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Medcel - Reumatologia PDF
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Osteoartrite
Rodrigo Antônio Brandão Neto / Ana Cristina de Medeiros Ribeiro / Aleksander Snioka
Prokopowistch / Hérica Cristiani Barra de Souza
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REUMATO LOG I A
crose asséptica, doenças neurológicas etc. (Tabela 2). A cartilagem normal tem 2 componentes principais: a
A localização é variável e vai depender de onde ocorre matriz extracelular, rica em colágeno e proteoglicanos; e
o processo inicial que lesiona a cartilagem. os condrócitos, inseridos na matriz. Os componentes da
matriz são responsáveis por suas características de elasti-
Tabela 2 - Doenças associadas à osteoartrite secundária cidade e resistência. Os condrócitos são responsáveis pela
Fatores localizados síntese da matriz extracelular e por sua renovação, através
- Trauma articular; de proteinases, mantendo um equilíbrio entre a formação
- Deformidades articulares preexistentes; e a degradação de matriz. Com o passar dos anos, os com-
ponentes da matriz se alteram: ocorrem irregularidades
- Osteonecrose;
na rede de colágeno, e os proteoglicanos se alteram quali-
- Artrite reumatoide;
tativa e quantitativamente, diminuindo sua capacidade de
- Gota;
reter água. Ocorre rarefação dos condrócitos em alguns
- Condrocalcinose; sítios e hipertrofia em outros, mas eles passam a ser mais
- Artrite séptica; catabólicos, desequilibrando o processo de formação e
- Hemofilia; degradação da matriz. A cartilagem envelhecida contém
- Neuropatia; menos água, condrócitos mal distribuídos e desequilibra-
- Osteocondrite; dos, proteoglicanos alterados e colágeno fissurado, o que
- Doença de Paget. leva a uma matriz menos resistente e menos elástica, mais
Fatores sistêmicos suscetível aos traumas mecânicos, com espessura dimi-
- Hemocromatose; nuída. A cartilagem começa a apresentar microfraturas e,
posteriormente, fissuras verticais, junto ao osso subcon-
- Ocronose;
dral. Fragmentos de cartilagem se descolam e ficam livres
- Hiperparatireoidismo;
no espaço articular e desencadeiam o processo inflama-
- Doença de Wilson;
tório discreto da osteoartrite. Esse descolamento provoca
- Gota; também exposição do osso subcondral, com microcistos.
- Condrocalcinose; Nesses locais de exposição óssea, os osteófitos provocam
- Acromegalia; neoformação óssea subcondral, com esclerose do osso
- Amiloidose; subcondral. A redução do volume e das propriedades da
- Síndrome de hipermobilidade; cartilagem e as suas irregularidades levam a maior atrito
- Doença de Ehlers-Danlos. entre as estruturas, redução do espaço articular e altera-
ção dos vetores normais de força dentro da articulação.
Quanto à localização, a osteoartrite primária pode ser: Com isso, ocorrem áreas de maior pressão sobre o osso
- Periférica: acometendo articulações do esqueleto subcondral, contribuindo para a esclerose subcondral e o
apendicular (membros); crescimento de espículas ósseas, os osteófitos, nas mar-
- Axial: acometendo a coluna vertebral; gens articulares por pressão e por tração, levando à tríade
radiológica da osteoartrite: redução do espaço articular,
- Generalizada: osteoartrite primária acometendo 3 ou esclerose óssea subcondral e formação de osteófitos.
mais sítios, podendo ser todos eles periféricos ou 2 pe-
Somando-se a isso, o envelhecimento provoca frouxidão
riféricos e 1 axial.
ligamentar e capsular, hipotrofia muscular e diminuição
da sensibilidade proprioceptiva articular, que contribuem
Tabela 3 - Classificação da osteoartrite
para a instabilidade articular com a idade.
Quanto à causa:
- Primária ou idiopática: distribuição característica; Tabela 4 - Fatores de risco e processo inicial da osteoartrite
- Secundária: distribuição de acordo com o processo que desen- Fatores de risco Processo inicial Osteoartrite
cadeou a lesão da cartilagem.
- Irregularidades na - Redução de espaço
Quanto à distribuição (osteoartrite primária): - Idade crescente;
rede de colágeno; articular;
- Periférica: articulações do esqueleto apendicular, principal-
mente mãos, quadris, joelhos e pés; - Predisposição - Microfraturas na
- Proteoglicanos;
- Axial: articulações da coluna (cervical e lombar); genética; cartilagem;
- Generalizada: 3 ou mais sítios de acometimento. - Fragmentos
- Excesso de - Desidratação da osteocartilagino-
peso; cartilagem; sos soltos e cistos
4. Fisiopatologia subcondrais;
As características histopatológicas principais da osteoar- - Irregularidade na
- Traumas e ocu-
trite são a perda focal e gradual da cartilagem articular e o distribuição e função - Inflamação leve;
pação;
dos condrócitos;
comprometimento do osso subcondral.
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OSTEOARTRITE
Fatores de risco Processo inicial Osteoartrite Nos membros inferiores, é comum o acometimento dos
- Desequilíbrio entre quadris (coxartrose), joelhos (gonartrose), primeiras meta-
- Deformidades - Esclerose óssea tarsofalangianas e as interfalangianas dos pés. Os joelhos
formação e degrada-
prévias; subcondral; podem apresentar-se aumentados de volume, com discreto
ção da matriz;
- Fatores hormo- - Matriz menos elástica - Formação de oste- aumento de temperatura, edema e alteração de eixo, sendo
REUMATOLOGIA
nais. e menos resistente. ófito. mais comum a acentuação de joelho varo. O comprometi-
mento crônico dos joelhos, com dor e limitação funcional,
leva a hipotrofia muscular dos quadríceps femorais, que aju-
5. Manifestações clínicas dam a instabilizar ainda mais tais articulações. As metatarso-
A osteoartrite pode provocar dor articular, rigidez bem falangianas ficam com aumento de volume, e o hálux comu-
curta (<30 minutos), limitação de movimentos, crepitações, mente se desvia lateralmente (hálux valgo). Classicamente,
ocasionalmente derrame articular e graus variados de infla- são poupadas na OA primária as demais articulações meta-
tarsofalangianas, os tornozelos e o tarso. O acometimento
mação local. É uma doença de caráter crônico e evolução
por OA dessas articulações sugere que seja OA secundária.
lenta, sem comprometimento sistêmico. Na grande maioria
A OA axial se caracteriza pelo acometimento das arti-
dos indivíduos, desenvolve-se de maneira silenciosa.
culações interapofisárias. Os segmentos mais atingidos são
O que leva o paciente com OA ao médico é a dor ou
o cervical e o lombar (maior mobilidade). A dor é também
algum tipo de deformidade. A dor tem características me-
de natureza mecânica, protocinética, com curta rigidez (<30
cânicas, aparece ou se exacerba no início dos movimentos
minutos). Pode haver retificação e perda da lordose cervical
(dor protocinética), melhora levemente após alguma mo- ou lombar ou hiperlordose lombar e perda de amplitude
vimentação, mas volta pior com o uso prolongado da ar- de movimentos, sobretudo com desencadeamento de dor à
ticulação. Nos estágios mais avançados, não é incomum o extensão. Dor muscular paravertebral associada é comum,
paciente ter dor, mesmo quando em repouso, acordando e compressões neurológicas também podem ocorrer.
algumas vezes durante a noite. Apesar da classificação entre OA axial e periférica, é mui-
A rigidez matinal do segmento afetado pode ocorrer, to comum a associação entre ambas e também de osteoar-
porém na OA, diferentemente do que ocorre na doença trite generalizada, em que 3 ou mais grupos articulares são
reumatoide e em outras artrites inflamatórias, é de curta comprometidos, como OA de mãos, joelhos e coluna.
duração, sempre inferior a 30 minutos. Os diferentes graus de perda de função podem ser ava-
Um sinal importante para o diagnóstico é a crepitação, liados pela anamnese e pelo exame físico. O paciente in-
que pode ser fina ou grosseira. É a sensação palpável de forma sobre sua capacidade para realizar atividades diárias,
atrito entre as estruturas articulares, graças à presença de como subir e descer escadas, fazer caminhadas, realizar ta-
irregularidades na superfície da cartilagem e fragmentos refas domésticas, praticar esportes etc. Isso leva a formar
osteocartilaginosos soltos. A crepitação é um achado de uma ideia de suas limitações e serve como parâmetro na
palpação, mas pode chegar a ser audível. evolução do quadro clínico.
Outro achado comum é a deformidade articular. Com a
redução e a irregularidade da cartilagem, ocorrem redução
do espaço articular e crescimento nas bordas da superfície
óssea, com formação de osteófitos. Isso leva ao aumento
do volume articular, com consistência óssea, limitando a
amplitude de movimento e, muitas vezes, provocando des-
vio de eixo articular. A inflamação decorrente do processo
pode provocar aumento discreto da temperatura e derra-
mes (principalmente nos joelhos).
Nos membros superiores, a OA primária costuma acometer
as interfalangianas proximais (IFPs) e distais (IFDs) das mãos, a
articulação trapézio-metacarpo na base do polegar (rizartrose)
e a acromioclavicular. As deformidades das IFPs são descritas
como nódulos de Bouchard, e as das IFDs, como nódulos de
Heberden (Figuras 1 e 2). O acometimento dos dedos pode ini-
ciar-se dedo a dedo, de forma inicialmente assimétrica, mas, à
medida que mais articulações são acometidas, o envolvimento
vai se tornando simétrico. Classicamente, são poupadas na OA
primária as articulações metacarpofalangeanas, os punhos,
cotovelos e ombros (glenoumerais). O acometimento por OA
dessas articulações sugere que seja OA secundária. Figura 1 - Nódulos de Heberden (IFD) e Bouchard (IFP)
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6. Achados radiológicos
O diagnóstico clínico da osteoartrite usualmente é con-
firmado com radiografias das articulações acometidas. O
clássico achado radiológico é a tríade da osteoartrite, que
se constitui de: (1) redução do espaço articular; (2) esclero-
se do osso subcondral e (3) presença de osteófitos (prolife-
ração óssea nas margens articulares) (Figuras 3 e 4).
Tabela 6 - Tríade da osteoartrite
- Espaço articular reduzido;
- Esclerose do osso subcondral;
- Presença de osteófitos.
Figura 3 - Osteoartrite de joelho (gonartrose): redução assimétrica
Diferentemente da artrite reumatoide e de outras ar- do espaço articular, mais evidente no compartimento medial do
trites inflamatórias, o acometimento articular é focal e joelho (à direita), a esclerose subcondral (osso mais branco ao raio
assimétrico dentro de cada articulação. Assim, a redução x) e a presença de osteófitos (espículas ósseas laterais)
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OSTEOARTRITE
REUMATOLOGIA
Figura 4 - Osteoartrite de coxofemoral (coxartrose) avançada: to-
tal perda de espaço articular, a esclerose subcondral com grandes
cistos subcondrais de bordas escleróticas
7. Achados laboratoriais
Os exames laboratoriais de rotina habitualmente são
normais e utilizados para identificar outras condições que
podem estar associadas. Avaliação da hemoglobina, creati-
nina, potássio e transaminases é necessária antes de iniciar
a terapia com AINEs.
As provas de atividade inflamatória (velocidade de he-
mossedimentação – VHS – e Proteína C Reativa – PCR) são
comumente normais. Alguns pacientes com sinais inflama-
tórios mais intensos podem apresentar uma velocidade de
hemossedimentação levemente aumentada, porém nunca
Figura 5 - Articulação do quadril: OA. Setas: esclerose e redução comparável aos valores presentes na artrite reumatoide,
do espaço articular polimialgia reumática, processos infecciosos ou tumorais.
A VHS também pode subir com a idade, mas isso não se
correlaciona com a OA.
Na OA, o teste para a detecção do fator reumatoide é
negativo, porém se deve lembrar que 20% dos indivíduos
idosos saudáveis têm esse teste positivo, o que pode levar à
confusão com o diagnóstico de artrite reumatoide.
A análise do líquido sinovial comumente revela um per-
fil não inflamatório, com viscosidade normal e baixa con-
tagem celular (<2.000 células/mm3). Excepcionalmente,
quando ocorre derrame articular, alguns pacientes podem
apresentar líquido sinovial levemente inflamatório, com pe-
quenos aumentos na celularidade e discreta diminuição da
viscosidade.
8. Diagnóstico
O diagnóstico baseia-se nos achados clínicos e radio-
gráficos. Atenção especial para curso crônico e insidioso,
articulações tipicamente envolvidas com suas deformida-
des clássicas, idade do paciente (>50 anos), dor mecânica
e protocinética, com rigidez matinal curta (<30 minutos),
Figura 6 - Esclerose subcondral (seta) comprometimento assimétrico dentro das articulações en-
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REUMATO LOG I A
volvidas (ao raio x) e provas de atividade inflamatória nor- A - Tratamento não farmacológico
mais. No caso de articulações não classicamente acome-
tidas estarem envolvidas, curso agudo, artrite franca, em Tabela 8 - Tratamento não farmacológico
surtos, dor inflamatória com rigidez matinal prolongada, - Programas educativos: esclarecimento sobre a doença, mo-
idade precoce, comprometimento simétrico dentro de cada tivação ao tratamento, estímulo à prática de atividade física,
articulação e alteração nas provas de atividade inflamató- orientação ao uso de rampas e escadas, orientação quanto à
ria, considerar diagnóstico diferencial (artrite reumatoide, ergonomia no trabalho;
artrites reativas, gota, pseudogota, artrite psoriásica etc.). - Fisioterapia: fortalecimentos muscular, condicionamento físico
e alongamento;
Tabela 7 - Osteoartrite: pistas diagnósticas
- Órteses e equipamentos de auxílio à marcha;
Considerar osteoartrite se:
- Estabilização medial da patela: goteiras elásticas;
- Curso crônico e insidioso;
- Palmilhas antivaro;
- Articulações tipicamente envolvidas com suas deformidades
- Termoterapia e eletroterapia analgésica.
clássicas;
- Idade do paciente (>50 anos);
B - Tratamento farmacológico
- Dor mecânica e protocinética;
- Rigidez matinal curta (<30 minutos); O principal objetivo do tratamento farmacológico na
osteoartrite é o alívio da dor. Existem várias modalidades
- Comprometimento assimétrico dentro da articulação (ao raio x);
terapêuticas, como anti-inflamatórios, analgésicos sistêmi-
- Provas de atividade inflamatória normais.
cos, analgésicos tópicos, infiltrações, antimaláricos e con-
Considerar outro diagnóstico se: droprotetores.
- Curso agudo;
- Articulações não classicamente acometidas; a) Analgésicos sistêmicos:
- Idade precoce (<30 anos); - Não narcóticos: o paracetamol pode ser utilizado
- Artrite franca ou em surtos; como 1ª escolha nos casos de OA leve e moderada. A
dose efetiva é de aproximadamente 4g/dia. Alguns es-
- Dor inflamatória com rigidez matinal prolongada;
tudos defendem que ele seja tão eficaz quanto os Anti-
- Comprometimento simétrico dentro de cada articulação; Inflamatórios Não Hormonais (AINHs), mas outros
- Alteração nas provas de atividade inflamatória. apontam os AINHs como mais eficazes. Entretanto, por
ter menos efeitos cardiovasculares e gastrintestinais,
continua como uma opção de terapia inicial;
- Narcóticos: eventualmente, pode associar-se um opio-
ide (codeína, tramadol) para potencializar a analgesia,
com amplos cuidados para evitar abuso, dependência
química e efeitos colaterais. Seu uso está reservado a
pessoas com osteoartrite com dor intensa refratária
a analgesia simples, AINHs e medidas não farmacoló-
gicas, geralmente em quadros de OA de grandes arti-
culações de membros inferiores que sustentam carga
(joelhos, quadris, tornozelos). Deve-se preferir uso de
demanda, ou seja, quando o paciente tem um quadro
mais forte de dor ou vai fazer uma atividade que comu-
mente desencadeia dor. Casos com indicação cirúrgica,
inelegíveis para cirurgia por algum motivo podem re-
querer acompanhamento multidisciplinar para a dor.
Figura 8 - Diagnóstico diferencial entre OA (osteoartrose) e AR
(Artrite Reumatoide) de acordo com as principais articulações aco- b) AINHs: serão indicados quando houver dor de mo-
metidas. Fonte: Livro ABC of Rheumatology, 4ª edição, 2010
derada a grave, refratária a analgesia simples, associada a
quadro inflamatório mais exuberante e nas eventuais crises
de agudização. Os AINHs agem com inibidores da cicloxige-
9. Tratamento nase (COX), que tem 2 isoformas: COX-1 e COX-2. A COX-1
A abordagem terapêutica da osteoartrite deve ser in- é constitutiva e importante na síntese de prostaglandinas
dividualizada, priorizando os seguintes pontos: diminuição responsáveis pela proteção antiácida da mucosa gástrica.
da dor e do grau de inflamação e retardo da progressão da A COX-2 é a mais importante na síntese de prostaglandi-
degradação articular. nas que causam dor e inflamação. Há 2 tipos de AINHs: os
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OSTEOARTRITE
não seletivos (diclofenaco, nimesulida, meloxicam etc.), culopatia por cloroquina é reversível se diagnosticada pre-
que agem sobre as 2 formas, tendo um maior risco de san- cocemente pelos exames periódicos. Pode ocorrer também
gramento/perfuração gastrintestinal (por úlceras gástricas depósito na pele de coloração acinzentada. A hidroxiclo-
e duodenais), e os seletivos de COX2 (celecoxibe), usados roquina tem menos efeitos de depósito que o difosfato de
preferencialmente na presença de fatores de risco para cloroquina.
REUMATOLOGIA
eventos adversos no trato gastrintestinal (Tabela 9). Não há
e) Sulfatos de glicosamina e condroitina: não se conhe-
superioridade de um tipo sobre o outro nem efeito aditivo,
ce o mecanismo exato de ação dessas drogas, usadas por
e não se deve utilizar a combinação de AINHs. A resposta
do paciente é individualizada, e, na falha a 1 ou mais AINHs, via oral. Podem ser usadas em associação. Os estudos que
outro pode ser tentado, independente da classe. Pode ser comprovam sua eficácia são, em sua maioria, patrocinados
usado concomitantemente com paracetamol, com efeito pelas companhias farmacêuticas. No entanto, uma meta-
sinérgico. Independente do tipo de AINH, deve-se iniciar o -análise evidenciou melhora da dor, mas sugeriu que pode
tratamento com a menor dose terapêutica possível e au- haver viés nos estudos. Outros estudos sugerem que ape-
mentar de acordo com a resposta terapêutica ou surgimen- nas a glicosamina seria suficiente para trazer os benefícios
to de efeitos colaterais. Os principais efeitos colaterais a se- terapêuticos, que seriam discretos. Recomenda-se a glico-
rem monitorizados são hipertensão arterial, piora da função samina, associada ou não à condroitina, principalmente em
renal, retenção hídrica, hipercalemia (podem ocorrer com pacientes com osteoartrite de joelhos moderada a grave.
todos os tipos), sangramento (que pode ser assintomático) A dose usual de glicosamina é de 1.500mg/dia, e a de con-
ou algia gastrintestinal. Certos AINHs seletivos de COX2 fo-
droitina, 1.200mg/dia.
ram apontados como responsáveis por aumentar o risco de
eventos cardiovasculares maiores, mas esse risco pode ser f) Agentes tópicos:
inerente a todos o AINHs. Os AINHs não seletivos devem - Analgesia local: AINHs tópicos em forma de gel ou
ter seu uso associado aos inibidores da bomba de prótons, capsaicina, um agente à base de pimenta que age pela
principalmente em indivíduos idosos, em tratamento pro- inibição da substância P, podem ser usados para anal-
longado e com maior risco de sangramento digestivo (uso gesia local em casos de osteoartrite de joelhos e mãos,
concomitante de anticoagulantes orais e história de úlce-
2 a 4 vezes ao dia.
ra gastrintestinal). Pacientes com hipertensão arterial mal
controlada e insuficiência renal não devem fazer uso de - Infiltrações intra-articulares:
AINHs continuamente. Evitar dose máxima e uso crônico e • Corticosteroides: podem ser muito úteis quando
sugerir uso de demanda. bem indicados, ou seja, nos com componente infla-
matório associado ou com derrame articular, para
Tabela 9 - Fatores de risco para efeitos adversos em trato gastrin-
testinal alto alívio da dor. O alívio pode durar alguns dias ou se
estender por meses. A infiltração com corticosteroi-
- Idade ≥65 anos;
des não deve ser repetida mais de 3 vezes por ano e
- Outras condições médicas;
deve ser considerada terapia adjuvante;
- Glicocorticoides orais;
• Ácido hialurônico: a infiltração com ácido hialurôni-
- História de úlcera péptica;
co é conhecida como viscossuplementação. Parece
- História de sangramento gastrintestinal;
ter melhor efeito em quadros de osteoartrite de jo-
- Anticoagulantes.
elho em estágios iniciais. É aplicado semanalmente
Fonte: Consenso Brasileiro para o Tratamento da Osteoartrite.
por 3 a 5 vezes.
c) Diacereína: indicada principalmente para osteoartrite
de mãos e joelhos, essa droga age inibindo a IL-1. Seu uso
C - Tratamento cirúrgico
deve ser contínuo e de demanda. Pode ser usada na dose Pacientes com prejuízo da vida diária e falha do trata-
de 50 a 100mg/dia. A resposta clínica é variável, mostrando mento conservador devem ser encaminhados ao ortope-
pacientes com ótima resposta e outros sem melhora apre- dista para avaliação. Podem ser realizados ostomias, des-
ciável. Um efeito colateral comum é a diarreia. bridamentos artroscópicos, artroplastias e artrodeses. A
d) Antimaláricos (hidroxicloroquina e difosfato de clo-
artroplastia total é muito efetiva para paciente com dor
roquina): são utilizados principalmente nos casos de OA
intensa e osteoartrite avançada de quadril ou joelho, mas
erosiva de mãos. As doses usuais são de 400mg/dia para
a hidroxicloroquina e 250mg/dia para o difosfato de cloro- não é tão indicada para outras articulações. O sucesso do
quina. Os pacientes devem ser orientados a fazer exame de tratamento cirúrgico depende não só do procedimento e
fundo de olho periódico (a cada 6 a 12 meses) com oftal- da técnica escolhida, mas também da prevenção de com-
mologista devido aos efeitos colaterais visuais decorrentes plicações e de tratamento fisioterápico adequado antes e
da deposição dessas drogas na retina. Geralmente, a ma- depois da cirurgia.
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REUMATO LOG I A
10. Resumo
Quadro-resumo
Osteoartrite
- Redução de espaço articular;
- Microfraturas na cartilagem;
- Fragmentos osteocartilaginosos soltos e cistos subcondrais;
- Inflamação leve;
- Esclerose óssea subcondral;
- Formação de osteófitos.
Fatores de risco
Figura 9 - Artroplastia de quadril - Idade crescente;
- Predisposição genética;
- Excesso de peso;
- Traumas e ocupação;
- Deformidades prévias;
- Fatores hormonais.
Processo inicial
- Irregularidades na rede de colágeno;
- Proteoglicanos;
- Desidratação da cartilagem;
- Irregularidade na distribuição e função dos condrócitos;
- Desequilíbrio entre formação e degradação da matriz;
- Matriz menos elástica e menos resistente.
Diagnóstico
- Clínico e radiográfico.
Tratamento
Figura 10 - Artroplastia de joelho
- Não farmacológico;
- Farmacológico: analgésicos, AINHs, diacereína, glicosamina/
Tabela 10 - Opções terapêuticas para a osteoartrite condroitina, antimaláricos;
- Educação do paciente; - Agentes tópicos;
Tratamento - Perda de peso: osteoartrite de joelhos;
- Infiltrações intra-articulares.
não farma- - Condicionamento aeróbico;
cológico - Fisioterapia individualizada; Núcleo Opções
- Terapia ocupacional. - Educação/acesso à informação; - Anti-inflamtório tópico/oral;
- Opioides;
- Analgésicos sistêmicos: não narcóticos e narcó- - Exercício de fortalecimento muscular;
- Treinamento aeróbico; - Costicosteroide;
ticos; - Perda ponderal; - Hialuronato;
- Redução de eventos mecânicos; - Dispositivos de assistência a marchar;
- Anti-Inflamatórios Não Hormonais (AINHs): não - Paracetamol. - Acupuntura;
seletivos e seletivos de COX2; - Termoterapia;
Tratamento - Eletroterapia;
- Diacereína; - Infiltrações;
farmacoló- - Cirurgia.
- Antimaláricos;
gico
- Sulfatos de glicosamina e condroitina;
- Agentes tópicos: analgesia local e infiltrações
intra-articulares com corticosteroides ou ácido
hialurônico.
- Artroplastias;
Tratamento - Ostomias;
cirúrgico - Debridamentos artroscópicos;
- Artrodeses.
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CAPÍTULO
2
Artrite reumatoide
Rodrigo Antônio Brandão Neto / Ana Cristina de Medeiros Ribeiro /
Aleksander Snioka Prokopowistch / Hérica Cristiani Barra de Souza
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REUMATO LOG I A
chegam linfócitos e neutrófilos pelo sangue. Na AR, linfó- Tabela 1 - Principais citocinas envolvidas na patogênese da AR
citos T autorreativos chegam à articulação e produzem Citocina Fonte Ação
interferon-gama, que estimulam fibroblastos e macrófagos Ativação de células infla-
a produzir diversas citocinas pró-inflamatórias, como inter- Fator de necrose matórias, endoteliais e
leucina 1(IL-1), fator de necrose tumoral-alfa (TNF-alfa), in- Linfócitos, macró-
tumoral-alfa (TNF- apresentadoras de antíge-
fagos.
terleucina 6 (IL-6), prostaglandina E2 e metaloproteinases. -alfa). nos, aumento da toxicida-
A IL-1 e o TNF-alfa podem estimular sua própria produção e de de linfócitos.
autoperpetuar o processo. Como resultado desse processo Coestimulação de linfóci-
inflamatório, há congestão, edema, exsudação e hiperplasia tos, ativação de fagócitos,
Interleucina 1 Linfócitos, macró-
das células sinoviais. expressão de moléculas de
(IL-1). fagos, endotélio.
A produção local de citocinas parece responder por mui- adesão, produção de pros-
tas das manifestações clínicas da AR. O TNF-alfa, a IL-1 e taglandinas.
a IL-6 induzem direta e indiretamente respostas em vários Proliferação de linfócitos T,
Linfócitos T,
tipos celulares (Tabela 1). A IL-1 e o TNF-alfa estimulam fi- Interleucina 6 diferenciação de linfócitos
macrófagos,
broblastos e condrócitos locais a produzir enzimas proteo- (IL-6). B e síntese de proteínas de
endotélio.
líticas (colagenase e metaloproteinases), inibem a síntese fase aguda.
de novas moléculas da matriz e estimulam osteoclastos, Ativação de células infla-
promovendo desmineralização óssea por reabsorção. Com Interferon-gama. Linfócitos T. matórias, endoteliais e
a progressão da lesão, a sinóvia se espessa e avança para epiteliais.
o espaço articular através de projeções vilosas e invade
a cartilagem e o osso, constituindo o pannus (Figura 1), 5. Manifestações clínicas articulares
também composto por fibroblastos, pequenos vasos san-
Tabela 2 - Característica da doença articular na artrite reumatoide
guíneos e um número variável de células mononucleares.
Além disso, formam-se estruturas semelhantes a centros - Poliarticular;
germinativos de tecidos linfoides secundários, com plasmó- - Artrite em mãos e punhos – punhos, MCFs e IFPs;
citos produzindo imunoglobulina policlonal, inclusive Fator - Raro acometer IFDs – diferente de osteoartrite e artrite psori-
Reumatoide (FR). Os complexos imunes formados entram ática;
na circulação e levam a várias manifestações da doença, - Artrite cumulativa ou aditiva;
como a vasculite sistêmica. A IL-1, o TNF-alfa e a interleuci- - Rigidez matinal >1h.
na 6 (IL-6) são responsáveis por muitas das manifestações
sistêmicas da AR, como mal-estar, febre, emagrecimento e Caracteristicamente, a AR é uma doença crônica e pro-
fadiga. A IL-6 é responsável pelo aumento das proteínas de gressiva, classicamente com início insidioso, acompanha-
fase aguda (VHS/PCR). da de sintomas constitucionais inespecíficos como fadiga,
anorexia, fraqueza generalizada, perda de peso e febre
baixa. Inicialmente, os sintomas musculoesqueléticos são
vagos até o aparecimento da sinovite. Esse quadro prodrô-
mico pode persistir durante semanas ou meses e dificultar
o diagnóstico. Os sintomas específicos normalmente sur-
gem gradualmente em várias articulações, especialmente
mãos, punhos, joelhos e pés, de forma simétrica: artralgia
inflamatória, que é pior após longos períodos de repou-
so, com melhora ao movimento, edema e espessamento
articular, além de rigidez matinal prolongada (mais de 1
hora de duração). A rigidez matinal por mais de 1 hora de
duração é uma característica quase invariável de artrite
inflamatória e pode ser útil na distinção de outras pato-
logias não inflamatórias. Esse quadro típico ocorre em
cerca de 2/3 dos pacientes. Em cerca de 10% dos casos,
o quadro clínico inicial é mais agressivo, com o surgimen-
to rápido de poliartrite, comumente acompanhada por
sintomas constitucionais. Em aproximadamente 30% dos
pacientes, os sintomas podem ser limitados inicialmente
a 1 ou algumas articulações. O padrão simétrico é o mais
frequente, embora o padrão de envolvimento articular
Figura 1 - Pannus possa permanecer assimétrico em alguns pacientes. O pa-
10
A R T R I T E R E U M AT O I D E
drão clássico de acometimento articular na AR é o envol- Joelhos, quadris e ombros também podem ser aco-
vimento de grandes e pequenas articulações de membros metidos. O comprometimento costuma ser simétrico e
inferiores e superiores, de forma simétrica, acometendo afetar cada articulação como um todo, em toda a su-
caracteristicamente pequenas articulações das mãos, as perfície articular. Nos joelhos, isso ajuda a diferenciar
metatarsofalangianas (MTFs), punhos, joelhos, cotovelos, a AR (em que os compartimentos medial e lateral são
REUMATOLOGIA
tornozelos, quadris e ombros, geralmente nessa ordem igual e gravemente acometidos) da osteoartrite (em que
de aparecimento (pequenas para grandes). O tratamento preferencialmente 1 dos compartimentos é atingido). O
instituído precocemente pode limitar o número de articu- joelho desenvolve hipertrofia sinovial, derrame articular
lações acometidas. crônico e frouxidão ligamentar. Herniação posterior da
As mãos são o principal local de acometimento na membrana sinovial através da cápsula articular forma um
grande maioria dos pacientes. Esse acometimento é mais cisto poplíteo (cisto de Baker), que pode levar a sensa-
habitual em punhos, articulações metacarpofalangianas ção de plenitude, dor e compressão de estruturas poplí-
(MCFs) e interfalangianas proximais (IFPs). As interfalangia- teas. Seu rompimento provoca inflamação, com edema e
nas distais (IFDs) geralmente são poupadas, o que ajuda a muita dor na perna, podendo simular tromboflebite ou
distinguir a AR da osteoartrite e da artrite psoriásica, em trombose venosa profunda. O diagnóstico diferencial é
que as IFDs podem ser acometidas. A dor e o edema nessas feito pelo ultrassom Doppler da região, que afasta trom-
articulações causam limitação funcional, com menor uso bose venosa e mostra o cisto roto com grande edema de
das mãos, levando à atrofia de músculos interósseos e ao partes moles.
achado clássico de alargamento de punhos com atrofia de Virtualmente, qualquer articulação sinovial pode ser
interósseos. O envolvimento das MCFs pode provocar dor atingida, como as articulações temporomandibulares
e edema difuso nessas articulações, mas quadros mais ini- (ATM), esternoclaviculares e cricoaritenoides, que podem
ciais podem ser percebidos apenas pela compressão latero- ser acometidas menos frequentemente, sobretudo em
lateral (teste de squeeze) da 2ª à 5ª MCFs, desencadeando casos de doença de longa duração. O envolvimento das
dor. Anéis que não passam pelas IFPs são uma queixa fre- cricoaritenoides pode provocar sensação de plenitude na
quente pelo edema. garganta, rouquidão ou até obstrução respiratória extrato-
À medida que a doença evolui, as articulações sofrem rácica.
desvios característicos, como o desvio ulnar das MCFs e o
Na coluna, o acometimento geralmente é cervical alto e,
desvio radial e posteriormente volar do punho. Nos quiro-
na maioria dos casos, assintomático, diferente das espondi-
dáctilos, podem ocorrer ainda deformidades “em pescoço
loartrites, que podem acometer toda a coluna, com dor es-
de cisne” (swan neck), com hiperextensão da IFP e flexão da
pinhal inflamatória (sobretudo lombar). Em pacientes com
IFD (Figura 3), dedos “em botoeira” (Figura 6) (boutonnière)
doença de longa duração, pode ocorrer subluxação atlanto-
por hiperextensão da MCF e flexão da IFP, e polegar “em
axial (desvio entre a 1ª e a 2ª vértebras cervicais), que pode
Z”, pela subluxação da 1ª MCF e IF (Figura 3). Inicialmente,
levar a compressão medular, com dor, parestesias e perda
a articulação pode estar desviada reversivelmente, apenas
de força nos membros, até tetraplegia.
pela subluxação articular (articulação de Jaccoud), mas a
invasão do pannus costuma provocar limitações e desvios Dor e disfunção também podem ser causadas por com-
articulares fixos. pressão de nervos periféricos em áreas de sinovite. O local
O acometimento dos cotovelos, com sinovite dessa ar- mais comum é o punho, desenvolvendo síndrome do túnel
ticulação, pode ser precoce e levar à contratura em flexão do carpo (compressão do nervo mediano), com pareste-
dos cotovelos. sias na face palmar das mãos, poupando o lado medial do
Nos pés, as articulações mais acometidas são as MTFs. 4ª e o 5ª quirodáctilos, mas pode ocorrer compressão do
A avaliação de edema nesse local é difícil, mas o teste de nervo ulnar (síndrome do canal de Guyon) e do túnel do
squeeze (compressão laterolateral conjunta de todas as tarso.
MTFs) ajuda muito ao desencadear dor. A progressão do Tenossinovites, com inflamação dos tendões e suas
acometimento dessas articulações pode provocar sublu- bainhas sinoviais são comuns também nas mãos, principal-
xação plantar das cabeças dos metatarsos, alargamento do mente no dorso, e podem ser um achado inicial. A persis-
antepé, hálux valgo, desvio lateral e subluxação dorsal dos tência da inflamação pode levar a roturas de tendões com
dedos do pé. Isso é causa de grande incômodo por provocar grande perda funcional.
úlceras plantares nos pés e dorsais nos dedos encurvados. Cistos sinoviais podem ocorrer perto de qualquer arti-
Artrite de tornozelos e de articulações subtalares também culação acometida, por herniação da membrana sinovial
pode ocorrer e produzir dor intensa ao deambular. A ever- através da cápsula articular sob pressão de líquido sinovial
são de tornozelos por fraqueza de tibiais posteriores é co- e deformidades que alteram os vetores articulares, como
mum. E as erosões radiográficas são vistas mais precoce- acontece principalmente no dorso dos punhos e mãos e, no
mente nos pés que nas mãos. joelho, no caso do cisto de Baker.
11
REUMATO LOG I A
Figura 4 - Mão reumatoide: observar atrofia de musculatura inte- Figura 7 - Nódulos reumatoides em superfície extensora proximal
róssea, presença de cisto sinovial em dorso de mão direita, dorso do antebraço
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A R T R I T E R E U M AT O I D E
REUMATOLOGIA
classe II DRB1 e com nódulos reumatoides.
- Acometimento simétrico de grandes e pe- Nódulos reumatoides ocorrem em 30% das pessoas com
quenas articulações de membros inferiores
AR e são encontrados em estruturas periarticulares, em su-
e superiores;
Características perfícies extensoras ou outras áreas expostas à pressão me-
gerais - Artralgia inflamatória;
cânica. Também podem ocorrer em outras regiões, como
- Edema e espessamento articular (artrite); coração, pulmões, pleura, olhos e meninges. Locais comuns
- Rigidez matinal prolongada (>1h); incluem a bursa do olécrano, a face extensora proximal do
- 10% dos casos: quadro mais agressivo (surgi- antebraço, o tendão de Aquiles e o occípito. Variam em ta-
mento rápido de poliartrite); manho e consistência, são raramente sintomáticos, poden-
- 30% dos casos: sintomas limitados inicial- do infectar após trauma local, e ocorrem quase exclusiva-
mente a 1 ou algumas articulações. mente em pacientes com FR positivo. A avaliação do nódulo
Membros superiores em início de formação sugere que o processo inicial possa
Articulações mais frequentemente acometi- ser uma vasculite focal. O uso de metotrexato pode aumen-
das e achados de clínica ou exame físico: tar ou acelerar o desenvolvimento de nódulos reumatoides,
- Punhos (alargamento de punhos, desvio ra- provocando a síndrome de hipernodulose, que pode ocor-
dial e volar do punho); rer independentemente do bom controle articular.
- Articulações metacarpofalangianas: edema,
dor à compressão laterolateral (teste de
squeeze), desvio ulnar, polegar “em Z”, atro-
fia de interósseos;
- Interfalangianas proximais: edema, desvios
fixos (dedos “em botoeira”, deformidade “em
pescoço de cisne” e polegar “em Z”), defor-
midades não fixas (articulação de Jaccoud);
Acometimento - Cotovelos (edema e contratura em flexão dos
de articulações cotovelos);
periféricas - Ombros.
Membros inferiores
Articulações mais acometidas:
- Metatarsofalangianas (teste de squeeze desen-
cadeia dor; deformidades: subluxação plantar
das cabeças dos metatarsos, alargamento do
antepé, hálux valgo, desvio lateral e subluxação
dorsal dos dedos do pé, úlceras plantares nos
pés e dorsais nos dedos encurvados);
- Tornozelos e articulações subtalares (eversão
de tornozelos);
- Joelhos (derrame articular crônico, frouxidão
ligamentar, cisto de Baker);
- Quadris também podem ser acometidos. Figura 8 - Nódulos reumatoides e seus sítios comuns
- Artrite de temporomandibulares (ATM), ester-
noclaviculares e cricoaritenoides;
A vasculite reumatoide pode afetar qualquer órgão, sen-
- Acometimento cervical alto (subluxação atlan- do comumente vista em pacientes com AR grave e títulos
toaxial, que pode levar a compressão medu- elevados de FR. Pode ser de pequenos vasos, tipo leucoci-
lar);
Outras formas toclástica, ou de médio calibre. As formas mais agressivas
- Compressão de nervos periféricos em áreas de se manifestam como polineuropatia, mononeurite múlti-
de acometi-
sinovite (síndrome do túnel do carpo e do túnel
mento pla, úlceras cutâneas (Figura 9), necrose dérmica, gangre-
do tarso, compressão do nervo ulnar);
na digital (Figura 10) e infarto visceral (isquemias miocár-
- Tenossinovites (podem provocar roturas de dica, pulmonar, intestinal, hepática, esplênica, pancreática
tendões);
e testicular, que são raras). As formas mais frequentes de
- Cistos sinoviais (dorso dos punhos e mãos e no apresentação são pequenas manchas acastanhadas ungue-
joelho).
ais e periungueais e nas polpas digitais das mãos, além de
13
REUMATO LOG I A
Figura 10 - Vasculite de polpa digital evoluindo para gangrena Figura 12 - Nódulos pulmonares em paciente com artrite reumatoide
14
A R T R I T E R E U M AT O I D E
As manifestações cardíacas são comumente assinto- nes circulantes estão habitualmente presentes, e pode ser
máticas. A pericardite pode acometer mais de 50% dos pa- encontrado o consumo de complemento. Um aumento na
cientes, geralmente sem clínica. O líquido apresenta baixa incidência de linfoma não Hodgkin tem sido descrito nes-
concentração de glicose e baixo pH, sendo habitualmente te grupo de pacientes. Um grupo de pacientes pode apre-
associado a derrame pleural. Muito raramente, ocorrem sentar síndrome dos grandes linfócitos granulares (Large
REUMATOLOGIA
tamponamento cardíaco e pericardite constritiva. Nódulos Granular Lymphocyte – LGL), em que a neutropenia se asso-
reumatoides podem acometer miocárdio, sistema de con- cia à presença de grandes linfócitos granulares, que podem
dução (com bloqueios) e valvas cardíacas. Aortite envolven- ser confundidos ao hemograma com monocitose. Acredita-
do segmentos da aorta tem sido descrita associada à insu- se que essa síndrome seja uma leucemia de células T, mas
ficiência aórtica, dilatação e ruptura de aneurisma. Apesar com bom prognóstico no contexto da AR.
de manifestações diretamente relacionadas à AR não serem
Tabela 4 - Outras manifestações da AR
clinicamente comuns, a doença vascular, principalmente
doença coronariana, é responsável por grande morbimor- Hematológicas
talidade nesse grupo de pacientes, devendo ser diagnosti- - Anemia;
cada e tratada precoce e adequadamente. - Neutrofilia;
As manifestações renais e doença glomerular são extre- - Trombocitose;
mamente raras na AR. Proteinúria pode se desenvolver se- - Síndrome Felty.
cundária ao uso de medicamentos ou por amiloidose. Neurológicas
Quanto às manifestações neurológicas, a AR tende a
- Síndrome do túnel do carpo;
poupar o SNC. No entanto, pode haver mononeurite múl-
- Mononeurite multiplex;
tipla por vasculite, compressão de nervos periféricos como
o nervo mediano (síndrome do túnel do carpo) por sinovite - Neuropatias periféricas.
ou deformidades e acometimento de raízes ou compressão Pulmonares
medular devido à instabilidade da coluna cervical. - Efusões pleurais;
O acometimento ocular é comum. A manifestação mais - Doença pulmonar intersticial;
frequente é a ceratoconjuntivite seca (síndrome de Sjögren - Bronquiolite obliterante.
secundária), observada em cerca de 15% dos pacientes. Cardíacas
Ocasionalmente, ocorrem uveíte e mesmo episclerite, que
- Pericardite;
eventualmente perfura a esclera (escleromalácia perfuran-
te – Figura 13). - Vasculite coronariana (rara).
Cutâneas
- Nódulo reumatoide;
- Vasculite periférica;
- Úlceras em pernas;
- Alopecia.
Oculares
- Xeroftalmia;
- Esclerite;
- Episclerite.
Outras
- Boca seca;
- Osteoporose;
- Perda de massa muscular.
Figura 13 - Escleromalácia perfurante em paciente com AR
15
REUMATO LOG I A
16
A R T R I T E R E U M AT O I D E
REUMATOLOGIA
síndrome de Felty. Eosinofilia pode refletir doença sistêmica correlacionam com atividade de doença;
grave. Outros achados
- Leucopenia remete ao diagnóstico da síndro-
A velocidade de hemossedimentação (VHS) é aumenta- me de Felty ou toxicidade medicamentosa;
da em quase todos os pacientes com AR ativa. A proteína - Eosinofilia pode refletir doença sistêmica
de fase aguda PCR (Proteína C Reativa) também fica acen- grave;
tuadamente elevada, geralmente correlacionada com ativi- - VHS e PCR ficam elevadas durante atividade
dade da doença e a probabilidade de lesão articular pro- da doença.
gressiva.
O complemento (CH100, C3 e C4) costuma estar eleva- 8. Avaliação radiológica
do, exceto nos casos de vasculite, em que se encontra con-
sumido, com presença de imunocomplexos circulantes. Nenhum exame radiográfico é patognomônico de AR. O
A análise do líquido sinovial confirma a presença de ar- raio x convencional é o método mais utilizado na avaliação
trite inflamatória, porém não é um resultado específico. O por imagem do dano estrutural articular na AR. Os sinais
líquido é normalmente turvo, com viscosidade reduzida, radiográficos mais precoces são o edema de partes moles, a
proteínas aumentadas e redução discreta da glicose em osteopenia justa-articular (critério radiográfico da doença)
relação à glicemia sérica. A contagem de leucócitos varia e os cistos subcondrais em articulações classicamente en-
entre 5 e 50.000 células/mL, com predomínio de polimorfo- volvidas na AR. A perda de cartilagem articular (redução do
nucleares. Uma contagem acima de 2.000 células/mL com espaço articular) e erosões ósseas (outro critério radiográfico
mais de 75% de polimorfonucleares é altamente caracterís- da doença) se desenvolvem depois de meses de atividade
tica de artrite inflamatória, embora não diagnóstica de AR. contínua. As erosões acontecem como soluções de conti-
nuidade na superfície articular e devem ser pesquisadas nas
Tabela 6 - Principais achados laboratoriais da AR articulações tradicionalmente acometidas das mãos e dos
- É uma imunoglobulina M contra a fração Fc pés. As alterações radiológicas nos pés costumam ser mais
da imunoglobulina G; precoces que as das mãos. Com a evolução da doença, ocor-
- Achado em mais de 85% dos pacientes com re artrose secundária, com perda acentuada e simétrica do
a doença estabelecida e em 40 a 50% de pa- espaço articular e intensa esclerose subcondral. Os desvios
cientes com AR inicial; ósseos e as subluxações ficam aparentes, e pode haver gran-
- Não é específico (pode ocorrer em pessoas de destruição óssea subcondral (Figuras 14, 15 e 16).
saudáveis, após vacinação ou transfusão, A ultrassonografia e a ressonância magnética possuem
em parentes de indivíduos com AR) e outras maior sensibilidade na detecção do dano estrutural arti-
doenças: LES, síndrome de Sjögren, hepa- cular, porém fatores econômicos ainda hoje limitam o uso
Fator topatia crônica, sarcoidose, fibrose pulmo- desses métodos na prática clínica.
