num referencial dentro do cenário universitário
brasileiro.
A disciplina Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira tem mui-
to a contribuir na formação do aluno com este diferencial, tendo como foco a
formação geral, abrangente, do ser humano, do cidadão e do profissional. Uma
sociedade pluralista e cada vez mais democrática requer maior conhecimento
sobre a realidade do país (que país é este?), sobre a sociedade em que se vive e
em que se pretende exercer a profissão, para poder fazer, de forma consciente e
responsável, as escolhas mais adequadas em cada área e a cada momento.
A reflexão e o debate no coletivo poderão contribuir para superar o senso
comum ou mesmo as posturas preconceituosas e desenvolver a capacidade de
estabelecer relações respeitosas e construtivas, percebendo-se como sujeito
desse processo com direitos e responsabilidades.
O Brasil é um país em construção, em que pessoas e profissionais deve-
rão desenvolver competências, que a partir de uma visão ampla da realidade
sempre mutante, poderão assumir com consciência as suas responsabilidades,
saber do local e global, contribuindo na construção de uma sociedade mais
justa, valorizando a vida.
Na Resolução n. 1 de 17/06/2004, que estabelece as Diretrizes Curricu-
lares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais, encontram-se as
orientações para esse estudo, que tem como “objetivo a divulgação e produção
de conhecimentos, bem como de atitudes, posturas e valores que eduquem ci-
dadãos quanto à pluralidade étnico-racial, tornando-os capazes de interagir e de
negociar objetivos comuns que garantam, a todos, respeito aos direitos legais e
valorização de identidade, na busca da consolidação da democracia brasileira”.
Estas questões poderão ser compreendidas em profundidade se estuda-
das no contexto da realidade atual em perspectiva histórica de uma sociedade
complexa, heterogênea, com pouca experiência de democracia e transparência
em suas relações.
Esta disciplina contribui decisivamente para que os alunos dos diversos
cursos da Unijuí tenham mais conhecimento e melhores condições para res-
ponder às questões de avaliação propostas pelo Enade, na medida em que este

10
EaD
Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

se propõe a “[...] avaliar o desempenho dos estudantes em relação aos conteúdos


programáticos previstos nas diretrizes curriculares, às habilidades e competências
para a atualização permanente e aos conhecimentos sobre a realidade brasileira,
mundial e sobre outras áreas do conhecimento”.
As atividades são pensadas e desenvolvidas por uma equipe interdeparta-
mental e interdisciplinar. Essa equipe de docentes é responsável pela sustentação
e eficácia de um trabalho compartilhado, realizando reuniões periódicas para
planejamento, programação, estudo, troca de experiências, seleção e produção
de material didático a ser usado em sala de aula, análise de conjuntura, avaliação
de desempenho, organização de seminários, etc., no intuito de uma permanente
atualização. Assim sendo, estão diretamente envolvidos nesse processo profes-
sores do DHE, do DACEC e do DCJS.

Atenciosamente,
Grupo de professores da disciplina Formação
e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

11
Unidade 1

O ESTUDO DA SOCIEDADE BRASILEIRA

Vera L. Trennepohl

OBJETIVOS DESTA UNIDADE


• Tematizar o estudo da sociedade em que vivem os estudantes visando
à apropriação de conceitos e categorias de análise que lhes permitam
entender a realidade brasileira em sua complexidade, posicionar-se
criticamente e agir, projetando ações de intervenção no desenvolvi-
mento do Brasil.

AS SEÇÕES DESTA UNIDADE


Seção 1.1 – Brasil: Que País é Este?
Seção 1.2 – A Complexidade da Sociedade Brasileira

O Brasil ainda é um país muito jovem, com uma sociedade em formação.


Os cerca de 500 anos transcorridos desde o descobrimento oficial deste território
pelos portugueses é um tempo relativamente curto para a vida de um país e a
construção de uma sociedade. O resgate da história anterior a 1500 tem sido
pouco frutífero em virtude da escassez de registros representativos e da falta de
interesse dos “civilizadores” por considerar que os povos primitivos destas terras
viviam em estágio cultural pouco relevante para seus interesses.

Seção 1.1
Brasil: Que País é Este?
Trata-se de um país grande e muito diversificado. A começar pela
extensão de seu território, a diversidade de suas características naturais, a
pluralidade de povos que integram a sua população e a heterogeneidade das
circunstâncias que condicionaram sua inserção na sociedade brasileira é pos-
sível perceber a amplitude do rol de situações sociais, econômicas e culturais
abrangidas. Considerando o tamanho absoluto, o Brasil figura entre os maiores
países do mundo em diversos critérios de análise. A extensão territorial coloca

13
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

vários desafios em relação a sua organização e integração nacional, principal-


mente quanto à soberania. Quando o olhar se volta para a homogeneidade o
país figura frequentemente entre os mais desiguais, mesmo tendo melhorado
nas últimas décadas. Percebe-se uma dívida social que não será resolvida de
uma hora para a outra.
Sua juventude, seu tamanho e sua diversidade contribuem decisiva-
mente para a configuração de uma dinâmica de transformação acelerada da
sociedade brasileira. Em pouco tempo abrigou relações sociais pré-capitalistas
(escravistas, semifeudais ou mercantis), desenvolveu relações de produção típicas
da revolução industrial e passou o ter também características das sociedades
pós-industriais.
As instituições sociais e as organizações públicas e privadas ainda não
estão consolidadas como em outros locais do planeta. Mesmo assim, esse início
do século 21 está marcado por transformações rápidas e aceleradas, significando
que devemos estar atentos às mudanças em curso para, diante delas, poder fazer
as melhores escolhas. Lembrando que são essas pequenas ações que podem
fazer a diferença num país em construção.
As características de seu processo de desenvolvimento têm raízes his-
tóricas profundas. Muitas delas remontam ao processo de descobrimento e
ocupação do território, enquanto outras foram forjadas em períodos de exercício
do poder por grupos ou segmentos sociais específicos que conseguiram instituir
suas perspectivas de sociedade.
No processo inicial o Brasil estava organizado numa lógica e segundo
os interesses da Coroa Portuguesa, internamente ficou sob a influência das
oligarquias agrárias e já na segunda metade do século 20 ficamos sob poder e
organização dos militares. Só mais recentemente avançamos no processo de-
mocrático, em que políticas sociais de inclusão social, por exemplo, colocam-se
como necessárias e importantes.
Ressalta-se que em 2013 completamos 25 anos da promulgação da
Constituição Brasileira e 28 anos da instituição da democracia. Mesmo tendo
sérios problemas, a Constituição Cidadã trouxe várias conquistas para o povo
brasileiro.
Ainda assim, existem inúmeras formas de articulação com sociedades de
outros países e uma crescente participação do Brasil no debate e definição de
questões relevantes ao desenvolvimento em escala mundial. Ao longo do tempo
a relação internacional foi assumindo novas características. Nos primeiros quatro
séculos estabeleceu relação com Portugal, atendendo à demanda desse país. Em
âmbito interno, no período colonial, isso foi possibilitado devido à influência,
participação e poder dos grandes proprietários e importantes comerciantes, que
estavam ligados à exportação e importação. A economia brasileira funcionou
predominantemente em função de interesses externos, produzindo o que tinha
maior aceitação no exterior.

14
EaD
Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

Após esses três primeiros séculos, percebe-se a superação da fase mer-


cantil, em que o comércio era a atividade mais rentável, ocasião em que ocorre
o avanço industrial, puxado pela Inglaterra – que estava ávida por mercado para
os seus produtos –, há mais tempo uma potência militar. O Brasil vinculou-se, de
forma dependente, a essa nova potência e nessa posição manteve-se por cerca
de um século, desde a Independência (1822) até a Primeira Guerra Mundial
(1914-1918).
Após a Primeira Guerra Mundial, e com maior força depois da Segunda
Guerra Mundial, os Estados Unidos assumiram a liderança do mundo, levando
o Brasil a se vincular à nova potência hegemônica. O primeiro empréstimo bus-
cado nos EUA ocorreu em 1922. O mundo pode ser dividido em antes e após
a Segunda Guerra Mundial, quando se estabeleceu uma nova ordem mundial,
marcado pela guerra fria. Esse confronto político-ideológico será marcado por
uma corrida armamentista, mantendo, em razão disso, em funcionamento o
complexo industrial, como também investiu-se na reconstrução da Europa (Plano
Marshall) e no Japão (Plano Dodge).
Os EUA consolidam sua posição de única superpotência do mundo, com
a derrocada da União Soviética e do socialismo de inspiração marxista, garan-
tindo sua hegemonia em todos os campos da sociedade moderna – política,
econômica, militar, financeira, cultural, científica, tecnológica, de informação, etc.
Nesses campos, a presença brasileira é modesta, com algumas mudanças nas
primeira década do século. Não tem assumido postura de forma tão subalterna
em relação aos demais países.
Por essa razão, somos atingidos de forma positiva ou negativa pelos
acontecimentos mundiais. O desafio do Brasil é investir em educação, garantindo,
dessa forma, um maior desenvolvimento científico e tecnológico.

Seção 1.2
A Complexidade da Sociedade Brasileira
Estes e outros aspectos caracterizam a complexidade da sociedade bra-
sileira e a importância de estudá-la em profundidade, o que requer grande
e continuado esforço para sua efetivação. É preciso compreender o processo de
formação e desenvolvimento das estruturas de produção da vida material, bem
como das relações sociais, políticas e culturais decorrentes.
Assim, torna-se possível identificar possibilidades e limites em relação às
perspectivas de futuro que se apresentam e visualizar alternativas de ação ou
de intervenção no processo em curso. Também é importante visualizar entre os
segmentos que compõem a sociedade as bases em que definem seus interes-
ses ou objetivos e as possibilidades de articulação de forças para impulsionar o
desenvolvimento em determinado sentido.

15
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

Todo esse esforço de leitura da realidade e de entendimento da di-


nâmica social em que está inserido é necessário para todos os brasileiros que
desejam exercer sua cidadania. Esse conhecimento torna-se fundamental para
os profissionais de todas as áreas do conhecimento, em especial os que tiveram
acesso ao ensino superior, pois o exercício profissional se dará num contexto
cada vez mais importante para a realização de seus objetivos e a efetividade de
seus resultados.

Mais que uma necessidade individual, o autoconhecimento é um desa-


fio de qualquer sociedade que pretenda construir uma identidade cultural e
desenvolver uma consciência histórica que lhe permita decidir sobre os rumos
que pretende seguir.

O grande desafio parece situar-se no campo metodológico. Como se deve


proceder para conhecer melhor a sociedade em que se vive? Alguns apontamen-
tos certamente ajudam nesta perspectiva. Destaca-se que para compreender a
sociedade em sua complexidade e dinamicidade torna-se necessário percebê-la
em constante transformação, significando que não é uma questão de transmi-
tir um conjunto de informações, mas desenvolver a capacidade de pesquisa e
análise de temáticas que estão desafiando a sociedade brasileira, dando-lhes
algum sentido. Qual é a nossa leitura sobre o Brasil? É necessário qualificar ou
não essa compreensão?

Inicialmente é preciso compreender a sociedade como algo vivo, em


movimento, cuja dinâmica é indeterminada. A sociedade está em constante
transformação e o desafio é compreendê-la nessa complexidade, que muda
constantemente, de forma muito rápida. Assim, torna-se necessário fazer refle-
xões que construam entendimentos sobre as condições sociais, econômicas,
políticas e culturais do nosso tempo histórico, como um contexto em constante
transformação, fruto de uma construção histórica.

Na linha que nos coloca Thompson (1987, p. 58), “o conhecimento histórico


ajuda-nos a conhecer quem somos, por que estamos aqui, que possibilidades
humanas se manifestam, e tudo quanto saber sobre a lógica e as formas de
processo social”. Vivemos num determinado lugar e num determinado tempo,
que é fruto da construção de nossos antepassados. A realidade enfrentada pelos
nossos pais era diferente das questões com as quais estamos nos debatendo no
momento atual. É nos espaços formais de aprendizagem, portanto, que temos
a oportunidade de conhecer e de dialogar sobre essa complexidade brasileira,
no coletivo.

Uma melhor compreensão da sociedade brasileira pode ser buscada na sua


economia política. Na perspectiva do que observa Marx (1983, p. 24), “o modo de
produção da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, política
e intelectual em geral”. Diante disso, torna-se necessário a organização social,
econômica, política e cultural.

16
EaD
Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

Ao longo dos séculos ocorreram mudanças na sociedade brasileira, na


qual várias leituras são possíveis. A definição pode variar, dependendo da visão
de mundo do pesquisador, Mesmo assim, ela é composta, no caso do Brasil, pela
diversidade cultural, processo ainda em andamento, como também composta
por aspectos econômicos e políticos.
A economia atinge diretamente a vida das pessoas, das empresas e do
país. Assim sendo, o Brasil possui uma estrutura de produção grande e complexa,
que evolui e apresenta a cada momento novas exigências. Isso porque qual-
quer país precisa garantir os bens necessários para sua população. A estrutura
econômica compreende: 1) o processo de produção, 2) de distribuição e 3) de
consumo de bens e serviços.
A política assume um papel central no processo de organização e funcio-
namento da sociedade, não podendo ser confundida pura e simplesmente com
política partidária. Para compreender a organização política brasileira torna-se
necessário identificar algumas de suas principais características. Primeiro aspecto
a ser considerado, também encontrado na Constituição Brasileira, diz respeito
a sua constituição enquanto uma República Federativa, composta por vários
Estados (26), Distrito federal (Brasília) e municípios (mais de 5 mil). Todos estão
vinculados à União, tendo como responsabilidade também garantir a soberania
do país.
Constituído dessa forma, significa que o Estado não pode ser gerido por
uma pessoa, mas por uma estrutura constituída pelos poderes Legislativo, Exe-
cutivo e Judiciário. Vale destacar que o poder Legislativo é organizado por um
sistema bicameral e exercido pelo Congresso Nacional, composto por senadores
e deputados. Quem eles representam?
No aspecto político a sociedade brasileira tornou-se uma estrutura com-
plexa, lembrando que Estado é diferente de governo. O que entendemos por
Estado e governo? Estado é mais estável e contribui para a organização geral
do país. Por exemplo, as estradas são vias públicas, mas imaginem se não fosse:
Como fazer para escoar a produção? Assim sendo, ele é enorme e constituído
por diversas instituições como: o governo, as Forças Armadas, os órgãos policiais,
as Assembleias Parlamentares, a Constituição, etc.
O Brasil é uma República. Ressaltando novamente que o poder não se
encontra na mão de uma pessoa, requer também o envolvimento das pessoas,
da sociedade brasileira. Elas assumem um papel central no processo de escolha
e fiscalização dos seus representantes, num período democrático. Na Constitui-
ção vamos encontrar a legislação eleitoral, em que as eleições são diretas e com
a possibilidade de dois turnos para presidente, governadores e prefeitos em
municípios com mais de 200 mil eleitores.
O voto é obrigatório para brasileiros maiores de 18 anos e facultativo para
maiores de 70 anos e jovens entre 16 e 18 anos. Os analfabetos e menores de
18 anos não podem se candidatar. O que é ser analfabeto? Muito a refletir sobre

17
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

esse questionamento! Assim, numa democracia, os membros do Executivo e do


Legislativo são eleitos pela população brasileira, já os membros do Judiciário
são nomeados.
A política possibilita, portanto, a organização das relações em sociedade.
Assim sendo, as opções de um podem afetar a vida do outro, sabendo que temos
direitos e deveres. No momento atual a política partidária está desacreditada,
pois alguns representantes legislam segundo os seus interesses.
Também é importante compreender o desenvolvimento enquanto
processo histórico, resultante da interação de múltiplas condicionantes, repleto
de conflitos e contradições, que se configuram em circunstâncias imprevisíveis.
Esse tema entrou no debate após a Segunda Guerra Mundial, recebendo, num
primeiro momento, maior atenção dos economistas. Nas décadas seguintes
recebe também atenção de pesquisadores das demais áreas.
Mesmo assim, percebe-se que os países desenvolvidos são os que mais
agridem o meio ambiente, como também contribuem com o agravamento da
exclusão social. Brum (2006, p. 22-23) chega a se referir a uma crise planetária,
em que

[...] o planeta Terra não terá possibilidade de fornecer em abundância todos


os recursos naturais de que os seres humanos necessitam, se continuarem a
viger por muito tempo ainda os padrões de produção, consumo e desperdício
atualmente dominantes. Por outro lado, não há como realizar a aspiração de
desenvolvimento para todos os povos e para a humanidade inteira, dentro
de tais padrões, altamente agressivos contra a natureza.

Mesmo assim, percebe-se um aprofundamento da consciência ecológica e


da consciência social, em que são fundamentais as ações do Estado, pressionado
e acompanhado pela sociedade. Essa construção está marcada pela busca de
um desenvolvimento sustentável.

O desenvolvimento sustentável rejeita o desenvolvimento predatório, que


visa a resultados econômicos, sem compromisso com a realidade social e
ambiental. Tem como fundamento o respeito ao homem e à natureza. Busca
uma nova ética, comprometida com a humanidade toda e cada um de seus
membros e com a natureza e o futuro. Esse novo padrão de desenvolvimento
busca conciliar, nos quadros da democracia, a eficiência econômica, justiça
social, equilíbrio ambiental. É um desafio para a humanidade e para a socieda-
de brasileira. É, provavelmente, a única saída para a humanidade neste novo
século e novo milênio (Brum, 2006, p. 23).

Nas últimas décadas várias conferências e encontros realizados demons-


tram certa preocupação com o desenvolvimento predatório que está ocorrendo,
no Brasil, desde o seu descobrimento oficial. Mudanças são perceptíveis desde
a Conferência Ecológica Internacional – a ECO 92 –, realizada no Rio de Janeiro
em 1992. Ela contou com a participação de 179 países, como também Organi-

18
EaD
Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

zações Não Governamentais (ONGs), resultando na Agenda 21. Outro evento


a ser destacado foi a Rio+20,1 que refletiu a continuidade do desenvolvimento
sustentável. Quais são as repercussões disso no Brasil?
O desenvolvimento nesta perspectiva requer um envolvimento do cole-
tivo, como defende Brum (2006, p. 24):

Um projeto de desenvolvimento é mais do que um problema técnico. Exige


participação coletiva. Só se desenvolve o povo que estiver decidido a desen-
volver-se. De outra parte, só há desenvolvimento, centrado no ser humano. É
ele o agente e o destinatário do desenvolvimento. O sujeito e o objeto. Sem
o engajamento do povo num projeto nacional não haverá desenvolvimento.
A responsabilidade coletiva é fundamental. Ela só se verifica em clima de
confiança recíproca entre governo e povo.

Dessa forma, é necessário estudar a dinâmica de evolução e transforma-


ção da sociedade, no contexto em que ela está inserida, identificando e consi-
derando os distintos fenômenos que atuam no sentido de acelerar, retardar ou
redirecionar os seus movimentos. Identificar as correlações de forças (internas
ou externas) existentes e as alternativas que surgem ou são propostas em cada
momento histórico.
Assim, para contribuir no estudo da sociedade brasileira são apresentados
os principais elementos que a compõem e determinam suas especificidades.
Questão essas que serão analisadas e retomadas nas próximas unidades.
Na Unidade 2 pretende-se problematizar conquista, formação e ocupação
do território brasileiro. O Brasil foi “descoberto” no contexto das grandes nave-
gações européias, impulsionado pela busca de especiarias, o comércio, ou mais
precisamente os lucros que ele poderia proporcionar. Os portugueses, como
não encontraram muita riqueza, se demoraram em nosso país, para dar atenção
à “nova” terra. A partir de 1530 percebem que tinha chegado o momento de
defender a colônia dos interesses dos demais países da Europa.
Portugal não dispunha de muitos recursos para custear o processo de
ocupação, passando a tarefa para a iniciativa privada. A partir dessa preocupação
várias ações foram encaminhadas para garantir a posse da terra, questões estas
que serão analisadas na próxima Unidade.
Na Unidade seguinte estaremos analisando o povo brasileiro, que resulta
de um processo de miscigenação, em que pessoas receberam tratamento diferen-
ciado. O estudo da constituição desse povo contribuiu para percebamos alguns
problemas e contradições, que são fruto de uma construção histórica.
Estas questões nos darão mais elementos para compreendermos se é
necessário, ou não, a elaboração de políticas públicas ou ações afirmativas, que
busquem garantir uma maior qualidade de vida para as pessoas. Vale ressaltar que

Disponível em: <http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/03/Rio+20_Futuro_que_queremos_guia.pdf>.


1

Acesso em: 16 dez. 2013.

19
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

uma das características do Brasil é a diversidade cultural. Essa rica diversidade se


transfunde em identidade e brasilidade, em momentos de mobilizações sociais,
por exemplo a campanha das “Diretas Já”.
Na Unidade 4 estaremos estudando a estrutura econômica brasileira na
sua complexidade. O Brasil está organizado na perspectiva capitalista, marcado
pela busca incessante pelo lucro. Ao analisar a sua consolidação e expansão
percebemos que ora o Estado intervém mais, ora menos. Mesmo assim, a análi-
se de alguns indicadores econômicos nos ajudam para melhor entender o seu
desempenho, em épocas diferentes, como o Produto Interno Bruto (PIB).
Sabemos também que para garantir o seu avanço necessitamos de recur-
sos, que ao longo do tempo contribuíram para o nosso endividamento externo,
logo também, para o endividamento interno. Para tanto, torna-se necessário
lançar um olhar sobre as escolhas realizadas ao longo do século 20, que atingi-
ram a vida das pessoas, das empresas, dos agricultores, dos industriais, em que
alguns conseguiram acompanhar e outras nem tanto. Lembrando também que
ao longo desse processo enfrentamos várias crises econômica, próprias de um
sistema capitalista.
A organização social e política brasileira nesses mais de 500 anos passou
por várias transformações. De forma sucinta pode ser analisada considerando
três grandes fases. No período colonial foi dependente de Portugal, governado
pelo rei português, que detinha o poder, apoiado por uma pequena elite interna.
Após a Independência (1822) transformou-se em Império, sob o comando de um
imperador (D. Pedro I e depois D. Pedro II).
Já em 1889, com a Proclamação da República, novas perspectivas políticas
são encaminhadas. Os mais de cem anos de República foram intercalados por
períodos autoritários e outros democráticos, em que várias Constituições foram
aprovadas, visando a respaldar as ações dos governantes, mas quando isso não
era suficiente recorriam a Atos Institucionais, decretos, medidas provisórias. Essas
questões serão problematizadas e retomadas na Unidade 5.
Certamente, vários são os desafios do desenvolvimento brasileiro, que
serão analisados na última unidade, quando será necessário retomar questões
debatidas nas unidades anteriores, pois, de certa forma, em cada uma foram
expostos alguns desafios, que podem contribuir para pensar um projeto para
o Brasil. Que Brasil estou querendo? Onde buscar os recursos? De quem são as
responsabilidades?
Assim, é verdade que precisamos conquistar os benefícios da civilização
material, frutos do desenvolvimento da ciência e da tecnologia modernas. Preci-
samos aumentar a renda per capita e a produção e consumo de bens e serviços,
mas precisamos, também, garantir o acesso efetivo a esses bens e serviços a
todos os membros da coletividade brasileira. Precisamos aprofundar e explicitar
a nossa autenticidade histórica, nossa identidade nacional, as características de
nosso povo, o ser brasileiro.
Brum (2006, p. 31) recomenda o

20
EaD
Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

[...] exame retrospectivo, o ontem sempre poderia ter sido melhor. Mas o
passado não se muda; só o futuro se constrói. O primeiro pode ser reinterpre-
tado à luz do presente e do projeto e desafios para o amanhã. A pluralidade
desse contributo é fermento e riqueza – e pode ser ainda mais. A atitude mais
adequada não é lamentar ou renegar o passado; conhecê-lo melhor, sim.
Principalmente para assumir com mais consciência e determinação o que
somos e construir o que podemos, devemos e desejamos ser.

Para avançar ainda mais no nosso entendimento sobre o Brasil vamos nas
unidades seguintes retomar alguns aspectos da trajetória histórica do país, que
contribuíram com a definição da realidade brasileira. Para pensar o Projeto de
Desenvolvimento para o Brasil precisamos conhecer a realidade atual do país,
como o seu processo histórico, considerando o que disso ainda é válido hoje. Ou
mesmo, para não propormos o velho achando que é o novo.

Síntese da Unidade 1
Nesta Unidade introdutória estudamos a te-
mática geral da disciplina com o objetivo de
problematizar as questões relevantes sobre a
Formação e o Desenvolvimento da Sociedade
Brasileira. A realidade precisa ser apreendida em
sua complexidade, considerando sua dinâmica
histórica, suas contradições e a pluralidade de
perspectivas. Apesar das dificuldades, o esforço
de estudo e compreensão do contexto social,
econômico, político e cultural em que estão inse-
ridos os estudantes brasileiros é compensador na
perspectiva de formar profissionais qualificados
e responsáveis.

21
Unidade 2

CARACTERÍSTICAS DO TERRITÓRIO BRASILEIRO

Dilson Trennepohl

OBJETIVOS DESTA UNIDADE


• Estudar as principais características do território brasileiro e refletir
sobre as possibilidades e os limites que elas representam para o
desenvolvimento da sociedade brasileira.

AS SEÇÕES DESTA UNIDADE


Seção 2.1 – O Processo de Conquista E Delimitação do Território Brasileiro
Seção 2.2 – As Características Naturais do Território Brasileiro
Seção 2.3 – A Ocupação do Território e as Desigualdades Sociais e Regionais

Um dos condicionantes fundamentais do desenvolvimento de uma so-


ciedade é o espaço que ela ocupa ou o território em que pode planejar e realizar
suas ações. A maior parte das condições naturais, vantagens e desvantagens,
potencialidades e limites, está associada às características do território de que
se dispõe e das formas de sua ocupação ou utilização socioeconômica.
O território brasileiro, a começar por sua vasta dimensão de 8,5 milhões
de Km2, sua localização privilegiada, sua diversidade climática, vegetal, animal e
mineral, até suas configurações socioeconômicas, representa enorme potencial
de diferenciação do desenvolvimento nacional em comparação com os demais
países do mundo.
Grande parte das potencialidades permanece inexplorada, mas poderá
ser incorporada à dinâmica social e econômica no futuro. Em contrapartida, sua
utilização implica responsabilidade redobrada por se tratar de recursos escassos,
inexistentes em outros locais do planeta, como é o caso da Amazônia.
Uma comparação superficial do Brasil com o Uruguai, com o Japão ou
com a Rússia já seria suficiente para explicitar a importância de características
como extensão, localização e diversidade do território nacional como condicio-
nantes das estratégias de desenvolvimento possíveis ou necessárias em cada

23
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

país. Assim sendo, o esforço de estudo sobre as características de um território


riquíssimo como o brasileiro representa um desafio a ser realizado e aprofundado
permanentemente.

Seção 2.1
O Processo de Conquista
e Delimitação do Território Brasileiro
A conformação territorial do Brasil é resultado de longo e complexo pro-
cesso de conquista, demarcação e ocupação realizado ao longo de cinco séculos
de História. Refletir sobre essa trajetória é importante para recuperar elementos
que possibilitem entender os caminhos trilhados, as possibilidades que persistem
no presente e as alternativas disponíveis para o futuro.
Celso Furtado em sua obra clássica, Formação Econômica do Brasil, analisa o
processo de ocupação das terras americanas no contexto da expansão comercial
europeia da época. Inicialmente considerada de menor importância, a descoberta
deste vasto continente tornou-se relevante com o transcorrer do tempo.

O início da ocupação econômica do território brasileiro é em boa medida uma


conseqüência da pressão política exercida sobre Portugal e Espanha pelas
demais nações européias. Nestas últimas prevalecia o princípio de que espa-
nhóis e portugueses não tinham direito senão àquelas terras que houvessem
efetivamente ocupado. Dessa forma, quando, por motivos religiosos, mas com
apoio governamental, os franceses organizam sua primeira expedição para
criar uma colônia de povoamento nas novas terras – aliás a primeira colônia de
povoamento do continente –, é para a costa setentrional do Brasil que voltam
as vistas. Os portugueses acompanhavam de perto esses movimentos e até
pelo suborno atuaram na corte francesa para desviar as atenções do Brasil.
Contudo tornava-se cada dia mais claro que se perderiam as terras americanas
a menos que fosse realizado um esforço de monta para ocupá-las permanen-
temente. Esse esforço significava desviar recursos de empresas muito mais
produtivas no Oriente. A miragem do ouro que existia no interior das terras
do Brasil – à qual não era estranha a pressão crescente dos franceses – pesou
seguramente na decisão tomada de realizar um esforço relativamente grande
para conservar as terras americanas (Furtado, 1987, p. 6).

24
EaD
Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

Figura 1 – Mapa sobre o processo de construção do território brasileiro

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em: <http://brasil500a-


nos.ibge.gov.br/>. Acesso em: jan. 2014.

Enquanto a Espanha optou por concentrar seus esforços em manter sob


seus domínios os territórios em que encontraram maior disponibilidade de metais
preciosos (ouro e prata) e ceder à pressão dos invasores em parte das terras que
lhe cabiam pelo Tratado de Tordesilhas, Portugal teve de adotar outra estratégia.
O desafio de maior importância do primeiro século da história americana era de
encontrar uma maneira de viabilizar a efetiva ocupação das terras de escassa ou
nenhuma utilização econômica imediata.

Coube a Portugal a tarefa de encontrar uma forma de utilização econômica das


terras americanas que não fosse a fácil extração de metais preciosos. Somente
assim seria possível cobrir os gastos de defesa dessas terras. (...) Das medidas
políticas que então foram tomadas resultou o início da exploração agrícola das
terras brasileiras, acontecimento de enorme importância na história americana.
De simples empresa espoliativa e extrativa – idêntica à que na mesma época
estava sendo empreendida na costa da África e nas Índias Orientais – a América
passa a constituir parte integrante da economia reprodutiva européia, cuja
técnica e capitais nela se aplicam para criar de forma permanente um fluxo
de bens destinados ao mercado europeu (Furtado, 1987, p. 7)

25
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

No século 16 a exploração econômica dessas terras era considerada algo


completamente inviável. Nenhum produto agrícola era objeto de comércio em
grande escala na Europa e o principal deles – o trigo – dispunha de produção
local. Os fretes eram caríssimos e somente os produtos manufaturados e as espe-
ciarias do Oriente podiam comportá-los, entretanto, premidos pela necessidade
e beneficiados por circunstâncias favoráveis, os portugueses tiveram êxito em
sua estratégia.

Um conjunto de fatores particularmente favoráveis tornou possível o êxito


dessa primeira grande empresa colonial agrícola européia. Os portugue-
ses haviam já iniciado há algumas dezenas de anos a produção, em escala
relativamente grande, nas ilhas do Atlântico, de uma das especiarias mais
apreciadas no mercado europeu: o açúcar. Essa experiência resultou ser de
enorme importância, pois, demais de permitir a solução dos problemas téc-
nicos relacionados com a produção do açúcar, fomentou o desenvolvimento
em Portugal da indústria de equipamentos para os engenhos açucareiros. Se
se têm em conta as dificuldades que se enfrentavam na época para conhecer
qualquer técnica de produção e as proibições que havia para exportação de
equipamentos, compreende-se facilmente que, sem o relativo avanço técnico
de Portugal nesse setor, o êxito da empresa brasileira teria sido mais difícil ou
mais remoto (Furtado, 1987, p. 9).

A experiência portuguesa nas ilhas do Atlântico foi importante também no


campo comercial. Inicialmente o açúcar português entrou nos canais tradicionais
controlados pelos comerciantes das cidades italianas, especialmente Veneza, mas
muito cedo o governo português procurou outros parceiros comerciais para seu
produto. A partir de 1550 a produção de açúcar passa a ser cada vez mais um
empreendimento comum entre portugueses e flamengos (principalmente os
holandeses). Os flamengos compravam o produto oriundo das colônias portu-
guesas, refinavam e comercializavam-no em toda a Europa. Especializados no
comércio intraeuropeu, os holandeses eram nessa época os únicos que possuíam
suficiente organização comercial para criar um mercado de grandes dimensões
para um produto novo, como era o açúcar. Foi uma parceria decisiva para viabi-
lizar a expansão do mercado do açúcar, o que constitui um fator fundamental
do êxito da colonização do Brasil (Furtado, 1987, p. 10).
A identificação de uma atividade econômica que poderia constituir a base
econômica do processo de conquista e ocupação do território brasileiro era um
primeiro passo importante, mas não suficiente. Surgiu o desafio de organizar o
processo produtivo da cana e de extração do açúcar, bem como de seu trans-
porte para a Europa.
A experiência técnica dos portugueses na fase produtiva e a capacidade
comercial dos holandeses foram importantes para demonstrar o potencial de
rentabilidade do negócio e atraíram os investimentos de poderosos grupos fi-
nanceiros privados interessados na expansão de seus negócios. Era necessário,
porém, solucionar o problema da força de trabalho. Mais uma vez a parceria com
os flamengos foi decisiva.

26
EaD
Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

Parte substancial dos capitais requeridos pela empresa açucareira viera dos
Países Baixos. Existem indícios abundantes de que os capitalistas holandeses
não se limitaram a financiar a refinação e comercialização do produto. Tudo
indica que capitais flamengos participaram no financiamento das instalações
produtivas no Brasil bem como no da importação da mão-de-obra escrava
(Furtado, 1987, p. 11).

O problema da mão de obra para o cultivo da cana e a operação dos


engenhos foi algo de importância vital. As tentativas de recrutá-la localmente
e contar com os indígenas foram majoritariamente frustradas. Transportá-la da
Europa era inviável pois, considerando a escassez de oferta de mão de obra que
prevalecia em Portugal, seria necessário um investimento enorme e o pagamen-
to de salários bem mais elevados para atrair interessados dessa região, o que
tornaria antieconômica toda e qualquer empresa. A possibilidade de retribuir
com terras o trabalho que os colonos realizassem durante algum tempo não
era atrativa, pois as terras, amplamente disponíveis, praticamente não tinham
valor econômico.

Sem embargo, também neste caso uma circunstância veio facilitar enorme-
mente a solução do problema. Por essa época os portugueses eram já senhores
de um completo conhecimento do mercado africano de escravos. As operações
de guerra para captura de negros pagãos, iniciadas quase um século antes nos
tempos de Dom Henrique, haviam evoluído num bem organizado e lucrativo
escambo que abastecia certas regiões da Europa de mão-de-obra escrava.
Mediante recursos suficientes, seria possível ampliar esse negócio e organizar
a transferência para a nova colônia agrícola da mão-de-obra barata, sem a qual
ela seria economicamente inviável (Furtado, 1987, p. 11-12).

A efetiva ocupação portuguesa do território brasileiro teve início com a


criação do regime de capitanias hereditárias por D. João III, em 1532. Até então, a
exploração restringia-se ao litoral, era esparsa e individual, a exemplo da donataria
concedida pelo rei D. Manuel a Fernando de Noronha visando ao arrendamento
do comércio de pau-brasil. Foi por meio desse sistema de capitanias que os pri-
meiros núcleos de ocupação e colonização foram estabelecidos, a exemplo de
São Vicente, concedida a Martim Afonso de Sousa, em 1532, e de Pernambuco,
outorgada a Duarte Coelho, em 1534.

Cada um dos problemas referidos – técnica de produção, criação de merca-


do, financiamento, mão-de-obra – pôde ser resolvido no tempo oportuno,
independentemente da existência de um plano geral preestabelecido. O que
importa ter em conta é que houve um conjunto de circunstâncias favoráveis
sem o qual a empresa não teria conhecido o enorme êxito que alcançou. Não
há dúvida que por trás de tudo estavam o desejo e o empenho do governo
português de conservar a parte que lhe cabia das terras da América, das quais
sempre se esperava que um dia sairia o ouro em grande escala. Sem embargo,
esse desejo só poderia transformar-se em política atuante se encontrasse
algo concreto em que se apoiar. Caso a defesa das novas terras houvesse
permanecido por muito tempo como uma carga financeira para o pequeno
reino, seria de esperar que tendesse a relaxar-se. O êxito da grande empresa

27
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

agrícola do século XVI – única na época – constituiu, portanto, a razão de ser


da continuidade da presença dos portugueses em uma grande extensão das
terras americanas. No século seguinte, quando se modifica a relação de forças
na Europa com o predomínio das nações excluídas da América pelo tratado
de Tordesilhas, Portugal já havia avançado enormemente na ocupação efetiva
da parte que lhe coubera (Furtado, 1987, p. 12).

A União Ibérica, que se estendeu de 1580 a 1640, cumpriu um importante


papel na construção do território brasileiro ao se diluir as fronteiras estabelecidas
pelo Tratado de Tordesilhas. Permitiu expandir os limites territoriais para o norte,
com a conquista do Maranhão e para o sul, alcançando a região platina. Teve início
nesse período a expansão territorial para o interior através da organização das
primeiras expedições dos bandeirantes em São Paulo. Data de 1585 a primeira
grande bandeira para captura e escravização de índios no sertão dos Carijós,
luta que levaria à ocupação gradativa do interior do Brasil e ao alargamento da
faixa litorânea ocupada pelos portugueses no início do século 16. São referências
também deste processo a conquista do território da Paraíba em 1584, os violentos
conflitos com os índios do norte da Bahia em 1589, as primeiras incursões dos
bandeirantes para Goiás em 1592, Minas Gerais em 1596 e para a região do baixo
Paraná em 1604 com o objetivo de obter força de trabalho escrava.

O quadro político-econômico dentro do qual nasceu e progrediu de forma


surpreendente a empresa agrícola, em que assentou a colonização do Brasil, foi
profundamente modificado pela absorção de Portugal na Espanha. A guerra que
contra este último país promoveu a Holanda, durante esse período, repercutiu
profundamente na colônia portuguesa da América. No começo do século XVII,
os holandeses controlavam praticamente todo o comércio dos países europeus
realizado por mar. Distribuir o açúcar pela Europa sem a cooperação dos comer-
ciantes holandeses evidentemente era impraticável. Por outro lado, estes de
nenhuma maneira pretendiam renunciar à parte substancial que tinham nesse
importante negócio, cujo êxito fora em boa parte obra sua. A luta pelo controle
do açúcar torna-se, destarte, uma das razões de ser da guerra sem quartel que
promovem os holandeses contra a Espanha. E um dos episódios dessa guerra
foi a ocupação pelos batavos, durante um quarto de século, de grande parte
da região produtora de açúcar no Brasil (Furtado, 1987, p. 17).

