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CAPÍTULO

1
Osteoartrite
Rodrigo Antônio Brandão Neto / Ana Cristina de Medeiros Ribeiro / Aleksander Snioka
Prokopowistch / Hérica Cristiani Barra de Souza

1. Introdução - Suscetibilidade genética: todos os sítios, principal-


mente a osteoartrite de mãos;
A osteoartrite, artrose ou osteoartrose (OA), é a mais
- Obesidade: mulheres obesas têm uma chance maior
comum das afecções reumáticas, pois atinge aproximada- em 4 a 5 vezes para terem os joelhos acometidos. A
mente 1/5 da população mundial, sendo considerada uma perda de peso leva à redução da sintomatologia da OA
das causas mais frequentes de incapacidade laborativa de joelhos;
após os 50 anos. A osteoartrite pode ser definida como
uma síndrome clínica que representa a via final comum das
- Trauma e ocupação: as principais injúrias agudas do
joelho, lesões de ligamentos e meniscos são causas co-
alterações bioquímicas, metabólicas e fisiológicas que ocor-
muns de OA secundária;
rem, de forma simultânea, na cartilagem hialina e no osso
subcondral. Compreende uma variedade de subgrupos com
- Deformidades preexistentes: pacientes com anorma-
lidades anatômicas de joelhos e quadris, que estão
fatores etiológicos distintos tendo, como substrato patoló-
presentes ao nascimento ou durante o crescimento,
gico, a diminuição do espaço articular devido à perda car-
podem ter predisposição a OA precoce, como genu
tilaginosa e a formação de osteófitos, e é considerada uma
varum, genu valgo, subluxação congênita do quadril,
doença degenerativa da cartilagem hialina.
doença de Legg-Calvé-Perthes e displasia acetabular.

2. Epidemiologia Tabela 1 - Fatores de risco para osteoartrite


É uma doença de caráter crônico e evolução lenta, sem - Idade crescente;
comprometimento sistêmico, afetando articulações perifé- - Sexo feminino;
ricas e axiais. Na grande maioria dos indivíduos, desenvol- - Predisposição genética;
ve-se de maneira silenciosa. - Obesidade;
A prevalência da OA está correlacionada com a idade e o - Traumas e ocupação;
sexo, e a incidência predomina no sexo feminino. É incomum - Deformidades prévias.
um quadro franco de osteoartrite abaixo dos 40 anos, quando
a prevalência entre os sexos é semelhante. A partir daí, entre
a 4ª e a 5ª década e no período da menopausa, a incidência 3. Classificação
aumenta bastante com a idade e se torna mais frequente em A osteoartrite pode ser classificada de acordo com a cau-
mulheres. Estima-se que atinge 85% da população até os 64 sa do processo e a distribuição anatômica das alterações.
anos e, aos 85 anos, torna-se praticamente universal. De acordo com a presença ou não de causa anatômica
Além disso, constitui importante causa de morbidade e subjacente, pode ser:
a principal indicação de cirurgias de próteses de quadril e - Primária ou idiopática: sem causa aparente, relacio-
joelho. Os fatores de risco mais importantes para o desen- nada com a idade e o sexo, com distribuição caracte-
volvimento da osteoartrite (Tabela 1) são: rística;
- Idade: crescente, principalmente acima dos 40 anos - Secundária: relacionada a processos traumáticos e/
(todos os sítios); ou inflamatórios que desencadearam o processo de
- Sexo feminino: a OA é mais frequente em mulheres, degeneração da cartilagem, como osteoartrite pós-
principalmente de joelhos e mãos; -trauma, ou artrite infecciosa, doença reumatoide, ne-

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REUMATO LOG I A

crose asséptica, doenças neurológicas etc. (Tabela 2). A cartilagem normal tem 2 componentes principais: a
A localização é variável e vai depender de onde ocorre matriz extracelular, rica em colágeno e proteoglicanos; e
o processo inicial que lesiona a cartilagem. os condrócitos, inseridos na matriz. Os componentes da
matriz são responsáveis por suas características de elasti-
Tabela 2 - Doenças associadas à osteoartrite secundária cidade e resistência. Os condrócitos são responsáveis pela
Fatores localizados síntese da matriz extracelular e por sua renovação, através
- Trauma articular; de proteinases, mantendo um equilíbrio entre a formação
- Deformidades articulares preexistentes; e a degradação de matriz. Com o passar dos anos, os com-
ponentes da matriz se alteram: ocorrem irregularidades
- Osteonecrose;
na rede de colágeno, e os proteoglicanos se alteram quali-
- Artrite reumatoide;
tativa e quantitativamente, diminuindo sua capacidade de
- Gota;
reter água. Ocorre rarefação dos condrócitos em alguns
- Condrocalcinose; sítios e hipertrofia em outros, mas eles passam a ser mais
- Artrite séptica; catabólicos, desequilibrando o processo de formação e
- Hemofilia; degradação da matriz. A cartilagem envelhecida contém
- Neuropatia; menos água, condrócitos mal distribuídos e desequilibra-
- Osteocondrite; dos, proteoglicanos alterados e colágeno fissurado, o que
- Doença de Paget. leva a uma matriz menos resistente e menos elástica, mais
Fatores sistêmicos suscetível aos traumas mecânicos, com espessura dimi-
- Hemocromatose; nuída. A cartilagem começa a apresentar microfraturas e,
posteriormente, fissuras verticais, junto ao osso subcon-
- Ocronose;
dral. Fragmentos de cartilagem se descolam e ficam livres
- Hiperparatireoidismo;
no espaço articular e desencadeiam o processo inflama-
- Doença de Wilson;
tório discreto da osteoartrite. Esse descolamento provoca
- Gota; também exposição do osso subcondral, com microcistos.
- Condrocalcinose; Nesses locais de exposição óssea, os osteófitos provocam
- Acromegalia; neoformação óssea subcondral, com esclerose do osso
- Amiloidose; subcondral. A redução do volume e das propriedades da
- Síndrome de hipermobilidade; cartilagem e as suas irregularidades levam a maior atrito
- Doença de Ehlers-Danlos. entre as estruturas, redução do espaço articular e altera-
ção dos vetores normais de força dentro da articulação.
Quanto à localização, a osteoartrite primária pode ser: Com isso, ocorrem áreas de maior pressão sobre o osso
- Periférica: acometendo articulações do esqueleto subcondral, contribuindo para a esclerose subcondral e o
apendicular (membros); crescimento de espículas ósseas, os osteófitos, nas mar-
- Axial: acometendo a coluna vertebral; gens articulares por pressão e por tração, levando à tríade
radiológica da osteoartrite: redução do espaço articular,
- Generalizada: osteoartrite primária acometendo 3 ou esclerose óssea subcondral e formação de osteófitos.
mais sítios, podendo ser todos eles periféricos ou 2 pe-
Somando-se a isso, o envelhecimento provoca frouxidão
riféricos e 1 axial.
ligamentar e capsular, hipotrofia muscular e diminuição
da sensibilidade proprioceptiva articular, que contribuem
Tabela 3 - Classificação da osteoartrite
para a instabilidade articular com a idade.
Quanto à causa:
- Primária ou idiopática: distribuição característica; Tabela 4 - Fatores de risco e processo inicial da osteoartrite
- Secundária: distribuição de acordo com o processo que desen- Fatores de risco Processo inicial Osteoartrite
cadeou a lesão da cartilagem.
- Irregularidades na - Redução de espaço
Quanto à distribuição (osteoartrite primária): - Idade crescente;
rede de colágeno; articular;
- Periférica: articulações do esqueleto apendicular, principal-
mente mãos, quadris, joelhos e pés; - Predisposição - Microfraturas na
- Proteoglicanos;
- Axial: articulações da coluna (cervical e lombar); genética; cartilagem;
- Generalizada: 3 ou mais sítios de acometimento. - Fragmentos
- Excesso de - Desidratação da osteocartilagino-
peso; cartilagem; sos soltos e cistos
4. Fisiopatologia subcondrais;
As características histopatológicas principais da osteoar- - Irregularidade na
- Traumas e ocu-
trite são a perda focal e gradual da cartilagem articular e o distribuição e função - Inflamação leve;
pação;
dos condrócitos;
comprometimento do osso subcondral.

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OSTEOARTRITE

Fatores de risco Processo inicial Osteoartrite Nos membros inferiores, é comum o acometimento dos
- Desequilíbrio entre quadris (coxartrose), joelhos (gonartrose), primeiras meta-
- Deformidades - Esclerose óssea tarsofalangianas e as interfalangianas dos pés. Os joelhos
formação e degrada-
prévias; subcondral; podem apresentar-se aumentados de volume, com discreto
ção da matriz;
- Fatores hormo- - Matriz menos elástica - Formação de oste- aumento de temperatura, edema e alteração de eixo, sendo

REUMATOLOGIA
nais. e menos resistente. ófito. mais comum a acentuação de joelho varo. O comprometi-
mento crônico dos joelhos, com dor e limitação funcional,
leva a hipotrofia muscular dos quadríceps femorais, que aju-
5. Manifestações clínicas dam a instabilizar ainda mais tais articulações. As metatarso-
A osteoartrite pode provocar dor articular, rigidez bem falangianas ficam com aumento de volume, e o hálux comu-
curta (<30 minutos), limitação de movimentos, crepitações, mente se desvia lateralmente (hálux valgo). Classicamente,
ocasionalmente derrame articular e graus variados de infla- são poupadas na OA primária as demais articulações meta-
tarsofalangianas, os tornozelos e o tarso. O acometimento
mação local. É uma doença de caráter crônico e evolução
por OA dessas articulações sugere que seja OA secundária.
lenta, sem comprometimento sistêmico. Na grande maioria
A OA axial se caracteriza pelo acometimento das arti-
dos indivíduos, desenvolve-se de maneira silenciosa.
culações interapofisárias. Os segmentos mais atingidos são
O que leva o paciente com OA ao médico é a dor ou
o cervical e o lombar (maior mobilidade). A dor é também
algum tipo de deformidade. A dor tem características me-
de natureza mecânica, protocinética, com curta rigidez (<30
cânicas, aparece ou se exacerba no início dos movimentos
minutos). Pode haver retificação e perda da lordose cervical
(dor protocinética), melhora levemente após alguma mo- ou lombar ou hiperlordose lombar e perda de amplitude
vimentação, mas volta pior com o uso prolongado da ar- de movimentos, sobretudo com desencadeamento de dor à
ticulação. Nos estágios mais avançados, não é incomum o extensão. Dor muscular paravertebral associada é comum,
paciente ter dor, mesmo quando em repouso, acordando e compressões neurológicas também podem ocorrer.
algumas vezes durante a noite. Apesar da classificação entre OA axial e periférica, é mui-
A rigidez matinal do segmento afetado pode ocorrer, to comum a associação entre ambas e também de osteoar-
porém na OA, diferentemente do que ocorre na doença trite generalizada, em que 3 ou mais grupos articulares são
reumatoide e em outras artrites inflamatórias, é de curta comprometidos, como OA de mãos, joelhos e coluna.
duração, sempre inferior a 30 minutos. Os diferentes graus de perda de função podem ser ava-
Um sinal importante para o diagnóstico é a crepitação, liados pela anamnese e pelo exame físico. O paciente in-
que pode ser fina ou grosseira. É a sensação palpável de forma sobre sua capacidade para realizar atividades diárias,
atrito entre as estruturas articulares, graças à presença de como subir e descer escadas, fazer caminhadas, realizar ta-
irregularidades na superfície da cartilagem e fragmentos refas domésticas, praticar esportes etc. Isso leva a formar
osteocartilaginosos soltos. A crepitação é um achado de uma ideia de suas limitações e serve como parâmetro na
palpação, mas pode chegar a ser audível. evolução do quadro clínico.
Outro achado comum é a deformidade articular. Com a
redução e a irregularidade da cartilagem, ocorrem redução
do espaço articular e crescimento nas bordas da superfície
óssea, com formação de osteófitos. Isso leva ao aumento
do volume articular, com consistência óssea, limitando a
amplitude de movimento e, muitas vezes, provocando des-
vio de eixo articular. A inflamação decorrente do processo
pode provocar aumento discreto da temperatura e derra-
mes (principalmente nos joelhos).
Nos membros superiores, a OA primária costuma acometer
as interfalangianas proximais (IFPs) e distais (IFDs) das mãos, a
articulação trapézio-metacarpo na base do polegar (rizartrose)
e a acromioclavicular. As deformidades das IFPs são descritas
como nódulos de Bouchard, e as das IFDs, como nódulos de
Heberden (Figuras 1 e 2). O acometimento dos dedos pode ini-
ciar-se dedo a dedo, de forma inicialmente assimétrica, mas, à
medida que mais articulações são acometidas, o envolvimento
vai se tornando simétrico. Classicamente, são poupadas na OA
primária as articulações metacarpofalangeanas, os punhos,
cotovelos e ombros (glenoumerais). O acometimento por OA
dessas articulações sugere que seja OA secundária. Figura 1 - Nódulos de Heberden (IFD) e Bouchard (IFP)

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REUMATO LOG I A

do espaço articular é assimétrica, acometendo mais um


compartimento articular que outro. No quadril, a porção
superior da articulação é mais comumente afetada. Já nos
joelhos, é mais comum o acometimento do compartimento
femorotibial medial e do femoropatelar lateral, levando os
achados da tríade a serem encontrados de forma assimétri-
ca. Podem ocorrer também cistos subcondrais com bordas
escleróticas (Figuras 3 e 4).
Existe uma grande dissociação clínico-radiológica na OA.
A presença de alterações radiológicas não se correlaciona
necessariamente com a presença de sintomas. Cerca de
Figura 2 - Nódulos de Heberden (IFD) 80% dos indivíduos a partir de 40 anos podem apresentar
características radiológicas compatíveis com OA em articu-
Tabela 5 - Resumo das manifestações clínicas da osteoartrite pri-
lações que sustentam peso, embora apenas 30% apresen-
mária tem dor.
Imagens de ressonância magnética têm sido usadas
- Dor articular mecânica, protocinética;
para avaliação da OA, permitindo a visualização direta da
- Rigidez matinal curta (<30 minutos);
cartilagem articular e a detecção de anormalidades de me-
- Limitação de movimentos com deformidades; niscos e ligamentos. Porém, radiografias convencionais ain-
- Crepitações; da são recomendadas devido ao seu baixo custo.
- Possibilidade de derrame articular discreto.
- Nódulos de Bouchard – IFPs das mãos;
- Nódulos de Heberden – IFDs das mãos;
- Membros supe-
riores - Rizartrose – articulação trapézio-metacar-
po na base do polegar;
- Articulação acromioclavicular.
- Coxartrose (quadris);
- Gonartrose (joelhos);
- Membros infe-
riores - Primeiras metatarsofalangianas (hálux
valgo);
- Interfalangianas dos pés.
- Acometimento das articulações interapo-
- Osteoartrite axial
fisárias.
- 3 ou mais sítios acometidos (cada sítio
- Osteoartrite corresponde a 1 seguimento anatômico,
generalizada como osteoartrite em IFP, gonartrose e
acometimento axial).

6. Achados radiológicos
O diagnóstico clínico da osteoartrite usualmente é con-
firmado com radiografias das articulações acometidas. O
clássico achado radiológico é a tríade da osteoartrite, que
se constitui de: (1) redução do espaço articular; (2) esclero-
se do osso subcondral e (3) presença de osteófitos (prolife-
ração óssea nas margens articulares) (Figuras 3 e 4).
Tabela 6 - Tríade da osteoartrite
- Espaço articular reduzido;
- Esclerose do osso subcondral;
- Presença de osteófitos.
Figura 3 - Osteoartrite de joelho (gonartrose): redução assimétrica
Diferentemente da artrite reumatoide e de outras ar- do espaço articular, mais evidente no compartimento medial do
trites inflamatórias, o acometimento articular é focal e joelho (à direita), a esclerose subcondral (osso mais branco ao raio
assimétrico dentro de cada articulação. Assim, a redução x) e a presença de osteófitos (espículas ósseas laterais)

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OSTEOARTRITE

REUMATOLOGIA
Figura 4 - Osteoartrite de coxofemoral (coxartrose) avançada: to-
tal perda de espaço articular, a esclerose subcondral com grandes
cistos subcondrais de bordas escleróticas

Figura 7 - Osteoartrose do joelho, esclerose e formação de osteófito

7. Achados laboratoriais
Os exames laboratoriais de rotina habitualmente são
normais e utilizados para identificar outras condições que
podem estar associadas. Avaliação da hemoglobina, creati-
nina, potássio e transaminases é necessária antes de iniciar
a terapia com AINEs.
As provas de atividade inflamatória (velocidade de he-
mossedimentação – VHS – e Proteína C Reativa – PCR) são
comumente normais. Alguns pacientes com sinais inflama-
tórios mais intensos podem apresentar uma velocidade de
hemossedimentação levemente aumentada, porém nunca
Figura 5 - Articulação do quadril: OA. Setas: esclerose e redução comparável aos valores presentes na artrite reumatoide,
do espaço articular polimialgia reumática, processos infecciosos ou tumorais.
A VHS também pode subir com a idade, mas isso não se
correlaciona com a OA.
Na OA, o teste para a detecção do fator reumatoide é
negativo, porém se deve lembrar que 20% dos indivíduos
idosos saudáveis têm esse teste positivo, o que pode levar à
confusão com o diagnóstico de artrite reumatoide.
A análise do líquido sinovial comumente revela um per-
fil não inflamatório, com viscosidade normal e baixa con-
tagem celular (<2.000 células/mm3). Excepcionalmente,
quando ocorre derrame articular, alguns pacientes podem
apresentar líquido sinovial levemente inflamatório, com pe-
quenos aumentos na celularidade e discreta diminuição da
viscosidade.

8. Diagnóstico
O diagnóstico baseia-se nos achados clínicos e radio-
gráficos. Atenção especial para curso crônico e insidioso,
articulações tipicamente envolvidas com suas deformida-
des clássicas, idade do paciente (>50 anos), dor mecânica
e protocinética, com rigidez matinal curta (<30 minutos),
Figura 6 - Esclerose subcondral (seta) comprometimento assimétrico dentro das articulações en-

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REUMATO LOG I A

volvidas (ao raio x) e provas de atividade inflamatória nor- A - Tratamento não farmacológico
mais. No caso de articulações não classicamente acome-
tidas estarem envolvidas, curso agudo, artrite franca, em Tabela 8 - Tratamento não farmacológico
surtos, dor inflamatória com rigidez matinal prolongada, - Programas educativos: esclarecimento sobre a doença, mo-
idade precoce, comprometimento simétrico dentro de cada tivação ao tratamento, estímulo à prática de atividade física,
articulação e alteração nas provas de atividade inflamató- orientação ao uso de rampas e escadas, orientação quanto à
ria, considerar diagnóstico diferencial (artrite reumatoide, ergonomia no trabalho;
artrites reativas, gota, pseudogota, artrite psoriásica etc.). - Fisioterapia: fortalecimentos muscular, condicionamento físico
e alongamento;
Tabela 7 - Osteoartrite: pistas diagnósticas
- Órteses e equipamentos de auxílio à marcha;
Considerar osteoartrite se:
- Estabilização medial da patela: goteiras elásticas;
- Curso crônico e insidioso;
- Palmilhas antivaro;
- Articulações tipicamente envolvidas com suas deformidades
- Termoterapia e eletroterapia analgésica.
clássicas;
- Idade do paciente (>50 anos);
B - Tratamento farmacológico
- Dor mecânica e protocinética;
- Rigidez matinal curta (<30 minutos); O principal objetivo do tratamento farmacológico na
osteoartrite é o alívio da dor. Existem várias modalidades
- Comprometimento assimétrico dentro da articulação (ao raio x);
terapêuticas, como anti-inflamatórios, analgésicos sistêmi-
- Provas de atividade inflamatória normais.
cos, analgésicos tópicos, infiltrações, antimaláricos e con-
Considerar outro diagnóstico se: droprotetores.
- Curso agudo;
- Articulações não classicamente acometidas; a) Analgésicos sistêmicos:
- Idade precoce (<30 anos); - Não narcóticos: o paracetamol pode ser utilizado
- Artrite franca ou em surtos; como 1ª escolha nos casos de OA leve e moderada. A
dose efetiva é de aproximadamente 4g/dia. Alguns es-
- Dor inflamatória com rigidez matinal prolongada;
tudos defendem que ele seja tão eficaz quanto os Anti-
- Comprometimento simétrico dentro de cada articulação; Inflamatórios Não Hormonais (AINHs), mas outros
- Alteração nas provas de atividade inflamatória. apontam os AINHs como mais eficazes. Entretanto, por
ter menos efeitos cardiovasculares e gastrintestinais,
continua como uma opção de terapia inicial;
- Narcóticos: eventualmente, pode associar-se um opio-
ide (codeína, tramadol) para potencializar a analgesia,
com amplos cuidados para evitar abuso, dependência
química e efeitos colaterais. Seu uso está reservado a
pessoas com osteoartrite com dor intensa refratária
a analgesia simples, AINHs e medidas não farmacoló-
gicas, geralmente em quadros de OA de grandes arti-
culações de membros inferiores que sustentam carga
(joelhos, quadris, tornozelos). Deve-se preferir uso de
demanda, ou seja, quando o paciente tem um quadro
mais forte de dor ou vai fazer uma atividade que comu-
mente desencadeia dor. Casos com indicação cirúrgica,
inelegíveis para cirurgia por algum motivo podem re-
querer acompanhamento multidisciplinar para a dor.
Figura 8 - Diagnóstico diferencial entre OA (osteoartrose) e AR
(Artrite Reumatoide) de acordo com as principais articulações aco- b) AINHs: serão indicados quando houver dor de mo-
metidas. Fonte: Livro ABC of Rheumatology, 4ª edição, 2010
derada a grave, refratária a analgesia simples, associada a
quadro inflamatório mais exuberante e nas eventuais crises
de agudização. Os AINHs agem com inibidores da cicloxige-
9. Tratamento nase (COX), que tem 2 isoformas: COX-1 e COX-2. A COX-1
A abordagem terapêutica da osteoartrite deve ser in- é constitutiva e importante na síntese de prostaglandinas
dividualizada, priorizando os seguintes pontos: diminuição responsáveis pela proteção antiácida da mucosa gástrica.
da dor e do grau de inflamação e retardo da progressão da A COX-2 é a mais importante na síntese de prostaglandi-
degradação articular. nas que causam dor e inflamação. Há 2 tipos de AINHs: os

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OSTEOARTRITE

não seletivos (diclofenaco, nimesulida, meloxicam etc.), culopatia por cloroquina é reversível se diagnosticada pre-
que agem sobre as 2 formas, tendo um maior risco de san- cocemente pelos exames periódicos. Pode ocorrer também
gramento/perfuração gastrintestinal (por úlceras gástricas depósito na pele de coloração acinzentada. A hidroxiclo-
e duodenais), e os seletivos de COX2 (celecoxibe), usados roquina tem menos efeitos de depósito que o difosfato de
preferencialmente na presença de fatores de risco para cloroquina.