Reumatoide (FR) nar intersticial, mononucleose infecciosa,
hepatite B, tuberculose, hanseníase, sífilis,
endocardite bacteriana subaguda, leishma-
niose visceral, esquistossomose, malária e
crioglobulinemia;
- Não estabelece o diagnóstico de AR: tem
baixo valor preditivo positivo;
- Valor prognóstico: doença articular mais
grave e progressiva, manifestações extra-
-articulares, como nódulos ou vasculite.
- Apresentam sensibilidade de 65 a 80% e es-
pecificidade de 95%;
Anticorpos - Custo elevado;
contra - Principal indicação: esclarecer quadros su-
peptídio citru- gestivos de AR inicial, ainda sem erosão ou
linado cíclico doença estabelecida. Nenhum exame labo- Figura 14 - Joelho em portador de artrite reumatoide: observar a
(anti-CCP) ratorial é patognomônico de AR; redução acentuada do espaço articular, de forma simétrica (envol-
- Valor prognóstico: associação a gravidade e vendo os 2 compartimentos), com muita esclerose subcondral e
manifestações extra-articulares da doença. irregularidades na superfície da articulação
17
REUMATO LOG I A
A avaliação radiológica permite determinar a extensão a doença apresenta as características típicas em 1 a 2 anos
da destruição de cartilagens e da erosão óssea produzida após seu início. O quadro típico de poliartrite inflamatória
pela doença (particularmente, quando se tenta estimar a simétrica que envolve pequenas e grandes articulações em
agressividade da doença), monitorar o impacto da terapia extremidades superiores e inferiores é sugestivo do diagnós-
com drogas modificadoras da doença e definir o momen-
tico. Características constitucionais indicativas da natureza
to da intervenção cirúrgica. Outras avaliações, como a ul-
trassonografia e a RNM, são capazes de detectar alterações inflamatória da doença, como rigidez matinal, reafirmam a
mais precocemente que a radiografia e podem ser indica- suspeita. Nódulos subcutâneos são achados diagnósticos
das em casos iniciais da AR, em que há dúvida diagnóstica, importantes. Associados a esses fatores, a presença do FR e
sobre a agressividade da doença e a necessidade de pro- os achados radiológicos de desmineralização justa-articular
gressão terapêutica ou sobre atividade residual de doença e erosões ósseas sugerem fortemente o diagnóstico.
em paciente em remissão clínica em que se planeja reduzir O diagnóstico precoce é mais difícil quando somente
o esquema terapêutico. sintomas constitucionais, artralgias intermitentes ou artrite
com distribuição assimétrica e oligoarticular estão presen-
tes. Em casos iniciais, se erosão e com dúvida diagnóstica, a
dosagem do anti-CCP tem valor diagnóstico. O achado iso-
lado de um teste positivo para FR ou VHS elevado, especial-
mente em idosos com artralgia, não deve ser usado como
evidência de AR.
Os critérios de 1987, do Colégio Americano de
Reumatologia (Tabela 7), demonstram uma sensibilidade
de 91 a 94% e uma especificidade de 89% quando usados
para diferenciar os pacientes portadores de AR de outras
doenças reumáticas. Porém, a ausência desses critérios,
Figura 15 - Mão reumatoide: desvio ulnar das MCFs direitas, redu- principalmente no início da doença, não exclui o diagnósti-
ção dos espaços articulares em punhos, MCFs e IFPs, subluxação co, e são necessários 4 de 7 critérios para defini-lo. Porém
de IFP (polegar “em Z”); as IFDs são poupadas estes critérios não eram adequados para detecção de AR
inicial, logo se fez necessária em 2010 a revisão de tais cri-
térios pelo ACR/EULAR (Tabela 8). Estes não são critérios
diagnósticos e sim classificatórios.
18
A R T R I T E R E U M AT O I D E
REUMATOLOGIA
Tabela 8 - Critérios classificatórios para AR 2010 ACR/EULAR citomegalovírus, vírus da hepatite);
População-alvo (quem deve ser escolhido?) - Bacterianas (por exemplo, N. gonorrhoeae,
Infecções S. aureus);
- Paciente com pelo menos 1 articulação com sinovite clínica de-
finida (edema)*; - Micobacterianas;
- Sinovite que não seja mais bem explicada por outra doença. - Fúngicas;
Acometimento articular (0 a 5) - Outras.
1 grande articulação 0 - Artrites reativas (Chlamydia, Salmonella,
Shigella, Yersinia);
2 a 10 grandes articulações 1 Espondiloar-
- Espondilite anquilosante;
1 a 3 pequenas articulações (grandes não contadas) 2 trites
- Artrite psoriásica;
4 a 10 pequenas articulações (grandes não contadas) 3
- Artrites enteropáticas.
>10 articulações (pelo menos 1 pequena) 5 - Lúpus eritematoso sistêmico;
Sorologia (0 a 3) - Polimiosite/dermatomiosite;
FR negativo E ACPA negativo 0 - Esclerose sistêmica;
FR positivo ou ACPA positivo em baixos títulos 2 Doenças reumá- - Síndrome de Sjögren;
FR positivo ou ACPA positivo em altos títulos 3 ticas sistêmicas - Doença de Behçet;
Duração dos sintomas (0 a 1) - Polimialgia reumática;
<6 semanas 0 - Vasculites sistêmicas;
≥6 semanas 1 - Outras.
- Gota;
Provas de atividade inflamatória (0 a 1) Artrites micro-
- Doenças por depósito de cristal de pirofosfa-
PCR normal e VHS normal 0 cristalinas
to de cálcio ou outros.
PCR anormal ou VHS anormal 1 - Hipotireoidismo;
Doenças endó-
Pontuação ≥6 é necessária para classificação definitiva de um crinas - Hipertireoidismo.
paciente como AR.
- Doença neoplásica metastática;
* Os diagnósticos diferenciais podem incluir condições tais como
Doenças neo- - Linfoma;
lúpus eritematoso sistêmico, artrite psoriática e gota. Se houver
plásicas - Síndromes paraneoplásicas;
dúvidas quanto aos diagnósticos diferenciais relevantes, um reu-
matologista deve ser consultado. - Outras.
Fonte: Consenso da Sociedade Brasileira de Reumatologia 2011 - Osteoartrite;
para o diagnóstico e avaliação inicial da artrite reumatoide.
- Hemocromatose;
- Amiloidose;
Outras
10. Diagnóstico diferencial - Sarcoidose;
- Doença do soro;
O diagnóstico diferencial da AR inclui osteoartrite (sem - Angioedema.
componente inflamatório intenso, acomete IFDs), artrite Fonte: Consenso da Sociedade Brasileira de Reumatologia 2011
reativa (oligoartrite predominante de membros inferiores, para o diagnóstico e avaliação inicial da artrite reumatoide.
com entesites, dactilites e envolvimento inflamatório axial),
artrite psoriásica (pode assemelhar-se muito à AR, princi- Tabela 10 - Principais diagnósticos diferenciais da AR
palmente se tiver o mesmo padrão de distribuição – pode - Geralmente, não tem componente inflama-
acometer esqueleto axial e IFDs e, na maioria dos casos, Osteoartrite tório intenso;
tem FR negativo, na presença de lesão cutânea típica de
- Acomete articulações IFDs.
psoríase), gota tofácea, lúpus eritematoso sistêmico, sín-
- Oligoartrite predominante de membros in-
drome de Sjögren, pseudogota, polimialgia reumática etc.
feriores;
Síndromes virais podem causar artrite com 2 a 4 semanas Artrite reativa
de duração, como os vírus da hepatite C, B, HIV, EBV, CMV, - Presença de entesites, dactilites e envolvi-
parvovírus e rubéola. mento inflamatório axial.
19
REUMATO LOG I A
- A forma AR-símile tem o mesmo padrão de A expectativa de vida em pacientes com AR é diminuída
distribuição; em 3 a 7 anos. Esse aumento da taxa de mortalidade parece
- Pode acometer esqueleto axial e IFDs; ser limitado àqueles com acometimento articular mais gra-
Artrite psoriásica ve e pode ser atribuído em grande parte a eventos cardio-
- Na maioria dos casos, tem FR negativo;
vasculares, infecções pela imunossupressão e hemorragia
- Presença de lesão cutânea típica de psorí-
gastrintestinal.
ase.
- Gota tofácea; 12. Tratamento
- Lúpus eritematoso sistêmico;
As metas do tratamento da AR são o alívio da dor, re-
- Síndrome de Sjögren;
dução da inflamação, proteção das estruturas articulares,
Outros - Pseudogota; preservação articular e controle de envolvimento sistêmico.
- Polimialgia reumática; Nenhuma das intervenções terapêuticas é curativa.
- Síndromes virais causam artrite de curta du- O diagnóstico precoce e o início imediato do tratamento
ração (vírus da hepatite C, B, HIV, EBV, CMV, são fundamentais para o controle da atividade da doença,
parvovírus e rubéola). assim como também acaba por prevenir a incapacidade
funcional e lesões articulares irreversíveis, prejudicando na
É recomendável uma avaliação da atividade da doença (de qualidade de vida do paciente (a remissão completa é rara).
preferência, a cada 2 meses) até atingir um estado de remissão É necessário lembrar que compõe o tratamento uma in-
ou baixa atividade de doença. Reavaliações subsequentes fica- tervenção multidisciplinar; além disso, paciente e familiares
rão a critério (normalmente intervalos de cerca de 3 meses). devem ter conhecimento do que é e de como se trata a AR.
Os exames radiográficos de mãos, punhos e pés devem O tratamento, por sua vez, deve ser reavaliado, a fim de me-
ser repetidos anualmente, a critério clínico, a fim de avaliar lhor ajustar as opções mais efetivas e resolutivas.
a progressão ou não da doença. Sugere-se avaliação obje-
tiva da atividade da doença utilizando um dos índices com- A - Tratamento medicamentoso
postos de atividade clínica (SDAI, CDAI, DAS ou DAS 28).
a) Anti-Inflamatórios Não Hormonais (AINH): têm ação
analgésica e anti-inflamatória, mas não alteram o curso da
11. Evolução e prognóstico doença e não previnem a destruição articular. Não devem
O curso da AR é variável e difícil de ser predito individu- ser usados isoladamente no tratamento da AR. O uso con-
almente. A maior parte dos pacientes apresenta atividade tínuo e em dose máxima é indicado quando a AR está em
flutuante da doença, acompanhada por um grau variável franca atividade. Devem ser usados de demanda a casos
de anormalidades articulares e prejuízo funcional. Após 12 parcialmente controlados, com crises de dor esporádica.
anos do diagnóstico, menos de 20% dos pacientes não te- Quando a doença está em remissão (fora de atividade), seu
rão limitação funcional articular. Dentro de 10 anos, metade uso deve ser desaconselhado. Os AINHs agem com inibido-
dos pacientes terá limitações para o trabalho. Várias carac- res da cicloxigenase (COX), que têm 2 isoformas: COX-1 e
terísticas são relacionadas a pior prognóstico (Tabela 11). COX-2. A COX-1 é constitutiva e importante na síntese de
prostaglandinas responsáveis pela proteção antiácida da
Tabela 11 - Características associadas à maior progressão radio- mucosa gástrica. A COX-2 é a mais importante na síntese de
gráfica e pior prognóstico em pacientes com AR prostaglandinas que causam dor e inflamação. Há 2 tipos
- Sexo feminino; de AINHs: os não seletivos (diclofenaco, nimesulida, meloxi-
- Tabagismo; cam etc.), que agem sobre as 2 formas, tendo um maior ris-
- Fator reumatoide e/ou anti-CCP em títulos elevados;
co de sangramento/perfuração gastrintestinal (por úlceras
gástricas e duodenais), e os seletivos de COX2 (celecoxibe).
- Provas inflamatórias (velocidades de hemossedimentação e/ou
Não há superioridade de um tipo sobre o outro, nem efeito
proteína C reativa) persistentemente elevadas;
aditivo, e não se deve utilizar a combinação de AINHs. Os
- Grande número de articulações edemaciadas;
principais efeitos colaterais a serem monitorizados são hi-
- Presença de manifestações extra-articulares; pertensão arterial, piora da função renal, retenção hídrica,
- Atividade da doença elevada aferida por índices objetivos de hipercalemia (podem ocorrer com todos os tipos), sangra-
atividade da doença como DAS28 e suas variações, CDAI e SDAI; mento (que pode ser assintomático) ou algia gastrintesti-
- Presença de erosões precocemente na evolução da doença; nal. Certos AINHs seletivos de COX2 foram apontados como
- Epítopo compartilhado. responsáveis por aumentar o risco de eventos cardiovascu-
Anti-CCP: anticorpos antipeptídios citrulinados cíclicos; DAS28: ín- lares maiores, mas esse risco pode ser inerente a todos o
dice de atividade de doença (28 articulações); SDAI: índice simplifi- AINHs. Os AINHs não seletivos devem ter seu uso associado
cado de atividade de doença; CDAI: índice de atividade de doença. aos inibidores da bomba de prótons, principalmente em
Fonte: Consenso da Sociedade Brasileira de Reumatologia 2011 indivíduos idosos, em tratamento prolongado e com maior
para o diagnóstico e avaliação inicial da artrite reumatoide. risco de sangramento digestivo (uso concomitante de corti-
20
A R T R I T E R E U M AT O I D E
coide, muito comum na AR, anticoagulantes orais e história tes biológicos. Azatioprina e ciclosporina podem ser usados
de úlcera gastrointestinal). Pacientes com hipertensão ar- em situações especiais. Muitos estudos têm demonstrado o
terial mal-controlada e insuficiência renal não devem fazer controle dos sinais e sintomas, mudança no estado funcio-
uso de AINHs continuamente. Não há diferença de eficácia nal, qualidade de vida e retardo das erosões radiográficas
entre os diversos AINHs. com o uso destas drogas.
REUMATOLOGIA
b) Corticoides: utilizados em baixas doses no controle O benefício do tratamento com DMCD ocorre de sema-
da dor e do processo inflamatório enquanto se aguarda a nas a meses após o seu uso. Mais de 60% dos pacientes
ação das drogas modificadoras do curso da doença. Pode apresentam melhora significativa como resultado da tera-
ser necessário o uso contínuo, pois se acredita que previna pia com qualquer um desses agentes. Há também melhora
dano radiológico. O uso de corticoide intra-articular pode dos exames de atividade inflamatória (FR/VHS). O metotre-
promover alívio sintomático transitório em casos de mono xato emergiu como a DMCD de escolha como droga inicial
ou oligoartrites persistentes. E a pulsoterapia pode ser ne- por causa do seu início relativamente rápido de ação, da
cessária em caso de manifestações sistêmicas graves como sua capacidade de melhorar clinicamente o paciente e pela
vasculite. maior adesão ao tratamento. A toxicidade é possível com
c) Drogas Modificadoras do Curso da Doença (DMCD): quaisquer das DMCD, e o acompanhamento é necessário.
todos os pacientes com AR são candidatos ao uso de DMCD, A falta de resposta a um agente não exclui a troca por ou-
pois estas têm a capacidade de reduzir e prevenir o dano tro. Muitas vezes, é usada terapia combinada com mais de
articular, preservando a integridade e a função articulares. 1 DMCD para controle adequado da doença. São comuns as
O início das drogas modificadoras não deve ultrapassar associações de antimaláricos, sulfassalazina e metotrexato
3 meses após o diagnóstico de AR. As drogas modificadoras (tripla terapia), antimaláricos, leflunomida e metotrexato e
mais comumente utilizadas no tratamento da AR incluem agentes biológicos com metotrexato. O uso de ciclofosfami-
antimaláricos (difosfato de cloroquina, hidroxicloroquina), da injetável é limitado a casos sistêmicos graves e agudos,
sulfassalazina, metotrexato, leflunomida e os novos agen- como vasculites.
- Antimaláricos: são a cloroquina e a hidroxicloroquina. precocemente pelos exames periódicos. Pode ocorrer
São contraindicados a pacientes que apresentem al- também depósito na pele de coloração acinzentada. A
terações retinianas ou de campo visual, devendo ser hidroxicloroquina tem menos efeitos de depósito que
realizados exames de fundo de olho a cada 6 meses o difosfato de cloroquina. Podem ser utilizados duran-
devido aos efeitos colaterais visuais decorrentes da te a gestação;
deposição dessas drogas na retina. Geralmente, a ma- - Metotrexato: é considerada a droga mais bem tolerada
culopatia por cloroquina é reversível se diagnosticada e o fármaco padrão no tratamento da AR. Bloqueia a
21
REUMATO LOG I A
progressão das lesões radiológicas e está contraindicada zante prévia do SNC, durante a gravidez, em pacientes
a pacientes com insuficiência renal, hepatopatias, etilis- com tumor sólido recente;
mo e supressão de medula óssea. Mulheres em idade - Rituximabe: é um agente biológico anti-CD20, um re-
fértil devem receber anticoncepção. Sua administração ceptor de linfócitos B. A droga age depletando linfóci-
deve estar feita semanalmente e ser associada ao uso tos B, que teriam efeito importante na AR (apresenta-
de ácido fólico para minimizar os efeitos colaterais; ção de antígenos, produção de anticorpos, incluindo o
- Sulfassalazina: está contraindicada a pacientes com fator reumatoide). É usada intravenosa, em ciclos de
alergia às sulfas, salicilatos e portadores de porfiria. 2 aplicações da droga. É aprovada no Brasil para casos
Muito utilizada em associação com metotrexato; refratários aos anti-TNF;
- Leflunomida: está contraindicada a casos de insufici- - Abatacepte: é um agente que impede a coestimulação
ência renal e hepatopatias. Os principais efeitos cola- entre linfócitos e células apresentadoras de antígenos,
terais são diarreia, intoxicação gastrintestinal, toxicida- enfraquecendo o estímulo imunológico e induzindo
de hepática e hematológica. Mulheres em idade fértil tolerância. Tem administração intravenosa mensal e é
devem receber anticoncepção; aprovado no Brasil para casos refratários a DMCDs e
- Azatioprina: os principais efeitos colaterais são leu- agentes anti-TNF;
copenia, intoxicação gastrintestinal, pancitopenia, au- - Tocilizumabe: é um anticorpo monoclonal que age
mento de transaminases e é mais usada em casos de contra o receptor da interleucina-6 (IL-6), bloqueando
lesões cutâneas ou sistêmicas associadas; os efeitos pró-inflamatórios dessa citocina, que tem
- Ciclosporina: está contraindicada a pacientes com al- importante papel na fisiopatologia da AR e em suas
teração da função renal e hipertensão e é mais usada manifestações extra-articulares. Tem administração
em casos de lesões cutâneas ou sistêmicas associa- intravenosa mensal e é aprovado no Brasil para ca-
das. sos que nunca receberam tratamento, refratários a
DMCDs e agentes anti-TNF.
As principais drogas e suas dosagens estão descritas na
Tabela 13. Tabela 13 - Drogas biológicas utilizadas no tratamento da AR no
Brasil
d) Agentes biológicos: após a melhor compreensão de Anticorpo monoclonal
sua fisiopatologia, novas drogas têm sido desenvolvidas 40mg SC a cada 14
Adalimumabe humano com ação anti-
dias
para tratamento da AR. Atualmente, há várias classes de -TNF-alfa
drogas biológicas usadas em AR: Proteína de fusão com
Etanercepte 50mg SC 1x/semana
- Agentes anti-TNF-alfa: o alvo é o TNF-alfa, citocina ação anti-TNF-alfa
pró-inflamatória francamente ligada à AR. Existem 3 Anticorpo monoclonal
drogas no mercado brasileiro hoje com ação anti-TNF- Golimumabe humano com ação anti- 50mg SC 1x/mês
-alfa: o infliximabe (um anticorpo monoclonal quimé- -TNF alfa
rico anti-TNF, de aplicação endovenosa), o etanercepte Anticorpo monoclonal 3 a 5mg/kg IV nas
(uma proteína de fusão entre um receptor solúvel que Infliximabe quimérico com ação semanas 0, 2, 6 e então
bloqueia o TNF e uma porção Fc de imunoglobulina, de anti-TNF-alfa a cada 6 a 8 semanas
uso subcutâneo), o adalimumabe (um anticorpo anti- Ciclos de tratamento
Anticorpo monoclonal
-TNF totalmente humano, também de uso subcutâneo) de 2g IV (1g nos dias 0
quimérico com ação
Rituximabe e 14), pode ser repeti-
e o Golimumabe (uso subcutâneo). São medicações de depletora de linfócito B
do, se resposta, a cada
alto custo, com resposta terapêutica rápida e mantida. maduro
6 meses
O principal efeito colateral desse grupo de agentes é
Proteína de fusão com 10mg/kg nas semanas
a maior suscetibilidade para infecções, tanto por ger- Abatacepte ação anticoestimulação 0, 2, 4 e de 4/4 sema-
mes comuns como por germes intracelulares atípicos de linfócito T nas
(tuberculose, infecções fúngicas, virais). Pelo risco de Anticorpo monoclonal
desencadearem tuberculose em pacientes com tuber- 8mg/kg a cada 4 se-
Tocilizumabe humano antirreceptor
manas
culose latente, deve-se verificar a história de contato de IL6
prévio e solicitar radiografia de tórax e pesquisa de
PPD. Pacientes com diagnóstico de tuberculose laten- Todos esses agentes biológicos são de alto custo.
te (raio x suspeito, PPD positivo >5mm ou história de Geralmente, estão indicados na falha da combinação de 1
contato) devem receber profilaxia com isoniazida por ou mais DMCDs tradicionais, sempre com MTX associado,
6 meses. Após 1 mês de profilaxia, a medicação anti- como a terapia tríplice (MTX, antimalárico e SSZ) ou a com-
-TNF já pode ser aplicada. Além das infecções, efeitos binação MTX e leflunomida. Seu uso costumeiramente deve
colaterais descritos são ICC, doença desmielinizante de ser associado ao MTX, por ter seu efeito potencializado por
SNC e maior risco de linfoma. Não podem ser usados ele, ou a outro DMCD. Não há indicação de uso concomitan-
em casos de ICC descompensada, doença desmielini- te de agentes biológicos pelo alto risco de infecções graves.
22
A R T R I T E R E U M AT O I D E
Fase I
REUMATOLOGIA
reumatoide
Fase II
Fatores de prognóstico
Falha ou falta de desfavorável ausentes
Fatores de prognóstico eficácia e/ou
desfavorável presentes toxicidade na fase I
como FR/AAPC,
especialmente em níveis
elevados, atividade da
doença muito elevada e
lesão articular precoce
Iniciar um segundo DMARD sintética:
- Leflunomida;
Adicionar uma droga biológica Meta atingida - Sulfassalazina;
Não
(especialmente em inibidor do TNF) dentro de 3 a 6 meses - MTX ou ouro intramuscular em
monoterapia ou eventualmente em
terapia combinada.
Fase III
Falha ou falta de
eficácia e/ou
toxicidade na fase I
Meta atingida
Sim
Alterar o tratamento biológico: trocar dentro de 3 a 6 meses
por uma 2ª droga bloqueadora do TNF (+
DMARD) ou substituir a droga
bloqueadora TMF por aabataceple (+
DMARD) ou rituximabe (+ DMARD) ou Não Continuar
tocilizumabe (+ DMARD)
23
REUMATO LOG I A
Observação:
Paciente sem resposta a pelo menos 2 dos esquemas acima, incluindo metotrexato, considerar
terapia com agentes anti-TNF (adalimumabe, etanercepte, infliximabe) ou abatacepte. Na falta de
resposta com agentes anti-TNF, utilizar rituximabe ou abatacepte.
Acometimento extra-articular grave, considerar corticoide e/ou ciclofosfamida via oral ou como
pulsoterapia.
Figura 18 - Terapêutica da artrite reumatoide. Fonte: Atualização do Consenso Brasileiro no Diagnóstico e Tratamento da Artrite
Reumatoide, 2007
24
A R T R I T E R E U M AT O I D E
13. Resumo
Quadro-resumo
- AR: doença inflamatória autoimune sistêmica, cujos principais alvos são as articulações sinoviais, onde causa artrite crônica erosiva e
deformante;
REUMATOLOGIA
- Epidemiologia: tem prevalência alta (cerca de 1% da população) e predomina em mulheres (2 a 3:1);
- Manifestação clínica principal: sinovite crônica erosiva, geralmente aditiva e simétrica, evoluindo para deformidades crônicas se não
tratada adequadamente;
- Manifestações extra-articulares mais importantes: nódulos reumatoides, vasculite, derrame pleural, ceratoconjuntivite sicca, escleri-
tes e episclerites, síndrome de Felty;
- FR: presente em cerca de 80% dos casos, tem valor prognóstico (pior quando presente em altos títulos);
- Anticorpos antipeptídios citrulinados (anti-CCP, antifilagrina): têm maior especificidade para o diagnóstico, úteis em fases muito
iniciais de doença;
- Tratamento: AINHs (sintomáticos), corticosteroides em baixas doses, drogas modificadoras do curso de doença (metotrexato – a principal
delas, antimaláricos, sulfassalazina, leflunomida, azatioprina, ciclosporina), agentes biológicos (infliximabe, etanercepte, adalimumabe, ritu-
ximabe, abatacepte, tocilizumabe).
Recomendações da Sociedade Brasileira de reumatologia para o diagnóstico e avaliação inicial da artrite reumatoide
- O diagnóstico da AR deve ser estabelecido considerando-se achados clínicos e exames complementares. Nenhum teste isolado, seja labo-
ratorial, de imagem ou histopatológico confirma o diagnóstico;
- Deve-se dedicar especial atenção ao diagnóstico diferencial dos casos de artrite, considerando, entre outras causas, infecções, espondilo-
artrites, outras doenças reumáticas sistêmicas, artrites microcristalinas, doenças endócrinas e doenças neoplásicas;
- O fator reumatoide é um teste diagnóstico importante, porém com sensibilidade e especificidade limitadas, sobretudo na artrite reuma-
toide inicial. Fora do contexto clínico adequado, a positividade do exame não confirma o diagnóstico, e a negatividade não o exclui;
- O anti-CCp é um marcador com sensibilidade semelhante a do fator reumatoide, mas com especificidade superior, sobretudo na fase
inicial da doença. Recomenda-se a sua pesquisa em pacientes com suspeita clínica de artrite reumatoide e fator reumatoide negativo;
- Embora inespecíficas, provas inflamatórias (velocidade de hemossedimentação e/ou proteína C reativa quantitativa) devem ser solicitadas
em pacientes com suspeita clínica na artrite reumatoide;
- A radiografia convencional deve ser empregada para avaliação de diagnóstico e prognóstico da doença. Quando necessário e disponível,
a ultrassonografia e a ressonância magnética podem ser utilizadas;
- Pode-se utilizar critérios de classificação de AR (ACR/EULAR 2010), embora ainda não validados, como um guia para auxiliar no diagnóstico
de pacientes com artrite inicial;
- Deve-se utilizar um dos índices compostos (DAS28, SDAI e CDAI) para avaliação de atividade de doença;
- Recomenda-se a utilização regular de menos de um instrumento de avaliação da capacidade funcional, sugerindo-se o mHAQ ou HAQ-DI;
- Deve-se verificar, na avaliação inicial da doença, a presença ou não de fatores de pior prognóstico, como o acometimento poliarticular,
fator reumatoide e/ou anti-CCP em títulos elevados, tabagismo e erosão articular precoce.
Legenda:
Anti-CCP: anticorpos antipeptídios citrulinados cíclicos; DAS28: índice de atividade de doença (28 articulações); SDAI: índice simplifica-
do de atividade de doença; CDAI: índice de atividade de doença; mHAQ: Health Assessment Questionnaire modificado; HAQ-DI: Health
Assessment Questionnaire – índice de incapacidade.
25
REUMATO LOG I A
CAPÍTULO
3
Artrite idiopática juvenil
Rodrigo Antônio Brandão Neto / Ana Cristina de Medeiros Ribeiro
Hérica Cristiani Barra de Souza
1. Introdução
A Artrite Idiopática Juvenil (AIJ) é a forma mais comum
de artrite na infância e uma das mais frequentes doenças
crônicas dessa fase, com causa desconhecida. Na verdade,
trata-se de um grupo de desordens que tem a artrite infla-
matória crônica como manifestação. O diagnóstico requer
a combinação de dados da história, exame físico e testes
laboratoriais.
26
ARTRITE IDIOPÁTICA JUVENIL
- Poliartrite com FR negativo; culações envolvidas (≤4) terão uma recuperação completa.
- Artrite relacionada à entesite; Os que fazem poliartrite terão curso mais progressivo, com
deformidades e perda funcional. É o subtipo de maior mor-
- Artrite psoriásica juvenil;
bimortalidade.
- Artrite indiferenciada.
O diagnóstico diferencial da AIJ sistêmica deve ser feito
REUMATOLOGIA
com as seguintes condições clínicas.
4. Forma sistêmica ou doença de Still
Tabela 5 - Diagnóstico diferencial de AIJ sistêmica
Aproximadamente, 10% das crianças com AIJ têm a for- Condição Diferenciação com AIJ sistêmica
ma sistêmica, que é caracterizada por febre intermitente e
Infecções Culturas positivas, febre contínua, rash
presença de pelo menos 1 dos seguintes achados (extra-
-articulares): Febre não quotidiana, dor óssea, constante
Leucemia
indisposição
Tabela 4 - Achados extra-articulares Neuroblastoma Febre não quotidiana, constante indisposição
- Febre diária característica; CINCA*/ Rash fixo, febre flutuante, complicações neu-
- Rash maculopapular eritematoso evanescente (Figura 2); NOMID** rológicas
- Hepatomegalia; Doença de Rash fixo, sintomas mucocutâneos, dilatação
- Esplenomegalia; Kawasaki de coronária
- Linfadenopatia; Febre flutuante, rash fixo e doloroso ou púr-
Outras vasculites
- Serosite. pura, comprometimento sistêmico constante
primárias
e envolvimento renal
Febre constante, FAN positivo e anti-DNA po-
LES sitivo, citopenias e envolvimento de outros
órgãos e sistemas
* CINCA: Síndrome neurológica, cutânea e articular infantil crônica.
** NOMID: Doença inflamatória multissistêmica de início neonatal.
5. Forma oligoarticular
Figura 2 - Rash cutâneo típico da AIJ sistêmica. Fonte: Pediatric
Rheumatology in Clinical Pratice, 2007 (imagem braço) e ABC of
Rheumatology (imagem do tronco)
27
REUMATO LOG I A
28
ARTRITE IDIOPÁTICA JUVENIL
REUMATOLOGIA
anos de idade, na maioria das vezes, iniciará um quadro de manifesta concomitantemente à psoríase. No restante dos
artrite associada à entesite. Esse grupo corresponde a até casos, pode manifestar-se antes ou depois. É definida pela
10% dos casos de AIJ. O paciente será classificado nesse presença de artrite com psoríase diagnosticada por médico
grupo se apresentar artrite com entesite ou artrite com um ou artrite com 2 dos critérios:
dos seguintes achados: 1 - Dactilite (edema articular e de partes moles de 1 ou
1 - Dor em sacroilíacas e/ou dor lombossacral inflama- mais dedos, geralmente assimétrico).
tória. 2 - Pitting nail ou unha “em dedal” (unha com depres-
2 - HLA-B27 positivo. sões típicas de psoríase).
3 - Acometimento em menino com 6 anos ou mais. 3 - Onicólise.
4 - Uveíte anterior aguda sintomática. 4 - Parente de 1º grau com psoríase.
5 - Presença de parente de 1º grau com espondilite an-
quilosante, artrite relacionada à entesite, doença intestinal
inflamatória com sacroileíte, artrite reativa ou uveíte ante-
rior aguda.
29
REUMATO LOG I A
30
ARTRITE IDIOPÁTICA JUVENIL
Tabela 7 - Periodicidade das avaliações oftalmológicas em AIJ para cluem exercícios, 2 a 3 vezes ao dia, orientações para prote-
diagnóstico de uveíte anterior assintomática ção articular e minimização dos traumas. O programa social
Tipo de AIJ/ envolve readaptações e estudo vocacional.
<7 anos >7 anos
idade de início O tratamento farmacológico envolve o tratamento ar-
Sistêmico Anualmente. Anualmente. ticular, ocular e de outras manifestações da AIJ. O reuma-
REUMATOLOGIA
Poliartrite e oligoartrite tologista pediátrico deve ser agressivo, devido ao risco de
A cada 3 a 4 meses por dano irreversível tanto articular quanto ocular. O objetivo
FAN positivo
4 anos, depois a cada 6 do tratamento deve ser induzir a remissão completa do pro-
meses por 3 anos e, então, A cada 6 meses cesso inflamatório com corticoterapia e introdução precoce
anualmente. por 4 anos e, en-
tão, anualmente. de medicamentos modificadores de doença.
A cada 6 meses por 4 anos
FAN negativo Os pacientes com manifestação articular leve podem ser
e, então, anualmente.
tratados com Anti-Inflamatórios Não Hormonais (AINHs)
isolados, os quais controlam a inflamação e a dor e são
11. Diagnóstico diferencial utilizados por longos períodos. O período de avaliação do
Os diagnósticos diferenciais incluem várias entidades, AINH é de 4 a 6 semanas. A maioria das crianças tolera bem
de acordo com os diversos grupos da AIJ. Entre as doenças a terapia. Apenas 25 a 33% dos pacientes, principalmente
que se assemelham à forma oligoarticular, têm-se as leu- os que têm oligoartrite, ficarão bem só com AINH. Não há
cemias, artrite tuberculosa, doença de Hansen e Doença evidência de superioridade de um AINH sobre outro, mas
Inflamatória Intestinal (DII). alguns pacientes respondem bem a um tipo de AINH e não
A manifestação articular tem, entre os diferenciais a se- a outros.
rem pensados, leucemias, DII, LES, mucopolissacaridoses, Corticoides sistêmicos também são utilizados continua-
espondiloartropatias e doença de Lyme. mente no controle da inflamação e estão reservados a ca-
Por fim, dentre as entidades que cursam com manifesta- sos de serosite, acometimento ocular, febre e artrites não
ção sistêmica, devem-se excluir leucemias, DII, LES juvenil, responsivas aos AINHs, pois seus efeitos sobre o crescimen-
vasculites, infecções, entre outras. to e ossos desencorajam seu uso em crianças. Devem ser
usados como ponte terapêutica até que imunossupressores
12. Tratamento surtam efeito. Injeções intra-articulares de corticoides po-
dem ser usadas em casos de mono/oligoartrites.
O tratamento da ARJ compreende um acompanhamen-
Dois terços dos pacientes com AIJ não respondem ao
to multidisciplinar, que inclui educação do paciente e da
anti-inflamatório isolado, sendo necessária a introdução de
família, cuidados domiciliares, ajustes sociais, entre outros.
drogas de base, como metotrexato, sulfassalazina, lefluno-
O tratamento começa durante o diagnóstico. Pais e fa-
mida, ciclosporina ou medicamentos com ação biológica,
miliares devem ser esclarecidos de que, antes de estabele-
como os medicamentos com ação anti-TNF-alfa, anti-IL-1,
cer o diagnóstico, outras doenças precisam ser excluídas.
anticoestimulação de linfócitos T e anti-IL-6R (Tabela 8).
Os objetivos terapêuticos incluem alívio de sintomas,
manutenção do movimento articular, fortalecimento mus- O tratamento da inflamação ocular deve ser orien-
cular e manutenção do estado funcional. tado pelo oftalmologista, à base de corticoides tópicos.
O programa de tratamento inclui componentes físico, Imunossupressores são indicados se uveíte grave ou em pa-
social e medicamentoso. Terapias física e educacional in- cientes dependentes de corticoide.
31
REUMATO LOG I A
13. Resumo
Quadro-resumo
Subtipos de AIJ Idade e sexo Envolvimento articular Peculiaridades
- Em 75% dos casos;
- Febre intermitente, eritema difuso,
- Articulações mais acometidas: punhos, joelhos e
Sistêmico (até <16 anos; linfadenomegalia difusa, hepato e/ou
tornozelos;
10%). M = F. esplenomegalia, serosite;
- Prognóstico determinado pela gravidade da ar-
- Subtipo de maior morbimortalidade.
trite.
- ≤4 articulações com artrite nos primeiros 6 meses;
- Articulações mais acometidas: joelho, tornozelo,
- FAN positivo em até 85%;
<5 anos (pico de 1 a 3 mãos e cotovelos.
Oligoartrite (até - Forte associação a uveíte crônica
anos); - 2 evoluções:
50%). anterior (especialmente quando FAN
M <F (4x). · Oligoarticular persistente: mais benigna;
positivo).
· Oligoarticular estendida: pior prognóstico arti-
cular, erosiva em 60% dos casos.
- ≥5 articulações com artrite nos primeiros 6 meses
da doença;
- Associação entre FR+ e HLA-DR4;
- O FR pode ser + (1/4) ou - (3/4);
Poliartrite (até 8 a 16 anos; - A poliartrite com FR+: mais se as-
- Na poliartrite com FR+: artrite simétrica de mãos
40%). M <F (3x). semelha à artrite reumatoide do
(MCF, IFP e IFD) e pés (MTF);
adulto.
- Risco de desenvolver erosões, nódulos e perda
funcional.
- Artrite com entesite ou um dos
seguintes achados: dor em sacroilía-
cas e/ou lombossacral inflamatória;
HLA-B27 +; menino ≥6 anos; uveíte
Artrite relacio- - Geralmente <4 articulações com artrite; anterior aguda sintomática, parente
nada à entesite >6 anos; - Principais: joelhos, tornozelos e quadris; de 1º grau com espondilite anquilo-
(até 10% dos M >F. - Envolvimento axial: inicial em 25% dos casos – sante, artrite relacionada à entesite,
casos). evolui para 65 a 90%. doença intestinal inflamatória com
sacroileíte, artrite reativa ou uveíte
anterior aguda;
- Uveíte anterior aguda sintomática:
25%.
32
ARTRITE IDIOPÁTICA JUVENIL
REUMATOLOGIA
se; uveíte anterior aguda: até 20%.
Artrite indife- - Pacientes que têm artrite, mas não fecham - Podem evoluir para outra classifica-
renciada. - critérios para nenhuma das classificações. ção ou permanecer indiferenciada.
33
REUMATO LOG I A
CAPÍTULO
4
Artrites sépticas
Ana Cristina de Medeiros Ribeiro / Aleksander Snioka Prokopowistch
Hérica Cristiani Barra de Souza
34
ARTRITES SÉPTICAS
REUMATOLOGIA
PCR – Proteína C Reativa).
Focos de infecção em outros sítios podem ser encontrados
As culturas de sangue periférico são positivas em 50 a
e devem ser minuciosamente pesquisados. Na verdade, as
60% dos casos. Na suspeita ou na presença de outros focos
bactérias atingem a articulação por via hematogênica em
infecciosos, a cultura desses locais deve ser realizada.
mais de 50% dos casos, por inoculação direta em procedi-
A análise do líquido sinovial é crítica em qualquer pa-
mentos ou traumas articulares ou por contiguidade de in-
ciente com monoartrite ou na suspeita de artrite séptica
fecções de partes moles ou osso.
(Tabela 3), costumeiramente realizada por punção articular
Deve-se estar atento ao diagnóstico diferencial das mo-
(artrocentese – Figura 2). No líquido sinovial, devem-se exa-
noartrite agudas (Tabela 2).
minar os seguintes aspectos:
Tabela 2 - Diagnóstico diferencial de monoartrite aguda - Aparência: a cor e a turvação do líquido são importan-
Infecção tes, pois líquidos purulentos ou turvos sugerem artrite
séptica;
- Bacteriana;
- Fúngica;
- Celularidade e diferencial: a celularidade é maior que
50.000 leucócitos/mm³ em 50 a 70% dos casos e pode
- Micobacteriana;
ser menor bem no início da artrite, em casos de pacien-
- Viral; tes que já receberam antibióticos ou em imunossupri-
- Espiroquetas. midos. Na análise diferencial da celularidade, há predo-
Induzida por cristal mínio de polimorfonucleares, em geral mais de 80%;
- Urato monossódico (gota); - Bacterioscopia: é positiva em 50 a 75% das vezes e ex-
- Pirofosfato de cálcio diidratado (pseudogota); tremamente específica. Sua negatividade, entretanto,
- Hidroxiapatita; não afasta o diagnóstico;
- Oxalato de cálcio; - Culturas: são positivas em 70 a 90% dos casos, depen-
- Lipídios. dendo do micro-organismo. O S. aureus é o agente mais
comumente implicado em monoartrite séptica de arti-
Hemartrose
culações nativas (60 a 70% dos casos). Estreptococos,
- Trauma;
bacilos Gram negativos e outros respondem pelo res-
- Anticoagulação; tante. A Tabela 4 mostra os organismos mais frequen-
- Distúrbios de coagulação; temente envolvidos.
- Fraturas;
- Sinovite vilonodular pigmentada.
Tumor
- Sinovite vilonodular pigmentada;
- Condrossarcoma;
- Osteoma osteoide;
- Doença metastática.
Doenças reumáticas sistêmicas
- Artrite reumatoide;
- Espondiloartrites;
- Lúpus eritematoso sistêmico;
- Sarcoidose.
Osteoartrite
- Variante erosiva.
Degeneração intra-articular
- Rompimento meniscal;
- Osteonecrose;
- Fraturas.
Fonte: UpToDate, 2011. Figura 2 - Artrocentese
35
REUMATO LOG I A
36
ARTRITES SÉPTICAS
D - Tratamento Drenagem
Como já dito, trata-se de uma emergência médica que articular
requer hospitalização. A articulação suspeita deve ser pun-
cionada o mais rápido possível, e o material, enviado para
Outras Quadris, ombros e
REUMATOLOGIA
coloração e culturas.
A antibioticoterapia intravenosa empírica deve ser ini- articulações articulações axiais
ciada imediatamente após a punção, com cobertura obri-
gatória para S. aureus. Se tratar-se de um indivíduo sexual- Aspiração por Artroscopia ou
mente ativo, a artrite gonocócica também deve ser tratada agulha fina drenagem aberta
empiricamente, e também se deve fazer toda a investigação
no sentido de diagnosticá-la. Culturas de sangue periféri-
co devem ser colhidas. De acordo com o achado de colo- Resposta
ração ou a cultura, os antibióticos podem ser modificados. inadequada
O tempo de tratamento é de 4 semanas, mas em casos de
osteomielite aguda, vai para 6 semanas e, se osteomielite Artroscopia ou
crônica ou infecção de prótese, chega a 6 meses. O trata- drenagem aberta
mento pode ser inicialmente intravenoso, mas, com a boa
Figura 3 - Tratamento. Fonte: UpToDate, 2011
resposta e a cultura confirmando sensibilidade, pode ser
trocado para via oral após as 2 primeiras semanas, de acor-
do com as culturas. 3. Artrite gonocócica
Um bom esquema inicial é a oxacilina, 8 a 12g IV para
cobrir S. aureus (se não há suspeita de resistência a meti-
cilina), e gentamicina, 240mg/dia (dose única), ou cefalos- A - Achados clínicos
porina de 3ª geração (para cobertura dos Gram negativos). Esta é a forma mais comum de artrite séptica entre
Se houver suspeita de artrite gonocócica (indivíduos sexual- adultos jovens sexualmente ativos, causada pela dissemi-
mente ativos e vide abaixo), a cefalosporina de 3ª geração nação hematogênica do gonococo (Neisseria gonorrhoeae)
será preferível. Casos específicos, como indivíduos imunos- ou Infecção Gonocócica Disseminada (IGD). Essa dissemi-
suprimidos, hospitalizados, colonizados e usuários de dro- nação hematogênica ocorre em 1 a 3% dos casos de infec-
gas, devem ser considerados separadamente. ção gonocócica não tratada é 2 a 3 vezes mais comum em
A drenagem articular é indicada para acelerar a melho- mulheres, nas quais o risco de disseminação é maior 7 dias
ra e evitar dano permanente. Pode ser feita uma lavagem depois da menstruação, durante a gravidez ou no período
artroscópica inicial com debridamento e drenagem ou pun- pós-parto.
ções articulares de repetição, para reduzir o risco de dano A duração entre a infecção e a disseminação vai de 1 dia
articular permanente. A cirurgia aberta pode ser indicada a a 2 meses, mas o período médio é de 5 dias. Apenas 1/4 dos
casos de falência de tratamento após 5 a 7 dias de terapia, pacientes com IGD relata sintomas mucosos da infecção go-
osteomielite adjacente, articulações de difícil abordagem nocócica, que podem ser geniturinários, faríngeos ou retais.