A descoberta do ouro na região de Minas Gerais, no final do século 17,


modificou radicalmente o processo de expansão territorial e a estratégia de
ocupação dos espaços conquistados. O fluxo de portugueses intensificou-se e o
movimento de interiorização de núcleos urbanos alcançou novos patamares.
A necessidade crescente de mão de obra (escravos), animais de trabalho
(mulas) e de gêneros alimentícios para o abastecimento da região das minas
contribuiu para a expansão do Brasil em direção ao Rio Grande do Sul, fomen-
tando a apreensão de índios, a criação de gado de todo o tipo. O processo de
expansão territorial, de conquista de novas áreas, está repleto de conflitos e atos
de violência entre os povos nativos e os bandeirantes. Sua consolidação exige
a expulsão, submissão ou eliminação dos primitivos e a concessão de títulos de
posse ou propriedade aos conquistadores.

28
EaD
Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

A expansão das fronteiras do território brasileiro foi sendo consagrada


em diversos tratados, dentre os principais destacam-se:
a. O Tratado de Tordesilhas (1494) definiu as áreas de domínio do mundo ex-
traeuropeu.
b. O Tratado de Lisboa (1681) tratou da devolução da Colônia do Sacramento,
ocupada pelos espanhóis no ano de sua fundação. O apoio da Inglaterra foi
decisivo para Portugal conseguir essa vitória diplomática. A saída das forças
espanholas só se dá efetivamente em 1683.
c. O primeiro Tratado de Utrecht entre Portugal e França (1713) estabeleceu as
fronteiras portuguesas do norte do Brasil: o Rio Oiapoque foi reconhecido
como limite natural entre a Guiana e a Capitania do Cabo do Norte.
d. O segundo Tratado de Utrecht entre Portugal e Espanha (1715) tratou da se-
gunda devolução da Colônia de Sacramento a Portugal.
e. O Tratado de Madri (1750) redefiniu as fronteiras entre as Américas Portugue-
sa e Espanhola, anulando o estabelecido no Tratado de Tordesilhas: Portugal
garantia o controle da maior parte da Bacia Amazônica, enquanto que a Espa-
nha controlava a maior parte da Bacia do Prata. Nesse Tratado o princípio do
usucapião (uti possidetis), que quer dizer a terra pertence a quem a ocupa, foi
levado em consideração pela primeira vez.
f. O Tratado de Santo Ildefonso (1777) confirmou o Tratado de Madri e devolveu
a Portugal a ilha de Santa Catarina, ficando com a Espanha a Colônia de Sacra-
mento e a região dos Sete Povos.
g. O Tratado de Badajós entre Portugal e Espanha (1801) incorporou definitiva-
mente os Sete Povos das Missões ao Brasil.
h. O Tratado de Petrópolis (1903), negociado pelo Barão do Rio Branco com a
Bolívia, incorporou ao Brasil, como território, a região do Acre.

A forma predominante de garantir a ocupação do território foi a concessão


de títulos de posse ou propriedade de grandes extensões de terras (capitanias
hereditárias, sesmarias, etc.) aos responsáveis pela sua conquista. Apesar das
características conflituosas do processo de conquista do território e da extensão
dos limites de fronteira com diversos países, já não existem mais pendências ou
disputas em relação à demarcação com os vizinhos.

Seção 2.2
As Características Naturais do Território Brasileiro
Localizado no continente americano, o território brasileiro ocupa a
parte centro-oriental da América do Sul. Com uma área de 8.514.876,599 Km2,
configura-se como o maior país do continente sul-americano e o quinto maior
do mundo, superado somente por Rússia, Canadá, China e Estados Unidos.

29
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

O território brasileiro possui uma forma triangular, com sua base voltada
para o norte e os pontos extremos, praticamente equidistantes, medem 4.394,7
km no sentido Norte-Sul e 4.319,4 km no sentido Leste-Oeste. Cerca de 90% de
sua área territorial está situada na faixa entre as linhas do Equador e do trópico
de Capricórnio, nas latitudes mais baixas do globo, o que lhe confere as carac-
terísticas de país tropical.
Seus limites de fronteira totalizam 23.086 Km, dos quais 15.719 Km cor-
respondem à linha divisória em relação a dez países da América do Sul, pois
apenas o Chile e o Equador não fazem fronteira com o Brasil. O outros 7.367 Km
de extensão correspondem à costa brasileira banhada pelo Oceano Atlântico
numa linha costeira sem acidentes geográficos de expressão.
Em seu interior o território brasileiro apresenta grande diversidade de
situações que podem ser visualizadas nos distintos biomas ou conjuntos de
ecossistemas que funcionam de forma estável. Um bioma é caracterizado por
um tipo principal de vegetação, apesar de existirem diversos tipos de vegetação
num mesmo bioma.
Os seres vivos de cada bioma interagem com as condições existentes na
natureza, como temperatura, umidade, frequência e regularidade das chuvas,
ventos, etc., adaptando-se e evoluindo com o meio. Os biomas brasileiros pos-
suem grande diversidade de animais e vegetais (biodiversidade) e podem ser
caracterizados como sendo Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pampa
e Pantanal.
Figura 2 – Mapa com os principais biomas do Brasil

Fonte: Brasil. Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Disponível em:


<http://www.biomasdobrasil.com/>. Acesso em: jan. 2014.

30
EaD
Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

O Bioma Amazônia compreende uma área de 4 milhões de quilômetros


quadrados, em que vivem aproximadamente 2 milhões de espécies animais e
vegetais. Na floresta amazônica existem cerca de 200 espécies diferentes de ár-
vores por hectare e seu território corresponde a um terço das florestas tropicais
do mundo. Tudo é superlativo nesse vasto espaço, que constitui a maior área
selvagem tropical do planeta. A Amazônia ocupa a porção norte do Brasil e apesar
de ser considerado um bioma único, é composta por diferentes paisagens. Uma
classificação resumida permite dividir a floresta em três grandes categorias: áreas
alagadas pelas águas pretas, os igapós; áreas que se inundam nas cheias com
águas brancas, as várzeas e áreas constantemente livres de inundação, a mata de
terra firme. Ela tem ainda enclaves de vegetações não florestais, como savanas,
campinas e campinaranas. A Amazônia está envolvida na regulação climática
de todo o planeta, seja por meio da retenção de carbono atmosférico, seja por
meio da evapotranspiração e dispersão de chuvas para todo o continente sul-
americano. A floresta acompanha em grande medida os principais rios da Bacia
do Amazonas, desde o sopé dos Andes até o Atlântico. O clima predominante
é quente e úmido, com frequentes e volumosas chuvas que caem pelo menos
130 dias por ano. Seu relevo é majoritariamente plano, com solo formado pelo
sedimento trazido pelos rios. A despeito de seu valor mundial, a floresta sofre com
o desmatamento e o conflito com a pecuária e agricultura. O grande desafio do
desenvolvimento neste território é de aproveitar as potencialidades oferecidas
pela natureza sem destruir seus complexos sistemas de reprodução e renovação
das condições existentes (Disponível em: <http://www.biomasdobrasil.com/>.
Acesso em: jan. 2014).
O Bioma Mata Atlântica constitui o ambiente em que o Brasil começou
historicamente. Foi em sua porção baiana que a esquadra de Cabral aportou.
Foi nela que o pau-brasil, árvore que dá nome ao país, foi explorado. Na zona
da mata nordestina a cana-de-açúcar foi introduzida e na porção mineira desse
mesmo bioma o ouro começou a ser extraído. Também foi no território da Mata
Atlântica que o café foi plantado e desenvolveu todo seu potencial. A Mata
Atlântica acompanha boa parte do litoral brasileiro, nas encostas da Serra do
Mar. Já chegou a ter 1.200.000 km² de floresta de grande porte, mas que foram
sendo reduzidos gradativamente e representam atualmente cerca de 7% da
cobertura original. Sua distribuição original ocupava uma faixa contínua, desde
o Rio Grande do Norte e Ceará, no Nordeste brasileiro, até o Rio Grande do Sul.
A Mata Atlântica abriga perto de 200 espécies de aves endêmicas, 120 delas
ameaçadas de extinção. Ela também tem papel fundamental na estabilização
do relevo litorâneo, mantendo no lugar as encostas dos morros e prevenindo
deslizamentos. Seu relevo é acidentado e o solo, raso, frequentemente ocorrendo
o afloramento das rochas. Uma floresta tão exuberante é sustentada pela alta
umidade trazida do oceano e deixada na Serra do Mar. Devido à grande variação
de altitude e latitude, a Mata Atlântica expressa-se em diferentes formações e
paisagens. A mais marcante é a Floresta Ombrófila Densa, uma luxuriante e
biodiversa formação florística existente próxima ao mar. Mais para o interior
do país, a floresta apresenta formações que perdem parcialmente as folhas, a

31
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

Mata Atlântica de Planalto. Em adição, nos Estados do sul do país (Paraná, Santa
Catarina e Rio Grande do Sul) parte da Mata Atlântica assume a feição de Mata
de Araucária. Charles Darwin escreveu após sua visita a esse bioma: “Aqui vi pela
primeira vez uma floresta tropical em toda sua sublime grandiosidade – nada além
da realidade pode dar idéia de quão maravilhosa e magnificente é essa cena.” O
processo histórico de ocupação do território brasileiro fez com que grande parte
das atividades humanas se desenvolvessem neste espaço. Setenta por cento da
população brasileira concentram-se em cidades situadas numa faixa de até 200
km da costa, especialmente as capitais dos Estados, e disputam espaço com os
demais elementos desse bioma. O processo de intensa ocupação, que remonta
aos principais ciclos econômicos, desafia as políticas públicas a gerar soluções
de planejamento urbano e instituição de infraestruturas de transporte para mo-
bilidade das pessoas e abastecimento das grandes metrópoles, de saneamento
básico e destinação de resíduos gerados, bem como de ordenamentos relativos
à ocupação de terrenos menos propícios às edificações ou necessários à preser-
vação permanente de parcelas da Mata Atlântica (Disponível em: <http://www.
biomasdobrasil.com/>. Acesso em: jan. 2014).
O Bioma Cerrado, também conhecido como a savana brasileira, varia
quanto a sua fisionomia em relação à cobertura arbórea, indo desde os campos
limpos, nos quais só ocorrem gramíneas nativas, até o cerradão, formação predo-
minantemente arbórea e densa. O Cerrado é o segundo maior bioma brasileiro,
distribuindo-se por todo o Brasil central, com uma área original de 2 milhões
de quilômetros quadrados, aproximadamente 20% do território do país. No
Cerrado vive um grande número de espécies que só ocorrem ali, as chamadas
espécies endêmicas. Os Cerrados ocupam áreas elevadas do Planalto Central
Brasileiro, sobre solo ácido e rico em alumínio, considerado de pouca utilidade
econômica até meados do século 20. Durante seis meses o Cerrado torna-se
verdejante devido às frequentes chuvas que vão de outubro a abril, e nos meses
restantes torna-se pronunciadamente seco, suscetível a queimadas. O Cerrado
possui alta densidade de nascentes que alimentam ao norte a Bacia Amazônica,
ao sul a Bacia Platina e a leste a Bacia do São Francisco. É preciso sensibilidade
para se deixar encantar por essa paisagem brasileira tão diferente de biomas
celebrados como a Amazônia ou Mata Atlântica, mas não menos importante.
Devido a sua formação aberta, sua topografia propícia à mecanização, o Cerrado
foi vorazmente incorporado ao processo de expansão do agronegócio brasileiro,
tornando-se um grande fornecedor de soja, milho, algodão, cana, carne e leite
para o mercado mundial. Conciliar o uso econômico com a conservação é um
desafio notoriamente exposto no Cerrado. Essa ávida ocupação pela agricultura
modernizada, altamente consumidora de fertilizantes e agrotóxicos, além das
frequentes queimadas propositais e da existência de poucas áreas protegidas em
reservas, fez com que grande parte da vegetação nativa fosse perdida, levando
o Cerrado à lista de hotspots, uma das 25 regiões prioritárias para a conserva-
ção em todo o mundo. O sucesso econômico do agronegócio nesta fronteira
agrícola estimulou a migração de enormes contingentes populacionais para a
região e proporcionou o surgimento de inúmeros núcleos urbanos e a expansão

32
EaD
Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

dos já existentes. Existem grandes demandas por infraestrutura de transporte


e armazenagem de grãos ou por processamento dos insumos necessários ou
das matérias-primas produzidas (Disponível em: <http://www.biomasdobrasil.
com/>. Acesso em: jan. 2014).
A Caatinga é o bioma mais árido do Brasil, palco de numerosas histórias
peculiares, como a Revolta de Canudos e o cangaço. Esse bioma com aproxi-
madamente 840.000 km2, cobre cerca de 10% do território nacional e ocorre
no interior do Nordeste brasileiro. Caatinga em tupi quer dizer “mata branca”,
resultado da vegetação que perde a folhagem e frequentemente é coberta
com a poeira branca do solo argiloso e seco levada pelo vento. A Caatinga é
o único bioma exclusivamente incluso em território nacional. Apesar do clima
semiárido predominante na região, a paisagem da Caatinga é variada e abriga
formações diversas. A vegetação da região é classificada como savana estépica
e suas plantas desenvolveram adaptações únicas para enfrentar a aridez da re-
gião. As árvores decíduas perdem todas as folhas durante a seca e são comuns
as cactáceas e bromélias. Cortada por dois grandes rios caudalosos e perenes
(o Parnaíba e o São Francisco) e outros rios menores temporários, grande parte
da água usada pelas pessoas que habitam a Caatinga vem de açudes. Isso é
importante especialmente porque ali chove menos de 600 mm anuais, em geral
nos meses iniciais do ano. Os solos pobres e pedregosos fazem da Caatinga um
bioma frágil. A mineração tem resultado em destruição em ritmo tão acelerado
quanto ao da Amazônia. Historicamente tem sido palco das mais variadas políticas
públicas com objetivo de combater ou mitigar os efeitos da seca ou de atender
aos habitantes do sertão nordestino, como é o caso das ações promovidas pela
Sudene, por exemplo. Recentemente tornou-se foco de um dos maiores e mais
polêmicos projetos de desenvolvimento regional e integração nacional, que é
o Projeto de Transposição de parte das águas do Rio São Francisco para a região
do semiárido com o objetivo de gerar soluções perenes e alternativas inovado-
ras para o desenvolvimento da população local (Disponível em: <http://www.
biomasdobrasil.com/>. Acesso em: jan. 2014).
O Bioma Pampa compreende grandes extensões de campos suavemente
ondulados cobertos de capim verde, entremeadas por manchas de solo mais fértil
que sustentam uma vegetação mais alta contendo principalmente espinilho e
pés de erva-mate. Esse bioma com visual de estepe ocupa o extremo sul do país
estendendo-se por mais de 170.000 km². Os Pampas, ou Campos Sulinos, estão
adaptados ao clima mais frio do Brasil, com temperaturas eventuais abaixo de
zero durante o inverno. Estima-se a existência de 3 mil espécies vegetais, das quais
cerca de 400 seriam de gramíneas, com aptidão para alimentação de pecuária.
No litoral, o banhado do Taim e as lagoas costeiras (como a Lagoa dos Patos)
formam ambientes salobros, únicos no país. Esses banhados e lagoas abrigam
espécies endêmicas e populações expressivas de aves aquáticas ou migratórias.
A pecuária extensiva surgiu por circunstâncias históricas diretamente sobre os
campos, ricos em gramíneas nativas. Posteriormente, o aperfeiçoamento da ati-

33
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

vidade exigiu a introdução de novas práticas de manejo do gado, contribuindo


para que capins de outros países fossem introduzidos para servir de alimento
ao gado e ali se estabelecessem, competindo por espaço com a vegetação
nativa. O uso agrícola, especialmente pelo binômio trigo-soja no planalto e das
lavouras de arroz nas várzeas da depressão central do Rio Grande do Sul, reduziu
consideravelmente a área ocupada por esse bioma e, nas manchas de vegetação
arbórea foi a exploração da madeira a principal causa de degradação. As unidades
de conservação, em número reduzido no bioma, são o reduto final da paisagem
há décadas cantada pelo gaúcho da campanha em seu folclore. A existência de
projetos de desenvolvimento de grande porte e impactos relevantes no bioma
foi motivo de forte polêmica nos anos recentes, como é o caso dos projetos
de reflorestamento para produção de celulose. (Disponível em: <http://www.
biomasdobrasil.com/>. Acesso em: jan. 2014).
No Bioma Pantanal é onde fica mais evidente que a água é a base para
toda a vida. A maior área continental periodicamente alagável do planeta, com
cerca de 140.000 km², estende-se pelo território nacional, mas também pela
Bolívia e Paraguai. O Pantanal é um imenso reservatório de água, passagem
obrigatória de grande parte do fluxo que percorre a Bacia do Prata. O lento ciclo
das cheias e vazantes, conhecido como pulso de inundação, cria um variado
mosaico de paisagens. Baías, assim denominadas as lagoas pantaneiras, são
os elementos mais peculiares da região. Elas compõem a paisagem com rios
tortuosos, campos alagáveis, matas ciliares, capões de matas, salinas e riachos
da planície (corixos), os quais formam os diferentes hábitats pantaneiros. Toda
essa variedade de ambientes dominada pela água sustenta uma diversificada
fauna de peixes, aves e mamíferos. O Pantanal também é importante ponto
de parada de espécies de aves migratórias, como marrecos e maçaricos. Todos
os habitantes do Pantanal têm sua vida marcada pelo eterno ciclo das águas,
desde o dourado, um peixe de escamas, até o ribeirinho. Cheia de outubro a
abril e seca no restante do ano forma um ciclo previsível com alto potencial
turístico. O Pantanal é cercado por uma série de serras, é isso que o torna um
reservatório de água a temperaturas quentes, uma concentração de vida, no
entanto toda essa água chega ao Pantanal depois de transitar desde nascentes
por toda a sua volta, especialmente as localizadas no Cerrado. Se não houver
cuidados em relação a essas nascentes situadas a quilômetros de distância,
a contaminação das águas por fertilizantes, agrotóxicos, esgotos urbanos,
resíduos industriais ou outras formas, colocará em risco todo o ecossistema
do Pantanal (Disponível em: <http://www.biomasdobrasil.com/>. Acesso em:
jan. 2014).
Existem ainda os Ambientes Costeiros. Esse conjunto de paisagens não
recebe a designação de bioma por suas variadas características ecológicas, mas
certamente merece atenção. Na faixa brasileira que acompanha os 8 mil qui-
lômetros de litoral existem diversas paisagens, compondo os assim chamados
Ambientes Costeiros, com praias, costões rochosos, recifes de coral, falésias,

34
EaD
Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

dunas, lagoas costeiras, estuários, manguezais e ilhas que compõem esses es-
paços. Comportam uma riquíssima biodiversidade que, por sua vez, influencia
diretamente as atividades humanas, seja pela alimentação, potencial pesqueiro
ou turismo, mas também com fortes repercussões na cultura e estilo de vida das
populações humanas. Sobre as praias arenosas existe o jundu, uma vegetação
de plantas rasteiras que sobrevive à alta salinidade vinda do mar. Na transição
entre as praias e a Mata Atlântica situa-se a restinga e nos estuários dos rios o
solo lamacento e inundado frequentemente sustenta os manguezais. Entrando
no mar, ocorre uma explosão de vida dos recifes de coral, apenas comparável
às grandes florestas tropicais. Cerca de 130 milhões de brasileiros que vivem na
faixa litorânea, de forma permanente ou temporária, contribuem pressionando
esses ecossistemas. A pesca descontrolada, com seus efeitos deletérios, também
têm contribuído para a perda de biodiversidade no litoral brasileiro. A exploração
excessiva dos recursos naturais ou a degradação ambiental na costa do Brasil têm
mobilizado a sociedade para a preservação de espécies e ecossistemas costeiros,
notadamente com a criação de programas de proteção e unidades de conserva-
ção. Sensíveis às belezas naturais dos ambientes costeiros, a população brasileira
procura desfrutar do bem-estar proporcionado por um fim de tarde à beira-mar,
uma emblemática manutenção de nosso vínculo primário com o mundo natural
(Disponível em: <http://www.biomasdobrasil.com/>. Acesso em: jan. 2014).

Além deste manancial de biodiversidade, existem no território brasilei-


ro muitas fontes de minerais e recursos fósseis. Dentre os principais minérios
encontrados pode-se citar, sobretudo, o minério de ferro (hematita), o estanho
(cassiterita), o alumínio (bauxita), o manganês, o ouro, o nióbio, o titânio, o urânio,
o sal, o calcário, a areia, o níquel, o chumbo, o cobre e o zinco.

O país destaca-se principalmente na produção de ferro, bauxita, man-


ganês e nióbio. O ferro é o principal minério destinado à exportação no Brasil e
sua extração ocorre prioritariamente nos Estados de Minas Gerais, do Pará e do
Mato Grosso do Sul. A produção anual supera os 200 milhões de toneladas e o
país ocupa o segundo lugar na produção mundial. A bauxita é extraída no Pará,
Estado que abriga a maior concentração desse minério no país e a produção
anual de 17,4 milhões de toneladas coloca o Brasil como o terceiro maior produ-
tor mundial. Também é extraído cerca de 1,3 milhão de tonelada de manganês,
volume de produção que coloca o país como terceiro maior produtor mundial.
Os Estados de Minas Gerais e Goiás também respondem por grande parte da
produção brasileira de nióbio, cujo volume atinge 38 mil toneladas ao ano, o
que faz do país o maior produtor mundial. Esse minério tem seu uso difundido
na fabricação de equipamentos de tecnologia de ponta.

Também merecem destaque as reservas de energia fóssil existentes no


país, tanto as jazidas de carvão mineral como poços de petróleo e gás natural,
cujo potencial ampliou-se significativamente com as descobertas da camada de
pré-sal, em águas profundas, ao longo da costa brasileira.

35
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

Seção 2.3
A Ocupação do Território
e as Desigualdades Sociais e Regionais
O processo de ocupação do território brasileiro, condicionado pelas carac-
terísticas naturais dos diferentes espaços, efetivado em circunstâncias históricas
específicas, consolidou uma gama de desigualdades sociais e regionais muito
importantes. O caráter militar de conquista de parcela significativa do território
e as relações sociais de produção que fundamentam as atividades econômicas
estruturantes condicionaram as regras de acesso à posse e à propriedade da
terra no país e resultaram na conformação de uma estrutura fundiária altamente
concentradora e injusta socialmente. As características naturais e a aptidão eco-
nômica potencial de cada bioma foram decisivas para os movimentos migratórios
e as dinâmicas de desenvolvimento regional heterogêneas no país.
A distribuição de terras no território brasileiro iniciou-se em 1534, me-
diante o sistema de capitanias hereditárias, abrangendo a faixa litorânea desde
Pernambuco até o Rio da Prata. O donatário recebia certa extensão de terras, de-
marcadas por acidentes geográficos distantes em léguas ao longo do litoral, que
se estendiam paralelamente rumo ao oeste para o interior, comprometendo-se
a explorá-la e protegê-la. As áreas de terra recebidas eram de grande extensão e
podiam ser repartidas com colonos que se dispusessem a trabalhar em parceria.
Para regular a relação entre ambos foram elaborados a carta de doação e o foral,
documento que estipulava os direitos e deveres dos colonos.
As capitanias, além de serem hereditárias, eram também inalienáveis e
indivisíveis. Com a morte do pai, substituía-o o filho primogênito, do sexo mas-
culino. O sistema de capitanias hereditárias fracassou, o que levou a Coroa a criar
o Governo Geral, em 1548, ficando os donatários subordinados juridicamente
aos governadores gerais. Iniciava-se, assim, a prática de uma lenta política de
reincorporação das capitanias ao patrimônio régio, concluída em 1759. Foi um
processo de centralização do poder na Coroa Portuguesa.
A Lei da Sesmaria foi criada por Portugal em 1375, com o objetivo de
incentivar a produção em todas as terras agricultáveis do reino e o propósito de
diminuir as importações, principalmente de trigo. No Brasil essa Lei foi instituída
durante a criação das capitanias e continuou durante o Governo Geral. No início
da ocupação as terras eram tomadas por mata e nunca haviam sido cultivadas; em
razão disso o beneficiário tinha um prazo (até 5 anos) para fazer a terra produzir
ou perderia a concessão. A concessão de terras era feita pela Coroa àquele que
julgava merecedor, que demonstrasse ter interesse e capital para explorá-las.
No Brasil havia abundância de terras e escassez de gente. Portugal, por sua
vez, também não possuía excedentes populacionais. As pessoas, quando vinham
para o Novo Mundo, queriam enriquecer e voltar. Assim, só viriam se recebessem
uma grande extensão de terra. Uma sesmaria de uma légua quadrada equivalia a

36
EaD
Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

4.356 hectares, e muitos se apropriavam de várias sesmarias. Nos dois primeiros


séculos de colonização a lei não estabelecia limites para a propriedade, a não ser
para o donatário (dez léguas).

No final de 1695 uma carta régia estipulou o limite máximo de uma


sesmaria de cinco léguas, reduzidas para três, dois anos mais tarde. Em geral o
latifúndio não era dividido por herança, cabendo por inteiro ao filho primogênito
do sexo masculino. Dessa forma, a grande propriedade foi a base quase exclu-
siva da ocupação do território e da economia brasileira ao longo dos primeiros
quatro séculos.

Em 1822, com a emancipação política, foi revogada a legislação relativa ao


sistema de sesmarias. A ausência de legislação abriu caminho para uma corrida
desenfreada pela posse de terras. De um lado constituíram-se fazendas de muitas
léguas e, de outro, pequenos lotes ocupados por negros libertos, caboclos e bran-
cos pobres. A independência brasileira foi caracterizada como simples arranjo de
cúpula, pois se mantiveram, na essência, as estruturas arcaicas do passado e da
dependência. A população excluída continuou nessa condição, sendo possível
encontrar algumas pessoas com grandes extensões de terra e também famílias
pobres vagando de lugar em lugar, buscando se estabelecer.

Um grupo político liderado por José Bonifácio de Andrada e Silva defendia


uma nova política de terras, com a retomada de áreas de sesmarias concedidas e
que não estavam sendo cultivadas, integração dos índios à sociedade por meio
da educação e do acesso aos mesmos direitos dos brancos – inclusive à terra –,
extinção do tráfico negreiro e investimentos em estradas para viabilizar projetos
de colonização com europeus, índios, mulatos, negros alforriados e outros. Na
prática era uma proposta de reforma agrária. Esse grupo foi afastado do poder
e suas propostas não foram acolhidas.

Na metade do século 19 aumentava o número de escravos alforriados,


avançavam as políticas que visavam à libertação dos escravos negros e che-
gavam cada vez mais imigrantes ao Brasil. Os grandes proprietários estavam
preocupados em garantir mão de obra para suas imensas lavouras. Para tanto,
seria necessário tornar mais restrito o acesso à terra, assegurando a disponibili-
dade de trabalhadores. Até então as terras eram doadas. Nessas circunstâncias,
tratou o Império brasileiro, por sua classe dirigente, de legislar sobre o processo
de posse da terra. Dom Pedro II promulgou a Lei nº 601, de 18 de setembro de
1850, criando a primeira Lei de Terras do Império do Brasil. Essa lei estabelecia:
“Ficam proibidas as aquisições de terras devolutas por outro título que não seja
a compra”.

Daí em diante as terras só poderiam ser compradas em praça pública e à


vista. Para sua legalização, os proprietários tinham despesas com a medição e a
selagem das escrituras. Aqueles que haviam recebido sesmarias, ou se atribuído
a posse delas, regularizaram suas posses e transformaram-nas em propriedade

37
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

privada. A Lei consagrou e fortaleceu o latifúndio no Brasil e impediu o acesso à


propriedade da terra aos pobres (índios, negros, mestiços e brancos). Libertou-se
o trabalhador, porém aprisionou-se a terra.
Ao longo do século 19 ocorre um processo intenso de chegada de imi-
grantes europeus não ibéricos. Especialmente os italianos, ao chegarem em São
Paulo eram enviados para as grandes fazendas de café, nas quais substituíam o
trabalho escravo, na condição de assalariados ou em regime de colonato, sendo-
lhes vedado o acesso à propriedade da terra antes de decorridos três anos da sua
entrada no Brasil. Já nos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná
e Espírito Santo os imigrantes europeus de várias nacionalidades colonizaram
as áreas de florestas, preteridas pelos latifundiários interessados na pecuária
extensiva. Com base na pequena propriedade e no trabalho familiar, forte senso
de economia e apoio governamental foram construindo relativa prosperidade
em diversas regiões.
Nos primeiros tempos as propriedades eram doadas, e, a partir de 1875,
deviam ser compradas, geralmente com cinco anos de prazo para completar o
pagamento. Inicialmente o tamanho da propriedade era de 77 hectares, depois
reduzido para 48 hectares e, finalmente, de 1875 em diante, a colônia passou
a ter 25 hectares, mas o imigrante que tivesse recursos podia adquirir mais de
uma colônia.
Este novo segmento da sociedade agrária brasileira, alicerçado na pequena
propriedade familiar, enfrentou inúmeras dificuldades para viabilizar sua consti-
tuição e reprodução econômica e social. Localizadas em áreas de difícil acesso,
em virtude das distâncias e da inexistência de caminhos, as colônias adotavam
a estratégia de diversificação de culturas para garantir o consumo local das
comunidades e a comercialização de excedentes com potencial de demanda
nos mercados. Além do cultivo de milho, trigo, feijão, arroz, mandioca, abóbora,
cana-de-açúcar, centeio, aveia, fumo, etc., dedicavam-se à criação de aves, suínos,
bovinos e equinos para a produção de carne, ovos, leite e seus derivados, além
de força de tração para a preparação da terra, transporte e lazer.
A economia da agricultura familiar estimulou o surgimento do comércio
local para o escoamento dos excedentes da produção para os centros consu-
midores e a obtenção de ingredientes do consumo que podiam ser produzidos
localmente. Os comerciantes, em algumas regiões conhecidos como “bolicheiros”,
exerciam um papel importante de comercialização dos produtos coloniais (queijo,
manteiga, banha, torresmo, carnes, embutidos, ovos, frutas, sucos, grãos, fumo,
etc.), indicando aos agricultores quais deles apresentavam maior demanda no
mercado. Exerciam, também, o papel de abastecedores das comunidades, com
produtos como sal, açúcar, café, roupas, remédios, querosene, ferramentas, etc.,
bem como de agente monetário e financeiro local. Estes proprietários das casas
de negócios constituíram-se, em muitos casos, como importantes lideranças
políticas nos movimentos emancipatórios das comunidades e na conquista de
investimentos públicos como estradas, escolas, hospitais, etc.

38
EaD
Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

A agricultura familiar baseou-se inicialmente na fertilidade natural do


solo, incorporando as práticas de cultivo dos povos nativos (índios e caboclos)
de queimada da vegetação, plantio durante alguns anos e pousio das áreas
desgastadas. Os processos de trabalho usavam basicamente a força humana
(membros da família), a tração animal, a energia das quedas d’água e do vento.
Parcela dos imigrantes foi assumindo atividades complementares, como as
agroindústrias, as ferrarias e pequenas indústrias de ferramentas, equipamentos
e máquinas agrícolas, o artesanato, o comércio e serviços necessários ao aten-
dimento de uma população cada vez mais numerosa nos centros urbanos que
foram surgindo por todas as partes.
Nas primeiras décadas do século 20 começaram a ocorrer dificuldades
crescentes nas regiões de colonização. O esgotamento da fertilidade natural
do solo, devido ao uso intensivo e a redução das possibilidades de pousio,
combinado com a proliferação de pragas e doenças, resultou na diminuição da
produtividade das lavouras. O sistema de partilha por herança das colônias em
famílias numerosas implicou a multiplicação dos minifúndios e a impossibilida-
de de reprodução endógena dos sistemas de produção locais. Houve intensa
migração de famílias, especialmente as recém-constituídas, rumo às novas fron-
teiras agrícolas disponíveis, fundando novas colônias e reproduzindo a mesma
dinâmica socioeconômica.
Importa registrar que apesar das inúmeras propostas e tentativas de reor-
denamento fundiário feitas ao longo da História, em nenhum momento foram
postas em prática ações ou políticas que possibilitassem a efetiva democratização
do acesso à terra no Brasil. Por ocasião da Independência, os projetos de José
Bonifácio foram derrotados; no final do Império, a Abolição da Escravatura e a
Proclamação da República também não possibilitaram alternativas de acesso
aos escravos libertos um caminho de inclusão social via propriedade da terra.
Como resultado desse longo processo de ocupação do território gerou-se uma
estrutura fundiária de grande concentração da propriedade, de enormes desi-
gualdades sociais e regionais.
No que se refere à estrutura fundiária, os dados dos Censos Agropecu-
ários do IBGE permitem visualizar o elevado grau de concentração das terras
nos grandes estabelecimentos. Enquanto o estrato dos pequenos estabele-
cimentos agropecuários, com área inferior a cem hectares, compreende 4,45
milhões de unidades e representa praticamente 90% do total de 5 milhões
existentes no Brasil, detém apenas cerca de 20% (70 milhões de hectares) da
área total de 335 milhões de hectares de todos os estabelecimentos. No outro
extremo, o estrato dos grandes estabelecimentos, com área superior a mil
hectares, compreende 48 mil unidades e representa cerca de 1% do total, mas
detém 45% da área total (mais de 150 milhões de hectares). Por dedução, o
estrato intermediário, com área entre cem e mil hectares, corresponde a 9% do
número de unidades (424 mil estabelecimentos) e 35% da área total ocupada
(112 milhões de hectares).

39
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

Figura 3 – Percentual do número de estabelecimentos e área dos estabeleci-


mentos agropecuários por estrato – 1920 a 2006

Evolução da Estrutura Fundiária Brasileira


100%
90% 1920
80% 1940
70% 1950
60%
50% 1960
40% 1970
30% 1975
20%
10% 1980
0% 1985
Menos de 100 a menos 1000 ha e Menos de 100 a menos 1000 ha e
1995
100 ha de 1000 ha mais 100 ha de 1000 ha mais
2006
Número de estabelecimentos Área dos estabelecimentos

Fonte: Censos Agropecuários do IBGE. Disponível em:


<www.sidra.ibge.gov.br/>. Acesso em: jan. 2014.

Os dados permitem visualizar também que a distribuição da terra sofreu


poucas alterações durante o século 20 e que a característica básica continua
sendo de elevada concentração. O grau de concentração varia regionalmente.

Figura 4 – Percentual do número de estabelecimentos e área dos estabeleci-


mentos agropecuários por estrato no Brasil, por região – 2006

Estrutura Fundiária por Região do Brasil


Numero de Estabelecimentos
100%
80% Area dos Estabelecimentos
60%
40%
20%
0%
Sul

Sul

Sul
Brasil

Brasil

Brasil
Norte

Norte

Norte
Sudeste

Sudeste

Sudeste
Nordeste

Nordeste

Nordeste
Centro-Oeste

Centro-Oeste

Centro-Oeste

Menos de 100 ha 100 a menos de 1000 ha 1000 ha e mais

Fonte: Censo Agropecuário 2006 do IBGE. Disponível em: <www.sidra.ibge.gov.br/>.


Acesso em: jan. 2014.

Este é o contexto em que ocorrem inúmeros conflitos pela terra no Brasil.


Desde a expropriação dos índios, a expansão da fronteira agrícola tem sido feita
com alto grau de violência, especialmente quando os proprietários legalmente
constituídos encontram populações de ocupantes das mesmas terras que jamais
haviam se preocupado com a legalização de sua posse.
O surgimento de organizações de trabalhadores sem-terra e a luta pela
reforma agrária fazem parte da História brasileira, embora suas conquistas obje-
tivas sejam pouco relevantes diante do tamanho do problema agrário.

40
EaD
Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

Outro aspecto relativo à ocupação do território brasileiro é a desigualdade


na distribuição regional da população. A maior parte dos habitantes reside ao
longo da costa do Oceano Atlântico, onde se situam as grandes metrópoles e
capitais dos Estados.

Figura 5 – Mapa da Distribuição Espacial da População no Brasil em 2010

Fonte: IBGE – Censo Demográfico 2010.

Neste sentido, a construção de Brasília no planalto central para ser a capital


do país representa um esforço estratégico de interiorização da dinâmica socio-
econômica brasileira. Mais recentemente o fluxo migratório rumo à expansão
da fronteira agrícola para o Cerrado e a Amazônia também tem impulsionado
o surgimento de núcleos populacionais de maior expressão no centro-oeste e
norte do país.

Seção 2. 4
Os Desafios ao Desenvolvimento
O território brasileiro, por suas especificidades, representa um conjunto
de desafios que condicionam o processo de desenvolvimento da sociedade.
A sua extensão de 8,5 milhões de Km2 mostra inúmeras possibilidades de uso

41
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

do espaço e das condições nele existentes, mas também significa um desafio


permanente de vencer grandes distâncias para a movimentação de pessoas
ou mercadorias e garantir a cobertura dos serviços públicos essenciais (saúde,
educação, segurança, etc.).
A diversidade dos ecossistemas amplia as potencialidades de seu apro-
veitamento para o bem-viver das pessoas, mas exige grande esforço para a
compreensão de suas características e a preservação de sua capacidade de
reprodução. Garantir a sustentabilidade dos processos de desenvolvimento
em espaços complexos com os distintos biomas brasileiros é tarefa das mais
complexas e desafiadoras.
A extensão das áreas costeiras e das fronteiras com diversos países da
América do Sul permite inúmeras atividades de integração política, econômica
e cultural com os povos vizinhos, mas potencializa os riscos do tráfico interna-
cional de armas, drogas e outros ilícitos que precisam do controle e repressão
dos Estados Nacionais.