REUMATOLOGIA
eventos adversos no trato gastrintestinal (Tabela 9). Não há
e) Sulfatos de glicosamina e condroitina: não se conhe-
superioridade de um tipo sobre o outro nem efeito aditivo,
ce o mecanismo exato de ação dessas drogas, usadas por
e não se deve utilizar a combinação de AINHs. A resposta
do paciente é individualizada, e, na falha a 1 ou mais AINHs, via oral. Podem ser usadas em associação. Os estudos que
outro pode ser tentado, independente da classe. Pode ser comprovam sua eficácia são, em sua maioria, patrocinados
usado concomitantemente com paracetamol, com efeito pelas companhias farmacêuticas. No entanto, uma meta-
sinérgico. Independente do tipo de AINH, deve-se iniciar o -análise evidenciou melhora da dor, mas sugeriu que pode
tratamento com a menor dose terapêutica possível e au- haver viés nos estudos. Outros estudos sugerem que ape-
mentar de acordo com a resposta terapêutica ou surgimen- nas a glicosamina seria suficiente para trazer os benefícios
to de efeitos colaterais. Os principais efeitos colaterais a se- terapêuticos, que seriam discretos. Recomenda-se a glico-
rem monitorizados são hipertensão arterial, piora da função samina, associada ou não à condroitina, principalmente em
renal, retenção hídrica, hipercalemia (podem ocorrer com pacientes com osteoartrite de joelhos moderada a grave.
todos os tipos), sangramento (que pode ser assintomático) A dose usual de glicosamina é de 1.500mg/dia, e a de con-
ou algia gastrintestinal. Certos AINHs seletivos de COX2 fo-
droitina, 1.200mg/dia.
ram apontados como responsáveis por aumentar o risco de
eventos cardiovasculares maiores, mas esse risco pode ser f) Agentes tópicos:
inerente a todos o AINHs. Os AINHs não seletivos devem - Analgesia local: AINHs tópicos em forma de gel ou
ter seu uso associado aos inibidores da bomba de prótons, capsaicina, um agente à base de pimenta que age pela
principalmente em indivíduos idosos, em tratamento pro- inibição da substância P, podem ser usados para anal-
longado e com maior risco de sangramento digestivo (uso gesia local em casos de osteoartrite de joelhos e mãos,
concomitante de anticoagulantes orais e história de úlce-
2 a 4 vezes ao dia.
ra gastrintestinal). Pacientes com hipertensão arterial mal
controlada e insuficiência renal não devem fazer uso de - Infiltrações intra-articulares:
AINHs continuamente. Evitar dose máxima e uso crônico e • Corticosteroides: podem ser muito úteis quando
sugerir uso de demanda. bem indicados, ou seja, nos com componente infla-
matório associado ou com derrame articular, para
Tabela 9 - Fatores de risco para efeitos adversos em trato gastrin-
testinal alto alívio da dor. O alívio pode durar alguns dias ou se
estender por meses. A infiltração com corticosteroi-
- Idade ≥65 anos;
des não deve ser repetida mais de 3 vezes por ano e
- Outras condições médicas;
deve ser considerada terapia adjuvante;
- Glicocorticoides orais;
• Ácido hialurônico: a infiltração com ácido hialurôni-
- História de úlcera péptica;
co é conhecida como viscossuplementação. Parece
- História de sangramento gastrintestinal;
ter melhor efeito em quadros de osteoartrite de jo-
- Anticoagulantes.
elho em estágios iniciais. É aplicado semanalmente
Fonte: Consenso Brasileiro para o Tratamento da Osteoartrite.
por 3 a 5 vezes.
c) Diacereína: indicada principalmente para osteoartrite
de mãos e joelhos, essa droga age inibindo a IL-1. Seu uso
C - Tratamento cirúrgico
deve ser contínuo e de demanda. Pode ser usada na dose Pacientes com prejuízo da vida diária e falha do trata-
de 50 a 100mg/dia. A resposta clínica é variável, mostrando mento conservador devem ser encaminhados ao ortope-
pacientes com ótima resposta e outros sem melhora apre- dista para avaliação. Podem ser realizados ostomias, des-
ciável. Um efeito colateral comum é a diarreia. bridamentos artroscópicos, artroplastias e artrodeses. A
d) Antimaláricos (hidroxicloroquina e difosfato de clo-
artroplastia total é muito efetiva para paciente com dor
roquina): são utilizados principalmente nos casos de OA
intensa e osteoartrite avançada de quadril ou joelho, mas
erosiva de mãos. As doses usuais são de 400mg/dia para
a hidroxicloroquina e 250mg/dia para o difosfato de cloro- não é tão indicada para outras articulações. O sucesso do
quina. Os pacientes devem ser orientados a fazer exame de tratamento cirúrgico depende não só do procedimento e
fundo de olho periódico (a cada 6 a 12 meses) com oftal- da técnica escolhida, mas também da prevenção de com-
mologista devido aos efeitos colaterais visuais decorrentes plicações e de tratamento fisioterápico adequado antes e
da deposição dessas drogas na retina. Geralmente, a ma- depois da cirurgia.

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REUMATO LOG I A

10. Resumo
Quadro-resumo
Osteoartrite
- Redução de espaço articular;
- Microfraturas na cartilagem;
- Fragmentos osteocartilaginosos soltos e cistos subcondrais;
- Inflamação leve;
- Esclerose óssea subcondral;
- Formação de osteófitos.
Fatores de risco
Figura 9 - Artroplastia de quadril - Idade crescente;
- Predisposição genética;
- Excesso de peso;
- Traumas e ocupação;
- Deformidades prévias;
- Fatores hormonais.
Processo inicial
- Irregularidades na rede de colágeno;
- Proteoglicanos;
- Desidratação da cartilagem;
- Irregularidade na distribuição e função dos condrócitos;
- Desequilíbrio entre formação e degradação da matriz;
- Matriz menos elástica e menos resistente.
Diagnóstico
- Clínico e radiográfico.
Tratamento
Figura 10 - Artroplastia de joelho
- Não farmacológico;
- Farmacológico: analgésicos, AINHs, diacereína, glicosamina/
Tabela 10 - Opções terapêuticas para a osteoartrite condroitina, antimaláricos;
- Educação do paciente; - Agentes tópicos;
Tratamento - Perda de peso: osteoartrite de joelhos;
- Infiltrações intra-articulares.
não farma- - Condicionamento aeróbico;
cológico - Fisioterapia individualizada; Núcleo Opções
- Terapia ocupacional. - Educação/acesso à informação; - Anti-inflamtório tópico/oral;
- Opioides;
- Analgésicos sistêmicos: não narcóticos e narcó- - Exercício de fortalecimento muscular;
- Treinamento aeróbico; - Costicosteroide;
ticos; - Perda ponderal; - Hialuronato;
- Redução de eventos mecânicos; - Dispositivos de assistência a marchar;
- Anti-Inflamatórios Não Hormonais (AINHs): não - Paracetamol. - Acupuntura;
seletivos e seletivos de COX2; - Termoterapia;
Tratamento - Eletroterapia;
- Diacereína; - Infiltrações;
farmacoló- - Cirurgia.
- Antimaláricos;
gico
- Sulfatos de glicosamina e condroitina;
- Agentes tópicos: analgesia local e infiltrações
intra-articulares com corticosteroides ou ácido
hialurônico.
- Artroplastias;
Tratamento - Ostomias;
cirúrgico - Debridamentos artroscópicos;
- Artrodeses.

8
CAPÍTULO

2
Artrite reumatoide
Rodrigo Antônio Brandão Neto / Ana Cristina de Medeiros Ribeiro /
Aleksander Snioka Prokopowistch / Hérica Cristiani Barra de Souza

1. Introdução ral. Aproximadamente, 10% dos pacientes com AR terão um


parente de 1º grau acometido. Gêmeos homozigóticos têm
A Artrite Reumatoide (AR) é uma doença inflamatória 4 vezes mais chance de desenvolver AR do que gêmeos he-
autoimune crônica e progressiva de causa indefinida cuja terozigóticos. Entretanto, a maioria dos pacientes com AR
manifestação principal é a sinovite persistente de grandes e não tem história familiar significativa. Os mais importantes
pequenas articulações periféricas, de forma simétrica, nos fatores genéticos envolvidos na AR estão relacionados aos
membros superiores e inferiores, devido ao comprometi- alelos do complexo principal de histocompatibilidade, MHC
mento inflamatório da membrana sinovial das articulações. ou HLA, principalmente alelos do HLA-DRB1 e HLA-DR4, que
A inflamação provoca dano à cartilagem e erosões ósseas, estão fortemente associados ao desenvolvimento de AR.
marca registrada da doença, comprometendo a integridade Mais recentemente, foi possível discriminar as sequências
articular, gerando consequentemente possíveis complica- de nucleotídeos dentro das variantes de alelos. Com isso,
ções e deformidades. Apesar de seu potencial destrutivo, o descobriu-se o “epítopo compartilhado” ou shared epitope,
curso da AR pode ser bastante variável. A evolução clínica uma sequência de aminoácidos na 3ª região hipervariável
pode variar de doença oligoarticular moderada com dura- da cadeia DR beta. A presença dessa sequência de amino-
ção curta e lesão articular mínima a poliartrite progressiva ácidos está fortemente associada a um aumento de susce-
irreversível com perda funcional acentuada. tibilidade para desenvolver AR e a uma maior gravidade da
doença. Genes fora do complexo HLA também contribuem
2. Epidemiologia para o desenvolvimento da doença. É possível que a AR es-
A AR é uma doença mundial e afeta todas as etnias, com teja relacionada com uma resposta a um agente infeccioso
prevalência de cerca de 0,5 a 1% da população, com predo- em um indivíduo geneticamente suscetível. Vários possíveis
mínio de acometimento em mulheres (2,5 a 3 vezes maior agentes são sugeridos, inclusive micoplasma, vírus Epstein-
do que em homens), aumentando com a idade. A diferença Barr (EBV), citomegalovírus, parvovírus e vírus da rubéola,
entre sexos diminui na faixa etária mais elevada. Em mulhe- mas ainda não há evidências convincentes. De todos os ga-
res, o início acontece durante a 4ª e a 6ª década de vida, tilhos ambientais potenciais, o único claramente associado
com 80% de todos os pacientes acometidos com idade en- ao desenvolvimento de AR é o tabagismo, o qual provoca
tre 35 e 50 anos, na fase tardia da menacme. Em homens, citrulinização de proteínas pulmonares, que seriam expos-
ocorre mais tardiamente, durante a 6ª e a 8ª década de tas e levariam à formação de anticorpos anticitrulina ou an-
vida. A AR causa aumento da mortalidade e é responsável tipeptídio C citrulinado, um anticorpo específico para AR e
por grande morbidade. Pelo fato de acometer indivíduos relacionado à gravidade da doença.
em idade produtiva para o trabalho e por potencialmente
causar danos articulares irreversíveis nestes, esta patologia 4. Patologia e patogenia
gera altos custos para estes pacientes e para a sociedade. As articulações são revestidas externamente pela cáp-
sula articular e internamente por uma membrana sinovial.
3. Etiologia Entre elas, há uma camada de tecido conectivo, com vasos
A causa da AR é desconhecida. Há uma predisposição e nervos. A membrana sinovial produz o líquido sinovial,
genética: a AR acomete 4 vezes mais os parentes de 1º que nutre e lubrifica a cartilagem articular, e contém fibro-
grau de outros pacientes com AR do que a população ge- blastos e macrófagos, que produzem citocinas. Lá, também

9
REUMATO LOG I A

chegam linfócitos e neutrófilos pelo sangue. Na AR, linfó- Tabela 1 - Principais citocinas envolvidas na patogênese da AR
citos T autorreativos chegam à articulação e produzem Citocina Fonte Ação
interferon-gama, que estimulam fibroblastos e macrófagos Ativação de células infla-
a produzir diversas citocinas pró-inflamatórias, como inter- Fator de necrose matórias, endoteliais e
leucina 1(IL-1), fator de necrose tumoral-alfa (TNF-alfa), in- Linfócitos, macró-
tumoral-alfa (TNF- apresentadoras de antíge-
fagos.
terleucina 6 (IL-6), prostaglandina E2 e metaloproteinases. -alfa). nos, aumento da toxicida-
A IL-1 e o TNF-alfa podem estimular sua própria produção e de de linfócitos.
autoperpetuar o processo. Como resultado desse processo Coestimulação de linfóci-
inflamatório, há congestão, edema, exsudação e hiperplasia tos, ativação de fagócitos,
Interleucina 1 Linfócitos, macró-
das células sinoviais. expressão de moléculas de
(IL-1). fagos, endotélio.
A produção local de citocinas parece responder por mui- adesão, produção de pros-
tas das manifestações clínicas da AR. O TNF-alfa, a IL-1 e taglandinas.
a IL-6 induzem direta e indiretamente respostas em vários Proliferação de linfócitos T,
Linfócitos T,
tipos celulares (Tabela 1). A IL-1 e o TNF-alfa estimulam fi- Interleucina 6 diferenciação de linfócitos
macrófagos,
broblastos e condrócitos locais a produzir enzimas proteo- (IL-6). B e síntese de proteínas de
endotélio.
líticas (colagenase e metaloproteinases), inibem a síntese fase aguda.
de novas moléculas da matriz e estimulam osteoclastos, Ativação de células infla-
promovendo desmineralização óssea por reabsorção. Com Interferon-gama. Linfócitos T. matórias, endoteliais e
a progressão da lesão, a sinóvia se espessa e avança para epiteliais.
o espaço articular através de projeções vilosas e invade
a cartilagem e o osso, constituindo o pannus (Figura 1), 5. Manifestações clínicas articulares
também composto por fibroblastos, pequenos vasos san-
Tabela 2 - Característica da doença articular na artrite reumatoide
guíneos e um número variável de células mononucleares.
Além disso, formam-se estruturas semelhantes a centros - Poliarticular;
germinativos de tecidos linfoides secundários, com plasmó- - Artrite em mãos e punhos – punhos, MCFs e IFPs;
citos produzindo imunoglobulina policlonal, inclusive Fator - Raro acometer IFDs – diferente de osteoartrite e artrite psori-
Reumatoide (FR). Os complexos imunes formados entram ática;
na circulação e levam a várias manifestações da doença, - Artrite cumulativa ou aditiva;
como a vasculite sistêmica. A IL-1, o TNF-alfa e a interleuci- - Rigidez matinal >1h.
na 6 (IL-6) são responsáveis por muitas das manifestações
sistêmicas da AR, como mal-estar, febre, emagrecimento e Caracteristicamente, a AR é uma doença crônica e pro-
fadiga. A IL-6 é responsável pelo aumento das proteínas de gressiva, classicamente com início insidioso, acompanha-
fase aguda (VHS/PCR). da de sintomas constitucionais inespecíficos como fadiga,
anorexia, fraqueza generalizada, perda de peso e febre
baixa. Inicialmente, os sintomas musculoesqueléticos são
vagos até o aparecimento da sinovite. Esse quadro prodrô-
mico pode persistir durante semanas ou meses e dificultar
o diagnóstico. Os sintomas específicos normalmente sur-
gem gradualmente em várias articulações, especialmente
mãos, punhos, joelhos e pés, de forma simétrica: artralgia
inflamatória, que é pior após longos períodos de repou-
so, com melhora ao movimento, edema e espessamento
articular, além de rigidez matinal prolongada (mais de 1
hora de duração). A rigidez matinal por mais de 1 hora de
duração é uma característica quase invariável de artrite
inflamatória e pode ser útil na distinção de outras pato-
logias não inflamatórias. Esse quadro típico ocorre em
cerca de 2/3 dos pacientes. Em cerca de 10% dos casos,
o quadro clínico inicial é mais agressivo, com o surgimen-
to rápido de poliartrite, comumente acompanhada por
sintomas constitucionais. Em aproximadamente 30% dos
pacientes, os sintomas podem ser limitados inicialmente
a 1 ou algumas articulações. O padrão simétrico é o mais
frequente, embora o padrão de envolvimento articular
Figura 1 - Pannus possa permanecer assimétrico em alguns pacientes. O pa-

10
A R T R I T E R E U M AT O I D E

drão clássico de acometimento articular na AR é o envol- Joelhos, quadris e ombros também podem ser aco-
vimento de grandes e pequenas articulações de membros metidos. O comprometimento costuma ser simétrico e
inferiores e superiores, de forma simétrica, acometendo afetar cada articulação como um todo, em toda a su-
caracteristicamente pequenas articulações das mãos, as perfície articular. Nos joelhos, isso ajuda a diferenciar
metatarsofalangianas (MTFs), punhos, joelhos, cotovelos, a AR (em que os compartimentos medial e lateral são

REUMATOLOGIA
tornozelos, quadris e ombros, geralmente nessa ordem igual e gravemente acometidos) da osteoartrite (em que
de aparecimento (pequenas para grandes). O tratamento preferencialmente 1 dos compartimentos é atingido). O
instituído precocemente pode limitar o número de articu- joelho desenvolve hipertrofia sinovial, derrame articular
lações acometidas. crônico e frouxidão ligamentar. Herniação posterior da
As mãos são o principal local de acometimento na membrana sinovial através da cápsula articular forma um
grande maioria dos pacientes. Esse acometimento é mais cisto poplíteo (cisto de Baker), que pode levar a sensa-
habitual em punhos, articulações metacarpofalangianas ção de plenitude, dor e compressão de estruturas poplí-
(MCFs) e interfalangianas proximais (IFPs). As interfalangia- teas. Seu rompimento provoca inflamação, com edema e
nas distais (IFDs) geralmente são poupadas, o que ajuda a muita dor na perna, podendo simular tromboflebite ou
distinguir a AR da osteoartrite e da artrite psoriásica, em trombose venosa profunda. O diagnóstico diferencial é
que as IFDs podem ser acometidas. A dor e o edema nessas feito pelo ultrassom Doppler da região, que afasta trom-
articulações causam limitação funcional, com menor uso bose venosa e mostra o cisto roto com grande edema de
das mãos, levando à atrofia de músculos interósseos e ao partes moles.
achado clássico de alargamento de punhos com atrofia de Virtualmente, qualquer articulação sinovial pode ser
interósseos. O envolvimento das MCFs pode provocar dor atingida, como as articulações temporomandibulares
e edema difuso nessas articulações, mas quadros mais ini- (ATM), esternoclaviculares e cricoaritenoides, que podem
ciais podem ser percebidos apenas pela compressão latero- ser acometidas menos frequentemente, sobretudo em
lateral (teste de squeeze) da 2ª à 5ª MCFs, desencadeando casos de doença de longa duração. O envolvimento das
dor. Anéis que não passam pelas IFPs são uma queixa fre- cricoaritenoides pode provocar sensação de plenitude na
quente pelo edema. garganta, rouquidão ou até obstrução respiratória extrato-
À medida que a doença evolui, as articulações sofrem rácica.
desvios característicos, como o desvio ulnar das MCFs e o
Na coluna, o acometimento geralmente é cervical alto e,
desvio radial e posteriormente volar do punho. Nos quiro-
na maioria dos casos, assintomático, diferente das espondi-
dáctilos, podem ocorrer ainda deformidades “em pescoço
loartrites, que podem acometer toda a coluna, com dor es-
de cisne” (swan neck), com hiperextensão da IFP e flexão da
pinhal inflamatória (sobretudo lombar). Em pacientes com
IFD (Figura 3), dedos “em botoeira” (Figura 6) (boutonnière)
doença de longa duração, pode ocorrer subluxação atlanto-
por hiperextensão da MCF e flexão da IFP, e polegar “em
axial (desvio entre a 1ª e a 2ª vértebras cervicais), que pode
Z”, pela subluxação da 1ª MCF e IF (Figura 3). Inicialmente,
levar a compressão medular, com dor, parestesias e perda
a articulação pode estar desviada reversivelmente, apenas
de força nos membros, até tetraplegia.
pela subluxação articular (articulação de Jaccoud), mas a
invasão do pannus costuma provocar limitações e desvios Dor e disfunção também podem ser causadas por com-
articulares fixos. pressão de nervos periféricos em áreas de sinovite. O local
O acometimento dos cotovelos, com sinovite dessa ar- mais comum é o punho, desenvolvendo síndrome do túnel
ticulação, pode ser precoce e levar à contratura em flexão do carpo (compressão do nervo mediano), com pareste-
dos cotovelos. sias na face palmar das mãos, poupando o lado medial do
Nos pés, as articulações mais acometidas são as MTFs. 4ª e o 5ª quirodáctilos, mas pode ocorrer compressão do
A avaliação de edema nesse local é difícil, mas o teste de nervo ulnar (síndrome do canal de Guyon) e do túnel do
squeeze (compressão laterolateral conjunta de todas as tarso.
MTFs) ajuda muito ao desencadear dor. A progressão do Tenossinovites, com inflamação dos tendões e suas
acometimento dessas articulações pode provocar sublu- bainhas sinoviais são comuns também nas mãos, principal-
xação plantar das cabeças dos metatarsos, alargamento do mente no dorso, e podem ser um achado inicial. A persis-
antepé, hálux valgo, desvio lateral e subluxação dorsal dos tência da inflamação pode levar a roturas de tendões com
dedos do pé. Isso é causa de grande incômodo por provocar grande perda funcional.
úlceras plantares nos pés e dorsais nos dedos encurvados. Cistos sinoviais podem ocorrer perto de qualquer arti-
Artrite de tornozelos e de articulações subtalares também culação acometida, por herniação da membrana sinovial
pode ocorrer e produzir dor intensa ao deambular. A ever- através da cápsula articular sob pressão de líquido sinovial
são de tornozelos por fraqueza de tibiais posteriores é co- e deformidades que alteram os vetores articulares, como
mum. E as erosões radiográficas são vistas mais precoce- acontece principalmente no dorso dos punhos e mãos e, no
mente nos pés que nas mãos. joelho, no caso do cisto de Baker.