(quadris, ombros e sacroilíacas), infecções em próteses arti- A IGD caracteriza-se pela síndrome de poliartrite, tenos-
culares e artrite séptica de quadril em crianças. sinovite e dermatite. Sintomas iniciais inespecíficos como
febre, calafrios e poliartralgia migratória antecedem a ar-
Antibiótico parenteral trite franca, que pode se instalar nos joelhos, tornozelos ou
punhos. Pode haver mais de 1 articulação com artrite na
maioria dos casos. A articulação com artrite séptica é quen-
Gram positivo
te, dolorosa, edemaciada, e a dor piora a qualquer movi-
mentação, ativa ou passiva. Tanto a lesão articular como a
Sim Não cutânea são mediadas, na IGD, pela presença direta da bac-
téria no local, como por imunocomplexos circulantes.
Coco Gram Bacilo Gram Aguardar A tenossinovite geralmente é migratória e acontece em
positivo negativo cultura 2/3 dos pacientes, geralmente acometendo tendões do
dorso das mãos, punhos, tornozelos e joelhos.
Vancomicina Cefalosporina de 3ª Escolha de acordo A dermatite também acontece em 2/3 dos casos e se
geração; adicionar com a sensibilidade manifesta por lesões pustulosas, vesiculares ou maculopa-
aminoglicosídeo de na cultura pulares, sobre uma base eritematosa, com centro necró-
Pseudomonas provável tico, distribuídas pelo tronco e distalmente nos membros,
incluindo os dedos (Figura 4). Podem ocorrer também eri-
37
REUMATO LOG I A
tema multiforme, bolhas hemáticas e lesões vasculíticas. A análise do líquido sinovial, como já foi dito, é crítica
Essas lesões são indolores e podem passar despercebidas. em qualquer paciente com monoartrite ou na suspeita de
Sua biópsia revela inflamação perivascular e vasculite leu- artrite séptica. Em relação à artrite séptica não gonocócica,
cocitoclástica. Culturas para Neisseria gonorrhoeae podem a IGD pode ter, no líquido sinovial, uma celularidade discre-
ser positivas em até 10% dos casos de biópsias das lesões tamente menos elevada (30.000 a 60.000 leucócitos/mm3).
cutâneas. A bacterioscopia tem positividade mais baixa, menos de
Pode haver complicações incomuns, como pericardite, 25%, e as culturas do líquido sinovial também têm menor
meningite, aortite, endocardite, miocardite, piomiosite e positividade que para outros germes, cerca de 20 a 50%.
osteomielite. O líquido deve ser imediatamente colocado em meio espe-
cial (Thayer-Martin), e o período para crescimento pode ser
maior que 48 horas. Culturas para Neisseria gonorrhoeae
podem ser positivas em até 10% dos casos de biópsias das
lesões cutâneas.
C - Tratamento
Para a cobertura antibiótica de Neisseria gonorrhoeae,
dada a crescente taxa de resistência à penicilina pelo go-
nococo, recomenda-se o início de cefalosporina de 3ª ge-
ração, notadamente a ceftriaxona, na dose de 1g/dia IM/
IV. Em caso de alergia a beta-lactâmicos, espectinomicina
(2g IM 12/12h) ou fluoroquinolonas (ciprofloxacino, 400mg
IV, 12/12h, ou levofloxacino, 500mg IV, 1x/dia, passando ra-
Figura 4 - Lesão pustulosa em mão de paciente com artrite gono- pidamente para oral pela sua ótima disponibilidade). Se a
cócica. Fonte: UpToDate, 2011 cultura é positiva para o gonococo e o agente é sensível à
penicilina, pode-se trocar o antibiótico para ampicilina, 1g
IV, 6/6h, passando para amoxicilina oral, 1g, 8/8h. O trata-
B - Achados laboratoriais mento em casos não complicados dura 2 semanas. Em ca-
Os pacientes podem apresentar leucocitose em 2/3 dos sos complicados por cardite, meningite, endocardite ou os-
casos e geralmente têm aumento das provas de atividade teomielite, antibióticos IV devem ser feitos por 2 a 4 sema-
inflamatória (VHS e PCR). nas, com complementação de 2 semanas com antibiótico
As culturas de sangue periférico raramente são positi- via oral. Pela comum associação de infecção por Chlamydia
vas na IGD. Na suspeita de IGD, deve-se proceder com um trachomatis nos pacientes, costuma-se proceder com o seu
histórico de exposição sexual e sintomas mucosos. Culturas tratamento concomitante (azitromicina ou doxiciclina).
das regiões uretral, cervical uterina (em mulheres), faríngea A artrite da IGD costuma melhorar rapidamente seus
e retal devem ser realizadas, e culturas geniturinárias são sintomas, em cerca de 24 a 48 horas. Artrocenteses de re-
positivas em 70 a 90% dos pacientes com IGD. petição são indicadas.
38
ARTRITES SÉPTICAS
REUMATOLOGIA
Clínica quadris, ombros;
- Dermatite: lesões pustulosas, vesiculares ou maculopapu-
- Bursites sépticas;
lares, sobre base eritematosa, com centro necrótico;
- Febre, calafrios por bacteremia.
- Outros: eritema multiforme, bolhas hemáticas e lesões
vasculíticas.
- Pericardite, meningite, aortite, endocardite, miocardite,
Complicações - Osteomielite.
piomiosite e osteomielite.
Cultura de sangue periférico - Positivas em 50 a 60% dos casos. - Raramente positivas.
- Realizar de acordo com suspeita de outros - Culturas das regiões uretral, cervical uterina, faríngea e
Outras culturas
focos infecciosos. retal: positivas em 70 a 90%.
- Celularidade >50.000 leucócitos/mL (em
Celularidade – líquido si- 50 a 70% dos casos); - Celularidade discretamente menos elevada (30.000 a
novial - Predomínio de polimorfonucleares, geral- 60.000 leucócitos/mL).
mente mais de 80%.
Bacterioscopia – líquido - Positiva em 50 a 75% das vezes, é extre-
-Positividade mais baixa, <25%.
sinovial mamente específica.
- Positividade menor: 20 a 50%;
- Positivas em 70 a 90% dos casos, depen-
Culturas – líquido sinovial - Colocar diretamente após punção em meio especial
dendo do micro-organismo.
(Thayer-Martin).
- Cobertura obrigatória: para S. aureus;
- Recomendação: cefalosporina de 3ª geração, priorizan-
- Tempo de tratamento: 4 semanas;
do-se a escolha da ceftriaxona na dose de 1g/dia IM/IV;
- Se osteomielite aguda: 6 semanas;
- Se alergia: espectinomicina (2g IM, 2x/dia) ou fluoroqui-
- Se osteomielite crônica ou infecção de
nolonas (ciprofloxacino, 400mg IV, 2x/dia ou levofloxaci-
prótese: 6 meses;
Tratamento no, 500mg IV, 1x/dia);
- Esquema proposto: oxacilina, 8 a 12g IV,
- Se cultura positiva com sensibilidade à penicilina: am-
e cefalosporina de 3ª geração;
picilina, 1g IV, 6/6 h, passando para amoxicilina oral, 1g,
- Limpeza articular: drenagem articular
8/8h;
com lavagem artroscópica, punções arti-
- Duração: 2 semanas. Se complicações, 4 a 6 semanas.
culares de repetição ou cirurgia aberta.
Fonte: UpToDate, 2011.
39
REUMATO LOG I A
- Cita-se a ocorrência de periartrite, tenossinovite e Sín- - Em crianças ocorre classicamente por disseminação
drome do Túnel do Carpo (STC); hematogênica durante a infecção pulmonar primária.
- Quadro articular é autolimitado e dura menos de 2 se- Em adultos ocorre tanto por foco pulmonar quiescente
manas; quanto como sítio extrapulmonar;
- Sintomatologias reumáticas pós-vacina: artralgia, ar- - PPD é positivo em muitos pacientes com Tb osteoarti-
trite, mialgia e parestesias, em geral 2 semanas após cular e raio x tórax normal;
a vacina; - Diagnóstico definitivo é dado pela demonstração do
- Tratamento: analgésicos e AINEs. Mycobacterium tuberculosis no líquido sinovial;
- Tipos de manifestações: espinhal (“doença de Pott”),
C - Hepatite C artrite periférica em articulações que suportam peso,
tendões, bursas e ossos, artrite reativa (“doença de
- 70 a 80% evoluem para cronicidade; Poncet”);
- Condições autoimunes associadas: - TB espinhal: “mal de Pott”.
• Vasculite crioglobulinêmica – 30 a 40% crioglobuli- - Forma mais comum:
nas positivas;
• Mais frequentemente acomete coluna torácica,
• Produção de auto-Acs; seguida da lombar e menos comumente cervical e
• Citopenias autoimunes; vértebras sacrais;
• GN membranoproliferativa; • Acomete a porção anterior do corpo vertebral, com
• Síndrome sicca-like; subsequente envolvimento do disco, redução de espa-
• Artralgias e artrite. ço, destruição vertebral e colapso da porção anterior
do corpo vertebral, causando deformidade em giba;
- Manifestação articular: • Inflamação de partes moles adjacentes, como mus-
• Artrite não erosiva, não progressiva associada a te- culatura paravertebral, abscesso do psoas;
nossinovite e sintomas articulares desproporcional
• Mimetiza osteomielite vertebral causada por bac-
aos achados de exame físico;
téria piogênica. Porém febre é menos comum na
• AR-like, artrite mono-oligoarticular intermitente, doença de Pott;
sem evidência de erosões. Ao exame, nota-se mais
• A maioria dos pacientes sente dor lombar.
dolorimento do que franca sinovite;
• Alta prevalência de FR positivo (50 a 60%), o qual
- Manifestações neurológicas compressivas 12 a 50%
dos pacientes;
não se correlaciona com os sintomas articulares.
- Raio x: redução de espaço discal, colapso vertebral e
- Tratamento: abscesso paraespinhal. TC define bem as lesões. RNM
• Problemático; mostra melhor o envolvimento neural;
• Terapia antiviral com interferon parece melhorar o - Diagnóstico: biópsia guiada por TC;
quadro articular. - TTO: igual da Tb pulmonar.
a) Artrite tuberculosa
D - Hepatite B
- Artrite monoarticular afetando quadril ou joelho, mas
- 5 a 10% evoluem com as formas crônicas; pode envolver outras articulações;
- Poliartrite inflamatória, mimetizando AR, de início sú- - Início tipicamente insidioso;
bito, envolvendo punhos, joelhos e tornozelos e pe- - Dor e edema articular presentes, mas os sinais infla-
quenas articulações de mãos de forma simétrica; matórios são limitados;
- A artrite ocorre na fase prodrômica, de viremia; - Geralmente é reativação de foco latente, por via he-
- Associado a fase articular ocorrem sintomas cutâneos matogênica;
(urticária ou rash maculopapular); - Às vezes associada a osteomielite adjacente, mas não
- Em geral o quadro articular é autolimitado; necessariamente isto ocorre concomitante com envol-
- Quadros crônicos podem ser evolução de PAN; vimento articular. Em adultos geralmente localiza-se
- HIV; de forma isolada, em metáfises de ossos longos;
- Outros; - Achados radiográficos: osteopenia justa-articular, ero-
- HTLV, Mayaro, Igbo, Ross River, O’nyong-nyong, sões marginais, redução gradual do espaço articular
Chikungunya etc. (tríade de Phemister). Pode haver ainda edema de
partes moles, cistos subcondrais, esclerose óssea, pe-
riostite e calcificações;
5. Micobactérias
- Líquido sinovial: contagem de células elevadas, com
predomínio de neutrófilos, ocasionalmente de linfó-
A - Mycobacterium tuberculosis citos. Glicose usualmente baixa. Cultura positiva em
- Envolvimento osteoarticular ocorre em 5% dos casos; 80% dos casos;
40
ARTRITES SÉPTICAS
- Melhor diagnosticado pelos achados histológicos e mi- - Diagnóstico: melhor isolamento em tecido que no lí-
crobiológicos da sinóvia. Cultura sinovial é positiva em quido sinovial;
90% dos casos. A histologia demonstra o granuloma - Tratamento: drenagem cirúrgica, debridamento, ou
não caseoso; sinovectomia e anfotericina B (sistêmica ou intra-arti-
- TTO: igual ao da TB pulmonar. cular).
REUMATOLOGIA
b) Doença de Poncet
C - Esporotricose
- Forma de artrite reativa que ocorre durante TB ativa;
- Artrite poliarticular, tipicamente envolvendo mãos e pés; - Sporothrix schenckii;
- Líquido sinovial estéril; - Artrite, tenossinovite, osteíte ou miosite granuloma-
- Sintomas melhoram com o tratamento da tuberculose. tosa;
- Artrite crônica, mono ou poliarticular, envolvendo jo-
B - Mycobacterium leprae elhos, punhos, pequenas articulações de mãos, torno-
zelos e cotovelos;
- Causa formas severas de artrite; - Raio x: lesões líticas com mínima periostite;
- Hanseníase virchowiana está associada a ocorrência - Patologia sinovial: inflamação granulomatosa crônica,
de eritema nodoso; não caseosa;
- MC: nódulos SC, febre e artralgia/artrite; - Tratamento: anfotericina B com ou sem debridamento
- Sintomas articulares mediados por mecanismo imuno- cirúrgico.
lógicos, sendo que o isolamento do agente no líquido
sinovial (artrite séptica) é infrequente; D - Blastomicose
- Artrite crônica erosiva de grandes e pequenas articula-
ções simulando AR que melhora com o tratamento da - Blastomyces dermatitidis;
hanseníase é descrito; - 60% têm manifestação musculoesquelética;
- Em estágios tardios de hanseníase, os pacientes desen- - Comum osteomielite: vértebra, costelas, tíbia e crânio;
volvem articulação de Charcot como consequência da - Tipicamente artrite monoarticular, mas pode ser po-
neuropatia sensorial e consequente trauma repetido. liarticular;
- Joelhos são mais frequentemente envolvidos, segui-
dos de tornozelo e cotovelo;
6. Fungos - Tratamento: anfotericina B, cetoconazol ou itraco-
nazol.
A - Candida
- É causa comum de infecção oportunista, mas raramen- E - Criptococose
te causa infecção articular; - Cryptococcus neoformans;
- Candida albicans é responsável por 1% das infecções - Forma disseminada ocorre em imunossuprimidos;
em próteses articulares; - Acometimento agudo/subagudo: ossos longos, tarso,
- A artrite ocorre por inoculação direta (cirurgia ou ar- carpo, costelas e vértebras;
trocentese) ou disseminação hematogênica (durante - Infecção vertebral simula TB;
candidíase disseminada); - Raio x: lesões líticas com mínima reação periosteal;
- Tipicamente indolente, monoarticular e crônica; - Artrite criptocócica é infrequente, geralmente por ex-
- Diagnóstico: cultura do líquido sinovial ou tecidual; tensão de osteomielite;
- Tratamento: anfotericina B sistêmica ou intra-articular. - Diagnóstico: demonstração do fungo no líquido sinovial;
- Tratamento: anfotericina B e/ou 5-fluorocitosina. Em
B - Coccidioidomicose imunocompetentes fluconazol é suficiente.
- Coccidioides immitis;
- Ocorre durante infecção primária ou disseminada; F - Histoplasmose
- Primária em geral é assintomática. Síndrome de artral- - Histoplasma capsulatum;
gia/artrite, autolimitada (valley fever ou desert rheu- - A maioria das infecções é subclínica e autolimitada;
matism), mediada por imunocomplexos; - Infecção primária: poliartrite migratória aguda autoli-
- Artrite poliarticular migratória, resolvendo em 4 sema- mitada com ou sem eritema nodoso e eritema multi-
nas a despeito do tratamento; forme;
- Disseminada: artrite e/ou osteomielite, mas o quadro - Forma disseminada: mais em idosos e imunossuprimi-
mais frequente é de artrite crônica de 1 joelho. No raio dos. Artrite, osteomielite, tenossinovite e STC;
x, se vê lesões líticas e erosões. Osteomielite ocorre - Diagnóstico: cultura de tecido;
em 10 a 20%, principalmente em ossos longos, crânio, - Tratamento: anfotericina B, itraconazol e fluconazol.
vértebras e costelas; Debridamento cirúrgico pode ser necessário.
41
REUMATO LOG I A
CAPÍTULO
5
Espondiloartrites soronegativas
Rodrigo Antônio Brandão Neto / Ana Cristina de Medeiros Ribeiro
Aleksander Snioka Prokopowistch / Hérica Cristiani Barra de Souza
42
E S P O N D I LO A R T R I T E S S O R O N E G AT I V A S
REUMATOLOGIA
após os 40 anos. A média de idade de início é de 26 anos,
com prevalência maior em indivíduos da cor branca. Tem
como sinonímia: doença de Marie-Strümpell ou doença de
Bechterew.
A proporção entre homens e mulheres é de 3:1. Rigidez
progressiva da coluna é comum, evoluindo com anquilose
após anos de doença. A prevalência nas diferentes popula-
ções varia de 0,1 a 6%, e a etiologia é desconhecida. A as-
sociação a HLA-B27 está presente na maioria dos pacientes
(90%).
A - Achados clínicos
a) Envolvimento axial
O sintoma clínico característico é a presença de dor lom-
bar inflamatória no esqueleto axial (Figura 1). A dor infla-
matória caracteriza-se por: (1) não melhorar com o repouso
e melhorar com a movimentação (diferente da dor de ori-
gem mecânica, que piora com a movimentação e melhora
com repouso); e (2) pela presença de rigidez matinal maior
Figura 2 - (I) TC no plano coronal oblíquo mostrando espaços ar-
que 30 minutos. As dores têm início insidioso, com mais de
ticulares preservados e simétricos, com superfícies regulares.
3 meses de evolução. Sua localização geralmente é lombar
O espaço é considerado normal entre 2 e 4mm; (II) classificação
(mas pode acometer todos os níveis da coluna) e nas ná- radiográfica na avaliação das articulações sacroilíacas. Grau D –
degas, uni ou bilateral, e pode ser alternante, decorrente normal; (A) grau I – suspeito; (B) grau II – discreta irregularidade
da inflamação em sacroilíacas (Figuras 2 e 3). O paciente e esclerose das superfícies articulares, com o espaço articular pre-
costuma acordar de madrugada pela dor e caminhar para servado; (C) grau III – redução articular, além de intensa irregula-
que haja melhora. ridade e esclerose subcondral; (D) grau IV – anquilosa bilateral.
Fonte: ASAS Handbook. Ann Rheum Dis 2009; 68 (Suppl II): ii1-ii44
43
REUMATO LOG I A
44
E S P O N D I LO A R T R I T E S S O R O N E G AT I V A S
- Teste de Schöber modificado: detecta limitação da também por dor em outras estruturas anatômicas lo-
flexão da coluna lombar. Deve-se fazer uma marca na cais;
linha média, com o paciente em posição neutra, ao - Teste de Gaenslen: com o paciente em posição supina,
nível da espinha ilíaca posterossuperior, e outra 10cm deixa-se uma perna cair por 1 dos lados da maca do
acima. Pede-se ao indivíduo que realize flexão máxima examinador, enquanto a outra perna é flexionada pelo
REUMATOLOGIA
do tronco, sem dobrar os joelhos, tentando alcançar paciente em direção ao tronco. Essa manobra deve
o chão com as mãos. Mede-se a distância máxima en- aumentar a dor na sacroilíaca no lado da perna caída
tre os 2 pontos, que deve aumentar pelo menos 5cm e (Figura 10);
atingir 15cm (Figura 6);
- Teste de Patrick: com o paciente em posição supina,
com o seu calcanhar sobre o joelho contralateral, faz-
-se uma pressão para baixo sobre o joelho flexionado.
Assim, com o quadril em flexão/abdução e rotação
externa (Fabere), haverá dor na articulação sacroilíaca
contralateral (Figura 11);
- Expansibilidade torácica: medida no 4º espaço inter-
costal, a expansibilidade torácica (diferença da circun-
ferência torácica em inspiração máxima e expiração
máxima) normal é de, aproximadamente, 5cm. Em
Figura 6 - Teste de Schöber modificado. Fonte: ASAS Handbook, caso de envolvimento costovertebral ou costocondral,
2009
ela diminui.
- Rotação cervical: paciente sentado na cadeira, cabe-
ça ereta, com as mãos apoiadas nos joelhos. Colocar o
goniômetro no topo da cabeça alinhado com o nariz.
Pedir para o paciente fazer rotação lateral da cabeça o
máximo que puder e anotar quantos graus de rotação
ele obteve. Fazer a medida bilateral e posteriormente
registrar a média das 2 medidas;
45
REUMATO LOG I A
46
E S P O N D I LO A R T R I T E S S O R O N E G AT I V A S
REUMATOLOGIA
com a idade, presença de HLA-B27, tempo de doença e pre- do ânulo fibroso leva à formação de pontes ósseas interver-
sença de artrite periférica. Podem ocorrer ainda distúrbios tebrais, que são os sindesmófitos (Figuras 17, 18 e 19). Na
de condução e doença miocárdica. EA e espondiloartrites associadas às doenças inflamatórias
O envolvimento costovertebral e costocondral pode le- intestinais (enteroartrites), os sindesmófitos são geralmen-
var a diminuição da expansibilidade torácica, com leve res- te simétricos e regulares, bem verticalizados e marginais,
trição à prova de função pulmonar, sem alteração da difu- ao contrário das artrites reativas e da psoriásica, onde são
são. Isso raramente provoca ventilação insuficiente. Cerca geralmente assimétricos e irregulares, mais grosseiros.
de 1% dos pacientes desenvolve fibrose progressiva dos Também se distinguem dos osteófitos da osteoartrite, que
ápices pulmonares. tem orientação bem lateralizada. A fusão das interapofisá-
Pode haver inflamação inespecífica e subclínica dos in- rias e a calcificação dos ligamentos espinhais, associadas à
testinos grosso e delgado em 60% dos casos de espondilite. formação bilateral de sindesmófitos, pode resultar em fu-
De 10 a 15% dos pacientes com EA vão desenvolver doença são completa da coluna vertebral, fornecendo o aspecto de
inflamatória intestinal. Não há achados cutâneos específicos. coluna “em bambu”.
Acometimento compressivo neurológico por fraturas ver-
tebrais, com síndrome de cauda equina, também pode ocor-
rer ou no caso de deformidade cervical em flexão grave.
Já amiloidose renal secundária é possível pelo estímulo
inflamatório crônico, mas isso é cada vez mais raro. E fibro-
se retroperitoneal é raramente descrita.
Em nível pulmonar, pode ocorrer fibrose apical interal-
veolar ou pneumonia crônica fibrosante, infiltrado linfoci-
tário e dilatação brônquica. Em estágios avançados pode
evoluir com fibrose difusa, bronquiectasia e formação de
cavidades.
B - Achados radiológicos
As alterações radiológicas são predominantemente ob-
servadas no esqueleto axial (sacroilíacas, interapofisárias,
discos vertebrais e articulações costovertebrais) e em locais
de entesopatia.
O envolvimento das sacroilíacas pode ser observado
em raio x simples da pelve, sobretudo se na posição de
Ferguson. A sacroileíte das espondiloartrites envolve a por- Figura 14 - Sinal de Romanus
ção sinovial, nos 2/3 inferiores da articulação sacroilíaca. Na
EA, o acometimento é bilateral e simétrico, assim como nas
espondiloartrites associadas às doenças intestinais inflama-
tórias (enteroartrites). Já nas artrites reativas e na psoriási-
ca, o acometimento geralmente é unilateral e assimétrico.
O 1º achado radiográfico são as erosões, que aparecem
como irregularidades no contorno da articulação. A pro-
gressão do processo erosivo resulta no pseudoalargamento
do espaço articular (a articulação parece mais larga do que
deveria), seguindo-se a esclerose óssea subcondral, até a
anquilose completa ou fusão articular. Nos casos iniciais,
mesmo com clínica, a radiografia pode não evidenciar as
alterações.
Na coluna vertebral, o processo inflamatório se inicia na
inserção do ânulo fibroso nas bordas dos corpos vertebrais.
O 1º sinal radiográfico, nesses casos, decorre da inflama- Figura 15 - Evolução de lesões espinhais da EA. Fonte: ASAS
ção dessa estrutura, resultando em corpos vertebrais com Handbook, 2009
47
REUMATO LOG I A
Tabela 5 - Achados radiológicos (raio x) da EA, que já indicam um - Entesite dos ligamentos espinhais;
comprometimento mais avançado: a ordem dos achados é cres-
- Sindesmófitos/anquilose: pontes ou fusão óssea entre corpos
cente em relação ao tempo de doença vertebrais adjacentes – achado tardio.
Sacroilíacas (fazer o raio x na posição de Ferguson)
- Envolvimento da porção sinovial, nos 2/3 inferiores; Achados radiográficos periféricos podem ser vistos
nas articulações acometidas, com osteoartrite secundá-
- Acometimento é bilateral e simétrico;
ria, levando a redução de espaço articular difuso em toda
- Erosões (irregularidades no contorno articular);
a articulação, esclerose subcondral e formação de osteó-
- Pseudoalargamento do espaço articular; fitos. Isso é comum nos quadris. Podem ocorrer também
- Esclerose óssea subcondral; irregularidades na inserção óssea dos tendões (geralmente
- Anquilose completa ou fusão articular. na inserção do tendão de Aquiles ou na inserção calcânea
Coluna (fazer raio x lateral de coluna cervical e lombar) da fáscia plantar), com calcificações grosseiras ao longo do
- Corpos vertebrais com os ângulos brilhantes (shiny corners ou tendão, partindo de sua inserção.
sinal de Romanus);
- Quadratura dos corpos vertebrais (que são normalmente bi-
côncavos);
- Sindesmófitos simétricos e regulares, bem verticalizados e mar-
ginais;
- Coluna “em bambu”.
48
E S P O N D I LO A R T R I T E S S O R O N E G AT I V A S
REUMATOLOGIA
Tabela 8 - Critérios de Nova Iorque modificados para espondilite
anquilosante (1984)
Diagnóstico
1. Critério clínico:
a) Dor lombar com rigidez por mais de 3 meses, que melhora
com o exercício, mas não com o repouso.
b) Limitação na mobilidade da coluna lombar nos planos sagital
e frontal.
c) Limitação na expansibilidade da caixa torácica.
2. Critério radiológico:
- Sacroileíte: grau >2 bilateralmente ou grau 3 a 4 unilateralmente.
Definição
1. EA definida, se tiver critério radiológico associado a pelo me-
Figura 18 - Sindesmófitos bilaterais, com o aspecto de coluna “em nos 1 critério clínico.
bambu”
2. EA provável:
a) Presença de 3 critérios clínicos.
b) O critério radiológico está presente sem qualquer sinal ou sin-
toma que satisfaça os critérios clínicos (outras causas devem ser
consideradas).
49
REUMATO LOG I A
de doenças que incluem infecções (tuberculose, brucelose, Os corticoides em baixas doses (prednisona ou equiva-
piogênicas), doença de Behçet, doença de Whipple, doença lente) estão indicados a casos de artrite periférica persis-
de Paget, neoplasias, febre familiar do Mediterrâneo, ocro- tente. Seu uso intra-articular pode ser uma alternativa em
nose e síndrome SAPHO. casos de oligo ou monoartrite residual.
E - Tratamento Nos pacientes com doença axial não responsiva ao uso
crônico de AINHs, estão indicados os agentes anti-TNF (ada-
Inicialmente, o paciente espondilítico deve ser informado
limumabe, etanercepte e infliximabe), que devem ser asso-
de que, embora a doença seja crônica, apresenta boas pers-
ciados a um AINH. Em caso de doença residual predominan-
pectivas terapêuticas nos dias de hoje, e de que a agregação
temente periférica, podem-se usar Drogas Modificadoras
familiar da doença somente costuma ser observada em fa-
do Curso da Doença (DMCDs) tradicionais de ação prolon-
mílias de pacientes HLA-B27 positivo. O amparo psicológico,
gada, como a sulfassalazina (2 a 3g/dia), o metotrexato (7,5
visando perfeita integração à sociedade, é fundamental na
a 25mg/semana) e a leflunomida (20mg/dia), os 2 últimos
condução terapêutica dos pacientes espondilíticos.
sem muita evidência científica, assim como os agentes bio-
A fisioterapia deve ser realizada de maneira sistemática
lógicos com ação anti-TNF. Nesses casos periféricos, pode-
em todos os estágios da doença para educação postural, pre-
-se fazer a combinação entre DMCDs tradicionais entre si e
servação de amplitude articular e conservação de energia.
um anti-TNF com 1 ou mais DMCDs tradicionais. Os anti-TN-
Os Anti-Inflamatórios Não Hormonais (AINHs) devem
Fs adalimumabe e infliximabe têm ação sobre os quadros
ser utilizados desde o início do tratamento e são modifica-
oculares (uveíte), sobre as entesites e quadros intestinais
dores de doença no que se refere ao quadro axial. Devem
de colite associada, diferente do etanercepte, que age pre-
ser mantidos continuamente, na maior dose tolerada (a
ferencialmente sobre o quadro articular.
máxima, se possível), mesmo que o paciente com quadro
axial esteja assintomático por uso de outra medicação (no- Sintomas constitucionais como fadiga, depressão e al-
tar que essa a única indicação de uso contínuo de AINH em terações do sono podem ser tratados com antidepressivos
dose plena). tricíclicos.
50
E S P O N D I LO A R T R I T E S S O R O N E G AT I V A S
AINH
Educação
REUMATOLOGIA
axial periférica
Fisioterapia
Associação de
pacientes
Corticosteroide local
Grupos de ajuda
Bloqueador do TNF
51
REUMATO LOG I A
b) Manifestações extra-articulares
Uretrite não gonocócica, quando presente, em geral
é a 1ª manifestação e acontece nas formas pós-venérea e
Figura 24 - Queratoderma blenorrágico. Fonte: ABC of Rheumato-
pós-entérica. Disúria e descarga uretral purulenta são os logy, 4th ed., 2010
sintomas mais típicos no homem, mas estão presentes,
ocasionalmente, prostatite e/ou epididimite. Mulheres po- A balanite circinada (Figura 25), uma lesão característi-
dem ter disúria, corrimento vaginal, cervicite e/ou vaginite. ca que envolve a glande peniana, aparece como ulcerações
Pacientes assintomáticos para inflamação genital frequen- serpiginosas ao redor da uretra. Úlceras orais podem apa-
temente têm piúria estéril, principalmente na 1ª urina da recer na língua e no palato, indolores. O paciente deve ser
manhã. questionado sobre essas alterações.
52
E S P O N D I LO A R T R I T E S S O R O N E G AT I V A S
REUMATOLOGIA
inflamatória, podendo atingir altos níveis de leucócitos. A
pesquisa de agentes infecciosos, incluindo gonococo, deve
ser feita para excluir artrite séptica.
D - Diagnóstico
O diagnóstico é feito por achados clínicos e laborato-
riais. A presença de oligoartrite assimétrica, soronegativa
(FR negativo) em pessoa jovem, deve alertar o médico para
o diagnóstico de ARe. Antecedentes de diarreia e doença
venérea podem ser informações adicionais.
Devem ser excluídas infecção gonocócica e outras for-
mas de artrite séptica. Em todas as pessoas com sinais de
inflamação baixa do trato geniturinário, deve ser feita a pes-
quisa de N. gonorrhoeae e C. trachomatis.
Figura 25 - Balanite circinada: observar as lesões de aspecto ser- O diagnóstico diferencial inclui ainda outras formas de
piginoso espondiloartrites, artrite reumatoide (que pode iniciar-se
de forma oligoarticular), infecção gonocócica disseminada,
Outras complicações são menos comuns, como a aor- infecções virais agudas e endocardite bacteriana.
tite, que ocorre em 1 a 2% dos pacientes. Regurgitação de
válvula aórtica e bloqueio cardíaco são consequências clí- Tabela 12 - Principais características da ARe
nicas do processo inflamatório. Amiloidose por amiloide A - Artrite periférica que se desenvolve após certas infecções dos
tem sido descrita em alguns casos e se manifesta por pro- aparelhos genitourinário e gastrintestinal (infecções genituriná-
teinúria ou síndrome nefrótica. rias não gonocócicas, geralmente por Chlamydia trachomatis ou
doença diarreica por Shigella, Salmonella e Campylobacter);
c) Associação a HIV
- Acomete mais homens jovens (relação entre homens e mulheres
A ARe tem sido relatada com frequência em pessoas é de 9:1);
com HIV, e sua prevalência e gravidade podem estar aumen- - Oligoartrite assimétrica com predomínio nos membros inferio-
tadas em associação aos vírus. Estudos recentes mostram res;
que o HIV isolado não causa a doença, mas sua associação - Entesites (por exemplo, calcaneodinia) e dactilites;
a outras doenças, como infecção por Chlamydia, pode ser
- Pode ocorrer envolvimento axial, que se associa à presença de
responsável pelo desenvolvimento de ARe. HLA-B27;
- Início agudo (1 a 4 semanas após a infecção desencadeante);
B - Achados radiográficos
- Manifestações extra-articulares: uretrite não gonocócica, conjun-
Anormalidades na radiografia não são encontradas em tivite, uveíte anterior aguda (irite), queratoderma blenorrágico,
fases iniciais da doença. Alterações encontradas são reação balanite circinada;
periosteal e erosões ósseas no calcâneo, na inserção da fás- - Associação a HIV.
cia plantar e/ou tendão de Aquiles. Achados similares po-
dem ser encontrados em pacientes com EA ou artrite pso- E - Tratamento
riásica. Algumas alterações são mais comumente vistas nos
Na fase articular aguda, inicia-se o tratamento com
pés, envolvendo as articulações metatarsofalangianas com
AINHs. Os corticoides estão reservados para casos de ente-
destruição óssea.
sopatia e artrites persistentes, sendo utilizadas baixas doses
Alterações radiográficas do esqueleto axial incluem sa-
de prednisona.
croileíte, frequentemente unilateral ou bilateral assimétri-
Quando há evolução para doença articular crônica, po-
ca, e sindesmófitos, mais grosseiros e unilaterais se compa-
dem ser utilizados sulfassalazina ou metotrexato nos casos
rados com a EA.
periféricos. Há relatos de uso de agentes anti-TNF (adalimu-
mabe, etanercepte ou infliximabe) em pacientes que croni-
C - Achados laboratoriais ficam o envolvimento articular, sobretudo axial.
Achados inespecíficos podem incluir leve anemia nor- A administração de antibióticos deve ser considerada
mocítica normocrômica de doença crônica, leucocitose e quando há infecção. Nas infecções entéricas, está indicado
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REUMATO LOG I A
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E S P O N D I LO A R T R I T E S S O R O N E G AT I V A S
se mostrou eficaz no controle da doença articular, mas não víduos jovens, na 2ª e 3ª décadas de vida. Afeta as
da DC intestinal propriamente dita. Acredita-se que diferen- pequenas articulações das mãos e dos pés, evoluindo
ças na forma de inibição do TNF sejam responsáveis pela para deformidades importantes (Figura 29) e encurta-
diferença na forma de tratamento. mento dos dedos (dedos “telescopados”);
- Forma espondilítica (5%): com envolvimento do es-
REUMATOLOGIA
6. Artrite psoriásica queleto axial, com espondilite e sacroileíte. Pode
A Artrite Psoriásica (AP) forma um grupo heterogêneo acompanhar as outras formas em até 40% dos casos.
de manifestações articulares inflamatórias crônicas em
As formas de apresentação da doença podem sobrepor-
associação à psoríase, uma doença inflamatória cutânea,
-se com o passar dos anos. Pacientes com doença estabele-
característica pela presença de lesões eritematodescamati-
cida têm mais doença poliarticular.
vas, principalmente em faces extensoras do corpo, poden-
do acometer também o couro cabeludo, as palmas e plan- a) Artrite periférica
tas, áreas flexoras e unhas, com alterações características. Costuma ser oligoarticular no início da doença, mas, com
A AP pode apresentar-se de muitas formas: monoartri- o passar dos anos e um número maior de articulações sendo
te, oligoartrite assimétrica, envolvimento de articulações acometidas, tende a tornar-se poliarticular. Algumas caracte-
axiais (com características de espondiloartropatias sorone- rísticas ajudam a diferenciar a AP da AR: a AP é mais frequente-
gativas), poliartrite simétrica (semelhante à artrite reuma- mente assimétrica, pode acometer as interfalangianas distais
toide), e artrite mutilante. (poupadas na AR), tem FR costumeiramente negativo (embora
A prevalência da AP é de aproximadamente 0,1 a 1%. A possa ser positivo numa minoria de casos – <10% se medido
artrite ocorre em 10% dos pacientes com psoríase. O aco- por ELISA), acomete homens e mulheres igualmente e tem ca-
metimento da pele costuma preceder a artrite em 75% dos racterísticas radiográficas peculiares com a lesão tipo pencil-in-
casos, com início simultâneo em 10% dos pacientes. Na mi- -cup. Pode ainda manifestar-se como artrite mutilante.
noria restante (15%), a artrite pode anteceder o surgimento
b) Envolvimento axial
da psoríase em cerca de 2 anos. A relação entre homens e
mulheres é de 1:1, exceto em subtipos específicos, com pre- A AP pode acometer sacroilíacas e a coluna. Entretanto,
dominância do sexo feminino na forma poliarticular simétri- assim como nas artrites reativas e diferentemente da EA e
ca e do sexo masculino na forma com envolvimento axial. A das espondiloartropatias associadas à doença inflamatória
idade de maior prevalência está entre os 30 e os 55 anos. intestinal, o envolvimento axial costuma ser assimétrico,
A etiologia da psoríase é desconhecida. Fatores genéti- com sindesmófitos grosseiros. Apenas parte dos pacientes
cos, ambientais e imunológicos estão envolvidos na susceti- com manifestações radiográficas tem clínica de dor inflama-
bilidade e na expressão da doença. tória associada. A grave limitação do esqueleto axial como
na EA também é menos comum.
A - Achados clínicos c) Outras manifestações articulares/periarticulares
Classicamente, a AP apresenta 5 formas clínicas: Outras manifestações podem ser entesites, dactilites e
- Oligoartrite assimétrica (70%): a forma clínica mais tenossinovites. As primeiras costumam acometer a inser-
frequente acomete até 4 articulações, grandes e/ou ção do tendão de Aquiles e da fáscia plantar no calcâneo,
pequenas, com predomínio de membros inferiores, levando à típica dor em tornozelos das espondiloartrites
geralmente de forma assimétrica. Dactilites são co- (calcaneodinia). Pode acometer também as ênteses em jo-
muns, caracterizando os dedos “em salsicha”; elhos, ombros e ossos da pelve. As dactilites ou dedos “em
- Poliartrite simétrica (15%): apresenta quadro articular salsicha” são típicas da AP e da ARe, afetando principal-
muito semelhante ao da artrite reumatoide, com ero- mente os pés, mas também as mãos. A dactilite resulta da
são e acometimento de carpo, metacarpofalangianas e artrite dos dedos com tenossinovite dos flexores do dedo
interfalangianas proximais. Entretanto, pode acometer envolvido, levando ao edema difuso do dedo. As tenossi-
concomitantemente as articulações interfalangianas novites costumam acometer os tendões flexores dos dedos
distais, classicamente não afetadas na artrite reuma- e o extensor do carpo (pouco acometido na AR) e provocar
toide (Figura 26); nódulos e muita limitação funcional.
- Envolvimento de interfalangianas distais (5%): aco-
mete exclusivamente as articulações interfalangianas
distais (Figuras 27 e 28), geralmente associado às le-
sões ungueais típicas da psoríase (unha “em dedal” ou
pitting nail); pode acometer conjuntamente pacientes
com outros padrões em até 50% dos casos;
- Artrite mutilante (<5%): é a forma clínica menos fre-
quente e mais grave, acometendo geralmente indi- Figura 26 - Artrite psoriásica tipo AR
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REUMATO LOG I A
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E S P O N D I LO A R T R I T E S S O R O N E G AT I V A S
da porção distal das falanges e lesão em aspecto de taça Tabela 14 - Critérios classificatórios de artrite psoriásica. Grupo
nas porções proximais. Uma falange afilada distalmente Caspar, 2006
em articulação com outra cuja base foi alargada em forma Doença articular inflamatória estabelecida e pelo menos 3
de taça leva à característica lesão tipo pencil-in-cup (Figura pontos nos seguintes critérios
32). A artrite mutilante se manifesta radiograficamente por Psoríase cutânea atual 2 pontos
REUMATOLOGIA
total desarranjo articular e intensa (e até total) destruição História de psoríase 1 ponto
óssea. O envolvimento axial é caracterizado por formação
História familiar de psoríase 1 ponto
de sindesmófitos grosseiros, não marginais, na coluna, or-
ganizados de forma assimétrica e sacroileíte também gros- Dactilite 1 ponto
seira e assimétrica. A anquilose na coluna e em sacroilíacas Neoformação óssea justa-articular 1 ponto
também pode acontecer. Fator reumatoide negativo 1 ponto
Distrofia ungueal 1 ponto
D - Tratamento
Os anti-inflamatórios são utilizados para a dor articular
periférica e axial. Os corticoides podem ser utilizados em
baixas doses em casos de artrite periférica, mas devem ser
evitados porque sua retirada pode piorar o quadro cutâneo.
Injeções intra-articulares de corticoide podem ser feitas
episodicamente em mono ou oligoartrites, tendo efeito sin-
tomático rápido, mas transitório. Só deve ser realizada caso
de não haja lesão cutânea sobre a via de acesso articular,
pois a lesão da psoríase é infectada.
Nos casos não responsivos com envolvimento periféri-
co, podem ser utilizados metotrexato, sulfassalazina, ciclos-
porina e leflunomida, todos com algum benefício articular
Figura 32 - Observar o acometimento assimétrico das articulações, periférico e cutâneo, à exceção da sulfassalazina, sem be-
mais evidente em IFD, o aspecto pencil-in-cup na 3ª interfalangia- nefício cutâneo. Os agentes anti-TNF (adalimumabe, eta-
na distal nercepte e infliximabe) têm benefício provado nas manifes-
tações cutâneas e articulares axiais e periféricas. Quando
C - Diagnóstico houver quadro axial importante ou na falha de outros agen-
tes para o quadro articular periférico ou para a pele, esses
Segundo os critérios de Caspar, deve ser feito com base agentes estão indicados. Entretanto, quando indicados para
na presença de psoríase atual, história pessoal ou familiar o quadro cutâneo, a dose dos anti-TNFs é maior do que a
de psoríase cutânea, presença de alterações ungueais de normalmente prescrita para o quadro articular.
psoríase, negatividade do fator reumatoide, presença de Outros agentes biológicos usados no tratamento da pso-
dactilite e evidência radiológica de formação óssea justa- ríase cutânea (alefacepte, efalizumabe) não são usados na
-articular, que não osteófitos. Os diagnósticos diferenciais forma articular, e outros agentes biológicos usados em AR
incluem artrite reumatoide, outras espondiloartrites, os- não têm benefício provado em AP.
teoartrite e síndrome SAPHO. A AR geralmente é poliarticu-
lar simétrica (mas pode se iniciar oligoarticular, e AP pode 7. Miscelânea
ser poliarticular), com fator reumatoide positivo em 75%
dos casos contra menos de 10% nos casos de AP, sem le-
sões tipo pencil-in-cup ou grande formação óssea adjacente A - Síndrome SAPHO (Sinovite + Acne + Pustulose
às áreas de erosão, sem psoríase associada (embora AR e palmoplantar + Hiperostose esternocostocla-
psoríase possam coexistir pela alta prevalência de ambas na vicular + Osteíte multifocal crônica recorrente)
população: 1 e 3%, respectivamente), sem quadro articular
axial, dactilites ou entesites sugestivos de espondiloartrites É um diagnóstico diferencial das espondiloartrites soro-
e sem envolvimento da interfalangiana distal. As outras es- negativas, sobretudo com a AP, que quadro de pustulose
pondiloartrites se distinguem pelos achados mucocutâneos plantar, pode simular psoríase palmoplantar. Pode provocar
e radiográficos, e a osteoartrite, principalmente quando a ainda sacroileíte, hiperostose vertebral e entesopatia.