Síntese da Unidade 2
Nesta Unidade estudamos o processo de
constituição do território brasileiro e suas prin-
cipais características. A dinâmica de conquista
do território pelos portugueses, as estratégias
de ocupação dos espaços e o processo de
apropriação privada da terra determinaram
muitas das condições e das potencialidades
para o desenvolvimento atual e futuro da so-
ciedade brasileira.

42
Unidade 3

A FORMAÇÃO DO POVO BRASILEIRO

João Afonso Frantz


Vera L Trennepohl

OBJETIVOS DESTA UNIDADE


• Estudar o processo de formação da sociedade brasileira, considerando
a formação do povo brasileiro pela contribuição dos povos indíge-
nas, portugueses e africanos em sua composição básica, bem como
a participação dos demais grupos étnicos, na construção de uma
sociedade plural e diversificada étnica e culturalmente.

AS SEÇÕES DESTA UNIDADE


Seção 3.1 – A Contribuição dos Diversos Grupos Étnicos
Seção 3.2 – Relações Étnico-Raciais
Seção 3.3 – Características Sociais
Seção 3.4 – Indicadores Sociais: Educação, Desigualdade e Saúde

A formação do povo brasileiro é resultante de um intenso processo de


miscigenação em razão da mistura de diversos grupos humanos que ocorreu
no país. Os principais grupos foram os povos indígenas, africanos, imigrantes
europeus e asiáticos. Hoje é praticamente unânime a teoria de que não há no
mundo nenhum grupamento humano totalmente isolado e que todos os grupos
são pertencentes a uma única raça: a raça humana. As diferenças na aparência
não implicam, portanto, diferença genética.
No Brasil esse processo teve início praticamente com o “descobrimento” do
país e dos povos indígenas, que na época eram pelo menos 5 milhões de pessoas
e, por volta de 1950, não chegavam a cem mil. Do entrecruzamento entre tais
grupos sociais resultou um “povo novo” – o povo brasileiro (Ribeiro, 2006, p. 17).
A miscigenação, em graus muito variáveis, deu origem a três tipos fundamentais
de mestiços, hoje também já marcados por novas miscigenações: caboclo (branco
+ índio), mulato (negro + branco) e cafuzo (índio + negro).

43
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

Para avançar no entendimento sobre a realidade do povo brasileiro torna-


se necessário um olhar retrospectivo, fazendo uma pequena caracterização das
diversas etnias que contribuíram para a constituição do povo brasileiro, sempre
lembrando que tal miscigenação não ocorreu de forma pacífica, pois os diversos
grupos sociais foram tratados de forma diferenciada. Isso em virtude de que “as
elites dirigentes – primeiro portuguesas, depois luso-brasileiras e, finalmente,
brasileiras – sempre tiveram medo – e ainda têm – da emergência das camadas
oprimidas”. De qualquer modo, as diversas etnias tiveram suas contribuições na
constituição do povo brasileiro e no desenvolvimento econômico (Brum, 2011,
p. 133).

Seção 3.1
A Contribuição dos Diversos Grupos Étnicos1
Os indígenas brasileiros pertencem aos grupos chamados paleoamerín-
dios. Estavam no estágio cultural neolítico (pedra polida). Agrupam-se em quatro
troncos linguísticos principais: o tupi ou tupi-guarani (Litoral), macro-jê ou tapuia
(Planalto Central), o caraíba ou karib e o aruaque ou nu-aruaque (Amazônia). Os
portugueses, nos primeiros tempos, em sua grande maioria, eram homens que
vinham sozinhos em busca de aventura e riqueza, razão por que tomavam várias
moças índias como esposas.
O legado indígena começou com a inspiração para a construção das
primeiras casas portuguesas, seguindo com a rede para dormir, o banho de rio,
o uso da mandioca na alimentação, cestos de fibras vegetais e um numeroso vo-
cabulário nativo, principalmente tupi, associado às coisas da terra: na toponímia
(nome dos lugares), nos vegetais e na fauna.
No início da colonização ocorreram dois tipos de sujeição dos índios: a
escravidão e a catequese. Para Brum (2011, p. 136), “aos colonos portugueses
interessava a escravidão pura e simples, enquanto as ordens religiosas buscavam
catequizá-los. A catequese consistia no esforço de transformar os índios em “bons
cristãos”, isto é, levá-los a seus rituais, valores, usos e costumes e incorporar os que
lhes eram impostos, embora geralmente sem entendê-los”. A escravidão indígena
marcou o século 16, sendo depois substituída pela escravidão africana.
Atualmente, conforme a Fundação Nacional do Índio (Funai), há 672 terras
indígenas no país e estas são as principais etnias e respectiva população: Ticuna
(35.000), Guarani (30.000), Caingangue (25.000), Macuxi (20.000), Terena (16.000),
Guajajara (14.000), Xavante (12.000), Ianomâmi (12.000), Pataxó (9.700), Potiguara
(7.700) (Brum, 2011, p.141). De acordo com dados do Censo 2010 (IBGE), o Brasil
possuía, em 2010, 896.917 indígenas.

1
Para aprofundar essa temática ler Brum, 2011, p. 132-142.

44
EaD
Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

Os portugueses provinham de um complexo caldeamento secular e


variado, no qual se destacam contribuições dos fenícios, gregos, romanos, ju-
deus, árabes, visigodos, mouros, celtas e africanos. É deles o idioma português,
principal veículo da cultura brasileira e, por extensão, da cultura greco-romana,
marco da civilização ocidental. Deles vem também a religião católica, com seus
anjos e santos, depois simbioticamente unidos a entidades de religiões africa-
nas. Segundo Brum (2006, p. 27), no Brasil, nos primeiros séculos, a influência
portuguesa predominou, “de tal modo que se pode afirmar que é lusitana a base
fundamental da nossa cultura”.
O número de portugueses que vieram para o Brasil era reduzido. Até
porque Portugal era “um país pequeno e pobre, com reduzida população (cerca
de 1,2 milhão de habitantes)”, precisando utilizar-se de muitas estratégias para
garantir a ocupação da extensa colônia. A maioria de portugueses que vinham
para o Brasil eram homens, levando-os a buscar relacionamento sexual com as
índias. Os portugueses se aproveitaram da “instituição social indígena (o cunha-
dismo)”. Nessa instituição,

[...] o branco era visto como um ser superior, e era considerado honroso, tanto
para a mulher índia como pela própria tribo, acasalar-se e ter filhos com eles.
Por outro lado, era uso entre os nativos que o estranho que recebesse uma
moça índia como esposa estabelecesse laços de parentesco com todos os
membros do grupo. Podia, então, usar o trabalho dos parentes e as mulheres
para gozo sexual (Brum, 2011, p. 133).

Mesmo que os portugueses tenham contribuído em demasia para que a


língua portuguesa se tornasse oficial em todo o território brasileiro, esse foi um
processo complexo. Para Sodré (2003, p.18), no século 16 a classe dominante, nes-
se caso a portuguesa, era pouco numerosa, por isso foi instituído o bilinguismo,
em boa medida assumido pelos religiosos. Segundo o autor, existia uma “língua,
dita ‘geral’, que era a do índio – e só isso comprova a força de sua contribuição
cultural – ao lado da língua oficial, o português”. Esse fator fez com que a classe
dominante aceitasse o idioma indígena, num primeiro momento, numa clara
estratégia de “indiamzar-se” enquanto, em contrapartida, impunha aos povos
sua “europeização” e, depois, “abrasileiramento”.
Os africanos, que ainda não haviam superado o trabalho escravo que
desaparecera da Europa na Idade Média, foram utilizados pelos portugueses na
montagem de uma rede de comércio negreiro, nas plantações de cana-de-açúcar
nas ilhas do Atlântico (Açores e Madeira). Depois, sustentaram a economia do
Brasil colonial, que se assentou sobre três pilares: a grande propriedade territorial,
na qual se desenvolvia um empreendimento comercial destinado a fornecer à
metrópole gêneros alimentícios (em particular a cana-de-açúcar) e os metais
preciosos, em que se utilizava essencialmente a mão de obra escrava.
De acordo com Boris Fausto, “costuma-se dividir os povos africanos em
dois grandes ramos étnicos: os sudaneses, predominantes na África Ocidental,
Sudão egípcio e na costa do Golfo da Guiné, e os bantos, da África Equatorial

45
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

e Tropical, de parte do Golfo da Guiné, do Congo, Angola e Moçambique. Essa


grande divisão não nos deve levar a esquecer de que os negros escravizados
no Brasil provinham de muitas tribos ou reinos, com suas culturas próprias. Por
exemplo: os iorubás, jejes, tapas, hauças, entre os sudaneses; e os angolas, ben-
galas, monjolos e moçambiques entre os bantos” (2000, p. 51).

Os negros resistiram em quilombos e mesmo nas senzalas desenvolveram


uma arte marcial – a capoeira – para ser usada contra os senhores de engenho,
hoje patrimônio artístico-cultural do país.

Além da capoeira, que já é comum em várias partes do Brasil, mais en-


faticamente no Estado da Bahia, os africanos contribuíram significativamente
para o desenvolvimento populacional e econômico do Brasil. Os escravos e/ou
libertos africanos participaram de toda a formação humana e cultural do Brasil
com técnicas de trabalho, música e danças, práticas religiosas, alimentação
(azeite-de-dendê, pimenta, feijoada, etc.) e vestimentas.

O povo africano foi trazido à força para o Brasil e na condição de escravo.


Para garantir o controle sobre eles, foram separados, dificultando a comunicação
e a fuga. Mesmo assim, tornaram-se a principal força de trabalho no Brasil, con-
tribuindo para o desenvolvimento da economia brasileira durante os primeiros
séculos.

Carvalho (2005, p. 50) recorre a José Bonifácio para ressaltar que a escra-
vidão foi “obstáculo à formação de uma verdadeira nação, pois mantinha parcela
da população subjugada a outra parcela, como inimigos entre si”. Para além de
se tornarem mão de obra escrava, no olhar dos comerciantes portugueses, eram
um bem a ser comercializado. De outro lado, os portugueses necessitavam de
mão de obra para executar o seu projeto de desenvolvimento.

Até final do século 18 não se encontravam, segundo Belato (2000, p.105-


107), “documentos, declarações ou justificativas que defendessem os negros
contra a escravidão”. E, ainda, segundo o autor, mediante o uso do argumento
religioso, “recomendando aos escravos obediência, paciência e mansidão, fun-
dam a escravidão, agora dirigida preferencialmente aos negros da África, objeto
primeiro da expansão européia e mão-de-obra em toda a área mediterrânea
e das ilhas do Atlântico”. De igual modo, “os argumentos jurídicos conferiam
ao negro estatuto de coisa, incapaz de atos culturais, políticos e fundantes de
instituições”.

Em meados do século 19 intensificaram-se os movimentos de resistên-


cia, acompanhados por várias leis, que culminaram na Abolição da Escravatura
em 1888. Finalmente conquistaram a liberdade, o que não teria ocorrido sem a
luta dos próprios escravos. Após esse processo foi-lhes negado o direito de se
constituir como sujeito histórico. “Tal negação funda um arraigado preconceito
contra os negros, que, facilmente, se converte em racismo. O racismo é, assim,
um desdobramento da escravidão” (Belato, 2000, p.109).

46
EaD
Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

Esses três grupos sociais, analisados anteriormente, formaram o povo


brasileiro, que contou, no século 19, também com os imigrantes europeus.
Mesmo assim, vale destacar a leitura de Gilberto Freyre sobre esse processo.
Que leituras são possíveis?
Ainda no período colonial, tivemos algumas influências dos povos fran-
ceses, holandeses e ingleses. Várias foram os legados durante as tentativas
de se estabelecer em nosso país, no campo da educação, no cultivo de flores
e no futebol, respectivamente, porém muito restrito na contribuição étnica,
destacando-se os holandeses, em especial no Nordeste, inclusive com a estratégia
de “aportuguesarem” seus nomes/sobrenomes.
Do século 16 ao 18, consolidou-se a estrutura genética da população brasi-
leira, porém não está finalizada a miscigenação, a contribuição das muitas etnias
continua num processo constante de mistura. A consciência de ser brasileiro é
predominante. Trazemos a marca histórica da integração, não da segregação,
apesar do distanciamento social entre as classes dominantes e as subordinadas
(Ribeiro, 2006, p. 21).
Nos séculos 19 e 20 vieram outras várias etnias, que se estabeleceram prio-
ritariamente nas regiões Sudeste e Sul do Brasil, totalizando aproximadamente
um contingente de 5 milhões de pessoas. Os principais grupos de imigrantes
desse período são os portugueses, com 1,7 milhão de pessoas, que se uniram
aos povoadores lusitanos dos primeiros séculos, tornando-se, portanto, predo-
minantes na união com os povos indígenas e negros. Seguem-se, em ordem
decrescente, os italianos com 1,6 milhão; os espanhóis com 700 mil; os alemães
com 250 mil; os japoneses com cerca de 230 mil e outros contingentes menores
também migraram para o Brasil, em especial os eslavos, entre os anos de 1886
e 1930 (Ribeiro, 2006, p. 221).
Os “povos novos” não só contribuíram para a exploração de novas terras
como exerceram as primeiras jornadas de trabalho em ambiente fabril. Diante
dessa diversidade de etnias, o resultado só poderia ser uma imensa riqueza
cultural, manifestada, em especial: pelos italianos, na culinária, na herança re-
ligiosa, musical e recreativa; alemães, nas atividades industriais, na agricultura
e no cooperativismo; japoneses, na introdução do cultivo da soja e a cultura e
o uso de legumes e verduras (As contribuições dos imigrantes serão retomadas
na Unidade 4 – sociedade agrária).

Seção 3.2
Relações Étnico-Raciais
Diversos estudos, entre eles os realizados pelo professor Argemiro Jacob
Brum, mostram que hoje é bem reduzida a parcela de habitantes do país com
traços exclusivos de uma única origem étnica. Percebe-se que aproximadamente
80% da atual população brasileira resultam de algum grau de mestiçagem, já

47
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

com participação de elementos de origem europeia, índice que passa para cerca
de 90% do total da população brasileira. Essas pessoas receberam tratamento
diferenciado e encontram-se em situações diversas, tornando-se necessária a
construção de ações afirmativas ou políticas públicas, que visam a garantir a sua
inserção na sociedade brasileira.
Em diversos municípios do país vamos encontrar pessoas com origens
étnicas bastante diferenciadas, hoje miscigenadas. A integração é um ingre-
diente fundamental para a constituição da identidade nacional, da brasilidade
e acredita-se que “os preconceitos ainda existentes, abertos ou velados, tendem
a ser denunciados e superados. Cada vez mais pessoas agem nessa direção. Essa
integração é um componente fundamental da identidade nacional, da brasilida-
de, a ser cada vez mais testemunhado pelos brasileiros” (Brum, 2006, p. 14).
Diante dessa realidade brasileira, várias ações afirmativas, de diversas
naturezas, foram construídas com o propósito de combater as desigualdades
raciais, melhorando dessa forma a vida de uma parcela dos brasileiros que ao
longo do processo histórico não tiveram as mesmas oportunidades, ou, mesmo,
foram excluídos.
A primeira medida que propunha a igualdade humana, dos direitos
fundamentais de todos e de cada ser humano, foi a Declaração Universal dos
Direitos Humanos, votada pela Assembleia Geral da ONU em 1948. Essas preo-
cupações também se colocaram em décadas seguintes quando a Unesco/ONU
patrocinou algumas conferências mundiais, por exemplo, em 1978, 1983, 2001
e 2009, com o objetivo de estabelecer propósitos, resoluções e propostas que
visavam à eliminação do “racismo, discriminação racial, xenofobia e formas cor-
relatas de intolerância”. Por exemplo, na África do Sul, na cidade de Durban, em
2001, ocorreu a Terceira Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação,
Xenofobia e Intolerância Correlatas.
Essa Conferência contribuiu para que o governo brasileiro criasse a Se-
cretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir2), que tem como
objetivo elaborar políticas para a promoção da igualdade racial. No Brasil, um
passo importante nessa perspectiva foi dado com a Constituição Federal de 1988,
no caput do artigo 5º, que estabelece que todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, consagrando o Princípio da Igualdade.
As conferências ocorridas mundialmente desencadearam debates
regionais (continentais) e nacionais, que contribuíram para a criação da Lei
10.639/2003.3 Assim sendo, as deliberações da Conferência Mundial de Durban
(África do Sul) realizada de 31 de agosto a 7 de setembro de 2001, refletiram-se
no Brasil. Essa Lei não tinha contemplado a questão indígena, corrigida com a Lei

2
Mais informações sobre a política governamental em: <http://www.seppir.gov.br/publicacoes/pnpir.
pdf>. Acesso em: 5 dez. 2013.
3
Mais informações sobre essa Lei podem ser buscadas em: <http://portal.mec.gov.br/index.
php?option=com_content&view=article&id=13788:diversidade-etnico-racial&catid=194:secad-educacao-
continuada&Itemid=913>. Acesso em: 5 dez. 2013.

48
EaD
Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

11.645/2008, após as reclamações das comunidades indígenas brasileiras. Assim, a


Lei não é imposição do presidente da República ou de seu ministro da Educação,
mas imposição de uma política mundial de combate ao racismo e à discriminação
com base étnica, deliberada nos fóruns mundiais das Nações Unidas. Dessa forma,
a Lei deverá ser cumprida, se desobedecidas as deliberações, as punições ficam
sob a responsabilidade de milhares de delegados do mundo inteiro.
A educação tem um papel central no estabelecimento da Lei, pois as
diversas instituições formais deverão debater, analisar e conhecer bem a reali-
dade brasileira, tornando esses ambientes mais acolhedores, tendo, desta forma,
condições de reconhecer, valorizar e respeitar as diferenças. Ressaltamos que isso
está instigando o nosso debate na universidade, pois, como pessoas e futuros
profissionais, estarão vivenciando essa diversidade em diferentes ambientes –
escolares e de trabalho.
A luta mundial contra o racismo e a discriminação racial iniciaram-se após
a Segunda Guerra Mundial, período marcado por perseguições, por razões étnicas
e políticas, que ocorreram em relação a milhares de judeus, ciganos, etc., como
também nos séculos anteriores, as atrocidades cometidas contra milhões de
índios da América e milhões de negros, que se tornaram escravos.
O antropólogo Darcy Ribeiro trata a questão do processo de colonização
aqui no Brasil, nos primeiros séculos da ocupação europeia, como a “criação”
de uma massa de nativos sem consciência de si, uma “ninguendade”. Essa
transfiguração étnica, denominada, pelo antropólogo, como “desindianização”
coagida dos índios e pela “desafricanização” do negro, associadas a portugue-
ses “deseuropeizados”, que levou a um processo forçado e conflituoso e a uma
nova identidade étnico-nacional. Devemos considerar, entretanto, que, apesar
de cometidos pela fusão de várias matrizes, na atualidade os brasileiros são um
dos povos mais homogêneos linguística e culturalmente, assim como integrados
socialmente do mundo. “Falam uma mesma língua, sem dialetos. Não abrigam
nenhum contingente reivindicativo de autonomia, nem se apegam a nenhum
passado. Estamos abertos é para o futuro” (Ribeiro, 2006, p. 410).
A luta contra o racismo, portanto, é contra a guerra e a favor da paz, a
favor da educação, a favor da promoção do desenvolvimento. Deste modo, não
foi só um processo buscado pelo povo brasileiro, mas também por muitos outros
povos, em especial pelos sul-africanos, que tiveram vários líderes, como o ativista
político Nelson Mandela, herói e símbolo da luta pela igualdade racial.
Chamado de Madiba pelo seu povo, Mandela para o mundo, foi membro
desde 1942 do Congresso Nacional Africano (CNA) – Organização do movimento
negro fundada em 1912. Antes de ser um pacificador, foi um militante da opo-
sição contra o regime do apartheid. Essa postura mais radical lhe “rendeu” uma
condenação à prisão perpétua em 1964. Por meio do movimento internacional
“Libertem Nelson Mandela” em 1990 o líder popular foi solto. Antes de ser eleito,
em 1994, presidente da África do Sul, nas primeiras eleições multirraciais do seu
país, Madiba recebeu em 1993 o Prêmio Nobel da Paz. Assim como o pacifista

49
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

indiano Mahatma Gandhi e o ativista político estadunidense Martin Luther King,


sua principal luta não foi para chegar ao governo, mas para mudar a consciência
social das pessoas e dos governantes.

A paz não é simplesmente a ausência de conflito, a paz é criação de um entor-


no em que todos possam prosperar, independentemente de raça, cor, credo,
religião, sexo, classe, casta ou qualquer outra característica social que nos
distinga. A religião, as características étnicas, o idioma e as práticas sociais e
culturais são elementos que enriquecem a civilização humana, que se somam
à riqueza de nossa diversidade. Por que deixar que se convertam em causa
de divisão e violência? Estaremos degradando nossa humanidade comum
se permitirmos que isso ocorra (Fragmento de discurso do ativista Nelson
Mandela em Nova Délhi – Índia – em 31 de janeiro de 2004).

Em relação ao Brasil, essas questões possibilitam uma inserção positiva da


sociedade brasileira no mundo globalizado. Para tanto, torna-se necessário enfren-
tar problemas históricos que dificultam a ascensão social de uma parcela significa-
tiva da população. Uma construção, que atravessará o século 21, caminhando na
perspectiva de uma cidadania mundial. Por conseguinte, convém prestar atenção
e atuar em prol do fim dos conflitos e guerras em todos os continentes.
Ao analisar o Brasil no momento atual percebemos que ainda existem
sérios problemas, que são históricos, mas nas últimas décadas houve a melhora
na realidade do povo. Que realidade é está? Que problemas são estes?

Seção 3.3
Características Sociais
A sociedade brasileira é constituída por diversos grupos sociais, com certos
objetivos e interesses comuns. Ao longo dos tempos isso foi mudando. Nesse
sentido a população tem determinadas demandas que precisam ser atendidas
– alimentação, vestimentas, moradia e de ter acesso à escola, à saúde, ou seja,
aos bens que garantam a sua qualidade de vida. Qual é o número da população
brasileira? Qual é o seu perfil?
O Censo de 2010 indicou 190.732.694 pessoas para a população brasileira.
Em número populacional somos o quinto maior país do mundo (China 1,3 bilhão;
Índia 1,1 bilhão; EUA 300 milhões; Indonésia 230 milhões). Certamente muitos
exportadores, empresários ou investidores olham o Brasil como um potencial
em mercado consumidor.
A população continua crescendo? A população está crescendo, mas a taxa
de crescimento anual está em declínio. Isso significa dizer que ela cresce, mas
não mais na mesma velocidade que ocorreu durante o século 20. Entre 1970 e
1980 a taxa de crescimento ficou em 2,4% ao ano; já depois de 1991 e no início
do século 21 baixou para algo em torno de 1,5% ao ano. Esse declínio também é
percebido em outros países do mundo. Quantos filhos a sua avó teve? Quantos
filhos a sua mãe teve? E você, quantos pretender ter? O que acha das políticas
de incentivo à natalidade?

50
EaD
Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

A população brasileira foi definindo novos contornos. Houve ou não mu-


dança no perfil populacional? Conforme a análise dos dados apresentados an-
teriormente, a população brasileira continua crescendo, embora em ritmo menor.
Qual é a faixa etária da população que mais cresce? Os dados mostram também
que a população de idosos tem crescido em patamares bem significativos.
Dois fatores foram fundamentais para essa mudança: o aumento na ex-
pectativa de vida e a queda das taxas de fecundidade e de natalidade. Em 1940
a expectativa de vida dos brasileiros era de 41 anos, mudando para 73 anos em
2010. Isso significa que as pessoas estão vivendo mais e as taxas de fecundidade
vêm diminuindo, pois em 1970 era de 5,8 filhos, em média, por mulher, e hoje
está em menos de 2 filhos por mulher.
O aumento da população de idosos impõe vários desafios para o poder
público e para a sociedade. Que políticas públicas e ações o poder público e a
sociedade deve pensar/programar? Como isso se reflete nas nossas vidas? A
constituição de 1988 já reflete a preocupação com o idoso, levando à elaboração
do Estatuto do Idoso, aprovado em 2003.
As pessoas se deslocam no espaço e percebemos que hoje elas estão
concentradas nos centros urbanos. De que forma isso aconteceu? Que desafios
isso trouxe ao poder público? O êxodo rural ocorrido, especialmente a partir da
década de 70, provocou um crescimento repentino e desorganizado das cidades,
e teve como consequência o surgimento das favelas e a carência de serviços
básicos para a população (água, esgoto...).
Essa urbanização foi resultado do avanço da industrialização, que atraiu
trabalhadores. E a modernização da agricultura no Centro-Sul, em razão do avan-
ço tecnológico, liberou mão de obra. Houve também a expansão de fronteiras
agrícolas (nordestinos e gaúchos). Núcleos urbanos foram se criando próximos
aos principais eixos rodoviários, entretanto hoje constatamos que um movimento
contrário está se iniciando e algumas pessoas estão saindo dos grandes centros
e retornando às cidades menores, buscando com isso melhorar a sua qualidade
de vida. Com o mesmo propósito alguns aposentados estão migrando para as
cidades do litoral. E ainda, segundo dados do IBGE de 2010, alguns municípios
tiveram sua população reduzida. Qual é a realidade do teu município? Ao dimi-
nuir a população de um município os recursos repassados pelo governo federal
sofrem alterações – diminuem. O que faz a diferença nesses países ou regiões
para a permanência das pessoas?

Seção 3.4
Indicadores Sociais: Educação, Desigualdade e Saúde
O desenvolvimento do Brasil passa por enfrentar com ousadia os três
problemas sociais básicos: educação, desigualdade de renda e saúde. Mesmo
o país tendo avançado no seu processo de estabilização econômica, ainda há

51
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

sérios problemas sociais, muitos deles históricos, que deverão ser enfrentados
mediante um compromisso, do Estado, instituições e pessoas – no individual e
no coletivo. A seguir vamos analisar esses três problemas.

3.4.1 – Educação
No Brasil, com a passagem de um sistema de ensino de elite para uma
maior inclusão das pessoas, os sistemas educacionais estão tendo problemas para
garantir o acesso, a qualidade e a permanência do aluno na escola, o que tem
contribuído para a evasão, repetência e um ensino de baixa qualidade. Também
as mudanças na sociedade ampliaram o papel da escola num contexto sempre
mutante, em que o cidadão precisa estar capacitado para atuar numa realidade
cada vez mais complexa, desafiando os professores.
A educação é um dos problemas históricos não resolvidos, ou seja, não
foi vista como prioritária nas políticas governamentais brasileiras. As taxas de
analfabetismo no Brasil ainda são bastante elevadas, porém esse índice vem
melhorando, pois aumentaram as possibilidades de acesso aos bancos escolares
em todos os níveis de ensino. Ainda assim esse processo está ocorrendo de forma
lenta. Ressaltamos que o percentual de analfabetos é maior entre as faixas etárias
mais elevadas. Segundo o Pnad, em 2012 o índice entre pessoas com mais de
40 anos ficava em 34,2%.
Em pleno século 21 estamos travando uma luta contra o analfabetismo.
No século passado era considerado alfabetizado quem sabia escrever o próprio
nome. Hoje a exigência é maior, pois é necessário saber ler e expressar as ideias
com um mínimo de coerência. Além disso, tomaram forma outros tipos de
analfabetos, como: o analfabeto digital ou tecnológico, o analfabeto político,
entre outros.
A primeira constatação que podemos fazer é de que a taxa de analfabetis-
mo vem caindo. Em relação ao índice geral, no início do século 20 quase 80% da
população era analfabeta. Para uma melhor compreensão sobre essa realidade
torna-as necessário considerar as diversas faixas etárias. Ao analisar o analfabe-
tismo entre crianças de 7 e 14 anos percebe-se uma diminuição significativa nas
últimas décadas, pois dos 14% registrados no final da década de 80, recuamos
para um índice próximo a 2%, que pode variar dependendo da região.
O desafio da sociedade e do poder público é garantir que as crianças e
jovens concluam pelo menos os Ensino Fundamental e Médio. E ainda devemos
melhorar a qualidade do ensino, pois não é uma questão de quantidade, mas de
qualidade, diminuindo a repetência e a evasão escolar. Os programas sociais (bol-
sa escola, bolsa família e outros) podem contribuir para mudar essa realidade.
Ao analisarmos o analfabetismo entre brasileiros acima de 15 anos per-
cebemos que caiu de 13,6% em 2000 para 9,6% em 2010. Ressaltamos que dos
13.933.173 pessoas que não sabem ler e escrever, 39,2% são idosos, chegando
em alguns municípios a girar em torno de 60%. As diversas políticas destinadas

52
EaD
Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

à alfabetização de jovens e adultos têm contribuído para melhorar esse índice.


Na época do Mobral (1970) visava-se somente a aprender a escrever o próprio
nome, enquanto atualmente Educação de Jovens e Adultos (EJA) e o Ensino
Supletivo têm como objetivo a inserção social e econômica das pessoas que
não tiveram oportunidade de estudar na infância ou por algum outro motivo
abandonaram a escola. Ressaltamos que não é uma escolaridade compensatória,
mas a inclusão, garantindo o atendimento de demandas de aprendizagem de
diversos grupos.

Para além dos analfabetos convencionais temos ainda os analfabetos


funcionais. O que é o analfabetismo funcional? “No Brasil, consideram-se anal-
fabetos funcionais os maiores de 15 anos que não sabem ler nem escrever e os
maiores de 20 anos com menos de quatro anos de escolaridade formal e que
não consigam usar a leitura e a escrita em atividades cotidianas ou para a sua
autopromoção cultural. Da população adulta brasileira 29,4% eram analfabetos
funcionais em 1999 (em outros países, o conceito de analfabetismo funcional
é diferente. No Canadá, por exemplo, a expressão refere-se a todo adulto com
menos de oito anos de escolaridade)” (Brum, 2006, p. 50).

Para calcular o analfabetismo funcional, o IBGE considera analfabetos


funcionais aquelas pessoas com menos de quatro anos de estudo. Nessa condi-
ção, em 2011, encontravam-se 30,5 milhões de brasileiros. Esse índice varia de
região para região, no Norte – 25,3% e Nordeste 30,9% da população. Na região
Sudeste esse quadro melhora, passa para 14,9% de analfabetos, seguida pela Sul
(15,7%) e Centro-Oeste (18,2%). Percebe-se a necessidade de políticas públicas
que atendam a essa parcela da população.

No Brasil aumentou o número de alunos matriculados nos três níveis


de ensino. Mesmo assim, as diversas instituições formais de ensino – escolas e
universidades – precisam preparar o jovem para um a sociedade em constante
transformação. Se isto não acontecer, logo teremos uma educação que repõe
o problema do analfabetismo, apenas em outro patamar, o que demonstra a
importância de se formar pessoas qualificadas para responderem aos desafios
do seu tempo.

Num mundo globalizado, com avanços dos meios de comunicação, da


tecnologia, somos inundados por informações e o desafio é saber selecioná-las
e organizá-las, dando-lhes significado. O povo brasileiro precisa ser alimentado
de saber, de conhecimento, de cultura, questões essas que irão repercutir em
outros setores, garantindo uma maior qualidade de vida aos brasileiros.

No ensino superior os índices também estão melhorando de forma sig-


nificativa, mas ao compararmos com os outros países percebemos que temos
ainda um longo caminho a percorrer. Neste sentido o Prouni certamente pode
contribuir para reverter esse quadro, bem como o aumento da oferta de cursos
na modalidade Educação a Distância (EAD), que possibilita o estudo em tempos

53
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

e locais diversos. Assim sendo, as políticas governamentais, acompanhadas da


redução do valores de mensalidades, permitem que mais pessoas busquem a
sua qualificação.

Tabela 1 – Dados comparativos de onde trabalham os cientistas, em países


selecionados – 2007 – em percentagem (%)

_________________________________________________________________
País Empresas Universidades Outros
_________________________________________________________________
Estados Unidos 80 13 7
Coreia do Sul 77 16 7
Alemanha 61 24 15
Rússia 51 15 34
Espanha 32 50 18
Brasil 27 66 7
Argentina 12 45 43
_________________________________________________________________
Fonte: Universidade de Brasília (Brum, 2011, p. 494).

Esta Tabela expressa que os países desenvolvidos têm um percentual


expressivo de cientistas atuando em empresas. Além disso, o atraso educacio-
nal reflete-se em outras áreas, levando ao baixo desenvolvimento científico e
tecnológico do Brasil, por exemplo. Essas questões também refletem-se nas
exportações, pois exportamos muitos produtos in natura e ainda importamos
tecnologia. O desafio é investirmos mais nesse setor e possibilitar o acesso às
pessoas, melhorando a sua qualidade de vida.
As autoridades precisam perceber que o dinheiro aplicado em educação
não pode ser considerado como gastos/despesas, mas como investimento. E a
sociedade deve ter clareza de que os reflexos desse investimento também ocor-
rem a longo prazo. “A educação é a essência de qualquer sociedade civilizada.
Cidadãos civilizados, isto é, cidadãos que têm um comportamento cívico, não são
produtos do acaso, mas sim de um processo educativo” (Carvalho, 2006, p. 71).
A baixa escolarização dificulta a inserção social. A seguir analisaremos
alguns dados sobre a realidade social brasileira.

3.4.2 – Desigualdade
Conforme a colocação de Betinho (Souza, 2002), “A fome é exclusão. Da
terra, do emprego, do salário, da educação, da economia, da vida e da cidadania.
Quando uma pessoa chega a não ter o que comer é porque tudo o mais já lhe
foi negado”. Essas questões contrastam num país – Brasil – que tem abundância

54
EaD
Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

recursos naturais, porém marcado por acentuado desequilíbrio social e regional.


A excessiva riqueza, a ostentação e o desperdício da minoria contrastam com a
pobreza e a miséria de muitos (BRUM, 2011).
A exposição dos autores reflete um pouco a realidade social brasileira.
Diante disso, faz-se o seguinte questionamento: Como está a distribuição de
renda do Brasil? Os dados do Censo do IBGE de 2010 revelam que ocorreram al-
guns avanços sociais nos últimos anos. Segundo os dados do portal do Governo,4
“a renda domiciliar melhorou especialmente no Nordeste, com crescimento de
25,5% entre 2000 e 2010. A Região Norte ficou em terceiro lugar, com aumento
de 21,6%, atrás somente do Centro-Oeste, com aumento de 23,4%”. Esses dados
podem ser comparados com a realidade do Brasil na década de 90.

Quadro 1 – Comparativo da distribuição de renda, entre camadas da popula-


ção, no Brasil e outros países selecionados em meados da década de 90 – em %

País 20% mais 10% mais 20% mais 10% mais


pobres pobres ricos ricos
Brasil – 1995 2,5 0,8 64,2 47,9
EUA – 1994 4,8 1,5 45,2 28,5
Espanha – 1990 7,5 2,8 40,3 25,2
Alemanha – 1989 9,0 3,7 37,1 22,6
México – 1992 4,1 1,6 55,3 39,2
Afr.Sul – 1993 3,3 1,4 63,3 47,3
Bélgica – 1992 9,5 3,7 34,5 20,2
China – 1995 5,5 2,2 47,5 30,9
Fonte: Banco Mundial/Relatório sobre o desenvolvimento no mundo – 1998-1999
(Brum, 2006, p. 57).

Ao analisar os dados do Quadro, constata-se que nesse período o Brasil


era um dos países que apresentava grande disparidade de renda do mundo. Na
primeira década do século 21 o Brasil é a sexta economia mundial, percebendo-se
algumas mudanças considerando que no período anterior chegou a ser décima
terceira economia mundial.
Quantos problemas! Quantos contrastes! Essa desigualdade de renda
percebe-se não apenas entre pobres e ricos, mas entre homens e mulheres e
também devido à origem étnica. Um país rico não é apenas aquele que gera
um grande PIB, mas aquele que distribui da melhor forma possível essa riqueza
produzida entre a população.
As análises divulgados pelo Programa das Nações Unidas para o Desen-
volvimento (PNUD), Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e Fundação
João Pinheiro (FJP) demonstram a realidade do Brasil em relação ao seu Desen-
volvimento Humano em 2013.

4
Mais informações em <http://www.brasil.gov.br/governo/2012/04/censo-do-ibge-comprova-que-brasil-
reduziu-desigualdade-social-afirma-ministra>. Acesso em: 14 dez. 2013.

55
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

A seguir algumas tabelas e mapas5 que esclarecem estes estudos.

Tabela 2 – Índice de desenvolvimento humano de alguns países em 2012

Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil 2013.

Mapa 1 – Atlas do IDHM de 2013

Fonte: <G1.com.br>.

5
<http://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=3265:sao-divulgados-
os-indices-de-desenvolvimento-humano-dos-municipios-idhm-do-brasil-&catid=1246:bra-3-c-
noticias&Itemid=770>. Acesso em: 14 dez. 2013.

56
EaD
Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

Os índices da distribuição na renda melhoraram nas últimas décadas.


Percebe-se que o fator que mais contribuiu para essa mudança foi a educação.
O que contribuiu para a melhora desses índices? Houve ou não uma melhora na
qualidade de vida das pessoas? Que fatores contribuíram para diminuir a pobreza
no Brasil na última década? Entre eles, podemos destacar:
– política previdenciária – o que beneficiou inúmeros idosos, aumentando a
renda das famílias. Em alguns municípios, quando o aposentado recebe seus
recursos, percebe-se um aumento das vendas no comércio local. “Em dezembro
de 2009, 18,7 milhões de benefícios tinham valor de até um salário mínimo,
correspondendo a 69% dos benefícios pagos pelo INSS.” [...] É importante
observar que, até o final de 2009, 46,6% dos benefícios pagos na área urbana
tinham valor de até um salário mínimo, correspondendo a um contingente de
7,2 milhões de beneficiários diretos (Mercadante, 2010, p. 296-267).
– políticas de saúde pública – olhar em saúde;
– política de valorização do salário mínimo;
– programas sociais – Bolsa família.