11
REUMATO LOG I A

da mão em aspecto de “dorso de camelo”

Figura 2 - Sinovite (inflamação) da articulação IFP do 4º quirodác-


tilo direito em paciente com artrite reumatoide (dedo “em fuso”)

Figura 5 - Deformidade em extensão das IFPs e em flexão das IFDs,


caracterizando dedos “em pescoço de cisne” em paciente com ar-
trite reumatoide: notar aumento de volume das MCFs

Figura 6 - Deformidade “em botoeira”

Figura 3 - Mão reumatoide: observar a atrofia de musculatura in-


teróssea, dedos “em pescoço de cisne” (3º a 5º) e espessamento
sinovial de MTFs e punho

Figura 4 - Mão reumatoide: observar atrofia de musculatura inte- Figura 7 - Nódulos reumatoides em superfície extensora proximal
róssea, presença de cisto sinovial em dorso de mão direita, dorso do antebraço

12
A R T R I T E R E U M AT O I D E

Tabela 3 - Principais manifestações articulares/justa-articulares da AR 6. Manifestações extra-articulares


- Início insidioso;
O acometimento das estruturas extra-articulares ocorre
- Sintomas constitucionais inespecíficos: fadi- a uma frequência significativa, principalmente em pacien-
ga, anorexia, fraqueza generalizada, perda tes com fator reumatoide positivo, anti-CCP positivo, HLA
de peso;

REUMATOLOGIA
classe II DRB1 e com nódulos reumatoides.
- Acometimento simétrico de grandes e pe- Nódulos reumatoides ocorrem em 30% das pessoas com
quenas articulações de membros inferiores
AR e são encontrados em estruturas periarticulares, em su-
e superiores;
Características perfícies extensoras ou outras áreas expostas à pressão me-
gerais - Artralgia inflamatória;
cânica. Também podem ocorrer em outras regiões, como
- Edema e espessamento articular (artrite); coração, pulmões, pleura, olhos e meninges. Locais comuns
- Rigidez matinal prolongada (>1h); incluem a bursa do olécrano, a face extensora proximal do
- 10% dos casos: quadro mais agressivo (surgi- antebraço, o tendão de Aquiles e o occípito. Variam em ta-
mento rápido de poliartrite); manho e consistência, são raramente sintomáticos, poden-
- 30% dos casos: sintomas limitados inicial- do infectar após trauma local, e ocorrem quase exclusiva-
mente a 1 ou algumas articulações. mente em pacientes com FR positivo. A avaliação do nódulo
Membros superiores em início de formação sugere que o processo inicial possa
Articulações mais frequentemente acometi- ser uma vasculite focal. O uso de metotrexato pode aumen-
das e achados de clínica ou exame físico: tar ou acelerar o desenvolvimento de nódulos reumatoides,
- Punhos (alargamento de punhos, desvio ra- provocando a síndrome de hipernodulose, que pode ocor-
dial e volar do punho); rer independentemente do bom controle articular.
- Articulações metacarpofalangianas: edema,
dor à compressão laterolateral (teste de
squeeze), desvio ulnar, polegar “em Z”, atro-
fia de interósseos;
- Interfalangianas proximais: edema, desvios
fixos (dedos “em botoeira”, deformidade “em
pescoço de cisne” e polegar “em Z”), defor-
midades não fixas (articulação de Jaccoud);
Acometimento - Cotovelos (edema e contratura em flexão dos
de articulações cotovelos);
periféricas - Ombros.
Membros inferiores
Articulações mais acometidas:
- Metatarsofalangianas (teste de squeeze desen-
cadeia dor; deformidades: subluxação plantar
das cabeças dos metatarsos, alargamento do
antepé, hálux valgo, desvio lateral e subluxação
dorsal dos dedos do pé, úlceras plantares nos
pés e dorsais nos dedos encurvados);
- Tornozelos e articulações subtalares (eversão
de tornozelos);
- Joelhos (derrame articular crônico, frouxidão
ligamentar, cisto de Baker);
- Quadris também podem ser acometidos. Figura 8 - Nódulos reumatoides e seus sítios comuns
- Artrite de temporomandibulares (ATM), ester-
noclaviculares e cricoaritenoides;
A vasculite reumatoide pode afetar qualquer órgão, sen-
- Acometimento cervical alto (subluxação atlan- do comumente vista em pacientes com AR grave e títulos
toaxial, que pode levar a compressão medu- elevados de FR. Pode ser de pequenos vasos, tipo leucoci-
lar);
Outras formas toclástica, ou de médio calibre. As formas mais agressivas
- Compressão de nervos periféricos em áreas de se manifestam como polineuropatia, mononeurite múlti-
de acometi-
sinovite (síndrome do túnel do carpo e do túnel
mento pla, úlceras cutâneas (Figura 9), necrose dérmica, gangre-
do tarso, compressão do nervo ulnar);
na digital (Figura 10) e infarto visceral (isquemias miocár-
- Tenossinovites (podem provocar roturas de dica, pulmonar, intestinal, hepática, esplênica, pancreática
tendões);
e testicular, que são raras). As formas mais frequentes de
- Cistos sinoviais (dorso dos punhos e mãos e no apresentação são pequenas manchas acastanhadas ungue-
joelho).
ais e periungueais e nas polpas digitais das mãos, além de

13
REUMATO LOG I A

grandes úlceras isquêmicas, principalmente nos membros


inferiores (Figura 11).
As manifestações pleuropulmonares são mais comuns
em homens e acontecem na forma de pleurite, fibrose in-
tersticial, nódulos pleuropulmonares (Figura 12) e pneu-
monite. O derrame pleural apresenta níveis de glicose e
pH muito baixos, na ausência de infecção, sendo muitas
vezes confundido com empiema. A dosagem do comple-
mento no líquido também é baixa em relação à do plasma.
Na maioria dos casos, entretanto, são derrames muito pe-
quenos e assintomáticos. A fibrose pulmonar, na maioria
dos casos, provoca alterações pulmonares discretas e é
assintomática. Entretanto, pode determinar redução da
difusão pulmonar e causar dispneia, progredindo na to-
mografia de um padrão de vidro fosco para faveolamento.
Os nódulos pulmonares podem aparecer isoladamente ou
em grupos e evoluir com cavitação, que pode infectar, cal-
cificar ou produzir pneumotórax ou fístula broncopleural.
Pode ocorrer também a obstrução de via aérea superior
cricoaritenoide ou da laringe pelo surgimento de nódu-
los reumatoides ou pela própria artrite desta articulação,
podendo manifestar-se como dor para deglutir, disfonia
e, raramente, obstrução. A síndrome de Caplan aconte-
ce em pacientes com AR e pneumoconiose relacionada à
exposição a poeiras minerais (carvão, asbestos e sílica) e
se caracteriza pelo rápido desenvolvimento de múltiplos
nódulos basais periféricos em associação a leve obstrução
do fluxo aéreo. Essa síndrome pode complicar-se com o
desenvolvimento de fibrose progressiva.
Figuras 11 - Vasculite evoluindo com úlcera em membro inferior
(pré-debridamento e pós-debridamento)

Figura 9 - Vasculite digital com úlceras cutâneas

Figura 10 - Vasculite de polpa digital evoluindo para gangrena Figura 12 - Nódulos pulmonares em paciente com artrite reumatoide

14
A R T R I T E R E U M AT O I D E

As manifestações cardíacas são comumente assinto- nes circulantes estão habitualmente presentes, e pode ser
máticas. A pericardite pode acometer mais de 50% dos pa- encontrado o consumo de complemento. Um aumento na
cientes, geralmente sem clínica. O líquido apresenta baixa incidência de linfoma não Hodgkin tem sido descrito nes-
concentração de glicose e baixo pH, sendo habitualmente te grupo de pacientes. Um grupo de pacientes pode apre-
associado a derrame pleural. Muito raramente, ocorrem sentar síndrome dos grandes linfócitos granulares (Large

REUMATOLOGIA
tamponamento cardíaco e pericardite constritiva. Nódulos Granular Lymphocyte – LGL), em que a neutropenia se asso-
reumatoides podem acometer miocárdio, sistema de con- cia à presença de grandes linfócitos granulares, que podem
dução (com bloqueios) e valvas cardíacas. Aortite envolven- ser confundidos ao hemograma com monocitose. Acredita-
do segmentos da aorta tem sido descrita associada à insu- se que essa síndrome seja uma leucemia de células T, mas
ficiência aórtica, dilatação e ruptura de aneurisma. Apesar com bom prognóstico no contexto da AR.
de manifestações diretamente relacionadas à AR não serem
Tabela 4 - Outras manifestações da AR
clinicamente comuns, a doença vascular, principalmente
doença coronariana, é responsável por grande morbimor- Hematológicas
talidade nesse grupo de pacientes, devendo ser diagnosti- - Anemia;
cada e tratada precoce e adequadamente. - Neutrofilia;
As manifestações renais e doença glomerular são extre- - Trombocitose;
mamente raras na AR. Proteinúria pode se desenvolver se- - Síndrome Felty.
cundária ao uso de medicamentos ou por amiloidose. Neurológicas
Quanto às manifestações neurológicas, a AR tende a
- Síndrome do túnel do carpo;
poupar o SNC. No entanto, pode haver mononeurite múl-
- Mononeurite multiplex;
tipla por vasculite, compressão de nervos periféricos como
o nervo mediano (síndrome do túnel do carpo) por sinovite - Neuropatias periféricas.
ou deformidades e acometimento de raízes ou compressão Pulmonares
medular devido à instabilidade da coluna cervical. - Efusões pleurais;
O acometimento ocular é comum. A manifestação mais - Doença pulmonar intersticial;
frequente é a ceratoconjuntivite seca (síndrome de Sjögren - Bronquiolite obliterante.
secundária), observada em cerca de 15% dos pacientes. Cardíacas
Ocasionalmente, ocorrem uveíte e mesmo episclerite, que
- Pericardite;
eventualmente perfura a esclera (escleromalácia perfuran-
te – Figura 13). - Vasculite coronariana (rara).
Cutâneas
- Nódulo reumatoide;
- Vasculite periférica;
- Úlceras em pernas;
- Alopecia.
Oculares
- Xeroftalmia;
- Esclerite;
- Episclerite.
Outras
- Boca seca;
- Osteoporose;
- Perda de massa muscular.
Figura 13 - Escleromalácia perfurante em paciente com AR

A manifestação hematológica mais comum é a ane- Tabela 5 - Principais manifestações extra-articulares da AR


mia de doença crônica, associada à atividade de doença. - Ocorrem em 30% dos casos;
A síndrome de Felty, uma rara manifestação, é descrita - São encontrados mais frequentemente em
como a associação de AR, esplenomegalia e neutropenia. estruturas periarticulares e em superfícies
Hepatomegalia, plaquetopenia, linfadenomegalia, calafrios, Nódulos reu- extensoras;
úlceras de pernas de difícil cicatrização e infecções bacte- matoides - Ocorrem quase exclusivamente em pacientes
rianas de repetição comumente estão associados. É mais com FR positivo;
comum em indivíduos com doença de longa evolução e que - Podem paradoxalmente aumentar pelo uso
apresentam títulos elevados de FR, nódulos subcutâneos de metotrexato.
e outras manifestações sistêmicas da AR. Complexos imu-

15
REUMATO LOG I A

- Ocorre principalmente em pacientes com AR - A mais comum é a anemia de doença crônica,


grave e títulos elevados de FR; associada à atividade de doença;
- Formas de apresentação: manchas castanhas - Síndrome de Felty (rara): associação de AR, es-
Vasculite reu-
periungueais e úlceras cutâneas em membros plenomegalia e neutropenia. Hepatomegalia,
matoide
inferiores (mais comuns), polineuropatia, mo- plaquetopenia, linfadenomegalia, calafrios e
noneurite múltipla, necrose dérmica, gangre- úlceras de pernas de difícil cicatrização com
na digital e, mais raramente, infarto visceral. infecções bacterianas de repetição comu-
- Mais frequentes em homens; mente estão associados. É mais comum em
Manifestações
doença de longa evolução, com FR em títulos
- Podem manifestar-se como pleurite, fibrose hematológicas
elevados, nódulos subcutâneos e outras ma-
intersticial, nódulos pleuropulmonares e pneu-
nifestações sistêmicas da AR;
monite;
- Aumento na incidência de linfoma não Hodgkin;
- O derrame pleural tem níveis de glicose e pH
- Síndrome dos grandes linfócitos granulares
muito baixos e geralmente são muito pequenos
(LGL): neutropenia associada à presença de
e assintomáticos;
Manifestações grandes linfócitos granulares, simulando mo-
pleuropulmo- - Fibrose pulmonar: é geralmente assintomática, nocitose. É uma leucemia de células T, com
nares mas pode haver dispneia; bom prognóstico no contexto da AR.
- Nódulos pulmonares, isolados ou não, podem
cavitar, infectar, calcificar ou provocar pneumo- 7. Achados laboratoriais
tórax ou fístula broncopleural;
Não existe marcador diagnóstico específico para AR. O
- Síndrome de Caplan: nodulose pulmonar com Fator Reumatoide (FR) (imunoglobulina M contra a fração Fc
obstrução do fluxo aéreo e fibrose progressiva,
da imunoglobulina G) é achado em mais de 85% dos pacien-
em paci entes com AR e pneumoconiose (por
tes com a doença, na forma estabelecida. A presença de FR
carvão, asbestos e sílica).
não é específica para AR e é encontrada em 5% das pesso-
- Pericardite é comum, mas costuma ser assin- as saudáveis, aumentando a sua frequência com o avançar
tomática. O líquido pericárdico tem baixa con- da idade (10 a 20% de indivíduos acima de 65 anos). Além
centração de glicose e baixo pH, geralmente disso, outras doenças crônicas com estimulação persistente
associado a derrame pleural. Tamponamento do sistema imunológico são associadas à presença do FR:
cardíaco e pericardite constritiva são muito
LES, síndrome de Sjögren (maiores títulos encontrados), he-
raros;
patopatia crônica, sarcoidose, fibrose pulmonar intersticial,
- Nódulos reumatoides podem ocorrer no mio- mononucleose infecciosa, hepatite B, tuberculose, hansení-
Manifestações cárdio, sistema de condução e valvas cardía-
cardíacas ase, sífilis, endocardite bacteriana subaguda, leishmaniose
cas; visceral, esquistossomose, malária e crioglobulinemia.
- Aortite pode provocar insuficiência aórtica, O FR pode surgir transitoriamente em indivíduos normais
dilatação e ruptura de aneurisma; depois de vacinação ou transfusão e ser achado em parentes
- Doença coronariana é responsável por grande de indivíduos com AR. Sua presença não estabelece o diag-
morbimortalidade nesse grupo de pacientes, nóstico de AR e tem baixo valor preditivo para o diagnóstico.
devendo ser diagnosticada e tratada precoce Menos de 1/3 de pacientes com FR positivo terá o diagnós-
e adequadamente. tico de AR. A presença de FR pode ter significado prognósti-
- Extremamente raras na AR; co, pois pacientes com títulos elevados tendem a ter doença
Manifestações articular mais grave e progressiva, associada a manifestações
renais - Proteinúria pode se desenvolver secundária
extra-articulares, principalmente nódulos ou vasculite.
ao uso de medicamentos ou por amiloidose.
Em pacientes com artrite inicial (menos de 6 a 12 meses
- Geralmente, poupa o SNC; de sintomas), a positividade do FR é mais baixa (40 a 50%),
- Pode ocorrer: mononeurite múltipla por tendo valor diagnóstico ainda mais limitado.
Manifestações vasculite, compressão do nervo mediano Os anticorpos contra peptídio citrulinado cíclico (anti-
neurológicas (síndrome do túnel do carpo) por sinovite -CCP) apresentam sensibilidade de 70 a 75% e especificida-
ou deformidade dos punhos, compressão de de de 95%. Seu custo é alto, e a indicação é esclarecer qua-
raízes nervosas ou compressão medular de- dros sugestivos de AR inicial, ainda sem erosão ou doença
vido à instabilidade da coluna cervical. estabelecida ou para diagnóstico de pacientes com FR nega-
- É comum; tivo. Nenhum exame laboratorial é patognomônico de AR.
Acometimento - Manifestação mais comum: a ceratoconjunti- Outros anticorpos inespecíficos podem estar presentes,
ocular vite seca (síndrome de Sjögren secundária); como o FAN (fator antinúcleo) e o ANCA (anticorpo anticito-
plasma de neutrófilo, particularmente com padrão perinu-
- Outras manifestações: uveíte, episclerite.
clear – p-ANCA), ambos em 30% dos casos.