AP acomete as interfalangianas distais, também envolvidas
na osteoartrite. B - Doença de Whipple
Segundo os critérios de Caspar, o diagnóstico de AP É uma doença crônica sistêmica rara, que é difícil de
deve ser obtido com base na Tabela 14. diagnosticar. É potencialmente grave e envolve qualquer
57
REUMATO LOG I A
órgão, mas o intestino delgado é afetado na maioria dos D - Artropatias associados com a cirurgia bypass
pacientes. intestinal
A relação entre a doença de Whipple e HLA-B27 não é
clara, e os resultados de estudos recentes não suportam a Entre 1954 e 1983, mais de 100.000 indivíduos foram
inclusão da doença de Whipple no conceito de espondilo- submetidos à cirurgia de bypass jejunoileal como um trata-
artropatia. mento para obesidade mórbida. Inicialmente, procedimen-
A doença de Whipple é muito mais frequente em ho- tos de revascularização jejunocólicos foram realizados, mas,
mens que em mulheres (proporção 9:1). As queixas mais por causa de graves complicações metabólicas, foram aban-
comuns são diarréia, perda de peso severa, febre e artri- donados e substituídos por cirurgia de bypass jejunoileal.
te. Linfadenopatia cervical e axilar, hiperpigmentação ge- Entretanto, estas técnicas também levaram a complicações
neralizada e serosite também são características comuns. pós-operatórias em mais de 25% dos pacientes. Esta artrite
Raramente, o sistema nervoso pode estar envolvido. Artrite iatrogênica associada à cirurgia de bypass jejunoileal, reco-
periférica é observada em 80% dos casos, e pode preceder nhecida como a síndrome da “artrite-dermatite”, levou a
as queixas intestinais por até cinco anos. Flares dos sinais importantes avanços na compreensão das doenças articu-
articulares não estão relacionadas com os sintomas intesti- lares inflamatórias.
nais. O padrão de envolvimento articular é principalmente A artrite do bypass também pode ocorrer em pacientes
poliarticular e simétrica. que não tenham sofrido cirurgia de bypass intestinal, mas
Achados laboratoriais: baixas concentrações séricas de que tenham tido algum acometimento intestinal como qua-
caroteno e anemia, hipoalbuminemia e baixas concentra- dro inflamatório ou diverticular, ou ainda desarranjos intes-
ções de ferro sérico são as alterações laboratoriais mais tinais que causem sobrecrescimento bacteriano.
frequentes, juntamente com um aumento de gordura nas
fezes.
8. Resumo
O líquido sinovial contém número variável de células Quadro-resumo
(4.000 a 100.000 células/mm3), que são predominante- Artrite Artrite
mente polimorfonucleares (até 100%). As lesões erosivas EA
psoriática reativa
nas radiografias são geralmente ausentes, embora a artrite Prevalência >0,1% 0,1% 0,05 a 0,01%
destrutiva tenha sido relatada. A incidência de envolvimen-
Homem:mulher 3 a 5:1 1:1 9:1
to axial é controversa, variando entre 8% a 20%.
Tratamento: administração de antibióticos adequados, Artrite axial 100% 20% 20%
geralmente tetraciclinas, pelo menos, um ano geralmente é Sacroileíte Bilateral Unilateral Unilateral
curativa, mas a doença pode recorrer. Artrite periférica 25% 60 a 95% 90%
Uveíte 30% 15% 15 a 20%
C - Artropatia associada à doença celíaca Dactilite Incomum 25% 30 a 50%
Muitos distúrbios, tais como a dermatite herpetiforme, HLA-B27 + 90% 40% 50 a 80%
hipoesplenismo e desordens auto-imunes, têm sido asso- HLA-B27 + pre-
ciados com a doença. sença de artrite 90% 50% 90%
Vários relatos têm-se centrado sobre a ocorrência de ar- axial
trite relacionada à doença celíaca em um número limitado
de casos. Vários pacientes nos quais a patologia do intestino
foi diagnosticada também apresentam artrite proeminen-
tes que resolve com uma dieta livre de glúten.
A distribuição da artrite varia. A coluna lombar, quadril,
joelhos e ombros são mais comumente afetados, segui-
do do cotovelo, punho e tornozelo em menos de 50% dos
pacientes. Comprometimento articular periférico é relati-
vamente simétrico e é acompanhada de rigidez matinal e
edema articular. As alterações radiográficas são raras.
A alta frequência de HLA-B8, DR3 nos pacientes com do-
ença celíaca tem sido repetidamente relatados.
O tratamento inclui instituição de uma dieta isenta de
glúten resolve ambos os problemas articulares e as altera-
ções na permeabilidade intestinal.
58
CAPÍTULO
6
Febre reumática
Rodrigo Antônio Brandão Neto / Ana Cristina de Medeiros Ribeiro
Aleksander Snioka Prokopowistch / Hérica Cristiani Barra de Souza
59
REUMATO LOG I A
60
FEBRE REUMÁTICA
REUMATOLOGIA
podem provocar insuficiência cardíaca aguda.
Anormalidades eletrocardiográficas encontradas são
bloqueios cardíacos de vários graus, incluindo dissociação
atrioventricular.
A alteração radiográfica mais comum da cardite é a
cardiomegalia (Figuras 1 e 2). Estudos utilizando o ecocar-
diograma sugerem que esse exame seja mais sensível para Figura 1 - Cardiomegalia em paciente com FR
detectar disfunções cardíacas.
O envolvimento valvar persistente é a principal causa da
grande morbimortalidade cardíaca associada à FR. Ocorre
de 10 a 20 anos após o surto inicial, sendo a principal causa
de doença valvular adquirida em todo o mundo. A válvu-
la mitral é a mais acometida, seguindo-se o envolvimento
conjunto mitral e aórtico e, com menor frequência, o aórti-
co isolado. A estenose mitral se deve à calcificação da vál-
vula, que é o achado clássico. Na aórtica, é mais comum
a insuficiência. Raramente, a tricúspide e a pulmonar são
envolvidas (Figura 3). Este acometimento valvar, por menor
que seja, por si leva a maior suscetibilidade à endocardite
infecciosa.
Deve-se classificar a gravidade da cardite em: Figura 2 - Radiografia de tórax do mesmo paciente após o trata-
- Cardite subclínica: exame físico, ECG e raio x normais, mento da FR
porém alteração no intervalo PR. Ecocardiograma com
regurgitação mitral e/ou aórtica leves;
- Cardite leve: taquicardia desproporcional ao estado
febril, B1 abafada, sopro sistólico mitral, raio x com
área cardíaca dentro da normalidade, ECG com pro-
longamento do espaço PR. Ecocardiograma demonstra
regurgitação que varia de leve a moderada e sem alte-
rações de dimensão do ventrículo esquerdo;
- Cardite moderada: taquicardia persistente e intenso
sopro de regurgitação mitral com ou sem sopro aór-
tico diastólico associado. Pode-se evidenciar sopro de
Carey Combs (ruflar mesodiastólico de ponta, baixa in-
tensidade e frequência, melhor audível em decúbito
semilateral esquerdo, diferente do sopro da estenose Figura 3 - Ordem do acometimento valvar na cardite reumática
mitral, este não tem estalido de abertura e hiperfone-
se de B1). Presença de sinais incipientes de ICC e raio C - Coreia
x tórax revelando aumento de área cárdica leve e si-
nais de congestão pulmonar. No ecocardiograma há Coreia de Sydenham, coreia menor ou dança de San
regurgitação mitral leve a moderada, com ou sem re- Vito, é a desordem neurológica que se manifesta por movi-
gurgitação aórtica de mesmo padrão e aumento leve- mentos abruptos, involuntários e desordenados nos mem-
-moderado de câmaras cardíacas esquerdas; bros e na face. Os movimentos geralmente são mais evi-
- Cardite grave: moderada + ICC estabelecida, arritmias, dentes em um lado do corpo, podem ser completamente
pericardite, sopros mais evidentes. RX tórax com in- unilaterais (hemicoreia) e desaparecem durante o sono.
tensa cardiomegalia e congestão pulmonar. ECG com A coreia ocorre em menos de 10% dos pacientes, tem
sobrecarga de VE. Ecocardiograma com regurgitação predomínio em meninas e aparece mais tardiamente que
mitral e/ou aórtica moderada a severa e aumento de as demais manifestações, cerca de 6 a 8 semanas após a
moderado a grave de câmaras esquerdas. infecção estreptocócica, por isso pode ocorrer isoladamen-
61
REUMATO LOG I A
te e dar o diagnóstico de FR sem a presença de outros cri- Tabela 2 - Descrição dos critérios maiores para diagnóstico de FR
térios. Tem duração de 1 semana a 2 anos (média de 8 a - Ocorrência em 75% dos casos: sintoma mais
15 semanas). Transtornos emocionais, choro e alterações comum de FR;
psiquiátricas podem ser observados nestes pacientes. - Maior frequência e gravidade em adultos jovens
Alguns indivíduos com coreia podem não ter nenhum e adolescentes do que em crianças;
sintoma, mas o exame cardiológico deve ser realizado com - Poliartrite migratória e fugaz, muito dolorosa;
atenção, para tentar-se diagnosticar um sopro persistente.
Artrite - Início precoce e resolução espontânea em 1 a 4
semanas;
D - Nódulos subcutâneos (nódulos de Maynet)
- Articulações mais atingidas: joelhos, tornozelos,
Os nódulos subcutâneos da FR aparecem após semanas da punhos e ombros;
doença e se associam à cardite. São pequenos (1 a 2cm de di- - Não deformante;
âmetro), firmes e indolores, localizados mais comumente sob - Resposta boa e rápida aos anti-inflamatórios.
proeminências ósseas, próximas aos tendões, em superfícies - Ocorrência em 50 a 60% dos pacientes;
extensoras, como cotovelos, joelhos, punhos, região occipital.
- Possibilidade de ser assintomática;
Podem ser únicos ou múltiplos (Figura 4) e assemelham-se a
grãos de arroz sob a pele, que não se encontra inflamada e - Frequência diminui com a idade;
geralmente pode ser móvel sobre os nódulos. Persistem por 1 - Pancardite: envolvimento do endocárdio, miocár-
ou mais semanas, mas raramente duram meses. dio e pericárdio;
- Miocardite: cardiomegalia, taquicardia, distúrbios
de condução e falência cardíaca congestiva;
- Pericardite: desconforto ou dor torácicos, derra-
Cardite me ou atrito pericárdico;
- Miocardite e pericardite sem endocardite não
são característicos de FR;
- Achados da endocardite: valvulite mitral e aórti-
ca, sopro novo, insuficiência cardíaca aguda;
- Dano valvar persistente;
- Válvula mais acometida: mitral (estenose por calci-
ficação), depois o envolvimento conjunto mitral e
Figura 4 - Nódulo subcutâneo no cotovelo de paciente com FR aórtico e o aórtico isolado (insuficiência).
- Movimentos abruptos, involuntários e desorde-
E - Eritema marginado nados nos membros e na face, que desaparecem
durante o sono;
Trata-se de um rash cutâneo de caráter evanescente, - Predomínio em meninas;
não pruriginoso, de coloração rósea a avermelhada, que
- Aparecimento tardio (6 a 8 semanas após a infec-
acomete frequentemente o tronco, porção proximal dos Coreia
ção estreptocócica);
membros e poupa a face. Essas lesões se estendem centri-
- Possibilidade de ocorrer isoladamente e fazer o
fugamente, enquanto a região central é de coloração nor- diagnóstico sem a presença de outros critérios;
mal, de limites bem delimitados (Figura 5). As lesões podem
- Duração de 1 semana a 2 anos (média de 8 a 15
desaparecer em questão de horas, e banho quente pode semanas).
torná-las mais evidentes. Eritema marginado usualmente é
- Associação a cardite;
precoce durante a doença e está associado à cardite.
Nódulos - Nódulos pequenos (1 a 2 cm), firmes e indolores,
subcutâ- únicos ou múltiplos;
neos - Aparecimento após semanas da doença e persis-
tência por 7 dias ou mais.
- Início precoce;
- Associação a cardite;
- Rash cutâneo evanescente, não pruriginoso, de
coloração rósea a avermelhada;
Eritema
marginado - Distribuição no tronco, porção proximal dos
membros; poupa a face;
- Extensão centrífuga;
- Possibilidade de ser desencadeado pelo calor e
Figura 5 - Eritema marginado de localização na região dorsal desaparecer em horas.
62
FEBRE REUMÁTICA
5. Achados laboratoriais
Nenhum exame laboratorial é específico de FR. Alguns
podem estar alterados e ter implicação no diagnóstico,
como as provas de atividade inflamatória ou provas de
REUMATOLOGIA
fase aguda: a velocidade de hemossedimentação (VHS) e a
Proteína C Reativa (PCR), que costumam estar aumentadas,
e sua alteração consiste em um sinal menor para o diag-
nóstico. Figura 6 - Swab de orofaringe para identificar o EBHGA
Outro grupo importante de achados laboratoriais é o
que denuncia infecção recente por estreptococo. Culturas Outros exames podem auxiliar no diagnóstico.
de orofaringe usualmente são negativas na época em que a Radiografias de tórax seriadas podem ajudar no curso da
FR aparece, mas podem ajudar a isolar o micro-organismo cardite, mostrando variações no tamanho da área cardíaca.
(Figura 6). Portanto recomenda-se fazer 2 ou 3 culturas de O ECG pode mostrar alargamento do intervalo PR (critério
orofaringe no momento da suspeita diagnóstica, antes de menor) ou do QT. Se houver derrame pericárdico, poderão
ocorrer alterações difusas do segmento ST. O ecocardiogra-
iniciar a antibioticoterapia. Alguns anticorpos contra antí-
ma é de grande valia, pois pode mostrar espessamento e
genos bacterianos podem ser dosados, como os anticorpos
diminuição da mobilidade das válvulas atingidas, efusão pe-
antiestreptolisina O (ASLO), anti-DNAse B e anti-hialuroni-
ricárdica ou disfunção miocárdica.
dase. O anticorpo mais utilizado é o ASLO, pela facilidade
de obtenção e homogeneidade dos resultados, sendo en- 6. Diagnóstico diferencial
contrado em títulos elevados em até 80% dos pacientes no
Como quadro clínico e alterações laboratoriais não são
quadro inicial. Seus títulos atingem o pico de 3 a 6 semanas
específicos da FR, e esse diagnóstico implica um tratamen-
após a infecção. Na maioria dos serviços, seguem-se os cri-
to prolongado, recomenda-se sempre excluir outras patolo-
térios determinados por Décourt para ASLO, considerando
gias possíveis e tentar evidenciar a infecção estreptocócica
o nível de 250UT (Unidades Todd) como normal para crian- pregressa. O quadro de poliartrite na faixa etária da FR en-
ças com menos de 5 anos e, para finalidades práticas, como tra no diagnóstico diferencial de artrite idiopática juvenil,
anormais taxas acima de 333UT para crianças com menos Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) juvenil e, em adolescen-
de 5 anos e acima de 500UT para crianças acima dessa tes, artrite gonocócica. A coreia pode ser encontrada em
idade. Cerca de 80% dos pacientes com FR apresentam tí- pacientes com síndrome antifosfolípide e LES, em tumores
tulos elevados de ASLO. Se esse teste for negativo, outros de gânglios basais e na gravidez. A presença de sopro car-
anticorpos com pico de titulação mais tardio (anti-DNAse díaco novo com febre, poliartrite e aumento das provas de
B ou anti-hialuronidase) deverão ser dosados. O anticorpo atividade inflamatória exige a exclusão de endocardite bac-
anti-DNAse B atinge seu pico entre 6 e 8 semanas após a teriana com ecocardiograma e pelo menos 3 pares negati-
infecção. vos de hemocultura.
Tabela 3 - Diagnóstico diferencial das principais manifestações da FR
Artrite Cardite Coreia Nódulos subcutâneos Eritema marginado
Infecciosas virais: peri- Doenças reumáticas: artri-
Infecciosas virais: rubéola, Infecciosas: encefalites,
cardites e perimiocar- te idiopática juvenil, lúpus Infecciosas: septicemias.
caxumba, hepatite. virais.
dites. eritematoso sistêmico.
Doenças reumáticas:
Bacterianas: gonococos, Doenças reumáticas:
artrite idiopática juve-
meningococos, endocardi- lúpus eritematoso sis- Reações e drogas.
nil, lúpus eritematoso
te bacteriana. têmico.
sistêmico.
Reativas: pós-entéricas ou
Doenças reumáticas.
pós-infecções urinárias.
Doenças hematológicas: Outros: nódulos subcutâ-
anemia falciforme. neos benignos.
Outros: síndrome anti- Outros: síndrome anti-
Neoplasias: leucemia linfo-
fosfolípide, coreia fami- fosfolípide, coreia fami-
blástica aguda.
lial benigna. lial benigna. Idiopático.
Doenças reumáticas: lúpus
eritematoso sistêmico,
artrite idiopática juvenil,
vasculites.
Fonte: Diretrizes Brasileiras para o Diagnóstico, Tratamento e Prevenção da Febre Reumática, 2009.
63
REUMATO LOG I A
64
FEBRE REUMÁTICA
REUMATOLOGIA
O haloperidol permanece como a melhor opção te- Segundo a Associação Americana de Cardiologia, pa-
rapêutica no controle sintomático dos movimentos, com cientes que tiveram cardite devem manter a profilaxia du-
melhora clínica após 5 a 6 dias, em média, e desapareci- rante toda a vida, e aqueles que não tiveram devem manter
mento dos sinais em 30 a 40 dias, permitindo à criança um a profilaxia até 21 anos e pelo menos durante 5 anos após
retorno mais rápido às atividades diárias. Apesar de serem o último surto.
raras as reações graves ou irreversíveis associadas ao uso de Pacientes com regurgitação mitral leve ou cardite cura-
haloperidol, recomenda-se cautela na sua administração, e, da e baixo risco de contato com o estreptococo poderão
suspender a profilaxia com 25 anos e após 10 anos do úl-
quando doses superiores a 5mg/dia forem necessárias, será
timo surto.
importante a monitorização em ambiente hospitalar, pelos
A baixa adesão ao tratamento parece ser a principal
riscos de impregnação. O ácido valproico pode ser uma al-
causa de recorrência da FR.
ternativa terapêutica para crianças que apresentaram toxi-
cidade ou que não podem ser supervisionadas durante a Tabela 6 - Duração da profilaxia secundária
administração do haloperidol. O tempo de resposta é dis- Nível de
cretamente maior, e, apesar da possível hepatotoxicidade, Categoria Duração
evidência
em geral, nenhuma complicação importante está associada Até 21 anos ou 5 anos
ao uso da droga. após o último surto, va-
FR sem cardite prévia I-C
lendo o que cobrir maior
C - Profilaxia secundária período
FR com cardite prévia; Até 25 anos ou 10 anos
Independentemente da gravidade do surto inicial, pa-
insuficiência mitral leve após o último surto, va-
cientes portadores de FR apresentam riscos elevados (de residual ou resolução lendo o que cobrir maior
I-C
20 a 50%) de recorrência da doença após novas infecções da lesão valvar período
estreptocócicas de orofaringe. Novos surtos da doença po-
Lesão valvar residual Até os 40 anos ou por
derão agravar lesões cardíacas preexistentes ou propiciar I-C
moderada a severa toda a vida
seu surgimento, razão pela qual a profilaxia secundária é
Após cirurgia valvar Por toda a vida I-C
obrigatória e seu objetivo é prevenir novas faringites es-
Fonte: Diretrizes Brasileiras para o Diagnóstico, Tratamento e
treptocócicas, portanto, impedir as recorrências de FR.
Prevenção da Febre Reumática, 2009.
Há cerca de 40 anos, a droga de escolha para a profilaxia
secundária é a penicilina benzatina, por ser a que fornece D - Profilaxia da endocardite bacteriana
proteção mais efetiva contra faringite estreptocócica e con-
tra recorrências de FR, quando comparada a outras drogas, Procedimentos cirúrgicos ou dentários em pacientes
como a penicilina oral ou a sulfadiazina. com cardiopatia reumática devem ser acompanhados de
Com a utilização de 1.200.000U de penicilina benzatina doses suplementares de antibióticos. As recomendações
a cada 4 semanas, a taxa de recorrência da FR se situa entre variam de acordo com o procedimento e a idade do pa-
5 e 8% em seguimentos de 5 a 6 anos, sendo essa a principal ciente.
razão para a Organização Mundial de Saúde e a Associação Para a profilaxia do Streptococcus viridans, responsável
Americana de Cardiologia recomendarem o uso de penici- por 50 a 75% das infecções endocárdicas, recomenda-se a
utilização da amoxicilina 1 hora antes e 6 horas depois do
lina benzatina a cada 3 semanas em países em desenvolvi-
procedimento.
mento, como o Brasil (Tabela 5).
Tabela 5 - Profilaxia secundária da FR 8. Alergia à penicilina
Medicamento/opção Dose/via de administração Intervalo Estudos em pacientes tratados em longo prazo com
Peso <20kg 600.000UI IM; penicilina mostram que somente 3,2% apresentam algum
Penicilina G benza-
Peso ≥20kg 1.200.000UI 21/21 dias tipo de alergia. Reações anafiláticas graves apresentam
tina
IM. uma incidência da ordem de 0,04 a 0,2% e que as reações
Penicilina V 250mg VO. 12/12h potencialmente fatais são extremamente raras, da ordem
Em caso de alergia à penicilina de 0,001%. Na faixa etária pediátrica, essas cifras são ainda
menores.
Peso <30kg – 500mg VO;
Sulfadiazina 1x/dia Na ausência de reações após a 1ª aplicação de penicili-
Peso ≥30kg – 1g VO.
na benzatina, a presença de reações à 2ª dose é extrema-
65
REUMATO LOG I A
9. Resumo
Quadro-resumo
- Febre Reumática (FR): condição inflamatória multissistêmica
desencadeada por infecção por EBHGA de Lancefield;
- Mecanismo provável: mimetismo molecular (reação cruzada
entre proteínas humanas e do estreptococo);
- Acometimentos principais: articular (poliartrite migratória),
cardíaco (cardite), neurológico (coreia) e cutâneo (nódulos
subcutâneos e eritema marginado);
- Diagnóstico através dos critérios de Jones: presença de 2 crité-
rios maiores ou 1 maior e 2 menores, na presença de evidência
de infecção prévia pelo EBHGA;
- Tratamento: profilaxia primária (erradicação do EBHGA), trata-
mento dos sintomas e profilaxia secundária;
- Profilaxia primária e secundária: o antibiótico de escolha é a
penicilina benzatina;
- Tratamento sintomático: inclui, conforme o caso, AINHs, corti-
costeroides e medicações para coreia (de escolha: haloperidol).
66
CAPÍTULO
7
Gota
Rodrigo Antônio Brandão Neto / Ana Cristina de Medeiros Ribeiro
Aleksander Snioka Prokopowistch / Hérica Cristiani Barra de Souza
67
REUMATO LOG I A
68
G O TA
REUMATOLOGIA
- Deficiência de hipoguaninafosforibosiltransferase;
A hiperuricemia é um achado bioquímico comum. Nos
- Deficiência de glicose-6-fosfatase. fluidos extracelulares, 98% do ácido úrico estão na forma
Doenças que cursam com aumento da produção de purinas de monourato no pH = 7,4. Em termos fisiológicos, qual-
- Doenças hemolíticas; quer valor acima de 6,8mg/dL compreende hiperuricemia,
- Doenças mieloproliferativas; desde que exceda a concentração solúvel de monourato
Doenças que cursam com aumento da produção de purinas nos fluidos corporais.
- Glicogenose II, V e VII; A maioria das pessoas com hiperuricemia nunca desen-
- Obesidade; volve sintomas associados a excesso de ácido úrico, como
- Policitemia vera; artrite gotosa, tofos e cálculos renais.
- Psoríase. A hiperuricemia não diagnostica gota isoladamente
Doenças medicamentos ou hábitos alimentares nem é uma doença propriamente dita.
- Ácido nicotínico;
- Dieta rica em purinas; B - Gota aguda intermitente
- Drogas citotóxicas; O ataque inicial de gota aguda usualmente é precedido
- Etanol;
por décadas de hiperuricemia assintomática.
- Frutose;
O episódio de ataque de gota usualmente é uma dor de
- Vitamina B12 (pacientes com anemia perniciosa);
início agudo, acompanhada de calor, edema e eritema. A
- Varfarina.
dor é intensa e atinge o pico máximo entre 12 e 48 horas.
Defeitos na depuração renal de ácido úrico
O ataque inicial geralmente é monoarticular e, na metade
Doenças
dos pacientes, envolve a 1ª articulação metatarsofalangia-
- Acidose lática;
na, a chamada crise de podagra (Figura 2). Essa articulação
- Cetoacidose diabética;
é afetada em 90% dos indivíduos com gota. Outras articu-
- Desidratação;
lações frequentemente envolvidas em estágio precoce são
- Diabetes insipidus;
- Doença renal policística;
pequenas articulações do antepé, tornozelos, calcanhares e
- Hiperparatireoidismo; joelhos e, menos comumente, punhos, quirodáctilos e om-
- Hipertensão arterial; bros. A dor geralmente é muito intensa.
- Hipotireoidismo; Sintomas sistêmicos, como febre, calafrios e mal-estar,
- Insuficiência renal crônica; podem acompanhar a gota aguda. O eritema cutâneo asso-
- Obesidade; ciado ao ataque agudo de gota envolve a articulação e pode
- Restrição salina; se assemelhar a uma celulite bacteriana. O curso natural da
- Sarcoidose; gota aguda não tratada varia de episódios de dores mode-
- Toxemia da gravidez; radas que se resolve em algumas horas a ataques severos
- Síndrome de Bartter; que duram de 1 a 2 semanas. O episódio entre os ataques
- Síndrome de Down. pode durar anos, mas, com o tempo, a tendência é que os
Drogas e hábitos alimentares ataques se tornem mais frequentes, com maior duração e
- Ciclosporina; envolvimento de múltiplas articulações.
- Diurético; O período intercrítico é aquele em que as articulações
- Etambutol; estão fora do ataque agudo de gota. Apesar disso, cristais
- Pirazinamida; de monourato de sódio são frequentemente identificados
- Etanol; no líquido sinovial. Nesse período, em estágios precoces da
- Levodopa; doença, a articulação se mantém assintomática, mas, com a
- Salicilatos em pequenas doses; recorrência dos ataques, fica comprometida; pode haver dor
- Uso abusivo de laxantes.
persistente, que indica evolução para gota tofácea crônica.
69
REUMATO LOG I A
Figura 2 - Podagra
Figura 4 - Presença de tofos em quirodáctilos e dorso da mão
70
G O TA
Tabela 7 - Fases clínicas da gota desenvolvem em 50% dos pacientes quando o urato está
- Achado bioquímico comum; maior que 13mg/dL. Sintomas de calculose renal precedem
Hiperurice- - A maioria das pessoas com hiperuricemia nun- o desenvolvimento de gota em 40% dos pacientes, e cál-
mia assinto- ca desenvolve sintomas; culos contendo cálcio têm ocorrência 10 vezes maior em
mática - Só hiperuricemia não diagnostica gota; indivíduos com gota que na população geral.
REUMATOLOGIA
- Não é uma doença propriamente dita.
Tabela 8 - Tipos de acometimento renal associados à hiperuricemia
- Precedida por décadas de hiperuricemia assin-
Nefropatia Deposição de cristais de monourato de sódio na
tomática;
crônica medular renal, levando a proteinúria.
- Ataque clássico: dor articular intensa, aguda,
Nefropatia consequente ao do depósito agudo
com calor, edema e eritema e pico entre 12 e 48
de ácido úrico decorrente da hiperuricemia na
horas; Nefropatia
síndrome da lise tumoral, em pacientes que re-
- Ataques moderados se resolvem em algumas aguda
cebem quimioterapia no tratamento de linfomas
horas e ataques severos duram 1 a 2 semanas; e leucemias.
- Ataque inicial monoarticular; Nefrolitíase
- Podagra: ataque de gota na 1ª articulação meta- por ácido Litíase renal por cálculos de monourato.
Gota aguda tarsofalangiana, é o 1º ataque em metade dos úrico
intermitente pacientes e 90% dos gotosos têm podagra em
algum momento; B - Hipertensão
- Outras articulações comumente envolvidas: an-
tepé, tornozelos, calcanhares e joelhos;
Hipertensão está presente em 25 a 50% dos pacientes
com gota, e 2 a 4% das pessoas com hipertensão têm a doen-
- Sintomas sistêmicos podem estar associados:
ça. As concentrações de urato sérico correlacionam-se direta-
febre, calafrios e mal-estar;
mente com a resistência periférica e vascular renal, levando à
- Curso natural: episódios sucessivos de ataques
redução do fluxo renal, o que demonstra a associação entre
intercalados por um período intercrítico variá-
vel, que pode durar anos, mas que, com o tem-
hipertensão e hiperuricemia. Fatores como obesidade e sexo
po, se torna mais curto. masculino também se associam a estas 2 últimas condições.
- Após anos de gota aguda intermitente; C - Obesidade
- Envolvimento articular persistente: períodos
intercríticos não ficam livres de dor, com agu- Hiperuricemia e gota correlacionam-se com o peso cor-
Gota tofácea poral em homens e mulheres, e indivíduos com a 2ª condi-
dização nos ataques;
crônica ção estão comumente acima do peso, comparados com a
- Acometimento poliarticular, com deformidades
e desvios de eixo; população geral. Obesidade pode ser o fator que une hipe-
- Tofos justa-articulares. ruricemia, hipertensão, hiperlipidemia e aterosclerose.
D - Hiperlipidemia
5. Associações clínicas
Os triglicérides séricos estão elevados em 80% das pes-
soas com gota. A associação entre hiperuricemia e níveis
A - Doença renal séricos de colesterol é controversa.
Diversas formas de doença renal induzida por hiperurice- Em vista do exposto, vem sendo estudada a gota como par-
mia são reconhecidas, incluindo nefropatia crônica por urato, te da síndrome plurimetabólica (Figura 8), também contribuin-
nefropatia aguda por ácido úrico e nefrolitíase por ácido úrico. do para o aumento do risco para doenças coronarianas.
Falência renal progressiva é comum em pessoas com
gota. Hipertensão, diabetes, obesidade e doença isquêmi- Influências genéticas Influências ambientais
71
REUMATO LOG I A
72
G O TA
8. Diagnóstico 9. Tratamento
Em 1977, o American College of Rheumatology aprovou A gota pode ser tratada com sucesso, sem complicações.
os critérios diagnósticos propostos por Wallace et al., que Os objetivos terapêuticos incluem tratar a crise aguda, pro-
se baseiam no encontro de cristais de monourato de sódio mover rápido alívio da dor e inflamação, prevenir ataques
REUMATOLOGIA
ou tofos ou 6 ou mais dos 12 critérios clínicos, radiológicos futuros e prevenir formação de tofos, cálculos renais e ar-
e laboratoriais (Tabela 9). tropatia destrutiva. No tratamento da gota, atenção tam-
bém deve ser dada às comorbidades.
Tabela 9 - Critérios para classificação de artrite aguda na gota pri-
mária
A - Gota aguda
Critérios maiores
- Encontro de cristais de monourato de sódio no líquido sinovial Um ataque agudo de gota é marcado por inflamação
intra-articular na vigência de crise aguda; intensa. Muitos agentes, incluindo Anti-Inflamatórios Não
- Confirmação da presença de tofos. Hormonais (AINHs), colchicina, corticoides sistêmicos ou
Critérios menores intra-articulares podem ser usados para eliminar a dor e
os sintomas associados. A administração precoce desses
- Inflamação articular súbita;
agentes é essencial. Colchicina, por exemplo, funciona me-
- Mais de 1 crise de artrite aguda;
lhor quando instituída minutos a horas depois do ataque.
- Comprometimento monoarticular; Drogas que abaixam o urato não devem ser instituídas du-
- Rubor local; rante o ataque agudo. Entretanto, pacientes que apresen-
- Comprometimento de 1ª MTF; tam ataque agudo e estejam fazendo uso de alopurinol ou
- Comprometimento de 1ª MTF de modo unilateral; agente uricosúrico devem ser continuados.
- Comprometimento tarsal unilateral; a) AINHs: são as drogas de escolha no tratamento da
- Suspeita de presença de tofos; crise aguda de gota. São administrados em dose plena ao
- Hiperuricemia;
1º sinal de ataque e devem ser mantidos por, ao menos, 48
horas após o desaparecimento dos sintomas. Não encorajar
- Edema articular assimétrico visto ao raio x;
uso crônico. Usa-se na vigência do ataque de gota agudo.
- Cistos subcondrais sem erosões vistos ao raio x;
AINHs podem causar significativos efeitos colaterais,
- Cultura negativa na vigência de crise. mais comumente, complicações gastrintestinais. Seu uso
deve ser evitado em hipertensos descontrolados e indivídu-
A maioria dos pacientes diagnosticados como gota tem
os com disfunção renal.
história de monoartrite aguda, hiperuricemia e melhora
b) Colchicina: é efetiva no tratamento da crise aguda e
importante dos sintomas com uso de colchicina e anti-infla-
promove alívio da dor em 48 horas na maioria dos pacien-
matórios. A resposta clínica à colchicina é uma forte evidên-
cia de gota, mas também é frequente em outros tipos de tes. Além disso, inibe os microtúbulos envolvidos na qui-
artrite microcristalina, incluindo por cristais de pirofosfato miotaxia e fagocitose dos cristais de ácido úrico pelos neu-
de cálcio (pseudogota) e hidroxiapatita. trófilos. Além de reduzir a produção de IL-6, tem circulação
Em um caso de monoartrite aguda com material pun- êntero-hepática, e os efeitos tóxicos podem ser amplifica-
cionável, é preciso obter cultura e coloração para bactérias dos em pacientes com doença hepática.
para excluir artrite séptica, pois a presença dos cristais ca- Geralmente, é administrada em doses orais de 1,5mg/
racterísticos de monourato de sódio, embora faça diagnós- dia (1 comprimido de 5mg, 8/8 horas), por 3 a 6 dias. Os
tico de gota, não exclui coexistência de infecção. Em alguns principais efeitos colaterais são náuseas, vômitos, diarreia,
casos, como artrite de articulações maiores, como joelho, o cãibras e dor abdominal. A dose deve ser reduzida ou sus-
início de antibioticoterapia empírica está indicado até que pensa se esses sintomas aparecem. Dose excessiva pode
se possa afastar infecção. resultar em supressão da medula óssea, falência renal, co-
agulação intravascular disseminada, falência cardiopulmo-
Tabela 10 - Diagnósticos diferenciais nar, convulsões e óbito. O uso é limitado a pacientes com
Artrite reumatoide disfunção renal. As doses intravenosas usadas no passado
- Diferenciar nódulo reumatoide (cotovelos) dos tofos; na AR não até o surgimento de efeitos colaterais são totalmente de-
ocorre acometimento de IFDs. sencorajadas atualmente. Também pode ser administrada
Artrite psoriásica na prevenção de ataques em pacientes com crises de repe-
- IFD + dactilite (edema dos dedos). tição, na dose mais baixa de 0,5 a 1mg/dia.
c) Corticoides: podem ser usados (prednisona de 20 a
Esclerose sistêmica
40mg/dia ou equivalente por 3 a 4 dias) para pacientes a
- Calcinose – depósito de hidroxiapatita faz diferencial com os
quem a colchicina e AINHs são contraindicados ou inefetivos.
tofos.
Gota usualmente responde a colchicina, AINHs ou cor-
Infecção ticoides isolados. Entretanto, se a terapia falha ou o ataque
73
REUMATO LOG I A
Não
B - Profilaxia Ataque agudo com
sinovite presente?
Gota em período
intercrítico
Dieta (Tabela 11) e modificação do estilo de vida redu-
Gota aguda
zem a frequência dos ataques agudos e a necessidade de
medicações. Dieta rígida com restrição de precursores de
Terapia com AINH
purina não está indicada, pois mesmo uma dieta rigorosa pode ser usada?
oferece pouco efeito no pool final de ácido úrico. No en-
tanto, a retirada de determinado alimento pode ser eficaz
a alguns pacientes. A perda de peso reduz o urato sérico, Sim Não
AINH enquanto Corticoides são
e o álcool deve ser eliminado totalmente, pois ele aumen- durar a crise contraindicados?
ta a produção de urato e reduz a sua excreção. O uso sub-
-reptício é comum e costuma ser responsável por ataques Sim Não Não
de gota aguda em pacientes sob tratamento adequado. Colchicina oral Mais de 1 articulação Corticoide intra-
envolvida? articular ou oral
Medicamentos que sabidamente contribuem para hiperuri-
cemia (Tabela 4) devem ser substituídos, se possível. Sim
a) Alopurinol: é um inibidor da xantina-oxidase, enzima Corticoide oral ou
intramuscular
envolvida na síntese do ácido úrico. A pacientes com hiper-
produção de ácido úrico, formação de tofos, nefrolitíase, Sintomas agudos
ou outras contraindicações para o uso de uricosúricos, é o resolvidos
agente de escolha. Também é a droga preferível em casos
de insuficiência renal, mas sua toxicidade é possível quando Gota em período
intercrítico
a filtração glomerular está rebaixada. Toxicidade pode ser
evitada se as doses são apropriadas. Terapia típica é inicia- Figura 11 - Tratamento da gota
da com a dose de 300mg/dia, entretanto doses de 100mg
ou menos podem ser apropriadas para idosos ou filtração
glomerular <50mL/min. C - Recomendações do EULAR (liga europeia que
O tratamento prolongado com dose adequada de alopu- estuda as doenças reumatológicas):
rinol pode resolver os tofos, porém depende da característi- - Um ataque agudo de rápido desenvolvimento de dor
ca do mesmo, sendo alguns tofos mais resistentes. intensa, edema e dolorimento que atinge o máximo
Os efeitos colaterais mais comuns são dispepsia, cefaleia dentro de 6 a 12 horas, especialmente com eritema
e diarreia. O rash papular pruriginoso ocorre em 3 a 10% dos sobreposto, é altamente sugestivo de inflamação por
pacientes. Outros efeitos tóxicos incluem febre, urticária, eosi- cristais, ainda que não específico para gota;
nofilia, nefrite intersticial, falência renal aguda, supressão de
medula óssea, hepatite, vasculite, toxicidade epidérmica.
- Para apresentações típicas da gota (por exemplo, po-
dagra recorrente com hiperuricemia), um diagnóstico
A síndrome de hipersensibilidade ao alopurinol é rara,
clínico isolado tem acurácia razoável, mas não definiti-
mas constitui um quadro grave com mortalidade em torno
va sem confirmação dos cristais;
de 20 a 30%.
O FDA (Food and Drug Administration) indica o uso do
- Demonstração de cristais de urato monossódico no
líquido sinovial ou no aspirado do tofo permite o diag-
oxipurinol, outro agente inibidor da xantina-oxidase, para
nóstico definitivo de gota;
tratamento dos pacientes com hiperuricemia e intolerantes
ao alopurinol. Não está disponível no Brasil. - A pesquisa de rotina de cristais de urato monossódico
b) Agentes uricosúricos: são efetivos para os pacientes é recomendada em todo aspirado de líquido sinovial
com filtração glomerular entre 50 e 60mL/min, com inges- obtido de articulações inflamadas sem diagnóstico;
ta de 2L de fluidos e com bom fluxo urinário, sem história - A identificação de cristais de urato monossódico em
ou evidência ultrassonográfica de nefrolitíase. No Brasil, articulações assintomáticas pode permitir o diagnósti-
o agente disponível é a benzbromarona, na dose de 50 a co definitivo de gota no período intercrítico;
200mg/dia. Não deve ser administrada a indivíduos com - Gota e sepse podem coexistir, então quando se suspei-
uricosúria elevada (>750mg/24h). tar de artrite séptica, a coloração pelo Gram e cultura
A combinação de alopurinol e uricosúricos pode ser in- do líquido sinovial devem ser realizadas, mesmo que
dicada a pacientes com tofos extensos e função renal pre- sejam identificados cristais de urato monossódico;
servada. Os uricosúricos aumentam a excreção de grandes - Mesmo sendo o mais importante fator de risco para
quantidades de urato solúvel, e o alopurinol reduz a forma- gota, os níveis de ácido úrico sérico não confirmam ou
ção de novos uratos. excluem gota, assim como muitas pessoas com hipe-
74
G O TA
ruricemia não desenvolverão gota, e durante as crises - Fatores de risco para gota e comorbidades associadas
agudas os níveis séricos podem estar normais; devem ser avaliadas, incluindo características da sín-
- Excreção renal de ácido úrico deve ser determinada drome metabólica (obesidade, hiperglicemia, hiperli-
em um grupo de pacientes com gota, especialmente pidemia, hipertensão).
aqueles com história familiar de início precoce de gota,
REUMATOLOGIA
início antes de 25 anos de idade ou com litíase renal; 10. Tratamento da hiperuricemia isolada
- Apesar das radiografias serem úteis no diagnóstico di- Há muita controvérsia no tratamento desta situação.
ferencial e mostrarem achados típicos na gota crônica, Alguns autores recomendam o tratamento nesses casos,
elas não são úteis para confirmar o diagnóstico em es- mas também há controvérsia quanto ao nível de uricemia
tágios precoces da doença; que o indicaria.
75
REUMATO LOG I A
B - Achados radiológicos
O depósito de cristal de pirofosfato diidratado de cálcio
pode ser visto à radiologia simples e aparece na cartilagem Figura 13 - Outras localizações de condrocalcinose
hialina e fibrosa como calcificação coalescente em linhas ou
bandas paralelas à borda do osso subcondral (Figura 12). C - Exames laboratoriais
Os locais mais frequentemente acometidos são menisco do
joelho, ligamento triangular do carpo e fibrocartilagem da O líquido sinovial com cristais de pirofosfato de cálcio
sínfise púbica. Qualquer articulação pode ser acometida. é o achado característico. Os cristais são vistos à microsco-
Tais alterações são acompanhadas de lesões degenerativas. pia de luz polarizada, apresentando-se com birrefringência
positiva fraca e forma curta, com extremidades rombas
(Figura 14) – diferentemente do de monourato de sódio,
que é longo e pontiagudo.
76
G O TA
REUMATOLOGIA
- Calcificações heterotópicas após patologias neurológicas (AVE,
doença de Wilson, hipofosfatasia, ocronose e acromegalia.
trauma raquimedular);
O diagnóstico baseia-se nos achados clínicos, radio- Os cristais de hidroxiapatita causam artrite quando há
lógicos e laboratoriais. Entram no diagnóstico diferencial quebra da homeostasia do produto cálcio-fósforo, prin-
doenças que ela pode mimetizar (gota, osteoartrite, artrite cipalmente quando este excede 75 mg2/dL. A articulação
reumatoide, artropatia neuropática) e as que podem estar mais comumente acometida é a do ombro, chamada às ve-
associadas. zes de ombro de Milwaukee, sendo o lado dominante geral-
mente o mais envolvido. Praticamente qualquer articulação
Tabela 12 - Sugestões diagnósticas para condrocalcinose
pode ser afetada, como quadril, punho, tornozelo, cotovelo
Quando pensar em pseudogota?
e pequenas articulações da mão. A calcificação de tendão,
- Monoartrite aguda não tofácea intermitente: diagnóstico ligamento e cápsula articular pode associar-se a processo
diferencial com gota, sobretudo se em associação a diabetes
inflamatório doloroso periarticular. A doença articular por
mellitus, hiperparatireoidismo, hemocromatose, hipotireoidismo,
cristais de hidroxiapatita também pode progredir com ar-
doença de Wilson, hipofosfatasia, ocronose e acromegalia;
tropatia destrutiva. É doença predominante em indivíduos
- Calcificações intra-articulares: típicas em joelhos, sínfise púbica e
idosos.
punhos;
O quadro clínico inclui de casos assintomáticos (desco-
- Quadro semelhante à osteoartrite, mas que atinge articula-
bertos apenas nos exames radiográficos) até sinovite aguda,
ções normalmente não acometidas por osteoartrite primária:
bursite, tendinite e artropatia destrutiva crônica. Na análise
punhos, articulações metacarpofalangianas, ombros, cotove-
los e tornozelos. do líquido sinovial destes pacientes, a contagem de leucóci-
tos é baixa, com predomínio de células mononucleares. Os
E - Tratamento cristais presentes no líquido sinovial são muito pequenos,
não birrefringentes e muitas vezes detectados somente em
Tratam-se as crises com AINHs, esvaziamento da arti- microscopia eletrônica. Quando corados com vermelho S
culação por meio de punção articular e corticoides injetá- de alizarina são melhor visualizados. Os achados radiográfi-
veis. Os pacientes devem ser orientados para que evitem cos não são diagnósticos.
traumatismos articulares que são, com frequência, precipi- É descrita a ocorrência de calcinose tumoral, em virtu-
tantes de crises. O uso crônico de colchicina pode reduzir a de do crescimento dos depósitos, em especial nos ombros,
frequência e a intensidade das crises. formando massas palpáveis e visíveis. A calcifilaxia, que
ocasiona calcificação de partes moles, calcificação vascular
12. Doença articular por deposição de e necrose isquêmica da pele, geralmente é vista em associa-
ção com níveis elevados de fosfato sérico.
outros cristais O tratamento é inespecífico. Em geral, as crises agudas
Uma série de outros cristais pode produzir inflama- são autolimitadas. Pode-se usar AINHs, corticoides orais,
ção aguda osteomuscular. Dentre estes destacam-se a de- injetáveis ou intra-articulares. Nos pacientes com doença
posição de cristais de hidroxiapatita e de oxalato de cálcio. destrutiva e crônica o tratamento clínico é em geral ine-
ficaz, requerendo medidas cirúrgicas para a remoção dos
a) Deposição de cristais de hidroxiapatita
depósitos. Identificação e correção de um ativo subjacente
Os cristais de fosfato básico de cálcio (apatita) estão asso- causa de hipofosfatemia ou hipercalcemia pode reduzir o
ciados a doenças articulares e periarticulares, sendo frequente risco de futuros ataques.
a causa de bursites e tendinites calcificadas (Tabela 13).
b) Deposição de cristais de oxalato de cálcio (CaOx)
Tabela 13 - Condições associadas à deposição de hidroxiapatita Existem 2 formas de deposição de cristais de CaOx: a
- Bursites e tendinites calcificadas; primária, um raro distúrbio metabólico e hereditário; e a
- Periartrites calcificadas (tecidos moles); secundária, uma anormalidade metabólica decorrente da
- Osteoartrite; Doença Renal Terminal (DRT). Nestes últimos ocorre de-
- Artropatia destrutiva; posição de CaOx em órgãos viscerais, ossos, cartilagens,
sinóvia e vasos sanguíneos. Os agregados de CaOx liberam
- Derrames hemorrágicos em idosos (ombro de Milwaukee);
enzimas e com isso estimulam a formação de sinovite nas
- Calcinose tumoral; articulações acometidas com progressivo dano articular.