Na realidade social brasileira houve algumas melhoras nas últimas dé-


cadas, mas ainda temos um longo caminho pela frente. No momento atual
intensificam-se os debates sobre a “nova” classe média. Que classe média é essa?
De onde surgem os grupos sociais que conhecemos? O economista Márcio Poch-
mann (2001), em seu livro O emprego na globalização: a nova divisão internacional
do trabalho e os caminhos que o Brasil escolheu, destaca que, mesmo com baixa
escolarização e experiência profissional, as novas ocupações estão absorvendo um
número significativo de trabalhadores, garantindo a sua ascensão social. Mesmo
assim, não poderiam ser identificados como classe média.
Nessa mesma linha, podemos também recorrer a Marilena Chauí, que considera
não ter havido o surgimento de uma nova classe média, mas a ampliação da classe
trabalhadora. Dessa forma, foi mediante a inclusão dessas camadas sociais trabalha-
doras, que estavam fora das relações de produção e consumo capitalistas nacionais,
que temos hoje um maior consumo de bens não duráveis e um razoável incremento
no turismo interno, entre outras melhorias (pronunciamento da filósofa Marilena Chauí
em Goiânia/GO, na edição do “Café com Ideias” em 13 de novembro 2013).
Na questão social, vale ressaltar também, como diz a música dos Titãs “A
gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte...”. Sem dúvida,
a educação é o ingrediente para a inclusão social, econômica e política. Por
intermédio dela vamos ter cidadãos brasileiros preparados, que busquem e
garantam os seus direitos.

3.4.3 – A Saúde: o Papel do Sistema Único de Saúde – SUS


Nos últimas décadas do século 20 alguns passos importantes foram dados
para melhorar a saúde do povo brasileiro. No final da década de 70, num contexto
de abertura política, a população dos grandes centros começa a se mobilizar para
melhorar a sua qualidade de vida.

57
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

Nesse período foram criados os Conselhos Populares de Saúde, preocu-


pando-se com o saneamento básico, criação de hospitais e centros de saúde,
e os profissionais da saúde se organizaram para defender a sua profissão e os
direitos dos seus pacientes. Criam a Associação Brasileira de Pós-Graduação em
Saúde Coletiva (Abrasco) e o Centro Brasileiro de Educação da Saúde (Cebes),
momento em que elaboram um documento intitulado “Pelo direito universal à
saúde”, quando destacam a importância do acesso à assistência médica-sanitária
como direito do cidadão e dever do Estado.
A mobilização da sociedade brasileira repercutiu nos trabalhos da Assem-
bleia Constituinte, pois a Constituição promulgada em 1988 vai contemplar, em
boa medida, as reivindicações da sociedade e dos especialistas, tornando-a um
direito de todos. Foi, então, criado o Sistema Único de Saúde (SUS), encarregado
de organizar, no plano regional, as ações do Ministério da Saúde, em que toda a
população será beneficiada. No período anterior o órgão responsável pela saúde
do povo brasileiro era o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência
Social (Inamps/74 – resultante do INPS, hoje INSS), mas usufruíam somente
aqueles empregados que contribuíssem com a Previdência Social.
Os princípios do SUS constam na Lei Orgânica de Saúde, de 1990, e estão
embasados no artigo 198 da Constituição Federal de 1988. Podemos destacar os
princípios da universalidade, integralidade e da equidade, além dos princípios
da descentralização, da regionalização e da hierarquização da sua organização.
No portal de Saúde do Governo Federal6 consta que “O Sistema Único de Saúde
(SUS) é um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo. Ele abrange desde
o simples atendimento ambulatorial até o transplante de órgãos, garantindo
acesso integral, universal e gratuito para toda a população do país.”
Em meados da década de 90 o problema da saúde ainda estava bem
presente na realidade brasileira, levando, em 1995, o médico Adib Jatene, então
ministro da Saúde, a propor a criação de imposto especial sobre o movimento
bancário de todos os cidadãos, buscando, desta forma, os recursos para melhorar
a saúde.
De acordo com a Lei criada em 1996 sobre a CPMF:

Art. 18. O produto da arrecadação da contribuição de que trata esta Lei será
destinado integralmente ao Fundo Nacional de Saúde, para financiamento
das ações e serviços de saúde, sendo que sua entrega obedecerá aos prazos
e condições estabelecidos para as transferências de que trata o art. 159 da
Constituição Federal (Lei nº 9311, de 24 de outubro de 1996).

Com a CPMF o governo busca recursos para melhorar a saúde do país. Ela
passou a vigorar a partir de 1997 com uma alíquota de 0,2% sobre as operações
financeiras. Em julho de 1999 foi prorrogada até 2002 com uma alíquota de 0,38%,

6
Mais informações em <http://portal.saude.gov.br/portal/saude/cidadao/area.cfm?id_area=1395>. Acesso
em: 14 dez. 2013.

58
EaD
Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

quando parte do recurso também era usada para financiar a Previdência. Em 2007
o governo Lula não conseguiu prorrogar a cobrança. Nos últimos anos ocorreram
debates e encaminhamentos que visavam a implantar a Contribuição Social para
a Saúde (CSS), em que as movimentações financeiras seriam tributadas em 0,2%
sobre todas as transações financeiras acima de R$ 4 mil e o recurso seria todo
destinado para a saúde. Essas questões foram debatidas em 2013, e tudo indica
que serão retomadas em 2014.
Nesses mais de 20 anos o SUS7 desempenhou/desempenha um papel
relevante para a população brasileira, porém vários problemas precisam ser
enfrentados. O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) juntamente
com o Ministério da Saúde produziram o livro SUS 20 anos, no qual várias temáti-
cas são analisadas, identificando problemas e perspectivas de futuro. Apontam
como o maior problema a questão da desorganização, também reforçado pelo
Banco Mundial. E, ainda, destacam que 65% são pequenas unidades, com menos
de 50 leitos, quando deveriam ser acima de cem leitos.
No momento várias ações estão sendo desenvolvidas que de certa forma
mantêm sob controle alguns problemas de saúde que estão se recolocando. O
que significa a dengue? E a luta contra a tuberculose? Como combater a questão
do fumo? O que fazer para conter o avanço das drogas? Quantas questões estão
se tornando problemas de saúde pública? Para amenizar esta realidade foram
encaminhados alguns programas de atenção à saúde, como:
– Saúde da família – 1994 – caráter preventivo.
– Samu8 – 2003 – atendimento pré-hospitalar móvel.
– Upas – 2009 – Unidades de Pronto-Atendimento 24 horas
– Farmácia popular9 – 2004 – distribuição de medicamentos.
– Saúde do Homem – 2009 – Política Nacional de Saúde do Homem.
– Saúde da Mulher – 2003 – Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da
Mulher.
Alguns passos importantes foram dados nestes últimos anos, mas torna-
se necessário encontrar alternativas para a consolidação desses programas,
incorporando-os numa política de longo prazo. A humanização da saúde deve
contribuir com o povo brasileiro. Para tanto é necessário envolver as várias
facções – sociedade e os diversos profissionais que atuam na área. Em relação
ao trabalhador comenta o coordenador nacional da Política de Humanização
da Saúde do Ministério de Saúde, Dario Frederico Pasche: “Não é humano jor-

Mais informações em <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/contribuicoes_20_anos_SUS.pdf>.


7

Acesso em: 14 dez. 2013.


Mais informações em <http://portal.saude.gov.br/portal/saude/area.cfm?id_area=1787>. Acesso em: 14
8

dez. 2013.
Mais informações em <http://portal.saude.gov.br/portal/saude/area.cfm?id_area=1095>. Acesso em: 14
9

dez. 2013.

59
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

nadas de trabalho inacabáveis e salários baixos, isso reflete principalmente no


atendimento aos pacientes, que não merecem a insegurança que sentem”, no
4º Seminário de Administração na Saúde (SAS).

Síntese da Unidade 3
Nesta Unidade estudamos a formação do povo
brasileiro, a partir de diferentes contribuições
étnico-raciais, tratadas de forma diferenciada,
durante o processo de constituição da socieda-
de brasileira. Também analisamos algumas das
características dessa população em sua evolução
histórica.

60
Unidade 4

ESTRUTURA ECONÔMICA
E O DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO

Romualdo Kohler
Vera L. Trennepohl

OBJETIVO DESTA UNIDADE


• Analisar o processo de estruturação da economia brasileira, os movi-
mentos de expansão, modernização, transformação e desenvolvimen-
to, detectando contradições e estabelecendo relações significativas
entre as bases econômicas e as condições sociais e políticas em que
vive a população brasileira.

AS SEÇÕES DESTA UNIDADE


Seção 4.1 – A Formação e Desenvolvimento da Agropecuária Brasileira
Seção 4.2 – Formação e Desenvolvimento da Indústria Brasileira
Seção 4.3 – Formação e Desenvolvimento do Setor Terciário
Seção 4.4 – A Crise do Modelo e os Esforços Pela Estabilização Econômica
Seção 4.5 – Globalização, Desafios e Perspectivas Para o Século 21

O Brasil possui uma economia enorme, com uma estrutura produtiva


complexa e diversificada. Seu Produto Interno Bruto – PIB (indicador utilizado
para medir o tamanho das economias e seu ritmo de crescimento) alcançou os
US$ 2,1 trilhões em 2012, índice que colocou o país no sexto lugar do ranking
das maiores economias do mundo. A renda média per capita (divisão do PIB pela
população total) cresceu significativamente nas últimas décadas, embora a sua
distribuição seja das piores do mundo.
A agropecuária brasileira destaca-se internacionalmente pelo volume de
produção alcançado e, especialmente, pelo potencial de crescimento que ainda
possui. Além dos produtos históricos, como cana-de-açúcar e café, o Brasil está
entre os maiores produtores de grãos (soja, milho, arroz), carnes (bovino, suíno
e aves) leite e outras proteínas animais e vegetais, com capacidade para atender
seu consumo interno e a crescente demanda mundial dessas mercadorias.

61
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

A indústria brasileira, apesar de ter iniciado seu desenvolvimento com


atraso, já se estruturou fortemente em diversos ramos e atingiu capacidade com-
petitiva para atuar numa economia aberta e integrada ao mercado global. Além
das vantagens competitivas naturais existentes no Brasil, foram desenvolvidas
novas vantagens de caráter tecnológico, gerencial ou econômico.
O setor terciário da economia brasileira, incluindo comércio e serviços,
expandiu-se velozmente nas últimas décadas e já alcançou dimensões de gran-
de escala e complexidade nas comparações internacionais. O tamanho do país
em extensão territorial, em população residente, em volume e diversidade de
produção e consumo de mercadorias e as expectativas de qualidade de vida
da população brasileira colocam desafios cada vez maiores para as empresas
públicas e privadas do setor terciário.
Assim, o objetivo desta Unidade é apresentar e analisar elementos que
permitam e desafiem os estudantes a refletir sobre o processo de formação e
desenvolvimento dessa estrutura econômica, bem como sobre os desafios, as
possibilidades e os limites que representa para o futuro da sociedade.
Muitas são as potencialidades de um país jovem e promissor como o Brasil.
Muitos são também os obstáculos que precisam ser superados para alcançar os
objetivos do desenvolvimento. Parcela significativa das potencialidades e dos
obstáculos resulta do processo histórico de formação e desenvolvimento da
sociedade brasileira.
Refletir sobre esta trajetória histórica é fundamental para compreender
melhor a dinâmica do desenvolvimento, a natureza dos problemas, as causas dos
fenômenos, as razões das escolhas e as possibilidades alternativas que se apre-
sentam. Não se trata, portanto, de estudar novamente os fatos/acontecimentos
da História do Brasil, mas de retomar o processo histórico para compreender
melhor o presente e projetar o futuro com mais competência.

Seção 4.1
A Formação e Desenvolvimento
da Agropecuária Brasileira
A formação e o desenvolvimento da agropecuária está marcada por várias
características. Ela assume um papel central no Brasil, pois fornece alimentos para
a população e matéria-prima para as indústrias, como também assume impor-
tância pelo seu potencial como mercado consumidor. Para Brum e Trennepohl
(2004, p. 50), “a agricultura foi, tradicionalmente, até os anos de 1970, a principal
fonte geradora de divisas do país (açúcar, café...). Se, de um lado, é verdade que
o produto agrícola in natura geralmente tem preço baixo no mercado, tanto in-
terno como externo, de outro lado, é também verdade que a agricultura ocupa
o centro de um conjunto de atividades que vêm tendo crescente expressão na
economia do país”.

62
EaD
Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

O agronegócio (agribusiness, em inglês) é o setor mais dinâmico da eco-


nomia brasileira. Ele compreende um conjunto variado de atividades.
A seguir busca-se analisar alguns aspectos do processo agropecuário
brasileiro.

4.1.1 – A Constituição do Modelo Primário-Exportador


A constituição do “Modelo” Primário-Exportador no Brasil ocorreu em
perfeita sintonia com a expansão do sistema global do comércio, marcado pela
divisão internacional do trabalho. Num primeiro momento os países da Amé-
rica, entre eles o hoje Brasil, forneceram matérias-primas, riquezas minerais e
alimentos para o fortalecimento dos Estados nacionais europeus e a expansão do
mercantilismo. No século 18, contribuiu também para a acumulação primitiva do
capital que financiou a Revolução Industrial na Inglaterra. Então, durante quatro
séculos o Brasil permaneceu como colônia de países da Europa.
O descobrimento oficial do que viria a ser o Brasil ocorreu no processo de
expansão marítima portuguesa, que vai organizar a colônia para atender as suas
necessidades, permanecendo dessa forma por mais de 300 anos. O Brasil não
tinha destino próprio, produziu e forneceu à metrópole o que interessava a ela
e ao mercado europeu. Durante 3 séculos estabeleceu relação de dependência
com Portugal, tornando-se uma colônia oficial e organizada na perspectiva
do capitalismo mercantil. O mercantilismo, mesmo assumindo características
diferentes, garantiu exclusividade da metrópole no comércio com sua colônia.
Conforme Brum (2011, p. 118), “A preocupação central de Portugal consistia,
em última análise, na exploração das riquezas da terra e na sua remessa aos
mercados europeus”.
A sociedade brasileira foi organizada tendo como objetivo atender às
necessidades das potências europeias, não foi estruturada para atender às
necessidades locais. Para Brum (2011, p.118), “a sociedade não se organizou; foi
organizada. E essa organização se fez predominantemente em função das ne-
cessidades, dos interesses e das ações dos outros. E ainda hoje temos dificuldade
de gerar formas próprias de organização, de renová-las e adequá-las à realidade
mutante, ou de fazê-las funcionar a contento”.
A dominação externa foi possível devido ao apoio interno. A monopo-
lização do comércio com a colônia (Brasil) internamente foi realizada pelos
comerciantes e grupos econômicos “autorizados” pela Coroa Portuguesa. Eles
cobravam impostos, definiam os preços dos produtos exportados e dos impor-
tados (geralmente os produtos importados tinham os preços mais elevados).
Essa elite, que representava cerca de 2% da população, controlava a sociedade,
reproduzindo internamente a dominação de poucos sobre muitos.
O sistema colonial brasileiro, como colônia de exploração, garantiu um
processo de produção em larga escala de produtos necessários no mercado
mundial. Essa relação comercial garantiu a acumulação, contribuindo para o

63
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

desenvolvimento do capitalismo dos países europeus, pode-se dizer, em espe-


cial, de Portugal. Boa parte dessa riqueza, entretanto, foi para outros países da
Europa, como a Inglaterra, que investiu no processo industrial.
Nos quatro primeiros séculos a estrutura econômica, dependente, re-
pousava em cinco pilares básicos, os quais, conforme Brum (2011, p. 153), eram:
“produção primária, destinada à exportação, realizada no latifúndio, por mão de
obra escrava ou assalariados mal pagos, e com características de monocultura. À
margem ou com função complementar, as pequenas lavouras de subsistência da
ampla maioria de deserdados”. Assim, o Brasil tornou-se um grande fornecedor
de matérias-primas, como: o açúcar, o café e os metais preciosos.
Grandes ciclos e subciclos marcaram a produção econômica nesse período,
buscando, em boa medida, atender às necessidades externas. Essa produção foi
realizada em grandes propriedades, com trabalho realizado por mão de obra
escrava.
Um dos grandes ciclos econômicos foi o do açúcar, que contribuiu para
a formação da sociedade agrária brasileira, que foi marcada pelo engenho do
açúcar, com sua organização patriarcal, escravocrata e latifundiária. A vila ou
cidade foi um prolongamento do engenho, vivendo sob a influência deste. Daí
o sentido rural da vida social nos primeiros séculos.
Para Brum e Trennepohl (2004, p. 9), “A denominação engenho de açú-
car, com o tempo, passou a designar não só as instalações propriamente ditas
destinadas à moagem da cana e ao fabrico do açúcar, mas se estendeu para o
conjunto de toda a grande propriedade rural com tudo o que nela havia”. Prado
Júnior também destaca: “A grande propriedade açucareira é (foi) um verdadeiro
mundo em miniatura em que se concentra(va) e resume(ia) a vida toda de uma
pequena parcela da humanidade” (1949, p. 46).
O engenho de açúcar era considerado uma empresa agroindustrial, pois
tinha aparelhos mecânicos como a moenda, a caldeira e a casa de purgar. Aliás,
o maior e mais complexo empreendimento econômico existente no mundo, na
época. No interior dele poderia ter germinado a diversificação de atividades e
também a manufatura, não fosse a mentalidade escravocrata (Brum; Trennepohl,
2004).
A substituição do engenho tradicional pelas modernas usinas de açúcar
ocorre no século 19, com uma estrutura mais complexa e com a introdução de re-
lações sociais capitalistas entre proprietários e trabalhadores. “Transformaram-se
os tipos humanos, quebraram-se as velhas tradições patriarcais, os velhos hábitos
sociais, os velhos usos e costumes. Introduziram-se elementos novos, como o
distanciamento social e a valorização do trabalho especializado. Acentuou-se o
desequilíbrio social” (Brum; Trennepohl, 2004, p. 12).
O século 19 foi marcado por acontecimentos que contribuíram para a
redefinição dos rumos da colônia, que não beneficiou a todos da mesma forma,
sendo possível destacar: Emancipação Política, Abolição da Escravatura e a Pro-
clamação da República. Mesmo assim, a ruptura com o passado colonial assume

64
EaD
Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

proporções mais consistentes somente no início do século 20. Nesse período o


Brasil avançou no seu processo industrial e, posteriormente, na modernização
da agricultura.

4.1.2 – Agricultura Familiar:


Minifúndio, Trabalho Familiar e Policultura
A produção para a exportação, historicamente, assumiu um papel de
destaque, mas tem também relativa importância na “economia de subsistência,
isto é, atividades acessórias destinadas ao consumo interno e a garantir o fun-
cionamento da economia de exportação” (Brum; Trennepohl, 2004, p. 20).
Essa dicotomia é destacada por Prado Júnior (1949, p. 52), em que, de um
lado, havia a grande lavoura como “abastança, prosperidade e grande atividade
econômica”; de outro a “satisfação da mais elementar necessidade da grande
maioria da população – a fome”.
O setor da economia de subsistência apresentava variadas formas e tipos
de organização, que segundo Brum e Trennepohl (2004, p. 20-22), são:
– a produção de gêneros de consumo realizada na grande propriedade rural,
e destinada à alimentação dos membros da família senhorial e dos que nela
trabalhavam.
– o abastecimento de vilas, centros urbanos, que se ocupavam principalmente
da administração, do comércio e serviços. O abastecimento era um problema.
Para atender a essa necessidade, surgem unidades produtivas de pequeno
porte, trabalhadas pelo próprio proprietário e sua família, às vezes com a
ajuda de algum escravo. Em parte esse abastecimento contou também com
a participação dos índios.
– na região aurífera a população foi atraída pelo ouro. Desenvolveu-se também
ali atividade subsidiária, a economia de subsistência, por meio do cultivo de
gêneros alimentícios em pequenas propriedades, e, em propriedades maio-
res, a pecuária, complementada pela produção de derivados de leite (queijo,
principalmente), de caráter artesanal/industrial, o que fez de Minas Gerais, há
muitas décadas, o Estado possuidor do maior rebanho bovino do país, bem
como destacado produtor de lacticínios.
– os imigrantes – que se estabeleceram principalmente em São Paulo, Minas
Gerais e no Rio de Janeiro (Vale do Paraíba), acompanharam o ciclo do café,
contribuindo com mão de obra e na produção de alimentos. Esses imigrantes
e seus descendentes vão atuar no comércio, na indústria e na agricultura
(adquirem áreas de terra). E, ainda no RS, as áreas de mata foram colonizadas
por imigrantes europeus, que se organizaram em pequenas propriedades
familiares.
A Coroa Portuguesa, nos três primeiros séculos, também se preocupou
com a produção de alimentos, devido ao problema da fome. A produção de
gêneros alimentícios deveria gerar um excedente para abastecer os núcleos

65
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

urbanos, mas os grandes proprietários rurais sempre resistiram ao cumprimento


das determinações da Coroa. Para eles a grande lavoura, a que eram destinadas
as melhores terras, era muito mais rentável, não lhes interessando outras culturas,
para além do atendimento às necessidades do próprio engenho ou fazendas.
No setor da economia de subsistência inclui-se também a pecuária – uma
atividade de relativa expressão, mas acessória dos ciclos econômicos principais,
pela sua importância na alimentação e no transporte, principalmente. O gado
era criado à solta por pernambucanos, baianos, paulistas e gaúchos. A instalação
de uma fazenda de gado não exigia grandes recursos. Com o tempo as fazendas
foram melhorando sua estrutura e o trabalho era, em geral, livre. A criação de
gado foi também a primeira atividade econômica, nos primeiros séculos da colo-
nização, a promover a ascensão social de homens oriundos das camadas pobres
da população. As charqueadas assumiram um papel, num primeiro momento,
no processo de transformação da carne – produção de charque.
No Brasil foram instalados, no início do século 20, alguns frigoríficos, que
tornaram o setor mais dinâmico. Em boa medida, isso foi realizado por empresas
multinacionais americanas (Wilson, Swift e Armour) e inglesas (Anglo). No RS,
por exemplo, a Armour adquiriu uma charqueada em Santana do Livramento,
em 1917. E, aos poucos foram entrando outros grupos no Estado, com presença
crescente de empresas nacionais. Assim, algumas empresas estrangeiras deixa-
ram o país, entre as décadas de 70 e 90. Quais foram os impactos disso no Brasil,
e consequentemente no RS?
A seguir será dado ênfase ao papel dos imigrantes no avanço da agricul-
tura familiar.

Imigrantes
Os imigrantes contribuíram na produção e constituição da economia de
subsistência. Ao chegarem em São Paulo, eles eram enviados para as grandes
fazendas de café, onde substituíam como assalariados ou pelo regime de colo-
nato os escravos, sendo-lhes vedado o acesso à propriedade da terra antes de
decorridos três anos da sua entrada no Brasil. Já nos Estados do Sul (RS, SC e PR),
as áreas de mata foram colonizadas por imigrantes europeus de várias naciona-
lidades, com base na pequena propriedade familiar. Com trabalho duro e forte
senso de economia, iam adquirindo relativa prosperidade.
Na pequena propriedade familiar, vencidas inúmeras dificuldades, so-
bretudo nos primeiros anos dedicavam-se à policultura (milho, trigo, feijão,
arroz, mandioca, abóbora, cana-de-açúcar, centeio, aveia, etc.) produzida para o
consumo da família e para venda no mercado. A par da lavoura, havia a criação
de aves e animais domésticos e para o trabalho, como galinhas, suínos, gado
vacum e cavalar, que forneciam ovos, carne, leite, queijo, nata e manteiga para
a mesa, geralmente farta, além de energia para a preparação da terra, transporte
e lazer.

66
EaD
Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

Os produtos produzidos pelos imigrantes eram vendidos em “bolichos”,


pois os colonos não produziam tudo o que necessitavam. Eles vendiam o seu
produto e já de imediato adquiriam produtos que não produziam, como sal,
açúcar, enxada, etc. Os proprietários das casas de negócios, por sua vez, enca-
minhavam os produtos aos comerciantes maiores ou atacadistas nos principais
centros urbanos.
A agricultura familiar utilizava os recursos e a fertilidade natural do solo
brasileiro. Para a produção e a transformação de alguns produtos usavam energia
humana, animal, da água e do vento. O trabalho era árduo e envolvia todos os
membros da família. Alguns imigrantes vão aos poucos assumindo atividades
nos centros urbanos, como: no comércio, na produção de artesanato e na pe-
quena e média indústria, atendendo às necessidades da população cada vez
mais numerosa.
Mesmo assim, os sistemas de produção adotados até aquele momento
apresentam sérias dificuldades, como: 1) o esgotamento da fertilidade natural
do solo, com diminuição da produtividade, combinado com a proliferação das
pragas (formigas); 2) a ampliação dos minifúndios – devido à partilha de herança;
3) a migração, principalmente de famílias recém-constituídas, rumo às novas
fronteiras agrícolas ainda disponíveis, fundando novas colônias, nas quais se
reproduzia mais ou menos o mesmo processo. Nessas condições, na Região Sul
ocorre a opção por um novo modelo, batizado de “modernização conservadora
da agricultura”, por não ter contemplado a reforma agrária.

4.1.3 – Modernização da Agricultura


A modernização da agricultura ocorrida em meados do século 20 modifi-
cou profundamente a organização agrícola brasileira. Ela aconteceu em sintonia
perfeita com a expansão do capitalismo mundial, pois com o término da Segunda
Guerra Mundial e após a reconstrução da Europa, com o Plano Marshall, os países
capitalistas buscaram ampliar seus investimentos e para isso os países em de-
senvolvimento eram atraentes. Atendia também às expectativas e necessidades
da realidade local, pois a agricultura tradicional enfrentava sérias dificuldades,
tornando-se uma possibilidade diante do declínio da produção agrícola.
Assim sendo, a partir da década de 40, com crescente expansão nos anos
seguintes, significativas mudanças aconteceram nas relações sociais de produ-
ção, impulsionadas pela modernização da agricultura. Desta forma, ocorreu a
introdução do capitalismo no campo, que, por sua vez, levou à reorganização e à
emergência de novos interesses. A produção capitalista destina-se antes de tudo
ao mercado, buscando cada vez mais o lucro e a acumulação de capital, e não
mais a simples satisfação das necessidades do produtor rural e de sua família.
A modernização da agricultura foi também impulsionada pela industria-
lização brasileira, que intensificou a urbanização e aumentou a demanda por
produtos agrícolas. Dessa forma, constitui-se um crescente mercado interno
para os produtos agrícolas e agroindustriais, ampliou-se o mercado de trabalho

67
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

para aqueles que eram “expulsos” ou mesmo por opção saíam do campo. De um
lado, no campo produz-se o que esse mercado necessitava, de outro, tornou-se
um importante mercado para máquinas e insumos modernos produzidos pela
indústria. Percebe-se uma crescente interdependência entre o setor agrícola e
o industrial brasileiro.
Esse processo foi habilmente induzido pelos grandes grupos econômicos
norte-americanos (e mundiais). Por meio da chamada “Revolução Verde”, mes-
mo tendo garantida a ampliação da produção, possibilitou a sua presença em
vários países, entre eles o Brasil. Ela propunha o aumento da produção agrícola
mediante o desenvolvimento de sementes adequadas para os diferentes solos e
climas e resistentes às doenças e pragas, bem como o uso de técnicas agrícolas
mais modernas e eficientes.
Essa imagem humanitária ocultava os interesses de grandes grupos
econômicos, que buscavam ampliar no mundo a venda de insumos agrícolas
modernos: máquinas, equipamentos, implementos, fertilizantes, defensivos,
pesticidas, como também a comercialização e o financiamento aos países que
aderissem ao processo de modernização.
No Brasil percebe-se uma crescente presença internacional. Por exemplo,
em 1943, Nelson Rockefeller, um dos chefes do poderoso grupo econômico
(Fundação Rockefeller), visitou o país, fundou três empresas vinculadas ao grupo:
a Cargill, ligada principalmente à comercialização internacional de cereais e à
fabricação de ração; a Agroceres, destinada a pesquisas genéticas com o milho e
à produção de sementes de milho híbrido, e a EMA (Empreendimentos Agrícolas),
voltada à fabricação de equipamentos para a lavoura (Brum; Trennepohl, 2004).
As mudanças se intensificaram pós-1965.
Os grupos econômicos (Rockefeller e outros) fechavam o círculo de domi-
nação, pois emprestavam aos governos o dinheiro que era usado pelos agricul-
tores para adquirir os maquinários e insumos modernos, em sua grande maioria
produzidos por suas próprias empresas multinacionais. E, ainda, controlavam a
comercialização internacional dos grãos.
As profundas transformações na base técnica ou o “Pacote tecnológico”
instituído no Brasil foi desenvolvido cientificamente nos grandes centros de pes-
quisa do exterior. O primeiro grupo de tecnologia a ser destacado diz respeito a
um grupo sofisticado de máquinas, de alto valor, como: tratores, colheitadeiras
automotrizes, plantadeiras, ordenhadeiras mecânicas, etc. Essas máquinas e
equipamentos eram, em sua grande maioria, produzidos por multinacionais,
mas também por fábricas nacionais.
Outra mudança foram as inovações físico-químicas, com a incorporação
dos fertilizantes industriais, agrotóxicos, produtos veterinários, etc. O sistema de
rotação de culturas, adubação orgânica e descanso de terras foram substituídas
pelo uso de novos insumos químicos. As inovação físico-químicas ocorreram com
o uso intenso de fertilizantes, agrotóxicos e produtos veterinários. Um grave pro-
blema foi gerado pelo uso desordenado desses produtos. Os agrotóxicos foram

68
EaD
Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

aplicados de forma exagerada e não foram obedecidos os critérios dos países


ricos. E, ainda, provocou o aumento do número de pragas, de novas espécies. O
uso intenso de praguicida atacou os inimigos naturais, levando a um desequilíbrio
do agroecossistema (Ehlers, 1996, p. 42).

E, ainda, outro grupo de inovações foram as alterações biológicas, em que


inúmeras variedades de sementes e de animais foram criadas e difundidas. Por
exemplo, o milho híbrido, altamente produtivo e geralmente mais precoce que as
variedades comuns. O Estado teve uma participação na produção de tecnologia
por meio da Embrapa, que concentrou seus esforços na geração de inovações
biológicas – por exemplo, o milho híbrido.

A utilização do “pacote tecnológico” contribuiu com a recuperação ou


transformação de terras antes tidas como imprestáveis, em produtivas. Ao longo
desse processo a terra deixou de ser um recurso natural disponível, pois, com as
mudanças tecnológicas da agropecuária, ela passou a ser usada como garantia
na obtenção do crédito rural subsidiado, tornando-se um bem altamente valori-
zado. Além da renda natural obtida pela exploração extensiva de grandes áreas,
os proprietários puderam contar com o arrendamento.

Para a incorporação de todo essa aparato tecnológico foram necessários


mais recursos. Quem financiou a modernização da agricultura? Certamente, não
vai ser mais o vizinho! Neste sentido, o Estado brasileiro assumiu um papel central
até 1980, chamado até de “Estado Generoso”, pois forneceu crédito rural, ofereceu
incentivos fiscais e subsídios, investiu em pesquisa, em extensão rural, definiu o
preço mínimo e o seguro agrícola. Um dos órgãos criados foi o Sistema Nacional
de Crédito Rural (SNCR), em 1965, que proporcionou uma oferta ilimitada de
crédito para a agricultura, aliada à compra estatal e ao seguro total (Proagro),
expandindo a produção de novas culturas, mas, de outro lado, subordinou o
agricultor à fiscalização e à assistência técnica.

Podemos destacar o papel assumido pela Empresa Brasileira de Pesquisa


Agropecuária (Embrapa), criada em 1973, que desempenhou um papel central
na pesquisa, e, ainda a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater),
contribuindo a orientando agricultores sobre a tecnologia.

Para os agricultores foi fundamental o incentivo do Estado, mas à custa do


que isso aconteceu? O governo brasileiro buscou os recursos junto aos grandes
bancos internacionais. O financiamento contemplava os mais diversos produtos,
mas nem todas as culturas foram beneficiadas da mesma forma.

Os investimentos financiavam o agricultor que adquiriu máquinas e insu-


mos, como também as indústrias que transformavam a matéria-prima fornecida
pelo campo. Logo, esses forneciam produtos para o campo. A clientela era o
produtor modernizado ou modernizável. Para acompanhar a modernização o
agricultor necessitava de mais recursos para adquirir o “pacote tecnológico”. Esse
período é marcado por uma farta disponibilidade de recursos, mas nem sempre

69
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

tudo foi investido no setor agrícola. Nesse período ocorreram muitos desvios.
Você já ouviu falar do “trigo papel”, “adubo papel”, “calcário papel”, “semente
papel”? Que tal você buscar informações sobre isso?
A “modernização da agricultura” contribuiu com o aumento da produção
brasileira de grãos, mas para tanto foi necessário desembolsar recursos, melhorar
as rodovias, portos, transportes, armazéns, etc., e, também, criar instituições que
assumiram um papel fundamental, como as cooperativas, os bancos, agroindús-
trias, empresas de comercialização, entre outras.
Para responder a essa demanda foram criadas várias cooperativas no RS
a partir de 1957, das quais 20 só naquele ano. Elas primeiro buscaram atender à
expansão do trigo, logo também à soja. A possibilidade de duas safras anuais, na
mesma área de terra, impulsionou ainda mais o moderno cooperativismo, que
assumiu um caráter acentuadamente empresarial, com atuação cada vez mais
ampla, diversificada e complexa.
Essas cooperativas, armazenavam, comercializavam e transportavam a
produção, como, também, criaram uma estrutura comercial para fornecimento
de insumos para a lavoura e de consumo em geral, por intermédio de supermer-
cados. Criaram também indústrias de esmagamento de grãos (soja), produzindo
óleo, farelo, rações e intermediaram os financiamentos agrícolas oficiais (repas-
ses). Algumas chegaram a prestar serviços nas áreas da saúde e da educação.
Desta forma, ocorre a inviabilização das casas comerciais, vendas ou “bolichos”.
O setor agrícola será também abalado pela crise mundial do capitalismo
de 1980, momento que o Estado não recebeu mais o mesmo volume de capital
para investir no setor agrícola, levando a um redirecionamento das políticas
agrícolas, sendo também atingido pelos primeiros tropeços da soja em 1978 e
1979, quando duas estiagens seguidas reduziram a colheita.
O avanço do capitalismo na produção agrícola teve como consequência
um processo de exclusão – o êxodo rural. A agricultura mecanizada absorvia pou-
quíssima força de trabalho e, por isso, foi responsável por grande parte do êxodo
rural, que se deu pela expulsão dessas terras dos trabalhadores assalariados, dos
agregados e dos pequenos proprietários rurais e suas famílias.
As inovações ocorreram de forma impositiva e as pessoas não estavam su-
ficientemente preparadas para usar todo esse aparato tecnológico, acontecendo
acidentes de trabalho e envenenamentos pelo uso inadequado dos agrotóxicos.
E, ainda, foram causados danos ao meio ambiente, por meio do desmatamento,
do envenenamento das águas, e muitos pássaros e peixes desapareceram, rios
e arroios tiveram diminuído seu fluxo de água.

Seção 4.2
Formação e Desenvolvimento da Indústria Brasileira
Após vários séculos de uma economia primária exportadora, marcada
pela exportação de produtos tropicais, o Brasil ingressa na industrialização, via
substitutiva de importações, modernizando aos poucos a sua estrutura produtiva.