16
A R T R I T E R E U M AT O I D E

A anemia normocrômica normocítica é frequente na - Presença de anticorpos inespecíficos em 30%


doença ativa, refletindo eritropoese inefetiva. Em geral, a dos casos: FAN (fator antinúcleo) e p-ANCA
anemia e a plaquetose se correlacionam com atividade. A li- (anticorpo anticitoplasma de neutrófilo, par-
nhagem branca geralmente não se altera, mas pode ocorrer ticularmente com padrão perinuclear);
discreta leucocitose; a leucopenia remete ao diagnóstico da - Anemia de doença crônica e plaquetose se

REUMATOLOGIA
síndrome de Felty. Eosinofilia pode refletir doença sistêmica correlacionam com atividade de doença;
grave. Outros achados
- Leucopenia remete ao diagnóstico da síndro-
A velocidade de hemossedimentação (VHS) é aumenta- me de Felty ou toxicidade medicamentosa;
da em quase todos os pacientes com AR ativa. A proteína - Eosinofilia pode refletir doença sistêmica
de fase aguda PCR (Proteína C Reativa) também fica acen- grave;
tuadamente elevada, geralmente correlacionada com ativi- - VHS e PCR ficam elevadas durante atividade
dade da doença e a probabilidade de lesão articular pro- da doença.
gressiva.
O complemento (CH100, C3 e C4) costuma estar eleva- 8. Avaliação radiológica
do, exceto nos casos de vasculite, em que se encontra con-
sumido, com presença de imunocomplexos circulantes. Nenhum exame radiográfico é patognomônico de AR. O
A análise do líquido sinovial confirma a presença de ar- raio x convencional é o método mais utilizado na avaliação
trite inflamatória, porém não é um resultado específico. O por imagem do dano estrutural articular na AR. Os sinais
líquido é normalmente turvo, com viscosidade reduzida, radiográficos mais precoces são o edema de partes moles, a
proteínas aumentadas e redução discreta da glicose em osteopenia justa-articular (critério radiográfico da doença)
relação à glicemia sérica. A contagem de leucócitos varia e os cistos subcondrais em articulações classicamente en-
entre 5 e 50.000 células/mL, com predomínio de polimorfo- volvidas na AR. A perda de cartilagem articular (redução do
nucleares. Uma contagem acima de 2.000 células/mL com espaço articular) e erosões ósseas (outro critério radiográfico
mais de 75% de polimorfonucleares é altamente caracterís- da doença) se desenvolvem depois de meses de atividade
tica de artrite inflamatória, embora não diagnóstica de AR. contínua. As erosões acontecem como soluções de conti-
nuidade na superfície articular e devem ser pesquisadas nas
Tabela 6 - Principais achados laboratoriais da AR articulações tradicionalmente acometidas das mãos e dos
- É uma imunoglobulina M contra a fração Fc pés. As alterações radiológicas nos pés costumam ser mais
da imunoglobulina G; precoces que as das mãos. Com a evolução da doença, ocor-
- Achado em mais de 85% dos pacientes com re artrose secundária, com perda acentuada e simétrica do
a doença estabelecida e em 40 a 50% de pa- espaço articular e intensa esclerose subcondral. Os desvios
cientes com AR inicial; ósseos e as subluxações ficam aparentes, e pode haver gran-
- Não é específico (pode ocorrer em pessoas de destruição óssea subcondral (Figuras 14, 15 e 16).
saudáveis, após vacinação ou transfusão, A ultrassonografia e a ressonância magnética possuem
em parentes de indivíduos com AR) e outras maior sensibilidade na detecção do dano estrutural arti-
doenças: LES, síndrome de Sjögren, hepa- cular, porém fatores econômicos ainda hoje limitam o uso
Fator topatia crônica, sarcoidose, fibrose pulmo- desses métodos na prática clínica.
Reumatoide (FR) nar intersticial, mononucleose infecciosa,
hepatite B, tuberculose, hanseníase, sífilis,
endocardite bacteriana subaguda, leishma-
niose visceral, esquistossomose, malária e
crioglobulinemia;
- Não estabelece o diagnóstico de AR: tem
baixo valor preditivo positivo;
- Valor prognóstico: doença articular mais
grave e progressiva, manifestações extra-
-articulares, como nódulos ou vasculite.
- Apresentam sensibilidade de 65 a 80% e es-
pecificidade de 95%;
Anticorpos - Custo elevado;
contra - Principal indicação: esclarecer quadros su-
peptídio citru- gestivos de AR inicial, ainda sem erosão ou
linado cíclico doença estabelecida. Nenhum exame labo- Figura 14 - Joelho em portador de artrite reumatoide: observar a
(anti-CCP) ratorial é patognomônico de AR; redução acentuada do espaço articular, de forma simétrica (envol-
- Valor prognóstico: associação a gravidade e vendo os 2 compartimentos), com muita esclerose subcondral e
manifestações extra-articulares da doença. irregularidades na superfície da articulação

17
REUMATO LOG I A

A avaliação radiológica permite determinar a extensão a doença apresenta as características típicas em 1 a 2 anos
da destruição de cartilagens e da erosão óssea produzida após seu início. O quadro típico de poliartrite inflamatória
pela doença (particularmente, quando se tenta estimar a simétrica que envolve pequenas e grandes articulações em
agressividade da doença), monitorar o impacto da terapia extremidades superiores e inferiores é sugestivo do diagnós-
com drogas modificadoras da doença e definir o momen-
tico. Características constitucionais indicativas da natureza
to da intervenção cirúrgica. Outras avaliações, como a ul-
trassonografia e a RNM, são capazes de detectar alterações inflamatória da doença, como rigidez matinal, reafirmam a
mais precocemente que a radiografia e podem ser indica- suspeita. Nódulos subcutâneos são achados diagnósticos
das em casos iniciais da AR, em que há dúvida diagnóstica, importantes. Associados a esses fatores, a presença do FR e
sobre a agressividade da doença e a necessidade de pro- os achados radiológicos de desmineralização justa-articular
gressão terapêutica ou sobre atividade residual de doença e erosões ósseas sugerem fortemente o diagnóstico.
em paciente em remissão clínica em que se planeja reduzir O diagnóstico precoce é mais difícil quando somente
o esquema terapêutico. sintomas constitucionais, artralgias intermitentes ou artrite
com distribuição assimétrica e oligoarticular estão presen-
tes. Em casos iniciais, se erosão e com dúvida diagnóstica, a
dosagem do anti-CCP tem valor diagnóstico. O achado iso-
lado de um teste positivo para FR ou VHS elevado, especial-
mente em idosos com artralgia, não deve ser usado como
evidência de AR.
Os critérios de 1987, do Colégio Americano de
Reumatologia (Tabela 7), demonstram uma sensibilidade
de 91 a 94% e uma especificidade de 89% quando usados
para diferenciar os pacientes portadores de AR de outras
doenças reumáticas. Porém, a ausência desses critérios,
Figura 15 - Mão reumatoide: desvio ulnar das MCFs direitas, redu- principalmente no início da doença, não exclui o diagnósti-
ção dos espaços articulares em punhos, MCFs e IFPs, subluxação co, e são necessários 4 de 7 critérios para defini-lo. Porém
de IFP (polegar “em Z”); as IFDs são poupadas estes critérios não eram adequados para detecção de AR
inicial, logo se fez necessária em 2010 a revisão de tais cri-
térios pelo ACR/EULAR (Tabela 8). Estes não são critérios
diagnósticos e sim classificatórios.

Tabela 7 - Critérios de classificação para artrite reumatoide (ACR-


1987)
Rigidez articular com duração mínima de 1
Rigidez matinal
hora por ao menos 6 semanas.
Ao menos, 3 regiões articulares acometidas
simultaneamente, observadas por um médi-
co, com edema, espessamento ou derrame
Artrite de 3 ou
articular e não apenas crescimento ósseo.
mais articula-
As 14 possíveis regiões articulares esquerdas
ções
ou direitas envolvidas são as IFPs, MCFs, pu-
nhos, cotovelos, joelhos, tornozelos e MTFs,
por pelo menos 6 semanas.
Artrite de punho, de MCF ou de IFG proximal,
Figura 16 - Radiografia de mão direita mostrando osteopenia Artrite em mãos
por pelo menos 6 semanas.
justa-articular em metacarpofalangianas com erosão no dedo in- Envolvimento simultâneo das mesmas articu-
dicador (seta) Artrite simétrica lações em ambos os lados do corpo, por pelo
menos 6 semanas.
9. Diagnóstico Nódulos reuma-
Nódulos subcutâneos em proeminências ós-
seas, face extensora muscular ou regiões pe-
toides
Não existe achado patognomônico de AR. O diagnóstico riarticulares, observadas por um médico.
baseia-se nos achados clínicos, laboratoriais e radiográficos Fator reuma-
Títulos alterados de FR.
e na exclusão de outras doenças. Na maioria dos pacientes, toide

18
A R T R I T E R E U M AT O I D E

Alterações típicas em radiografia de mãos e Tabela 9 - Diagnóstico diferencial das artrites


Alterações radio- punhos incluem rarefações e erosões ósseas Grupos de do- Doenças
lógicas localizadas na área articular acometida ou enças
em regiões adjacentes.
- Virais (por exemplo, dengue, HIV, parvovírus,

REUMATOLOGIA
Tabela 8 - Critérios classificatórios para AR 2010 ACR/EULAR citomegalovírus, vírus da hepatite);
População-alvo (quem deve ser escolhido?) - Bacterianas (por exemplo, N. gonorrhoeae,
Infecções S. aureus);
- Paciente com pelo menos 1 articulação com sinovite clínica de-
finida (edema)*; - Micobacterianas;
- Sinovite que não seja mais bem explicada por outra doença. - Fúngicas;
Acometimento articular (0 a 5) - Outras.
1 grande articulação 0 - Artrites reativas (Chlamydia, Salmonella,
Shigella, Yersinia);
2 a 10 grandes articulações 1 Espondiloar-
- Espondilite anquilosante;
1 a 3 pequenas articulações (grandes não contadas) 2 trites
- Artrite psoriásica;
4 a 10 pequenas articulações (grandes não contadas) 3
- Artrites enteropáticas.
>10 articulações (pelo menos 1 pequena) 5 - Lúpus eritematoso sistêmico;
Sorologia (0 a 3) - Polimiosite/dermatomiosite;
FR negativo E ACPA negativo 0 - Esclerose sistêmica;
FR positivo ou ACPA positivo em baixos títulos 2 Doenças reumá- - Síndrome de Sjögren;
FR positivo ou ACPA positivo em altos títulos 3 ticas sistêmicas - Doença de Behçet;
Duração dos sintomas (0 a 1) - Polimialgia reumática;
<6 semanas 0 - Vasculites sistêmicas;

≥6 semanas 1 - Outras.
- Gota;
Provas de atividade inflamatória (0 a 1) Artrites micro-
- Doenças por depósito de cristal de pirofosfa-
PCR normal e VHS normal 0 cristalinas
to de cálcio ou outros.
PCR anormal ou VHS anormal 1 - Hipotireoidismo;
Doenças endó-
Pontuação ≥6 é necessária para classificação definitiva de um crinas - Hipertireoidismo.
paciente como AR.
- Doença neoplásica metastática;
* Os diagnósticos diferenciais podem incluir condições tais como
Doenças neo- - Linfoma;
lúpus eritematoso sistêmico, artrite psoriática e gota. Se houver
plásicas - Síndromes paraneoplásicas;
dúvidas quanto aos diagnósticos diferenciais relevantes, um reu-
matologista deve ser consultado. - Outras.
Fonte: Consenso da Sociedade Brasileira de Reumatologia 2011 - Osteoartrite;
para o diagnóstico e avaliação inicial da artrite reumatoide.
- Hemocromatose;
- Amiloidose;
Outras
10. Diagnóstico diferencial - Sarcoidose;
- Doença do soro;
O diagnóstico diferencial da AR inclui osteoartrite (sem - Angioedema.
componente inflamatório intenso, acomete IFDs), artrite Fonte: Consenso da Sociedade Brasileira de Reumatologia 2011
reativa (oligoartrite predominante de membros inferiores, para o diagnóstico e avaliação inicial da artrite reumatoide.
com entesites, dactilites e envolvimento inflamatório axial),
artrite psoriásica (pode assemelhar-se muito à AR, princi- Tabela 10 - Principais diagnósticos diferenciais da AR
palmente se tiver o mesmo padrão de distribuição – pode - Geralmente, não tem componente inflama-
acometer esqueleto axial e IFDs e, na maioria dos casos, Osteoartrite tório intenso;
tem FR negativo, na presença de lesão cutânea típica de
- Acomete articulações IFDs.
psoríase), gota tofácea, lúpus eritematoso sistêmico, sín-
- Oligoartrite predominante de membros in-
drome de Sjögren, pseudogota, polimialgia reumática etc.
feriores;
Síndromes virais podem causar artrite com 2 a 4 semanas Artrite reativa
de duração, como os vírus da hepatite C, B, HIV, EBV, CMV, - Presença de entesites, dactilites e envolvi-
parvovírus e rubéola. mento inflamatório axial.

19
REUMATO LOG I A

- A forma AR-símile tem o mesmo padrão de A expectativa de vida em pacientes com AR é diminuída
distribuição; em 3 a 7 anos. Esse aumento da taxa de mortalidade parece
- Pode acometer esqueleto axial e IFDs; ser limitado àqueles com acometimento articular mais gra-
Artrite psoriásica ve e pode ser atribuído em grande parte a eventos cardio-
- Na maioria dos casos, tem FR negativo;
vasculares, infecções pela imunossupressão e hemorragia
- Presença de lesão cutânea típica de psorí-
gastrintestinal.
ase.
- Gota tofácea; 12. Tratamento
- Lúpus eritematoso sistêmico;
As metas do tratamento da AR são o alívio da dor, re-
- Síndrome de Sjögren;
dução da inflamação, proteção das estruturas articulares,
Outros - Pseudogota; preservação articular e controle de envolvimento sistêmico.
- Polimialgia reumática; Nenhuma das intervenções terapêuticas é curativa.
- Síndromes virais causam artrite de curta du- O diagnóstico precoce e o início imediato do tratamento
ração (vírus da hepatite C, B, HIV, EBV, CMV, são fundamentais para o controle da atividade da doença,
parvovírus e rubéola). assim como também acaba por prevenir a incapacidade
funcional e lesões articulares irreversíveis, prejudicando na
É recomendável uma avaliação da atividade da doença (de qualidade de vida do paciente (a remissão completa é rara).
preferência, a cada 2 meses) até atingir um estado de remissão É necessário lembrar que compõe o tratamento uma in-
ou baixa atividade de doença. Reavaliações subsequentes fica- tervenção multidisciplinar; além disso, paciente e familiares
rão a critério (normalmente intervalos de cerca de 3 meses). devem ter conhecimento do que é e de como se trata a AR.
Os exames radiográficos de mãos, punhos e pés devem O tratamento, por sua vez, deve ser reavaliado, a fim de me-
ser repetidos anualmente, a critério clínico, a fim de avaliar lhor ajustar as opções mais efetivas e resolutivas.
a progressão ou não da doença. Sugere-se avaliação obje-
tiva da atividade da doença utilizando um dos índices com- A - Tratamento medicamentoso
postos de atividade clínica (SDAI, CDAI, DAS ou DAS 28).
a) Anti-Inflamatórios Não Hormonais (AINH): têm ação
analgésica e anti-inflamatória, mas não alteram o curso da
11. Evolução e prognóstico doença e não previnem a destruição articular. Não devem
O curso da AR é variável e difícil de ser predito individu- ser usados isoladamente no tratamento da AR. O uso con-
almente. A maior parte dos pacientes apresenta atividade tínuo e em dose máxima é indicado quando a AR está em
flutuante da doença, acompanhada por um grau variável franca atividade. Devem ser usados de demanda a casos
de anormalidades articulares e prejuízo funcional. Após 12 parcialmente controlados, com crises de dor esporádica.
anos do diagnóstico, menos de 20% dos pacientes não te- Quando a doença está em remissão (fora de atividade), seu
rão limitação funcional articular. Dentro de 10 anos, metade uso deve ser desaconselhado. Os AINHs agem com inibido-
dos pacientes terá limitações para o trabalho. Várias carac- res da cicloxigenase (COX), que têm 2 isoformas: COX-1 e
terísticas são relacionadas a pior prognóstico (Tabela 11). COX-2. A COX-1 é constitutiva e importante na síntese de
prostaglandinas responsáveis pela proteção antiácida da
Tabela 11 - Características associadas à maior progressão radio- mucosa gástrica. A COX-2 é a mais importante na síntese de
gráfica e pior prognóstico em pacientes com AR prostaglandinas que causam dor e inflamação. Há 2 tipos
- Sexo feminino; de AINHs: os não seletivos (diclofenaco, nimesulida, meloxi-
- Tabagismo; cam etc.), que agem sobre as 2 formas, tendo um maior ris-
- Fator reumatoide e/ou anti-CCP em títulos elevados;
co de sangramento/perfuração gastrintestinal (por úlceras
gástricas e duodenais), e os seletivos de COX2 (celecoxibe).
- Provas inflamatórias (velocidades de hemossedimentação e/ou
Não há superioridade de um tipo sobre o outro, nem efeito
proteína C reativa) persistentemente elevadas;
aditivo, e não se deve utilizar a combinação de AINHs. Os
- Grande número de articulações edemaciadas;
principais efeitos colaterais a serem monitorizados são hi-
- Presença de manifestações extra-articulares; pertensão arterial, piora da função renal, retenção hídrica,
- Atividade da doença elevada aferida por índices objetivos de hipercalemia (podem ocorrer com todos os tipos), sangra-
atividade da doença como DAS28 e suas variações, CDAI e SDAI; mento (que pode ser assintomático) ou algia gastrintesti-
- Presença de erosões precocemente na evolução da doença; nal. Certos AINHs seletivos de COX2 foram apontados como
- Epítopo compartilhado. responsáveis por aumentar o risco de eventos cardiovascu-
Anti-CCP: anticorpos antipeptídios citrulinados cíclicos; DAS28: ín- lares maiores, mas esse risco pode ser inerente a todos o
dice de atividade de doença (28 articulações); SDAI: índice simplifi- AINHs. Os AINHs não seletivos devem ter seu uso associado
cado de atividade de doença; CDAI: índice de atividade de doença. aos inibidores da bomba de prótons, principalmente em
Fonte: Consenso da Sociedade Brasileira de Reumatologia 2011 indivíduos idosos, em tratamento prolongado e com maior
para o diagnóstico e avaliação inicial da artrite reumatoide. risco de sangramento digestivo (uso concomitante de corti-

20
A R T R I T E R E U M AT O I D E

coide, muito comum na AR, anticoagulantes orais e história tes biológicos. Azatioprina e ciclosporina podem ser usados
de úlcera gastrointestinal). Pacientes com hipertensão ar- em situações especiais. Muitos estudos têm demonstrado o
terial mal-controlada e insuficiência renal não devem fazer controle dos sinais e sintomas, mudança no estado funcio-
uso de AINHs continuamente. Não há diferença de eficácia nal, qualidade de vida e retardo das erosões radiográficas
entre os diversos AINHs. com o uso destas drogas.

REUMATOLOGIA
b) Corticoides: utilizados em baixas doses no controle O benefício do tratamento com DMCD ocorre de sema-
da dor e do processo inflamatório enquanto se aguarda a nas a meses após o seu uso. Mais de 60% dos pacientes
ação das drogas modificadoras do curso da doença. Pode apresentam melhora significativa como resultado da tera-
ser necessário o uso contínuo, pois se acredita que previna pia com qualquer um desses agentes. Há também melhora
dano radiológico. O uso de corticoide intra-articular pode dos exames de atividade inflamatória (FR/VHS). O metotre-
promover alívio sintomático transitório em casos de mono xato emergiu como a DMCD de escolha como droga inicial
ou oligoartrites persistentes. E a pulsoterapia pode ser ne- por causa do seu início relativamente rápido de ação, da
cessária em caso de manifestações sistêmicas graves como sua capacidade de melhorar clinicamente o paciente e pela
vasculite. maior adesão ao tratamento. A toxicidade é possível com
c) Drogas Modificadoras do Curso da Doença (DMCD): quaisquer das DMCD, e o acompanhamento é necessário.
todos os pacientes com AR são candidatos ao uso de DMCD, A falta de resposta a um agente não exclui a troca por ou-
pois estas têm a capacidade de reduzir e prevenir o dano tro. Muitas vezes, é usada terapia combinada com mais de
articular, preservando a integridade e a função articulares. 1 DMCD para controle adequado da doença. São comuns as
O início das drogas modificadoras não deve ultrapassar associações de antimaláricos, sulfassalazina e metotrexato
3 meses após o diagnóstico de AR. As drogas modificadoras (tripla terapia), antimaláricos, leflunomida e metotrexato e
mais comumente utilizadas no tratamento da AR incluem agentes biológicos com metotrexato. O uso de ciclofosfami-
antimaláricos (difosfato de cloroquina, hidroxicloroquina), da injetável é limitado a casos sistêmicos graves e agudos,
sulfassalazina, metotrexato, leflunomida e os novos agen- como vasculites.

Tabela 12 - Drogas Modificadoras do Curso da Doença (DMCD)


DMCD Tempo médio para ação Dose usual Monitoramento
Exame oftalmológico inicial a cada 6 meses e
Hidroxicloroquina (A) 3 a 6 meses (VO) 6mg/kg/dia
leucograma
Exame oftalmológico inicial a cada 6 meses e
Difosfato de cloroquina (C) 3 a 6 meses (VO) 4mg/kg/dia
leucograma
Hemograma completo, provas hepáticas a
0,5 a 1g/dia, 2 a 3x/dia
Sulfassalazina (A) 1 a 3 meses (VO) cada 2 a 4 semanas (primeiros 3 meses); a se-
(aumento de 0,5g/semana)
guir a cada 3 meses
Hemograma completo, provas de função hepá-
7,5mg/semana até 25mg/
Metotrexato (A) 1 a 3 meses (VO, IM, SC) tica (AST, ALT), creatinina – a cada 30 dias (pri-
semana
meiros 6 meses); a seguir a cada 1 a 2 meses
Hemograma completo, provas de função he-
100mg/dia – 3 dias após, 10 a pática (AST, ALT), fosfatase alcalina – a cada 30
Leflunomida (A) 1 a 2 meses (VO)
20mg/dia dias (primeiros 6 meses); a seguir a cada 1 a
2 meses
Hemograma completo, provas de função he-
Azatioprina (A) 2 a 3 meses (VO) 1 a 2mg/kg/dia pática (AST, ALT), fosfatase alcalina – inicial-
mente a cada 2 semanas
2,5mg/kg/dia, até 4mg/kg/dia Pressão arterial e função renal (creatinina) ini-
Ciclosporina (A) 2 a 4 meses (VO)
em 2 tomadas ciais e a cada 2 semanas nos primeiros 3 meses
Fonte: Atualização do Consenso Brasileiro no Diagnóstico e Tratamento da Artrite Reumatoide, 2007.