77
REUMATO LOG I A
78
CAPÍTULO
8
Síndromes reumáticas dolorosas regionais
Rodrigo Antônio Brandão Neto / Ana Cristina de Medeiros Ribeiro
Aleksander Snioka Prokopowistch / Hérica Cristiani Barra de Souza
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REUMATO LOG I A
80
S Í N D R O M E S R E U M Á T I C A S D O LO R O S A S R E G I O N A I S
para diagnosticar essa tendinite é feita com o paciente As causas de tendinite no manguito rotador são multi-
com o braço abduzido a 90°, com o cotovelo fletido fatoriais, porém o uso excessivo, especialmente em movi-
também a 90°, tentando fazer a rotação externa con- mentos acima da cabeça, contribui para o desencadeamen-
trarresistência (Figura 5). Esse teste é conhecido como to da síndrome.
teste de Patte; O tratamento consiste em repouso, orientação so-
REUMATOLOGIA
- Tendinite do subescapular: o músculo subescapular é bre preservação de energia e situações que pioram a dor
responsável pela rotação interna do braço. A manobra e exercícios de fortalecimento (quando tolerados). Anti-
para diagnosticar sua tendinite é feita com o paciente inflamatórios não esteroides são benéficos e frequente-
com a mão colocada na região lombar (dorso da mão mente necessários por um curto período de tempo. Podem
ao nível de L5), com o cotovelo fletido a 90°, tentando ser utilizadas injeções de corticoide no espaço subacromial.
fazer a rotação interna contrarresistência (empurran-
do a mão para longe do tronco), o que provoca dor no B - Tendinite bicipital
ombro (Figura 6). Esse teste é conhecido como teste A tendinite bicipital raramente ocorre isolada e geral-
de Gerber ou lift-off test. A incapacidade em realizar mente se associa à síndrome do impacto. Manifesta-se com
tal manobra está associada a provável ruptura do ten- dor, mais frequentemente na região anterior do ombro,
dão do músculo subescapular. com dificuldade para supinar o antebraço ou fletir o ombro
acometido. A palpação da goteira bicipital (Figura 7) pode
mostrar um tendão fibrótico ou friável e desencadear dor.
Esta também pode ser reproduzida pela supinação do an-
tebraço contrarresistência (sinal de Yergason – Figura 8) e
pela flexão do ombro com o cotovelo estendido contrarre-
sistência (teste de Speed – Figura 9).
O tratamento da tendinite bicipital, em linhas gerais, é
o mesmo para o tratamento de tendinites do manguito ro-
tador. Pode ser utilizada a injeção de corticoide ao redor da
bainha tendínea (Figura 10).
81
REUMATO LOG I A
82
S Í N D R O M E S R E U M Á T I C A S D O LO R O S A S R E G I O N A I S
REUMATOLOGIA
(cotovelo do te- dor à extensão do punho; dor a palpação mentos referidos. As manobras mais utilizadas para avalia-
nista) local. ção da epicondilite lateral são a dorsoflexão (Figura 14) e a
Epicondilite me-
Dor na face medial do cotovelo e antebraço;
supinação do punho contrarresistência, com o cotovelo em
dial (cotovelo do extensão.
dor à flexão do punho; dor a palpação local.
golfista)
O tratamento consiste em repouso, crioterapia (gelo lo-
Bursite olecra- Dor na face posterior do cotovelo; edema e
niana dolorimento local. cal), órteses (Figura 15) e Anti-Inflamatórios Não Hormonais
Trauma História de trauma. (AINHs). Também se pode aplicar corticoide tópico ou em
Dor inflamatória; limitação dolorosa aos
forma de infiltração (Figura 16).
Artrite movimentos ativos e passivos; edema pos-
teromedial.
Patologias do ombro, cervical e coração;
Dor referida
exame local normal.
A - Bursite do olécrano
A bursa do olécrano pode estar inflamada (Figura 12),
geralmente secundária a processo crônico, trauma mínimo
ou condição inflamatória sistêmica, como artrite reumatoi-
de. Outras causas de bursite olecraniana são depósitos de
monourato de sódio em crises de gota ou infecção bacte-
riana, sobretudo por S. aureus. A infecção secundária pode
estabelecer-se em bursas previamente acometidas por ar-
trite reumatoide ou gota.
A bursa, caracteristicamente, fica edemaciada e doloro- Figura 13 - Palpação do epicôndilo lateral desencadeia dor na epi-
sa quando pressionada, mas a dor pode ser mínima e os condilite lateral
movimentos geralmente estão preservados. Em casos não
infecciosos, aspiração isolada e proteção contra trauma são
suficientes para resolver a condição, com ou sem aplicação
de corticoide local. A doença de base, se presente, deve ser
tratada. Em casos de infecção, devem ser utilizados antibió-
ticos intravenosos com ação contra S. aureus.
83
REUMATO LOG I A
84
S Í N D R O M E S R E U M Á T I C A S D O LO R O S A S R E G I O N A I S
REUMATOLOGIA
A tenossinovite de DeQuervain é o processo inflamató-
de inervação do nervo media-
no;
rio dos tendões abdutor longo e extensor curto do polegar,
Síndrome
que pode resultar de atividades repetitivas de movimentos
do túnel do - Predominantemente noturna
carpo ou matinal;
de pinça. Os sintomas são dor, aumento de temperatura
Nervos local e, ocasionalmente, edema na localização do processo
- Sinais de Tinel e Phalen posi-
periféricos estiloide do rádio. A manobra para diagnosticar a doença é
tivos.
o teste de Finkelstein (Figura 19): com o punho cerrado e
- Parestesia nas mãos na região
de inervação do nervo ulnar; o polegar envolto pelos 4 quirodáctilos fletidos, o pacien-
Síndrome do
nervo ulnar - Sinal de Tinel positivo no túnel te faz o desvio ulnar forçado do punho. Essa manobra de-
ulnar no cotovelo. sencadeia muita dor na presença de tenossinovite. O teste
também pode ser positivo na osteoartrite da 1ª articulação
- Dor na face lateral do punho
e polegar; carpometacarpiana (rizartrose).
Tenossinovite - Dor mecânica; O tratamento consiste no uso de órteses, injeção local
de DeQuer- de corticoide e AINHs.
vain - Dor a palpação local;
- Manobra de Finkelstein posi-
tiva.
Bainha do - Dor mecânica ou inflamatória;
tendão e Tenossinovite
- Limitação à flexão dos dedos;
fáscia dos tendões
flexores - Movimento de estalido dos
dedos (dedo “em gatilho”).
Contratura - Fibrose e contração da fáscia
de Du- palmar no aspecto palmar do
puytren 3º, 4º e 5º dedos.
- Dor mecânica na base do po-
Rizartrose
legar e face radial do punho.
- Dor mecânica ou inflamatória;
- Acomete interfalangianas pro-
Osteoartrite
ximais e distais;
nodal
Articular - Nódulos de Heberden e Bou-
chard.
- Dor inflamatória;
Artrite
- Edema e ruborização articular.
Figura 19 - Teste de Finkelstein para tendinite de DeQuervain
Coluna cer- - Exame local normal;
Referida
vical - Manifestações associadas.
C - Síndrome do túnel do carpo
A - Ganglion ou cisto gangliônico A síndrome do túnel do carpo é a causa mais comum
Ganglion é um cisto sinovial com origem na sinóvia de de parestesia nas mãos. No punho, os tendões flexores e
uma articulação ou bainha sinovial, ocorrendo, mais comu- o nervo mediano atravessam um túnel formado pelos os-
mente, no dorso do punho. A causa é desconhecida, mas sos do carpo (base do túnel) e pelo ligamento transver-
pode desenvolver-se após trauma ou extensão prolongada so do carpo (teto do túnel – Figura 20). A compressão do
do punho, quando uma situação de hiperpressão dentro do nervo mediano dentro desse túnel é que leva à síndrome.
líquido sinovial faz a membrana sinovial herniar entre os te- Várias desordens podem ocasionar a compressão: gravidez,
cidos moles, formando o cisto. Normalmente, o único sinal trauma, lipoma, infecção (tuberculose, coccidioidomicose,
é o edema, mas um ganglion muito grande pode, ocasional- esporotricose), doenças inflamatórias (artrite reumatoide,
mente, produzir desconforto durante extensão do punho. gota, pseudogota), hipotireoidismo, acromegalia. Quando a
O tratamento, se indicado, consiste na aspiração do fluido, doença é sistêmica, geralmente os sintomas são bilaterais.
com ou sem injeção de corticoide. O uso de órteses pode No entanto, em muitos casos, a causa é desconhecida.
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REUMATO LOG I A
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S Í N D R O M E S R E U M Á T I C A S D O LO R O S A S R E G I O N A I S
E - Contratura de Dupuytren
A contratura de Dupuytren caracteriza-se pelo espessa-
mento e encurtamento da fáscia palmar, com a formação
de um cordão fibroso, que pode impedir a extensão com-
REUMATOLOGIA
pleta das metacarpofalangianas (Figura 27).
A causa dessa condição é desconhecida, mas heredita-
riedade, alcoolismo, epilepsia e diabetes mellitus parecem
estar envolvidos. Alguns pacientes podem ter outras mani-
Figura 25 - Atrofia tênar secundária à STC. Fonte: Rheumtext – festações fibrosantes difusas, como fasceíte plantar, doença
Hochberg et al (eds) de Peyronie e formação de nódulos tendíneos.
O tratamento depende do estágio e da severidade da
D - Dedo “em gatilho” doença. Calor, alongamento e injeções intralesionais de
corticoide podem ajudar em fases precoces. É comum a re-
O dedo “em gatilho” caracteriza-se pela dificuldade de
corrência dos casos, e, muitas vezes, a fasciotomia é efetiva.
extensão de 1 ou mais dedos após flexão máxima (Figura
26), com dor. Com ou sem ajuda, o dedo se desprende subi-
tamente, percebendo-se um “estalido”. A flexão do dedo é
realizada sem dificuldade; a complicação está na extensão.
É resultante da inflamação da bainha sinovial que envolve
o tendão flexor superficial do dedo, que fica estreitada, en-
quanto o tendão internamente localizado fica edemaciado,
caracterizando a tenossinovite estenosante do tendão sob
a cabeça metacarpiana. Dentre as causas mais frequentes,
têm-se artrite reumatoide, diabetes mellitus, hipotireoidis-
mo, trauma e infecções.
O tratamento baseia-se na redução das atividades ma-
nuais, fisioterapia, órteses, AINHs e infiltração local com
corticoide. A cirurgia está indicada a pacientes não respon-
sivos ao tratamento conservador.
Figura 27 - Contratura de Dupuytren
5. Quadril
Tabela 4 - Principais manifestações clínicas do quadril
Etiologia Achado clínico
Dor irradiada da coluna lombar, sacroilíacas,
Dor referida apêndice e trato urinário; manifestações asso-
ciadas; exame local normal
Bursite trocan- Dor na face lateral do quadril; pior à noite; ir-
térica radiação pseudociática; dor a palpação local
Dor mecânica; início progressivo; limitação
Osteoartrite mobilidade ativa e passiva; predomina em
idosos
Raramente monoartrite; dor inflamatória;
Artrite contexto geral sugestivo; limitação de mobili-
dade ativa e passiva
Dor em região inguinal exacerbada pela abdu-
Tendinite dos
ção forçada; às vezes associada a patologia de
adutores
quadril; dor a palpação local
A - Bursite trocantérica
A bursite trocantérica caracteriza-se pela inflamação da
bursa trocantérica, a qual é muito frequente. O principal
Figura 26 - Dedo “em gatilho” sintoma é de dor na região lateral do quadril, sobre a área
87
REUMATO LOG I A
do trocânter e na porção lateral da coxa (Figura 28), que mente sob o piriforme. A síndrome do piriforme caracte-
piora ao caminhar e quando o paciente se deita em decúbi- riza-se pela compressão do nervo ciático por uma contra-
to lateral sobre o lado afetado. tura do músculo piriforme. O principal sintoma é de dor
O melhor meio para o diagnóstico da bursite trocantéri- na região glútea, com irradiação para a perna, como uma
ca é a palpação da área do trocânter, na tentativa de locali- ciatalgia (Figura 30), mas sem raiz individual acometida e
zar o ponto de maior dor. Esta piora com rotação externa e sem manobra de Lasègue positiva. As mulheres são mais
abdução contrarresistência. São condições que podem con- acometidas e o diagnóstico é obtido pela palpação dolorosa
tribuir para a bursite trocantérica: osteoartrite do quadril, do músculo piriforme superficialmente ou ao exame retal
discrepância no comprimento dos membros e escoliose. ou vaginal. Dor é evidente na rotação interna do quadril
O tratamento consiste na injeção local de corticoide, contrarresistência.
gelo local, anti-inflamatórios, perda de peso e alongamento A injeção cuidadosa de lidocaína e corticoide pode ser
da musculatura (glúteo médio e trato iliotibial). aplicada para alívio dos sintomas, com fisioterapia para
alongar o piriforme.
C - Síndrome do piriforme
Em seu trajeto glúteo, o nervo ciático corre superficial- Figura 31 - Raízes de L2-L3 e local de distribuição da dor na meral-
mente sobre os rotadores externos do quadril e profunda- gia parestésica
88
S Í N D R O M E S R E U M Á T I C A S D O LO R O S A S R E G I O N A I S
REUMATOLOGIA
Etiologia Achados clínicos
caso de rotura, um exame de ultrassonografia com Doppler
- Dor mecânica;
Osteoartrite é preciso para afastar a trombose venosa profunda. O ul-
- Associação com obesidade. trassom de partes moles releva as paredes murchas do cis-
- Dor moderada na fossa poplítea; to, o conteúdo heterogêneo (pelo sangramento) e o edema
Cisto de Baker de partes moles.
- Cisto palpável.
- Dor na face medial do joelho; O cisto é tratado com injeção de corticoide dentro da
articulação do joelho, que chega ao cisto pelo fluxo do lí-
- Piora à noite e com exercício;
quido sinovial. O tratamento da doença de base é funda-
Bursite/tendinite - Dor à palpação local; mental para evitar recorrência. No caso de rotura, o tra-
anserina - Mais comum em mulheres obesas; tamento é sintomático com repouso, anti-inflamatórios e
- Frequentemente associado à doença ar- analgésicos.
ticular do joelho.
- Episódios recorrentes de dor aguda no
joelho;
Lesões de menisco - Travamento ou deslocamento do joelho;
- Predomina em pessoas jovens e atletas.
- Instabilidade e dor ao caminhar;
Instabilidade do
joelho - Associação com trauma ou doença arti-
cular crônica.
- Dor inflamatória;
Artrite
- Edema, efusão e calor local.
- Dor difusa;
Dor referida - Exame local inconclusivo;
- Patologia da coluna lombar ou quadril.
- Dor na face anterior do joelho;
- Ritmo variável, geralmente exacerbada
Síndrome da dor ao caminhar;
anterior do joelho
- Exame geralmente inconclusivo;
- Predomina em mulheres jovens.
Figura 32 - Cisto de Baker
A - Cisto poplíteo ou cisto de Baker
O cisto poplíteo ou cisto de Baker (Figura 32) é um cis- B - Bursite anserina
to sinovial que se origina de uma herniação da membra-
A bursite anserina caracteriza-se pela inflamação da
na sinovial da articulação femorotibial, que vai dissecando
bursa anserina, localizada na porção medial do joelho, 1
os tecidos moles de menor pressão e levando à formação
ou 2cm abaixo da linha articular, entre o ligamento cola-
do cisto, costumeiramente localizado na cabeça medial do
músculo gastrocnêmio. O cisto de Baker continua a se co- teral medial e os tendões tibiais (Figura 33). Produz dor à
municar naturalmente com a cavidade articular do joelho, palpação da porção medial e inferior do joelho, sendo ob-
e um mecanismo de válvula entre a articulação e o cisto servada mais frequentemente em pessoas acima do peso,
se forma, permitindo que o líquido sinovial produzido no mulheres idosas e de meia-idade com osteoartrite de jo-
joelho se desloque para o cisto em direção única. O cisto elhos. O diagnóstico é estabelecido pela dor decorrente
de Baker em geral é secundário a uma artropatia do joelho da palpação da bursa anserina e alívio da dor após injeção
que leva ao aumento da pressão do líquido sinovial, como a local de lidocaína.
artrite reumatoide e a osteoartrite. O tratamento consiste em repouso, gelo na região, inje-
O cisto geralmente é assintomático, mas pode levar à ção local de corticoide e alongamento da musculatura adu-
sensação de plenitude poplítea e ser visto ou palpado com tora e do quadríceps.
89
REUMATO LOG I A
C - Bursite pré-patelar
A bursite pré-patelar manifesta-se com dor e edema na
porção anterior da patela, resultante de trauma, frequente-
mente devido ao costume de ajoelhar-se (Figura 34). A dor
geralmente é leve, exceto quando é exercida pressão sobre
a patela. Assim como a bursa olecraniana, a bursa pré-pate-
lar é bem superficial, subcutânea e pode ser acometida por
bactérias, sobretudo S. aureus, caracterizando uma bursite
séptica. No caso de sinais flogísticos exuberantes, deve-se
proceder à punção do líquido da bursa e realizar microsco-
pia e cultura, para afastar bursite séptica. Se esta for afas- Figura 35 - Locais de inflamação na bursite anserina (em preto, à
direita), na bursite pré-patelar (em branco, à direita) e na paraten-
tada ou não for uma hipótese, o tratamento consistirá em
dinite patelar (em cinza, à esquerda)
repouso, gelo local e injeção de corticoide.
7. Tornozelo e pé
Tabela 6 - Lesões e manifestações clínicas que acometem tornozelo
e pés
Localização Natureza da lesão Manifestações sugestivas
- Dor na face plantar do retro-
Fasceíte plantar pé;
Figura 34 - Mecanismo de lesão na bursite pré-patelar
- Exacerbada por carga local.
- Dor na face posterior do re-
D - Paratendinite patelar Tendinite do tropé;
Aquileu
Também chamada de tendinite do saltador ou jumper’s - Exacerbada ao caminhar.
knee, a paratendinite patelar é observada, predominante- Retropé - Dor aguda pós-trauma;
mente, em atletas corredores e saltadores. Caracteriza-se Entorse - Dor e prejuízo funcional;
pela dor no tendão patelar (Figura 35). O tratamento con-
- Edema e/ou contusão.
siste em repouso, anti-inflamatórios, gelo local e alonga-
mento da musculatura. A injeção local de corticoide deve - Dor inflamatória;
ser evitada pelo risco de rotura do tendão. - Dor à palpação e mobiliza-
Sinovite
ção;
- Edema e calor local.
90
S Í N D R O M E S R E U M Á T I C A S D O LO R O S A S R E G I O N A I S
- Dor mecânica;
Osteoartrite - Dor exacerbada com a inver-
são e eversão.
Tarso
- Dor mecânica;
REUMATOLOGIA
Pé chato - Acentuação do arco antero-
posterior do pé.
- Dor mecânica;
Pé cavo-varo - Acentuação do arco antero-
posterior do pé.
- Dor mecânica, às vezes com
parestesia;
Metatarsalgia de - Agravada por calçado aper- Figura 36 - Palpação do calcâneo para o diagnóstico de paratendi-
Morton tado;
nite. Fonte: Rheumatology in Practice
- Dor a palpação entre os me-
tatarsos.
B - Fasceíte plantar
- Dor mecânica sobre o pole-
gar; Trata-se de uma entesite, localizada na inserção da fás-
- Deformidade em valgo da 1ª cia plantar no calcâneo. É observada, com maior frequên-
Hálux valgo
metatarsofalangiana; cia, em pessoas entre 40 e 60 anos. Pode ter início após
- Ocasionalmente associado à trauma, uso excessivo (atletas), caminhadas prolongadas
Antepé
bursite. ou uso de calçados inapropriados (totalmente retos) ou ser
secundária às espondiloartropatias soronegativas, que, co-
- Monoartrite aguda recorren-
te; mumente, cursam com entesites (espondilite anquilosante,
Gota artrites reativas, artrite psoriásica). A dor localiza-se na por-
- Predileção pela 1ª metatar-
sofalangiana.
ção inferior e medial do calcanhar (Figura 37), é em quei-
mação, lancinante e pior pela manhã, quando o paciente se
Artrite de meta- - Dor inflamatória;
levanta e põe o pé no chão. A palpação da região é, tipica-
tarsofalangiana - Dolorimento local. mente, muito dolorosa.
- Edema e rubor difuso (dedo O tratamento inclui repouso relativo, anti-inflamatórios,
Dactilite “em salsicha”); uso de palmilhas e alongamento. A injeção local de corticoi-
- Sugere artrite psoriásica. de habitualmente é benéfica.
91
REUMATO LOG I A
D - Neuroma de Morton
O neuroma de Morton, uma neuropatia do nervo inter-
digital por compressão, é comum entre o 3º e o 4º pododác-
tilos. O paciente relata parestesia e dor tipo queimação no
4º dedo, os sintomas pioram com caminhadas e a posição
na ponta dos pés, e a dor pode ser desencadeada pela pal-
pação da 3ª e da 4ª cabeças dos metatarsos. O tratamento
Figura 39 - Palmilhas para fasceíte plantar. Fonte: Rheumatology inclui a injeção local de corticoide ou a excisão do neuroma.
in Practice
92
CAPÍTULO
9
Fibromialgia
Rodrigo Antônio Brandão Neto / Ana Cristina de Medeiros Ribeiro
Aleksander Snioka Prokopowistch / Hérica Cristiani Barra de Souza
93
REUMATO LOG I A
94
FIBROMIALGIA
Tabela 4 - Descrição dos 9 pares de pontos dolorosos da fibromialgia 7 - Melhora com repouso, calor e condicionamento físico.
1 - Occipital: na inserção no músculo suboccipital. 8 - Cefaleia crônica (enxaqueca, tensional).
2 - Cervical baixo: na projeção anterior do processo transverso 9 - Síndrome do cólon irritável.
de C5.
Fonte: UpToDate, 2011.
3 - Trapézio: na porção média da borda do músculo trapézio.
REUMATOLOGIA
4 - Supraespinhoso: acima da escápula, próximo à borda medial. No diagnóstico diferencial, devem ser lembradas as se-
5 - Espaço intercostal: 2ª junção costocondral. guintes condições: síndrome da dor miofascial, polimialgia
6 - Epicôndilo lateral: 2cm distalmente ao epicôndilo. reumática em maiores de 50 anos, polimiosite e outras do-
7 - Glúteo: quadrante lateral superior. enças inflamatórias do tecido conjuntivo, como lúpus, artrite
8 - Grande trocânter: proeminência trocantérica posterior. reumatoide, miopatias endócrinas (hipotireoidismo, hiperti-
reoidismo, insuficiência adrenal) ou por álcool, neoplasias e
9 - Joelho: na porção medial da interlinha articular.
efeito colateral de drogas (corticoides, cimetidina, estatinas,
Os “pontos-controle”, como leito ungueal, no meio do fibratos), osteomalácia, hiperparatireoidismo, infecções crôni-
braço e testa, podem ser palpados. Esses locais podem ser cas por vírus da hepatite C e do HIV etc. Essas doenças podem
dolorosos à palpação, porém de intensidade menor quando ser prontamente afastadas com a combinação de uma história
comparados com os tender points. e exame físico cuidadosos, com exames de triagem negativos.
95
REUMATO LOG I A
96
FIBROMIALGIA
8. Resumo
Quadro-resumo
Fibromialgia: condição dolorosa difusa crônica e não inflamató-
ria, associada à fadiga e distúrbios de sono;
REUMATOLOGIA
Fisiopatologia: ainda obscura (desequilíbrio entre vias pró-noci-
ceptivas e antinociceptivas);
Achados clínicos mais comuns: dor generalizada, fadiga, sono
não reparador, sensação subjetiva de edema de extremidades e
sintomas inespecíficos (vertigens, parestesias etc.);
Associação frequente: distúrbios do humor (depressão);
Tender points: 11 dentre os 18 devem ser positivos para classifi-
car paciente como fibromiálgico;
Tratamento não farmacológico: educação do paciente, exercí-
cios físicos (especialmente aeróbicos e alongamentos), terapia
psicológica;
Tratamento farmacológico: antidepressivos (tricíclicos, ISRS,
bloqueadores da recaptação de noradrenalina e serotonina),
relaxantes musculares (especialmente ciclobenzaprina), anticon-
vulsivantes (pregabalina, gabapentina, topiramato).
97
REUMATO LOG I A
CAPÍTULO
10
Vasculites
Rodrigo Antônio Brandão Neto / Ana Cristina de Medeiros Ribeiro
Aleksander Snioka Prokopowistch / Hérica Cristiani Barra de Souza
1. Introdução 2. Classificação
As vasculites sistêmicas formam um grupo de doenças As vasculites podem ser classificadas de vários modos.
heterogêneas que apresentam, em comum, um processo De uma maneira mais genérica, podem-se dividi-las em:
inflamatório na parede vascular, podendo levar à diminui- - Primárias: a inflamação vascular é a manifestação pri-
ção de sua luz e trombose secundária ou à ruptura de sua mordial da doença;
parede e consequente sangramento. - Secundárias: a inflamação vascular é uma manifes-
A maioria das vasculites sistêmicas inicia-se com sinto- tação da doença de base (LES – Lúpus Eritematoso
mas constitucionais inespecíficos que podem ser confundi- Sistêmico –, Sjögren, hepatite B, hepatite C, neoplasia,
dos com uma série de outras doenças, dificultando muito o drogas, pós-transplante).
diagnóstico.
Sem tratamento, a maioria dos pacientes com vasculites Dentro das vasculites primárias, a classificação mais uti-
sistêmicas evolui para óbito. O tratamento controla os sin- lizada é a de Chapel Hill (American College of Rheumatology,
tomas e pode levar a remissões prolongadas. 1994, Tabela 2). Não existe nenhuma classificação ideal, e
são encontradas várias adaptações na literatura.
Tabela 1 - Sintomas sugestivos de vasculite sistêmica
- Mal-estar; Tabela 2 - Classificação das vasculites primárias de acordo com o
- Febre; tamanho do vaso envolvido (Chapel Hill – 1994)
- Perda de peso; Predominantemente de grandes vasos
- Mialgia; - Arterite de Takayasu;
- Púrpura palpável; - Arterite de células gigantes (arterite temporal);
- Ulceração cutânea; - Síndrome de Cogan.
- Úlceras orais; Predominantemente de médios vasos
- Dor abdominal; - Poliarterite nodosa;
- Diarreia; - Doença de Buerger (tromboangeíte obliterante);
- Tosse; - Doença de Kawasaki.
- Sibilância; Predominantemente de pequenos vasos
- Hemoptise; - Poliangeíte microscópica;
- Granulomatose de Wegener;
- Dispneia;
- Síndrome de Churg-Strauss;
- Epistaxe;
- Vasculite de hipersensibilidade (angiite cutânea leuco-
- Crostas nasais;
citoclástica);
- Sinusite; - Púrpura de Henoch-Schönlein;
- Dor torácica; - Vasculite urticariforme;
- Prejuízo sensoriomotor. - Crioglobulinemia.
98
VASCULITES
Dentro de cada um desses grupos, achados clínicos, la- As manifestações cardiopulmonares mais frequentes
boratoriais e patológicos distinguem as diferentes vasculi- são dispneia, palpitações, angina, IAM, ICC e até morte sú-
tes. Serão estudadas, agora, as mais importantes. bita. Além de sintomas decorrentes de insuficiência aórtica,
estenose de artéria coronária e outros menos frequentes
3. Vasculite predominantemente de (miocardiopatia, miocardite etc.).
REUMATOLOGIA
Pelo acometimento da artéria pulmonar pode ocorrer
grandes vasos hemoptise, sinais de hipertensão arterial pulmonar e alte-
A arterite de células gigantes e a arterite de Takayasu rações de ventilação perfusão (fazendo diagnóstico diferen-
são o protótipo das vasculites de grandes vasos, envolven- cial com TEP).
do a aorta e seus ramos, mas são doenças muito distintas Como manifestação cutânea pode ocorrer:
clínica e epidemiologicamente. - Eritema nodoso;
- Pioderma gangrenoso;
A - Arterite de Takayasu - Eritema induratum;
A Arterite de Takayasu (AT), também conhecida como - Lesões ulcerativas e papulares.
doença sem pulsos (pulseless disease) ou aortoarterite
primária ou síndrome aórtica média ou síndrome do arco Com relação ao sistema renal, pode ocorrer hipertensão
aórtico ou tromboartropatia oclusiva, tem predomínio renovascular, doença glomerular e mais raramente amiloi-
entre mulheres (relação 10:1), e seu início ocorre entre dose renal.
os 15 e os 40 anos (doença de adolescentes e adultos O curso da doença é variável; pode comportar-se de for-
jovens). ma rapidamente progressiva em alguns pacientes ou apre-
É uma poliarterite granulomatosa, com intenso infiltra- sentar remissão espontânea em outros. Há uma significati-
do inflamatório no vasa vasorum, formação de granulomas va taxa de mortalidade entre indivíduos não tratados.
e células gigantes. A inflamação pode destruir a camada
média e substituí-la por tecido fibrótico, enfraquecendo-a Tabela 3 - Aspectos clínicos da AT: correlação dos territórios vascu-
lares comprometidos
e favorecendo a formação de aneurisma ou proliferando
e provocando o estreitamento da luz arterial. O acometi- Leito vascular Sintomas clínicos predominantes
mento é “salteado”, com áreas normais e áreas afetadas e Carótida comum Distúrbios visuais, AVE*, AIT**, síncope.
estreitadas ou dilatadas ao longo de um vaso. Vertebral Vertigens, alterações visuais.
Pode acometer a aorta e quaisquer de seus ramos: Claudicação de membro superior, redução do
subclávias, carótidas comuns, tronco braquiocefálico Subclávia
pulso.
ou celíaco e artérias renais ou mesentéricas. É possível, Insuficiência aórtica, insuficiência cardíaca
também, o acometimento das artérias pulmonares ou Arco aórtico
congestiva.
seus ramos.
Pulmonar Dispneia, dor torácica.
Até 20% dos pacientes são assintomáticos ao diagnós-
Coronárias Infarto do miocárdio, angina.
tico. As manifestações clínicas da AT são causadas por 2
componentes da doença: a fase inflamatória e a fase oclusi- Tronco celíaco Angina abdominal.
va. A síndrome inflamatória generalizada pode produzir fe- Renal Hipertensão.
bre, sudorese noturna, fadiga, mialgia, anorexia e perda de Aorta abdomi-
Claudicação, hipertensão, angina abdominal.
peso, sintomas que podem mimetizar um quadro infeccioso nal
e estão ausentes em mais de 60% dos casos. Ilíaca Claudicação.
A fase oclusiva leva a insuficiência vascular que pode * AVE = Acidente Vascular Encefálico.
ser precedida por queixas de dor, especialmente em vasos ** AIT = Acidente Isquêmico Transitório.
cervicais superficiais (carotidínea). Os achados clínicos de
complicações isquêmicas dependem do território vascu- Geralmente, suspeita-se do diagnóstico da AT em sua
lar acometido (Tabela 3). Os sintomas mais sugestivos são fase mais tardia, uma vez que é bastante difícil em sua fase
claudicação de extremidades, com os achados ao exame de inicial (inflamatória). Os critérios mais utilizados para classi-
diminuição de pulso braquial, diferença de pressão entre os ficar a doença são os do Colégio Americano de Reumatologia
membros superiores e presença de sopro subclávio ou no (Tabela 4). Suspeita-se do diagnóstico pela combinação de
trajeto da aorta, que fazem parte dos critérios classificató- doença arterial vaso-oclusiva e inflamação sistêmica em
rios (Tabela 4). paciente jovem. Os exames de imagem, como arteriografia
Em até 14% dos casos pode ocorrer retinopatia, devido (Figura 1), angiotomografia e angiorressonância, fornecem
à oclusão da artéria carótida interna, hipoperfusão da reti- informações sobre o lúmen dos vasos, a distribuição e a gra-
na ou mesmo por complicação direta da hipertensão. vidade da doença.
99
REUMATO LOG I A
100
VASCULITES
As manifestações mais comuns são sintomas constitu- dez em músculos do pescoço, cinturas escapular e pélvica,
cionais (fadiga, perda de peso, febre e mialgia). Cefaleia, associada a sinais de inflamação sistêmica, como fadiga,
sintomas visuais, claudicação de mandíbula e polimialgia perda de peso, sudorese e febre baixa, além de anormali-
reumática estão comumente presentes. dades laboratoriais, como aumento do VHS, PCR e anemia.
Após os sintomas constitucionais, a cefaleia é o sintoma Aproximadamente, de 30 a 50% dos pacientes com ACG de-
REUMATOLOGIA
mais comum da ACG, classicamente descrita como dor mo- senvolvem PMR, que pode ocorrer isoladamente e é de 2
derada a intensa no território da artéria temporal, que pode a 4 vezes mais frequente que a ACG. Além da coexistência
estar espessada (Figura 3), dolorida, não compressível, no- das 2 doenças, compartilham fatores de risco como a faixa
dular ou sem pulso. Como ela está alterada em 50% dos etária e o HLA. Entretanto, a PMR isolada responde rapida-
casos, a artéria temporal sem alterações não exclui ACG. mente a doses baixas a moderadas de corticoide (<20mg/
Os sintomas visuais são comuns (1/3 dos casos), espe- dia) e não oferece risco de amaurose. A polimialgia reumá-
cialmente, perda visual e diplopia. A perda visual é a com- tica simula diversas patologias, tais como as demonstradas
plicação mais temida, geralmente precedida por episódios na Tabela 7.
de borramento visual ou amaurose fugaz, estabelecendo-se Tabela 7 - Doenças que cursam com polimialgia
alguns meses após o início dos sintomas sistêmicos. Reflete
- Artrite reumatoide;
neuropatia óptica anterior isquêmica e pode ser prevenida
- Síndrome do manguito rotador;
pelo tratamento com doses altas de corticoide. A avaliação
do fundo de olho pode ser normal quando a amaurose se - Osteoartrite dos ombros e quadris;
estabelece, mas evolui com edema do disco óptico e pali- - Fibromialgia;
dez, até atrofia. A diplopia acontece por oftalmoplegia (pa- - Dermato/polimiosite;
ralisia dos nervos motores devido à isquemia). - Espondiloartropatia;
Pode ocorrer claudicação intermitente da mandíbula - Lúpus eritematoso sistêmico;
pela isquemia dos músculos da mastigação, e é o sintoma - Vasculites;
mais específico de ACG. Há dificuldade em passar longos
- Mialgias paraneoplásicas;
períodos mastigando ou em mastigar alimentos mais resis-
- Mialgias associadas a infecções;
tentes. Também é possível claudicação dos membros supe-
riores por arterite em artérias braquiais. - RS3PE – sinovite simétrica soronegativa com pitting edema (va-
riante AR);
Tabela 6 - Critérios de classificação das artrites de células gigantes - Doença de Parkinson;
- Idade de início da doença ≥ 50 anos; - Hipotireoidismo;
- Cefaleia de início recente ou novo tipo; - Medicamentos – estatinas.
- Dor ou redução da pulsação em artéria temporal;
- VHS elevado (≥50mm/h); Não existem teste laboratorial patognomônico nem an-
- Alterações histológicas da arterite (lesão granulomatosa, usu-
ticorpos específicos para ACG. A elevação das proteínas de
almente com células gigantes multinucleares, ou infiltrado celu- fase aguda é um achado típico e auxilia no diagnóstico e
lar mononuclear difuso). seguimento dos pacientes após o tratamento: a velocida-
de de hemossedimentação encontra-se elevada, acima de
50mm na 1ª hora. Outras provas de fase aguda podem estar
alteradas. FAN e fator reumatoide, em geral, são negativos.
O diagnóstico de ACG deve ser considerado em pacien-
tes acima de 50 anos com história inexplicada de cefaleia,
sinais de isquemia em território vascular extracranial, per-
da da visão ou polimialgia reumática associada à evidência
laboratorial de inflamação (aumento de proteínas de fase
aguda). A biópsia da artéria temporal, o padrão-ouro para
o diagnóstico, deve ser realizada sempre para confirmação
diagnóstica. Caso seja negativa, pode-se realizar a biópsia
da artéria contralateral. O exame não deve retardar o tra-
tamento, pois as alterações histopatológicas persistem por
até 2 semanas após o início da corticoterapia. Os exames
de imagem muitas vezes são necessários e constituem im-
Figura 3 - Espessamento da artéria temporal em paciente com ACG portante método diagnóstico. É descrito que até 50% dos
pacientes com ACG extracraniana possuem biópsia de ar-
Um quadro que, comumente, se associa à ACG, é a po- téria temporal negativa. Os alvos primários são: artérias
limialgia reumática (PMR), que se caracteriza por dor e rigi- subclávias, axilares, vertebrais, carótidas (eventual). Dentre
101
REUMATO LOG I A
102
VASCULITES
REUMATOLOGIA
7). O acometimento de vasos mesentéricos leva à manifes-
tação clássica de angina intestinal: uma dor periumbilical
pós-prandial. Pode haver perfuração ou isquemia do intes-
tino, com sangramento intestinal maciço. Envolvimento re-
nal, presente universalmente nas autópsias, pode provocar
insuficiência renal e hipertensão. Orquiepididimite também
é possível. Lesões cardíacas podem levar a infarto miocár-
dico e falência cardíaca congestiva, mas, em geral, são sub-
clínicas. A PAN costuma poupar o leito arterial pulmonar.
Quanto às alterações laboratoriais, as mais encontradas
são aumento do número de leucócitos, elevação da veloci-
dade de hemossedimentação e anemia discreta. Fator reu-
matoide e anticorpos antinucleares podem estar presentes Figura 6 - Úlcera cutânea em paciente com PAN
em títulos baixos.
O diagnóstico parte da suspeita de uma doença sistêmi-
ca com febre, emagrecimento e astenia, além de manifesta-
ções em múltiplos aparelhos, como certas associações for-
temente sugestivas de PAN: vasculite cutânea, mononeurite
múltipla, dor muscular e perda de função renal com hiper-
tensão, num paciente com provas de atividade inflamatória
elevadas. Para o diagnóstico, entretanto, é necessário ex-
cluir outras doenças sistêmicas infecciosas, neoplásicas ou
inflamatórias. A confirmação por achados mais específicos
de PAN é requerida: biópsias mostrando a vasculite necro-
sante em parede arterial podem ser realizadas em lesões
cutâneas, músculos ou nervos. Os microaneurismas podem
ser demonstrados em angiografias renais ou mesentéricas,
mesmo na ausência de sintomas. O Colégio Americano de
Reumatologia estabeleceu critérios para o diagnóstico, e
devem estar presentes ao menos 3 dos 10 deles (Tabela 9).
103
REUMATO LOG I A
Associação a ANCA
Granulomatosa
Pauci-imune?
Principais características
104
VASCULITES
REUMATOLOGIA
difere das vasculites por imunocomplexos, em que o dano vas inflamatórias (VHS e PCR).Os achados histopatológicos
à parede vascular ocorre pelo depósito de imunocomplexos incluem:
circulantes. - Lesão renal típica:
São ditas relacionadas ao ANCA porque a maioria dos
• Glomerulonefrite focal e segmentar com necrose fi-
pacientes com vasculite de pequenos vasos pauci-imunes
brinoide da parede do capilar glomerular levando à
apresenta anticorpos contra determinadas proteínas es-
formação de crescentes;
pecíficas encontradas dentro dos grânulos citoplasmáticos
dos neutrófilos ou anticorpos anticitoplasma de neutrófilos • Pauci-imune.
(ANCA). Há 2 padrões clássicos de ANCA, pela imunoflu- - Lesão pulmonar:
orescência: o citoplasmático (c-ANCA) e o perinuclear (p- • Capilarite;
-ANCA). Um padrão atípico, quando não há o c-ANCA nem • Fibrose intersticial – 2ª a hemorragia alveolar recor-
o p-ANCA, também foi descrito. rente.
Posteriormente, puderam ser identificados os antígenos - Lesão cutânea:
correspondentes: o c-ANCA age contra a enzima antipro- • Vasculite leucocitoclástica necrotizante pauci-
teinase-3 (anti-PR3), e o p-ANCA, contra a antimieloperoxi- -imune.
dase de neutrófilos (anti-MPO). O c-ANCA é relativamente
específico para granulomatose de Wegener e pode corre- A pacientes com PAM com glomerulonefrite, hemorra-
lacionar-se com a atividade da doença. O p-ANCA é pouco gia alveolar, mononeurite múltipla ou outras manifestações
específico, e seus títulos não se correlacionam com a ativi- graves, está indicado o tratamento com a combinação de
dade das doenças em que pode estar presente: poliangeíte corticoide e ciclofosfamida. Pacientes com PAM têm respos-
microscópica, síndrome de Churg-Strauss, hepatite autoi- ta adequada com ciclofosfamida intravenosa combinada
mune e doença inflamatória intestinal. com altas doses de corticoide. Azatioprina, imunoglobulina
intravenosa e metotrexato também podem ser utilizados.
a) Poliangeíte microscópica
A poliangeíte microscópica (PAM) é uma desordem que
acomete vasos de pequeno calibre, incluindo capilares,
vênulas e arteríolas, e vasos de médio calibre, como arté-
rias e veias. É uma vasculite necrosante pauci-imune, sem
depósitos imunes à histologia, e apresenta tropismo pelos
rins (glomerulonefrite rapidamente progressiva) e pulmões
(capilarite pulmonar), sendo a principal causa da síndrome
pulmão-rim.
As manifestações mais comuns são glomerulonefrite
com hematúria, perda de função renal, hipertensão, perda
de peso, lesões cutâneas purpúricas (Figura 8), mononeu-
rite múltipla e febre. Capilarite pulmonar pode acarretar
hemorragia alveolar (Figura 10) e hemoptise. A hemorragia
pulmonar ocorre em até 30% dos casos e pode causar disp-
neia e hemoptise, com raio x mostrando infiltrado alveolar
focal (Figura 9). Fibrose pulmonar pode ocorrer como con-
sequência e está associada a pior prognóstico.
As manifestações neurológicas que podem ocorrer
na PAM incluem neuropatia, presente em 30% dos casos
menos comum que na PAN. Neuropatia afetando nervos
cranianos ou periféricos é mais comum que mononeurite
multiplex. Vasculite cerebral é rara e em geral causa AVC
hemorrágico, convulsões ou cefaleias.
Manifestações cardíacas são raras e quando presentes
causam pericardite e insuficiência cardíaca.
Setenta por cento dos pacientes com PAM são positivos
para o ANCA, sendo o padrão mais encontrado, na imuno- Figura 8 - Púrpura palpável nos membros inferiores
105
REUMATO LOG I A
b) Granulomatose de Wegener
A Granulomatose de Wegener (GW) é uma doença sis-
têmica caracterizada pela vasculite granulomatosa do trato
respiratório superior e inferior com ou sem glomerulone-
frite. É uma doença incomum, que afeta ambos os sexos Figura 11 - (A) Ulceração na língua e (B) “gengivas de morango”
igualmente e surge em todas as faixas etárias, sendo mais em paciente com GW
comumente encontrada em caucasianos (97%). Sua causa é
desconhecida. Como complicação do acometimento de vias aéreas su-
As 3 características histopatológicas são granulomas ne- periores pode ocorrer estenose subglótica, que é em geral
crosantes no trato respiratório superior ou inferior, vasculi- assintomática, mas pode dar como manifestação clínica
te necrosante envolvendo tanto as artérias quanto as veias rouquidão, dor, tosse, estridor e inclusive necessitar de tra-
nos pulmões e em outros órgãos e glomerulonefrite, que, queostomia.
usualmente, é focal e segmentar. Deve ser suspeitado se ocorrer otite, rinite ou sinusite
Como sintomas gerais iniciais, o paciente costuma apre- persistente.
sentar febre, anorexia, emagrecimento, fadiga e fraqueza. - Lesões destrutivas das VAS:
As vias aéreas superiores (seios da face, ouvidos, nasofa- • Sinais e sintomas sistêmicos: artralgias, perda de
ringe, orofaringe e traqueia), o trato respiratório inferior peso e elevação de provas inflamatórias.