70
EaD
Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

O principal produto de exportação brasileiro foi abalado pela crise do capitalismo


mundial, contribuindo para que o país repensasse o seu processo de organização
econômica. Essas mudanças repercutem nos centros urbanos e no campo. Até
meados da década de 70 várias políticas socioeconômicas foram planejadas e
instituídas no Brasil, contribuindo para construir o país que temos no momento
atual, e que precisam ser estudadas para compreendermos melhor a realidade
e desafios que enfrentamos na atualidade.
Durante a Primeira República, mesmo o poder político estando na mão
dos cafeicultores, cujo interesse era incentivar a produção do café, ocorre o
avanço industrial, quando, aos poucos, surgiram as fábricas. Essas mudanças
são impulsionadas nos primeiros anos do século 20, quando o café, principal
produto de exportação do Brasil, enfrentou uma crise de superprodução, o que
provocou a queda de seu preço.
No início desse século foi elaborado o Acordo de Taubaté (1906), que
visava garantir os ganhos dos produtores rurais, buscando, de alguma forma,
garantir a recuperação do setor. A execução dessa política foi possível devido
à utilização de “recursos públicos, provenientes do orçamento, de emissões e
até de empréstimos externos. Com tais recursos, o governo adquiria e armaze-
nava os excedentes da produção anual de café sem colocação no mercado. Em
contrapartida, os produtores comprometiam-se a não expandir suas lavouras”
(Brum, 2011, p. 158).
Mesmo assim, muitos produtores, com seus ganhos garantidos, continu-
aram ampliando a produção, dificultando ainda mais a situação. Esse processo
de mudança se intensifica após 1930, quando o Estado brasileiro apoia de forma
crescente o setor industrial.
As mudanças ocorridas no Brasil são também reflexos de transformações
que ocorriam no mundo. Para tanto, vamos considerar três fatores. Outros tam-
bém influíram e são importantes, mas não serão estudadas nesse momento.
O primeiro aspecto a ser considerado é a Primeira Guerra Mundial (1914
a 1918), cujo resultado principal foi uma redefinição das relações de poder no
mundo com o deslocamento da hegemonia da Europa para os Estados Unidos
da América. A partir de então o Brasil se aproximou dos EUA, realizando o seu
primeiro empréstimo junto a essa potência, em 1922. Esse conflito mundial teve
reflexos positivos no Brasil, pois o bloqueio econômico dificultou as relações
comerciais – as exportações e as importações. Sendo assim, intensifica-se a pro-
dução para atender à demanda interna. E o Brasil, que antes exportava algodão
para a Alemanha, por exemplo, podia usar essa matéria-prima para intensificar
a produção têxtil internamente.
Nesse sentido os imigrantes podiam contribuir com sua experiência, seu
capital e, principalmente, como mercado consumidor.
O segundo fator foi a vitória da Revolução Socialista, na Rússia, em 1917.
Até esse momento socialismo/comunismo era um sistema que constava em livros
e na cabeça de algumas pessoas, mas tinha chegado o momento de colocá-lo

71
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

em prática, logo, com possibilidades de se expandir para o mundo. Isso influiu


na reestruturação capitalista, levando-o a rever o seu processo de exploração,
pois havia aumentado muito o número de trabalhadores, sendo necessário fazer
algumas concessões, evitando assim mudanças mais profundas.
E o terceiro aspecto está relacionado com a primeira crise de superpro-
dução. O mundo foi abalado por uma profunda crise econômica, caracterizada
pelo excesso de produção e pela falta de mercado para os produtos, cujo sinal
mais evidente foi a quebra da Bolsa de Nova York em outubro de 1929, o que
abalou o capitalismo mundial. A crise do capitalismo e a ameaça de um sistema
alternativo (o socialismo soviético) levaram a uma reestruturação econômica e
exigiram uma maior intervenção do Estado na economia, regulando e direcio-
nando investimentos.
Novas ideias passam a receber atenção e ampliar sua influência na defini-
ção dos rumos da humanidade. Por exemplo, “Keynes advogava o fim da liberdade
absoluta do mercado (laissez-faire) e a necessidade de intervenção do Estado
na ordem econômica, garantindo o pleno emprego, contendo a ganância dos
capitalistas e promovendo o equilíbrio social” (Brum, 2011, p. 174).
No plano interno, além da crise do principal produto de exportação do
Brasil, a Revolução de 1930 une os descontentes, em um primeiro movimento de
âmbito nacional, levando a uma nova fase na evolução histórica brasileira. Mesmo
assim, foi um movimento liderado por políticos tradicionais, que não visavam a
mudanças estruturais profundas. Uma parcela da elite se antecipou, conforme
o que escreveu o presidente de Minas Gerais, Antônio Carlos de Andrada, para
Getúlio Vargas. “Façamos nós a Revolução antes que o povo a faça”.
Os fatores internos e externos contribuíram no repensar da política econô-
mica brasileira, inviabilizando o “modelo” de desenvolvimento vigente no período.
Diante disso, a Revolução de 1930 tornou-se um marco para a História brasileira,
pois a partir dela o Estado passou a assumir uma posição claramente favorável à
industrialização. As forças que assumiram o poder optaram por um modelo de
desenvolvimento baseado num Estado forte e numa política de industrialização
por substituição de importações, em que o país passou a produzir internamente
o que antes vinha do exterior.
O processo de industrialização brasileira ocorreu de forma evolutiva.
Partiu-se de produtos mais simples e menos exigentes, como os bens de con-
sumo não duráveis, até atingir os mais complexos e sofisticados, que exigiam
mais capital e tecnologia, como os bens de consumo duráveis e, especialmente,
os bens de capital.
Essa política econômica exigia presença constante e crescente do capital.
Segundo Ianni, (1996, p. 109), as mudanças em curso na estrutura produtiva
está subordinada “aos movimentos do capital nacional e estrangeiro (...). O pla-
nejamento governamental e o engajamento do poder público nas atividades
produtivas permitem dinamizar a reprodução ampliada do capital”. Até final da

72
EaD
Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

década de 70 entrou no país um percentual significativo de recursos externos,


que contribuiu para intensificar a industrialização e garantir a infraestrutura
necessária para as mudanças.

Nesse sentido, o Estado brasileiro cumpriu um papel central para a sua


concretização, atuando em áreas que a iniciativa privada não tinha condições
ou não queria assumir. No entendimento de Brum (2011), os governantes consi-
deravam que a sociedade brasileira não estava suficientemente organizada para
assumir essa responsabilidade e que necessitava de um Estado forte, interventor,
que conduzisse o processo de desenvolvimento capitalista no país.

A industrialização brasileira contou com o apoio do Estado, pois foi ne-


cessário elevado volume de capital e de demorado retorno. É o caso dos inves-
timentos em infraestrutura (transporte, energia, comunicações...) e na produção
de insumos básicos (ferro, aço, petróleo...). Então, a partir de 1940 várias empresas
estatais são criadas, como: a Companhia Siderúrgica Nacional, a Usina de Volta
Redonda, a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf ), a Petrobras e a
Companhia Vale do Rio Doce, entre outras.

Além de atuar como empresário, o Estado estimulou a industrialização


brasileira por meio de créditos, subsídios, isenção e incentivos fiscais, tornando-
se o principal agente para o avanço capitalista no Brasil. Mesmo assim, trouxe
alguns prejuízos sociais, pois as políticas públicas ficaram relegadas a um
segundo plano. Para Brum (2011), o Estado foi apropriado por uma reduzida
classe economicamente dominante e colocado a serviço de interesses privados
ou corporativos, primeiro pelos latifundiários e mais recentemente pelos pro-
prietários do capital.

As políticas socioeconômicas instituídas entre 1930 e 1980, na efetivação


da industrialização via substituição de importação, são marcadas por aspectos
comuns. O Estado, porém, modificou significativamente sua forma de atuar,
em conformidade com os ideais dos ocupantes do poder e as circunstâncias
econômicas e políticas vigentes. Assim sendo, torna-se necessário identificar e
analisar algumas características, considerando para isso três recortes: a) Getúlio
Vargas e a industrialização – 1930 a 1945; b) industrialização, entre 1945 e 1964;
c) Regime Militar e crescimento econômico.

4.2.1 – Getúlio Vargas e a Industrialização – 1930 a 1945


O governo de Getúlio Vargas, que intensificou o processo de industriali-
zação do Brasil, seguiu uma linha de atuação coerente com o contexto mundial
da época, cujas características fundamentais permitem, segundo Brum (2011),
denominá-lo como um “Modelo de Desenvolvimento Nacional e Autônomo”.
Buscava, porém, superar o subdesenvolvimento e transformar o país em uma
“potência autônoma”. Para isso,

73
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

os nacionalistas sustentavam a necessidade de controle pelo Estado da


infra-estrutura (transportes, comunicações, energia) e da indústria básica,
ficando as outras áreas da atividade econômica nas mãos da empresa privada
nacional. Sem chegar a recusar em princípio o capital estrangeiro, insistiam
na necessidade de só aceitá-lo com muitas restrições, seja quanto à área dos
investimentos, seja quanto aos limites à remessa de lucros no exterior (Fausto,
2000, p. 426).

Essa política nacionalista repercutiu no processo de modernização, tanto


do setor agrícola quanto do industrial. Vargas continuou dando atenção à agri-
cultura, mas apoiou fortemente o setor industrial, baseado na empresa nacional,
que deveria liderar o processo de acumulação de capital e ampliar as atividades
produtivas. Percebe-se uma crescente expansão do setor industrial, voltado ao
mercado interno. Para tanto, foi necessário e importante a progressiva melhoria
dos salários, ampliando desta forma o mercado consumidor. Nesse incremento
contribuíram os imigrantes, tanto com suas experiências utilizadas no avanço
industrial quanto como consumidores.

O desenvolvimento nacionalista de Vargas concedeu favores aos empre-


sários, dando-lhes proteção diante da concorrência externa, incentivos e créditos
subsidiados, tornando os ricos mais ricos, sendo chamado em virtude disso de
“mãe dos ricos”. A política de Vargas, durante o Estado Novo, não contemplava a
democracia, ocorrendo crescimento econômico e justiça sem democracia.

O governo, que assumiu em 1930, precisou criar alguns mecanismos para


manter sob controle esse proletariado. A política trabalhista buscou “reprimir
os esforços organizatórios da classe trabalhadora urbana fora do controle do
Estado e atraí-la para o apoio difuso do governo” (Fausto, 2000, p. 335). Nessa
época a função dos sindicatos era de “colaborar com os poderes públicos na
conciliação dos conflitos trabalhistas”, atrelados ao Ministério do Trabalho, Indús-
tria e Comércio (11/1930), que intermediou as relações entre capital e trabalho.
Segundo Brum (2011), o Estado considerava que nem os empresários e nem os
trabalhadores estavam suficientemente organizados para dispensarem sua tutela.
Nesse período, greves e outros movimentos reivindicatórios foram proibidos e
severamente reprimidos.

Baseados em seu populismo Vargas aliciou as camadas sociais de menor


poder aquisitivo por meio de uma prática política paternalista, clientelista e
cartorial, em que o Estado exercia a tutela da sociedade, sindicatos e demais
organizações sociais. Ele se apresentava como defensor dos pobres e dos oprimi-
dos. Fez algumas concessões, para não realizar mudanças na estrutura de poder
dominante. E os sindicatos ficaram atrelados ao Estado, com o governo, em alguns
momentos, se antecipando às reivindicações da classe trabalhadora.

Essa classe trabalhadora cresceu muito nas primeiras décadas do século


20, o que levou o governo de Vargas a decretar um arsenal de leis protetoras:
jornada de oito horas, concessão de férias, salário mínimo, repouso semanal

74
EaD
Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

remunerado, previdência social, entre outras, que foram reunidas, em 1943, na


Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Em virtude da política trabalhista foi
chamado também de “pai dos pobres”.

Em 1930 foi criado o Ministério da Educação e da Saúde e em 1931 o Esta-


tuto das Universidades Brasileiras. Também tornava-se necessário qualificar mão
de obra para trabalhar nas indústrias, no que contribuíram os cursos oferecidos
pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), Serviço Nacional de
Aprendizagem Comercial (Senac) e de linhas assistencialistas, como: Sesi, Sesc
e LBA.

Nas décadas seguintes mudanças ocorrem, pois o fim da Segunda Guerra


Mundial inviabilizou a política econômica adotada por Vargas, por isso chamada
de “Tentativa de Desenvolvimento Nacional e Autônomo”. Após o conflito a de-
mocracia passa ser algo central e buscado por todos os governantes, atingindo
o governo brasileiro, que governava o país de forma autoritária. Diante disso,
Vargas até buscou fazer a transição para a sociedade mais democrática, mas não
obteve sucesso. Foi para o exílio, e mesmo assim, acaba elegendo o candidato
que contava com seu apoio, Gaspar Dutra. Mudanças mais expressivas, contudo,
ocorrem durante o governo de Juscelino Kubitscheck, que numa viagem ao
exterior constata que o Brasil precisaria avançar economicamente.

4.2.2 – Industrialização Entre 1945 e 1964


Entre 1945 e 1964 ocorre um impulso no processo de industrialização
brasileira. Superados os horrores da guerra e parte de seus traumas, reconstruídos
os principais parques produtivos europeus (por meio do Plano Marshal), ampliou-
se a velocidade do crescimento econômico e surgem múltiplas possibilidades
de avanços produtivos em diversas áreas. Após a reconstrução dos países da
Europa sobraram recursos no mundo e o Brasil passa a ser visto como um país
interessante para se investir, até porque muitas indústrias internacionais busca-
vam recuperar um mercado que antes era delas, pois antes dos dois conflitos o
país importava muitos produtos que vinham da Europa e dos EUA.

A partir desse momento percebe-se que esses grupos econômicos, além


de emprestar o capital instalavam subsidiárias nos mais diversos países, entre
eles o Brasil. Desta forma, aproveitaram a matéria-prima, a mão de obra barata
e os incentivos do governo brasileiro.

No Brasil, em 1950, estava praticamente superada a etapa da substituição


de importações de bens de consumo não duráveis e chegara a hora de “avançar
para um novo patamar de industrialização: indústria de bens de consumo durá-
veis, insumos básicos e bens de capital. Para tanto, havia necessidade de grande
volume de capital e alta tecnologia. E o país não dispunha nem de um, nem de
outro” (Brum, 2011, p. 202).

75
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

Então, para colocar o país num “novo” patamar de desenvolvimento eram


necessários altos investimentos. O que contribuiu para avançar no processo de
abertura ao capital estrangeiro, iniciado durante o governo de Gaspar Dutra, mas
intensificado no governo de Juscelino Kubitscheck,1 que abriu as portas para
o capital externo e as empresas multinacionais, viabilizando o lançamento do
seu Plano de Metas, com o slogan de avançar “50 anos em 5”. No governo de JK
percebe-se uma postura distinta da de Vargas, pois, “além de ampliar a ativida-
de do Estado na área econômica, assumiu uma posição francamente favorável
à entrada de capitais estrangeiros, concedendo-lhes estímulos e facilidades”
(Brum, 2011, p. 208).
A nova estratégia do capital internacional não favorecia o desenvolvi-
mento independente, pois grandes grupos econômicos investiram no setor
produtivo, forçando a abertura das economias nacionais aos investimentos de
risco estrangeiros. Além disso, continuaram concedendo créditos para o setor
público investir em infraestrutura, necessária para o impulso industrial.
Segundo Brum (2011), as empresas multinacionais assumiram os setores
mais dinâmicos e rentáveis da economia brasileira, principalmente aqueles que
estavam voltados a produzir os bens de consumo duráveis (veículos, eletrodo-
mésticos, eletroeletrônicos), tendo destaque nas indústrias químicas, nas farma-
cêuticas, no setor naval e de equipamento elétricos. Percebe-se a sua presença
crescente na produção de bens duráveis e na de bens de capital.
O processo de modernização do Brasil exigiu maior atenção à questão do
combustível básico: o petróleo. Quanto mais avançávamos na produção de bens
de consumo duráveis, com a crescente expansão do setor automobilístico, mais
essa questão passa a ser central. Durante o governo de Vargas (agora eleito dire-
tamente) ocorreu a campanha “O Petróleo é Nosso”, impedindo que as empresas
estrangeiras explorassem a extração deste combustível. A política nacionalista
foi completada em outubro de 1953 com a criação da Petrobras.
O seu mandato foi marcado por uma política popular e nacionalista,
beneficiando tanto trabalhadores quanto as empresas nacionais. Por exemplo,
em relação aos trabalhadores aumentou o salário mínimo em 100% no dia 1º de
maio de 1954. Nessa trajetória arrumou muito problemas, levando-o a cometer
suicídio naquele ano.
O governo de JK, para financiar o seu ousado projeto de desenvolvimento,
reunido no seu Plano de Metas e na construção de Brasília, “optou pelo caminho
mais fácil: recursos externos e emissões inflacionárias” (Brum, 2011, p. 213). Essa
política contribuiu para desencadear um processo inflacionário que trouxe con-
sequências negativas para a sociedade, como “corrosão do poder aquisitivo dos
salários, aguçamento das reivindicações, tensões sociais, desequilíbrio nos preços
relativos, distorção de investimentos, impossibilidade e planejamento e previsão
empresarial, desestímulo à poupança privada, etc.” (Brum, 2011, p. 213).

1
Comissão da Verdade conclui que JK foi assassinado.

76
EaD
Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

Durante a década de 50 o Brasil deu um salto econômico quantitativo e


qualitativo, pois em 1956 a indústria passa a superar a agricultura, em termos
de riqueza produzida, mas marcado por desequilíbrios regionais, pois o Sudeste
(principalmente São Paulo) tornou-se o Estado cada vez mais industrializado.
Acreditava-se que era possível desenvolver o país a partir de um centro econômi-
co forte, e em função disso, os investimentos de infraestrutura foram canalizados
para esses grandes centros (capitais). Em razão do crescimento econômico “os
trabalhadores foram beneficiados, tanto através da geração de novos empregos
como pelo aumento dos salários reais, inclusive do poder aquisitivo do salário
mínimo” (Brum, 2011, p. 223).
O capital externo entrou no Brasil em grande escala, tanto sob a forma
de investimentos diretos quanto de empréstimos ao setor público. Os emprés-
timos externos foram usados principalmente para financiar a construção de
obras públicas. “No período de 1955 a 1961 entraram no Brasil US$ 2,18 bilhões,
sendo que mais de 95% desses recursos foram aplicados nas áreas prioritárias
do governo” (Brum, 2011, p. 217). Isso explica o aumento considerável da dívida
externa brasileira, que atingiu US$ 3,9 bilhões no final de 1960.
As subsidiárias de multinacionais tornaram-se grandes investidoras no
Brasil. No período “desenvolvimentista”, por exemplo, o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico (atual BNDES) concedeu mais empréstimos às
companhias estrangeiras (6,9 bilhões de cruzeiros) do que à indústria nacional
(6,5 bilhões de cruzeiros). Essas companhias estrangeiras, além de usarem os
recursos nacionais buscavam com frequência empréstimos no exterior, junto as
suas matrizes ou ao sistema financeiro (Brum, 2011).

As vantagens, as isenções e os privilégios concedidos às empresas estrangei-


ras chegavam a permitir que elas importassem do exterior, de suas matrizes,
máquinas e equipamentos obsoletos, valorizando-os como se novos fossem,
sem restrição de qualquer espécie quanto aos similares de fabricação nacio-
nal. A empresa General Motors S.A., por exemplo, transferiu para o Brasil uma
fábrica de veículos há cinco anos desativada na cidade de Detroit, nos EUA. A
Volkwagen aproveitou o dinheiro da venda de cinco mil carros ao Brasil para
iniciar aqui a sua hoje poderosa indústria montadora de veículos. Aliava-se a
vontade política interna de um crescimento econômico acelerado aos inte-
resses do capital estrangeiro em instalar-se no país (p. 219).

As multinacionais procuravam manter em suas matrizes os laboratórios,


tendo o controle sobre os bens de capital, tecnologia e o domínio do capital.
Em 1960 o progresso industrial era uma realidade, mas a inflação também. O
Brasil continuou sendo um país dependente. Segue-se a isso uma profunda
crise econômica, social e política que será provocada pelo governo seguinte,
de Jânio Quadros, que sequer completou um ano de mandato, renunciando em
1961. Logo, em 1964, um golpe de estado derrubou João Goulart. Justamente foi
contra a sua proposta de Reformas de Base que ocorreu o levante conservador
que instituiu o regime militar no Brasil, por longos 21 anos.

77
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

4.2.3 – O Contexto Econômico no Regime Militar


Entre 1964 e 1985 o Brasil foi governo por militares, que centralizaram
o poder político, militarizaram o aparelho estatal, mantendo sob controle as
organizações populares. Eles tinham entusiasmo pelo crescimento econômico,
pois pretendiam aumentar a expressão do Brasil como “potência mundial” por
meio do fortalecimento do poder nacional, o que deveria vir acompanhado pela
incorporação do avanço tecnológico, com um Estado forte, eficiente e interventor.
Por outro lado, relegaram para um segundo plano as políticas sociais, a questão
era crescer economicamente sem grandes preocupações de como isso seria
distribuído entre a população. Desta forma, consolidaram o desenvolvimento
industrial via substituição de importações.

Nesse período o Brasil cresceu e se modernizou. O Estado teve um papel


importante para a viabilização do projeto elaborado pelos militares, pois deveria
interferir no planejamento econômico e social, direcionar investimentos que, em
boa medida, vinham do exterior. A intervenção do Estado na economia ocorreu
também por meio do controle salarial e de preços e na indexação da economia. E
a estatização, criticada por eles no governo anterior, passou a ser um instrumento
bastante usado, pois no início do Regime Militar foram criadas várias empresas do
governo, pois isso favorecia o capital e a expansão industrial. Eles eram favoráveis
ao capitalismo, mas não acreditavam no capitalismo liberal.

Segundo Brum (2011, p. 264), “sustentavam a necessidade de um Estado


forte e eficiente, com participação efetiva no planejamento e na regulamenta-
ção da economia, de modo a aproveitar as vantagens e evitar os problemas do
capitalismo”.

Brum (p. 265) cita Alves para acrescentar que, em síntese, os militares de-
fendiam “um modelo de desenvolvimento capitalista baseado numa aliança entre
capitais do Estado, multinacionais e locais. A ideologia nacionalista era bastante
difundida nos meios militares, estabelecia forte vinculação entre nacionalismo
e estatização (dos setores básicos)”, mas percebe-se uma crescente participação
de investidores internacionais.

A expansão econômica foi também financiada pela expropriação salarial


dos trabalhadores. Neste sentido, foi adotada uma política de contração dos
salários, exceto dos salários mais altos de profissionais com ensino superior,
administradores e executivos de empresas e os altos funcionários das estatais.
Igualmente beneficiaram o segmento das chamadas profissões liberais. Isso se
refletiu de forma positiva na classe média alta, que teve o seu poder de compra
aumentado, contribuindo para a retomada do crescimento econômico. A maioria
dos trabalhadores, porém, teve seus salários achatados, pois os reajustes eram
sempre inferiores às taxas da inflação. Como os sindicatos estavam impedidos
de qualquer reivindicação, impediu-se a maioria dos assalariados de usufruir do
crescimento econômico (Brum, 2011).

78
EaD
Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

Para analisar a política socioeconômica dos militares, estaremos orga-


nizando essa apresentação em quatro períodos, marcados por baixo, médio
e grande crescimento econômico. O primeiro período terá sérios problemas a
enfrentar, como: inflação alta, estagnação econômica, déficit crônico na balança
de pagamento, déficit público, perda do poder aquisitivo, baixa credibilidade
externa. Esse quadro levou o governo, nos primeiros quatro anos do ciclo militar
(1964-1967) a adotar uma política econômica que reverte esse baixo crescimento
econômico, momento que contou com pouco capital de risco oriundo do exterior,
pois o Brasil estava com pouca credibilidade externa. Esse fator contribuiu para
um modesto crescimento econômico, com taxas médias anuais de 4,3%.
Em 1968, por meio do Ato Institucional número 5 o governo garantiu o
controle sobre as agitações sociais, levando ao retorno do capital internacional
nos anos seguintes. No segundo período (1968-1973) percebe-se mudanças,
pois com a credibilidade externa recuperada retornam, de forma intensa, os
investimentos externos, marcados pelo crescimento econômico chamado de
“Milagre Brasileiro”. Segundo Brum (2011, p. 284),

[...] o crescimento econômico foi catapultado para um patamar altamente


expressivo, registrando a taxa anual média de 11,1% – um extraordinário de-
sempenho que representou quase dobrar o tamanho da economia brasileira
em apenas seis anos. Esse crescimento foi puxado, sobretudo, pela expansão
industrial e de serviços, com taxas médias anuais de 13,5% e 11,7%, respec-
tivamente, enquanto a agricultura apresentou um ritmo médio menor, de
3,4% ao ano.

Nessa época muitos empregos foram gerados, a arrecadação de impos-


tos aumentou, melhorando a vida de uma parcela da sociedade, mesmo não
atingindo todos da mesma forma. O avanço de um parque industrial moderno
contrastava cada vez mais com a pobreza de grande parcela da população. Uma
declaração do presidente Médici reflete bem esta realidade: “A economia vai bem,
mas o povo vai mal”. Os salários e as políticas públicas são formas importantes
para a distribuição de renda. Houve um processo intenso de achatamento sala-
rial, ou seja, o trabalhador teve seu poder de compra diminuído, porém algumas
pessoas nem se deram conta desse processo, pois em muitas situações o poder de
compra das famílias melhorou, em razão de que a esposa e/ou os filhos também
tinham seu emprego, pois a economia estava em expansão.
O terceiro período vai de 1974 a 1980. Segundo Brum (2011, p. 284), o Brasil
apresentou taxa anual média de crescimento de 7%, ainda bastante expressiva,
porém em declínio. No final dos anos 70 percebe-se uma economia estagnada,
em recessão, levando o autor a fazer os seguintes questionamentos: “Como os
militares conseguiram realizar um crescimento acelerado, acima das reais possi-
bilidades do país, ao longo de vários anos consecutivos? Quais foram as fontes de
financiamento? Por que não foi possível manter o ritmo da expansão econômica
na década de 1980?” Perguntaria ainda: O que mudou na década de 80?

79
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

Já no quarto e último período, ocorrido pós 1980, o mundo foi atingido


pela crise mundial do capitalismo, ocasião em que o Brasil avança no seu processo
de abertura política. Uma coisa era governar o país quando havia um alto índice
de crescimento econômico, outra coisa era quando essa realidade muda levando
a sociedade a questionar o modelo vigente. Esse período é chamado de “Década
Perdida”, devido a um crescimento econômico próximo a zero.
A crise do final da década de 70 (e início de 1980) levou a classe traba-
lhadora a se organizar e buscar melhorias salariais. Achatamento salarial num
período de grande crescimento não era tão problemático como num período
de crise, pois a expansão industrial, que ocorreu durante os períodos anteriores,
contribuiu para que mais pessoas buscassem uma colocação no mercado de
trabalho, ampliando a renda total das famílias.
Muitos “sonham”, ainda hoje, com o retorno do período de “vacas gordas”,
que mudou substancialmente a vida de todos durante as décadas de 80 e 90.
Diante do declínio do crescimento econômico a população, mediante a organi-
zação sindical, exige o fim do Regime Militar. Os movimentos iniciados no ABC
paulista desencadearam uma mentalidade mais aberta e uma consciência mais
crítica em torno da realidade sindical. Nesse período ocorreram inúmeras greves
em São Paulo e no Rio de Janeiro. No Rio Grande do Sul ocorreu uma grande
mobilização dos professores estaduais, que buscavam melhorias salariais e
qualidade no ensino.
Como vimos, a política econômica e social no período militar foi perversa,
o que poderia ter sido amenizado com serviços públicos eficientes. Não foi isso,
porém, que aconteceu, pois os investimentos em educação, saúde, habitação e
alimentação foram relegados para segundo plano. Algumas ações foram postas
em prática, porém não nas proporções que eram necessárias. Mesmo sendo a
década de 80 chamada de “Década Perdida”, em razão do baixo crescimento eco-
nômico, é também chamada de “Década Ganha”, devido à melhoria na qualidade
de vida e à expansão de políticas sociais.
Nesses 21 anos de Regime Militar houve um processo intenso de moderni-
zação, mas os militares não conseguiram tornar o Brasil uma grande potência.
Para Brum (2011, p. 390), durante o período militar

[...] a economia expandiu-se. O país industrializou-se. Multinacionais prospe-


raram. Grandes grupos econômicos nacionais de formaram. Várias fortunas
consolidaram-se. Mas o Estado endividou-se, externa e internamente. Sua
situação financeira deteriorou-se. Perdeu a capacidade de poupança e in-
vestimento. E diminuiu a possibilidade de conceder subsídios e incentivos
fiscais ao setor privado. Endividado e tecnicamente falido, o Estado perdeu
as condições de continuar a ser o principal agente condutor e financiador do
desenvolvimento brasileiro.

A partir de 1980 tornou-se necessário um processo de redefinição do


papel do Estado, pois este encontrava-se com sérias dificuldades e precisava
encontrar meios para equilibrar as contas públicas internas, ou seja, só gastar o

80
EaD
Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

que arrecadasse. O que se constata é que o Brasil, a partir de 1990, passou a fazer
parte do circuito internacional de valorização do capital financeiro, adotando o
modelo de desenvolvimento neoliberal, avançando o processo de privatizações,
abertura econômica e desregulamentação. “O país, a economia e os agentes
econômicos foram sendo submetidos a um ‘choque do capitalismo’. O Estado
reduz sua presença e sua proteção, deixando as empresas mais expostas às leis
de mercado e da concorrência” (Brum, 2011, p. 393).
Segundo Ianni (1996, p. 112), ocorre um processo de modernização da
economia e do aparelho estatal, como também “a mesma sociedade que fabrica
a prosperidade econômica fabrica as desigualdades que constituem a questão
social”. Assim sendo, os processos de industrialização e de modernização da
agropecuária no Brasil produziram uma série de mudanças nas características
da sociedade brasileira.
Ao analisar a globalização e o contexto atual Celso Furtado (1999, p. 26)
observa que: “Em nenhum momento de nossa história foi tão grande a distância
entre o que somos e o que esperávamos ser. (...) Se prosseguirmos no caminho
que estamos trilhando desde 1994, buscando a saída fácil do endividamento
externo e do setor público interno (...) o sonho de construir um país tropical
capaz de influir no destino da humanidade ter-se-á desvanecido”.

Seção 4.3
Formação e Desenvolvimento do Setor Terciário
Nas primeiras décadas do século 20 o setor terciário, no contexto de uma
industrialização via substituição de importações, apresentava um peso econô-
mico pouco representativo na geração de emprego e renda. O quadro começa a
se modificar somente nas décadas de 50/60, em especial pela expansão propor-
cionada pela formação de um mercado nacional de produtos manufaturados, à
luz do processo intenso de modernização/automatização no setor industrial e
do êxodo rural. As economias locais, até então autossuficientes, se incorporam
ao dinamismo nacional, passando a consumir produtos de massa, o que abre
espaço para a ampliação do comércio e serviços. No período de 1950 a 1960 a
mão de obra industrial aumentou em torno de 25%, enquanto a mão de obra
de serviços teve um incremento de 67%.
Este processo amplia-se nas décadas de 60/70, quando se constata um
maior avanço no desenvolvimento tecnológico, puxado pela efetiva integração
do mercado nacional, em resposta às novas estruturas no setor de transporte
e meios de comunicação. Assim, esse processo além de incrementar o cresci-
mento industrial, pari passu forçou a expansão do setor terciário, ampliando
as atividades no comércio de bens e nos serviços em geral: pessoais, finanças,
transportes, comunicações, saúde, educação, reparos de produtos manufatura-
dos, entre outros.

81
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

Neste contexto, ao analisar o processo de urbanização no Brasil, destaca-


se o papel da atividade secundária, enquanto indutora de desenvolvimento e
incorporadora de mão de obra, via êxodo rural. Precisa-se, todavia, destacar
que na fase inicial isso até ocorreu, mas logo se difundiu para o setor terciário
da economia, a ponto de alguns historiadores sinalizarem que as pessoas ao
saírem do campo encontravam espaço mais facilmente no comércio e serviços,
pois exigiam menos qualificação.

Seção 4.4
A Crise do Modelo e os Esforços
Pela Estabilização Econômica
Findos os anos 70 e ao longo da década de 80, com a maioria da popula-
ção já urbana, o Brasil viveu uma fase de redução do seu ritmo de crescimento
econômico, ou melhor, vivenciou longos anos de estagnação a ponto de chamar
a década de 80 de “Década Perdida”. Nesse período ficou evidente o esgotamento
do modelo de desenvolvimento capitalista centrado na industrialização por subs-
tituição de importações, tendo o Estado como indutor, financiador e investidor,
e o capital internacional como principal agente privado.
Por outro lado, foi quando a sociedade brasileira fez a transição pacífica
do regime autoritário para o regime democrático, avançou no fortalecimento
de suas organizações e a democracia colocou-se como valor a ser recuperado,
preservado e vivenciado. O último governo militar, conduzido pelo presidente
Figueiredo, buscou administrar a crise e viabilizar o processo de abertura política.
Nessa fase o Brasil foi administrado em razão da dívida externa e dos interesses
dos credores internacionais. Segundo Brum (2011), duas foram as principais ra-
zões da crise econômica brasileira entre 1980 e 1990: o esgotamento do projeto
de desenvolvimento estabelecido em 1930 e a falta de um novo projeto.
O período foi marcado principalmente pelas crises do petróleo (1973 e
1979), o combustível básico que movimentava o mundo. Na primeira, os preços
quadruplicaram (de US$ 3 para US$ 12 por barril) e na segunda dobraram (de
US$ 16 para mais de US$ 30 por barril). Isso levou a um aumento nos custos de
produção, pois o petróleo era a fonte energética que movia os maquinários in-
troduzidos com a modernização. E mais: criou problemas na balança comercial
e, por consequência, na balança de pagamentos brasileira, pois importávamos
cerca de 50% desse combustível.
A década de 80 também foi marcada pela crise da dívida externa dos
países emergentes e dos subdesenvolvidos. Diante do forte endividamento da
maioria desses países e do processo recessivo generalizado, os grandes bancos
internacionais, que antes emprestavam dinheiro com facilidade, suspenderam
o crédito e elevaram as taxas de juros, o que provocou extremas dificuldades
aos endividados, como era o caso do Brasil. Os países capitalistas desenvolvidos

82
EaD
Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

também foram atingidos pela crise do capitalismo no final da década de 70, e


tiveram de buscar alternativas para diminuir ao máximo o impacto em suas eco-
nomias. A partir de então mudaram completamente as políticas de financiamento
e investimento no Brasil.
Para compensar a falta de recursos externos o governo brasileiro usou o
endividamento interno, a partir do final dos anos 70, para financiar o seu proje-
to de desenvolvimento. A situação era complicada, pois os países só vendiam
petróleo ao Brasil com pagamento no ato – à vista. Assim,

através do lançamento de mais e mais títulos públicos, captava a poupança


privada e financiava a execução dos projetos em andamento, o pagamento
de juros e outras despesas. Acabou desvirtuando, assim, a finalidade da dívida
mobiliária pública e dos seus títulos, que deviam destinar-se basicamente à
execução da política monetária. Em consequência, o governo e o país cami-
nharam rápido para o torvelinho da chamada ciranda financeira, desviando
recursos substanciais do investimento produtivo para a especulação (Brum,
2011, p. 290).

Isso se refletiu nas condições efetivas de financiamento do Estado, apro-


fundando suas dificuldades. A crise foi agravada pela queda na receita tributária,
pagamento de altas taxas de juros e aumento dos gastos com o setor público,
entre outros. No período anterior foram criadas inúmeras estatais, fundamentais
para garantir o processo de industrialização, mas o seu papel era o de oferecer
produtos e serviços a preços subsidiados, muitas vezes inferiores aos custos de
produção. Uma das alternativas adotadas para enfrentar os problemas financeiros
do Estado foi a venda do patrimônio público – a privatização.
O Estado brasileiro, devido às dificuldades financeiras, tornou-se

o principal captador de recursos privados para o financiamento do elevado


déficit público e a rolagem da volumosa dívida pública interna. Quase a tota-
lidade dos recursos financeiros disponíveis no mercado passou a ser desviada
do setor produtivo para a especulação financeira, em função da dívida pública,
interna e externa. Com isso, desvirtuou-se também a função básica do sistema
bancário brasileiro: captar a poupança disponível na sociedade e aplicá-la no
financiamento do setor produtivo (Brum, 2011, p. 368).

Ainda segundo Brum (2011), o colapso financeiro ocorreu, sobretudo, na


esfera federal, mas rapidamente se estendeu para os Estados e municípios, com
raras exceções. O Estado perdeu sua capacidade de investir e foi obrigado a buscar
alternativas para a situação de descontrole das finanças públicas e da inflação.
A inflação abalou de forma significativa as atividades econômicas e as
políticas de preços e salários, trazendo sérias dificuldades para a sociedade bra-
sileira. Em 1983 ela ultrapassava os 200% ao ano e em 1990 estava em 1.476,5%
ao ano. Nesses dois anos a taxa anual de crescimento do Produto Interno Bruto
(PIB) ficou abaixo de zero.

83
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

Diante do processo inflacionário galopante os agentes econômicos empenha-


ram-se mais em defender-se da inflação e buscar ganhos sem risco através
da especulação financeira do que em modernizar seus empreendimentos
econômicos, incorporar novas tecnologias, reduzir custos e aumentar a pro-
dutividade e a competitividade (p. 370).

Menos postos de trabalhos foram gerados, perdas enormes ocorreram


no poder de compra dos salários e, ainda, segundo Brum (2011), contribuindo
também com a transferência de renda do trabalho para o capital.

4.4.1 – Os Esforços Pela Estabilização Econômica


Os anos 80, portanto, conformaram um período importante na história
sociopolítica e econômica brasileira. A transição para a democracia, apesar do
eufórico avanço nas áreas política e social, também influenciou em muito a eco-
nomia, em especial pela passagem das estratégias de planejamento de longo
prazo para um período com diversos planos de ajustes econômicos, centrados
no combate à inflação.
A crise econômica nesse período, conformada por um cenário global
também em crise, especialmente pela elevação das taxas de juros no mundo,
agravou nosso endividamento externo, que passou de US$ 55,8 bilhões em 1979
para US$ 105 bilhões em 1985. O crescimento econômico anual, representado
pelo aumento do Produto Interno Bruto – PIB – que gravitou em torno de 10%,
no período do “milagre brasileiro” (1969-1974), baixou para menos de 3% ao
ano no início dos anos 80. A desigualdade social, centrada na concentração de
renda, se apresentava em um cenário a ser enfrentado, uma vez que mesmo no
período da expansão econômica não se avançou em termos de equidade social
e que passa a ser agudizado pelo impacto da inflação.
Assim, a inflação assume a posição de vilã dos problemas econômicos
brasileiros. Na essência, ela representa a perda de poder aquisitivo da moeda ou,
em outras palavras, é um desequilíbrio econômico causado pela elevação dos
preços dos bens e serviços, de forma sistemática e continuada. Para ilustrar seu
impacto nos preços,2 em 1985 a inflação segundo o IPC-Fipe foi de 228,22% ao
ano, o que significa que, em tese, um bem que custava Cr$ 1.000,00 no início do
ano, ao final valia Cr$ 3.282,20; em 1993, quando foi de 2.490,99% no ano, um
bem de Cr$ 1.000,00 passa para $25.909,90, respectivamente.
Para combater a inflação, diversos planos econômicos se sucederam, ini-
ciando em 1985 com o Plano Cruzado, até o Plano Real, de 1994, que sustenta sua
base até hoje, por sua efetividade. Nesse período, no entanto, “o Brasil teve quatro
moedas, cinco congelamentos de preços, nove planos de estabilização, onze índices
para medir a inflação, 16 políticas salariais diferentes, 21 propostas de pagamento
da dívida externa e 54 mudanças na política de preços.” (Disponível em: <http://
veja.abril.com.br/arquivo_veja/inflacao-economia-planos-pacotes-real.shtml>).

2
As variações de preços não se deram de igual forma em todos os bens e serviços da economia, o que
aponta que um indicador de inflação representa uma média de uma cesta de produtos, todavia um
período inflacionário é caracterizado pela elevação geral e continuada dos preços na economia.

84
EaD
Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

O Gráfico a seguir ilustra o cenário de descontrole de preços no período,


segundo o Índice de Preços ao Consumidor – IPC-Fipe.

Gráfico 1 – Evolução da inflação anual brasileira no período 1940-2012,


segundo o IPC-Fipe (em %)

Fonte: Fipe – Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas.

O Gráfico permite visualizar o período conturbado de desequilíbrio eco-


nômico com a acelerada perda de poder aquisitivo da moeda. Para marcar os
movimentos na economia nacional, apresenta-se alguns pontos de destaque
em cada plano de combate à inflação instaurado no país ao longo das décadas
de 80 e 90.