- Antimaláricos: são a cloroquina e a hidroxicloroquina. precocemente pelos exames periódicos. Pode ocorrer
São contraindicados a pacientes que apresentem al- também depósito na pele de coloração acinzentada. A
terações retinianas ou de campo visual, devendo ser hidroxicloroquina tem menos efeitos de depósito que
realizados exames de fundo de olho a cada 6 meses o difosfato de cloroquina. Podem ser utilizados duran-
devido aos efeitos colaterais visuais decorrentes da te a gestação;
deposição dessas drogas na retina. Geralmente, a ma- - Metotrexato: é considerada a droga mais bem tolerada
culopatia por cloroquina é reversível se diagnosticada e o fármaco padrão no tratamento da AR. Bloqueia a

21
REUMATO LOG I A

progressão das lesões radiológicas e está contraindicada zante prévia do SNC, durante a gravidez, em pacientes
a pacientes com insuficiência renal, hepatopatias, etilis- com tumor sólido recente;
mo e supressão de medula óssea. Mulheres em idade - Rituximabe: é um agente biológico anti-CD20, um re-
fértil devem receber anticoncepção. Sua administração ceptor de linfócitos B. A droga age depletando linfóci-
deve estar feita semanalmente e ser associada ao uso tos B, que teriam efeito importante na AR (apresenta-
de ácido fólico para minimizar os efeitos colaterais; ção de antígenos, produção de anticorpos, incluindo o
- Sulfassalazina: está contraindicada a pacientes com fator reumatoide). É usada intravenosa, em ciclos de
alergia às sulfas, salicilatos e portadores de porfiria. 2 aplicações da droga. É aprovada no Brasil para casos
Muito utilizada em associação com metotrexato; refratários aos anti-TNF;
- Leflunomida: está contraindicada a casos de insufici- - Abatacepte: é um agente que impede a coestimulação
ência renal e hepatopatias. Os principais efeitos cola- entre linfócitos e células apresentadoras de antígenos,
terais são diarreia, intoxicação gastrintestinal, toxicida- enfraquecendo o estímulo imunológico e induzindo
de hepática e hematológica. Mulheres em idade fértil tolerância. Tem administração intravenosa mensal e é
devem receber anticoncepção; aprovado no Brasil para casos refratários a DMCDs e
- Azatioprina: os principais efeitos colaterais são leu- agentes anti-TNF;
copenia, intoxicação gastrintestinal, pancitopenia, au- - Tocilizumabe: é um anticorpo monoclonal que age
mento de transaminases e é mais usada em casos de contra o receptor da interleucina-6 (IL-6), bloqueando
lesões cutâneas ou sistêmicas associadas; os efeitos pró-inflamatórios dessa citocina, que tem
- Ciclosporina: está contraindicada a pacientes com al- importante papel na fisiopatologia da AR e em suas
teração da função renal e hipertensão e é mais usada manifestações extra-articulares. Tem administração
em casos de lesões cutâneas ou sistêmicas associa- intravenosa mensal e é aprovado no Brasil para ca-
das. sos que nunca receberam tratamento, refratários a
DMCDs e agentes anti-TNF.
As principais drogas e suas dosagens estão descritas na
Tabela 13. Tabela 13 - Drogas biológicas utilizadas no tratamento da AR no
Brasil
d) Agentes biológicos: após a melhor compreensão de Anticorpo monoclonal
sua fisiopatologia, novas drogas têm sido desenvolvidas 40mg SC a cada 14
Adalimumabe humano com ação anti-
dias
para tratamento da AR. Atualmente, há várias classes de -TNF-alfa
drogas biológicas usadas em AR: Proteína de fusão com
Etanercepte 50mg SC 1x/semana
- Agentes anti-TNF-alfa: o alvo é o TNF-alfa, citocina ação anti-TNF-alfa
pró-inflamatória francamente ligada à AR. Existem 3 Anticorpo monoclonal
drogas no mercado brasileiro hoje com ação anti-TNF- Golimumabe humano com ação anti- 50mg SC 1x/mês
-alfa: o infliximabe (um anticorpo monoclonal quimé- -TNF alfa
rico anti-TNF, de aplicação endovenosa), o etanercepte Anticorpo monoclonal 3 a 5mg/kg IV nas
(uma proteína de fusão entre um receptor solúvel que Infliximabe quimérico com ação semanas 0, 2, 6 e então
bloqueia o TNF e uma porção Fc de imunoglobulina, de anti-TNF-alfa a cada 6 a 8 semanas
uso subcutâneo), o adalimumabe (um anticorpo anti- Ciclos de tratamento
Anticorpo monoclonal
-TNF totalmente humano, também de uso subcutâneo) de 2g IV (1g nos dias 0
quimérico com ação
Rituximabe e 14), pode ser repeti-
e o Golimumabe (uso subcutâneo). São medicações de depletora de linfócito B
do, se resposta, a cada
alto custo, com resposta terapêutica rápida e mantida. maduro
6 meses
O principal efeito colateral desse grupo de agentes é
Proteína de fusão com 10mg/kg nas semanas
a maior suscetibilidade para infecções, tanto por ger- Abatacepte ação anticoestimulação 0, 2, 4 e de 4/4 sema-
mes comuns como por germes intracelulares atípicos de linfócito T nas
(tuberculose, infecções fúngicas, virais). Pelo risco de Anticorpo monoclonal
desencadearem tuberculose em pacientes com tuber- 8mg/kg a cada 4 se-
Tocilizumabe humano antirreceptor
manas
culose latente, deve-se verificar a história de contato de IL6
prévio e solicitar radiografia de tórax e pesquisa de
PPD. Pacientes com diagnóstico de tuberculose laten- Todos esses agentes biológicos são de alto custo.
te (raio x suspeito, PPD positivo >5mm ou história de Geralmente, estão indicados na falha da combinação de 1
contato) devem receber profilaxia com isoniazida por ou mais DMCDs tradicionais, sempre com MTX associado,
6 meses. Após 1 mês de profilaxia, a medicação anti- como a terapia tríplice (MTX, antimalárico e SSZ) ou a com-
-TNF já pode ser aplicada. Além das infecções, efeitos binação MTX e leflunomida. Seu uso costumeiramente deve
colaterais descritos são ICC, doença desmielinizante de ser associado ao MTX, por ter seu efeito potencializado por
SNC e maior risco de linfoma. Não podem ser usados ele, ou a outro DMCD. Não há indicação de uso concomitan-
em casos de ICC descompensada, doença desmielini- te de agentes biológicos pelo alto risco de infecções graves.

22
A R T R I T E R E U M AT O I D E

Fase I

Sem contraindicações ao Diagnóstico Contraindicações ao


metrotrexato clínico de artrite metrotrexato

REUMATOLOGIA
reumatoide

Combinar com Iniciar leflunomida, ouro


Iniciar o metotrexato + glicocorticoides em + intramuscular ou sulfasalasina
baixa ou alta dose em
curto prazo

Falha na fase I: Meta atingida


Não Sim Continuar
passar à fase II dentro de 3 a 6 meses

Fase II
Fatores de prognóstico
Falha ou falta de desfavorável ausentes
Fatores de prognóstico eficácia e/ou
desfavorável presentes toxicidade na fase I
como FR/AAPC,
especialmente em níveis
elevados, atividade da
doença muito elevada e
lesão articular precoce
Iniciar um segundo DMARD sintética:
- Leflunomida;
Adicionar uma droga biológica Meta atingida - Sulfassalazina;
Não
(especialmente em inibidor do TNF) dentro de 3 a 6 meses - MTX ou ouro intramuscular em
monoterapia ou eventualmente em
terapia combinada.

Falha na fase I: Meta atingida


Não Sim Continuar
passar à fase II dentro de 3 a 6 meses

Fase III
Falha ou falta de
eficácia e/ou
toxicidade na fase I

Meta atingida
Sim
Alterar o tratamento biológico: trocar dentro de 3 a 6 meses
por uma 2ª droga bloqueadora do TNF (+
DMARD) ou substituir a droga
bloqueadora TMF por aabataceple (+
DMARD) ou rituximabe (+ DMARD) ou Não Continuar
tocilizumabe (+ DMARD)

Figura 17 - Tratamento da AR baseado nas recomendações do EULAR, 2010

23
REUMATO LOG I A

Terapêutica - Educação do paciente;


inicial - Terapia física e ocupacional;
- AINHs para controle da dor e inflamação;
- Corticosteroides em doses baixas e/ou intra-auricular;
- Uso de DMCD: cloroquina, sulfasalazina, metotrexato.

Após 3 meses de AR e em uso de DMCD

Falta de resposta ou resposta parcial a DMCD Intolerância ao metotrexato

Metotrexato + cloroquina Leflunomida ou azatioprima ou


Metotrexato + sulfassalazina ciclosporina
Metotrexato + cloroquina + sulfassalazina

Metotrexato + leflunomida ou metotrexato + ciclosporina

Observação:
Paciente sem resposta a pelo menos 2 dos esquemas acima, incluindo metotrexato, considerar
terapia com agentes anti-TNF (adalimumabe, etanercepte, infliximabe) ou abatacepte. Na falta de
resposta com agentes anti-TNF, utilizar rituximabe ou abatacepte.
Acometimento extra-articular grave, considerar corticoide e/ou ciclofosfamida via oral ou como
pulsoterapia.

Figura 18 - Terapêutica da artrite reumatoide. Fonte: Atualização do Consenso Brasileiro no Diagnóstico e Tratamento da Artrite
Reumatoide, 2007

B - Fisioterapia - Realizar cirurgia precocemente, quando indicada;


Esta forma de tratamento tem um importante papel - Indicação para pacientes a quem medicações e fisio-
em todas as fases da doença. Calor local alivia o espasmo terapia não controlaram os sintomas ou não permiti-
muscular e reduz a rigidez. Exercícios passivos ajudam a ram um mínimo aceitável nas Atividades da Vida Diária
prevenir ou minimizar a perda de função, e exercícios iso- (AVD).
métricos aumentam a força muscular e contribuem para a
manutenção da estabilidade articular. O uso de talas notur- Tipos de procedimentos:
nas é importante para prevenir contraturas em flexão, espe- - Sinovectomia;
cialmente dos joelhos e punhos. A avaliação e a orientação
de rotina em casa e no trabalho e o uso de adaptadores - Sinovectomia associada à correção de tendões;
certamente aumentam a habilidade do paciente em manter - Artrodese;
atividade independente.
A alternância entre repouso e exercício deve ser enfati-
- Artroplastia total;
zada: a degeneração articular na AR é maior quando o re- - Debridamento articular associado à ressecção artro-
pouso é prolongado. Como estratégia, é importante alter- plástica.
nar períodos de atividades e repouso.
Além da fisioterapia, há a colocação de órteses, que tem Embora possam ser realizadas artroplastias e próteses
como objetivo aliviar as dores por estabilizar a articulação, totais de várias articulações, os procedimentos com me-
proporcionando contenção e realinhamento. lhor resultado são aqueles realizados em quadris, joelhos
e ombros. Os objetivos desses procedimentos são o alívio
C - Tratamento cirúrgico da dor e a redução da perda funcional. Reparação cirúrgica
das mãos pode proporcionar melhora cosmética e funcio-
Para a indicação do tratamento cirúrgico, devem-se con-
nal. Sinovectomia aberta ou por artroscopia pode ser útil
siderar:
em alguns pacientes com monoartrite persistente, especial-
- Teste para avaliar a qualidade de vida do paciente;
mente dos joelhos ou cotovelos.

24
A R T R I T E R E U M AT O I D E

13. Resumo
Quadro-resumo
- AR: doença inflamatória autoimune sistêmica, cujos principais alvos são as articulações sinoviais, onde causa artrite crônica erosiva e
deformante;

REUMATOLOGIA
- Epidemiologia: tem prevalência alta (cerca de 1% da população) e predomina em mulheres (2 a 3:1);
- Manifestação clínica principal: sinovite crônica erosiva, geralmente aditiva e simétrica, evoluindo para deformidades crônicas se não
tratada adequadamente;
- Manifestações extra-articulares mais importantes: nódulos reumatoides, vasculite, derrame pleural, ceratoconjuntivite sicca, escleri-
tes e episclerites, síndrome de Felty;
- FR: presente em cerca de 80% dos casos, tem valor prognóstico (pior quando presente em altos títulos);
- Anticorpos antipeptídios citrulinados (anti-CCP, antifilagrina): têm maior especificidade para o diagnóstico, úteis em fases muito
iniciais de doença;
- Tratamento: AINHs (sintomáticos), corticosteroides em baixas doses, drogas modificadoras do curso de doença (metotrexato – a principal
delas, antimaláricos, sulfassalazina, leflunomida, azatioprina, ciclosporina), agentes biológicos (infliximabe, etanercepte, adalimumabe, ritu-
ximabe, abatacepte, tocilizumabe).
Recomendações da Sociedade Brasileira de reumatologia para o diagnóstico e avaliação inicial da artrite reumatoide
- O diagnóstico da AR deve ser estabelecido considerando-se achados clínicos e exames complementares. Nenhum teste isolado, seja labo-
ratorial, de imagem ou histopatológico confirma o diagnóstico;
- Deve-se dedicar especial atenção ao diagnóstico diferencial dos casos de artrite, considerando, entre outras causas, infecções, espondilo-
artrites, outras doenças reumáticas sistêmicas, artrites microcristalinas, doenças endócrinas e doenças neoplásicas;
- O fator reumatoide é um teste diagnóstico importante, porém com sensibilidade e especificidade limitadas, sobretudo na artrite reuma-
toide inicial. Fora do contexto clínico adequado, a positividade do exame não confirma o diagnóstico, e a negatividade não o exclui;
- O anti-CCp é um marcador com sensibilidade semelhante a do fator reumatoide, mas com especificidade superior, sobretudo na fase
inicial da doença. Recomenda-se a sua pesquisa em pacientes com suspeita clínica de artrite reumatoide e fator reumatoide negativo;
- Embora inespecíficas, provas inflamatórias (velocidade de hemossedimentação e/ou proteína C reativa quantitativa) devem ser solicitadas
em pacientes com suspeita clínica na artrite reumatoide;
- A radiografia convencional deve ser empregada para avaliação de diagnóstico e prognóstico da doença. Quando necessário e disponível,
a ultrassonografia e a ressonância magnética podem ser utilizadas;
- Pode-se utilizar critérios de classificação de AR (ACR/EULAR 2010), embora ainda não validados, como um guia para auxiliar no diagnóstico
de pacientes com artrite inicial;
- Deve-se utilizar um dos índices compostos (DAS28, SDAI e CDAI) para avaliação de atividade de doença;
- Recomenda-se a utilização regular de menos de um instrumento de avaliação da capacidade funcional, sugerindo-se o mHAQ ou HAQ-DI;
- Deve-se verificar, na avaliação inicial da doença, a presença ou não de fatores de pior prognóstico, como o acometimento poliarticular,
fator reumatoide e/ou anti-CCP em títulos elevados, tabagismo e erosão articular precoce.
Legenda:
Anti-CCP: anticorpos antipeptídios citrulinados cíclicos; DAS28: índice de atividade de doença (28 articulações); SDAI: índice simplifica-
do de atividade de doença; CDAI: índice de atividade de doença; mHAQ: Health Assessment Questionnaire modificado; HAQ-DI: Health
Assessment Questionnaire – índice de incapacidade.

25
REUMATO LOG I A

CAPÍTULO

3
Artrite idiopática juvenil
Rodrigo Antônio Brandão Neto / Ana Cristina de Medeiros Ribeiro
Hérica Cristiani Barra de Souza

1. Introdução
A Artrite Idiopática Juvenil (AIJ) é a forma mais comum
de artrite na infância e uma das mais frequentes doenças
crônicas dessa fase, com causa desconhecida. Na verdade,
trata-se de um grupo de desordens que tem a artrite infla-
matória crônica como manifestação. O diagnóstico requer
a combinação de dados da história, exame físico e testes
laboratoriais.

Tabela 1 - Critérios para o diagnóstico da AIJ


- Artrite persistente por mais de 6 semanas;
- Início antes dos 16 anos de idade;
- Exclusão de outras causas associadas ou mimetizando artrite.

Figura 1 - Artrite em mãos de paciente com AIJ


2. Epidemiologia
A prevalência da AIJ nos Estados Unidos é estimada entre Tabela 2 - Critérios gerais para a definição de AIJ
57 e 132 casos para 100.000 crianças com menos de 16 anos. - Idade abaixo de 16 anos;
Em 50% dos casos, a doença mantém atividade inclusive na - Artrite persistente há mais de 6 semanas;
fase adulta. Comparada com a artrite reumatoide no adulto,
- Exclusão de outros tipos de artrite em crianças.
é uma doença muito menos prevalente, mas, em relação a
Critérios de artrite para AIJ:
outras doenças crônicas da infância, é relativamente comum,
- Presença de derrame articular ou 2 dos seguintes critérios:
afetando aproximadamente o mesmo número de crianças · Limitação articular;
com diabetes juvenil, 4 vezes mais que anemia falciforme ou · Dolorimento articular;
fibrose cística e 10 vezes mais que a hemofilia, leucemia lin- · Dor à movimentação.
foide aguda, falência renal crônica e distrofia muscular.
A AIJ constitui um grupo heterogêneo de doenças. Pela
3. Achados clínicos classificação da Liga Internacional de Associações para o
Reumatismo (ILAR), a AIJ atualmente é classificada em 8
A AIJ é um diagnóstico de exclusão e inclui uma lista subtipos (Tabela 3):
de subtipos que têm em comum os seguintes critérios: (1)
idade abaixo de 16 anos; (2) artrite persistente (Figura 1) Tabela 3 - Subtipos da AIJ
em 1 ou mais articulações por pelo menos 6 semanas; e (3) - Sistêmico;
exclusão de outros tipos de artrite em crianças. Para definir - Oligoartrite persistente;
artrite nesse grupo de pacientes, é necessária a presença
- Oligoartrite estendida;
de derrame articular ou 2 ou mais dos seguintes critérios:
limitação e dolorimento articular e dor à movimentação. - Poliartrite com Fator Reumatoide (FR) positivo;

26
ARTRITE IDIOPÁTICA JUVENIL

- Poliartrite com FR negativo; culações envolvidas (≤4) terão uma recuperação completa.
- Artrite relacionada à entesite; Os que fazem poliartrite terão curso mais progressivo, com
deformidades e perda funcional. É o subtipo de maior mor-
- Artrite psoriásica juvenil;
bimortalidade.
- Artrite indiferenciada.
O diagnóstico diferencial da AIJ sistêmica deve ser feito

REUMATOLOGIA
com as seguintes condições clínicas.
4. Forma sistêmica ou doença de Still
Tabela 5 - Diagnóstico diferencial de AIJ sistêmica
Aproximadamente, 10% das crianças com AIJ têm a for- Condição Diferenciação com AIJ sistêmica
ma sistêmica, que é caracterizada por febre intermitente e
Infecções Culturas positivas, febre contínua, rash
presença de pelo menos 1 dos seguintes achados (extra-
-articulares): Febre não quotidiana, dor óssea, constante
Leucemia
indisposição
Tabela 4 - Achados extra-articulares Neuroblastoma Febre não quotidiana, constante indisposição
- Febre diária característica; CINCA*/ Rash fixo, febre flutuante, complicações neu-
- Rash maculopapular eritematoso evanescente (Figura 2); NOMID** rológicas
- Hepatomegalia; Doença de Rash fixo, sintomas mucocutâneos, dilatação
- Esplenomegalia; Kawasaki de coronária
- Linfadenopatia; Febre flutuante, rash fixo e doloroso ou púr-
Outras vasculites
- Serosite. pura, comprometimento sistêmico constante
primárias
e envolvimento renal
Febre constante, FAN positivo e anti-DNA po-
LES sitivo, citopenias e envolvimento de outros
órgãos e sistemas
* CINCA: Síndrome neurológica, cutânea e articular infantil crônica.
** NOMID: Doença inflamatória multissistêmica de início neonatal.

5. Forma oligoarticular
Figura 2 - Rash cutâneo típico da AIJ sistêmica. Fonte: Pediatric
Rheumatology in Clinical Pratice, 2007 (imagem braço) e ABC of
Rheumatology (imagem do tronco)

Os pacientes não podem ter achados que sugiram outra


classificação, como psoríase, HLAB-27, sacroileíte, espondi-
lite, uveíte, entesite, doença intestinal inflamatória ou FR
positivo.
A doença pode desenvolver-se em qualquer idade abai-
xo dos 16 anos (a partir daí, passa a ser doença de Still do Figura 3 - AIJ forma oligoarticular. Fontes: Pediatric Rheumatology
adulto), sendo mais comum entre o 1º e o 6º ano de idade. in Clinical Pratice, 2007 e ABC of Rheumatology
Meninos e meninas são igualmente acometidos.
Crianças com AIJ sistêmica frequentemente têm atraso É a mais frequente da AIJ (50% dos casos) e acomete
de crescimento, osteopenia, anemia, leucocitose, trombo- mais crianças com menos de 5 anos (pico de 1 a 3 anos),
citose e elevação dos reagentes de fase aguda e da ferritina. preferencialmente meninas (4 vezes mais que meninos). As
FR positivo e uveíte são muito raros e fazem parte dos cri- articulações em que mais se manifesta são joelho, tornoze-
térios atuais de exclusão. Os achados extra-articulares são lo, pequenas articulações das mãos e cotovelos.
de gravidade leve a moderada e quase sempre autolimita- Na forma oligoarticular, tem-se o acometimento de 4 ou
dos (Tabela 5). A maioria dos sintomas se resolve quando a menos articulações, durante os primeiros 6 meses de apre-
febre passa, e eles podem preceder o início da artrite em sentação da doença. Depois disso, os pacientes são subdi-
semanas a anos. vididos em 2 grupos distintos: a forma oligoarticular persis-
O prognóstico da AIJ forma sistêmica é determinado tente, que permanece oligoarticular ao longo da evolução
pela gravidade da que acomete 75% das crianças com doen- da doença, e a oligoarticular estendida, que passa a acome-
ça de Still, de 3 a 12 meses após os sintomas sistêmicos. Os ter mais de 4 articulações depois dos 6 meses de evolução.
locais em que mais ocorrem são os punhos, joelhos e torno- Após 5 anos de doença, cerca de 50% dos casos de início oli-
zelos, mas coluna cervical, quadris, temporomandibulares goarticular se mantêm assim (persistente), e 50% evoluem
e mãos também são envolvidas. Pacientes com poucas arti- para a forma estendida.