(brônquios e pulmões) e os rins são caracteristicamente
envolvidos. O envolvimento pulmonar também é extremamente co-
Nas vias aéreas superiores, podem ocorrer obstrução mum. Tosse produtiva, dispneia, hemoptise, dor e descon-
nasal crônica com rinorreia clara, ulceração e edema da forto torácico são os principais sintomas. Anormalidades
106
VASCULITES
REUMATOLOGIA
zante, que leva a hematúria, leucocitúria e anormalidades
nos níveis de ureia e creatinina, podendo provocar falência
renal e morte. Tal acometimento está presente em 80% dos
pacientes em algum momento da evolução, porém apenas
20% dos casos como manifestação inicial. A glomerulone-
frite rapidamente progressiva pode dar como achado he-
matúria, proteinúria (usualmente não nefrótica), cilindros
hemáticos e elevação rápida e progressiva da creatinina.
As manifestações oculares incluem: pseudotumor orbi-
tal (imagem), uma massa inflamatória retrobulbar que leva
a proptose, dor, diplopia e perda visual devido a isquemia
do nervo óptico, esta constitui a lesão da GW mais refratá-
ria ao tratamento; esclerite, com dor e vermelhidão ocular,
podendo complicar com escleromalacia perforans e ceguei-
ra; ceratite ulcerativa periférica, que pode evoluir com per-
furação da córnea e cegueira; outros: uveíte, conjuntivite,
episclerite e obstrução do ducto lacrimal.
107
REUMATO LOG I A
A classificação do ACR para GW apresenta sensibilidade vênulas. Caracteriza-se pela síndrome que apresenta asma,
de 88% e especificidade de 92%. É necessária a presença de rinite alérgica, eosinofilia (>10%) e febre, acompanhada por
pelo menos 2 dos 4 critérios: uma vasculite de vários sistemas orgânicos. Também se trata
- Inflamação nasal ou oral: úlceras orais dolorosas ou de uma vasculite associada ao ANCA. São relatados como fa-
não, secreção nasal purulenta ou sanguinolenta; tores precipitantes desta enfermidade:
- Anormalidades ao raio x de tórax: presença de cavita- - Alérgenos inalados;
ção ou nódulos não cavitários ou infiltrado fixo; - Vacinas;
- Alteração do sedimento urinário: micro-hematúria - Infecção;
(>5 células hemáticas/campo) ou presença de cilindros - Antagonistas do receptor de leucotrieno.
hemáticos;
- Biópsia: mostrando processo inflamatório granuloma- Estudos de necrópsias revelam alterações pulmonares
toso na parede abdominal arterial ou em região peri com granulomas intra/extravasculares e lesões inflamató-
ou extravascular. rias ricas em eosinófilos.
É descrita na literatura a ocorrência de 3 fases da doen-
Os achados laboratoriais encontrados são anemia de ça. História natural (3 fases):
doença crônica e aumento das provas de atividade de fase - 1ª: Prodrômica – pode durar anos:
aguda, como a velocidade de hemossedimentação e a pro- • Asma, rinite alérgica, polipose nasal.
teína C reativa. O FAN costuma ser negativo, e o comple- - 2ª: Eosinofilia/infiltração tissular – pode recorrer por
mento, normal. anos:
A associação entre a GW e os anticorpos anticitoplasma • Síndrome de Löffler, pneumonia eosinofílica crônica
de neutrófilos (ANCA) é bem estabelecida. O c-ANCA ou o e gastroenterite eosinofílica.
anticorpo antiproteinase-3 é relativamente específico para
GW, podendo correlacionar-se com a atividade da doença.
- 3ª: Vasculite sistêmica:
Ocorre em 60 a 90% dos pacientes. • Acometimento de vários órgãos.
O diagnóstico diferencial inclui:
Não é obrigatório que todas as fases estejam nesta or-
- Outras vasculites; dem. O tempo médio é de 8 a 9 anos para o surgimento da
- Síndromes pulmão-rim: 3ª fase após início da asma.Usualmente, a asma precede a
• Doença de Goodpasture. vasculite por meses e anos, ocorrendo em 90% dos casos.
- Infecções: O paciente pode ter um quadro de início recente ou piora
• Principalmente por fungos e micobactérias. de um quadro anterior de longa data. São também comuns
- Neoplasias; os infiltrados pulmonares migratórios ou transitórios, ob-
- Desordens granulomatosas: servados à radiologia. A presença de rinite, sinusite e, oca-
• Sarcoidose. sionalmente, nódulos pulmonares pode confundir com GW.
Todavia, o acometimento nasal e dos seios da face em geral
- Condições autoimunes sistêmicas: não é um processo destrutivo, mas alérgico, com presença
• LES, AR. de pólipos nasais.
Como manifestações pulmonares, temos asma de início
O tratamento atual da GW baseia-se na utilização de
tardio, sendo de maior frequência e intensidade até a 3ª
drogas imunossupressoras, e as drogas de escolha são a
fase quando tende a entrar em remissão.
ciclofosfamida via oral, na dose de 2mg/kg/dia, e a predni-
Também são comuns os infiltrados pulmonares migra-
sona, na dose de 1mg/kg/dia, com posterior rebaixamento
tórios ou transitórios, observados à radiologia, presente em
das doses. Azatioprina e metotrexato podem ser usados em
38 a 77% dos pacientes. Infiltrado focal e transitório com
casos menos graves ou com intolerância. Quanto aos mais
padrão alveolar é o achado mais típico. Opacificações pa-
graves, com riscos de morte ou perda de função renal, de-
renquimatosas aleatórias ou periféricas é o achado mais
ve-se utilizar a pulsoterapia com metilprednisolona. Pulsos
comum de TC, porém não é um achado específico. Pode
mensais com ciclofosfamida resultam em menor toxicidade
ocorrer ainda infiltrado pulmonar eosinofílico ou hemorra-
que a posologia diária, sendo efetivas na remissão da doen-
gia alveolar. Alguns autores descrevem a ocorrência de der-
ça. A plasmaférese é indicada aos casos de síndrome urêmi-
rame pleural, sendo este uni ou bilateral, em geral assinto-
ca associada à glomerulonefrite rapidamente progressiva,
mático e raramente presente no momento do diagnóstico,
com indicação de terapia dialítica.
e a análise revela tratar-se de exsudato rico em eosinófilos
c) Síndrome de Churg-Strauss com glicose baixa.
Também conhecida como angiite granulomatosa alérgica, A presença de rinite, sinusite e ocasionalmente, nódulos
a Síndrome de Churg-Strauss (SCS) é uma vasculite extrema- pulmonares, podem levar à confusão com GW. Entretanto,
mente rara, que afeta vasos de médio e de pequeno calibres, o acometimento nasal e dos seios da face em geral não é
com predileção por pequenas artérias, arteríolas, capilares e um processo destrutivo, mas alérgico, com formação de pó-
108
VASCULITES
lipos nasais. Até 70% dos pacientes tem rinite alérgica ou • Histologia não tem granuloma e nem vasculite.
polipose sinusal. - Síndrome hipereosinofílica:
Alterações cutâneas podem estar presentes em 66% dos • Ausência de asma ou história de alergia;
casos, e, dentre as manifestações mais comuns, estão púr- • Histologia não tem granuloma e nem vasculite;
pura (imagem), urticária, eritema e nódulos. Podem ocorrer
REUMATOLOGIA
• Resistência ao tratamento com corticosteroides.
mononeurite múltipla, alterações do sistema nervoso cen-
tral e glomerulonefrite (glomerulonefrite focal e segmentar A SCS possui boa resposta à corticoterapia. São utiliza-
necrotizante com presença de crescentes). das altas doses de prednisona (1mg/kg/dia). Agentes cito-
tóxicos, como ciclofosfamida, devem ser reservados a casos
individuais graves e progressivos, com envolvimento renal,
intestinal, cardíaco ou pulmonar.
Tabela 11 - Diferenças entre as vasculites que causam síndrome
pulmão-rim
Característica GW PAM SCS
ANCA positivo 80 a 90% 70% 50%
ANCA espe-
PR3 >MPO MPO >PR3 MPO >PR3
cífico
Vasculite leucoci-
Vasculite Infiltrado
Achado histo- toclástica necroti-
leucocito- eosinofílico e
lógico zante, inflamação
clástica vasculite
granulomatosa
Perfuração de
Polipose
septo nasal; nariz
nasal; rinite
Ouvido/nariz/ em sela; perda Ausente ou
alérgica; per-
garganta auditiva neuros- leve
da auditiva de
sensorial; esteno-
condução
se subglótica
Doença
Doença ocular
ocular
Pseudotumor ocasional:
ocasional:
Ocular orbital; esclerite; esclerite,
esclerite,
episclerite; uveíte episclerite,
episclerite,
uveíte
uveíte
Nódulos; lesões Asma; infiltra-
infiltrativas ou Hemorragia do migratório;
Pulmonar
Figura 16 - Lesões purpúricas em paciente com SCS cavitárias; hemor- alveolar hemorragia
ragia alveolar alveolar
Os achados laboratoriais incluem: anemia e provas de
Glomeru- Glomeru-
atividade inflamatória elevadas em 80% dos casos; eosino- Glomerulonefri-
lonefrite lonefrite
filia é constante, geralmente > 1.000/mm3 e prontamente Renal te necrotizante
necrotizante necrotizante
reduzida após uso de corticosteroide, sendo que o aumento segmentar
segmentar segmentar
na contagem geralmente precede um período de atividade Lesão valvar Falência car-
da doença. Pode ocorrer elevação dos níveis séricos de IgE Cardíaco Raro
ocasional díaca
(75% dos casos). O p-ANCA – mieloperoxidase está positivo Vasculite Vasculite
em uma frequência de até 40% e o FR pode ser positivo em Nervo perifé- Vasculite neuro-
neuropática neuropática
54% dos casos. rico pática (10%)
(58%) (78%)
O diagnóstico diferencial inclui: Presente em
Eosinofilia Leve e ocasional Não há
- Granulomatose de Wegener: todos os casos
• Ausência de asma ou história de alergia;
B - Vasculite por depósito de imunocomplexos
• Eosinofilia não é comum;
• Envolvimento mais proeminente e grave; a) Crioglobulinemia
• C-ANCA. As crioglobulinas são anticorpos que se precipitam em
- Pneumonia eosinofílica crônica: condições de baixa temperatura, se dissolvem no calor e
• Não houve órgãos extrapulmonares; ocorrem em associação a inúmeras condições sistêmicas,
109
REUMATO LOG I A
podendo levar a complicações que incluem vasculites e hi- tórios não esteroides e/ou anti-histamínicos. Podem ainda
perviscosidade. As crioglobulinemias são classificadas em ser utilizados colchicina, corticoide, hidroxicloroquina e
tipos I, II ou III. dapsona.
- Crioglobulinemia do tipo I: contém anticorpos mono- c) Púrpura de Henoch-Schönlein
clonais (IgG ou IgM), sem atividade de fator reumatoi-
de. Estão associados a certas doenças hematológicas A Púrpura de Henoch-Schönlein (PHS) pode desenvol-
malignas, como mieloma múltiplo e macroglobuline- ver-se em qualquer idade, mas, em 90% dos casos, acon-
mia de Waldenström; tece em crianças. Nesse grupo, 2/3 dos pacientes relatam
- Crioglobulinemias dos tipos II e III: chamadas do tipo antecedente de infecção do trato respiratório superior, su-
“mistas”, pois contêm anticorpos IgM e IgG. O compo- gerindo que o processo infeccioso possa ser o desencadea-
nente IgG é sempre policlonal. Já o componente IgM dor da doença.
diferencia a do tipo II, quando é monoclonal, da do O paciente apresenta, tipicamente, um quadro agudo de
tipo III, em que é policlonal. Em ambos os casos, o FR é febre, púrpura palpável em membros inferiores e nádegas
positivo, pois as IgMs têm atividade contra o fator reu- (Figuras 17 e 18), dor abdominal, artrite e glomerulonefrite
matoide. Crioglobulinemias II e III ocorrem em associa- com hematúria. A púrpura pode ser extensa e confluente e
ção a algumas doenças, como hepatite C, síndrome de envolver braços e tronco. Dor abdominal pode ser causada
Sjögren e LES. Podem provocar vasculites de pequenos pelo edema intestinal e isquemia mesentérica; geralmente,
e de médios vasos. Nessas condições, a vasculite resul- é uma dor do tipo cólica e pós-prandial. Alguns pacientes
ta da deposição de complexos imunes na parede dos relatam náuseas, vômitos e sangramento digestivo. Doença
vasos e ativação do complemento. Por isso, são vascu- articular pode manifestar-se como artralgia e artrite, espe-
lites hipocomplementêmicas. cialmente de grandes articulações, como joelhos e tornoze-
los e, menos comumente, punhos e cotovelos. A principal
A manifestação mais comum na crioglobulinemia é a manifestação da glomerulonefrite é uma hematúria micros-
presença de púrpura palpável nos membros inferiores. cópica acompanhada por proteinúria. Em geral, é benigna,
Outras manifestações são neuropatia, glomerulonefrite, ar- mas pode evoluir com insuficiência renal em 10% dos casos.
tralgia, mialgia e fadiga.
O tratamento depende se há doença de base associada.
Caso seja crioglobulinemia por vírus C, o tratamento com
interferon alfa peguilado isolado ou combinado com riba-
virina pode ser efetivo. Para pacientes com mononeurite
múltipla ou outras manifestações graves, podem ser usados
corticosteroides e ciclofosfamida. E a plasmaférese pode
ser indicada a casos gravíssimos.
b) Vasculite de hipersensibilidade
Também denominada Angiite Cutânea Leucocitoclástica
(ACL), a vasculite de hipersensibilidade é um tipo de vascu-
Figura 17 - Púrpura nos membros inferiores em paciente com PHS
lite confinada à pele e não associada a outras formas. Pode
ser precipitada por medicações e infecções, identificáveis
em 60% dos casos. No restante, não se encontra o fator de-
sencadeante.
Manifesta-se com lesões tipo púrpuras palpáveis, urti-
cária, eritema multiforme, vesículas, pústulas, úlceras su-
perficiais e necrose, que ocorrem em regiões preferenciais,
como membros inferiores e nádegas, sendo acompanhadas
de prurido. As lesões encontram-se no mesmo estágio de
evolução, devido à exposição simultânea ao antígeno.
Em razão da sua apresentação pleomórfica, pode mi-
metizar outros quadros vasculíticos. A biópsia de pele em
lesões ativas (<48h) confirma o diagnóstico pelo achado de
vasculite leucocitoclástica em vênulas pós-capilares. Podem
apresentar, na imunofluorescência indireta, depósito de Figura 18 - Púrpura localizada nas nádegas em paciente com PHS
imunoglobulinas e complemento.
Em casos em que o agente desencadeante pode ser A presença de púrpura palpável em menores de 20
identificado, sua remoção leva à resolução do quadro em anos, com angina abdominal, é altamente indicativa do
dias ou semanas. Alguns casos necessitam de anti-inflama- diagnóstico. À histologia, tem-se o achado de granulócitos
110
VASCULITES
REUMATOLOGIA
merulonefrite grave, com crescentes, podem ser tratados
com pulsoterapia de corticoide e altas doses de corticotera-
pia via oral, além de imunossupressores, como azatioprina
e ciclofosfamida.
d) Vasculite urticariforme ou urticária vasculite
A Vasculite Urticariforme (VU) é uma vasculite leuco-
citoclástica que se apresenta com prurido recorrente que
dura mais de 24 horas, com componente purpúrico associa-
do à queimação e prurido. Na maioria das vezes, associa-se Figura 20 - Ulceração em bolsa escrotal de paciente com doença
a doenças inflamatórias do tecido conjuntivo, como LES. Há de Behçet. Fonte: Primer
uma forma normocomplementêmica, um subtipo da vas-
culite de hipersensibilidade, autolimitada e benigna, e uma Lesões cutâneas são comuns e incluem eritema nodo-
forma hipocomplementêmica, frequentemente associada a so, pseudofoliculites, lesões papulopustulosas ou nódulos
doença inflamatória sistêmica. O tratamento inclui hidroxi- acneiformes.
cloroquina, dapsona e baixas doses de corticoide.
O teste da patergia positivo (uma resposta exacerbada
Um pequeno número de pessoas com VU hipocomple-
da pele ao trauma, resultante da hiper-reatividade dos neu-
mentêmica tem uma desordem grave, semelhante ao LES,
trófilos) é considerado altamente específico para DB. Para
com artralgia, febre e glomerulonefrite, além de angioede- reproduzir o teste, uma agulha estéril é inserida perpendi-
ma: é a síndrome de vasculite urticariforme hipocomple- cularmente na pele e no subcutâneo, na região anterior do
mentêmica, associada a autoanticorpos contra C1q. Pode, antebraço. Após 48 horas, aparece um eritema ou pústu-
ainda, provocar uveíte e doença pulmonar obstrutiva grave. la (>2mm de diâmetro) nos locais onde ocorreu o trauma,
considerando o teste positivo.
6. Miscelânea Inflamação ocular, tipicamente, ocorre após as manifes-
tações mucocutâneas. Os sintomas podem aparecer após
A - Doença de Behçet anos, em geral são progressivos com curso crônico e recor-
rente, podendo afetar ambos os olhos. O achado ocular na
A Doença de Behçet (DB) é uma doença vascular in- DB é uveíte com hipópio (Figura 21). Além da uveíte ante-
flamatória crônica de etiologia desconhecida. Ocorre em rior, é possível que ocorram pan-uveíte, envolvimento da
todo o mundo, com prevalência mais elevada em países do câmara posterior e vasculites.
Mediterrâneo, Oriente Médio e Ásia. Acomete, principal-
mente, adultos jovens, com idade entre 25 e 30 anos. Envolvimento de grandes vasos, tanto no território ve-
As aftas orais são, usualmente, os primeiros sintomas. noso como arterial, é comum, sendo a maior causa de mor-
Geralmente são discretas, dolorosas e podem estar presen- bimortalidade. Trombose venosa profunda é a complicação
vascular mais comum. Podem, ainda, ocorrer trombose de
tes na língua, gengiva e palato (Figura 19). Úlceras genitais
veia cava, síndrome de Budd-Chiari, trombose venosa ce-
podem ocorrer na vulva, vagina, escroto e pênis (Figura 20),
rebral e varizes de esôfago. Lesões arteriais podem ocorrer
e também podem estar presentes as perianais.
na circulação sistêmica e no leito arterial pulmonar. Podem
existir estenoses, oclusões e aneurismas.
Doença do sistema nervoso central pode manifestar-se
como AIT, meningite asséptica e tromboses. Sintomas gas-
trintestinais incluem melena e dor abdominal decorrentes
de úlceras no íleo e ceco. As lesões gastrintestinais têm ten-
dência a perfuração e sangramento. Outras manifestações
clínicas da DB são artrites, glomerulonefrite e epididimite
(raro).
Reagentes de fase aguda podem estar aumentados, es-
pecialmente em pacientes com vasculite de grandes vasos.
Dosagem do complemento, fator reumatoide e crioglobuli-
Figura 19 - Aftas orais em paciente com DB. Fonte: Primer. nas são normais ou negativos.
111
REUMATO LOG I A
112
VASCULITES
REUMATOLOGIA
O tratamento consiste no emprego de:
- Conjuntivas oculares hiperemiadas;
- Alterações da cavidade oral incluindo eritema, secura, mucosa e - Anti-inflamatórios;
orofaringe hiperemiada; - Gamaglobulina intravenosa – a utilização na fase agu-
- Alterações nas extremidades distais dos membros, incluindo ru- da reduz o risco de aneurisma coronariano;
bor e edema endurado das mãos e dos pés e descamação pe-
riungueal;
- Medidas vasodilatadoras;
- Exantema eritematoso polimorfo (morbiliforme, escarlatinifor- - Trombolíticos e anticoagulantes.
me, maculopapular, eritema marginado), propagando-se das
extremidades para o tronco. Dura cerca de 1 semana;
- Aumento não supurado dos linfonodos cervicais.
7. Resumo
Quadro-resumo
- Vasculites: doenças inflamatórias que afetam a parede vascular, causando rotura ou oclusão dos vasos afetados;
- Classificação: podem ser primárias ou secundárias;
- Vasculites de grandes vasos: arterite de Takayasu, arterite de células gigantes;
- Vasculites predominantemente de médios vasos: poliarterite nodosa, doença de Kawasaki, tromboangeíte obliterante;
- Vasculites predominantemente de pequenos vasos: vasculites associadas ao ANCA (granulomatose de Wegener, poliangeíte micros-
cópica, síndrome de Churg-Strauss), vasculite urticariforme, vasculite de hipersensibilidade, púrpura de Henoch-Schönlein, crioglobu-
linemia;
- Arterite de Takayasu (“doença sem pulso”): afeta aorta e seus ramos primários (estreitamentos e aneurismas);
- Arterite de células gigantes (“arterite temporal”): afeta ramos extracranianos das artérias carótidas, com risco de amaurose definitiva
por neuropatia óptica isquêmica;
- Poliarterite nodosa: acomete artérias de pequeno e médio calibre. Sintomas constitucionais marcantes. Predileção por pele, nervos
periféricos, rins, trato gastrintestinal e trato genital. Poupa os pulmões e é associada à hepatite B;
- Poliangeíte microscópica: vasos arteriais e venosos de pequeno e médio calibre. Principal causa de síndrome pulmão-rim. Hemorragia
alveolar, glomerulonefrite, mononeurite multiplex, púrpuras. Associada ao p-ANCA;
- Granulomatose de Wegener: vasculite granulomatosa de trato respiratório superior e inferior, com ou sem glomerulonefrite. Asso-
ciada ao c-ANCA;
- Síndrome de Churg-Strauss: vasculite granulomatosa de vasos pequenos e médios. Tríade clássica: asma, eosinofilia e vasculite sistêmica.
Presença de rinite alérgica/polipose nasal, doença obstrutiva de vias aéreas, eosinofilia, infiltrados pulmonares, neuropatia periférica e
glomerulonefrite. Associada ao p-ANCA;
- Crioglobulinemia: vasculite de pequenos e médios vasos associada à presença de crioglobulinas circulantes. Predileção por pele, arti-
culações, sistema nervoso periférico e rins. Associada à infecção crônica pelo vírus da hepatite C;
113
REUMATO LOG I A
- Púrpura de Henoch-Schönlein: vasculite sistêmica que predomina em crianças, caracterizada pela tétrade de púrpura palpável, artrite,
dor abdominal e glomerulonefrite;
- Doença de Behçet: vasculite sistêmica caracterizada pela presença de aftose oral e genital recorrente, acometimento cutâneo, aco-
metimento ocular e patergia;
- Doença de Buerger (tromboangeíte obliterante): obstrução das artérias e das veias de pequeno e de médio calibre e é decorrente de
uma inflamação causada pelo tabagismo;
- Doença de Kawasaki: doença aguda, febril, exantemática e etiologia desconhecida.
Sexo
Vasculite sistêmica Faixa etária Características clínicas predominantes
M:F
Febre, perda ponderal, livedo reticularis, monopolineuropatia, hi-
PAN (Poliarterite nodosa) 40 a 60 2:1
pertensão arterial
GW (Granulomatose de Wegener) 30 a 50 1:1 Sinusite, úlcera oral, hemoptise, nódulos pulmonares, nefrite
Asma severa, eczema atópico, monopolineuropatia, infiltrado pul-
SCS (Síndrome de Churg-Strauss) 40 a 60 2:1
monar, eosinofilia
Às vezes associada a outras vasculites e drogas, púrpura palpável,
Vasculite leucocitoclástica 30 a 50 1:1
eritema maculopapular, ulceração cutânea
Púrpura palpável, eritema maculopapular, ulceração cutâneas em
PHS (Púrpura de Henoch-Schönlein) 5 a 20 1:1 MMII e nádegas, dor abdominal, diarreia sanguinolenta, nefrite com
deposição de IgA
Dor temporal, claudicação de mandíbula, fraqueza muscular em cin-
ACG (Arterite de Células Gigantes) 60 a 75 1:3
tura escapular e pélvica, visão dupla, amaurose
Úlceras orais e/ou genitais, pseudofoliculite, uveíte, tromboflebite,
DB (Doença de Behçet) 20 a 35 1:1
artrite
114
CAPÍTULO
11
Síndrome de Sjögren
Rodrigo Antônio Brandão Neto / Ana Cristina de Medeiros Ribeiro
Aleksander Snioka Prokopowistch / Hérica Cristiani Barra de Souza
115
REUMATO LOG I A
116
SÍNDROME DE SJÖGREN
REUMATOLOGIA
6. Outros exames período.
Outro achado importante, também relacionado à xeros-
Para o diagnóstico de SS primária ou secundária, é preci-
tomia e que também é um critério diagnóstico, é o estudo
so que alguma evidência concreta de xeroftalmia e/ou xeros-
anatomopatológico de glândulas salivares menores, pela
tomia seja observada, além da queixa do paciente. Pode-se
biópsia interna no lábio inferior, buscando-se focos de infla-
obter o diagnóstico pela mensuração da produção lacrimal
mação no tecido salivar.
pelo teste de Schirmer, pela avaliação da estabilidade do fil-
me lacrimal (break-up time) ou pela quantificação do dano
ao epitélio corneano através do teste de Rosa Bengala, mais 7. Diagnóstico
específico que o teste de Schirmer no diagnóstico da SS. Vários critérios já foram formulados para o diagnóstico
e a classificação da SS. Os mais comumente usados incluem
A - Testes confirmatórios de xeroftalmia dados de sintomas, achados objetivos de síndrome seca e
- Teste de Schirmer: é feito através da introdução de sorologia autoimune (Tabela 1).
papel de filtro com 30mm de comprimento no saco
Tabela 1 - Critérios para classificação da síndrome de Sjögren
conjuntival na porção lateral da conjuntiva inferior.
Mantêm-se os olhos do paciente fechados por 5 mi- 1 - Sintomas oculares – xeroftalmia
nutos, então se remove o papel, anotando o compri- Resposta positiva para, pelo menos, 1 das 3 questões:
mento da área umedecida. O comprimento <5mm é 1 - Você tem olho seco, diária e persistentemente, por, pelo
anormal (Figura 2A); menos, 3 meses?
2 - Você tem sensação de areia nos olhos?
- Break-up time: colocam-se 2,5mL de solução de flu- 3 - Você faz uso de lágrima artificial mais de 3 vezes ao dia?
oresceína a 1% no fórnice inferior de cada olho, e
2 - Evidência objetiva de xeroftalmia
pede-se para o paciente piscar. Com o microscópio de
Evidência concreta de envolvimento ocular baseado em resulta-
lâmpada de fenda, avaliam-se o intervalo de tempo da
do positivo de, pelo menos, 1 dos seguintes testes:
última piscada e o aparecimento de áreas escuras não
1 - Teste de Schirmer (<5mm em 5 minutos).
fluorescentes e, assim, a integridade do filme lacrimal. 2 - Score do Rosa Bengala 3 a 4.
As áreas escuras correspondem às de perda da integri-
3 - Sintomas orais – xerostomia
dade do filme;
Resposta positiva para, pelo menos, 1 das 3 questões:
- Rosa Bengala: avalia-se a alteração anatômica do epi- 1 - Você tem sensação de boca seca, diariamente, há mais de 3
télio da córnea, causada pela redução da secreção e da meses?
produção de mucina pela superfície ocular. Instila-se 2 - Você tem inchaço de glândulas salivares, recorrente ou per-
solução de anilina a 1% que impregna no epitélio des- sistente, enquanto adulto?
vitalizado (Figura 2B). O olho é avaliado em 4 diferen- 3 - Você frequentemente ingere líquidos para facilitar a degluti-
tes quadrantes, e é feito um score de desvitalização. ção, principalmente de alimentos sólidos?
4 - Evidência objetiva de xerostomia
Evidência concreta de envolvimento da glândula salivar baseada
em resultado positivo de, pelo menos, 1 dos seguintes testes:
1 - Cintilografia da glândula salivar.
2 - Sialografia de parótida.
3 - Fluxo salivar não estimulado (<1,5mL em 15 minutos).
5 - Alterações histopatológicas
- Focal na biópsia de glândulas salivares menores (foco definido
Figura 2 - (A) Teste de Schirmer e (B) Rosa Bengala como aglomerado de, pelo menos, 50 células mononucleares;
score focal definido como número de focos por 4mm2 de teci-
do glandular).
B - Testes de xerostomia
6 - Autoanticorpos
- Sialografia de parótidas: exame de radiologia contras- Presença de, pelo menos, 1 dos seguintes autoanticorpos séri-
tada das parótidas visando observar a anatomia dos cos:
ductos salivares. As alterações encontradas podem ser 1 - Anti-Ro/SSA.
deformidades grosseiras do padrão arborizado normal 2 - La/SSB.
e dilatação ductal (sialectasia);
117
REUMATO LOG I A
118
SÍNDROME DE SJÖGREN
para artralgias inflamatórias e artrite, assim como corticoi- tes lubrificantes, como gel ou pastas. Deve-se beber água
des em doses baixas e antimaláricos. Manifestações sistê- com frequência, mas em pequenas quantidades para evitar
micas como vasculite e dermatite e o comprometimento poliúria, hiponatremia e polidipsia. Candidíase oral é uma
ocular grave podem ser tratados com corticosteroides sis- complicação comum, e podem ser usados clotrimazol ou
têmicos e várias drogas imunossupressoras, como metotre- nistatina. A presença de queilite angular pode requerer o
REUMATOLOGIA
xato, azatioprina, ciclosporina, ciclofosfamida, micofenola- uso de agentes antifúngicos. E secretagogos, como a pilo-
to de mofetila etc. A hidroxicloroquina é um antimalárico carpina, podem ajudar.
utilizado no tratamento de várias doenças reumatológicas
Tabela 4 - Tratamento tópico da xerostomia
e indicado na SS para o tratamento das manifestações mus-
culoesqueléticas constitucionais, lesões cutâneas e como Tratamento tópico Nome comercial
droga de base. Saliva artificial Salivan®
Existem perspectivas do uso de agentes biológicos, sobre- Chicletes sem açúcar com
Chicletes Valda®
tudo com ação antilinfócito B, como o rituximabe. Há relatos xilitol
na literatura de seu uso na SS, mas sem grandes evidências de Pastas ou verniz com libe-
Perioxidin®
melhora dos sintomas de secura (xerostomia e xeroftalmia). ração lenta de xilitol
Entretanto, manifestações sistêmicas como fadiga, sinovi- Colutórios clorexidina
Periogard®, Noplak®, Colgate®
te, artralgia, vasculite por crioglobulinemia e manifestações (antibacteriano)
neurológicas, renais e pulmonares parecem ter boa resposta
ao tratamento com esse medicamento. Em decorrência do E - Outras securas de mucosas
tratamento, os níveis de Fator Reumatoide (FR) caem, mas
Lubrificantes à base de água podem ser usados para
não dos autoanticorpos anti-Ro e anti-La. Casos associados a
secura nasal e/ou vaginal. Pode-se apresentar candidíase
linfoma não Hodgkin responderam bem. vaginal recorrente, sendo necessário tratamento com nista-
Manifestações graves como mielite transversa, neuro- tina ou, em caso de muitas recorrências, antifúngicos orais
patia periférica, glomerulonefrite, vasculites graves, encefa- e/ou tratamento tópico profilático. Umidificadores de ar e
lopatia e mielopatia, quando presentes na SSp, podem ser broncodilatadores podem melhorar a tosse seca reativa.
tratadas com ciclofosfamida em pulsoterapia, esteroides,
plasmaférese, gamaglobulina hiperimune e rituximabe.
Atenção especial é destinada para a acidose tubular re- 9. Resumo
nal. Nesse caso, devem-se usar drogas alcalinizadoras a fim Quadro-resumo
de reduzir a acidose.
- SS: doença autoimune inflamatória sistêmica que tem como alvo
principal as glândulas de secreção exócrina;
Tabela 3 - Drogas usadas no tratamento da síndrome seca
- Classificação: pode ser primária ou secundária (associada a outra
Nome farmacológico Nome comercial
doença do conectivo);
Ciclosporina tópica 0,05% Restasis®
- Principais manifestações clínicas: xeroftalmia e xerostomia (sín-
Pilocarpina Salagen® drome sicca), pele seca, artrite periférica não erosiva, Raynaud,
Cevimelina Evoxac® envolvimento pulmonar, vasculite/púrpura, mononeurite múlti-
Cápsulas de ômega 3 pla, alterações renais;
- Pode se associar: à cirrose biliar primária e a maior risco de desen-
C - Acometimento ocular (ceratoconjuntivite seca) volvimento de linfomas;
- Principais alterações laboratoriais: FAN e FR frequentemente po-
O tratamento para os olhos secos inclui lágrimas arti- sitivos, associação à presença de anti-Ro e anti-La, hipergamaglo-
ficiais à base de celulose e medicamentos sistêmicos. Há bulinemia, VHS elevada;
evidências de que o uso de corticoide e ciclosporina tópicos
- Testes confirmatórios de xeroftalmia: Schirmer, Rosa Bengala,
traz benefício no tratamento da SS. A pilocarpina sistêmica break-up time;
pode melhorar os sintomas oculares.
- Testes para função das glândulas salivares: sialografia de paróti-
Em casos refratários, plugs são colocados no canal na- das, fluxometria salivar, cintilografia de glândulas salivares;
solacrimal, com o intuito de diminuir a drenagem e man-
- Tratamento: colírios lubrificantes, agentes secretagogos (pilocar-
ter a lágrima (ou lubrificante) por mais tempo na superfície
pina, cevimelina), corticoides sistêmicos/anti-inflamatórios não
ocular. hormonais, cloroquina, imunossupressores.
119
REUMATO LOG I A
CAPÍTULO
12
Lúpus eritematoso sistêmico
Rodrigo Antônio Brandão Neto / Ana Cristina de Medeiros Ribeiro
Aleksander Snioka Prokopowistch / Hérica Cristiani Barra de Souza
120
L Ú P U S E R I T E M AT O S O S I S T Ê M I C O
4. Manifestações clínicas
Tabela 2 - Frequência das principais manifestações clínicas no LES
Manifestação clínica (%)
REUMATOLOGIA
Artrite 72 a 94
Alopecia 52 a 80
Rash cutâneo 74 a 90
Fotossensibilidade 10 a 62
Rash malar 37 a 90
Úlceras orais 30 a 61
Febre 74 a 91
Neuropsiquiátrica 19 a 63
Renal 35 a 73
Cardíaca 10 a 29
Pleuropulmonar 9 a 54
Fonte: ABC of Rheumatology.
121
REUMATO LOG I A
122
L Ú P U S E R I T E M AT O S O S I S T Ê M I C O
REUMATOLOGIA
Figura 7 - (A) Erosões no palato e (B) úlcera oral em paciente com
LES. Fonte: Rheumatology in Practice Figura 8 - Vasculite palmar
123
REUMATO LOG I A
A nefrite lúpica tende a ser uma doença contínua, com d) Manifestações hematológicas
surtos que requerem novo tratamento durante muitos Quaisquer dos componentes celulares do sangue pode
anos. Constituem fatores de pior prognóstico: cor negra, ser atingido no LES, levando a citopenias. O hemograma é
início da nefrite em idade jovem, proteinúria nefrótica, alto exame fundamental para diagnóstico e seguimento de pa-
índice de cronicidade, doença renal intersticial, hipertensão cientes lúpicos, pois as citopenias também podem ocorrer
arterial, formação de crescentes, hipocomplementenemia como complicações pelo uso de drogas (metotrexato, aza-
e anemia (Tabela 5). tioprina, ciclofosfamida). Anemia ocorre em até 80% dos
pacientes. Anemia normocítica e normocrômica é a mais
Tabela 5 - Fatores de mau prognóstico em pacientes com nefrite
lúpica, independentes da classificação frequente, refletindo doença crônica. Também pode ocor-
rer anemia por deficiência de ferro ou insuficiência renal.
Achados de anam- Achados de biópsia Achados de labo-
Mas o quadro mais dramático, que só ocorre em 10% dos
nese ratório
casos, é o da anemia hemolítica autoimune, de rápida ins-
- Alto índice de croni- - Proteinúria
- Cor negra; talação, com hiperbilirrubinemia indireta, reticulocitose,
cidade; nefrótica;
aumento de desidrogenase lática (DHL), teste de Coombs
- Início da nefrite em - Doença renal inters- - Hipocomple- direto e consumo de haptoglobina, requerendo terapia com
idade jovem; ticial; mentenemia;
corticoide em altas doses.
- Hipertensão arte- - Formação de cres- A leucopenia também é comum, mas dificilmente atinge
- Anemia.
rial. centes. valores muito baixos (<1.000/mm3). Quase sempre ocorre
124
L Ú P U S E R I T E M AT O S O S I S T Ê M I C O
por linfopenia, sem necessidade de tratamento (a menos do SNC, investigação com tomografia ou ressonância e co-
que a linfopenia atinja valores <600/mm3 por tempo pro- leta de liquor são importantes para afastar comorbidades,
longado). Mais raramente, pode ocorrer granulocitopenia. sobretudo infecciosas. O liquor pode apresentar aumento
A plaquetopenia crônica também é comum e pode atin- da celularidade e das proteínas, mas na maioria dos casos
gir valores muito baixos, com risco de sangramento espon- é normal.
REUMATOLOGIA
tâneo grave quando valores menores que 20.000/mm3 são
atingidos (Figuras 9A e B). Tabela 6 - Principais manifestações do LES no SNC e no SNP
SNC
- Meningite asséptica;
- Doença cerebrovascular;
- Síndrome desmielinizante;
- Cefaleia (incluindo migrânea e hipertensão intracraniana be-
nigna);
- Desordens do movimento (incluindo coreia);
- Mielopatia;
- Convulsão;
- Estado confusional agudo;
- Distúrbios de ansiedade;
- Disfunção cognitiva;
- Distúrbios de humor;
- Psicose.
SNP
- Polirradiculoneuropatia desmielinizante inflamatória aguda
(Guillain-Barré);
- Disfunção autonômica;
- Mononeuropatia (isolada ou multiplex);
- Miastenia gravis;
- Neuropatia de nervos cranianos;
Figura 9 - LES com manifestação de sangramento cutâneo (A – pe-
- Plexopatia;
téquias nos membros inferiores) e mucoso (B – petéquias palati-
nas) por plaquetopenia grave - Polineuropatia.
125
REUMATO LOG I A
h) Manifestações pulmonares
As manifestações pulmonares são comuns, mas ra-
ramente com risco de vida. A forma mais comum de aco-
metimento é a pleurite com ou sem derrame pleural. Os
derrames pleurais geralmente são bilaterais e de pequeno
volume (Figura 13). Pode ocorrer dor pleurítica e atrito pe-
ricárdico ou o derrame pode ser mais volumoso. O derrame
tem características exsudativas, com aumento de proteína,
glicose normal, celularidade <10.000 e baixo nível de com-
plemento. A pleurite pode ser controlada com anti-infla-
matórios e corticoides em doses moderadas por períodos
Figura 11 - Áreas de microinfartos cerebrais em paciente com LES, curtos. Se o derrame for unilateral, ou predominantemente
traduzindo uma vasculite de pequenos vasos. Fonte: Imaging in unilateral, ou houver algum indício de infecção como febre,
Rheumatology deverá ser puncionado.
126
L Ú P U S E R I T E M AT O S O S I S T Ê M I C O
i) Manifestações gastrintestinais
Manifestações gastrintestinais são incomuns. Dentre
elas, destacam-se: peritonite autoimune, que pode ser con-
fundida com abdome agudo cirúrgico; pancreatite autoimu-
ne, gastroparesia e vasculite intestinal, que pode provocar
REUMATOLOGIA
perfurações, isquemia, hemorragia intestinal e choque sép-
tico. Toxicidade hepática por drogas é comum, ao contrário
da hepatite crônica ativa associada ao LES.
j) Manifestações oculares
A síndrome de Sjögren secundária e ceratites e conjunti-
vites inespecíficas são comuns no LES, mas raramente ame-
açam a visão. Ao contrário, a vasculite de retina e a neu-
rite óptica são manifestações graves, podendo determinar
amaurose em dias.
Figura 13 - Derrame pleural bilateral, mais volumoso à esquerda
em paciente com LES. Fonte: Imaging in Rheumatology
5. Avaliação laboratorial
O acometimento do parênquima pulmonar é mais raro O seguimento laboratorial permite estabelecer o diag-
e pode incluir: nóstico, monitorização de um novo surto e identificação
- Pneumonite intersticial crônica, com alveolite (infiltrado dos efeitos colaterais do tratamento.
em vidro fosco) ou infiltrado reticulonodular (semelhan-
te a outras colagenoses com miopatias inflamatórias); A - Pesquisa de autoanticorpos
- Pneumonite lúpica aguda, com quadro de febre, tosse, Tabela 8 - Padrões de IFI observados em imprint de fígado de ca-
dispneia e infiltrados ao raio x, que são de difícil dife- mundongo ou cortes de tecido de roedores e possíveis antígenos
renciação radiológica de um quadro infeccioso e 50% envolvidos e associações clínicas
dos pacientes com derrame pleural;
Possível antíge-
- Hemorragia alveolar difusa, decorrente de pneumoni- Padrão de IFI
no envolvido
Possível associação clínica
te, com queda do hematócrito e infiltrados difusos, in-
LES, LES induzido por dro-
suficiência respiratória, com ou sem hemoptise e alta gas, artrite juvenil idiopá-
mortalidade (de 50%); Periférico e tica, síndrome de Felty,
- Embolia pulmonar; homogêneo
DNA nativo
esclerose sistêmica, cirrose
- Shrinking lung syndrome ou síndrome do encolhimen- biliar primária, hepatite au-
to pulmonar (Figura 14): diminuição de volume pulmo- toimune.
nar, possivelmente devido à miopatia do diafragma, LES, LES induzido por dro-
mas a fisiopatologia não é realmente conhecida; gas, artrite juvenil idiopá-
- Bronquiolite obliterante com pneumonia em organiza- Homogêneo DNA nativo
tica, síndrome de Felty,
esclerose sistêmica, cirrose
ção (BOOP);
biliar primária, hepatite au-
- Hipertensão pulmonar: rara, geralmente com prova toimune.
de função pulmonar contendo difusão bem baixa com
Síndrome de Sjögren, LES,
pouco ou nenhum distúrbio restritivo associado. Pode SS-A/Ro e/ou LES neonatal, LES cutâneo,
ocorrer por microembolia pulmonar, associada à SAF. Pontilhado fino
SS-B/La AR, miosite e esclerose sis-
têmica, polimiosite.
Pontilhado LES, DMTC, esclerose sistê-
Sm e/ou RNP
grosso mica.
Esclerose sistêmica, poli-
Antígenos nucle-
Nucleolar miosite/ES, polimiosite/
olares
dermatomiosite.
LES: Lúpus Eritematoso Sistêmico; AR: Artrite Reumatoide; DMTC:
Doença Mista do Tecido Conectivo; CBP: Cirrose Biliar Primária.
Fonte: 3º Congresso Brasileiro do FAN, 2009.
127
REUMATO LOG I A
que o diagnóstico não seja LES. A presença de FAN positi- nofluorescência. O padrão pontilhado fino em baixos títulos
vo isolado não indica diagnóstico de LES, mas é um bom (<1/160) é o mais inespecífico e seu achado isolado na au-
teste de triagem pela sua alta sensibilidade. O FAN pode sência de manifestações sugestivas de LES pode confundir
ser positivo em uma série de condições autoimunes e não o diagnóstico, não devendo ser valorizado.
autoimunes (Tabela 9). Cerca de 20% das mulheres adultas Alguns autoanticorpos são importantes para o diagnós-
têm FAN positivo. tico de LES, pois são específicos: o anti-DNA de dupla hélice
ou dupla cadeia (anti-dsDNA), o anti-SM e o anti-P. Isto sig-
Tabela 9 - Possíveis interpretações de um FAN positivo nifica que sua positividade, em um contexto clínico compa-
- Associação evidente com uma condição autoimune; tível, indica fortemente o diagnóstico de LES. Destes, o anti-
-dsDNA e o anti-Sm são considerados critérios diagnósticos.
- Nenhuma associação evidente com uma condição autoimune:
Outros anticorpos são inespecíficos, podendo ocorrer em
· Incidentaloma?
outras colagenoses e mesmo em outras doenças, como o
· Autoanticorpos associados a doenças inflamatórias crônicas?
anti-ssDNA (anti-DNA de hélice simples), o anti-Ro, o anti-
· Distúrbio autoimune transitório?
-La, o anti-RNP, dentre outros.
* Infecção?
Anticorpos antifosfolípides também não são específicos
* Drogas?
de LES, apesar de preencherem um critério diagnóstico.
* Câncer?