Plano Cruzado I
Elaborado em 1985, porém efetivado em fevereiro de 1986 pelo então
ministro da Fazenda, Dilson Funaro, no governo do presidente José Sarney,
caracterizou-se pelo congelamento de preços, salários e câmbio e pela introdução
de uma nova moeda, o cruzado, que substituiu a então moeda oficial, o cruzeiro,
na proporção de 1:1000 (1 cruzado = 1.000 cruzeiros).

85
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

Com forte apoio popular na sua instituição, pela estabilização inicial dos
preços, via congelamento, acelerou o consumo interno das famílias a ponto
de provocar em curto período o desabastecimento, pela maior demanda em
relação à oferta de bens e serviços, chegando a provocar a prática de ágio, um
“sobrepreço” que os consumidores se dispunham a pagar para garantir suas com-
pras. Muitos cidadãos se transformam voluntariamente em “Fiscais do Sarney”,
enquanto vigias da estabilização dos preços.

As dívidas a pagar passaram a ter fatores de correção para baixo na con-


versão cruzeiro-cruzado, de acordo com o vencimento, o que popularmente ficou
conhecido como “tablita” e que, na prática, representava a redução por inflação
“embutida” na compra.

Na prática, o Plano Cruzado empoderou financeiramente as famílias, posto


que os salários, que foram ajustados e congelados pelo valor médio dos últimos
seis meses antes do plano mais um abono de 8%, também tiveram uma elevação
relativa no poder de compra, primeiro porque os preços foram fixados sem prévio
aviso, o que não permitiu que os produtos fossem reajustados preventivamente,
e, segundo, porque a inflação deixou de desvalorizá-los, em especial para as
classes menos favorecidas.

Ainda no campo macroeconômico, os gastos públicos eram superiores


às receitas, o congelamento da taxa de câmbio comprimiu as exportações e
estimulou as importações, o que foi reduzindo consideravelmente as reservas
de moeda estrangeira.

A equação demanda maior que a oferta, que desencadeou um potencial


desenfreado no consumo, levou o governo, no mês de julho, a ajustar parcial-
mente alguns preços, como os dos automóveis e dos combustíveis, introduzindo
um depósito compulsório de 30%. Até novembro daquele ano, mês de eleições
estaduais, os impulsos da demanda foram ignorados pelo governo federal.

Plano Cruzado II
Em 21 de novembro de 1986, seis dias após as eleições e com o referendo
das urnas, visto que a base governista venceu em 22 dos 26 Estados, o governo
lança mão de um plano de ajustes pontuais, conhecido como Cruzado II, que, na
essência, objetivava reduzir o déficit fiscal do governo com aumento da arrecada-
ção tributária. Nessa ocasião divulga uma liberação parcial do congelamento de
preços, como dos automóveis, dos combustíveis, das tarifas públicas de telefonia
e energia elétrica, de tributos em cigarro e bebidas.

Além da liberação dos preços o governo altera o cálculo da inflação, ado-


tando índice que mede os gastos das famílias com renda de até cinco salários
mínimos, libera os reajustes dos aluguéis para negociação entre proprietários e
inquilinos, o que também fomenta o fogo da inflação.

86
EaD
Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

No início de 1987 o quadro se agudiza com o esgotamento das reservas


cambiais, o que leva o governo Sarney a decretar a moratória da dívida externa,
com o cancelamento do pagamento da taxa de juros da dívida.
Os salários chegam ao patamar fixado para seu “gatilho”, mecanismo
utilizado para reajuste quando a inflação chegasse a 20%. O descontentamento
público, contudo, se agrava, os preços se aceleram e, em maio de 1987 cai o
ministro Dilson Funaro, o que, definitivamente, decreta o fim do cruzado.

Plano Bresser
Em junho de 1987 o então ministro da Fazenda, Luiz Carlos Bresser-Pereira,
anuncia novo plano econômico, alicerçado novamente na política de congela-
mento de preços e salários, agora pelo prazo de três meses.
Entre as medidas anunciadas está a contenção do déficit público, com
aumento de tributos, fim dos gatilhos salariais, corte nos subsídios do trigo e
adiamento dos investimentos públicos em obras de grande porte, para além da
suspensão da moratória da dívida externa para retomada das relações com o
Fundo Monetário Internacional (FMI). Foi instituída a Unidade de Referência de
Preços (URP) como o indexador de preços e salários.
Mais uma vez o congelamento artificial dos preços não se sustenta no
combate ao desequilíbrio econômico, a ponto de a inflação acumulada em 1987,
segundo o IPC-Fipe, atingir o patamar de 367,12%, levando à substituição, em
janeiro de 1988, do ministro Bresser-Pereira por Maílson da Nóbrega.
Nóbrega anuncia a retomada das negociações da dívida externa e uma
política econômica “feijão com arroz”, sem a adoção de pacote econômico hete-
rodoxo, mas sim com intervenções pontuais para evitar a inflação galopante.
Se for considerado que as negociações externas somente seriam levadas
a termo em agosto de 1988, com um acordo não unânime com o FMI e que a
inflação de 1988 atingiu o estratosférico patamar, de acordo com o IPC-Fipe,
de 891,67%, pode-se inferir que também as promessas iniciais não foram cum-
pridas, muito pelo contrário, em janeiro de 1989 já era anunciado novo pacote
econômico heterodoxo.

Plano Verão
O ano de 1989 se descortina no Brasil com o anúncio pelo governo de mais
um novo plano econômico, o quarto e último plano no mandato do presidente
José Sarney: o Plano Verão. Mais três zeros são cortados da moeda nacional, que
passa a se denominar de cruzado novo (1.000 cruzados = 1 cruzado novo).
Capitaneado pelo ministro Maílson da Nóbrega, o Plano mais uma vez se
traduziu em um congelamento de preços, salários e câmbio. A elevada inflação e
a intuição empresarial de mais um congelamento desta vez fixou os preços em
um patamar superior e não garantiu reposições salariais efetivas.

87
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

Para enfrentar o déficit público foi proposto, para além do aumento da


tributação, a privatização de algumas estatais e cortes nos gastos públicos, com
a exoneração dos funcionários públicos contratados nos últimos cinco anos, o
que não foi aprovado pelo Congresso Nacional.
Outra marca do Plano foi a extinção da correção monetária, alicerçada na
Obrigação do Tesouro Nacional (OTN), o que na prática promoveu desajustes no
sistema financeiro, em especial nas Cadernetas de Poupança, com perdas estima-
das em 20,37%, o que provocou uma enxurrada de ações na Justiça que se esten-
dem até nossos dias, ou seja, mais de 20 anos sem uma solução definitiva.
De outro modo, a inflação de dezembro de 1989 ultrapassava a casa dos
50%, mensais, a ponto de atingir, segundo IPC-Fipe, a variação apoteótica de
1.636,61% no ano de 1989 que, por si só, expressou didaticamente o insucesso
do plano.

Plano Collor I
A posse do presidente Fernando Collor de Mello, em março de 1990,
abre uma das passagens mais marcantes da sociedade brasileira. Eleito com a
pompa de “caçador de marajás”, com referência ao enfrentamento contra os altos
salários nos cargos públicos, Collor entrou na história política do país com um
mandato pouco duradouro, visto sua renúncia, em dezembro de 1992, motivada
pelo desenrolar de um processo de impeachment por denúncias de corrupção
em seu governo.
Talvez esteja no campo econômico, porém, sua maior marca. Ao longo de
seu mandato foram lançados três planos na tentativa de estabilização da econo-
mia brasileira: Plano Collor I e II e Plano Marcílio. O primeiro, lançado oficialmente
no 1.º dia após a posse, como Plano Brasil Novo, logo assumiu a denominação de
Plano Collor, pelo lado carismático do jovem presidente da República.
Sob a responsabilidade da equipe econômica capitaneada pela ministra
da Fazenda Zélia Cardoso de Mello, o Plano Collor I foi inovador e abrangente,
em especial se comparado aos infrutíferos planos anteriores. A medida mais
radical e impactante na sociedade brasileira foi o inédito enxugamento mo-
netário, pelo confisco das contas correntes, da poupança e demais aplicações
financeiras,3 com o propósito de contrair a demanda pela simples insuficiência
de instrumentos monetários.
Entre o pacote de medidas ainda vale destacar a substituição da moeda
oficial, o cruzado novo para o cruzeiro, na proporção de 1 : 1 (NCz$ 1,00 = Cr$
1,00); congelamento de preços e salários, reajustados posteriormente pela infla-
ção esperada; criação do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), inclusive

3
Como curiosidade, vale destacar a aplicação em overnight, que rendiam juros durante a noite e que
contavam com volumes expressivos de recursos. No confisco, foram bloqueados 80% dos valores aplicados
em overnight, e valores superiores a NCz$ 50 mil (cinquenta mil cruzados novos) depositados em conta
corrente e caderneta de poupança. Os valores ficariam congelados por 18 meses e rendiam inflação de
mais de 6% ao ano.

88
EaD
Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

transações com ações e ouro; indexação das taxas e aumento dos preços públicos
como energia, gás, correios; adoção do câmbio flutuante e gradual abertura
da economia brasileira; eliminação de incentivos fiscais; extinção de institutos
públicos e promessa de demissão de 360 mil funcionários públicos.
O congelamento dos ativos monetários conduz a economia brasileira
para um quadro de recessão, com redução da atividade econômica no comércio
e na produção industrial. As empresas passam a demitir funcionários, levando
ao aumento nas taxas de desemprego e muitas delas fecham. O governo passa
a remonetizar a economia por artifícios de descongelamento e a inflação, que
havia arrefecido de início, volta a se agigantar, a ponto de fechar o ano de 1990
em 1.639,08%, segundo IPC-Fipe.
Entre as críticas do insucesso do Plano, a principal reside na forma de
descongelamento dos ativos monetários, que permitiram rapidamente a recons-
tituição do fluxo monetário por liberações legais. Na mesma direção, seguem
sobre a ineficiência no ajuste fiscal pelo lado das despesas, em especial pela
estabilidade do funcionário público, alicerçada na Constituição de 1988.

Plano Collor II
Em janeiro de 1991, na tentativa de reverter o momento da economia,
foi lançado o Plano Collor II, que consistiu em novo congelamento de preços e
salários, desindexação da economia e elevação do IOF para operações financeiras,
o que ajudou a elevar as taxas de juros.
Para aguçar a concorrência e melhorar a produtividade dos produtos bra-
sileiros, e para conter a elevação dos preços, foram reduzidas as taxas de importa-
ção. No conjunto da obra, os preços foram um pouco refreados, contudo, mesmo
assim, a inflação de 1991 fechou em 458,61%, de acordo com o IPC-Fipe.
Em março de 1991 passa a vigorar o Código de Defesa do Consumidor e
também é assinado o Tratado de Assunção, que cria o Mercosul. No mês de maio
daquele ano a ministra Zélia Cardoso de Mello deixa o governo, sendo substituída
por Marcílio Marques Moreira, até então embaixador do Brasil em Washington.

Plano Marcílio
Embora chamado de Plano Marcílio, na realidade não foi instituído ne-
nhum plano mais elaborado, pelo contrário, o ministro Marcílio Marques Moreira
se utilizou de políticas ortodoxas para regular a economia, com a liberalização
do controle de preços.
Em suma, as medidas se resumiam a políticas monetárias e fiscais de
combate à inflação. Pelo lado monetário, objetivou a contração da atividade
econômica pelas taxas de juros elevadas e, pelo lado fiscal, uma política também
restritiva com contenção de gastos e elevação tributária, que culminaram em
uma forte recessão econômica, sem, contudo, vencer o “dragão” da inflação que,
em 1992, atinge, de acordo com o IPC-Fipe, 1.129,45%.

89
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

A política de governo também foi marcada por um acordo com o Fundo


Monetário Internacional, que garantiria um empréstimo de US$ 2 bilhões, a serem
liberados em seis parcelas, para recompor as reservas. No pactuado, em contra-
partida, mais medidas restritivas na economia para combater a hiperinflação.
No final de dezembro, contudo o Congresso se reuniu para aprovar o
impeachment de Fernando Collor de Mello, que renuncia momentos antes de
o Senado fechar a votação. Ele perdeu o mandato e teve seus direitos políticos
suspensos por oito anos.

Plano FHC
Após o impeachment de Collor, seu vice, Itamar Augusto Cautiero Fran-
co, foi conduzido interinamente como chefe de Estado e chefe de Governo em
2/11/1992 e como presidente da República dia 29/12/1992. No Ministério da
Fazenda, sucedeu-se uma verdadeira rotação após a saída de Marcílio Moreira,
visto que seu substituto, Gustavo Krause, respondeu pela pasta no período de
outubro a dezembro daquele ano, cedendo lugar para Paulo Roberto Haddad, que
ficou até março/1993, quando assumiu Elizeu Rezende, que, por sua vez, já em
maio daquele ano é sucedido no Ministério por Fernando Henrique Cardoso.
Na realidade, o Plano FHC se constituiu em um conjunto de medidas
para preparação do Plano Real, lançado em 1994, e foi instituído em três etapas:
primeiro a busca do equilíbrio fiscal do governo, procurando eliminar de vez
o histórico déficit público; segundo a criação da Unidade Real de Valor (URV),
instituída como uma nova moeda brasileira; e, em terceiro lugar, conversão da
URV em real, a moeda que perdura até nossos dias.
Neste prisma, o Plano FHC atingiu seus objetivos de preparar a sociedade
brasileira e a sua economia para recepção do Plano Real, o último e bem-sucedido
de uma sequência de praticamente três décadas de intervenções na busca da
estabilização da economia. Vale registrar ainda que, no ano de 1993, a inflação
brasileira atingiu o patamar mais alto da história, com elevação dos preços em
2.490,99%, segundo o IPC-Fipe.
Em 28 de fevereiro de 1994, entra então em vigor a URV, na relação 1 URV
= CR$ 2.750,00, que, por sua vez, cede espaço para o Real, em julho de 1994 na
relação de 1 : 1 (1 URV = R$ 1,00). O ministro Fernando Henrique Cardoso entrega
o Ministério da Fazenda em março de 1994 para Rubens Ricupero, contudo recebe
a alcunha de “Pai do Plano Real”, o que lhe rendeu a eleição para a Presidência
da República, na qual foi empossado em 1º de janeiro de 1995.

Plano Real
O Plano Real foi efetivado na prática em julho de 1994, com a troca de-
finitiva da moeda, da URV para o real. Muito mais do que um simples plano de
estabilização, o Plano Real fazia parte de um projeto maior, já iniciado nos pilares
do Plano Collor e à luz do “Consenso de Washington”, que se traduzia em um

90
EaD
Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

conjunto de medidas neoliberais, assumido e imposto pelo FMI desde 1990, para
ajustamento macroeconômico em países em desenvolvimento. Na essência, o
consenso objetivava a liberalização das economias, com a redução da intervenção
do Estado, ajuste fiscal, privatização de empresas públicas e abertura externa,
em especial para os fluxos de capitais.
Assim, entrou em vigor o real, moeda vinculada ao dólar cuja emissão de
novas quantidades estava condicionada ao volume de dólares existentes nos
cofres do Banco Central do Brasil. Inicialmente o real se valorizou, suplantando
as expectativas do governo e do mercado, a ponto de que cada dólar valia 90
centavos de real. Em período curto retomou a programação inicial de que um
dólar valeria um real.
Rapidamente o plano começou a produzir seus efeitos na economia, pela
efetividade das políticas fiscal – geração de superávits públicos, monetária –
controle da oferta de moeda e taxas reais de juros e cambial/comercial – âncora
cambial e abertura comercial e financeira. A inflação passa a ser controlada, o
real se fortalece, posto que ocorre um fluxo positivo de capitais estrangeiros,
em especial pelos juros reais acima dos praticados no mercado mundial e maior
abertura às importações, que, além de ajudar a segurar os preços internos, força
a indústria nacional a se modernizar, para aumentar sua produtividade e ser
mais competitiva.
Neste cenário, o Plano Real avança em 1995, sob a batuta do presidente
Fernando Henrique Cardoso: ocorre redução acentuada dos níveis de inflação
(fecha o ano em 23,17%), ampliação da atividade econômica, com geração de
empregos e a consequente redução do desemprego, crescimento da renda,
redução da pobreza (por exemplo, o salário mínimo recebe um incremento real,
passando dos R$ 70,00 para R$ 100,00, em maio daquele ano).
Em linhas mais abrangentes, o sistema bancário sofre com as mudanças
a ponto de o Banco Central intervir em diversas instituições, forçando a criação
do Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Fi-
nanceiro Nacional (Proer) para evitar um colapso sistêmico. Ao mesmo tempo, o
governo passa a preparar um abrangente programa de privatizações de empresas
estatais, especialmente nos setores de energia, minérios, siderurgia, comunica-
ções e bancários, com forte participação do BNDES e do capital internacional.
De outra forma, o governo sofreu com diversas crises internacionais, mexi-
cana em 1995, asiática em 1997, russa em 1998, o que provocou fugas de capitais,
levando o governo a expandir ainda mais os juros reais internos, bem como a
buscar mais um acordo com o FMI, com efeitos contra acionistas na atividade
econômica e que foram insuficientes para conter o colapso cambial de janeiro
de 1999, que força a mudança do sistema cambial, com o abandono definitivo
da âncora cambial e a adoção do sistema flutuante do câmbio.
Apesar dos percalços, o Plano Real conseguiu conter a inflação e, desta
forma, garantir um segundo mandato presidencial para Fernando Henrique
Cardoso, então com a condução econômica, por meio de políticas macroeco-

91
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

nômicas de curto prazo: monetária – regime de metas de inflação; fiscal – metas


de superávit primário; e cambial – sistema de flutuação suja, em que o câmbio é
livre, contudo com intervenções pontuais do Banco Central.
Esta forma de o governo intervir na economia, com políticas efetivas de
ajuste de curto prazo, sem, contudo, um planejamento mais articulado de médio
e longo prazos, se sustenta até nossos dias, apesar das sucessões na Presidência
da República.

Seção 4.5
Globalização, Desafios e Perspectivas para o Século 21
Embora o termo globalização tenha sido utilizado como um novo processo
de abertura das economias a partir dos anos 90 do século passado, na realidade
as relações internacionais são mais alargadas no tempo. Os registros históricos
trazem relatos de intercâmbio cultural e comercial de alguns milênios a.C., como
a Rota das Sedas, que ligava Ásia, África e Europa.
Na última década do século passado o que se vivenciou foi um aprofunda-
mento da integração internacional proporcionado pela expansão do capitalismo
na busca de novos mercados, estimulado pelo barateamento dos transportes
e comunicações. Para frisar, o capitalismo é um sistema econômico que se ca-
racteriza pela propriedade privada dos fatores de produção, ou seja, os fatores
utilizados na produção e distribuição de bens e serviços são de propriedade dos
indivíduos, das famílias.
Como a produção de bens e serviços ocorre para atender às necessidades
das pessoas, se descortina o palco para reflexão sobre o estágio de desenvolvi-
mento da sociedade contemporânea: para os grandes investidores, os países são
vistos apenas como oportunidades de fazer bons negócios – ou de não fazê-los.
Não se preocupam com o país em si – sua soberania, sua história, o seu povo ou
sua cultura. Veem-no apenas sob a ótica do lucro (Brum, 2011).
Adam Smith, autor da obra A Riqueza das Nações, de 1776, que o tornou
conhecido como o “Pai da Economia”, já afirmava que “o consumo é a única
finalidade e o único propósito de toda a produção”. Assim, precisamos refletir:
Por que dizem que o sistema se mantém pelo consumismo? Por que será que
somos bombardeados, a todo momento, para trocar de celular, de computador,
de televisor, de automóvel? Qual o papel da moda na cadeia de produção do
vestuário?
Necessário se faz uma reflexão sobre quais realmente são as necessidades
humanas. O sistema atualmente nos conduz para a condição de “trabalhar para
viver”, mas será que não está ocorrendo uma inversão e estamos na condição
de “viver para trabalhar”? Será que atualmente também não se avançou na de-
pendência do sistema pela questão financeira?

92
EaD
Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

A globalização entrou neste jogo como um fenômeno do capitalismo, que


assumiu a roupagem de “financeiro”, visto que a centralidade do sistema se afas-
tou da produção, ou melhor, subordinou os meios de produção à simples acumu-
lação de capital. Neste contexto, o capital se reproduz onde melhor o remunera,
quer no mercado de ações e demais produtos financeiros, quer no financiamento
de Estados Nacionais, via mercado de títulos e mercado de câmbio.
A globalização e a regionalização operam dentro das regras da Organi-
zação Mundial do Comércio (OMC), da economia de livre-comércio, atendem
às exigências da expansão capitalista e buscam ampliar seus lucros e mercados.
A crítica recorrente aos avanços neoliberais aponta que vão se aprofundar as
desigualdades sociais com o alargamento do abismo entre ricos e pobres, sejam
indivíduos, regiões ou nações.
Os blocos econômicos são uma face da globalização, pois, para a inser-
ção na competição internacional, são necessários volumosos investimentos em
pesquisa, propaganda e tecnologia, tornando-se o mercado um fator decisivo.
Os mercados nacionais tornaram-se pequenos demais diante dos investimentos
necessários para a competição globalizada.
Neste contexto da globalização, o Brasil acentuou a sua participação a
partir da década de 90, em que avança o seu processo de abertura econômica,
mundializa os mercados e a produção. Segundo Gonçalves,

até o final dos anos 1980, havia fortes restrições, e até mesmo proibições,
quanto à importação de bens (por exemplo, automóveis) e serviços (por
exemplo, turismo). Havia, também, limitações relativas à captação de recursos
externos (por exemplo, não era permitido capital estrangeiro nas bolsas de
valores brasileiras) e a investimentos de brasileiros no exterior. Ainda que a
indústria brasileira fosse uma das mais internacionalizadas do mundo, com
expressiva presença de empresas transnacionais, havia restrições quanto à
entrada de capital estrangeiro em diversos setores (bancos, energia elétrica,
petróleo, telecomunicações, etc.) (2003, p. 91-92).

Assim, a abertura do mercado brasileiro, que se intensificou a partir de


1990, possibilitou o ingresso de bens de consumo e de produção, viabilizado pela
redução dos impostos de importação. A entrada de máquinas e equipamentos
industriais de última geração favoreceu a modernização do parque industrial
brasileiro, aumentando a sua capacidade competitiva, mas de outro lado elevou
os índices do desemprego estrutural. Além disso, contribuiu para a falência de
algumas indústrias nacionais, que tiveram dificuldade de incorporar tecnologia
e fazer frente a este novo cenário. Certamente esse quadro seria diferente se o
Brasil estivesse produzindo os equipamentos importados, mas para tanto seria
necessário ter investido antes em educação e pesquisa.
Neste contexto,

as relações internacionais são marcadas por interesses, em função dos objeti-


vos nacionais de cada país. Outra marca cada vez mais evidente no mundo de
hoje é a interdependência. Há que se distinguir, no entanto, entre interdepen-

93
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

dência vertical e interdependência horizontal. A interdependência vertical é


inaceitável, se funda na desigualdade e implica subordinação, que impede o
efetivo desenvolvimento e a participação igualitária nos processos decisórios
de caráter geral. É preciso atuar no sentido de substituir a interdependência
vertical, onde ela existir, por uma interdependência horizontal, baseada na
cooperação e em oportunidades econômicas e culturais equitativas, e que
supõe a igualdade e parte da independência (Brum, 2006, p. 85).

A lógica da abertura das economias nacionais ao mercado mundial e da


financeirização da economia, no fim da guerra fria e ascensão do unilateralismo,
produziu diversas crises mundo afora nas últimas duas décadas, desde as do
México, Rússia e Tigres Asiáticos nos anos 90, até culminar na grande crise imo-
biliária americana de 2008, que ainda se reflete em crises de Estado, em especial
na Grécia e em outros países europeus.
Emerge o chamado Brics, composto por países como Brasil, Rússia, Índia,
China e África do Sul, que muito avançou no seu processo de desenvolvimento.
O mundo move-se em oposição ao unilateralismo. Os países participantes do
Brics enfrentaram bem a crise de 2008/2009 e, pela crise no Primeiro Mundo
começam a ser vistos como alavancas do crescimento econômico mundial. Talvez
essa crise financeira de 2008/2009 seja um indício do processo de deterioração
da economia norte-americana, o que, se confirmado, deve promover alterações
importantes nas relações internacionais.
De forma mais específica, vale lembrar que o Brasil entrou neste contexto
à luz do Consenso de Washington, no início dos anos 90, com a abertura do Plano
Collor e se integrou definitivamente com a instituição do Plano Real, liberalizando
sua economia, privatizando empresas públicas e promovendo a abertura externa,
em especial para os fluxos de capitais.
O Gráfico a seguir dá ideia dos resultados desta inserção internacional
do Brasil, uma vez que apresenta a evolução na balança comercial brasileira,
em temos de exportações e importações de bens no período 1989-2012, com
destaque especial para o crescimento do agronegócio exportador brasileiro, para
marcar a importância econômica destas atividades primárias. Resta registrar,
todavia, o avanço de outros produtos exportados, em especial manufaturados,
e representados pela diferença gráfica entre a coluna das exportações totais e
a linha do agronegócio.

94
EaD
Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

Gráfico 2 – Evolução anual da balança comercial brasileira


e do agronegócio – 1989 a 2012 – (em US$ bilhões)

Fonte: AgroStat Brasil, a partir de dados da Secex/MDIC.

Os indicadores permitem facilmente observar a ampliação do comércio


internacional (exportações + importações) que no ano de 1989 não somavam
50 bilhões de dólares americanos e que, em 2012, ultrapassaram a casa de 450
bilhões de dólares, o que representa um expressivo aumento de mais de 800%
em apenas duas décadas.
Da mesma forma, como já destacado, a globalização trouxe para o cená-
rio internacional outros atores, produtores e consumidores, que influenciaram
decisivamente no comportamento da economia mundial, em especial de países
asiáticos. Nesta linha, o gráfico também permite visualizar que as exportações do
agronegócio brasileiro contribuíram fortemente na alavancagem do comércio
externo brasileiro, em especial pela entrada forte da China no mercado, como
grande comprador de commodities agrícolas. Em contrapartida, somos bombar-
deados diariamente com a oferta de produtos chineses manufaturados e, com
epígrafe, “muito baratos”.
O peso das importações de manufaturados verifica-se pela diferença entre
a coluna de importações totais e as importações do agronegócio. Em um recorte
específico, os dados também permitem visualizar que, retiradas as exportações e
importações de produtos primários, o país importa um contingente importante
de produtos manufaturados, em especial se comparados com os equivalentes
exportados.
Por outro lado, o endividamento externo, que foi centro de debates
acalorados no passado recente, como uma das vulnerabilidades da economia
brasileira, para surpresa geral evoluiu positivamente. De acordo com os dados

95
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

do Banco Central, as reservas internacionais, no conceito de liquidez, totalizaram


US$ 376,90 bilhões em outubro de 2013, ante um estoque da dívida externa de
US$ 311 bilhões no mesmo mês, o que permite sinalizar certa robustez diante do
cenário internacional. A crítica recorrente é que esse desempenho das reservas
não se deu pelo comércio de mercadorias, mas, sim, pelo ingresso maciço de
capitais financeiros, via balança de capitais.
Em suma, apesar das conturbações no cenário internacional, considerando
que o sistema cambial brasileiro está livre, determinado pelo mercado desde
1999, que o comércio internacional cresceu substancialmente nas duas últimas
duas décadas e que o volume de reservas supera a dívida externa, não se pode
negar que o país, na ótica das contas externas, resultou beneficiado pela libera-
lização econômica processada a partir do início dos anos 90. Em contraponto, o
incremento nominal da dívida externa e o ingresso de capitais no setor produtivo
são fortes desagregadores de rendas na balança de serviços, via juros e lucros,
fatores que agudizam a histórica estrutura brasileira de dependência externa.

4.4.1 – Desafios e Dilemas do Século 21


Em outra dimensão, com olhos voltados para a economia interna,
pode-se indicar que o “dragão” da inflação, figura ilustrativa que é utilizada para
caracterizá-la, está de certa forma “domado”. Vale essa referência para ressaltar a
eficiência da política de metas de inflação, apesar do “duro remédio” de centrar
na taxa de juros para controlar a demanda por bens e serviços, o que nos conduz
à prática das mais elevadas taxas de juros reais no mundo e limita uma maior
expansão econômica.
Na mesma linha, “apesar dos pesares” pode-se indicar que o contexto
recente aponta para outros indicadores consistentes, que pavimentam o futuro
do país, como o indicativo de que os três setores econômicos – primário, secun-
dário e terciário – conformam uma diversidade de atividades econômicas que
garantem certa maturidade produtiva ao país em todas as áreas.
Em simplificação para fins didáticos e a exemplo do uso pelo Censo Agro-
pecuário de 2006, pode-se caracterizar o setor primário pela estratificação em
dois grandes recortes: agricultura familiar e agricultura não familiar. A primeira,
de pequeno porte, diversificada, de produção intensiva geralmente voltada para
o mercado interno, trabalha na lógica da reprodução das famílias, enquanto que
a segunda, de alta produção e produtividade, em amplas áreas, geralmente vol-
tadas para o mercado externo, opera na lógica da reprodução capitalista.
Os avanços introduzidos com a modernização da agricultura iniciada
em 1950 continuam. Prova disso é que entre 1990 e 2004 a área plantada com
grãos aumentou 24% e a produção teve um crescimento de 108%. Isso tornou-
se possível devido à incorporação de máquinas sofisticadas e novas técnicas de
produção, que contribuíram para a redução do desperdício e para o aumento da
produtividade. Até na pecuária podemos constatar o reflexo da modernização,

96
EaD
Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

pois se reduziu pela metade o tempo de abate do gado bovino e aumentou


significativamente a capacidade de produção das vacas de leite, além de ter
diminuído de 60 para 42 dias o tempo de abate dos frangos.

O agronegócio está voltado prioritariamente para os interesses da gran-


de propriedade, em boa medida àquela que consegue incorporar os avanços
tecnológicos, muitos deles importados, e que se volta principalmente para a
exportação. Nesse propósito é importante ampliar o mercado consumidor desses
produtos. A China, por exemplo, será por um bom tempo o destino dos produtos
brasileiros, pois a metade da população daquele país ainda não está incluída na
dinâmica do consumo ocidental.

Além dos produtos tradicionais, outros vêm sendo incorporados à pro-


dução agrícola brasileira e alguns deles, antes destinados à subsistência, são
cultivados empresarialmente, visando ao mercado tanto interno quanto externo.
Entre as possibilidades de diversificação se destacam: as frutas frescas, a floricul-
tura, a piscicultura e a pecuária.

Ao analisar a balança comercial do agronegócio, constatamos que o Brasil


ainda é dependente do exterior, seja em bens de capital – máquinas e imple-
mentos –, seja em produtos intermediários – fertilizantes e defensivos –, todavia
é superavitário nos demais setores, ou seja, nos produtos da agropecuária e da
agroindústria.

Nesse sentido, o agronegócio brasileiro mostra-se com forte competitivi-


dade internacional, basicamente devido ao progresso técnico e à observância das
exigências sanitárias impostas pelo mercado externo. Isso requer a identificação
e rotulagem dos produtos agropecuários, de modo a possibilitar o rastreamento
e a comprovação de sua origem. Esses fatos exigem um novo perfil de produ-
tores, principalmente com novos conhecimentos na produção, na gestão e na
informação de mercado. Como garantir isso ao agricultor?

Quantas mudanças provocadas pelo avanço da tecnologia! Estaria


mesmo acontecendo a segunda Revolução Verde, conforme defendem Brum e
Trennepohl (2004, p. 68)? A segunda “Revolução Verde”, que ora estaria em curso
segundo os autores, caracteriza-se pela possibilidade de criar e produzir novos
produtos com base em inovações tecnológicas, fruto da Engenharia Genética,
que permite redesenhar organismos animais e vegetais e colocá-los à disposição
da agricultura e da sociedade.

Além desses, temos outros desafios a serem enfrentados, como o pro-


blema ambiental, uma vez que os agrotóxicos aplicados em doses exageradas
contribuem para o desequilíbrio do agroecossistema com o surgimento de novas
espécies de pragas, devido à extinção de inimigos naturais. Por exemplo, o Brasil
está sendo considerado líder no ranking mundial em recolhimento de embala-
gens vazias de agrotóxicos. Segundo o Instituto Nacional de Embalagens Vazias
(Inpev) os Estados com maior índice de recolhimento são Bahia, Paraná, São Paulo,

97
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

Mato Grosso, Maranhão e Rio Grande do Sul. Ainda de acordo com o Inpev, o
índice de retirada de embalagens vazias de agrotóxicos do meio ambiente é de
50% do total comercializado no Brasil, enquanto nos EUA é de cerca de 25%.
Na mesma direção, é primordial a continuidade de políticas públicas com
vistas à viabilidade da agricultura familiar. Em número de estabelecimentos
agrícolas ela é a mais expressiva, garante o sustento de um contingente elevado
de famílias, distribui renda e gera postos de trabalho, mostrando-se de grande
importância para um país como o Brasil, que precisa incluir pessoas.
Ninguém ousa negar que o país avançou na produção agropecuária nos
últimos anos, consolidou-se como um celeiro agrícola amplamente diversifica-
do, que o debate sobre reforma agrária arrefeceu, que o êxodo rural não é mais
tão intenso e que é inegável que o avanço da tecnologia disponível e utilizada
resultou em ganhos de produtividade em todas as culturas. Programas estatais
de financiamento e o comportamento dos preços das commodities agrícolas
beneficiaram o setor. Os aspectos centrais do contraponto crítico recaem no
excesso de tratamento químico na produção e na conformação genética das
sementes.
A indústria brasileira, por sua vez, diversificou-se tanto na produção de
bens duráveis quanto de não duráveis, embora espacialmente ainda continue
muito concentrada na região Centro-Sul. O setor é responsável pela transforma-
ção de matérias-primas em produtos industrializados, possui forte capacidade
de agregação de valor, entretanto é caracterizado pela presença importante de
multinacionais, que operam em uma estrutura essencialmente oligopolizada, o
que confere “poder” de manipulação do quantum de produção e dos preços.
A abertura comercial e a valorização da moeda nacional abateu parte da
indústria brasileira, em especial aquelas atividades intensivas em mão de obra. É
inegável, entretanto, a modernização do parque fabril brasileiro com o avanço na
produtividade da indústria nacional na maioria dos setores. A crítica recorrente
recai, em especial, nos limites energéticos e de infraestrutura, no montante do
capital estrangeiro no setor manufatureiro, na falta de investimentos para a
ampliação do parque fabril e na insuficiência de recursos investidos em pesquisa
para o desenvolvimento de novas tecnologias.
Já o setor terciário, representado pelas atividades do comércio e dos ser-
viços, foi o que mais cresceu relativamente nas últimas décadas, o que pode ser
considerado um avanço na maturidade socioeconômica do país, haja vista sua
importância na geração e distribuição de renda e riqueza, de alocação de mão
de obra e, por consequência, na elevação do padrão de vida da população, pelo
acesso a bens e serviços diversificados.
De início, as atividades terciárias de desenvolvimento atendiam funções
complementares, bastante heterogêneas. Com o passar dos anos, o setor terciário
foi influenciado pelo novo padrão de consumo, de técnicas de produção e orga-
nização econômica, de uma sociedade urbanizada e cada vez mais globalizada.

98
EaD
Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

Por exemplo, em 1980, no setor bancário o número de agências e postos de


atendimento avançou de 21.500 para 42.000 no início do século 21; já o número
de bancários passou de 765.000 para 400.000.
Ainda para ilustrar, a partir de 1995 intensificaram-se as transações ban-
cárias pela Internet, passando de um volume, em reais, de 38,7 milhões para 6,2
bilhões, somente entre os anos de 1998 e 2006.
A crise econômica iniciada em 2008 também garantiu maior relevância ao
setor de serviços, pois foi beneficiado pelo aquecimento do mercado interno. Um
estudo coordenado pelo economista Fabio Berte (2013), produzido pela Confe-
deração Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), destaca que
antes da crise 72,6% dos trabalhadores brasileiros encontravam-se empregados
no setor terciário; já em 2013 se avançou para 76,1% dos postos de trabalho.
Assim sendo, esta ascensão do setor terciário ajudou a esculpir nos úl-
timos anos a conjuntura econômica brasileira, em especial pela comprovação
de que o setor foi o principal responsável pelo recorde histórico de geração de
empregos formais, com reflexos na geração e distribuição de emprego e renda.
Este desempenho, todavia, esteve também alicerçado em boa parte por políticas
públicas, como a valorização do salário mínimo nacional e a eficiência econômica
dos programas sociais de transferências de renda, que garantiram ganhos reais
de poder de compra.
Na mesma direção, a expansão do crédito nos últimos anos foi outra vari-
ável econômica importante, que se refletiu diretamente no consumo das famílias
e, por consequência, no dimensionamento do PIB. O crédito se expandiu em
praticamente todos os setores, desde bens de consumo até financiamentos de
imóveis, dinamizando as atividades econômicas e contribuindo na mobilidade
social positiva.
Apesar dos avanços na área econômica, no entanto, estamos ainda dis-
tantes do mundo desenvolvido, principalmente em termos de equidade social.
O livro Atlas de Exclusão Social – Os ricos no Brasil (Campos et al., 2004) indicava
que “somente 5 mil clãs apropriam-se de 45% de toda a riqueza e renda nacional,
embora o país tenha mais de 51 milhões de famílias”.
A concentração de rendas no país continua uma das mais perversas do
mundo, todavia o índice de Gini, que mede concentração, segundo estudos, está
timidamente cedendo:

Já a queda brasileira se dá nos anos 2000. Após 30 anos de alta desigualdade


inercial, o Gini começa a cair em 2001, passando de 0,61 a 0,539 em 2009.
Ambos os valores são muito próximos dos níveis observados no mundo perto
daquelas datas. A escala das distâncias internas entre brasileiros é como uma
maquete, similar àquelas observadas entre diferentes nações do mundo.
Se o ponto de partida e o desfecho da desigualdade brasileira e mundial se
equivalem, o Brasil não é apenas a foto, mas foi também o filme do mundo
na alvorada do novo milênio. A saga dos chineses e indianos rumo a melho-
res condições de vida é a similar de analfabetos, negros e nordestinos (Ipea,
2001-2011, p. 4).