27
REUMATO LOG I A

A forma oligoarticular persistente é a mais benigna, com


melhor prognóstico, geralmente se manifestando em ape-
nas 1 articulação, que é, na maioria das vezes, o joelho. A
chance de remissão na fase adulta é de 75% dos casos.
A forma oligoarticular estendida acomete pacientes
mais jovens (1 a 5 anos), preferencialmente meninas (4 ve-
zes mais que meninos), com fator antinúcleo (FAN) positivo
e elevado risco de desenvolver uveíte, que ocorre em 30 a
50% dos pacientes. Tem pior prognóstico articular, cronifi-
cando-se, e se torna erosiva em 60% dos casos. A chance
de remissão do quadro articular na fase adulta é de apenas
12% dos casos. Fatores de risco iniciais da oligoartrite para
evolução para fase estendida são artrite de mãos, punhos
ou tornozelos, artrite simétrica, artrite em mais de 1 articu-
Figura 4 - AIJ forma poliarticular. Fonte: Rheumatology in Practice
lação, elevação da VHS ou da PCR e presença de FAN.
O FAN é positivo em até 85% dos casos de AIJ oligoarti- Pacientes com FR positivo são comumente meninas (re-
cular e está associado a elevado risco de desenvolver uveíte lação 3:1 entre meninas e meninos) com idade pouco mais
crônica anterior, sobretudo em meninas. Pode ser bilateral elevada (em torno de 8 anos, até os 16), com HLA-DR4 positi-
e provocar cegueira. A uveíte é assintomática em 50% dos vo, artrite simétrica de pequenas articulações das mãos (me-
casos e progride independente do curso da artrite. O proces- tacarpofalangianas – MCF; interfalangianas proximais – IFP;
so inflamatório frequentemente acomete a câmara anterior e distais – IFD) e pés (metatarsofalangianas). Esse subgrupo
(uveíte anterior) e é inicialmente assintomático ou oligossin- tem elevado risco de desenvolver erosões, nódulos e perda
tomático em 80% dos casos. Devido às alterações graves e funcional (Figura 5). A forma poliarticular com FR positivo
irreversíveis, incluindo descolamento de córnea, catarata, é a que mais se assemelha à artrite reumatoide do adulto.
glaucoma e perda visual parcial ou total, os pacientes com As manifestações clínicas extra-articulares são variáveis e
AIJ devem ser avaliados regularmente pelo oftalmologista, incluem fadiga, anorexia, desnutrição, anemia, retardo de
mesmo se assintomáticos. A frequência dessas avaliações é crescimento, retardo na maturação sexual e osteopenia.
definida pelos fatores de risco para uveíte: idade, forma de
AIJ e presença de FAN.

6. Formas poliarticulares (FR positivo ou


negativo)
Para caracterizar a forma poliarticular, a criança deve
ter artrite em 5 ou mais articulações nos primeiros 6 meses
da doença (Figura 4). Aproximadamente, 40% das crianças
com AIJ têm envolvimento poliarticular: 10% com FR positi-
vo e 30% com FR negativo.

Figura 5 - Discrepância de membros como complicação de AIJ.


Fonte: Rheumatology in Practice

28
ARTRITE IDIOPÁTICA JUVENIL

7. Forma relacionada à entesite 8. Forma psoriásica


O envolvimento do esqueleto axial na AIJ pode levar A artrite psoriásica que se inicia antes dos 16 anos é tida
muito tempo para ser diagnosticado. Assim, um subgrupo com AIJ psoriásica. Essa forma corresponde a cerca de 2%
de pacientes que desenvolve espondiloartrite antes dos 16 dos casos de AIJ. Em apenas 10% dos pacientes, a artrite se

REUMATOLOGIA
anos de idade, na maioria das vezes, iniciará um quadro de manifesta concomitantemente à psoríase. No restante dos
artrite associada à entesite. Esse grupo corresponde a até casos, pode manifestar-se antes ou depois. É definida pela
10% dos casos de AIJ. O paciente será classificado nesse presença de artrite com psoríase diagnosticada por médico
grupo se apresentar artrite com entesite ou artrite com um ou artrite com 2 dos critérios:
dos seguintes achados: 1 - Dactilite (edema articular e de partes moles de 1 ou
1 - Dor em sacroilíacas e/ou dor lombossacral inflama- mais dedos, geralmente assimétrico).
tória. 2 - Pitting nail ou unha “em dedal” (unha com depres-
2 - HLA-B27 positivo. sões típicas de psoríase).
3 - Acometimento em menino com 6 anos ou mais. 3 - Onicólise.
4 - Uveíte anterior aguda sintomática. 4 - Parente de 1º grau com psoríase.
5 - Presença de parente de 1º grau com espondilite an-
quilosante, artrite relacionada à entesite, doença intestinal
inflamatória com sacroileíte, artrite reativa ou uveíte ante-
rior aguda.

Figura 7 - Dactilite e distrofia ungueal em criança com AIJ forma


psoriásica. Fonte: Pediatric Rheumatology in Clinical Practice, 2007

Na maioria dos casos, a artrite é periférica, poliarticular,


assimétrica, com envolvimento das pequenas articulações
das mãos e pés, joelhos e tornozelos. As sacroilíacas tam-
bém podem ser acometidas, mesmo com poucos sintomas,
em 40% dos casos ao longo da evolução da doença.
Até 20% dos pacientes poderão ter envolvimento ocular
(uveíte anterior), e devem ser feitas avaliações periódicas
Figura 6 - AIJ forma relacionada à entesite. (A) redução da fle- com oftalmologista.
xão lombar; (B) oligoartrite (joelho E); (C) entesite da inserção do
tendão de Aquile; e (D) hálux valgo e pé plano secundário. Fonte:
Rheumatology in Practice 9. Forma indiferenciada
Alguns pacientes não fecham critérios para nenhuma
A artrite geralmente é oligoarticular (até 4 articulações das classificações e são diagnosticados com AIJ indiferen-
acometidas) e geralmente atinge joelhos, tornozelos e qua- ciada. Estudos adicionais são necessários para indicar a
dris. A entesite caracteriza-se pelo acometimento da inser- evolução desses pacientes, se permanecerão como forma
ção do tendão ou ligamento no osso e se manifesta com dor indiferenciada ou evoluirão para alguma outra categoria.
no local, algumas vezes com calor e edema. Os locais mais
comuns de entesite na AIJ são: suprapatelar, infrapatelar, na
tuberosidade da tíbia, nas inserções do tendão de Aquiles e
da fáscia plantar no calcâneo e no antepé.
No início da doença, 80% dos casos têm envolvimento
periférico e poliarticular, e apenas 25% dos pacientes terão
sintomas de envolvimento axial que, entretanto, com a
evolução da doença, chega a 65 a 90%.
Até 25% dos pacientes terão envolvimento ocular (uve-
íte anterior aguda), sintomático, com episódios intermiten-
tes e unilaterais de olho vermelho com dor, edema, fotofo-
bia e borramento visual. Figura 8 - Artrite em joelhos em paciente com AIJ

29
REUMATO LOG I A

Tabela 6 - Comparação dos subtipos de AIJ e suas manifestações clínicas


Subtipos Idade e sexo Envolvimento articular Peculiaridades
- Em 75% dos casos;
- Articulações mais acometidas: punhos, joe- - Febre intermitente, eritema difuso, linfadenome-
Sistêmico (até
<16 anos lhos e tornozelos; galia difusa, hepato e/ou esplenomegalia, serosite;
10%)
- Prognóstico determinado pela gravidade da - Subtipo de maior morbimortalidade.
artrite.
- ≤4 articulações com artrite nos primeiros 6
meses;
- Articulações mais acometidas: joelho, torno-
<5 anos (pico
Oligoartrite (até zelo, mãos e cotovelos; - FAN positivo em até 85%;
de 1 a 3 anos)
50%) - 2 evoluções: - Forte associação com uveíte crônica anterior.
M <F (4x)
· Oligoarticular persistente: mais benigna;
· Oligoarticular estendida: pior prognóstico
articular, erosiva em 60% dos casos.
- ≥5 articulações com artrite nos primeiros 6
meses da doença;
- O FR pode ser + (1/4) ou - (3/4); - Associação entre FR+ e HLA-DR4;
Poliartrite (até 8 a 16 anos
- Na poliartrite com FR+: artrite simétrica de - A poliartrite com FR+: mais se assemelha à artrite
40%) M <F (3x)
mãos (MCF, IFP e IFD) e pés (MTF); reumatoide do adulto.
- Risco de desenvolver erosões, nódulos e per-
da funcional.
- Artrite com entesite ou 1 dos seguintes acha-
dos: dor em sacroilíacas e/ou lombossacral in-
flamatória; HLA-B27+; menino ≥6 anos; uveíte
- Geralmente <4 articulações com artrite;
Artrite relacionada anterior aguda sintomática, parente de 1º grau
>6 anos - Principais: joelhos, tornozelos e quadris;
a entesite (até com espondilite anquilosante, artrite relacio-
M >F - Envolvimento axial: inicial em 25% dos ca-
10% dos casos) nada a entesite, doença intestinal inflamatória
sos – evolui para 65 a 90%.
com sacroileíte, artrite reativa ou uveíte ante-
rior aguda;
- Uveíte anterior aguda sintomática: 25%.
- Artrite com psoríase diagnosticada por médico ou
- Artrite periférica, poliarticular, assimétri-
Artrite psoriásica <16 anos artrite com 2 dos critérios: dactilite, pitting nail,
ca, em mãos e pés, joelhos e tornozelos;
juvenil (2%) M=F onicólise ou parente de 1º grau com psoríase;
- Envolvimento axial possível.
- Uveíte anterior aguda: até 20%.
- Pacientes que têm artrite, mas não fe-
Artrite indiferen- - Podem evoluir para outra classificação ou per-
ciada - cham critérios para nenhuma das classi-
manecer indiferenciada.
ficações.

também podem ocorrer em menor grau nas formas po-


10. Achados laboratoriais e de imagem liarticulares.
Os exames laboratoriais auxiliam, principalmente, no Em relação aos exames de imagem, a radiografia evi-
controle do tratamento, por meio da avaliação da ativida- dencia, no início do quadro, um edema de partes moles,
de inflamatória, e na caracterização dos subtipos da AIJ. seguido por uma possível diminuição do espaço articular e
lesões erosivas, dependendo do curso da doença.
As provas inflamatórias (VHS, PCR, glicoproteína
O FAN deve ser dosado em todos os pacientes com AIJ,
ácida) podem estar normais nos pacientes com acome-
pois se associa a elevado risco de desenvolver uveíte crôni-
timento de poucas articulações, mas estão alteradas
ca anterior, sobretudo em meninas, com quadro oligoarti-
(elevados valores) nas formas poliarticular e sistêmica. A
cular. Como a relação entre o FAN e a uveíte é muito forte,
ferritina também costuma estar bem aumentada na for-
sobretudo em crianças com início da AIJ com menos de 7
ma sistêmica.
anos, devem-se submeter os pacientes a avaliações oftal-
Na AIJ sistêmica, há alguns achados frequentes no mológicas periódicas, mesmo que assintomáticos, com fre-
hemograma: plaquetose, anemia e leucocitose, de quência variável de acordo com o FAN, o tipo de artrite e a
graus variáveis (média de 11.000 a 20.000/mm3), que idade de início da artrite (Tabela 7).

30
ARTRITE IDIOPÁTICA JUVENIL

Tabela 7 - Periodicidade das avaliações oftalmológicas em AIJ para cluem exercícios, 2 a 3 vezes ao dia, orientações para prote-
diagnóstico de uveíte anterior assintomática ção articular e minimização dos traumas. O programa social
Tipo de AIJ/ envolve readaptações e estudo vocacional.
<7 anos >7 anos
idade de início O tratamento farmacológico envolve o tratamento ar-
Sistêmico Anualmente. Anualmente. ticular, ocular e de outras manifestações da AIJ. O reuma-

REUMATOLOGIA
Poliartrite e oligoartrite tologista pediátrico deve ser agressivo, devido ao risco de
A cada 3 a 4 meses por dano irreversível tanto articular quanto ocular. O objetivo
FAN positivo
4 anos, depois a cada 6 do tratamento deve ser induzir a remissão completa do pro-
meses por 3 anos e, então, A cada 6 meses cesso inflamatório com corticoterapia e introdução precoce
anualmente. por 4 anos e, en-
tão, anualmente. de medicamentos modificadores de doença.
A cada 6 meses por 4 anos
FAN negativo Os pacientes com manifestação articular leve podem ser
e, então, anualmente.
tratados com Anti-Inflamatórios Não Hormonais (AINHs)
isolados, os quais controlam a inflamação e a dor e são
11. Diagnóstico diferencial utilizados por longos períodos. O período de avaliação do
Os diagnósticos diferenciais incluem várias entidades, AINH é de 4 a 6 semanas. A maioria das crianças tolera bem
de acordo com os diversos grupos da AIJ. Entre as doenças a terapia. Apenas 25 a 33% dos pacientes, principalmente
que se assemelham à forma oligoarticular, têm-se as leu- os que têm oligoartrite, ficarão bem só com AINH. Não há
cemias, artrite tuberculosa, doença de Hansen e Doença evidência de superioridade de um AINH sobre outro, mas
Inflamatória Intestinal (DII). alguns pacientes respondem bem a um tipo de AINH e não
A manifestação articular tem, entre os diferenciais a se- a outros.
rem pensados, leucemias, DII, LES, mucopolissacaridoses, Corticoides sistêmicos também são utilizados continua-
espondiloartropatias e doença de Lyme. mente no controle da inflamação e estão reservados a ca-
Por fim, dentre as entidades que cursam com manifesta- sos de serosite, acometimento ocular, febre e artrites não
ção sistêmica, devem-se excluir leucemias, DII, LES juvenil, responsivas aos AINHs, pois seus efeitos sobre o crescimen-
vasculites, infecções, entre outras. to e ossos desencorajam seu uso em crianças. Devem ser
usados como ponte terapêutica até que imunossupressores
12. Tratamento surtam efeito. Injeções intra-articulares de corticoides po-
dem ser usadas em casos de mono/oligoartrites.
O tratamento da ARJ compreende um acompanhamen-
Dois terços dos pacientes com AIJ não respondem ao
to multidisciplinar, que inclui educação do paciente e da
anti-inflamatório isolado, sendo necessária a introdução de
família, cuidados domiciliares, ajustes sociais, entre outros.
drogas de base, como metotrexato, sulfassalazina, lefluno-
O tratamento começa durante o diagnóstico. Pais e fa-
mida, ciclosporina ou medicamentos com ação biológica,
miliares devem ser esclarecidos de que, antes de estabele-
como os medicamentos com ação anti-TNF-alfa, anti-IL-1,
cer o diagnóstico, outras doenças precisam ser excluídas.
anticoestimulação de linfócitos T e anti-IL-6R (Tabela 8).
Os objetivos terapêuticos incluem alívio de sintomas,
manutenção do movimento articular, fortalecimento mus- O tratamento da inflamação ocular deve ser orien-
cular e manutenção do estado funcional. tado pelo oftalmologista, à base de corticoides tópicos.
O programa de tratamento inclui componentes físico, Imunossupressores são indicados se uveíte grave ou em pa-
social e medicamentoso. Terapias física e educacional in- cientes dependentes de corticoide.

Tabela 8 - Tratamento medicamentoso da AIJ


Droga Grupo (ação) Dose (mg/kg/dia) Indicação
Variável de acordo com a medi-
Todas as formas AIJ
Anti-inflamatórios não hormo- cação (liberados para crianças:
AINHs Apenas casos leves de oligoartrite ficam
nais. naproxeno, ibuprofeno e melo-
bem só com AINH.
xicam).
Ponte terapêutica em casos de serosite,
Anti-inflamatório hormonal – usar uveíte, febre e artrite não responsiva a
Prednisona 1 a 2mg/kg/dose.
como ponte terapêutica. AINH; geralmente em pacientes com qua-
dro sistêmico ou poliarticular.
Corticoide intra-arti- Depende da articulação e do
Anti-inflamatório hormonal. Oligoartrite.
cular corticoide.
Metotrexato Imunossupressor. 10 a 15mg/m2/semana. Todos os tipos.

31
REUMATO LOG I A

Droga Grupo (ação) Dose (mg/kg/dia) Indicação


Oligoartrite, poliartrite, artrite associada à
Sulfassalazina Imunomodulador. 15 a 25mg/kg 2x/dia.
entesite.
<20kg: 10mg em dias alternados;
Leflunomida Imunossupressor. 20 a 40kg: 10mg/dia; Poliartrite.
>40kg: 20mg/dia.
Ciclosporina A Imunossupressor. 2 a3mg/kg/dia. Sistêmica.
0,8mg/kg (até 50mg) 1x/semana Poliartrite, artrite associada à entesite,
Etanercepte Biológico anti-TNF-alfa.
SC. menos eficaz em sistêmica.
24mg/m2 (até 40mg) a cada 14 Poliartrite, artrite associada à entesite,
Adalimumabe Biológico anti-TNF-alfa.
dias SC. menos eficaz em sistêmica.
3 a 5mg/kg IV nas semanas 0, 2, 6 Poliartrite, artrite associada à entesite,
Infliximabe Biológico anti-TNF-alfa.
e então a cada 6 a 8 semanas. menos eficaz em sistêmica.
Anakinra (não aprovado
Biológico com ação anti-IL1. 1 a 2mg/kg/d (até 100mg/d) SC. Sistêmica.
no Brasil)
Biológico anticoestimulação de 10mg/kg nas semanas 0, 2, 4 e de
Abatacepte Poliarticular (1 estudo de retirada).
linfócito T. 4/4 semanas.
8mg/kg a cada 2 semanas por 6
Tocilizumabe Biológico anti-IL6 R. Sistêmica (1 estudo de retirada).
semanas.

13. Resumo
Quadro-resumo
Subtipos de AIJ Idade e sexo Envolvimento articular Peculiaridades
- Em 75% dos casos;
- Febre intermitente, eritema difuso,
- Articulações mais acometidas: punhos, joelhos e
Sistêmico (até <16 anos; linfadenomegalia difusa, hepato e/ou
tornozelos;
10%). M = F. esplenomegalia, serosite;
- Prognóstico determinado pela gravidade da ar-
- Subtipo de maior morbimortalidade.
trite.
- ≤4 articulações com artrite nos primeiros 6 meses;
- Articulações mais acometidas: joelho, tornozelo,
- FAN positivo em até 85%;
<5 anos (pico de 1 a 3 mãos e cotovelos.
Oligoartrite (até - Forte associação a uveíte crônica
anos); - 2 evoluções:
50%). anterior (especialmente quando FAN
M <F (4x). · Oligoarticular persistente: mais benigna;
positivo).
· Oligoarticular estendida: pior prognóstico arti-
cular, erosiva em 60% dos casos.
- ≥5 articulações com artrite nos primeiros 6 meses
da doença;
- Associação entre FR+ e HLA-DR4;
- O FR pode ser + (1/4) ou - (3/4);
Poliartrite (até 8 a 16 anos; - A poliartrite com FR+: mais se as-
- Na poliartrite com FR+: artrite simétrica de mãos
40%). M <F (3x). semelha à artrite reumatoide do
(MCF, IFP e IFD) e pés (MTF);
adulto.
- Risco de desenvolver erosões, nódulos e perda
funcional.
- Artrite com entesite ou um dos
seguintes achados: dor em sacroilía-
cas e/ou lombossacral inflamatória;
HLA-B27 +; menino ≥6 anos; uveíte
Artrite relacio- - Geralmente <4 articulações com artrite; anterior aguda sintomática, parente
nada à entesite >6 anos; - Principais: joelhos, tornozelos e quadris; de 1º grau com espondilite anquilo-
(até 10% dos M >F. - Envolvimento axial: inicial em 25% dos casos – sante, artrite relacionada à entesite,
casos). evolui para 65 a 90%. doença intestinal inflamatória com
sacroileíte, artrite reativa ou uveíte
anterior aguda;
- Uveíte anterior aguda sintomática:
25%.

32
ARTRITE IDIOPÁTICA JUVENIL

Subtipos de AIJ Idade e sexo Envolvimento articular Peculiaridades


- Artrite com psoríase diagnosticada
Artrite psoriási- - Artrite periférica, poliarticular, assimétrica, em por médico ou artrite com 2 dos cri-
<16 anos;
ca juvenil mãos e pés, joelhos e tornozelos; térios: dactilite, pitting nail, onicólise
M = F.
(2%). - Envolvimento axial possível. ou parente de 1º grau com psoría-

REUMATOLOGIA
se; uveíte anterior aguda: até 20%.
Artrite indife- - Pacientes que têm artrite, mas não fecham - Podem evoluir para outra classifica-
renciada. - critérios para nenhuma das classificações. ção ou permanecer indiferenciada.