Eles podem identificar pacientes com SAF (síndrome do an-
· Traço familiar de autoimunidade?
ticorpo antifosfolípide), com maior risco de evento trombó-
· Manifestação mínima de um espectro de condições autoimu-
tico. São 3 os anticorpos antifosfolípides: o anticoagulante
nes?
lúpico, os anticorpos anticardiolipina (IgG, IgM e, em situ-
· Manifestação precoce de uma doença autoimune incipiente?
ações especiais o IgA) e o antibeta-2-glicoproteína (IgG ou
Fonte: 3º Consenso Brasileiro do FAN, 2009.
IgM). Pacientes com SAF podem ter perdas gestacionais de
repetição.
O resultado do FAN é fornecido por meio de 2 variá- A presença de anti-Ro indica risco aumentado para lú-
veis: o título e o padrão de fluorescência. O título mostra a pus neonatal (com lesões cutâneas e bloqueio atrioventri-
mais alta diluição em que o soro ainda apresenta reativida- cular congênito) e associação com síndrome de Sjögren. O
de. No LES encontramos título de moderado a alto (1/160 anticorpo anti-Ro deve ser pesquisado nas mulheres lúpicas
a 1/1.640). O padrão de imunofluorescência determina gestantes. Sua presença requer monitorização da frequên-
contra quais estruturas celulares o FAN está direcionado e cia cardíaca fetal com intervenção precoce se ocorrer sofri-
isso pode sugerir alguns anticorpos específicos como res- mento.
ponsáveis pela positivação desse FAN. Anticitoplasma, an- O fator reumatoide (imunoglobulina IgM anti fração Fc
tinucléolo, anticentrômero e antiaparelho mitótico, padrão de IgG) pode ser positivo no LES, sem nenhuma implicação
homogêneo, pontilhado fino ou grosso são padrões de imu- prognóstica.
128
L Ú P U S E R I T E M AT O S O S I S T Ê M I C O
Padrão
Anticorpo Prevalência Associação Indicação
de FAN
Não é específico.
Geralmente concomitante à pre-
Pontilhado Sem indicação rotineira no diagnóstico
Anti-La (SS-B) 10% sença de anti-Ro.
REUMATOLOGIA
fino ou no seguimento.
Associa-se com síndrome de
Sjögren.
Sem indicação rotineira no diagnóstico
Não é específico. ou no seguimento, mas pode ajudar no
Anti-histona 70% Homogêneo
Mais frequente no LES por droga. diagnóstico diferencial com lúpus induzi-
do por drogas.
Antifosfolípides: Indicação no diagnóstico para avaliar ris-
Não são específicos.
anticoagulante lúpico, co de SAF, em caso de manifestações de
50% Predisposição à trombose, abortos
anticardiolipina, e anti- SAF para fechar diagnóstico e em lúpicas
e plaquetopenia (SAF).
beta-2-glicoproteína que desejam engravidar.
Não é específico.
Pontilhado Sem indicação rotineira no diagnóstico
Anti-RNP 40% Títulos elevados na doença mista
grosso ou no seguimento.
do tecido conjuntivo.
B - Outros exames
Têm como objetivo avaliar o grau de envolvimento de órgãos-alvo nas crises e no acompanhamento do tratamento da
doença. Incluem hemograma completo, creatinina, eletroforese de proteínas, provas de fase aguda (VHS e PCR), urina do tipo
I, proteinúria de 24 horas, clearance de creatinina e dosagem de complemento. O nível sérico de complemento total (CH50 ou
CH100) e suas frações C3 e C4 costumam estar baixos durante atividade lúpica, sobretudo sistêmica, renal e de serosas. Não é
específico. Outras doenças, inclusive do diagnóstico diferencial do LES podem ter consumo de complemento, como hepatite C
e endocardite bacteriana.
129
REUMATO LOG I A
130
L Ú P U S E R I T E M AT O S O S I S T Ê M I C O
Os principais diagnósticos diferenciais de LES são: artri- de exame oftalmológico regular, incluindo acuidade visual,
te reumatoide (artrite com FAN positivo), dermatomiosite lâmpada de fenda, teste de campo visual e fundoscopia,
(miosite, artrite, rash cutâneo), infecções virais crônicas normalmente a cada 6 a 12 meses. As mudanças iniciais
como hepatite C com crioglobulinemia (artrite, glomerulo- da retina são notados na mácula, com edema, aumento da
nefrite, vasculite de SNC, queda do complemento), hepatite pigmentação e perda do reflexo foveal à luz brilhante. Já
REUMATOLOGIA
B (vasculite), endocardite bacteriana (artrite, rash cutâneo, defeitos de campo visual são geralmente associados com al-
queda do complemento), entre outros. terações mais graves na retina, incluindo a palidez do disco
óptico e atrofia, atenuação das arteríolas retinianas, altera-
7. Tratamento ções pigmentares granulares da retina periférica, e proemi-
nentes padrões coroidais nos estágios mais avançados. O
Não há cura disponível para LES e remissões completas desenvolvimento da retinopatia é geralmente dependente
são raras. Portanto, o objetivo do tratamento consiste em
da dose e duração.
monitorar e evitar novas crises da doença, por meio de es-
Além dos efeitos terapêuticos dos antimaláricos nas ma-
tratégias para supressão dos sintomas em nível aceitável e
nifestações do LES, os efeitos benéficos têm sido relatados
prevenção de danos em órgãos-alvo. A estratégia terapêu-
no que diz respeito à melhora nos perfis de lipoproteínas.
tica deve levar em conta vários fatores: se o acometimento
Isto é particularmente importante em pacientes tratados
orgânico da crise envolve risco de vida ou lesão grave, se
com corticosteroides ou com síndrome nefrótica e hiperco-
as manifestações são potencialmente reversíveis, escolher
lesterolemia secundária. Outro benefício potencial é de an-
a melhor abordagem para prevenir complicações da doença
timaláricos na profilaxia contra eventos tromboembólicos.
e seu tratamento.
Nos casos de LES cutâneo, corticoides tópicos e anti-
O tratamento do LES envolve não só o tratamento me-
maláricos são efetivos na redução das lesões. Corticoide
dicamentoso, mas também orientações gerais e tratamento
das comorbidades. sistêmico está indicado em casos de dermatites extensas.
Nos quadros refratários, podem-se utilizar dapsona ou ta-
A - Orientações gerais lidomida. Doses moderadas de corticoide (<0,5mg/kg/dia
de prednisona ou equivalente) costumam ser efetivas no
Dieta rica em cálcio, atividade física regular, eliminar o tratamento de serosites.
tabagismo, tratamento da dislipidemia e hipertensão arte- Em casos de artralgia e artrite que não respondem,
rial sistêmica. Os pacientes com qualquer forma de acome- podem-se usar doses baixas de prednisona ou equivalente
timento cutâneo devem minimizar a exposição à luz ultra- e anti-inflamatórios. Em casos de artrite franca, crônica e
violeta, usando protetores solares e roupas com cobertura recorrente, uma boa opção é o metotrexato.
adequada. Quadros hematológicos como anemia hemolítica autoi-
mune e plaquetopenia grave (<50.000) são tratados com
B - Tratamento medicamentoso prednisona na dose de 1mg/kg/dia. Para manutenção do
Os AINEs são usados nos casos de artrite e manifesta- tratamento, usam-se imunossupressores como a azatio-
ções em partes moles. São normalmente utilizados para a prina (2 a 3mg/kg/dia) ou micofenolato de mofetila (dose
atividade leve antes que corticosteroides em baixa dose se- ótima 3g/dia). Pulsoterapia com metilprednisolona (1g/
jam iniciados, ou associados a antimaláricos. Combinados dia por 3 dias consecutivos) ou imunoglobulina intravenosa
com corticosteroides, em um esforço para minimizar a dose (2g/kg divididos em 2 ou 5 dias) podem ser utilizadas em ca-
de corticosteroides, ou para suprimir a atividade do lúpus, sos refratários, assim como o rituximabe, um imunobiológi-
quando corticosteroides em dias alternados são utilizados. co com ação antilinfócito B (anti-CD 20), na dose de 375g/
Portanto, suas principais indicações são: no tratamento sin- m2 de superfície corpórea/dose em 4 doses com intervalo
tomático de manifestações musculoesqueléticas, serosite de 1 semana entre cada uma. Outras opções para plaque-
leve e características sistêmicas tais como febre. topenia incluem danazol, plasmaférese e, se necessário,
Antimaláricos estão indicados em praticamente todos esplenectomia.
os casos de LES e frequentemente melhoram sintomas me- A pedra angular no tratamento do LES é o corticoide. Tem
nores como quadros cutâneos leves, artrite e a fadiga. O rápido início de ação, na resolução da inflamação e quadros
uso contínuo de agentes antimaláricos (cloroquina 250mg/ de atividade da doença. Ele normalmente é prescrito por via
dia ou hidroxicloroquina 400mg/dia), mesmo em pacien- oral em baixa, média (0,5mg/kg) ou doses elevadas (1mg/
tes fora de atividade, reduz a frequência de recidivas da kg), dependendo da manifestação alvo, em dose única ma-
doença. A toxicidade da ocular é responsável pela maior tinal ou fracionada (2 a 4x/dia). Podem ser necessário pul-
preocupação significativa no que diz respeito ao tratamen- sos de metilprednisolona 1g/dia por 3 dias consecutivos a
to antimalárico. Deposição destes agentes na melanina da depender da gravidade da manifestação. Minipulsos (500mg
camada epitelial pigmentar da retina pode danificar as has- por 3 dias) podem ser eficazes e com menos efeitos adversos
tes e cones. Lesão precoce geralmente é reversível, mas é, em casos selecionados, quando controlada a doença de base
na maioria das vezes, assintomática, por isso a necessidade e já introduzido um imunossupressor poupador de corticoi-
131
REUMATO LOG I A
de. Após controle da atividade, é necessária redução gradual quetopenia ou anemia graves), pulmonar (pneumonite) e
de dose da prednisona. A rapidez da redução varia significati- neurológico.
vamente e depende das manifestações iniciais da doença, da A azatioprina (2 a 3mg/kg/dia) permite a redução da
duração do tratamento com corticosteroides, da resposta da dose de manutenção do corticoide. É um análogo da purina
doença do paciente e da tolerância do paciente, bem como gerada pelo acréscimo de um grupo imidazol na 6-mercap-
da experiência médica individual. Normalmente não é redu- topurina (6-MP). Imunossupressor mais usado na prática
zida por mais de 25% por vez. como agente poupador de corticoide. O tratamento de ma-
Embora a interrupção total de corticoide seja uma meta nutenção com azatioprina, em doses de 1,5 a 2,5mg/kg/
desejada, muitos pacientes necessitam de manutenção dia parece estar associado com uma menor taxa de desen-
com dose baixa de corticosteroide (5 a 10 mg/dia) para evi- volvimento de formas graves da doença, tais como nefrite,
tar a recorrência. ou comprometimento do sistema nervoso central. Além
Monitoração de pressão arterial, colesterol, glicose, de seus efeitos sobre a medula óssea, pode causar hepa-
densidade óssea e da pressão ocular é uma importante totoxicidade, geralmente em doses superiores a 2,5mg/kg/
medida adjuvante na monitorização dos eventos adver- dia. Hipersensibilidade a drogas podem também resultar
sos destas drogas. A manutenção de um elevado índice de em uma hepatite aguda, com elevação das transaminases
suspeição para o desenvolvimento de outras toxicidades, e necrose hepatocelular e estase biliar na biópsia hepática.
incluindo ulceração gastrointestinal, necrose avascular, ate- Esta síndrome pode ser acompanhada de febre, dor abdo-
rosclerose e miopatia esteroide, também é importante no minal e uma erupção cutânea maculopapular. Os resultados
são geralmente reversíveis com a descontinuação da droga.
manejo de pacientes com corticosteroides.
Pancreatite tem sido relatada em pacientes com LES que re-
A maioria dos pacientes com um episódio de LES grave
ceberam azatioprina, mas sua ocorrência pode ter sido as-
requer muitos anos de terapia de manutenção com corti-
sociada com outras características da atividade da doença.
coide em baixa dose, que pode ser aumentada para preve-
Alguns relatos mostram risco aumentado de malignidade.
nir ou tratar novos surtos da doença. Tentativas frequentes
O micofenolato de mofetila (dose ótima de 3g/dia) é efe-
para reduzir o uso de corticoides são recomendadas, em
tivo em alguns pacientes com LES grave. É um inibidor re-
virtude dos efeitos colaterais.
versível da inosina monofosfato desidrogenase, que limita a
A ciclofosfamida é uma medicação com grande importân- síntese de purinas. Em geral, MMF é bem tolerado. Os efeitos
cia também em casos de LES grave, como vasculites, quadros adversos mais comuns são GI, infecções e hematológicas.
pulmonares com risco de vida e nefrite lúpica grave (biópsia O micofenolato e a azatioprina são utilizados na manu-
renal com classificação proliferativa III e IV e nas formas gra- tenção do tratamento (após indução com ciclofosfamida
ves da classe V), na forma de pulsoterapia IV (0,5 a 1mg/m2 intravenosa) de pacientes com LES renal e alguns estudos
de superfície corpórea), aplicada inicialmente a cada mês. já apontam o micofenolato de mofetila como droga usada
Imunoglobulina intravenosa (2g/kg divididos em 2 a 5 na indução de pacientes selecionados, com maior seguran-
dias) e plasmaférese podem ser utilizadas quando não hou- ça, sobretudo em relação ao risco infeccioso. São também
ver resposta ao tratamento convencional, sendo utilizada usados em casos de acometimento hematológico, seroso,
em casos especiais de acometimento hematológico (pla- muscular e cutâneo.
132
L Ú P U S E R I T E M AT O S O S I S T Ê M I C O
REUMATOLOGIA
Hidroxicloroquina ou ou
- Sintomas menores (quadros cutâneos leves, patia, ototoxicidade, neuro-
Difosfato de cloroquina 250mg/dia VO
artrite e a fadiga). patia periférica, pigmentação
cutânea.
- Anemia, depressão medular,
- Artralgias ou artrite franca que não respon-
plaquetopenia, hepatotoxici-
7,5 a 25mg/semana. Pode dem a doses baixas de corticoide via oral,
Metotrexato dade, nefrotoxicidade, infec-
ser dado VO, SC ou IM anti-inflamatórios não hormonais ou anti-
ções, neurotoxicidade, fibrose
maláricos.
pulmonar, convulsão
- Quadros hematológicos: anemia hemolítica
autoimune e plaquetopenia;
2 a 3mg/kg/dia (50 a - Terapia de manutenção para quadros sele-
- Pancreatite, hepatotoxicidade,
Azatioprina 300mg/dia dependendo cionados de nefrite lúpica (após indução com
alopecia, febre.
do peso) ciclofosfamida intravenosa ou micofenolato de
mofetila);
- Acometimento seroso, muscular e cutâneo.
- Terapia de indução e/ou manutenção para
Micofenolato de mo- 1 a 3g/dia (dose ótima de quadros selecionados de nefrite lúpica; - Infecção, anemia, plaquetope-
fetila 3g/dia) - Acometimento hematológico, seroso, muscu- nia, linfoma, neoplasias.
lar e cutâneo.
Pulsoterapia IV (0,5 a 1mg/ - Infecção, depressão medular,
- Casos de LES grave, como vasculites, quadros
m2 de superfície corpórea), anemia, plaquetopenia, cistite
pulmonares com risco de vida e nefrite lúpica
Ciclofosfamida aplicada inicialmente a hemorrágica, carcinoma de
grave (biópsia renal com classificação prolife-
cada mês e depois espaça- bexiga, alopecia, náusea, diar-
rativa III e IV e nas formas graves da classe V).
da para 2 meses reia, neoplasia, esterilidade.
- Quadro hematológico grave (plaquetopenia
e/ou anemia; autoimunes refratárias a cor-
2g/kg divididos em:
Imunoglobulina endo- ticoide);
2 dias (1g/kg/dia) - Reações infusionais, nefrite.
venosa - Quadro pulmonar grave e refratário (pneu-
ou 5 dias (0,4g/kg/dia
monite);
- Quadros neurológicos graves e refratários.
- Quadros hematológicos (plaquetopenia ou
anemia), pulmonares (pneumonite), neuro- - Reações transfusionais, conta-
Plasmaférese -
lógicos graves e refratários à corticoterapia minação sanguínea.
intravenosa e imunoglobulina intravenosa.
375g/m2 de superfície
corpórea/dose em 4 doses - Quadros hematológicos (plaquetopenia ou - Reações infusionais, neutrope-
Rituximabe
com intervalo de 1 semana anemia autoimunes) graves e refratários. nia, infecções.
entre as doses
133
REUMATO LOG I A
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L Ú P U S E R I T E M AT O S O S I S T Ê M I C O
arteriais ou venosas associadas, a paciente é portadora de Os pacientes se apresentam com queixas constitucio-
SAF gestacional. nais como fadiga, febre baixa e mialgia, além de artralgia,
Outras manifestações comumente associadas são pla- artrite e serosite (pleural e pericárdica). Nefrite e acometi-
quetopenia leve (geralmente de consumo) e livedo reticu- mento de pele e SNC são mais raros.
lar. Pode provocar também, mais raramente, coreia, mielite Os exames laboratoriais podem apresentar: FAN com
REUMATOLOGIA
transversa e endocardite asséptica, que pode embolizar. A padrão homogêneo e anticorpos anti-histona são caracte-
SAF catastrófica é uma complicação grave, que se caracteri- rísticos. O anti-dsDNA e o anti-SM estão ausentes.
za por múltiplas tromboses que ocorrem em vários órgãos
em curto espaço de tempo, com alta mortalidade (50%). Tabela 15 - Lúpus induzido por droga – características
Os critérios para diagnóstico de SAF estão listados na - Predomínio de queixas constitucionais: fadiga, febre baixa e
Tabela 14. Faz-se o diagnóstico na presença de pelo menos mialgia;
1 critério clínico e 1 laboratorial. - Quadro articular (artralgia e artrite);
O tratamento das tromboses arteriais e venosas consiste - Serosite;
em anticoagulação prolongada com cumarínicos. Inicialmente, - Quadro hematológico: anemia autoimune, plaquetopenia au-
sugeriu-se manter INR mais alto, de 3 a 4, mas estudos rando- toimune, neutro e linfopenia;
mizados recentes mostraram a mesma eficácia com INR manti- - Não provoca envolvimento renal ou de sistema nervoso central;
do entre 2 e 3. Enquanto o cumarínico não faz efeito, utiliza-se - Ausência dos anticorpos específicos de LES (anti-DNA e anti-
heparinização plena com heparina de baixo peso. Um estudo -SM);
demonstrou que pacientes com LES, sem diagnóstico prévio - Presença transitória de FAN e anticorpos anti-histona;
de SAF, com um 1º AVC trombótico e apenas uma dosagem de - Sintomas desaparecem após suspensão da droga indutora;
anticorpo antifosfolípide presente, podem ser mantidos com - Autoanticorpos podem persistir por 6 a 12 meses.
AAS sem anticoagulação, pois muitos não vão manter o anti-
corpo presente e não terão diagnóstico de SAF. Tabela 16 - Drogas associadas ao lúpus induzido por drogas
No caso de SAF gestacional, com perdas fetais anterio- Procainamida Isoniazida
res, o tratamento com heparina não fracionada ou de baixo - Propafenona; - Macrodantina;
peso molecular e AAS em baixas doses (81mg/dia) aumen- - Hidralazina; - Sulfassalazina;
ta significativamente o número de nascidos vivos e reduz a - Inibidores da enzima conversora da an-
morbidade gestacional. giotensina; - Hidroclorotiazida;
- Beta-bloqueadores; - Lovastatina;
Tabela 14 - Critérios de classificação da síndrome do anticorpo an- - Propiltiouracil; - Sinvastatina;
tifosfolípide (Revisão de Sydney)
- Clorpromazina; - Carbamazepina;
Critério clínico
- Lítio. - Fenitoína.
- Arterial ou
- Trombose - Venosa ou
- Microvasculopatia trombótica.
10. Resumo
- 3 ou mais perdas gestacionais do 1º trimestre Quadro-resumo
ou
- Morbidade LES: doença autoimune inflamatória multissistêmica, com pre-
- 1 ou mais perda fetal tardia ou
gestacional domínio no sexo feminino (9 a 10:1) na idade fértil;
- Parto prematuro por insuficiência placentária
grave. Principais acometimentos: mucocutâneo (eritema malar/discoi-
de, úlceras orais, fotossensibilidade), articular, serosites (pleural/
Critério laboratorial
pericárdica), renal (nefrite lúpica mesangial, proliferativa ou mem-
Pelo menos - Anticoagulante lúpico ou
branosa), hematológico (anemia hemolítica, leucopenia/linfope-
2 dosagens - Anticardiolipina IgG ou IgM em títulos mode- nia, plaquetopenia), neuropsiquiátrico (convulsões/psicose);
positivas com rados ou altos ou
intervalo mí- Múltiplos autoanticorpos podem estar envolvidos, com FAN
- Antibeta-2 glicoproteína IgG ou IgM em títulos quase universalmente positivo. Principais autoanticorpos: anti-
nimo de 12
moderados ou altos. -DNA (hélice dupla ou simples), anti-histonas (lúpus induzido por
semanas
drogas), anti-Sm, anti-Ro, anti-La, anti-RNP e anti-P. Anticorpos
C - Lúpus induzido por drogas antifosfolípides são frequentes e podem se associar à SAF;
Anticorpos específicos para o LES: anti-DNA de dupla hélice, anti-
É uma doença diferente do lúpus verdadeiro, mas com -Sm e anti-P. Os demais não são específicos para a doença, po-
sintomas similares, induzida pela exposição a determinadas dendo ocorrer em outras condições clínicas;
drogas (Tabela 15). Essas drogas não agravam quadros de
Anti-DNA de dupla hélice associa-se ao acometimento renal, e
LES não induzidos por drogas. Não há critérios definidos,
anti-P, ao acometimento neuropsiquiátrico. Anti-Ro pode asso-
mas a associação temporal com a exposição a drogas poten-
ciar-se à síndrome do lúpus neonatal;
cialmente causadoras (semanas a meses) e a resolução das
manifestações com a interrupção da droga em algumas se- Tratamento: corticoterapia, antimaláricos e imunossupressores
manas fazem o diagnóstico. Entretanto, os autoanticorpos (metotrexato, azatioprina, mofetila, ciclofosfamida), a depender
de cada caso.
podem persistir por 6 a 12 meses.
135
REUMATO LOG I A
CAPÍTULO
13
Esclerose sistêmica
Rodrigo Antônio Brandão Neto / Ana Cristina de Medeiros Ribeiro
Aleksander Snioka Prokopowistch / Hérica Cristiani Barra de Souza
1. Definição 3. Etiopatogenia
A Esclerose Sistêmica (ES), também chamada esclero- Ocorrem 2 processos patológicos básicos na ES que ex-
dermia sistêmica, é uma doença crônica, multissistêmica, plicam os sinais e sintomas da doença e determinam a ex-
caracterizada por alterações funcionais e estruturais de pe- tensão da sua morbimortalidade:
quenos vasos sanguíneos, fibrose de pele e órgãos internos - Desenvolvimento insidioso de fibrose nos tecidos e ór-
e autoimunidade. gãos afetados;
- Disfunção vascular de pequenas artérias e microva-
2. Epidemiologia sos. No desenvolvimento da fibrose, ocorrem ativação
anormal do sistema imune por um estímulo não iden-
Trata-se de uma doença rara, de etiologia desconhe- tificado, ativação de linfócitos T e B autorreativos, libe-
cida. Todas as faixas etárias podem ser acometidas, mas ração de citocinas e quimiotaxia de células inflamató-
a maior incidência ocorre entre 30 e 50 anos. A relação rias, como os macrófagos. Essas células inflamatórias,
entre mulher e homem é de 4 a 5:1. Incomum em crianças em conjunto com as plaquetas ativadas e o endotélio,
menores de 13 anos (0,1 caso/milhão), sendo que estas liberarão fatores de crescimento, que são capazes de
possuem menor incidência de crise renal, porém maior atrair e ativar os fibroblastos, levando à deposição ex-
propensão a acometimento do sistema cardiopulmonar. cessiva de colágeno (principalmente, tipos I, III e VI).
A ES tem distribuição mundial e acomete todas as raças,
mas com graus variáveis. Alguns índios norte-americanos As alterações vasculares podem ser explicadas pela
podem ter quadros cutâneo e pulmonar graves, 100 ve- produção de maior quantidade de fatores vasoconstritores
zes mais frequentes que em outras populações. Negros (endotelina-1) e menor quantidade de substâncias vasodi-
tendem a ter maior incidência de forma difusa, com com- latadoras (óxido nítrico e prostaciclina), ativação plaquetá-
prometimento pulmonar e pior prognóstico e idade de iní- ria, com formação de microagregadores de plaquetas nos
cio mais baixa, enquanto quadros cutâneos limitados são capilares e vênulas e liberação de tromboxano A2 (vaso-
comuns em mulheres brancas. Na idade pós-menopausa constritor). Esse desequilíbrio a favor de uma vasoconstri-
ção persistente provoca episódios repetidos de isquemia e
ocorre uma pequena redução na prevalência em relação
hipoperfusão tecidual, acarretando injúria celular, sendo o
aos homens (2 a 4:1).
estímulo principal para o acúmulo dos fibroblastos ativados
A maioria ocorre esporadicamente, mas pode haver
e a formação de fibrose.
agrupamento familiar raramente. Alguns casos foram rela-
O papel dos autoanticorpos encontrados ainda não é
tados em associação a exposição a solventes, sílica ou me-
conhecido até o momento.
tais. A contribuição genética também tem sido estudada,
havendo associação a HLA-A1, B8 e DR3.
Os autoanticorpos anti-Scl-70 e anti-RNP U3 estão 4. Classificação
associados a doença mais severa, sendo mais frequen- O Colégio Americano de Reumatologia (ACR) estabele-
tes em afro-americanos. O anticentrômero é mais fre- ceu critérios para a classificação da ES (Tabela 1), com sensi-
quente em brancos, estando associado a doença mais bilidade de 97% e especificidade de 98%. A presença do cri-
moderada. tério maior (alterações cutâneas esclerodérmicas em qual-
136
ESCLEROSE SISTÊMICA
quer localização proximal às metacarpofalangianas), ou a de pacientes com a forma cutânea limitada tem a síndrome
presença de 2 ou mais critérios menores, faz o diagnóstico. CREST (C – calcinose; R – Raynaud; E – dismotilidade eso-
fágica; S – esclerodactilia; e T – telangiectasias; Figura 2),
Tabela 1 - Critérios diagnósticos da ES: presença do critério maior
comumente benigna e definida pela presença de 3 ou mais
ou pelo menos 2 menores fecha o diagnóstico
dos achados da sigla. A síndrome mais comum em mulheres
REUMATOLOGIA
Critério maior com idade entre 35 e 50 anos e está associada a uma inci-
- Espessamento cutâneo proximal às metacarpofalangianas. dência elevada do anticorpo anticentrômero, em torno de
Critérios menores 80% dos casos.
- Esclerodactilia (lesões distais às metacarpofalangianas, restri-
tas aos dedos); Tabela 2 - Diferenças entre as formas clínicas da ES
137
REUMATO LOG I A
placas (morfeia – Figura 3), em áreas lineares (escleroder- Podem ocorrer também quadros viscerais típicos de ES,
mia linear – Figura 4) ou na face (lesão “em golpe de sabre” com fibrose pulmonar, envolvimento esofágico e achados
– Figura 5). Apesar de raramente a esclerose ou escleroder- sorológicos, na ausência de esclerose cutânea. Trata-se da
mia sistêmica e a esclerodermia limitada ocorrerem juntas, esclerodermia sine esclerodermia.
são consideradas doenças distintas, inclusive epidemiologi-
Pode haver ainda quadros de sobreposição entre ES e
camente. A esclerodermia limitada é muito mais frequente
outras doenças do tecido conjuntivo, como LES, miopatias
em crianças e adolescentes.
inflamatórias ou artrite reumatoide. Nesses casos, os crité-
rios para as ES e a outra doença em questão são preenchi-
dos, e elas comumente se manifestam independentemente
uma da outra.
Outro quadro, diferentemente da sobreposição de
outras colagenoses com ES, é a Doença Mista do Tecido
Conjuntivo (DMTC). Essa é uma doença à parte, em que o
mesmo paciente apresenta sintomas típicos de 2 das se-
guintes doenças: ES, LES e miopatias inflamatórias, associa-
dos ao fenômeno de Raynaud ou edema de mãos, com o
anticorpo anti-RNP em altos títulos.
Outro grupo de pacientes pode não fechar o diagnóstico
de nenhuma doença inflamatória do colágeno, mas apre-
sentar alguns achados típicos como fenômeno de Raynaud
Figura 3 - Morfeia em placas e sorologia positiva, caracterizando o diagnóstico de doença
indiferenciada do tecido conjuntivo. Esse diagnóstico mui-
tas vezes é transitório, pois, com o tempo e o aparecimento
de novos achados, o paciente acaba fechando o diagnóstico
de uma doença definida.
138
ESCLEROSE SISTÊMICA
REUMATOLOGIA
Síndrome de sobrepo- - Associação de ES a LES, miopatia
sição (overlap) inflamatória ou artrite reumatoide.
- Doença distinta que mescla achados
de pelo menos 2 das seguintes doen-
Doença mista do teci- ças: ES, LES ou miopatia inflamatória,
do conjuntivo com fenômeno de Raynaud e/ou
edema de mãos e anti-RNP em altos
títulos.
- Achados clínicos muito sugestivos
Figura 6 - Fenômeno de Raynaud - fases: (A) e (F) palidez (vasoes-
de colagenose, como fenômeno de
Doença indiferenciada pasmo); (B) e (D) cianose – isquemia e dessaturação da hemoglo-
Raynaud, sorologia autoimune ines- bina; (C) e (E) eritema (hiperemia reativa)
do tecido conjuntivo
pecífica, mas sem achados definitivos
de ES ou outra colagenose. O FRy presente na ES é considerado agressivo em mais
de 90% dos casos, pois as alterações vasculares que o pro-
vocam também levam ao aparecimento de lesões cutâne-
5. Manifestações clínicas as típicas, decorrentes de perda tecidual provocada pela
isquemia. Nas outras doenças do espectro da escleroder-
A ES é uma doença multissistêmica crônica. Os sintomas mia, como a DMTC, o FRy também tem essas características
iniciais tipicamente são inespecíficos e incluem fenômeno agressivas. Dentre tais lesões, destacam-se:
de Raynaud, fadiga e sintomas musculoesqueléticos. Esses - Reabsorção de polpas digitais (Figura 7);
sintomas podem persistir por semanas e meses até o apa- - Ulcerações por má circulação, conhecidas como pitting
recimento de outros sinais. O 1º sinal clínico que sugere o scars (Figura 8);
diagnóstico de ES na pele é o edema dos quirodáctilos ou da - Reabsorção óssea e perda de falanges (Figura 9), que
mão. Os demais acometimentos são variáveis e podem ser ocorrem em casos extremos, que podem complicar com
pulmonar, cardíaco, gastrintestinal e renal. gangrenas digitais, sobretudo em caso de infecções.
A vasculopatia responde pelo fenômeno de Raynaud,
com úlceras digitais, pela hipertensão arterial pulmonar e
pela crise renal esclerodérmica. Já o processo fibrosante é
responsável pela fibrose cutânea e de estruturas viscerais
(pulmões, coração, tubo digestivo).
139
REUMATO LOG I A
140
ESCLEROSE SISTÊMICA
REUMATOLOGIA
terações são comuns: a esclerodactilia (espessamento
cutâneo restrito aos dedos), as telangiectasias, o edema articulações, é comum, pela tração da pele pouco elástica,
de mãos, dedos e/ou pés, as lesões “em sal e pimenta”, as isquemia e traumas, ocorrer o aparecimento de úlceras de
calcinoses, as perdas de tecido digital como pitting scars e tração (Figura 15), que não têm relação com o fenômeno
gangrenas e as úlceras cutâneas de tração. de Raynaud, diferente das pitting scars, que ocorrem nas
A esclerose da pele se caracteriza por espessamento e polpas digitais (Figura 8). Na face, o acometimento da pele
aderência aos planos profundos, com perda da elasticidade leva a perda de rugas, estiramento da pele, afinamento dos
(Figura 11). Como já citado, a distribuição da esclerose é lábios e nariz. A rima oral se reduz, provocando microsto-
responsável pela divisão da ES nas formas difusa e limitada. mia (Figura 16), o que pode dificultar abordagens na boca,
Na forma difusa, o espessamento cutâneo está presente no como avaliações e tratamento odontológicos ou mesmo a
tronco e nas extremidades proximais (acima de joelhos e intubação.
cotovelos), além de face e porção distal dos membros, e, na
forma limitada, o espessamento cutâneo fica limitado aos
membros distalmente aos cotovelos ou joelhos, podendo
acometer face e pescoço.
Figura 11 - Espessamento cutâneo Na fase atrófica, a pele fica mais afinada e se desprende
dos planos profundos, com aparente “melhora” do quadro.
O processo de esclerose de pele passa por 3 fases: ede-
matosa (Figura 12), fibrótica e atrófica. Na fase precoce ou
edematosa, há edema difuso da pele e, em alguns casos,
eritema. Este se deve ao infiltrado inflamatório e pode es-
tar inicialmente restrito às mãos, dedos ou pés. Pode haver
sensação de prurido e sensibilidade cutânea nessa fase pré-
-fibrose.
141
REUMATO LOG I A
142
ESCLEROSE SISTÊMICA
C - Pulmão
O acometimento pulmonar é a principal causa de mor-
talidade e pode dever-se à fibrose intersticial e/ou doen-
ça vascular pulmonar, provocando hipertensão pulmonar.
REUMATOLOGIA
Pacientes com a forma difusa da ES têm maior risco de do-
ença intersticial pulmonar, enquanto aqueles com forma
limitada têm maior risco de hipertensão pulmonar. Apesar
disso, a correlação não é perfeita, e todos os pacientes de-
vem ser monitorados, pois, em ambos os casos, os sintomas
só aparecem tardiamente.
A Doença Pulmonar Intersticial (DPI) ou alveolite fibro-
sante (Figura 20) é inicialmente assintomática, e dispneia e
tosse seca são sintomas tardios e inespecíficos. Na evolução
da doença, 20% dos casos precisarão de oxigênio suplemen-
tar. Tem forte associação à presença de anticorpos antitopoi-
somerase (anti-Scl-70), mas não está restrita a esse grupo
de pacientes. Provas de Função Pulmonar com difusão (PFP) Figura 21 - Exemplos de padrões de anormalidades encontradas
devem ser realizadas precoce e periodicamente, mesmo na em tomografia computadorizada de alta resolução, em tórax dos
ausência de sintomas, e são o teste mais sensível para indicar pacientes com ES: (A) faveolamento; (B) opacidades em vidro fosco
doença intersticial pulmonar. Mostram alterações restritivas, associadas a opacidades reticulares; (C) opacidades reticulares; e
com redução da capacidade vital forçada, dos volumes pul- (D) opacidades em vidro fosco
monares e rda capacidade de difusão do monóxido de carbo-
no. A Tomografia Computadorizada de Alta Resolução do tó- Tabela 8 - Características da DPI na ES
rax (TCAR – Figura 21) também é usada e bem mais sensível - Principal causa de morbidade e mortalidade;
que radiografias simples para mostrar alterações intersticiais.
- >90% dos pacientes tem anormalidades na função pulmonar
Pode ocorrer inicialmente alveolite, com achado de vidro fos-
(difusão gasosa);
co, que pode responder ao tratamento, mas que evolui com
fibrose, apresentando infiltrado reticulonodular e faveola- - 70% dos pacientes – achados histológicos em autópsias;
mento. O lavado broncoalveolar (LBA) tem sido proposto em - Redução de volumes pulmonares (distúrbio ventilatório restri-
pacientes com TCARs alteradas para indicar alveolite ativa, tivo);
com presença de neutrófilos e eosinófilos. - Redução da complacência pulmonar (estática);
- Redução da capacidade de difusão – hipoxemia em repouso e
esforço.
143
REUMATO LOG I A
D - Gastrintestinal
Figura 22 - Ilustrativo da HAP O aparelho digestório é o 2º mais atingido depois da
pele. O acometimento neurológico do plexo mioentérico,
com atrofia e fibrose da musculatura lisa, leva a dismotili-
dade gastrintestinal. O esôfago acometido, principalmente
nos 2/3 distais, pode chegar a ficar aperistáltico e provocar
disfagia, principalmente para sólidos. O esfíncter esofágico
inferior acometido causa doença do refluxo gastroesofágico
(DRGE), com pirose, podendo evoluir com disfagia, erosões
de mucosa, constrição esofágica, esôfago de Barrett e até
pneumopatia secundária a aspiração. O acometimento gás-
trico pode levar a gastroparesia, saciedade precoce, náuse-
as e vômitos.
Pode ocorrer ainda dismotilidade intestinal: no intesti-
no delgado, pode provocar borborismo, pseudo-obstrução,
distensão abdominal, diarreia, hipercrescimento bacteriano
e síndrome de má absorção, necessitando de cursos inter-
mitentes de antibióticos. No intestino grosso, a dismotilida-
de causa constipação e pode provocar incontinência fecal,
caso atinja o esfíncter. Casos graves de pseudo-obstrução
intestinal também são possíveis.
Além da dismotilidade, a ES pode provocar telangiecta-
sias com sangramento e perda sanguínea crônicos. A atrofia
da mucosa gástrica pode provocar ectasia vascular gástrica
antral, também conhecida com estômago “em melancia”,
que pode ser observada na endoscopia.
Exames como radiografias contrastadas do Esôfago-
Estômago-Duodeno (EED) mostram a dismotilidade do
Figura 23 - TC com sinais sugestivos de HAP. (A) Janela para me-
tubo digestivo (Figura 25), doença do refluxo e lesões cons-
diastino ao nível do tronco da artéria pulmonar com aumento do
seu diâmetro (>2,9cm) e aumento da relação entre os diâmetros tritivas. Pode ser necessária pHmetria para definir a DRGE.
da artéria pulmonar e da aorta (>1) e (B) janela para parênquima Endoscopias periódicas para avaliar complicações e outras
evidenciando aumento da relação artéria-brônquio (>1) alterações são necessárias.
144
ESCLEROSE SISTÊMICA
REUMATOLOGIA
Figura 26 - Arteriografia de paciente normal à direita e com crise
renal esclerodérmica à esquerda
145
REUMATO LOG I A
difusa e em apenas 10% daqueles com a forma limitada (20 calcinose e telangiectasias. Pode ser encontrado em pacien-
a 40% no total). Está associado à extensão do envolvimento tes com síndrome de Sjögren e cirrose biliar primária.
cutâneo, amplo comprometimento visceral, fibrose pulmo- Outros anticorpos menos frequentes e normalmente
nar e pior prognóstico. não dosados de rotina podem estar presentes, sendo relati-
O ACA está presente entre 50 e 90% dos pacientes com vamente específicos: os anticorpos anti-RNA polimerase I e
a forma limitada e em menos de 10% dos pacientes com III, os anti-Th/To e os antifibrilarina. A presença do anticor-
a forma difusa (20 a 40% no total). Associa-se à síndrome po anti-RNA polimerase III aumenta o risco de crise renal
CREST, úlceras digitais, tendência maior para desenvolver esclerodérmica.
Tabela 10 - Autoanticorpos encontrados na ES
Autoanticorpo Frequência Características
- Conjunto de autoanticorpos direcionados contra estruturas nucleares;
- 95% dos pacientes com ES, tanto - Inespecífico;
FAN na forma difusa quanto na limi- - Alta sensibilidade: ajuda no diagnóstico;
tada. - Padrão nuclear, nucleolar ou centromérico, com títulos acima de
1/640.
- Específico (especificidade de 98 a 99,6%);
- 40 a 70% na forma difusa;
Antitopoisomerase I (anti- - Associado à extensão do envolvimento cutâneo (forma difusa),
- 10% na forma limitada;
-Scl-70) amplo comprometimento visceral, fibrose pulmonar e pior prog-
- 20 a 40% no total.
nóstico.
- 50 e 90% na forma limitada; - Associado à síndrome CREST, úlceras digitais, tendência maior
ACA - Menos de 10% na forma difusa; para desenvolver calcinose e telangiectasias;
- 20 a 40% no total. - Pode ocorrer na síndrome de Sjögren e na cirrose biliar primária.
Outros anticorpos: - Normalmente, não dosados rotineiramente;
- Anti-RNA polimerase I e III; - Relativamente específicos;
- Bem menos frequentes.
- Anti-Th/To; - O anticorpo anti-RNA polimerase III aumenta o risco de crise
- Antifibrilarina. renal esclerodérmica.
O padrão SD encontrado no exame de capilaroscopia é altamente sugestivo de esclerodermia (Figura 26), sendo encon-
trado em quase todos os pacientes com ES.
Figura 27 - Capilaroscopia periungueal: (A) normal; (B) vasos tortuosos e dilatação segmentar; (C) capilares gigantes, desorganização da
estrutura capilar e hemorragias e (D) áreas avasculares e áreas de neoformação capilar. Fonte: Rheumatology in Practice
146
ESCLEROSE SISTÊMICA
Exames para observação e rastreamento de acometimento de algumas estruturas e aparelhos incluem estudo contrasta-
do EED, pHmetria e endoscopia digestiva alta para envolvimento gastrintestinal, PFP completa, TCAR, ecocardiograma, ECG
e cateterismo cardíaco direito (Figura 27), para acometimento pulmonar e cardíaco, entre outros.
REUMATOLOGIA
Figura 28 - Cateterismo do coração direito: métodos padrão para acesso do cateter
147
REUMATO LOG I A
a progressão das deformidades e estados de contratura. Na alveolite fibrosante, é utilizada a ciclofosfamida, que
A d-penicilamina já foi usada como agente antifibrótico, pode ser administrada via oral ou em altas doses (pulsote-
mas foi recentemente abandonada por não haver evidên- rapia) mensalmente. A duração do tratamento dessa enti-
cia em seu favor. Quadros cutâneos graves, difusos, com dade clínica parece incerta, podendo durar até 2 anos (24
contraturas, podem se beneficiar de ciclofosfamida inje- pulsos), já que muitos autores a consideram ineficaz após
tável em pulsoterapia. Outros agentes imunossupressores esse período.
usados em casos cutâneos mais graves são metotrexato, No caso de hipertensão arterial pulmonar na ES, com
ciclosporina e micofenolato de mofetila, com estudos de PFP sem restrição, mas com baixa difusão de monóxido
comprovação de ação limitados. de carbono e ecocardiograma com aumento da pressão
Os corticoides estão reservados a casos de serosites e estimada da artéria pulmonar, a confirmação deve ser
na fase inicial (edematosa) do comprometimento da pele, feita com cateterismo cardíaco. O tratamento baseia-se
em doses baixas. Doses altas, sobretudo nos primeiros anos no uso de um antagonista da endotelina-1 (como a bo-
de doença, podem desencadear crise renal esclerodérmica. sentana), análogos da prostaciclina (como o iloprosta) e,
Será abordado o tratamento da esclerodermia de acor- mais recentemente, inibidores da fosfodiesterase (silde-
do com as principais manifestações sistêmicas desta doen- nafila).
ça, como o quadro cutâneo, o FRy, doença pulmonar, doen-
ça renal e gastrintestinal. C - Acometimento gastrintestinal
A DRGE é grave na ES e pode ter complicações, como
A - Fenômeno de Raynaud pneumonite por aspiração. Deve ser tratada agressiva-
Baseia-se em medidas farmacológicas e não farmacoló- mente com inibidores da bomba de prótons, em doses
gicas. altas, como o omeprazol ou lansoprazol. Drogas prociné-
- Medidas não farmacológicas: abandono do tabagis- ticas, como a metoclopramida, bromoprida ou domperi-
mo, interrupção de drogas como beta-bloqueadores e dona podem ser associadas. São indicadas medidas não
descongestionantes nasais com ação vasoconstritora, farmacológicas, como evitar deitar-se antes de 2 horas
aquecimento das extremidades com luvas, meias e te- após a última refeição e agravantes como álcool, tabaco
cidos térmicos, estabilização adequada da temperatu- e cafeína, comer com frequência, mas em pequenas por-
ra ambiente e corporal como um todo, evitar arrancar ções, e elevar a cabeceira da cama. Endoscopias seriadas
cutículas; ou na presença de complicações, como disfagia, devem
- Tratamento farmacológico: utilizam-se os antagonis- ser realizadas.
tas dos canais de cálcio, principalmente a nifedipina. Os No tratamento da hiperproliferação bacteriana pelo
inibidores da recaptação de serotonina, como a fluoxe- acometimento do intestino delgado, preconiza-se o uso
tina, podem ser usados em doses baixas por inibirem de antibioticoterapia rotatória, com doxiciclina, 100mg,
a agregação e ativação plaquetária. IECA e bloquea- 12/12h, ciprofloxacino, 500mg, 12/12h, e metronidazol,
dores do receptor da angiotensina II também podem 250mg, 8/8h; em geral, cada antibiótico é utilizado por 10
ser usados, mas sem ação dramática sobre o FRy. Na dias, com intervalos de 15 dias em esquema de rodízio, com
abertura de úlceras digitais pela má perfusão, torna- o objetivo de evitar a resistência bacteriana.