99
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

Para se avançar nestes processos de inclusão, todavia, necessário se faz


aumentar a potencialidade da economia em produzir bens e serviços, pois de
nada adianta distribuir renda sem ter uma oferta equivalente de bens e serviços
disponíveis aos “novos compradores”. Em outras palavras, o desafio é distribuir
renda e aumentar a produção.
Na atualidade propagam-se como obstáculos ao crescimento econômico,
como limites ao avanço da produção, em especial a infraestrutura, a capacidade
produtiva instalada, a qualificação da mão de obra e os investimentos em ciência,
tecnologia e inovação.
Por fim, em termos macroeconômicos, três temas sempre foram recor-
rentes na economia brasileira: inflação, desempenho das contas externas e
crescimento econômico. Na conjuntura econômica atual, para o país avançar
no seu processo de desenvolvimento, esse último se apresenta como o “tema
de casa” que continua “em aberto”.

Síntese da Unidade 4
Nesta Unidade estudamos o processo de forma-
ção e desenvolvimento da estrutura econômica,
marcada pela modernização, transformação e
desenvolvimento, identificando as contrações
da expansão. As mudanças ocorridas no setor
agrícola e industrial afetaram as condições sociais
vividas pela população brasileira, algumas sendo
beneficiadas mais que outras.

100
Unidade 5

ORGANIZAÇÃO SOCIAL E POLÍTICA BRASILEIRA

Fátima Marlise Marroni Rosa Lopes


Suimar João Bressan

OBJETIVOS DESTA UNIDADE


• Conhecer o processo de organização social e política da sociedade
brasileira, com ênfase na formação do Estado nacional e da par-
ticipação da sociedade civil nesse processo, bem como avaliar os
obstáculos para a consolidação das instituições democráticas e dos
direitos sociais.

A SEÇÃO DESTA UNIDADE


Seção 5.1 – Formação do Estado Nacional, Sociedade Civil e Políticas Públicas

Seção 5.1
Formação do Estado Nacional,
Sociedade Civil e Políticas Públicas
Nesta Unidade vamos analisar o processo de constituição da sociedade
política no Brasil. Entende-se por sociedade política o conjunto de estruturas
que compõem o poder político, que se materializa na figura do Estado e mais
recentemente também na chamada sociedade civil, formada pelas organizações
e movimentos sociais. Observa-se na modernidade uma tendência de ampliação
do Estado: a prática da coerção – essência do Estado – reveste-se de hegemonia.
Nenhum grupo ou classe, individualmente ou em bloco, exerce o poder político
apenas pela prática da coerção; este requer cada vez mais o consentimento da
sociedade, que se obtém por meio da “direção moral e intelectual”.
Em outras palavras, é necessário que um projeto de sociedade seja aceito
pela maioria da sociedade, situação que se conquista pela capacidade de con-
vencimento que se exerce sobre as pessoas por intermédio das organizações e
movimentos sociais.

101
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

A sociedade política é criada pelos homens para resolver problemas im-


possíveis de serem resolvidos nas outras esferas da vida social. Vamos considerar
que a compreensão dos processos políticos requer uma articulação orgânica
entre economia e política, ou seja, a sociedade política nasce das contradições
e conflitos sociais produzidos principalmente – embora não exclusivamente –
na economia.
Nesse sentido, o Estado cria as condições, por meio da coerção, da lei e
da cultura, para a reprodução da sociedade. Embora dentro de certos limites o
Estado pode agir como árbitro em relação aos diferentes interesses em conflito,
quando estes se esgotam o Estado toma partido, sempre em favor das classes
e grupos sociais que detêm o poder sobre os meios de produção (o chamado
poder econômico).
No território que convencionamos chamar de Brasil a sociedade é anterior
ao Estado. Os portugueses que aportaram em 1500 encontraram uma sociedade
organizada, as sociedades indígenas, que viviam num outro estágio, diferente
dos europeus. Eram sociedades relativamente homogêneas, que desconheciam
a propriedade particular e a acumulação privada do trabalho social. No Rio
Grande do Sul adquiriu notoriedade a sociedade desenvolvida nas Missões, de-
signada como República Comunista Cristã dos Guaranis. Nestas sociedades não
se observam estruturas políticas que se assemelham ao Estado. São, portanto,
sociedades sem Estado.
Ações tipicamente estatais começam a existir com o processo de coloniza-
ção efetivado pelos portugueses. O Estado português, na sua forma monárquica,
se organiza e começa a exercer influência sobre o novo território e as populações
que nele habitavam. A divisão da Colônia em Capitanias Hereditárias – forma de
organização e distribuição da propriedade da terra, o combate e a liquidação
de vários movimentos políticos regionais são exemplos efetivos da presença do
Estado português neste território.
Um fato importante refere-se à vinda do imperador D. João VI no Brasil,
em 1808. Independentemente dos motivos – inclusive uma ideia era transferir
definitivamente a sede do Estado português para o Brasil – este fato desenca-
deou a criação de um conjunto de estruturas administrativas necessárias para
dar suporte ao funcionamento do Estado. Com o retorno de D. João VI para
Portugal, permanecem no território brasileiro, além das estruturas burocráticas
criadas, uma nova cultura política que decorre da vivência da população sob
uma “máquina administrativa” complexa como é o Estado.
O Estado brasileiro nasce em 1822, com a declaração da Independência
feita pelo representante do Estado português, D. Pedro I. Este ato não foi o re-
sultado de um grande movimento popular local – como a Independência dos
Estados Unidos, por exemplo. Não havia uma sólida economia local, fundadora
de uma classe social dotada de um poder econômico capaz de almejar uma
situação de autonomia territorial.

102
EaD
Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

Nem mesmo uma cultura local capaz de gerar uma identidade ou uma
ideologia justificadora de um movimento autonomista. Assim, a formação do
Estado nacional brasileiro é muito mais produto dos conflitos europeus, entre
Inglaterra, França, Portugal e Espanha. A natureza desse processo explica porque
temos ainda hoje uma ideia de Nação bastante frágil.
A primeira forma de Estado no Brasil seguiu o modelo português: a
Monarquia. Vale lembrar que na Europa duas grandes revoluções já haviam
ocorrido. A primeira, ainda no século 17, ano de 1688, a Monarquia Constitucio-
nal na Inglaterra criou as bases do Estado moderno. Em sequência, no século
seguinte, no ano de 1789, esse processo tem o seu momento mais radical por
meio da Revolução Francesa, que estabeleceu uma espécie de paradigma para a
formação do Estado moderno a partir dos princípios da Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão.
A partir da premissa de que “os homens nascem livres e iguais em direitos”,
o artigo 2º define que a “finalidade de toda a associação política é a conservação
dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade,
a propriedade, a segurança e a resistência à opressão”. Outros princípios, como
a “soberania reside, essencialmente, na nação” e a “lei é a expressão da vontade
geral” também foram incorporados nas Constituições e no Estado moderno.
As ideias liberais estavam presentes tanto em Portugal como no Brasil,
servindo de suporte ideológico para a organização de vários movimentos
regionais. Contudo, não foi a partir delas que se organizou o Estado nacional
brasileiro. Isto fica evidente no processo constituinte estabelecido após a decla-
ração da Independência, convocado pelo Imperador D. Pedro I para elaborar a
constituição do novo Estado.
Na abertura dos trabalhos da Assembléia Constituinte, o Imperador dirigiu-
se aos “dignos representantes da Nação brasileira” para pedir-lhes “firmeza nos
princípios constitucionais” e para lembrá-los: “espero que a Constituição que
façais seja merecedora da minha imperial aceitação, que seja tão sábia e tão justa
quanto apropriada à localidade e civilização do povo brasileiro”.
A Assembleia Constituinte, instalada em 3 de março de 1823, concluiu
em 12 de novembro um anteprojeto de Constituição que mantinha o trabalho
escravo e estabelecia direitos políticos apenas aos indivíduos com renda anual
superior ao valor de cem alqueires de farinha de mandioca. Havia pontos bastan-
te polêmicos como: a Câmara seria indissolúvel e exerceria o controle sobre as
Forças Armadas, o veto do imperador teria apenas caráter suspensivo e limitava
o poder do imperador sobre a administração brasileira.
Como os termos propostos não foram merecedores da sua “imperial
aceitação”, Dom Pedro dissolve a Assembleia Constituinte. Os principais líderes
são presos e exilados, inclusive os irmãos Andrada. Uma comissão especial é
nomeada para redigir uma Constituição que garanta a centralização do poder
em suas mãos. Assim, a primeira Constituição do país, outorgada em 25 de mar-
ço de 1824, estabelece um governo “monárquico, hereditário e constitucional

103
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

representativo”. A Constituição institui os poderes Executivo, Legislativo e Judi-


ciário e o poder moderador, que garante a D. Pedro os privilégios clássicos das
monarquias absolutistas.
O Legislativo era formado por duas casas: o Senado, vitalício, e a Câmara,
com mandato temporário, podendo ser dissolvida pelo imperador. O órgão
máximo do Legislativo é a Assembleia Geral formada pela reunião da Câmara
e do Senado. Importante ressaltar que os candidatos devem ser brasileiros e
católicos, pelo fato de o catolicismo ser reconhecido como religião oficial do
Estado brasileiro.
Como a Constituição institui o voto censitário – os eleitores são definidos
segundo a sua renda –, a grande maioria da população brasileira restou excluída
do processo eleitoral. Este ocorre em dois turnos: eleições primárias para a forma-
ção de um colégio eleitoral que, por sua vez, escolherá nas eleições secundárias
os senadores, deputados e membros dos Conselhos das Províncias. Nas eleições
primárias poderiam votar os cidadãos com renda líquida anual superior a 100
mil-réis. Dos candidatos ao colégio eleitoral exigia-se uma renda anual superior
a 200 mil-réis. Para a Câmara dos Deputados a renda mínima exigida era de 400
mil-réis e, para o Senado, de 800 mil-réis.
Outro aspecto fundamental mantido pela Constituição foi o trabalho escra-
vo. Mesmo sob a pressão internacional e a reivindicação de forças sociais internas
o regime escravista vigente foi mantido sob o argumento da sua essencialidade
para a economia agroexportadora. Apenas foram abolidos o açoite, a marca
de ferro quente e outros castigos usados contra os escravos. Aliás, essa mesma
questão dividiu os farroupilhas, tanto que mesmo a proclamação da República
Riograndense silenciou sobre a abolição do trabalho escravo.
Os Estados Unidos da América foram o primeiro país a reconhecer oficial-
mente a independência do Brasil, em 1823. Portugal reconheceu a independên-
cia em 1824, tendo a Inglaterra feito um importante papel de mediação nesse
processo. Em troca desse reconhecimento, Portugal exigiu uma indenização de
2 milhões de libras, que o auxiliariam a pagar parte de suas dívidas com a Ingla-
terra. Costuma-se dizer que iniciou aí o endividamento do Brasil, considerando
que estes recursos, inexistentes no novo país, foram emprestados pela própria
Inglaterra.
Além disso a Inglaterra conseguiu, por meio de tratados firmados direta-
mente com o Brasil, a garantia de tarifas alfandegárias preferenciais para os seus
produtos. A conclusão é que a independência se apresenta com duas faces: de um
lado, serviu para criar o Estado nacional brasileiro; de outro, reproduziu o modelo
agroexportador e escravista, ampliou a importação de produtos manufaturados
e os laços de dependência financeira com a Inglaterra.
O período que se seguiu à independência foi bastante conturbado, prin-
cipalmente por conta dos confrontos entre setores sociais ligados à ideia de
recolonização – o Partido Português – e os defensores da soberania nacional –

104
EaD
Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

Partido Brasileiro – que abrigava duas correntes ideológicas – os Conservadores


e os Liberais. Na base deste confronto estava a forma de organização do Estado
nacional, os limites da soberania popular e a própria relação com Portugal.
Um exemplo é a Confederação do Equador, proclamada em 2 de julho
de 1847, que propôs a reunião das províncias do Norte e Nordeste numa forma
de Estado inspirada no modelo norte-americano. Era, portanto, uma forma de
Estado federado e republicano, fundado na representação popular. A grande
divergência entre os confederados referia-se ao trabalho escravo. Quando foi
tomada a decisão de abolir o tráfico de escravos no porto do Recife acirraram-se
as divisões internas, porquanto esta medida afetava a oligarquia agrária, depen-
dente do trabalho escravo.
Outro elemento de conflito foi a formação das “brigadas populares”, for-
madas por elementos da população livre – pretos, mulatos e militares de baixa
patente. A necessidade das brigadas estabeleceu uma forma de expressão política
desses setores subalternos, que acirrou o conflito com os grandes proprietários.
As divisões internas fragilizaram o movimento, que acabou sendo duramente
reprimido pelo governo imperial.
Apesar das rebeliões regionais terem sido vencidas pelo governo imperial
elas não fortaleceram o poder de D. Pedro I. A aliança com o Partido Português, a
insistência em manter o poder moderador e os acordos com a Inglaterra, princi-
palmente para extinção do tráfico de escravos, em 1830, acabaram fragilizando o
poder de D. Pedro I. A eclosão da crise do modelo agroexportador – especialmente
abalando a produção do açúcar – criou uma conjuntura de profunda crise social,
opondo D. Pedro I e o Partido Português aos liberais (moderados e exaltados).
Os desdobramentos da Guerra Cisplatina e a sucessão do Estado português
ampliaram a crise, que levou inexoravelmente à abdicação de D. Pedro I.
Nas Monarquias adota-se o critério da hereditariedade para definir o pro-
cesso de sucessão do chefe de Estado. No caso brasileiro, havia o impedimento
do filho de Dom Pedro I assumir o poder, pois era menor de idade. A Assembleia
Geral (Câmara e Senado) elegeu, em 17 de junho de 1831, a chamada Regência
Trina Permanente, composta basicamente pelos liberais moderados.
Vale lembrar que, do ponto de vista da organização do Estado, este grupo
sustentava o processo de independência, associado à manutenção do traba-
lho escravo, diferentemente dos liberais exaltados que defendiam uma maior
descentralização política e administrativa (federalismo), a república e o fim da
escravidão. O polo conservador – representado pelos restauradores (caramurus)
defendia a Monarquia absoluta. Este grupo foi praticamente extinto, em 1836,
após a morte de D. Pedro I em Portugal.
A Regência Trina foi transformada em Regência Una, em 1834, com o
regente sendo eleito pelo voto direto, para um período de 4 anos. Escolhido
pelo voto, o padre Diogo Antônio Feijó manteve-se no cargo até 1837, quando
renunciou por mostrar-se incapaz de conter as revoltas regionais surgidas nesse
período.

105
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

A Cabanagem, no Pará, e a Balaiada, no Maranhão, expressam as lutas


de escravos, sertanejos, lavradores e seringueiros contra o poder central. A
Sabinada, na Bahia, foi um movimento das camadas médias como forma de
protesto em relação a vários fatos, como a prisão de Bento Gonçalves, líder da
Revolução Farroupilha. Esta, surgida do confronto de interesses entre produto-
res de charque e o poder central, desdobrou-se na Proclamação da República
Riograndense. Durante dez anos vários atos indicaram a constituição efetiva de
um Estado Republicano no Brasil. Mesmo derrotada deixou um legado político
importante, sobretudo por ter sido feita – apesar das posições monarquistas de
vários líderes, entre eles Bento Gonçalves – a partir dos princípios da revolução
francesa – liberdade, igualdade e fraternidade.

Em 1840 é finalmente estabelecida a maioridade do filho de D. Pedro


I, que assume a chefia do Estado monárquico como “Dom Pedro II, Imperador
Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil”. Claramente foi uma derrota do
pensamento liberal, pois se consolida o poder da oligarquia escravocrata e
a Monarquia, com o seu principal instrumento de gestão do Estado, o poder
moderador. Na verdade, estabeleceu-se um grande acordo nacional (“pacto das
elites”) a partir dos interesses da oligarquia agrária escravocrata, que se expressou
na alternância dos Partidos Conservador e Liberal no poder, no período que vai
de 1840 a 1870. É nesse contexto que nasce o Partido Republicano, cuja origem
está no grupo dos liberais exaltados, defensores do fim do trabalho escravo e
da substituição da Monarquia pela República.

Os partidos políticos no Império e mesmo na República – pelo menos


até o fim do Estado Novo – têm pouco a ver com a ideia de uma organização
burocrática centralizada, com uma ideologia e um programa que sintetizam um
projeto de sociedade. Eram pequenos agrupamentos humanos organizados
para a conquista do poder, mas com pouca densidade ideológica, programática
e organizativa.

Partidos efetivos somente começaram a se estruturar a partir de 1945,


com a formação do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), do Partido Social Demo-
crático (PSD) e da União Democrática Nacional (UDN), bem como outros partidos
menores, de abrangência regional, que comandaram a vida política nacional
até a instituição do regime militar, em 1964. Obviamente cabe uma ressalva ao
Partido Comunista Brasileiro (PCB), fundado em 1922, cujo registro foi cancelado
em 1947, mesmo em pleno processo de redemocratização do país.

O nascimento do Partido Republicano é um capítulo importante da his-


tória dos partidos. Embora não tenha superado as fragilidades organizativas ele
se constituiu num canal de manifestação dos anseios de mudanças presentes na
sociedade brasileira. Ele expressa, na verdade, um conjunto de transformações
ocorridas na sociedade brasileira, principalmente a partir da segunda metade
do século 19.

106
EaD
Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

Na agricultura, base da economia nacional, observa-se uma progressiva


perda de importância dos setores da cafeicultura, cuja organização da produção
estava centrada no trabalho escravo. A presença do trabalho assalariado estabe-
lece relações tipicamente capitalistas no Brasil. Ao mesmo tempo, o crescimento
significativo das cidades acarreta a ampliação do comércio e da indústria na
geração da riqueza, ou seja, estes novos setores sociais passam também a rei-
vindicar espaços de participação política.

A luta pelo fim da escravidão é um componente fundamental para explicar


a crise da Monarquia e a Proclamação da República em 15 de novembro de 1889.
Ela envolve inclusive interesses externos, notadamente aqueles decorrentes
da expansão do capitalismo inglês. Não foram as concepções humanistas que
determinaram a proibição formal do trabalho escravo; na verdade, o cálculo
econômico demonstrava que a utilização do trabalho escravo aumentava cada
vez mais os custos de produção, impondo perda de competitividade para os
produtos brasileiros no mercado internacional.

Logo a incompatibilidade entre desenvolvimento do capitalismo e tra-


balho escravo determinou a sua extinção em 13 de maio de 1888, por meio da
Lei Aurea, assinada pela princesa Isabel. O Brasil foi o último país da América a
extinguir formalmente o trabalho escravo.

Pode-se concluir, portanto, que as bases sociais do movimento republica-


no podem ser aglutinadas em três grandes correntes: os fazendeiros capitalistas
do café do oeste paulista, defensores da descentralização político-administrativa
do Estado brasileiro; os industriais ligados à produção de bens de consumo que
sustentavam a industrialização como base do progresso e os estratos superiores
da oficialidade do Exército, articulados pela ideologia republicana concebida a
partir do positivismo de Auguste Comte.

Percebe-se que o movimento republicano não se constituiu como um


movimento caracterizado pela presença das classes populares, principalmente
pela fragilidade social dos trabalhadores, em que pese o processo de desenvol-
vimento capitalista presente na sociedade brasileira. É importante sublinhar que
este processo não se assentou numa classe de empresários industriais – como na
Inglaterra, por exemplo –, mas numa classe de grandes proprietários rurais inte-
ressados na manutenção do modelo agroexportador. Em síntese, o Estado deveria
estar a serviço da agroexportação e não do desenvolvimento industrial.

Estes setores não construíram um sólido projeto ideológico, seja pela


própria fragilidade econômica, seja pelos interesses contraditórios. Em todas
as revoluções modernas, como afirma Marx (1983), a burguesia industrial
desempenhou um papel revolucionário. Entre os grandes debates ocorridos
na sociedade brasileira sempre se colocou a questão: Afinal, o Brasil tem uma
burguesia nacional capaz de articular um grande movimento político? Talvez
se possa arriscar uma resposta no seguinte sentido: a burguesia industrial não

107
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

se constituiu como uma classe nacional autônoma. A sua fragilidade estrutural


impôs alianças necessárias, ora com a aristocracia agrária, ora com a burguesia
internacional.

Contrastando com as “classes produtoras” a alta oficialidade do Exército e


setores da intelectualidade civil desenvolveram um projeto ideológico centrado
no positivismo comtiano. A ideia básica do positivismo é que a sociedade está
submetida a leis semelhantes às leis da natureza, sendo elas explicadas pela
ciência, o poder espiritual da modernidade. As leis da sociedade revelam um
processo social de progressivo predomínio da indústria sobre as formas feudais
e militares de organização social. Estas leis estão subordinadas a uma lei geral de
organização e evolução das sociedades sintetizada no lema “ordem e progresso”,
introduzido na bandeira nacional.

A proposição de um Estado republicano forte e centralizador, justificado


cientificamente, foi vitoriosa e prevaleceu no período de 1889 a 1894, vulgar-
mente conhecido como “república da espada”. Os partidos republicanos do Rio
de Janeiro e do Rio Grande do Sul foram os que mais desenvolveram a ideologia
positivista. No caso do Rio Grande do Sul, a primeira Constituição Republicana
foi escrita por Julio de Castilhos, positivista convicto, contra os valores liberais
defendidos por setores da oligarquia agrária gaúcha.

O processo de instalação do Estado Republicano teve, portanto, um papel


decisivo dos positivistas, notadamente pela alta oficialidade do Exército. Em 15
de novembro de 1889 é organizado o Primeiro Governo Provisório Republicano,
presidido pelo marechal Deodoro da Fonseca, que representava uma composi-
ção dos vários grupos políticos republicanos. Assim constituiu-se um novo país
denominado Estados Unidos do Brasil, um Estado republicano federativo. Logo
se promove a separação da Igreja e do Estado, instituindo-se o Estado laico.

Em 24 de fevereiro de 1891 foi promulgada a primeira Constituição Re-


publicana, que incorporou princípios liberais, à semelhança dos Estados Unidos.
Ela instituiu as bases da República: o federalismo, o presidencialismo e o regime
representativo. A nova Constituição, porém, não pacificou os diferentes interes-
ses republicanos. Sob o governo de Floriano Peixoto ocorreram vários conflitos,
principalmente a Revolução Federalista do sul e a Revolta da Armada, na Baía
de Guanabara. Vencidas estas rebeliões, finda o mandato de Floriano Peixoto.
Assume a Presidência Prudente de Morais, representante das oligarquias agrárias,
iniciando uma nova fase da República, que se prolonga até 1930.

Os grandes pensadores gregos Platão e Aristóteles sustentaram a existên-


cia de três formas do governo (ou de Estado) conforme o número de pessoas que
governam. Assim tem-se o governo de um, de poucos ou de muitos – respectiva-
mente, designados como monarquia, aristocracia e democracia. Cada uma dessas
formas contém duas possibilidades, principalmente considerando a obediência
ou não às leis e ao uso indiscriminado da força: o governo bom e o mau.

108
EaD
Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

As formas más seriam também três: tirania, oligarquia e oclocracia (ou


demagogia). Se agregarmos ainda a ideia desenvolvida na modernidade de que
o Estado representa sempre classes sociais pode-se afirmar que as duas primeiras
formas constituem expressões políticas das classes que detêm o poder econômico
(meios de produção), enquanto a democracia como governo popular expressa,
mais ou menos, dependendo das relações de força, também os interesses das
classes populares.
Dessa forma, considerando a teoria política e o processo político que de-
terminou o nascimento da República brasileira, chega-se à conclusão de que se
trata de um Estado oligárquico. Este conceito não está em desacordo com a versão
de que a República brasileira sempre teve um caráter autoritário. A própria base
social dominante da República no período até 1930 – a chamada República Velha
–, constituída pelos cafeicultores paulistas e pelos pecuaristas mineiros, indica
o “governo de poucos”. Isto pode ser percebido pelo revezamento do Partido
Republicano paulista e mineiro no exercício do poder político, estabelecendo a
“política do café-com-leite”.
Em que pesem os princípios liberais, a organização política da República
Velha estabeleceu uma relação do poder central – exercido pelo presidente da
República – com os governadores – “política dos governadores” e destes com os
coronéis – chefes políticos locais que controlavam os eleitores e as eleições por
meio de políticas de clientelismo e do voto a descoberto, prática esta que ficou
conhecida como voto de cabresto. O povo, portanto, sofria pressões e não podia
escolher seus representantes com liberdade, os quais eram eleitos por uma pe-
quena parcela da população, estimada em menos de 5% da população total.
Apesar do processo político excludente, a instituição da República criou
grandes expectativas no sentido de colocar o Brasil na modernidade, avançando
– como ocorreu em outros países – para a consolidação do Estado Democrático
de Direito. Considerando, porém, os 125 anos de vigência do Estado Republicano
constata-se que apenas dois períodos podem ser caracterizados como democrá-
ticos: 1945 até 1964 e de 1985 até os dias atuais. Ou seja, foram menos de 50 anos
de experiência democrática; o restante caracteriza-se pela vigência de processos
políticos oligárquicos (autoritários), de vários matizes ideológicos.
Conforme José Murilo de Carvalho (2005), a cidadania no Brasil teve
períodos de avanços e retrocessos. Os avanços se caracterizam pelos períodos
democráticos e pelas conquistas populares e os retrocessos são marcados pelos
períodos autoritários, quando a cidadania esmorece. Durante a República várias
Constituições foram aprovadas para respaldar as ações governamentais e quando
não se mostraram suficientes foram instituídas as figuras do Decreto-Lei e dos
Atos Institucionais, instrumentos estranhos à democracia.
A ação do Estado desenvolvia-se basicamente para sustentar o interesse
dos cafeicultores e pecuaristas de São Paulo e Minas Gerais. Esta forma de direção
do Estado nacional aprofundou o descontentamento das oligarquias regionais
– Nordeste e Rio Grande do Sul – e das classes urbanas – burguesia industrial

109
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

e trabalhadores – em franco desenvolvimento. Aliada a essa nova realidade ur-


bana observa-se uma gradativa perda de poder político das oligarquias rurais,
principalmente abaladas pela crise do café. Este cenário de crise e transição da
sociedade brasileira verificado na década de 20 criou as condições para a eclosão
de um importante fato político da História do Brasil: a Revolução de 1930.
Também é preciso considerar as consequências locais da profunda crise
de 1929 que abalou o capitalismo como um todo. Vale lembrar que um período
de crise se caracteriza pelo descontentamento ou insatisfação de importantes
setores da sociedade que os leva a questionar a ordem estabelecida e ao mesmo
tempo os detentores do poder não conseguem mais governar como costumavam
fazer. Abre-se, portanto, uma era de transformação social.
Nesse período de transição ocorreram vários fatos políticos e culturais
que tiveram grande importância no desenvolvimento da Revolução de 1930.
Entre eles cabe destacar a criação do PCB – Partido Comunista Brasileiro (1922),
a Semana de Arte Moderna, o Movimento Tenentista e a Coluna Prestes. Também
nas grandes cidades aconteceram muitas manifestações contra a carestia, além
da intensificação das reivindicações dos trabalhadores, iniciadas a rigor com a
grande greve geral de 1917. Este novo cenário de grande efervescência política
e cultural começa a preocupar as elites políticas nacionais. Prova disso foi a carta
enviada a Getúlio Vargas pelo presidente de Minas Gerais, Antônio Carlos de
Andrada, em que ele é taxativo: “Façamos a revolução antes que o povo a faça”.
Com o rompimento da política “café-com-leite” os desentendimentos
e os conflitos nacionais se acirraram, rompendo a unidade dos governadores,
base do poder presidencial. O fato que provocou a ruptura da unidade entre São
Paulo e Minas Gerais foi a indicação do paulista Júlio Prestes como candidato à
Presidência da República feita pelo presidente Washington Luís.
Na política de revezamento seria a vez de Minas Gerais indicar o candi-
dato à Presidência da República. O candidato oficial contava com o apoio de 17
governadores, à exceção dos governadores de Minas Gerais, Rio Grande do Sul
e Paraíba. Sob a liderança de Minas Gerais criou-se um movimento de oposição
sob o nome de Aliança Liberal, lançando Getúlio Vargas e João Pessoa como
candidatos a presidente e vice-presidente da República. Sua plataforma de go-
verno contemplava um “programa de reformas avançadas para a época, como:
voto secreto, a criação de leis trabalhistas e incentivo à produção industrial”
(Brum, 2011).
O candidato Júlio Prestes foi o vencedor nas eleições presidenciais, com
1.091.709 votos contra 742.794 votos dados a Getúlio Vargas. Este resultado,
porém, foi questionado pela oposição derrotada, sob a acusação de fraude.
Este fato, aliado ao assassinato de João Pessoa, candidato a vice-presidente na
chapa de Getúlio Vargas, foram o estopim para a eclosão da Revolução de 1930.
Iniciando-se no Rio Grande do Sul, a luta armada espalhou-se rapidamente para
outros Estados como Minas Gerais, Paraíba e Pernambuco.

110
EaD
Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

Com o avanço da guerra civil, os militares depuseram o presidente Wa-


shington Luís no dia 24 de outubro de 1930. O líder revolucionário Getúlio Vargas
assume a chefia do Governo Provisório até 1934, quando é eleito presidente pela
Assembleia Constituinte, exercendo o mandato até 1937, quando um golpe, por
ele liderado, instaura o Estado Novo.

Sem dúvida, a Revolução de 1930 foi um marco importante na História do


Brasil e também pode ser considerado um dos primeiros acontecimentos que
reflete formas de organização nacional, representada pelos descontentes com o
modelo político e econômico até então vigente no país. Inaugura-se uma nova
fase na política brasileira, que se estendeu de 1930 até 1945, identificada como a
Era Vargas. Do ponto de vista político – ou seja, da organização do Estado – mu-
danças importantes ocorrem. É verdade que o Estado nacional não perdeu seu
caráter oligárquico, porém ele incorporou novas classes na definição das políticas
públicas, principalmente a burguesia industrial e o proletariado urbano.

Para melhor compreender as mudanças sociais geradas pela Era Vargas


é importante considerar três fases: de 1930 a 1934, fase do Governo Provisório;
de 1934 a 1937, do Governo Constitucional; de 1937 a 1945, do Estado Novo.
Durante o Governo Provisório ocorreu a dissolução do Congresso Nacional e
das Assembleias Estaduais. Foram nomeados interventores que governariam os
Estados até a elaboração da nova Constituição. Também foram criados o Código
Eleitoral e a Justiça Eleitoral, sendo instituído o voto secreto, o voto feminino e
a redução da idade de 21anos para 18 aos votantes. Fez mas não aplicou a Lei
naquele ano. As medidas mais inovadoras do Governo Provisório ocorreram no
campo das relações entre o Estado e os trabalhadores. Foi criado o Ministério do
Trabalho e iniciada a elaboração da legislação trabalhista, que incluía jornada de
trabalho de oito horas diárias, repouso semanal remunerado, férias remuneradas
e proibição de trabalho de menores de 14 anos.

Em 9 de julho de 1932, fruto do descontentamento pela demora na


convocação da Assembleia Constituinte, eclodiu, principalmente em São Paulo,
o movimento chamado Revolução Constitucionalista. Também em São Paulo
crescia o descontentamento dos fazendeiros de café, ansiosos por recuperar
e conquistar novamente a influência perdida. O objetivo do movimento era a
convocação imediata de uma Assembleia Constituinte. Em 70 dias de luta as
forças legalistas sufocaram a revolta. Mesmo derrotados no campo de batalha,
os paulistas conseguiram atingir seu objetivo político, pois o presidente Getúlio
Vargas convocou eleições para a Assembleia Constituinte.

A Constituinte tomou posse em novembro de 1933. Como base de seus


trabalhos contava com um anteprojeto elaborado por uma comissão nomeada
pelo governo. A promulgação da nova Constituição Republicana ocorreu em
julho de 1934. A nova Constituição, além de instituir o voto secreto, manteve a
estrutura federativa do Estado nacional, as eleições diretas para presidente da
República e o mandato presidencial de quatro anos.

111
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

Ao mesmo tempo, foram regularizados muitos atos do Governo Provisório,


tais como a instituição da Justiça do Trabalho e da Legislação Trabalhista. No dia
seguinte à promulgação da Constituição, a Assembleia elegeu Getúlio Vargas
para um mandato de quatro anos. Terminava, assim, o período do Governo
Provisório e iniciava-se o mandato do governo constitucional do presidente
Getúlio Vargas.
O período denominado como governo constitucional representa uma
tentativa de construção de um Estado de Direito a partir de uma Constituição
elaborada por constituintes eleitos pelo voto popular. Não há no pensamento
político brasileiro uma ideia desenvolvida sobre a centralidade de princípios
democráticos para organizar as ações do Estado. Um Estado de Direito não é
necessariamente democrático, entendendo-se este como o “governo popular”. A
agitação política e os conflitos presentes naquele período não foram resolvidos
por um processo democrático, mas por um golpe de Estado, que estabeleceu
uma total centralização política, como veremos a seguir.
Nessa fase foram criados dois movimentos políticos importantes: a Ação
Integralista Brasileira (AIB) e a Aliança Nacional Libertadora (ANL). A AIB, criada
em 1932, foi um movimento liderado pelo escritor e jornalista Plínio Salgado.
Sua linha ideológica era inspirada no fascismo italiano e buscava a instituição
de um Estado Integral, que se contrapunha ao capitalismo e ao comunismo,
afirmava a propriedade privada, os valores cristãos, o princípio da autoridade e
da hierarquia e a valorização da cultura nacional.
Em oposição, comunistas, socialistas e a ala esquerda tenentista uniram-
se para formar a Aliança Nacional Libertadora (ANL), em 1935, liderada por
Luís Carlos Prestes. O modelo de sociedade defendida pela ANL centrava-se na
propriedade coletiva dos meios de produção e consequentemente no fim das
classes sociais e do próprio Estado, conforme a teoria marxista.
Em julho de 1935 o governo ordenou o fechamento da ANL. No mês de
novembro, militares vinculados a essa organização promoveram insurreições
em quartéis de Natal, Recife e Rio de Janeiro. A intenção era depor o governo de
Getúlio Vargas e instalar um governo revolucionário. Sem contar com o apoio da
população e com a traição de alguns líderes do movimento as rebeliões conhe-
cidas com Intentona Comunista foram rapidamente sufocadas.
O governo desencadeou uma terrível repressão que atingiu duramente,
não só os participantes da Intentona, mas também qualquer cidadão que fizes-
se oposição ao governo. Milhares de pessoas foram presas, torturadas, entre
elas Luís Carlos Prestes e sua companheira Olga Benário, que, mesmo estando
grávida, foi deportada para a Alemanha. Olga Benário deu à luz a filha Anita
Leocádia Prestes nos campos de concentração da Alemanha e em seguida foi
morta numa câmara de gás.
A repressão ao movimento comunista de 1935 reforçou a centralização
política do governo Vargas. Em 1937, quando se aproximava o fim do seu man-
dato previsto pela Constituição, Getúlio Vargas e seus colaboradores passaram

112
EaD
Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

a articular a suspensão das eleições marcadas para o ano de 1938, alegando o


perigo comunista. Para isso elaborou um plano falso, o Plano Cohen, que de-
nunciava a articulação de uma revolução comunista e o assassinato de muitos
políticos brasileiros. O falso plano foi divulgado com grande alarde, provocando
comoção nacional.

Diante desse quadro Getúlio Vargas aproveitou o momento para decre-


tar estado de guerra, o que lhe permitia prender qualquer cidadão sem ordem
judicial e obter o apoio dos governadores e das Forças Armadas para o seu
plano golpista. Contando com o apoio dos militares e pela pequena resistência
da população o golpe concretizou-se em 10 de novembro de 1937. Getúlio
apresentou aos ministros a nova Constituição que instaurava o Estado Novo,
estabelecendo o poder Executivo como órgão supremo do Estado, exercido
pelo presidente, que detinha o controle sobre todos os poderes, inclusive sobre
os Estados e municípios.

O Estado Novo prolonga-se de 1937 até 1945. Este período mostrou sua
face mais cruel de grandes perseguições políticas. Sob um regime de intensa re-
pressão, os partidos políticos foram extintos, os meios de comunicação sofreram
censura por meio do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), greves e
sindicatos são proibidos e coíbe-se qualquer manifestação de oposição. Ao mes-
mo tempo, é instituída a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e se organiza a
burocracia do Estado. Cabe ressaltar também que é nesse período que são lan-
çadas as bases para o efetivo desenvolvimento da indústria nacional, mediante
investimentos estatais nas áreas da infraestrutura, siderurgia e energia.

Como vimos, em 1932 foi criada a Ação Integralista Brasileira, movimento


que teve grande influência na política nacional. Estima-se que, quando foi colo-
cada na ilegalidade, em 1938, ela contava com 1.128.850 membros, distribuídos
nos 22 Estados. Além disso, o movimento apresentava uma razoável capacidade
de comunicação, pois editava 4 revistas e 114 jornais locais e regionais, além da
produção de 75 livros, destinados à propaganda da ideologia integralista em
relação a temas filosóficos, sociológicos, políticos e culturais.

O enraizamento social do movimento também se manifesta por meio dos


símbolos e rituais utilizados, como a forma de saudação mediante a palavra tupi
“anauê”, os uniformes com camisas verdes e calças pretas, a bandeira azul com a
letra grega sigma, significando a soma de valores.

O movimento integralista foi incentivado pelo próprio presidente Getúlio


Vargas, que recebeu deles o auxílio para a formulação do Plano Cohen e do golpe
de Estado. O líder do movimento, Plínio Salgado, almejava ocupar o Ministério
da Educação, no entanto a proibição de funcionamento de todos os movimentos
políticos atingiu também os integralistas que, descontentes, tentaram tomar o
poder por meio do Levante Integralista, em 11 de maio de 1938.