33
REUMATO LOG I A

CAPÍTULO

4
Artrites sépticas
Ana Cristina de Medeiros Ribeiro / Aleksander Snioka Prokopowistch
Hérica Cristiani Barra de Souza

1. Introdução 2. Artrite não gonocócica


As artrites sépticas são condições infecciosas agudas,
em que a sinóvia está inflamada pela presença direta de um A - Achados clínicos
micro-organismo. Podem ser divididas em 2 grupos: a artri-
Os achados clássicos são o quadro de início súbito de
te gonocócica, a forma mais comum entre adultos jovens
edema monoarticular, com calor e dor que restringem os
sexualmente ativos, e a não gonocócica. Outras artrites in-
movimentos passivos e ativos. O paciente com monoartrite
fecciosas de curso mais crônico, como por tuberculose ou
deve ser considerado portador de artrite séptica até prova
fungos, não serão abordadas.
em contrário (Figura 1). Formas mais indolentes, de início
As artrites sépticas são emergências médicas, pois o
mais arrastado e menos exuberantes, podem acontecer em
atraso no diagnóstico e no tratamento pode levar a dano
indivíduos imunossuprimidos com doença reumática pree-
articular irreversível e aumento da mortalidade. A taxa de
xistente (como artrite reumatoide) ou no caso de infecção
dano é de 25 a 50%, com mortalidade de 5 a 15%, sendo
maior quando a artrite séptica se instala em imunossupri- tardia de prótese articular. O quadro é monoarticular em
midos ou acomete mais de uma articulação. 80 a 90% dos casos, acometendo mais articulações em 10
Os fatores de risco para a artrite séptica incluem artrites a 20%, quando se associa a uma mortalidade bem maior.
inflamatórias crônicas com dano articular (como a artrite
reumatoide), próteses articulares, uso de drogas injetáveis,
extremos de idade e condições de imunossupressão. No
caso de artrite gonocócica, o fator de risco é a atividade se-
xual desprotegida.
Tabela 1 - Fatores de risco para artrite séptica
- Idade >60 anos;
- Diabetes mellitus;
- Artrite reumatoide;
- Articulação protética;
- Imunodeficiências primárias ou secundárias;
- Hemoglobinopatias;
- Cirurgia articular recente;
- Abuso de drogas intravenosas;
- Alcoolismo;
- Infiltração intra-articular prévia; Figura 1 - Monoartrite de joelho direito aguda. Fonte: Rheumatology
- Infecções cutâneas; in pratice
- Neoplasias.
As articulações mais envolvidas são joelhos (40 a 50%),
Fonte: UpToDate, 2011. quadris (13 a 20%), ombros (10 a 15%), punhos, tornozelos,

34
ARTRITES SÉPTICAS

cotovelos e, menos comumente, pequenas articulações de B - Achados laboratoriais


mãos e pés. Bursites sépticas olecranianas e pré-patelares
Os pacientes podem apresentar leucocitose em 2/3 dos
podem anteceder o quadro de artrite séptica.
casos e, geralmente, têm aumento das provas de atividade
Febre ocorre em 60 a 80% dos casos e, em 20% dos pa-
inflamatória (VHS – velocidade de hemossedimentação; e
cientes que têm febre, também há calafrios por bacteremia.

REUMATOLOGIA
PCR – Proteína C Reativa).
Focos de infecção em outros sítios podem ser encontrados
As culturas de sangue periférico são positivas em 50 a
e devem ser minuciosamente pesquisados. Na verdade, as
60% dos casos. Na suspeita ou na presença de outros focos
bactérias atingem a articulação por via hematogênica em
infecciosos, a cultura desses locais deve ser realizada.
mais de 50% dos casos, por inoculação direta em procedi-
A análise do líquido sinovial é crítica em qualquer pa-
mentos ou traumas articulares ou por contiguidade de in-
ciente com monoartrite ou na suspeita de artrite séptica
fecções de partes moles ou osso.
(Tabela 3), costumeiramente realizada por punção articular
Deve-se estar atento ao diagnóstico diferencial das mo-
(artrocentese – Figura 2). No líquido sinovial, devem-se exa-
noartrite agudas (Tabela 2).
minar os seguintes aspectos:
Tabela 2 - Diagnóstico diferencial de monoartrite aguda - Aparência: a cor e a turvação do líquido são importan-
Infecção tes, pois líquidos purulentos ou turvos sugerem artrite
séptica;
- Bacteriana;
- Fúngica;
- Celularidade e diferencial: a celularidade é maior que
50.000 leucócitos/mm³ em 50 a 70% dos casos e pode
- Micobacteriana;
ser menor bem no início da artrite, em casos de pacien-
- Viral; tes que já receberam antibióticos ou em imunossupri-
- Espiroquetas. midos. Na análise diferencial da celularidade, há predo-
Induzida por cristal mínio de polimorfonucleares, em geral mais de 80%;
- Urato monossódico (gota); - Bacterioscopia: é positiva em 50 a 75% das vezes e ex-
- Pirofosfato de cálcio diidratado (pseudogota); tremamente específica. Sua negatividade, entretanto,
- Hidroxiapatita; não afasta o diagnóstico;
- Oxalato de cálcio; - Culturas: são positivas em 70 a 90% dos casos, depen-
- Lipídios. dendo do micro-organismo. O S. aureus é o agente mais
comumente implicado em monoartrite séptica de arti-
Hemartrose
culações nativas (60 a 70% dos casos). Estreptococos,
- Trauma;
bacilos Gram negativos e outros respondem pelo res-
- Anticoagulação; tante. A Tabela 4 mostra os organismos mais frequen-
- Distúrbios de coagulação; temente envolvidos.
- Fraturas;
- Sinovite vilonodular pigmentada.
Tumor
- Sinovite vilonodular pigmentada;
- Condrossarcoma;
- Osteoma osteoide;
- Doença metastática.
Doenças reumáticas sistêmicas
- Artrite reumatoide;
- Espondiloartrites;
- Lúpus eritematoso sistêmico;
- Sarcoidose.
Osteoartrite
- Variante erosiva.
Degeneração intra-articular
- Rompimento meniscal;
- Osteonecrose;
- Fraturas.
Fonte: UpToDate, 2011. Figura 2 - Artrocentese

35
REUMATO LOG I A

Tabela 3 - Análise do líquido sinovial


Parâmetro Normal Não inflamatório Inflamatório Séptico Hemorrágico
Volume (mL) <3,5 Geralmente >3,5 Geralmente >3,5 Geralmente >3,5 Usualmente >3,5
Transparente, ama- Translúcido-opaco, Opaco, amarelo- Sanguinolenta,
Coloração Transparente, claro
relado amarelo-opalescente -esverdeado vermelha
Viscosidade Elevada Elevada Baixa Variável Variável
Leucócitos (mm3) <200 200 a 2.000 2.000 a 100.000 15.000 a >100.000 200 a 2.000
PMNs (%) <25 < 25 ≥50 ≥ 75 50 a 75
Cultura Negativa Negativa Negativa Às vezes positiva Negativa
Proteínas totais (g/
1a2 1a3 3a5 3a5 4a5
dL)
Quase igual à sanguí- Quase igual à sanguí- >25 abaixo da san- <25 abaixo da san- Quase igual à
Glicose (mg/dL)
nea nea guínea guínea sanguínea
Fonte: UpToDate, 2011.

Tabela 4 - Micro-organismos mais comumente envolvidos na artrite séptica não gonocócica


Bactéria Ocorrência Comentários
É a bactéria mais comumente associada à artrite séptica. Usuários de droga intravenosa têm
Staphylococcus aureus 60 a 70%
maior risco de resistência à meticilina.
Geralmente do grupo A, mas também beta-hemolíticos não A, especialmente em imunossu-
Espécies de estreptococos 15 a 20%
primidos com infecções gastrintestinais ou genitais.
Mais frequentes em neonatos, crianças com menos de 2 meses, idosos, usuários de drogas e
Bacilos Gram negativos 5 a 25%
doentes crônicos (diabéticos, imunossuprimidos etc.).
Os anaeróbios mais comumente encontrados são Bacteroides spp, Propionibacterium acnes e
vários cocos anaeróbios Gram positivos. Em 50% dos casos, a flora é polimicrobiana. Fatores
Anaeróbios 1 a 5% predisponentes: diabetes mellitus, imunossupressão, infecções de ferida cirúrgica em próte-
ses totais articulares ou artroplastias. A suspeita é levantada na presença de líquido sinovial
com odor pútrido ou gás intra-articular ao raio x de uma articulação com artrite séptica.

Tabela 5 - Associação do micro-organismo ao tipo de hospedeiro


Micro-organismo Indícios clínicos
Staphylococcus aureus Adultos saudáveis, lesões cutâneas, danos articulares prévios, articulação protética
Streptococcus spp Adultos saudáveis, disfunção esplênica
Adultos saudáveis (adulto sexualmente ativo), associado tenossinovites, pústulas vesiculares,
Neisseria gonorrhoeae
deficiência de complemento e Gram e cultura do líquido sinovial negativos
Bactéria aeróbica Gram negativa Infecção gastrintestinal; comprometimento da imunidade
Bactéria anaeróbica Gram negativa Infecção gastrintestinal; comprometimento da imunidade
Micobactérias Viagem recente ou residente de área endêmica; comprometimento da imunidade
Fungos Comprometimento da imunidade
Espiroquetas Exposição a carrapato, antecedente de rash e envolvimento da articulação do joelho
Mycoplasma hominis Comprometimento da imunidade com manipulação prévia do trato urinário
Fonte: UpToDate, 2011.

C - Achados de imagem A tomografia é ideal em casos de envolvimento de ar-


ticulação esternoclavicular e pode demonstrar erosões
As radiografias são pouco úteis, a não ser para afastar ósseas iniciais, envolvimento de partes moles e derrames,
osteomielite instalada. Em casos de infecção por E. coli ou assim como pode facilitar uma artrocentese guiada, princi-
anaeróbios, é possível observar gás dentro da articulação. palmente em casos de artrite em próteses articulares.
A tomografia computadorizada ou ressonância magné- A ressonância é ótima para demonstrar edema de par-
tica podem ser solicitadas em casos de suspeita de artrite tes moles ou abscessos, detectar erosões precoces por os-
séptica de articulações de difícil avaliação como quadril, teomielite contígua subjacente. É ideal nos casos de suspei-
ombro, esternoclaviculares ou sacroilíacas. ta de artrite séptica em sacroilíacas.

36
ARTRITES SÉPTICAS

D - Tratamento Drenagem
Como já dito, trata-se de uma emergência médica que articular
requer hospitalização. A articulação suspeita deve ser pun-
cionada o mais rápido possível, e o material, enviado para
Outras Quadris, ombros e

REUMATOLOGIA
coloração e culturas.
A antibioticoterapia intravenosa empírica deve ser ini- articulações articulações axiais
ciada imediatamente após a punção, com cobertura obri-
gatória para S. aureus. Se tratar-se de um indivíduo sexual- Aspiração por Artroscopia ou
mente ativo, a artrite gonocócica também deve ser tratada agulha fina drenagem aberta
empiricamente, e também se deve fazer toda a investigação
no sentido de diagnosticá-la. Culturas de sangue periféri-
co devem ser colhidas. De acordo com o achado de colo- Resposta
ração ou a cultura, os antibióticos podem ser modificados. inadequada
O tempo de tratamento é de 4 semanas, mas em casos de
osteomielite aguda, vai para 6 semanas e, se osteomielite Artroscopia ou
crônica ou infecção de prótese, chega a 6 meses. O trata- drenagem aberta
mento pode ser inicialmente intravenoso, mas, com a boa
Figura 3 - Tratamento. Fonte: UpToDate, 2011
resposta e a cultura confirmando sensibilidade, pode ser
trocado para via oral após as 2 primeiras semanas, de acor-
do com as culturas. 3. Artrite gonocócica
Um bom esquema inicial é a oxacilina, 8 a 12g IV para
cobrir S. aureus (se não há suspeita de resistência a meti-
cilina), e gentamicina, 240mg/dia (dose única), ou cefalos- A - Achados clínicos
porina de 3ª geração (para cobertura dos Gram negativos). Esta é a forma mais comum de artrite séptica entre
Se houver suspeita de artrite gonocócica (indivíduos sexual- adultos jovens sexualmente ativos, causada pela dissemi-
mente ativos e vide abaixo), a cefalosporina de 3ª geração nação hematogênica do gonococo (Neisseria gonorrhoeae)
será preferível. Casos específicos, como indivíduos imunos- ou Infecção Gonocócica Disseminada (IGD). Essa dissemi-
suprimidos, hospitalizados, colonizados e usuários de dro- nação hematogênica ocorre em 1 a 3% dos casos de infec-
gas, devem ser considerados separadamente. ção gonocócica não tratada é 2 a 3 vezes mais comum em
A drenagem articular é indicada para acelerar a melho- mulheres, nas quais o risco de disseminação é maior 7 dias
ra e evitar dano permanente. Pode ser feita uma lavagem depois da menstruação, durante a gravidez ou no período
artroscópica inicial com debridamento e drenagem ou pun- pós-parto.
ções articulares de repetição, para reduzir o risco de dano A duração entre a infecção e a disseminação vai de 1 dia
articular permanente. A cirurgia aberta pode ser indicada a a 2 meses, mas o período médio é de 5 dias. Apenas 1/4 dos
casos de falência de tratamento após 5 a 7 dias de terapia, pacientes com IGD relata sintomas mucosos da infecção go-
osteomielite adjacente, articulações de difícil abordagem nocócica, que podem ser geniturinários, faríngeos ou retais.
(quadris, ombros e sacroilíacas), infecções em próteses arti- A IGD caracteriza-se pela síndrome de poliartrite, tenos-
culares e artrite séptica de quadril em crianças. sinovite e dermatite. Sintomas iniciais inespecíficos como
febre, calafrios e poliartralgia migratória antecedem a ar-
Antibiótico parenteral trite franca, que pode se instalar nos joelhos, tornozelos ou
punhos. Pode haver mais de 1 articulação com artrite na
maioria dos casos. A articulação com artrite séptica é quen-
Gram positivo
te, dolorosa, edemaciada, e a dor piora a qualquer movi-
mentação, ativa ou passiva. Tanto a lesão articular como a
Sim Não cutânea são mediadas, na IGD, pela presença direta da bac-
téria no local, como por imunocomplexos circulantes.
Coco Gram Bacilo Gram Aguardar A tenossinovite geralmente é migratória e acontece em
positivo negativo cultura 2/3 dos pacientes, geralmente acometendo tendões do
dorso das mãos, punhos, tornozelos e joelhos.
Vancomicina Cefalosporina de 3ª Escolha de acordo A dermatite também acontece em 2/3 dos casos e se
geração; adicionar com a sensibilidade manifesta por lesões pustulosas, vesiculares ou maculopa-
aminoglicosídeo de na cultura pulares, sobre uma base eritematosa, com centro necró-
Pseudomonas provável tico, distribuídas pelo tronco e distalmente nos membros,
incluindo os dedos (Figura 4). Podem ocorrer também eri-

37
REUMATO LOG I A

tema multiforme, bolhas hemáticas e lesões vasculíticas. A análise do líquido sinovial, como já foi dito, é crítica
Essas lesões são indolores e podem passar despercebidas. em qualquer paciente com monoartrite ou na suspeita de
Sua biópsia revela inflamação perivascular e vasculite leu- artrite séptica. Em relação à artrite séptica não gonocócica,
cocitoclástica. Culturas para Neisseria gonorrhoeae podem a IGD pode ter, no líquido sinovial, uma celularidade discre-
ser positivas em até 10% dos casos de biópsias das lesões tamente menos elevada (30.000 a 60.000 leucócitos/mm3).
cutâneas. A bacterioscopia tem positividade mais baixa, menos de
Pode haver complicações incomuns, como pericardite, 25%, e as culturas do líquido sinovial também têm menor
meningite, aortite, endocardite, miocardite, piomiosite e positividade que para outros germes, cerca de 20 a 50%.
osteomielite. O líquido deve ser imediatamente colocado em meio espe-
cial (Thayer-Martin), e o período para crescimento pode ser
maior que 48 horas. Culturas para Neisseria gonorrhoeae
podem ser positivas em até 10% dos casos de biópsias das
lesões cutâneas.

C - Tratamento
Para a cobertura antibiótica de Neisseria gonorrhoeae,
dada a crescente taxa de resistência à penicilina pelo go-
nococo, recomenda-se o início de cefalosporina de 3ª ge-
ração, notadamente a ceftriaxona, na dose de 1g/dia IM/
IV. Em caso de alergia a beta-lactâmicos, espectinomicina
(2g IM 12/12h) ou fluoroquinolonas (ciprofloxacino, 400mg
IV, 12/12h, ou levofloxacino, 500mg IV, 1x/dia, passando ra-
Figura 4 - Lesão pustulosa em mão de paciente com artrite gono- pidamente para oral pela sua ótima disponibilidade). Se a
cócica. Fonte: UpToDate, 2011 cultura é positiva para o gonococo e o agente é sensível à
penicilina, pode-se trocar o antibiótico para ampicilina, 1g
IV, 6/6h, passando para amoxicilina oral, 1g, 8/8h. O trata-
B - Achados laboratoriais mento em casos não complicados dura 2 semanas. Em ca-
Os pacientes podem apresentar leucocitose em 2/3 dos sos complicados por cardite, meningite, endocardite ou os-
casos e geralmente têm aumento das provas de atividade teomielite, antibióticos IV devem ser feitos por 2 a 4 sema-
inflamatória (VHS e PCR). nas, com complementação de 2 semanas com antibiótico
As culturas de sangue periférico raramente são positi- via oral. Pela comum associação de infecção por Chlamydia
vas na IGD. Na suspeita de IGD, deve-se proceder com um trachomatis nos pacientes, costuma-se proceder com o seu
histórico de exposição sexual e sintomas mucosos. Culturas tratamento concomitante (azitromicina ou doxiciclina).
das regiões uretral, cervical uterina (em mulheres), faríngea A artrite da IGD costuma melhorar rapidamente seus
e retal devem ser realizadas, e culturas geniturinárias são sintomas, em cerca de 24 a 48 horas. Artrocenteses de re-
positivas em 70 a 90% dos pacientes com IGD. petição são indicadas.

Tabela 6 - Resumo comparativo entre artrite gonocócica e não gonocócica


Artrite não gonocócica Artrite gonocócica
- Artrites inflamatórias crônicas;
- Próteses articulares;
Fatores de risco - Uso de drogas injetáveis; - Atividade sexual desprotegida.
- Extremos de idade;
- Imunossupressão.
- S. aureus: mais comum (60 a 70% dos
casos);
Germes responsáveis - Neisseria gonorrhoeae.
- Estreptococos, Gram negativos, anaeró-
bios.
- Hematogênica;
Disseminação - Inoculação direta; - Hematogênica.
- Contiguidade de infecções.

38
ARTRITES SÉPTICAS

Artrite não gonocócica Artrite gonocócica


- Sintomas iniciais: febre, calafrios e poliartralgia migratória;
- Artrite franca: joelhos, tornozelos ou punhos, geralmente
- Monoarticular em 80 a 90% dos casos;
em mais de 1 articulação;
- Articulações mais envolvidas: joelhos,
- Tenossinovite: migratória;

REUMATOLOGIA
Clínica quadris, ombros;
- Dermatite: lesões pustulosas, vesiculares ou maculopapu-
- Bursites sépticas;
lares, sobre base eritematosa, com centro necrótico;
- Febre, calafrios por bacteremia.
- Outros: eritema multiforme, bolhas hemáticas e lesões
vasculíticas.
- Pericardite, meningite, aortite, endocardite, miocardite,
Complicações - Osteomielite.
piomiosite e osteomielite.
Cultura de sangue periférico - Positivas em 50 a 60% dos casos. - Raramente positivas.
- Realizar de acordo com suspeita de outros - Culturas das regiões uretral, cervical uterina, faríngea e
Outras culturas
focos infecciosos. retal: positivas em 70 a 90%.
- Celularidade >50.000 leucócitos/mL (em
Celularidade – líquido si- 50 a 70% dos casos); - Celularidade discretamente menos elevada (30.000 a
novial - Predomínio de polimorfonucleares, geral- 60.000 leucócitos/mL).
mente mais de 80%.
Bacterioscopia – líquido - Positiva em 50 a 75% das vezes, é extre-
-Positividade mais baixa, <25%.
sinovial mamente específica.
- Positividade menor: 20 a 50%;
- Positivas em 70 a 90% dos casos, depen-
Culturas – líquido sinovial - Colocar diretamente após punção em meio especial
dendo do micro-organismo.
(Thayer-Martin).
- Cobertura obrigatória: para S. aureus;
- Recomendação: cefalosporina de 3ª geração, priorizan-
- Tempo de tratamento: 4 semanas;
do-se a escolha da ceftriaxona na dose de 1g/dia IM/IV;
- Se osteomielite aguda: 6 semanas;
- Se alergia: espectinomicina (2g IM, 2x/dia) ou fluoroqui-
- Se osteomielite crônica ou infecção de
nolonas (ciprofloxacino, 400mg IV, 2x/dia ou levofloxaci-
prótese: 6 meses;
Tratamento no, 500mg IV, 1x/dia);
- Esquema proposto: oxacilina, 8 a 12g IV,
- Se cultura positiva com sensibilidade à penicilina: am-
e cefalosporina de 3ª geração;
picilina, 1g IV, 6/6 h, passando para amoxicilina oral, 1g,
- Limpeza articular: drenagem articular
8/8h;
com lavagem artroscópica, punções arti-
- Duração: 2 semanas. Se complicações, 4 a 6 semanas.
culares de repetição ou cirurgia aberta.
Fonte: UpToDate, 2011.