-se necessária terapia mais agressiva: drogas efetivas A pseudo-obstrução intestinal pode ser tratada com as-
para a vasculopatia pulmonar podem ser usadas em piração nasogástrica e nutrição parenteral. Na desnutrição,
curso intermitente, como análogos da prostaciclina e o deve-se instituir nutrição parenteral prolongada.
bosentana. O sildenafila e a nitroglicerina subcutânea
também podem ser eficazes. Alguns autores orientam D - Acometimento musculoesquelético
uso do ácido acetilsalicílico (AAS) por ser antiagregan- Mialgias, artralgias, artrites e tendinites podem ser tra-
te plaquetário ou anticoagulante por curto período, na tadas com anti-inflamatórios não hormonais. Terapia física
vigência de grandes perdas teciduais isquêmicas. deve ser instituída precocemente para evitar contraturas.
Podem-se utilizar corticoide em doses baixas para artrite
B - Doença pulmonar franca ou doses altas para miosite. Em ambos os casos, o
A abordagem terapêutica na doença pulmonar da ES imunossupressor de eleição é o metotrexato, mas outros
visa ao controle da alveolite fibrosante e da vasculopatia podem ser usados.
pulmonar, que podem acarretar, respectivamente, fibro-
se pulmonar intersticial e hipertensão arterial pulmonar.
E - Acometimento renal
O monitoramento precoce e seriado da doença pulmonar Qualquer paciente com ES evoluindo com perda de
com PFP com difusão, TCAR e ecocardiograma é fundamen- função renal deve ser prontamente investigado. No caso
tal para fazer o diagnóstico e seguir a evolução e o trata- de hipertensão e crise renal esclerodérmica, está indicado
mento. IECA como 1ª escolha. O captopril, por exemplo, pode ser
148
ESCLEROSE SISTÊMICA
utilizado na dose inicial de 25mg, 8/8 horas, com aumento F - Acometimento cardiovascular
progressivo da dose até a normalização da pressão arterial,
nos 3 primeiros dias de doença. Deve-se manter o IECA nos Pacientes com distúrbios de condução, arritmias e insu-
casos de crise renal esclerodérmica mesmo se ocorre in- ficiência cardíaca devem ser tratados de acordo com a ma-
suficiência renal progressiva. Caso evolua com uremia ou nifestação. Derrame pericárdico sintomático pode necessi-
REUMATOLOGIA
hipercalemia, devem-se utilizar os métodos dialíticos, mas tar de corticoterapia em doses baixas e imunossupressores.
a continuação do IECA é fundamental no processo fisiopa- Se houver risco de tamponamento, a drenagem pericárdica
tológico e na recuperação da função renal. deverá ser realizada, com a corticoterapia e terapia imunos-
supressora para evitar novo derrame.
8. Prognóstico
A doença é crônica, sem cura definitiva, e o prognóstico está diretamente relacionado à extensão do acometimento
cutâneo e visceral. O diagnóstico do envolvimento visceral deve ser feito precocemente, com terapias necessárias instituí-
das prontamente para evitar progressão rápida.
149
REUMATO LOG I A
9. Resumo
Quadro-resumo
- Esclerose Sistêmica (ES): doença caracterizada por fibrose cutânea e visceral, anormalidades vasculares e alterações autoimunes;
- Duas formas: difusa e limitada (CREST – calcinoses, Raynaud, dismotilidade esofágica, esclerodactilia, telangiectasias);
- Forma difusa: acometimento cutâneo difuso, associada a fibrose pulmonar e presença de anti-Scl-70, prognóstico mais reservado;
- Forma limitada (CREST): acometimento cutâneo distal dos membros, face e pescoço; associada à hipertensão pulmonar e presença
de anticentrômero;
- Fenômeno de Raynaud: é universal na ES e pode ser bastante grave; padrão SD à capilaroscopia;
- Acometimentos viscerais mais importantes: gastrintestinal, pulmonar e renal;
- Anticorpos mais importantes: FAN positivo em mais de 95% dos casos, anti-Scl-70 (forma difusa), anticentrômero (forma limitada);
- Tratamento do quadro cutâneo: pode envolver metotrexato, D-penicilamina e, eventualmente, ciclofosfamida;
- Tratamento dos quadros viscerais: depende dos sítios acometidos e de sua gravidade.
150
CAPÍTULO
14
Síndrome antifosfolípide
Aleksander Snioka Prokopowistch / Ana Cristina de Medeiros Ribeiro
Hérica Cristiani Barra de Souza
2. Anticorpos antifosfolípides
3. Critérios diagnósticos
Os 3 principais tipos de anticorpos antifosfolípides rela-
cionados à SAF são: Os critérios definidos pelo Colégio Americano de
1 - Anticoagulante lúpico: apesar do nome, sua ativi- Reumatologia para a classificação da SAF são:
dade associa-se a um estado pró-coagulante in vivo, ten-
do sido assim denominado por ser capaz de prolongar, in
A - Critérios clínicos
vitro, o Tempo de Tromboplastina Parcial Ativada (TTPA), - Trombose vascular: 1 ou mais episódios de trombose
não corrigível pela adição de plasma normal ao ensaio. A arterial, venosa ou de pequenos vasos, em qualquer
pesquisa do anticoagulante lúpico é um teste funcional de tecido ou órgão.
151
REUMATO LOG I A
- Morbidades gestacionais:
• Um ou mais óbitos de fetos morfologicamente nor-
mais após a 10ª semana de gestação;
• Um ou mais partos prematuros de neonatos morfo-
logicamente normais até a 34ª semana de gestação;
• Três ou mais abortamentos espontâneos até a 10ª
semana de gestação.
B - Critérios laboratoriais
- Detecção no sangue de anticorpos anticardiolipina IgG
ou IgM em títulos moderados a elevados em 2 ou mais
ocasiões separadas por, pelo menos, 6 semanas;
- Detecção no sangue de anticoagulante lúpico em 2 ou Figura 1 - Livedo reticular
mais ocasiões separadas por, pelo menos, 6 semanas,
Quanto às afecções neurológicas observadas na SAF,
conforme os guidelines da Sociedade Internacional de
alterações cognitivas e síndromes demenciais são relati-
Trombose e Hemostasia.
vamente comuns, mesmo na ausência de manifestações
O diagnóstico da SAF definida requer a presença de, no isquêmicas evidentes do SNC. Da mesma forma, coreia e
mielite transversa também podem ocorrer na SAF, sem as-
mínimo, 1 critério clínico e de, pelo menos, 1 critério labo-
sociação a eventos trombóticos.
ratorial, sem limite de tempo decorrido entre a ocorrência
Por fim, vale lembrar a possibilidade da denominada
dos eventos clínicos e os achados laboratoriais. SAF catastrófica, forma bastante grave de manifestação da
síndrome caracterizada por múltiplas tromboses de gran-
4. Quadro clínico des e pequenos vasos em diferentes órgãos e tecidos simul-
taneamente. A mortalidade da SAF, na sua forma catastrófi-
Por se tratar de uma síndrome relacionada a um esta-
ca, pode chegar a 50%.
do de hipercoagulabilidade, a SAF pode produzir eventos
tromboembólicos em, virtualmente, qualquer tecido ou Tabela 2 - Critérios de SAF catastrófica. Fonte: UpToDate, 2011
órgão. Como exemplos mais comuns e importantes, po- Critérios preliminares para a classificação de SAF catastrófica
dem-se citar tromboses venosas profundas (em 32% dos
Critérios
casos), oclusões arteriais agudas de membros, acidentes
- Evidência de envolvimento de 3 ou mais órgãos, sistemas e/
vasculares encefálicos (em 13% dos casos), ataques isquê-
ou tecidos;
micos transitórios do SNC (em 7% dos casos), tromboem-
- Desenvolvimentos das manifestações simultaneamente ou em
bolismo pulmonar (em 9% dos casos), infarto agudo do
menos de 1 semana;
miocárdio, infartos hepáticos ou esplênicos, síndrome de
- Confirmação histopatológica de oclusão de pequenos vasos em
Budd-Chiari, insuficiência adrenal isquêmica e neuropatia pelo menos 1 órgão ou tecido;
óptica.
- Confirmação laboratorial da presença de anticorpos antifosfoli-
Do ponto de vista obstétrico, além das manifestações pídicos (anticoagulante lúpico e/ou anticardiolipina).
citadas nos critérios de classificação da SAF, são possíveis Classificação
outras condições mórbidas durante a gravidez, como pré-
- SAF catastrófica definida – requer a presença dos 4 critérios;
-eclâmpsia, eclâmpsia, síndrome HELLP e retardo de cresci-
- SAF catastrófica provável – requer os 4 critérios, exceto pela
mento intrauterino. presença de apenas 2 órgãos, sistemas e/ou sítios teciduais
Outra alteração comum na SAF é a plaquetopenia (em envolvidos ou os 4 critérios, exceto pela confirmação labora-
22% dos casos), causada por consumo ou mesmo por des- torial de, no mínimo, 6 semanas a partir do óbito precoce em
truição imunomediada de plaquetas. Geralmente é leve, paciente nunca antes testado para antifosfolípides ou critérios
mas pode ser grave a ponto de predispor o paciente a qua- 1, 2 e 4 ou 1, 3 e 4 e desenvolvimento de um 3º evento mais
dros hemorrágicos variados. de 1 semana e menos de 1 mês, a despeito da anticoagulação.
Também são frequentes alterações cutâneas, e o livedo
reticular (20% dos casos de SAF-imagem) é uma das ma- 5. Diagnóstico diferencial
nifestações mais características (embora não específica) da O diagnóstico diferencial da SAF inclui, necessariamen-
síndrome. Outras morbidades cutâneas comuns na SAF são te, outras causas de trombofilias. Dentre as causas con-
tromboflebites superficiais (9% dos casos) e úlceras de pele, gênitas, podem ser citados fator V de Leiden, mutação de
especialmente nos membros inferiores. protrombina, deficiências de proteínas C e S, deficiência de
152
SÍNDROME ANTIFOSFOLÍPIDE
antitrombina III e hiper-homocisteinemia. As causas adqui- risco de recorrência dos quadros trombóticos. A intensida-
ridas mais importantes de trombofilia são o uso de anticon- de de anticoagulação atualmente recomendada tem, como
cepcionais orais, terapia de reposição hormonal, gravidez, meta, a manutenção do valor de INR entre 2 e 3. Estudos
neoplasias, traumas, cirurgias e imobilidade. recentes demonstraram que, em pacientes com SAF, a ma-
Na sua forma catastrófica, a SAF pode requerer diagnós- nutenção de INR nesses níveis é tão eficaz quanto em níveis
REUMATOLOGIA
tico diferencial com quadros de púrpura trombocitopênica mais agressivos (3 a 4) para a prevenção de tromboses, não
trombótica e de coagulação intravascular disseminada. sendo indicada, portanto, anticoagulação de alta intensida-
Tabela 3 - Condições associadas de em longo prazo na SAF.
LES (25 a 50%), púrpura trombocitopênica Na gestação, a heparina e o AAS passam a ter papel
idiopática (30%), artrite reumatoide (33%), central no tratamento da SAF, dados os riscos do uso de
artrite psoriásica (28%), síndrome de Sjögren varfarina durante a gravidez. Em gestantes com SAF defi-
(42%), artrite de células gigantes/polimialgia nida e história de tromboses ou perdas embrionárias pre-
reumática (20%), doença mista do tecido
conjuntivo (22%), esclerose sistêmica (25%), coces (antes da 10ª semana de gestação), recomenda-se o
Doenças imuno- doença de Behçet (20%), poliarterite nodosa, uso de anticoagulação plena com heparina de baixo peso
lógicas dermatomiosite/polimiosite, anemia hemolí- molecular associada a baixas doses de AAS. Nos casos de
tica autoimune, hepatite crônica ativa. gestantes com SAF e história de perdas fetais após a 10ª
Observação: as porcentagens entre parên- semana, mas sem antecedentes de tromboses, recomen-
teses representam pacientes com AAF e não da-se o uso de AAS durante a gravidez, associado a doses
necessariamente a presença de manifesta-
ções clínicas da SAF. profiláticas de heparina de baixo peso molecular. Em ges-
Tumores sólidos, leucemia, desordens linfo- tantes com SAF e história de partos prematuros (antes da
Malignidade proliferativas/doença de Hodgkin, mieloma 34ª semana), ou em gestantes portadoras de anticorpos
múltiplo, micose fungoide. antifosfolípides, mas sem manifestações clínicas de SAF,
Doenças Mielofibrose, doença de von Willebrand, pode-se usar somente AAS durante a gravidez, especial-
hematológicas para proteinemias. mente no 2º e no 3º trimestres. Vale ressaltar que o uso
Sífilis, hanseníase, tuberculose, micoplasma, de corticoides no manejo da SAF durante a gravidez é con-
doença de Lyme, malária, infecção pelo HIV, traindicado, devido ao aumento de morbidade materna
Doenças hepatite A, hepatite C, HTLV-1, mononucleo-
(pré-eclâmpsia e diabetes).
infecciosas se, adenovirose, parvovirose, sarampo, vari-
cela, caxumba, infecções bacterianas (endo- Em condições específicas, pode-se lançar mão de ou-
cardite e sepse). tras linhas terapêuticas. Quadros de plaquetopenia grave
Doenças Síndrome de Sneddon, miastenia grave, es- podem requerer prednisona e gamaglobulina intravenosa.
neurológicas clerose múltipla, enxaqueca (hemicrania). Episódios de coreia e mielite transversa exigem o empre-
Clorpromazina, fenitoína, hidralazina, pro- go de pulsoterapia com metilprednisolona. Nos casos de
Medicações cainamida, quinidina, clozapina, estreptomi- SAF catastrófica, há necessidade de terapêutica agressiva,
cina, fenotiazinas.
incluindo, além da anticoagulação com heparina, pulsote-
rapia com corticoide e plasmaférese.
6. Tratamento Do ponto de vista profilático, em pacientes com LES,
portadores de anticorpos antifosfolípides sem manifesta-
Tabela 4 - Objetivos ções clínicas de SAF, pode-se considerar o uso de AAS as-
- Profilaxia; sociado à cloroquina, embora a eficácia dessa medida não
- Tratamento das tromboses agudas; tenha sido rigorosamente demonstrada nos estudos reali-
- Prevenção de futuros eventos trombóticos; zados até o momento.
- Manejo adequado da gravidez em mulheres com SAF.
7. Resumo
O tratamento inicial dos eventos trombóticos agudos re-
lacionados à SAF é o mesmo de qualquer outra trombose, Quadro-resumo
requerendo anticoagulação com heparina. Podem ser usa- - SAF: condição de hipercoagulabilidade associada à presença de
das tanto a heparina subcutânea de baixo peso molecular anticorpos antifosfolípides circulantes;
em dose plena como também a heparina não fracionada - Anticorpos antifosfolípides: detectados através da pesquisa de
em infusão intravenosa contínua. anticoagulante lúpico, anticardiolipina ou antibeta-2-glicopro-
teína-I;
Em todos os pacientes com SAF confirmada, está indi-
cada a anticoagulação oral com varfarina em longo prazo, - Tríade importante na SAF: tromboses vasculares, morbidades
gestacionais e plaquetopenia;
muitas vezes por tempo indeterminado, dado o elevado
153
REUMATO LOG I A
154
CAPÍTULO
15
Dermatopolimiosite e polimiosite
Rodrigo Antônio Brandão Neto / Ana Cristina de Medeiros Ribeiro /
Aleksander Snioka Prokopowistch / Hérica Cristiani Barra de Souza
155
REUMATO LOG I A
Tabela 2 - Características de miopatias inflamatórias pélvica. O paciente se queixa de dificuldade para realizar ta-
refas específicas que envolvam essa musculatura proximal,
Malignidade
(criança)
como levantar-se da cadeira, subir escadas (cintura pélvica),
Overlap
Miosite
Geral
MCI
DM
PM
pentear o cabelo, lavar a cabeça e elevar os braços (cintu-
ra escapular). A musculatura do pescoço, principalmente a
flexora, também pode estar acometida, e o paciente tem
Frequência 50 20 10 10 10 <5 -
dificuldade de elevar a cabeça quando deitado de costas.
Idade média É necessário, ao examinar o paciente, fazer a graduação da
– diagnós- 45 40 10 35 60 >65 45 força muscular de acordo com a Tabela 3, tanto para o diag-
tico
nóstico quanto para o acompanhamento do tratamento
Gênero F:M 2:1 2:1 1:1 10:1 1:1 1:2 2,5:1 destes pacientes.
Raça B:N 5:1 3:1 1:1 3:1 2:1 - 3:1
Tabela 3 - Graduação da força muscular
3. Patogênese Força Definição
156
D E R M AT O P O L I M I O S I T E E P O L I M I O S I T E
REUMATOLOGIA
Figura 5 - Rash em heliotropo: pigmentação rosa ou violácea nas pál-
pebras de pacientes com dermatopolimiosite. Fonte: UpToDate, 2011
157
REUMATO LOG I A
Uma forma rara de dermatomiosite é a sine miosite ou sites e são encontrados em outras desordens autoimunes
amiopática, em que os sinais cutâneos, com biópsia com- (anti-RNP, anti-Ro etc.). Outros autoanticorpos praticamen-
patível, são encontrados sem comprometimento muscular. te só são encontrados nos casos de miosite e, geralmente,
A maioria desses casos evolui com o tempo para dermato- são marcadores de características clínicas e prognóstico es-
miosite, com algum grau de miosite, mesmo que subclínica. pecíficos: são os chamados autoanticorpos miosite-especí-
A DMJ pode ser muito semelhante às formas adultas, ficos. Ocorrem em, aproximadamente, 30% dos pacientes.
mas se diferencia pela maior prevalência de vasculite, calci- Três grupos de autoanticorpos miosite-específicos são
noses (calcificações ectópicas musculares ou subcutâneas) definidos. O 1º engloba a presença de anticorpos contra
e lipodistrofia. O quadro de vasculite pode ser muito grave, RNA-sintetases (o principal é o anti-Jo-1), que se associam
inclusive com vasculite intestinal, com sangramento e per- à síndrome antissintetase (ver quadro clínico) e a doença
furação. persistente, principalmente em pacientes com polimiosi-
A miosite associada à doença vascular do colágeno pode te. O 2º grupo inclui indivíduos com anticorpos anti-SRP
ser a queixa mais proeminente na apresentação de uma sé- (Signal Recognation Particle ou partícula reconhecedora de
rie de doenças, como lúpus, esclerodermia, doença mista sinal), associados ao envolvimento da musculatura cardíaca
do tecido conjuntivo e síndrome de Sjögren. e doença aguda, com mau prognóstico. O 3º grupo é iden-
A miosite associada à neoplasia costuma manifestar-se, tificado com anticorpos anti-Mi-2 ou anti-helicase. Ocorre
mais comumente, como dermatomiosite e, em menor fre- em pacientes com dermatomiosite, com “sinal do xale”,
quência, como polimiosite. A neoplasia pode ser diagnosti- rash “em tronco” e alterações na cutícula, e apresenta bom
cada anteriormente, no momento ou mesmo anos após a prognóstico.
instalação da miopatia. Pacientes com dermato e polimio-
site devem ser investigados para neoplasia por ocasião do 6. Outros exames
diagnóstico e nos primeiros anos da doença. A neoplasia
subjacente geralmente é uma neoplasia epidemiologica- A eletroneuromiografia (ENMG) ajuda no diagnóstico
mente comum para o sexo e a idade, mas o câncer de ová- por demonstrar o padrão de envolvimento miopático, si-
rio parece ser mais associado, devendo ser sempre excluído métrico e proximal das miopatias inflamatórias idiopáticas,
em mulheres. diferenciando-o de outros padrões de miopatia ou de neu-
A miosite por corpúsculo de inclusão tem algumas ca- ropatia. Na miopatia inflamatória idiopática, observam-se
racterísticas peculiares: curso mais insidioso, acometimen- potenciais polifásicos de baixa amplitude e curta duração,
to de indivíduos com mais de 50 anos, maior frequência no fibrilações e complexos motores bizarros de alta frequên-
sexo masculino, com miopatia proximal e distal, assimétri- cia. Na miosite por corpúsculos de inclusão, a ENMG pode
ca, com atrofia muscular e pouca ou nenhuma resposta ao apresentar achados mistos de miopatia e neuropatia, além
tratamento. Os achados da biópsia são característicos, e as de comprometimento assimétrico e distal.
enzimas musculares têm elevação discreta. A confirmação histológica de inflamação muscular é
desejável em todos os casos, mas não é sempre realiza-
5. Exames laboratoriais da. A presença de achado inflamatório é importante, mas
a variação no tamanho das fibras, necrose e degeneração,
A maioria dos pacientes com miopatia inflamatória tem com atrofia de fibras tipo 2 e substituição por colágeno são
aumento dos níveis das enzimas musculares em algum mo- achados indiretos. Na polimiosite, predomina o infiltrado
mento do curso da doença; a manifestação de tais enzimas inflamatório focal e endomisial com macrófagos e linfóci-
na circulação demonstra a presença de dano muscular. A tos T CD8; na dermatomiosite, há predomínio de infiltrado
enzima muscular mais comumente dosada é a creatinofos- por linfócitos T CD4, com predomínio perivascular e atrofia
foquinase (CPK), que apresenta, também, maior sensibilida- perifascicular. Na miosite por corpúsculo de inclusão, en-
de. O nível de CPK sérico se correlaciona com a atividade da contram-se vacúolos intracitoplasmáticos na microscopia
doença. Na miosite por corpúsculo de inclusão, as enzimas comum e inclusões intranucleares ou intracitoplasmáticas.
são muito pouco elevadas. A creatinoquinase isoenzima MB Estudos de imagem, como tomografia computadoriza-
(CK-MB) pode estar elevada devido à isoforma presente no da e ressonância magnética, podem determinar o melhor
músculo esquelético. Outras enzimas que podem ser do- lugar para uma biópsia. O uso da última pode ser reservado
sadas e estar aumentadas são aldolase, aspartato amino- para avaliar o curso da doença e a resposta à terapia, de-
transferase (AST ou TGO), alanina aminotransferase (ALT ou monstrando áreas de inflamação muscular, edema, fibrose
TGP) e desidrogenase lática (DLH). e calcificação.
As provas de atividade inflamatória, velocidade de he-
mossedimentação (VHS) e Proteína C Reativa (PCR) podem
estar normais em uma grande parcela dos pacientes.
7. Diagnóstico
Autoanticorpos contra antígenos nucleares (FAN) são O diagnóstico de dermatopolimiosite é fundamentado
encontrados em 50% das miopatias inflamatórias. Alguns em achados clínicos compatíveis, associados a exames com-
autoanticorpos frequentes não são específicos para as mio- plementares (enzimas, eletromiograma – EMG –, biópsia).
158
D E R M AT O P O L I M I O S I T E E P O L I M I O S I T E
REUMATOLOGIA
Drogas e toxinas
- Anormalidades eletroneuromiográficas características;
- Ilícitas (cocaína, heroína);
- Biópsia muscular: infiltração inflamatória e degenera-
ção/regeneração ou atrofia perifascicular; - Álcool;
- Rash cutâneo típico da dermatomiosite: sinal de - Corticosteroides;
Gottron ou heliotropo. - Inibidores da HMG-CoA;
- Outras (colchicina, antimaláricos, penicilamina, zidovudina, ini-
Para o diagnóstico de polimiosite, exclui-se o critério cutâ- bidores da HMG-CoA).
neo e consideram-se polimiosite possível (2 critérios), prová- Infecções
vel (3 critérios) ou definida (3 critérios). Na dermatomiosite, - Vital (influenza, parainfluenza, coxsackie, HIV, Epstein-Barr);
o esquema é o mesmo, incluindo-se o critério cutâneo.
- Bacteriana (piomiosite, miosite de Lyme);
- Fúngica;
8. Diagnóstico diferencial
- Parasitárias (tricomoníase, toxoplasmose).
Diante de um quadro de miopatia inflamatória, outras Rabdomiólise
doenças que causam sintomas de miopatia devem ser pes-
- Trauma;
quisadas e excluídas, já que as miopatias de origem au-
- Convulsões;
toimune são extremamente raras. Podem ser incluídas no
diagnóstico diferencial: - Abuso de álcool (delirium tremens);
- Miastenia grave; - Enxerto (queimaduras);
- Síndrome miastênica de Eaton-Lambert; - Cirurgia vascular;
- Doença do neurônio motor; - Hipertermia maligna.
- Distrofia muscular de Duchenne;
- Miopatia por drogas (álcool, amiodarona, cocaína, col- 9. Tratamento
chicina, fibratos, corticoides, zidovudina, lovastatina);
A terapia física é importante no tratamento, e o repou-
- Infecções: vírus influenza, agentes oportunistas, sín- so no leito é necessário em casos de inflamação severa.
drome da imunodeficiência adquirida, fungos, toxo-
Exercícios passivos devem ser realizados a fim de manter o
plasmose, CMV, rubéola, vírus Epstein-Barr etc.;
movimento e prevenir contraturas.
- Desordens endócrinas: hipotireoidismo, deficiência Corticosteroides são o tratamento de 1ª linha nas mio-
de miofosforilase, miopatia mitocondrial, doenças da
patias inflamatórias, inicialmente na dose de 1mg/kg/dia de
adrenal e anormalidades eletrolíticas.
prednisona ou equivalente. Em casos mais graves, pode ser
utilizada metilprednisolona intravenosa em pulsoterapia. A
Tabela 4 - Principais causas de miopatias
melhora clínica pode ser observada nas primeiras semanas,
Inflamatórias
mas pode ser mais demorada. Cerca de 90% dos pacientes
- Polimiosite; têm alguma resposta com corticoide.
- Dermatomiosite; Se o indivíduo não responde satisfatoriamente à corti-
- Miosite por corpúsculo de inclusão; coterapia, se há recidiva do quadro ou o doente tem acha-
- DMJ; dos de maior gravidade ou de pior prognóstico, outros
- Vasculites; agentes podem ser utilizados em associação ao corticoide,
- Síndromes de sobreposição; para que ele possa ser lentamente retirado, como metotre-
- Artrite reumatoide; xato ou azatioprina. Outros imunossupressores que podem
- Síndrome de Sjögren. ser utilizados são ciclofosfamida, clorambucila, ciclospori-
Endócrinas na, micofenolato de mofetila e, até mesmo, em casos refra-
- Hipotireoidismo;
tários, os agentes anti-TNF-alfa (infliximabe, etanercepte,
adalimumabe). A imunoglobulina intravenosa é uma boa
- Síndrome de Cushing.
opção a pacientes infectados ao diagnóstico ou em surtos
Distúrbios eletrolíticos
de atividade desencadeados por infecção, como aqueles
- Hipocalemia;
com pneumonia aspirativa. Os antimaláricos (hidroxicloro-
- Hipofosfatemia; quina e cloroquina) e corticoides tópicos podem ser usados
- Hipocalcemia; no tratamento de lesões cutâneas da dermatomiosite, sem
- Hiper ou hiponatremia. ação sistêmica.
159
REUMATO LOG I A
10. Dermatomiosite juvenil pode sinalizar doença vascular em outros órgãos (es-
pecialmente os pulmões e intestino). Pacientes com
A DMJ é primariamente uma doença vascular capilar, lesões ulcerativas têm uma doença mais grave e pior
enquanto polimiosite juvenil (PMJ) envolve invasão de cé- prognóstico;
lulas T direto das fibras musculares semelhante à observada
em adultos.
- Calcinose: calcificação distrófica ou calcinose (calcifi-
cação dos tecidos moles), geralmente desenvolve-se
dentro de alguns anos de diagnóstico. Relatos de sua
A - Epidemiologia
prevalência varia de 30 a 50%.
A DMJ acomete cerca de 2 a 4 por milhão de crianças,
com pico de incidência entre 5 e 10 anos de idade. A pro- Cinco padrões distintos de calcinose foram descritos:
porção do acometimento é de 2 a 5:1. - Pequenas e dispersas placas superficiais ou nódulos,
geralmente nas extremidades. Essas lesões muitas
B - Patogênese vezes não interferem com a função, mas pode ser do-
lorosas e desenvolver celulite. Calcinoses superficiais
Apesar de a etiologia ser desconhecida, tem sido pro-
frequentemente regridem espontaneamente durante
posto que a DMJ e PMJ são causadas por uma reação au-
um período de anos;
toimune no tecido muscular de indivíduos geneticamente
suscetíveis, possivelmente em resposta às causas ambien- - Profundas calcificações musculares tumorais frequen-
tais. temente encontradas nos grupos musculares proxi-
A suscetibilidade genética está relacionada aos fenóti- mais que podem interferir com a mobilidade articular.
pos do HLA: HLA-B8, HLA-DQA1 * 0501 e HLA-DQA1 * 0301. Estes depósitos podem ulcerar ou expulsar material
Polimorfismos genéticos em fator de necrose tumoral alfa calcificante através da pele. Estes podem requerer o
e antagonista de receptor de interleucina-1 são conhecidos debridamento cirúrgico, a fim de maximizar a função
fatores de risco para o desenvolvimento da DMJ ou para a da articulação;
gravidade de sua apresentação. - Depósitos difusos ao longo dos planos miofasciais, que
podem limitar a mobilidade articular e podem ser do-
C - Manifestações clínicas lorosos;
- A fraqueza muscular é a principal característica da - Formas mistas dos 3 tipos citados podem ser vistos;
DMJ e PMJ. As crianças com DMJ e PMJ também podem - Extensos depósitos de cálcio exoesqueleto-like que re-
ter sintomas constitucionais (febre, perda de peso, fadiga sultam em sérias limitações na função. Os pacientes
e cefaleia). com esta forma de calcinose muitas vezes têm um his-
A apresentação clínica da DMJ é variável. Sintomas mais tórico de grave e incessante evolução da doença asso-
comuns: ciada com doença cutânea ulcerativa.
- Erupção Gottron: 91%; - A calcinose foi associada a fatores de risco:
- Heliotropo: 83%; - O atraso no diagnóstico ou tratamento, ou tratamento
- Eritema malar/facial: 42%; inadequado;
- Mudança capilar periungueal: 80%; - Fator de necrose tecidual (TNF) alfa-308A genótipo
(este alelo é associado a aumento dos níveis de TNF
- Mialgia/artralgia: 25%; alfa);
- Disfonia ou disfagia: 24%; - Pacientes abaixo de 5 anos de idade têm sido descritos
- Anorexia: 18%; como mais propensos a desenvolver calcinose. Entre-
- Febre: 16%. tanto, outro estudo não encontrou associação entre
a) Rash idade de início da DMJ e calcinose.
Várias erupções distintas podem ocorrer simultanea- b) Dermatomiosite amiopática
mente com a participação muscular, mas também pode ser As manifestações cutâneas da DMJ podem aparecer na
proeminente antes da fraqueza muscular evidente. Rash é ausência de doença muscular clinicamente aparente em
uma característica importante distinguir entre DMJ e PMJ, um pequeno número de crianças, que, com esta apresen-
uma vez que não está presente na última condição. Doença tação, nunca podem desenvolver fraqueza muscular, mas
cutânea pode ser agravada pela exposição solar. podem refletir uma fase inicial no curso da doença antes de
- Alteração capilares periungueais: dilatação, tortuosi- fraqueza muscular ainda não desenvolvida.
dade a áreas avasculares;
- Ulcerações cutâneas: dermatite ulcerativa é uma c) Fraqueza muscular
manifestação grave e potencialmente fatal da DMJ. Simétrica, proximal. Isso pode apresentar com limita-
Úlceras refletem presumivelmente a vasculopatia sig- ções funcionais, como dificuldade de se levantar do chão,
nificativa na pele (com hipóxia tecidual e necrose), e entrar e sair de automóveis, ou subir escadas. Lavar rou-
160
D E R M AT O P O L I M I O S I T E E P O L I M I O S I T E
pa ou pentear os cabelos pode representar um desafio, e Gottron (erupção eritematosa, papuloescamosa so-
crianças gravemente afetadas podem não ser capazes de bre a superfície dorsal dos nós dos dedos);
se alimentar. Em crianças muito jovens, quedas frequentes • Elevação do nível sérico de uma das enzimas mus-
pode ser um sintoma importante. Um sinal de Gower está culares;
frequentemente presente. • EMG demonstrando denervação e miopatia;
REUMATOLOGIA
A fraqueza do músculo cricofaríngeo e do palato pode • Biópsia do músculo exibindo necrose e inflamação.
resultar em problemas de deglutição, uma voz nasal, aspi-
ração traqueal, e refluxo do alimento para a nasofaringe. A EMG e a biópsia são consideradas auxiliares no diag-
Envolvimento da parte superior do esôfago pode levar a nóstico, sendo que em uma criança com quadro clínico típi-
disfagia para sólidos e líquidos. co estes 2 métodos são dispensáveis.
d) Artrite Além disso, a ressonância magnética foi classificada
como uma ferramenta muito útil no diagnóstico da DMJ.
Artralgia não erosiva e artrite podem estar presentes no
momento do diagnóstico ou durante o curso da doença. As a) Bases para o diagnóstico
contraturas podem ser vistas, mas são geralmente relacio- - Exame físico:
nadas com a fraqueza muscular ao invés de artrite.
• Rash característico: heliotropo e pápulas de
e) Lipodistrofia Gottron;
Lipodistrofia e alterações metabólicas associadas, tais • Teste de força muscular: é essencial na avaliação de
como resistência à insulina, acantose nigricans, e diabetes qualquer criança com suspeita ou confirmação de
tipo 2 estão sendo cada vez mais reconhecidas em pacien- DMJ ou PMJ porque, a força muscular proximal e
tes com DMJ. simétrica, é uma exigência para o diagnóstico;
f) Outros achados • Childhood Myositis Assessment Scale (CMAS):
- Comprometimento pulmonar: manifestações pulmo- medida objetiva da força muscular em crianças. A
nares são muito menos comuns nas crianças do que pontuação é atribuída de 0 a 51, com uma maior
em adultos, mas a doença intersticial pulmonar pode pontuação indicando maior resistência. Pode ser
ocorrer; utilizada para avaliações seriadas de pacientes
com DMJ e PMJ para monitorar a resposta à te-
- Vasculopatia gastrintestinal: relativamente raro, mas rapia.
pode ser fatal. Os pacientes acometidos podem apre-
sentar dor abdominal, pneumatose intestinal, hemor- - Capilaroscopia periungueal: 1 gota de óleo ou lubrifi-
ragia digestiva ou perfuração. Qualquer paciente com cante é colocada sobre a unha do paciente e vista em
DMJ com dor abdominal que persiste ou progride me- um microscópio de luz ou oftalmoscópio (usar o mais
rece uma investigação cuidadosa porque vasculopatia alto nível de ampliação). É usado para avaliar a dilata-
GI pode ocorrer no final do curso da doença ou em um ção dos capilares, áreas avasculares e o número total
paciente com apenas miosite discreta. A necessidade de capilares por milímetro. Avaliação contínua dos ca-
de uma investigação mais aprofundada, como a ultras- pilares ungueais pode ser útil para monitorar a ativida-
sonografia abdominal ou Tomografia Computadoriza- de da doença e a resposta ao tratamento.
da (TC), deve ser guiada pela suspeita clínica de envol- - Enzimas musculares: elevados níveis séricos de en-
vimento GI significativo; zimas musculares são marcadores de lesão muscular
- Anasarca: a presença de anasarca na apresentação e quando presente, apoiam o diagnóstico de DMJ ou
pode ser um sinal de mau prognóstico indicando do- PMJ. As enzimas musculares testadas rotineiramente
ença grave que pode responder muito lentamente ao na avaliação de miopatia incluem:
tratamento e não pode responder aos corticosteroides • CPK;
sozinho. O edema generalizado pode ser o resultado • DHL;
de um vazamento capilar difuso resultante da lesão
• Aldolase;
endotelial vascular.
• ALT e AST.
D - Diagnóstico Deve ser lembrado que a CPK, DHL, ALT e AST podem
- Critérios de classificação e diagnóstico – 1975, Bohan surgir de outras fontes que não musculares, mesmo na
e Peter: configuração de um paciente com fraqueza muscular. vale
loembrar que alguns pacientes podem ter valores normais
• Fraqueza simétrica da musculatura proximal;
apesar de fraqueza clinicamente evidente. Assim, a eleva-
• Alterações cutâneas características, consistindo de ção das enzimas musculares séricas auxilia no diagnóstico
heliotropo (rash vermelho-arroxeado nas pálpe- de DMJ e PMJ, mas níveis normais das enzimas não ex-
bras superiores com edema periorbital) e sinal de
cluem.
161
REUMATO LOG I A
- Eletroneuromiografia: em pacientes com DMJ e PMJ O tratamento inicial varia de acordo com a apresentação
há evidência de um aumento da irritabilidade da mem- clínica, que varia de doença leve, com fraqueza muscular e
brana da célula muscular que é demonstrada pela se- manifestações cutâneas a fraqueza fatal grave, danos nos
guinte tríade clássica da EMG, que são caracterizadas órgãos internos e lesões ulcerativas na pele. A intensidade
pela presença de picos e ondas: dos aumentos da terapia inicial é de acordo com o aumen-
• Curtos, polifásicos, pequenos potenciais na unidade to da gravidade dos sintomas. Por exemplo, ciclofosfamida
motora; intravenosa é reservada para pacientes com doença grave
• Irritabilidade insercional, fibrilações espontâneas, com risco de vida.
ondas agudas positivas; a) Glicocorticoides
• Descargas repetitivas de alta frequência.
São os agentes iniciais de escolha no tratamento de pa-
Deve ser usada somente se o diagnóstico for incerto, cientes com DMJ e PMJ.
por ser invasiva para crianças. EMG também pode ser usa- - Prednisona oral: tem sido o pilar do tratamento da
da para detectar áreas de inflamação e para determinar um DMJ e PMJ por muitos anos. Regime padrão inicial é de
local apropriado para realização de biópsia muscular. 2mg/kg/dia (até um máximo de 80mg/dia) em doses
- Ressonância magnética: é cada vez mais utilizada no divididas por 6 semanas, após o qual é consolidado em
diagnóstico de miopatia inflamatória na infância a fim 1 dose única diária. Ajustar a dose em relação à gra-
de evitar a morbidade da biópsia muscular e EMG. As vidade da doença com doses mais baixas em crianças
alterações incluem o aumento de intensidade do sinal com doença mais branda. Podem ser desmamados aos
(em T2 ou STIR) do músculo afetado, edema perimus- poucos de forma gradual durante um período prolon-
cular e aumento da intensidade do sinal da gordura gado. A força muscular e as enzimas são monitoradas
subcutânea. Esses achados correlacionam-se com di- para a evidência de recidiva.
minuição da força muscular. Após a terapia, a intensi- - Metilprednisolona intravenosa: devido aos quadros
dade do sinal no músculo volta ao normal. graves, particularmente aqueles com doença vascular
- Biópsia muscular: pode confirmar o diagnóstico de gastrintestinal que podem ter diminuída a absorção de
DMJ e PMJ, quando permanece a incerteza. prednisona por via oral, o uso do pulso de metilpred-
nisolona intravenosa tem sido proposto como um regi-
Os achados histológicos característicos da DMJ incluem:
• Atrofias perifasciculares; me alternativo. O esquema mais utilizado é na dose de
30mg/kg/dia (máximo de 1g) por 3 dias consecutivos,
• Degeneração das fibras tipos I e II do músculo;
seguidos por mais bolos semanal ou mensal, conforme
• Regeneração das fibras musculares associados com necessário.
basofilia;
• Centralização de núcleos nas fibras musculares; b) Outros agentes
• Infiltrado mononuclear perivascular. A terapia da combinação usando glicocorticoides e outro
agente imunossupressor a partir do momento do diagnóstico
Em PMJ, a biópsia muscular mostra tipicamente um ex- é a abordagem preferida para lidar com crianças com DMJ
sudato inflamatório composto por células mononucleares, e PMJ devido ao seu potencial para diminuir a dose cumu-
que se acumulam no endomísio, cercam e invadem as fibras lativa total de esteroides e efeitos adversos relacionados. O
musculares. metotrexato é o agente mais comumente usado. A adição de
Local mais usado para biópsia é o quadríceps. metotrexato para a terapia inicial encurta a duração da corti-
Necrose muscular severa, vasculopatia e fibrose endo- coterapia e reduz a dose cumulativa total de glicocorticoides
mísio foram associados com um curso crônico da DMJ. em relação à terapia glicocorticoide sozinha.
- Autoanticorpos: apesar de anticorpos antinucleares
(ANA) estarem presentes em 70% dos pacientes com c) Metotrexato
DMJ e PMJ, FAN positivo não é específico e tem limita- É geralmente administrado em 1 dose de 15mg/m2 (ra-
do valor diagnóstico. Anticorpos específicos, que estão ramente superior a 25mg/dose) 1x/semana por VO ou SC.
associados com determinados subgrupos clínicos de pa- Os efeitos secundários podem incluir náuseas e vômitos em
cientes adultos, só foram identificados em um pequeno 12 a 24 horas após a administração. Outros efeitos adver-
número de crianças com miopatia inflamatória e geral- sos incluem aftas orais, elevação das enzimas do fígado e
mente não são úteis para fazer o diagnóstico da DMJ. aumento da suscetibilidade à infecção. As crianças devem
ser desde que o ácido fólico (1mg/dia), a fim de limitar a
E - Tratamento toxicidade.
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D E R M AT O P O L I M I O S I T E E P O L I M I O S I T E
REUMATOLOGIA
IVIG é geralmente dada como 1 dose de 2g/kg (dose máxi- - Polimiosite: predomínio em mulheres, distribuição etária bi-
ma de 70g), administrada em dose única ou administrada modal, fraqueza muscular proximal e simétrica, poupa muscu-
em 2 dias. IVIG pode ser dada a cada 2 semanas, inicial- latura ocular e facial. Pode haver poliartrite, Raynaud, mãos de
mente fixada em 5 doses, e depois é geralmente adminis- mecânico e acometimento pulmonar;
trada mensalmente por até 2 anos. A decisão de iniciar IVIG - Dermatomiosite: mesmas alterações da polimiosite, incluindo
normalmente ocorre no mês de tratamento quando os pa- alterações cutâneas características: Gottron, heliotropo, eri-
tema facial, fotossensibilidade, “sinal do xale”, “V do decote”,
cientes apresentam sintomas persistentes ou aumentando
calcinoses, hipertrofia cuticular;
à medida que os esteroides são desmamados, indicando
resistência aos esteroides ou dependência de esteroides, - Corpúsculos de inclusão: predomínio em homens acima dos 50
anos, fraqueza muscular distal e assimétrica, resposta pobre ao
porém, em casos muito graves da DMJ, IVIG é frequente-
tratamento;
mente utilizado anteriormente. Em crianças com DMJ, IVIG
- Exames importantes: enzimas musculares, pesquisa de FAN e
é geralmente bem tolerada com efeitos colaterais relatados
autoanticorpos, eletroneuromiografia, biópsia muscular, ras-
de dor de cabeça, diarreia, náuseas e febre baixa. treamento de acometimento pulmonar e de neoplasias;
e) Ciclosporina - Tratamento: corticoterapia, cloroquina (quadro cutâneo da
Usada em casos refratários. A dose inicial de ciclosporina dermatomiosite), imunossupressão (metotrexato, azatioprina,
mofetila, ciclosporina, ciclofosfamida), imunoglobulina intrave-
é de 3 a 5mg/kg/dia. A dose é ajustada dependendo da res-
nosa, agentes biológicos.
posta clínica e na presença de toxicidade da ciclosporina. Os
efeitos colaterais relatados em pacientes com DMJ incluem
hirsutismo, hipertrofia gengival, hipertensão e diarreia.
f) Ciclofosfamida
É geralmente reservado para DMJ grave e com risco de
vida, particularmente na doença crônica ulcerativa do trato
gastrintestinal ou pele, ou problemas respiratórios. A ciclo-
fosfamida é mais frequentemente administrada por via in-
travenosa a cada 4 semanas com 1 dose de 500 a 750mg/
m2 de um total de 7 doses, geralmente em combinação com
doses elevadas de glicocorticoides.
g) Agentes biológicos
Cada vez mais os agentes biológicos estão sendo usa-
dos no tratamento de doenças autoimunes. No entanto, o
uso destes agentes é limitado em crianças com DMJ e PMJ.
Série de casos com rituximabe e anti-TNF.
h) Outros
- MMF, tacrolimo e hidroxicloroquina;
- Uso regular de proteção solar;
- Lesões de pele localizdas: corticoide ou tacrolimo tó-
picos.
i) Fisioterapia
A fisioterapia e terapia ocupacional são importantes
medidas adjuvantes à terapia farmacológica, porque as
crianças com DMJ têm capacidade de exercício aeróbico
diminuída, que pode piorar as limitações funcionais e con-
tribuir para contraturas articulares. A terapia é focada em
diversas situações de movimento, fortalecimento muscular
e exercícios aeróbicos, melhoram as contraturas articulares
e a resistência aeróbica.
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