113
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

A pronta reação do governo derrotou a tentativa de golpe, com muitos


militantes integralistas mortos, outros tantos presos e o líder Plínio Salgado
exilado em Portugal. A reorganização do movimento ocorreu com a criação do
Partido de Representação Popular (PRP), em 1945.
O Estado Novo chegou ao seu término em 1945, poucos meses depois
do fim da Segunda Guerra Mundial. O mundo todo vivia um clima de liberdade
e democracia. Vargas foi afinal derrubado por seus próprios ministros. Foram
convocadas eleições presidenciais e legislativas. As eleições legislativas desti-
navam-se a escolher uma Assembleia Constituinte, a terceira desde a criação da
República. O país entrou numa nova fase que podemos descrever como sendo
a primeira experiência democrática de sua História, que se prolonga de 1945
até 1964. Com o fim da censura estabeleceram-se as liberdades democráticas,
a livre organização partidária, as eleições livres, dentre outros pressupostos de
um Estado Democrático de Direito.
A eleição presidencial foi disputada pelos seguintes candidatos: pela
aliança PSD/PTB concorreu o general Eurico Gaspar Dutra, ministro da Guerra do
governo de Getúlio e que teve o apoio do ex-presidente; pela UDN o brigadeiro
Eduardo Gomes, patrono da Força Aérea Brasileira, e pelo Partido Comunista
Brasileiro, Yedo Fiúza.
A eleição foi vencida pelo general Eurico Gaspar Dutra com 55 % dos
votos. Sob a influência da guerra fria, entre os anos de 1947 e 1949 o governo
de Eurico Gaspar Dutra perseguiu os militantes comunistas, colocou o PCB no-
vamente na ilegalidade e decretou intervenção nos sindicatos, valendo-se para
isso de instrumentos herdados do período ditatorial do Estado Novo. Percebe-se,
portanto, a fragilidade do processo democrático nesse período.
Após a sua deposição Vargas foi eleito senador da República e manteve
uma postura discreta, enquanto preparava sua volta ao poder em 1950 pelo voto
popular. Apoiado pela coligação PTB/PSP e com o apoio de grande parte do PSD
Getúlio fez 3.849.040 votos contra 2.342.384 dados a Eduardo Gomes, candidato
da UDN. O terceiro candidato, Cristiano Machado, do PSD, foi abandonado pelo
partido, fazendo apenas 1.697.193 votos. O segundo governo de Getúlio Vargas
foi marcado por uma radicalização do projeto nacional-desenvolvimentista,
ampliando a presença do Estado na economia, principalmente pela criação da
Petrobras, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e do Instituto
Brasileiro do Café.
Na verdade, considerando a importância estratégica do petróleo como
fonte de energia, a grande obra do segundo governo Vargas foi a criação da Pe-
trobras, em 3 de outubro de 1953, que se tornou um símbolo do nacionalismo. A
sociedade brasileira dividiu-se: de um lado, organizações populares, estudantes,
intelectualidade e parte do empresariado lideraram uma grande mobilização na-
cional sob o lema “O petróleo é nosso”; de outro, segmento do empresariado, da
grande imprensa e lideranças do PSD e da UDN, contrários ao monopólio estatal,
defendiam a abertura ao capital estrangeiro na exploração do petróleo.

114
EaD
Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

Getúlio Vargas conseguiu manter o apoio da maioria da população e mar-


cou profundamente a história política do século 20. A Carta-Testamento indica a
natureza dos conflitos políticos em curso na sociedade brasileira: “A campanha
subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados
contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida
no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os
ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas atra-
vés da Petrobras e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma.
A Eletrobrás foi obstaculizada até o desespero. Não querem que o trabalhador
seja livre” (Vargas, 1954).
Ou seja, de um lado, o projeto nacional desenvolvimentista, de outro, o
projeto de abertura total da sociedade aos interesses estrangeiros. Esse conflito
expressa o contexto político em que ocorre o suicídio de Getúlio Vargas, em 24 de
agosto de 1954; ele se prolonga nos governos seguintes desembocando no golpe
militar de 1964, que representa a derrota do nacional desenvolvimentismo.
A morte do presidente Vargas impôs a convocação de eleições presiden-
ciais, que se realizaram em 3 de outubro de 1955. A UDN, que comandava as forças
antigetulistas, foi novamente derrotada, agora por Juscelino Kubitschek. JK foi
eleito com 3.077.411 votos (35,68%), o general Juarez Távora, da UDN, recebeu
2.610.462 votos (30,27%), Ademar de Barros, do PSP, 2.222.725 votos (25,77%)
e  Plínio Salgado, do PRP,  714.379 votos (8,28%). Juscelino foi favorecido pela
candidatura de Plínio Salgado, que tirou votos de Juarez Távora.
A UDN tentou impugnar o resultado da eleição, alegando que Juscelino
não obteve a maioria absoluta dos votos. A posse de Juscelino e do vice-presiden-
te eleito João Goulart só foi garantida com uma enérgica reação militar liderada
pelo ministro da Guerra, general Henrique Teixeira Lott, que depôs o presidente
interino da República, Carlos Luz. Suspeitava-se que Carlos Luz, da UDN, não
daria posse ao presidente eleito. A Presidência foi assumida pelo presidente do
Senado, Nereu Ramos, do PSD, que concluiu o mandato de Getúlio Vargas e deu
posse a JK em 31 de janeiro de 1956.
Apesar da oposição civil e militar o governo Juscelino conseguiu combi-
nar o desenvolvimento econômico com a manutenção das regras da incipiente
democracia brasileira. Sem abandonar o nacional-desenvolvimentismo, esta-
beleceu uma política de abertura da economia brasileira para os investimentos
estrangeiros, conseguindo assim reduzir a forte pressão das multinacionais e
principalmente do governo norteamericano. A conjuntura de relativa estabilidade
política permitiu a construção de muitas obras, especialmente a nova capital
federal, Brasília. A grande indústria automobilística multinacional instalou-se
definitivamente no Brasil.
JK concluiu seu mandato em 31 de janeiro de 1961. O novo presidente,
Jânio Quadros, apoiado pela UDN, disputou as eleições com o general Henrique
Teixeira Lott, da coligação PSD-PTB. Jânio fez 5.636.623 votos contra 3.846.825
votos do marechal Lott. Finalmente a UDN, com seu discurso de moralização da

115
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

política brasileira, tinha chegado ao poder, mas inexplicavelmente Jânio renun-


ciou em 25 de agosto de 1961, alegando pressão de “forças ocultas”. Talvez tenha
pensado que sua imensa popularidade faria o povo ir às ruas e pedir a sua volta.
Um dos seus atos mais polêmicos foi a condecoração de Che Guevara, então
ministro da Indústria e Comércio de Cuba, inaceitável à postura anticomunista
da UDN.

A renúncia de Jânio Quadros desencadeou nova crise política. Os setores


conservadores e anticomunistas não queriam a posse do vice-presidente João
Goulart (Jango), eleito nas mesmas eleições. A eleição de João Goulart foi possível
em virtude do sistema eleitoral brasileiro que permitia que os cidadãos brasi-
leiros pudessem escolher pelo voto o presidente e o vice-presidente de chapas
diferentes. Com essa possibilidade Jânio Quadros foi eleito presidente e João
Goulart como vice-presidente, sendo este membro da chapa do marechal Lott.

Os grupos que se posicionaram contra a posse de Jango alegavam que o


vice-presidente daria continuidade à política nacionalista de Getúlio Vargas, que
era duramente combatida por eles. Organizou-se um movimento golpista para
impedir a posse de Jango, que foi obrigado a recuar diante da grande mobilização
popular desencadeada pelo Movimento da Legalidade.

O Movimento da Legalidade, liderado pelo então governador do Rio Gran-


de do Sul, Leonel Brizola, foi um forte movimento popular de enfrentamento das
forças golpistas que queriam impedir a posse de João Goulart, que se encontrava
em viagem diplomática à China quando da renúncia do presidente Jânio Quadros.
Nesse clima de instabilidade política foi construída uma proposta de conciliação
em que se adotou o parlamentarismo no período de 1961 a 1963.

Assim, foi permitida a posse de Jango à Presidência como chefe de Estado.


Tancredo Neves foi escolhido como primeiro-ministro (chefe do Governo) durante
o regime parlamentarista. Logo foi convocado um plebiscito, que restabeleceu
o presidencialismo no Brasil. Foi então que João Goulart assumiu o país com
amplos poderes de presidente – chefe de Estado e de Governo – começando a
anunciar as Reformas de Base que pretendia implantar no Brasil.

As Reformas de Base foram anunciadas no grande comício realizado em


13 de março de 1964, que ficou conhecido como o comício da Central do Brasil.
Elas buscavam a realização das mudanças estruturais na sociedade brasileira,
sempre reivindicadas e sempre adiadas. Dentre elas chamam a atenção a re-
forma agrária, reforma administrativa, reforma urbana, reforma da educação e
reforma do sistema bancário. Um dos itens mais polêmicos era a revisão da lei
da remessa de lucro das multinacionais para suas matrizes, que estabelecia que
parte do lucro deveria permanecer no país e ser investido no parque industrial
brasileiro, atenuando o alto grau de exploração que as multinacionais estabe-
leceram no Brasil.

116
EaD
Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

Essa medida contrariou os interesses dos investidores externos, levando-


os a apoiar os golpistas que contavam com o apoio logístico dos EUA. Jango
também anunciou a universalização do voto popular e o aumento do salário
mínimo para os trabalhadores.
Alguns grupos de conspiradores liderados pelos militares iniciaram a
mobilização contra Jango. Precisavam convencer a maioria dos militares, de
tradição legalista, de que o presidente e seu governo estariam se afastando
dos preceitos constitucionais e por isso as Forças Armadas deveriam intervir no
processo político.
Esses argumentos ganharam força perante os militares e parcelas da
sociedade em virtude do discurso do presidente Jango de que precisaria alterar
a Constituição Brasileira para realizar as Reformas de Base. Para mobilizar a socie-
dade usaram o sentimento familiar e religioso para salvar o Brasil do comunismo.
As mulheres representantes das elites e das camadas médias conservadoras
organizaram várias manifestações conhecidas como Marchas da Família com
Deus pela Liberdade. O padre Peto (americano) liderou uma marcha de apro-
ximadamente 500 mil pessoas que entoavam o seguinte slogan: “A família que
reza unida permanece unida”.
Em 31 de março de 1964 as Forças Armadas com apoio de parte da so-
ciedade civil e dos partidos conservadores, liderados pela UDN, depuseram o
presidente João Goulart e assumiram o controle do Estado, instituindo um regime
militar que se prolongou até 15 de março de 1985, quando o vice presidente José
Sarney tomou posse em razão da doença do presidente eleito Tancredo Neves.
Muitos líderes políticos reformistas, sindicalistas e de organizações populares
foram presos, torturados, mortos ou exilados, inclusive o presidente Jango, que
se exilou no Uruguai.
Este período, que ficou conhecido como ditadura militar, foi marcado pelo
fechamento das instituições democráticas mais elementares, como a liberdade
de opinião e de organização, eleições livres, habeas corpus. Foi instituída a Lei
de Segurança Nacional, que coibia qualquer manifestação política de oposição
ao regime militar, estabelecendo penalidades duras aos infratores. Vários parla-
mentares foram cassados, servidores públicos aposentados e militares colocados
compulsoriamente na reserva. O poder Executivo se sobrepõe ao Legislativo e ao
Judiciário. A legalidade das ações do governo é determinada pela edição unila-
teral dos Atos Institucionais. No período de 1964 a1969 foram editados 17 Atos
Institucionais, regulamentados por 104 atos complementares. O mais importante
foi o AI-5, instituído em 1968, que conferia poderes extraordinários ao presidente
da República, determinando, inclusive, o fechamento do Congresso Nacional.
O presidente da República, os governadores, prefeitos das capitais, de
municípios de fronteira e de estâncias hidrominerais (considerados áreas de
segurança nacional) passam a ser escolhidos por meio de eleições indiretas
(colégio eleitoral), rigorosamente controladas pelos militares e pelos civis que
desencadearam o golpe de Estado.

117
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

Os partidos políticos foram extintos e para mascarar um pouco essa fase


de grande autoritarismo, os militares adotaram o bipartidarismo, criando dois
partidos políticos: Arena (Aliança Renovadora Nacional) e o MDB (Movimento
Democrático Brasileiro), criados unilateralmente pelo AI-2. A Arena era o partido
que apoiava e dava sustentação ao governo militar e o MDB era o partido que
fazia a oposição consentida ao governo. A sociedade brasileira mais uma vez foi
excluída das decisões políticas nacionais e mediante rigoroso controle o governo
militar eliminou a oposição mais combativa, designando seus integrantes como
subversivos, comunistas e inimigos da pátria.

Dentre os governos militares, o do presidente Emílio Garrastazu Médici


destaca-se em primeiro lugar no emprego do poder ditatorial e da violência,
torturas e perseguições contra a sociedade e as pessoas que não compactuavam
com seu governo. Procurando dissimular a face mais cruel do regime militar, gasta
expressivas verbas com propagandas governamentais tentando melhorar a sua
imagem. Entre as peças publicitárias uma ficou mais conhecida: “Brasil, ame-o
ou deixe-o”.

Em relação à questão econômica chama a atenção para o período de


grande crescimento econômico conhecido como “milagre econômico”. Este cres-
cimento econômico, em que pese a política de arrocho salarial e de concentração
de renda, em grande medida auxiliou na legitimação do regime para parcelas
importantes da população, inclusive da própria classe trabalhadora.

O governo militar desarticulou a oposição, permitindo apenas manifes-


tações do MDB. No final da década de 60, após a edição do AI-5, vários grupos
de oposição, entendendo que o regime não cumpriria com as promessas de
retorno à legalidade democrática, concluíram que só a luta armada derrubaria
o regime militar. Constituíram-se, assim, vários movimentos de guerrilha urbana
e rural, cujo objetivo imediato eram a derrubada do regime militar e a retomada
do programa das reformas de base.

Também para muitas organizações o objetivo estratégico era a instituição


de um regime socialista. Todos esses movimentos foram drasticamente reprimi-
dos, seus líderes foram perseguidos, torturados ou mortos, com a grande maioria
das organizações sendo desmantelada. Estes grupos guerrilheiros tiveram influ-
ência da vitoriosa revolução cubana de 1958.

O Regime Militar começa a perder legitimidade, em parte pela crise que


se abate sobre a economia brasileira a partir de 1973, em parte pelo crescimento
significativo da oposição ocorrido nas eleições legislativas de 1974. O Regime Mi-
litar superestimou o seu poder de influência sobre a sociedade, permitindo uma
campanha eleitoral com relativa liberdade. O novo presidente, general Ernesto
Geisel, comprometido com um processo de “distensão lenta e gradual”, retomou
a elaboração de uma série de medidas, chamadas à época de “casuístas”, porque
visavam estritamente a sustar o crescimento do movimento de oposição.

118
EaD
Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

Exemplo dessas medidas foi a proibição dos candidatos de se manifes-


tarem no horário de propaganda eleitoral gratuita, sendo permitida somente a
apresentação do currículo do candidato. O papel positivo do governo Geisel foi
ter impedido que os setores mais conservadores das Forças Armadas retomassem
o poder, quando, após o assassinato do jornalista Vladimir Herzog e do operário
Manuel Fiel Filho, nas dependências do DOI-Codi de São Paulo, promoveu uma
intervenção no comando do II Exército.
Apesar dos casuísmos que se sucederam nos anos seguintes – por exem-
plo, a extinção sumária da Arena e do MDB e a dificuldade para a criação de
novos partidos – a oposição continuou crescendo e o Regime Militar perdendo
legitimidade. Em 1979 foi estabelecida a Lei da Anistia aos presos e perseguidos
políticos. A luta democrática ampliou-se com a campanha das Diretas Já, que
propunha a eleição direta para a Presidência da República.
A ideia básica era aprovar a Emenda Constitucional do deputado do
PMDB, Dante de Oliveira, que estabelecia que o sucessor do general João Batista
Figueiredo seria escolhido pelo voto direto. Mesmo tendo provocado o maior
movimento de massas da História do Brasil, a Emenda não foi aprovada. Em razão
da necessidade de dois terços dos votos para a aprovação da Emenda ela obteve
298 votos, faltando, portanto, apenas 22 votos. Obviamente o Regime Militar
usou todas as suas forças para evitar a aprovação da Emenda, sendo constatadas
pelas 113 ausências de parlamentares na sessão de votação.
A saída encontrada pela oposição foi disputar a eleição no Colégio Elei-
toral, criado pela Constituição de 1967 para eleger o presidente da República.
O governo tinha uma maioria de votos, porém formou-se uma dissidência do
Regime Militar, a Frente Liberal, que posteriormente se transformaria no Partido
da Frente Liberal, o PFL. Assim, a eleição foi vencida pelo candidato da oposição,
Tancredo Neves, que fez 480 votos. O candidato do governo, Paulo Maluf, fez
apenas 180 votos.
Na verdade esse resultado reflete o sentimento da sociedade brasileira
que majoritariamente desejava o fim do regime militar. Tancredo Neves não
conseguiu assumir o governo, pois no dia anterior a sua posse foi hospitalizado,
vindo a falecer em 21 de abril de 1985. O seu vice-presidente José Sarney assume
o governo, instaurando a chamada Nova República.
O povo brasileiro somente 29 anos após o golpe militar voltou a eleger
o representante do Executivo nacional. Foi eleito o presidente Fernando Collor
de Mello, em 1989. Governador de Alagoas, Collor de Mello foi “construído”
como candidato principalmente pela Rede Globo de Televisão. Sua plataforma
lembrava as ideias da UDN: moralização da vida pública – o candidato intitulado
“caçador de marajás” – e o livre-mercado. Foi acusado de corrupção e no ano
de 1992 sofreu impeachment, assumindo seu vice-presidente Itamar Franco. A
partir da eleição de Collor de Mello instaura-se um processo de eleições livres e
periódicas, indicando que, pela primeira vez na História do Brasil, as crises não
conseguem abalar as instituições democráticas.

119
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

Há reformas políticas a serem feitas, pois a democracia é um processo


em permanente construção. Questões como o sistema eleitoral, o processo de
organização dos partidos, o financiamento das campanhas, a regulamentação
da mídia, métodos da democracia participativa, entre outros, estão na ordem
do dia, mas não têm conseguido gerar uma maioria congressual para viabilizar
as mudanças necessárias.
A presença do Estado na vida social é uma das características marcantes
da sociedade brasileira. Até a Revolução de 1930 o Estado atuou basicamente
em defesa da ordem social oligárquica escravocrata ou capitalista. A transição
do Estado monárquico ao Estado republicano não alterou essa característica.
Mesmo que o desenvolvimento das cidades e da indústria tenha provocado
o aparecimento dos conflitos típicos de uma sociedade industrial, as questões
trabalhistas e sociais eram tratadas como “caso de polícia”.
A Revolução de 1930 representou a ascensão ao poder político das novas
classes urbanas, que teve como consequência a mudança de postura do Estado
em relação aos conflitos originados da contradição entre capital e trabalho. É
certo que a classe operária teve a sua presença social reconhecida, porém de
forma tutelada pelo poder político. Pode-se, contudo, afirmar que é nesse mo-
mento que começa efetivamente no Brasil a “era dos direitos sociais”, mesmo
antes da universalização dos direitos civis e políticos. Estes se institucionalizam
efetivamente a partir da Constituição de 1988.
De Getúlio Vargas até os dias de hoje os direitos sociais adquirem efetivi-
dade mediante a ação do Estado, que formula e operacionaliza políticas públicas.
A sociedade brasileira inicia efetivamente a construção de um Estado do Bem-
Estar Social. A exceção fica por conta dos dois governos de Fernando Henrique
Cardoso, quando se observa a ausência deliberada do Estado na ampliação dos
direitos sociais.
A opção foi estimular o chamado terceiro setor por meio das Organizações
da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips), que são organizações criadas
pela sociedade civil e reconhecidas como tal pela legislação. Assim, podem esta-
belecer parcerias no sentido de executar ações sociais típicas do poder público,
inclusive receber recursos de empresas privadas, que os descontam do Imposto
de Renda. Vale destacar que até mesmo os governos militares fortaleceram as
políticas públicas, principalmente mediante a consolidação da Previdência So-
cial, da criação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e a criação do
Banco Nacional de Habitação (BNH).
Atualmente constata-se um processo de grande expansão dos direitos
sociais, conforme preconiza a Constituição de 1988 e a edição de vários Estatutos
– por exemplo, Criança e Adolescente, Juventude, Idoso. A presença do Estado
nas áreas da educação, formação profissional, saúde, assistência social, combate
à pobreza, saneamento e mobilidade urbana é a mais expressiva considerando
todos os momentos históricos. Isto se deve a uma clara opção das forças políticas
que governam o país, mas também a uma sociedade civil atuante.

120
EaD
Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

As organizações e movimentos sociais têm se fortalecido nos últimos 50


anos. Contraditoriamente foi no período do Regime Militar que se desenvolve-
ram novos espaços de luta social e democrática, por meio do sindicalismo, dos
movimentos populares e de uma inovadora imprensa alternativa. Certamente
as dificuldades de organização vigentes sob o regime militar tornaram as inicia-
tivas mais sólidas e enraizadas na sociedade. Foram estes movimentos que se
expressaram fortemente nos partidos de oposição, na escolha de parlamentares
combativos e na elaboração da Constituição de 1988, que soube transformar as
demandas sociais em leis e posteriormente em políticas públicas.
O conflito ideológico, entretanto, continua vivo e tende a se acentuar na
medida em que as demandas por políticas públicas aumentam mais rapidamente
do que sua capacidade de financiamento pelo Estado. A sociedade brasileira,
nos últimos 20 anos, se apresenta polarizada entre dois projetos sociopolíticos
distintos: um, de centro esquerda, de forte cunho social – PT/PMDB/PCdoB/
PDT/PSB/PRB/PR – e outro, de centro direita, de tendência liberal, liderado pela
PSDB/DEM/PPS.
Embora o discurso seja aparentemente semelhante trata-se de ideologias
diferentes, que se percebem com mais clareza quando se analisa detalhadamente
os governos exercidos por estes blocos políticos. A possibilidade de uma terceira
via política não logrou êxito eleitoral nesse período. Também cabe ressaltar que a
eleição de um operário (Lula) e de uma mulher (Dilma Roussef) para a Presidência
da República deve ser avaliada como expressão de mudanças ainda em curso na
sociedade brasileira, que – como vimos – historicamente excluiu a classe traba-
lhadora, as mulheres e outros grupos sociais do centro das decisões políticas.
O conflito anteriormente referido pode também ser dito de outra forma:
de um lado, há um conjunto de sujeitos sociais que se expressam de várias for-
mas, partidárias ou não, e conseguem influenciar a formação do poder político,
conferindo-lhe um caráter social; de outro, as organizações empresariais globais,
lideradas pelo setor financeiro e pela grande mídia, que conseguem mobilizar
vultosos recursos materiais e humanos no sentido de criar uma cultura centrada
no individualismo, no mercado e na competição.
Assim, delineia-se o conflito atual: o indivíduo ou a coletividade, o Estado
ou o mercado, o cidadão ou consumidor. Talvez estes conceitos não sejam ab-
solutamente contraditórios, porém até agora ninguém conseguiu produzir uma
alternativa mediada. Com exceção da América Latina, as crises sociais recentes
têm sido solucionadas a partir da lógica do poder e do dinheiro.
Assim sendo, a luta pela efetivação de direitos que tornem a sociedade bra-
sileira mais democrática e igualitária tende a se acentuar. O avanço nas políticas
sociais, capazes de enfrentar as desigualdades históricas, tem encontrado sólidas
resistências nas esferas econômica, social, cultural e política. Este fato indica a
necessidade de reformas estruturais, cuja reivindicação adquiriu consistência
com a formulação do projeto das Reformas de Base, em 1964.

121
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

A Constituição democrática de 1988 incorporou grande parte das rei-


vindicações populares, que em tese asseguraria a efetividade dos direitos civis,
políticos e sociais de forma ampla, geral e irrestrita. Obviamente, os avanços foram
significativos e, como acontece em qualquer processo de mudança, os obstáculos
e as resistências foram aparecendo e formando movimentos de oposição.
De um modo geral pode-se formular a seguinte tese: há um déficit demo-
crático que obstaculiza mudanças mais profundas, déficit este que é alimentado
pelas próprias desigualdades e preconceitos, ainda vistos como “naturais” na
sociedade brasileira. Na verdade, existem visões diferentes sobre a sociedade
brasileira, ou, mais precisamente, sobre o caráter de uma sociedade justa e demo-
crática. De um ponto de vista popular tal sociedade se efetiva com a ampliação
do caráter social do Estado brasileiro, o que só é possível com mais democracia,
pois é na democracia que as classes e movimentos populares consolidam sua
condição de sujeito político.
Por isso é fundamental aprofundar o debate sobre a reforma política. Por
definição uma reforma política trata da reforma do próprio Estado, indo além,
portanto, da reforma do sistema eleitoral que vem sendo discutida na última
década. Considerando que há um grande consenso sobre as virtudes do Estado
republicano, questões como o federalismo, as formas de governo – parlamen-
tarismo ou presidencialismo – e o sistema representativo devem ser objeto de
discussão. Também o debate sobre o poder efetivo de cada cidadão e cidadã nos
espaços públicos estatais permite avaliar os limites da democracia representativa
e as potencialidades da democracia participativa.
Se adequadamente equacionados os problemas que dizem respeito à
ampliação dos direitos políticos outra questão certamente se tornará relevante:
o financiamento das políticas sociais, base e fundamento do Estado social. A
pergunta a ser respondida é: O Estado tem condições de abarcar o conjunto das
demandas sociais e transformá-las em políticas públicas estatais? Ou é possível
construir um Estado social mediante a instituição de políticas sociais por meio
do fortalecimento de espaços públicos não estatais (sociedade civil)?
O debate sobre a reforma política está em curso; a questão é como
transformá-lo em ações políticas efetivas. Certamente este processo passa pelo
fortalecimento dos movimentos e instituições que compõem a sociedade civil.
Há que entender que a sociedade civil construída na modernidade também
está em transformação. Constata-se um relativo enfraquecimento dos sindica-
tos e dos partidos políticos e o surgimento de novas formas de manifestação
e mobilização social, potencializadas pelas tecnologias da informação. Nesse
sentido, cabe uma interrogação: Os meios digitais constituem o novo “príncipe”,
o “príncipe eletrônico?1”

1
“Príncipe eletrônico” é uma metáfora construída pelo sociólogo Octávio Ianni a partir da obra de Maquiavel,
O Príncipe; ela se refere ao dirigente político que ao tempo de Maquiavel era um homem, no século 20
foi o partido político e no século 21 seriam os meios digitais.

122
EaD
Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

Síntese da Unidade 5
Nesta Unidade estudamos o processo de orga-
nização social e política da sociedade brasileira,
enfatizando a formação do Estado nacional, da
participação da sociedade civil e da formulação
de políticas públicas vinculadas à efetivação
dos direitos sociais. Desde a Independência,
momento em que se funda o Estado nacional
brasileiro, forças sociais conservadoras, ligadas à
agroexportação e ao trabalho escravo, impõem
uma forma de Estado oligárquico, ou seja, eli-
tista e autoritário. Obviamente, nesse período,
as forças sociais progressistas, ainda frágeis,
defendem a incorporação ao processo político –
portanto do Estado – das classes populares, sem
êxito. Somente a partir da revolução de 1930 as
classes populares começam a ser reconhecidas,
basicamente como sujeitos de direitos sociais
por meio da instituição da Consolidação das
Leis do Trabalho (CLT). A partir de 1945 inicia-
se, de forma tímida, a construção de um Estado
democrático, processo que se interrompe com
a instauração do Regime Militar, no período de
1964 a 1985. O Estado democrático, resultado das
lutas sociais históricas, intensificadas durante o
Regime Militar, se consolida com a promulgação
da Constituição de 1988. O fortalecimento da
sociedade civil – movimentos e organizações
sociais – é a base de sustentação do Estado de-
mocrático e social. Por isso, no período de 1985
até os dias de hoje, verifica-se um processo de
fortalecimento das instituições democráticas e
da ampliação dos direitos sociais. As mesmas
forças que obstaculizaram o desenvolvimento do
Estado democrático e social ao longo da história,
no entanto, continuam presentes no cenário
político brasileiro.

123
Unidade 6

PROBLEMAS ATUAIS
E DESAFIOS DO FUTURO

OBJETIVOS DESTA UNIDADE


Sistematizar os estudos realizados, identificando os principais proble-
mas atuais, as perspectivas e os desafios para o desenvolvimento da sociedade
brasileira. Com base numa qualificada leitura da realidade é preciso desafiar os
estudantes a projetar o futuro, propor soluções aos problemas identificados,
articular interesses e administrar conflitos no sentido de visualizar um projeto
de desenvolvimento, fundado em princípios éticos de atuação e coerente com
as necessidades e expectativas da população brasileira.

A SEÇÃO DESTA UNIDADE


Seção 6.1 – Diagnóstico e Perspectiva de Desenvolvimento

Seção 6.1
Diagnóstico e Perspectiva de Desenvolvimento
Como vimos, o governo tem papel fundamental na construção do proje-
to de desenvolvimento para o Brasil, mas precisa contar com a participação da
sociedade de uma forma geral. Após a análise de vários fatores sobre o Brasil –
seu processo de construção – podemos retomar alguns desafios apresentados
e analisados nas Unidades, que mostram que o país tem desafios nos setores
econômico, político e social. Muitas perguntas ficam sem resposta, mas é exata-
mente isso que nos torna pesquisadores, atentos ao que está sendo divulgado
nos meios de comunicação. Quais deles são fundamentais?
Nas últimas décadas tivemos vários avanços tecnológicos, principalmente
com a automação, a cibernética, a informática e a robótica, mas isso não atingiu
a todos da mesma forma, pois o processo de exclusão continuou. Ninguém pode
negar, contudo, que a sociedade brasileira evoluiu/mudou muito nas últimas

125
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

décadas. E certamente ninguém quer retroceder no tempo, mas o que precisa-


mos é compreender esse processo, para termos condições de avaliar e planejar
o presente e o futuro.
A inserção do Brasil no mercado mundial foi, ao longo de sua História,
realizado de forma dependente e periférica em relação aos centros hegemônicos.
Hoje se impõe a necessidade de superar essa condição subalterna. O que justifica
essa inserção positiva do país são as potencialidades que temos, como: dimensão
do território, número de habitantes, abundância de recursos naturais, possibili-
dade de produzir os mais diversos produtos. Diante disso temos alguns desafios
a enfrentar. A população de um país não é apenas um número, são pessoas que
precisam ter acesso à educação, à qualificação, à cultura geral, à politização.
Temos aí um potencial em mercado consumidor, mas é necessário via-
bilizar a inclusão social. Outra potencialidade são os recursos naturais, mas pre-
cisamos investir em pesquisa, transformar os produtos in natura, agregar valor.
Quanto emprego a mais nós podemos gerar!
A possibilidade de uma sociedade não se baseia apenas em suas poten-
cialidades naturais, mas na capacidade de gerar conhecimento e novas tecnolo-
gias. Para tanto, o país precisa investir em educação, ciência e tecnologia, pois o
conhecimento é a alavanca do desenvolvimento. A inserção mundial não pode
continuar a ser subalterna; não podemos ser simples consumidores ou mercado
para os produtos que as transnacionais produzem. A abertura não pode significar
a ditadura do mercado.
Dessa forma, torna-se necessário pesquisar algumas temáticas, por exem-
plo: sociodiversidade: multiculturalismo, tolerância, exclusão/inclusão, relações
de gênero, violência, sociedade informacional, matriz energética; família; empre-
go/desemprego, políticas pública. Nesse estudo foi possível identificar o papel
e responsabilidades dos diversos profissionais com o desenvolvimento do seu
país, podendo dessa forma contribuir para seu crescimento intelectual.

Síntese da Unidade 6
Nesta Unidade sistematizamos os estudos reali-
zados durante a disciplina, por meio da pesquisa
de problemas atuais e políticas públicas, em que
os estudantes foram desafiados a fazer uma lei-
tura qualificada da realidade e pensaram ações
para o futuro do país, chamando a atenção para
as suas responsabilidades como profissionais e
cidadãos.

126
Referências

ANDRADE, M. C.; ANDRADE, S. M. A federação brasileira: uma análise geopolítica


e geo-social. São Paulo: Contexto, 1999.
BELATO, Dinarte. Os fundamentos da escravidão negra. In: BELATO, Dinarte; BEDIN,
Gilmar. Brasil 500 anos: a construção de uma nova nação. Ijuí: Ed. Unijuí, 2000.
BERTE, Fabio. As melhores oportunidades de emprego no setor de serviços.
Disponível em: <http://www.cnc.org.br/sites/default/files/arquivos>. Acesso
em: 12 nov. 2013.
BRASIL. Biomas do Brasil, um mundo de biodiversidade. Ministério da Ciência
Tecnologia e Inovação; Universidade de Brasília. Disponível em: <http://www.
biomasdobrasil.com/>. Acesso em: out. 2013.
BRUM, Argemiro J. O Brasil no contexto mundial. 3. ed. Ijuí (RS): Ed. Unijuí, 2006.
BRUM, Argemiro J. O desenvolvimento econômico brasileiro. 28. ed. rev. e atual.
Petrópolis, RJ: Vozes; Ijuí, RS: Ed. Unijuí, 2011.
BRUM, Argemiro J.; TRENNEPOHL, Vera L. Agricultura brasileira: formação, desen-
volvimento e perspectiva. 3. ed. Ijuí: Ed. Unijuí, 2004.
CAMPOS, A. et al. (Orgs.). Atlas da exclusão social: os ricos no Brasil. 2. ed. São
Paulo: Cortez, 2004. V. 3.
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 17. ed. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.
CARVALHO, Joaquim F. O cenário brasileiro em 2006. In: CARVALHO, Joaquim F.
(Org.). O Brasil é viável? São Paulo: Paz e Terra, 2006.
DICIONÁRIO de Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas;
MEC,1987. p. 1.160.
EHLERS, Eduardo. Agricultura sustentável: origens e perspectivas de um novo
paradigma. São Paulo: Livros da Terra, 1996.
FAUSTO, Boris. História do Brasil. 8. ed. São Paulo: Edusp, 2000.
GONÇALVES, Reinaldo. A herança e a ruptura: cem anos de história econômica e
propostas para mudar o Brasil. Rio de Janeiro: Garamond, 2003.
IANNI, Octávio. A ideia de Brasil moderno. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1996.
IPEA. A década inclusiva (2002-2011): desigualdade, pobreza e política de
renda. Disponível em: <www.ipea.gov.br/agencia/imagens/stories/PDFs/
comunidade/120925_comunicado-ipea1/5.5.pdf>.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTIA. IBGE. Censos agropecuários:
banco de dados agregados. Disponível em: <http://www.sidra.ibge.gov.br>.
Acesso em: mar. 2013.

127
EaD
Vera Lúcia Trennepohl (Organizadora)

MARX, K. Contribuição à crítica da economia política. São Paulo: Martins Fontes,


1983.
MERCADANTE, Aloizio. Brasil, a construção retomada. São Paulo: Editora Terceiro
Nome, 2010.
POCHMANN, Marcio. O emprego na globalização: a nova divisão internacional do
trabalho e os caminhos que o Brasil escolheu. São Paulo: Boitempo, 2001.
PRADO JÚNIOR, Caio. História econômica do Brasil. 2. ed. São Paulo: Brasiliense,
1949.
______. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Brasiliense; Publifolha,
2000.
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo:
Companhia das Letras, 2006.
SODRÉ, Nelson W. Síntese de História da cultura brasileira. 20. ed. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2003.
SCHMITT, Rogério. Partidos políticos no Brasil (1945-2000). Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 2000.
SILVA, José Bonifácio de Andrada e. Projetos para o Brasil (Textos reunidos e co-
mentados por Miriam Dolhnikoff ). São Paulo: Publifolha; Companhia das Letras,
2000. 212 p. (Grandes nomes do pensamento brasileiro).
SOUZA, Herbert (Betinho). A fome é exclusão. Revista Istoé, A fome tem que ter,
n. 1.727, 2002.
THOMPSON, E. P. A formação da classe operária. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1987.
VARGAS, Getúlio. Carta-testamento. 1954. Disponível em: <www.rio.rj.gov.br/
memorialgetuliovargas/>. Acesso em: 6 nov. 2013.

SAIBA MAIS
ALBUQUERQUE, Manoel Maurício de. Pequena história da formação social atual.
Petrópolis, RJ: Vozes; Ijuí, RS: Ed. Unijuí, 2011.
BERNARDES, Nilo. Bases geográficas do povoamento do Estado do Rio Grande do
Sul. Ijuí: Ed. Unijuí, 1997. 147p.
BONAVIDES, Paulo. Ciência política. São Paulo: Malheiros, 2000.
EDWARD, José. A salvação da lavoura (entrevista concedida por Norman Ernest
Borlaug). In: Revista Veja, Agronegócio, edição especial, p. 73-75, abr. 2004.
FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil – ensaio de interpretação
sociológica. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.
FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 30. ed. São Paulo: Companhia
Editora Nacional, 1987.
______. O longo amanhecer. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

128
EaD
Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira

IANNI, Octávio. Enigmas da modernidade-mundo. Rio de Janeiro: Civilização


Brasileira, 2000.
KON, Anita. Evolução do setor terciário brasileiro. Disponível em: <http://gvpes-
quisa.fgv.br/sites/gvpesquisa.fgv.br/files/publicacoes/P00158_1.pdf>. Acesso
em: 15 out. 2013.
ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade. São Paulo: Brasiliense, 2005.
RODRIGUEZ, O. Teoria do subdesenvolvimento da Cepal. Rio de Janeiro: Forense-
Universitária, 1981.
SILVA, Enio Waldir. Sociedade, política e cultura. Ijuí, RS: Ed. Unijuí, 2008.
TRENNEPOHL, Vera L. Formação e desenvolvimento brasileiro. 2. ed. Ijuí, RS: Ed.
Unijuí, 2011.
ZARTH, Paulo. História agrária do Planalto Gaúcho 1850-1920. Ijuí: Ed. Unijuí, 1997.
208p. (Coleção Ciências Sociais).

129

Você também pode gostar