4. Artrite viral e tendem a recorrer. Ao contrário da AR os sintomas


nunca persistem por mais de 1 mês e não é erosivo;
Três padrões principais devem levantar suspeita para
artrite viral: - Eventualmente tem FR, FAN, anti-DNA e outros auto-
- Aguda e autolimitada: Pp, parvovírus, B19 e rubéola; -Acs positivos. Descreve-se ainda a ocorrência de ou-
tras síndromes reumáticas, incluindo lúpus-like, vascu-
- Crônica: HBV, HCV, HIV;
lites ou citopenias;
- Infecção latente com potencial reativação: varicela-
-zóster. - Diagnóstico: detecção de anticorpos IgM anti-B19 ou
DNA B19 em PCR;
A - Parvovírus B19 - Tratamento é sintomático, em raros casos crônicos é
necessário imunoglobulina.
- Causa o eritema infeccioso (5ª doença);
- Poliartrite, pequenas articulações (mimetiza AR); B - Rubéola
- Mais de 50% de adultos sadios são IgG + para o vírus,
indicando contato prévio; - 2 a 3 semanas após a infecção a rubéola produz exan-
- Início agudo de poliartralgia ou, menos comumente, tema característico, febre, sintomas constitucionais,
poliartrite. Às vezes inicia em 1 ou poucas articulações adenopatia occipital posterior e cervical e rash macu-
e evolui de forma aditiva; lopapular;
- Sintomas articulares duram em média 10 dias, porém - Artralgias ou artrites simétricas associadas a rigidez
a dor e rigidez podem persistir por um período maior matinal, mimetizando AR, migratória;

39
REUMATO LOG I A

- Cita-se a ocorrência de periartrite, tenossinovite e Sín- - Em crianças ocorre classicamente por disseminação
drome do Túnel do Carpo (STC); hematogênica durante a infecção pulmonar primária.
- Quadro articular é autolimitado e dura menos de 2 se- Em adultos ocorre tanto por foco pulmonar quiescente
manas; quanto como sítio extrapulmonar;
- Sintomatologias reumáticas pós-vacina: artralgia, ar- - PPD é positivo em muitos pacientes com Tb osteoarti-
trite, mialgia e parestesias, em geral 2 semanas após cular e raio x tórax normal;
a vacina; - Diagnóstico definitivo é dado pela demonstração do
- Tratamento: analgésicos e AINEs. Mycobacterium tuberculosis no líquido sinovial;
- Tipos de manifestações: espinhal (“doença de Pott”),
C - Hepatite C artrite periférica em articulações que suportam peso,
tendões, bursas e ossos, artrite reativa (“doença de
- 70 a 80% evoluem para cronicidade; Poncet”);
- Condições autoimunes associadas: - TB espinhal: “mal de Pott”.
• Vasculite crioglobulinêmica – 30 a 40% crioglobuli- - Forma mais comum:
nas positivas;
• Mais frequentemente acomete coluna torácica,
• Produção de auto-Acs; seguida da lombar e menos comumente cervical e
• Citopenias autoimunes; vértebras sacrais;
• GN membranoproliferativa; • Acomete a porção anterior do corpo vertebral, com
• Síndrome sicca-like; subsequente envolvimento do disco, redução de espa-
• Artralgias e artrite. ço, destruição vertebral e colapso da porção anterior
do corpo vertebral, causando deformidade em giba;
- Manifestação articular: • Inflamação de partes moles adjacentes, como mus-
• Artrite não erosiva, não progressiva associada a te- culatura paravertebral, abscesso do psoas;
nossinovite e sintomas articulares desproporcional
• Mimetiza osteomielite vertebral causada por bac-
aos achados de exame físico;
téria piogênica. Porém febre é menos comum na
• AR-like, artrite mono-oligoarticular intermitente, doença de Pott;
sem evidência de erosões. Ao exame, nota-se mais
• A maioria dos pacientes sente dor lombar.
dolorimento do que franca sinovite;
• Alta prevalência de FR positivo (50 a 60%), o qual
- Manifestações neurológicas compressivas 12 a 50%
dos pacientes;
não se correlaciona com os sintomas articulares.
- Raio x: redução de espaço discal, colapso vertebral e
- Tratamento: abscesso paraespinhal. TC define bem as lesões. RNM
• Problemático; mostra melhor o envolvimento neural;
• Terapia antiviral com interferon parece melhorar o - Diagnóstico: biópsia guiada por TC;
quadro articular. - TTO: igual da Tb pulmonar.
a) Artrite tuberculosa
D - Hepatite B
- Artrite monoarticular afetando quadril ou joelho, mas
- 5 a 10% evoluem com as formas crônicas; pode envolver outras articulações;
- Poliartrite inflamatória, mimetizando AR, de início sú- - Início tipicamente insidioso;
bito, envolvendo punhos, joelhos e tornozelos e pe- - Dor e edema articular presentes, mas os sinais infla-
quenas articulações de mãos de forma simétrica; matórios são limitados;
- A artrite ocorre na fase prodrômica, de viremia; - Geralmente é reativação de foco latente, por via he-
- Associado a fase articular ocorrem sintomas cutâneos matogênica;
(urticária ou rash maculopapular); - Às vezes associada a osteomielite adjacente, mas não
- Em geral o quadro articular é autolimitado; necessariamente isto ocorre concomitante com envol-
- Quadros crônicos podem ser evolução de PAN; vimento articular. Em adultos geralmente localiza-se
- HIV; de forma isolada, em metáfises de ossos longos;
- Outros; - Achados radiográficos: osteopenia justa-articular, ero-
- HTLV, Mayaro, Igbo, Ross River, O’nyong-nyong, sões marginais, redução gradual do espaço articular
Chikungunya etc. (tríade de Phemister). Pode haver ainda edema de
partes moles, cistos subcondrais, esclerose óssea, pe-
riostite e calcificações;
5. Micobactérias
- Líquido sinovial: contagem de células elevadas, com
predomínio de neutrófilos, ocasionalmente de linfó-
A - Mycobacterium tuberculosis citos. Glicose usualmente baixa. Cultura positiva em
- Envolvimento osteoarticular ocorre em 5% dos casos; 80% dos casos;

40
ARTRITES SÉPTICAS

- Melhor diagnosticado pelos achados histológicos e mi- - Diagnóstico: melhor isolamento em tecido que no lí-
crobiológicos da sinóvia. Cultura sinovial é positiva em quido sinovial;
90% dos casos. A histologia demonstra o granuloma - Tratamento: drenagem cirúrgica, debridamento, ou
não caseoso; sinovectomia e anfotericina B (sistêmica ou intra-arti-
- TTO: igual ao da TB pulmonar. cular).

REUMATOLOGIA
b) Doença de Poncet
C - Esporotricose
- Forma de artrite reativa que ocorre durante TB ativa;
- Artrite poliarticular, tipicamente envolvendo mãos e pés; - Sporothrix schenckii;
- Líquido sinovial estéril; - Artrite, tenossinovite, osteíte ou miosite granuloma-
- Sintomas melhoram com o tratamento da tuberculose. tosa;
- Artrite crônica, mono ou poliarticular, envolvendo jo-
B - Mycobacterium leprae elhos, punhos, pequenas articulações de mãos, torno-
zelos e cotovelos;
- Causa formas severas de artrite; - Raio x: lesões líticas com mínima periostite;
- Hanseníase virchowiana está associada a ocorrência - Patologia sinovial: inflamação granulomatosa crônica,
de eritema nodoso; não caseosa;
- MC: nódulos SC, febre e artralgia/artrite; - Tratamento: anfotericina B com ou sem debridamento
- Sintomas articulares mediados por mecanismo imuno- cirúrgico.
lógicos, sendo que o isolamento do agente no líquido
sinovial (artrite séptica) é infrequente; D - Blastomicose
- Artrite crônica erosiva de grandes e pequenas articula-
ções simulando AR que melhora com o tratamento da - Blastomyces dermatitidis;
hanseníase é descrito; - 60% têm manifestação musculoesquelética;
- Em estágios tardios de hanseníase, os pacientes desen- - Comum osteomielite: vértebra, costelas, tíbia e crânio;
volvem articulação de Charcot como consequência da - Tipicamente artrite monoarticular, mas pode ser po-
neuropatia sensorial e consequente trauma repetido. liarticular;
- Joelhos são mais frequentemente envolvidos, segui-
dos de tornozelo e cotovelo;
6. Fungos - Tratamento: anfotericina B, cetoconazol ou itraco-
nazol.
A - Candida
- É causa comum de infecção oportunista, mas raramen- E - Criptococose
te causa infecção articular; - Cryptococcus neoformans;
- Candida albicans é responsável por 1% das infecções - Forma disseminada ocorre em imunossuprimidos;
em próteses articulares; - Acometimento agudo/subagudo: ossos longos, tarso,
- A artrite ocorre por inoculação direta (cirurgia ou ar- carpo, costelas e vértebras;
trocentese) ou disseminação hematogênica (durante - Infecção vertebral simula TB;
candidíase disseminada); - Raio x: lesões líticas com mínima reação periosteal;
- Tipicamente indolente, monoarticular e crônica; - Artrite criptocócica é infrequente, geralmente por ex-
- Diagnóstico: cultura do líquido sinovial ou tecidual; tensão de osteomielite;
- Tratamento: anfotericina B sistêmica ou intra-articular. - Diagnóstico: demonstração do fungo no líquido sinovial;
- Tratamento: anfotericina B e/ou 5-fluorocitosina. Em
B - Coccidioidomicose imunocompetentes fluconazol é suficiente.
- Coccidioides immitis;
- Ocorre durante infecção primária ou disseminada; F - Histoplasmose
- Primária em geral é assintomática. Síndrome de artral- - Histoplasma capsulatum;
gia/artrite, autolimitada (valley fever ou desert rheu- - A maioria das infecções é subclínica e autolimitada;
matism), mediada por imunocomplexos; - Infecção primária: poliartrite migratória aguda autoli-
- Artrite poliarticular migratória, resolvendo em 4 sema- mitada com ou sem eritema nodoso e eritema multi-
nas a despeito do tratamento; forme;
- Disseminada: artrite e/ou osteomielite, mas o quadro - Forma disseminada: mais em idosos e imunossuprimi-
mais frequente é de artrite crônica de 1 joelho. No raio dos. Artrite, osteomielite, tenossinovite e STC;
x, se vê lesões líticas e erosões. Osteomielite ocorre - Diagnóstico: cultura de tecido;
em 10 a 20%, principalmente em ossos longos, crânio, - Tratamento: anfotericina B, itraconazol e fluconazol.
vértebras e costelas; Debridamento cirúrgico pode ser necessário.

41
REUMATO LOG I A

CAPÍTULO

5
Espondiloartrites soronegativas
Rodrigo Antônio Brandão Neto / Ana Cristina de Medeiros Ribeiro
Aleksander Snioka Prokopowistch / Hérica Cristiani Barra de Souza

1. Introdução Apesar de as espondiloartrites terem vários aspectos em


comum, alguns detalhes epidemiológicos (como a presença
As espondiloartrites são um grupo de doenças inter- de comorbidades pessoais e familiares, psoríase e doença
-relacionadas com certos aspectos em comum, como epi- inflamatória intestinal), clínicos e radiológicos ajudam a dis-
demiológicos, patogenéticos, clínicos e radiológicos. As tinguir umas das outras. Uma forma chamada espondiloar-
entidades que compõem esse grupo incluem a Espondilite trite indiferenciada se caracteriza pela presença de achados
Anquilosante (EA), a síndrome de Reiter e outras artrites sugestivos de espondiloartrites, sem que o paciente consiga
reativas pós-infecciosas, a artrite psoriásica e as enteroar- fechar critérios para nenhuma das doenças do grupo. Isso
trites (relacionadas às doenças inflamatórias intestinais), a ocorre comumente nos primeiros anos de doença, e um
espondiloartrite de início na juventude e a espondiloartrite quadro inicialmente definido com espondiloartrite indefini-
indiferenciada. da pode evoluir para outra doença com o passar dos anos.
São caracterizadas pelo envolvimento inflamatório das
articulações axiais, como a coluna vertebral (espondilite) Tabela 2 - Doenças classificadas como espondiloartrites
e as articulações sacroilíacas (sacroileíte), e pela presença - Espondilite anquilosante;
de oligoartrite periférica assimétrica (de 2 a 4 articulações - Artrites reativas;
acometidas), entesites (inflamação na inserção óssea de
- Enteroartrites;
tendões, ligamentos e cápsulas articulares) e pela ausência
- Artrite psoriásica;
de fator reumatoide. Elas têm tendência a agregação fami-
liar, associação ao HLA-B27 (principalmente o componente - Espondiloartrite indiferenciada.
axial) e acometimento ocular (uveíte anterior). De acordo
com a doença em questão, pode ocorrer também o envol- 2. Epidemiologia
vimento da pele, de anexos e das mucosas. O envolvimento
Manifestações de espondiloartrites têm sido descritas
valvar e pulmonar é extremamente raro.
em todos os grupos étnicos e, geralmente, estão associadas
Tabela 1 - Características das espondiloartrites à presença do HLA-B27. Entre os caucasianos e asiáticos,
- Envolvimento inflamatório das articulações axiais, como a co- a frequência do HLA-B27 é de 7%. A maior prevalência da
luna vertebral (espondilite) e as articulações sacroilíacas (sa- EA tem sido descrita em certos grupos nativos americanos,
croileíte); onde a frequência do HLA-B27 é maior que 50%. As espon-
- Presença de oligoartrite periférica assimétrica (de 2 a 4 articu- diloartrites são menos comuns em negros, com frequência
lações acometidas); de HLA abaixo de 1 a 2%. Apesar de o HLA-B27 ser impor-
- Entesites (inflamação na inserção óssea de tendões, ligamentos tante, outros múltiplos genes estão envolvidos. Fatores am-
e cápsulas articulares); bientais, sobretudo infecciosos, também têm sido propos-
- Ausência de fator reumatoide. tos no desenvolvimento da EA, mas não há evidência clara
dessa associação, como acontece com as artrites reativas.
São também conhecidas como espondiloartrites sorone-
gativas. O termo soronegativa foi estabelecido na década de
3. Espondilite anquilosante
1970, pois a EA era considerada um componente axial da ar- A EA é o protótipo das espondiloartrites, em que o en-
trite reumatoide, mas na ausência do Fator Reumatoide (FR). volvimento axial é o característico, com acometimento da

42
E S P O N D I LO A R T R I T E S S O R O N E G AT I V A S

coluna, levando a dor espinhal inflamatória (comumente


lombar) e das sacroilíacas, causando dor inflamatória nas
nádegas. Costuma ter início insidioso, no fim da adolescên-
cia ou começo da vida adulta, e é infrequente apresentar-se

REUMATOLOGIA
após os 40 anos. A média de idade de início é de 26 anos,
com prevalência maior em indivíduos da cor branca. Tem
como sinonímia: doença de Marie-Strümpell ou doença de
Bechterew.
A proporção entre homens e mulheres é de 3:1. Rigidez
progressiva da coluna é comum, evoluindo com anquilose
após anos de doença. A prevalência nas diferentes popula-
ções varia de 0,1 a 6%, e a etiologia é desconhecida. A as-
sociação a HLA-B27 está presente na maioria dos pacientes
(90%).

A - Achados clínicos

a) Envolvimento axial
O sintoma clínico característico é a presença de dor lom-
bar inflamatória no esqueleto axial (Figura 1). A dor infla-
matória caracteriza-se por: (1) não melhorar com o repouso
e melhorar com a movimentação (diferente da dor de ori-
gem mecânica, que piora com a movimentação e melhora
com repouso); e (2) pela presença de rigidez matinal maior
Figura 2 - (I) TC no plano coronal oblíquo mostrando espaços ar-
que 30 minutos. As dores têm início insidioso, com mais de
ticulares preservados e simétricos, com superfícies regulares.
3 meses de evolução. Sua localização geralmente é lombar
O espaço é considerado normal entre 2 e 4mm; (II) classificação
(mas pode acometer todos os níveis da coluna) e nas ná- radiográfica na avaliação das articulações sacroilíacas. Grau D –
degas, uni ou bilateral, e pode ser alternante, decorrente normal; (A) grau I – suspeito; (B) grau II – discreta irregularidade
da inflamação em sacroilíacas (Figuras 2 e 3). O paciente e esclerose das superfícies articulares, com o espaço articular pre-
costuma acordar de madrugada pela dor e caminhar para servado; (C) grau III – redução articular, além de intensa irregula-
que haja melhora. ridade e esclerose subcondral; (D) grau IV – anquilosa bilateral.
Fonte: ASAS Handbook. Ann Rheum Dis 2009; 68 (Suppl II): ii1-ii44

Figura 3 - Cortes tomográficos no plano coronal oblíquo demons-


trando redução do espaço articular à direita, sendo preservado
à esquerda. Observa-se, também, esclerose subcondral à direi-
ta, mais evidente na porção ilíaca. Fonte: ASAS Handbook. Ann
Rheum Dis 2009; 68 (Suppl II): ii1-ii44

Além da dor na coluna, o paciente ainda pode ter dor


nas articulações costovertebrais, dor espinhal em outros
níveis (cervical ou dorsal) e acometimento das cartilagens
torácicas anteriores (costocondrite). O envolvimento das
articulações costovertebrais e costocondrais pode provocar
Figura 1 - Patogenia da lombalgia inflamatória na EA diminuição da expansibilidade torácica (<5cm de variação

43
REUMATO LOG I A

entre a inspiração e a expiração) e dor às manobras de ins- - Distância tragus-parede;


piração profunda ou Valsalva. Podem estar presentes sin- - Flexão lombar;
tomas constitucionais, como fadiga, perda de peso e febre. - Rotação cervical;
Achados de exame físico são incomuns no início da do- - Flexão lombar lateral;
ença e são mais habituais com a doença estabelecida. Um
dos achados iniciais é a perda da lordose lombar. Com o
- Distância intermaleolar.
passar do tempo e a calcificação dos ligamentos e ênteses - Distância tragus-parede: avalia a perda da mobilidade
na coluna em toda a sua extensão, ocorre perda de mobili- da coluna no plano anteroposterior. Mede-se a distân-
dade, e o paciente acaba ficando “anquilosado” com perda cia entre o tragus e a parede, com o paciente com os
da lordose lombar e cervical e acentuação da cifose toráci- tornozelos encostados nela, os joelhos estendidos e
ca, curvando o corpo para frente. Para manter o equilíbrio, tentando encostar a cabeça na parede;
ele flete os quadris, os joelhos e os cotovelos e adquire a
clássica “posição de esquiador”. Esse é um achado muito
tardio na doença.
Atualmente, dispomos de instrumentos de avaliação
clínica das espondiloartrites, sendo o BASDAI um índice
de atividade da doença (Tabela 3) que melhor acompanha
periodicamente a evolução do tratamento da EA na prática
clínica. Na avaliação de incapacidade funcional, dispõe-se
do BASFI (Tabela 3).

Tabela 3 - BASDAI - índice de atividade da doença


Coloque uma marca em cada linha a seguir, indicando sua
resposta para cada questão relacionada à semana anterior
1. Como você descreveria o grau de fadiga ou cansaço que você
tem tido?
Figura 4 - Distância tragus-parede. Fonte: ASAS Handbook, 2009
0_____________________________________________ 10cm
Nenhum Intenso
- Flexão lateral do tronco: calcanhares e costas encos-
2. Como você descreveria o grau total de dor no pescoço, nas tados na parede, joelhos eretos, fazer uma marca na
costas e no quadril relacionado à sua doença?
coxa ao nível dos dedos (Figura 5A1). Em seguida pedir
0______________________________________________ 10cm
Nenhum Intenso ao paciente para fazer flexão lateral do tronco e fazer
nova marca após esta flexão (Figura 5A2). Após, regis-
3. Como você descreveria o grau total de dor e edema (incha-
ço) nas outras articulações sem contar com pescoço, costas e trar a diferença entre as 2 marcas. Uma alternativa e
quadril? registrar a medida da distância entre o dedo médio e
0______________________________________________ 10cm o chão antes e após a flexão lateral. Fazer as medidas
Nenhum Intenso bilaterais e registrar a média das 2 aferições;
4. Como você descreveria o grau total de desconforto que você
teve ao toque ou à compressão em regiões do corpo doloridas?
0______________________________________________ 10cm
Nenhum Intenso
5. Como você descreveria a intensidade da rigidez matinal que
você tem tido a partir da hora em que acorda?
0______________________________________________ 10cm
Nenhum Intenso
6. Quanto tempo dura sua rigidez matinal a partir do momento
em que você acorda?
0______________________________________________ 10cm
Nenhum Intenso
BASDAI: soma dos valores das questões 1, 2, 3, 4 e a média dos
valores da 5 e 6, dividindo este total por 5.
Fonte: Consenso Brasileiro de Espondiloartropatias: Espondilite
Anquilosante e Artrite Psoriásica, 2007.

As manobras mais utilizadas no exame físico para pes-


quisar o envolvimento axial, que compõem o índice deno-
minado BASMI são: Figura 5 - Flexão lateral do tronco. Fonte: ASAS Handbook, 2009

44
E S P O N D I LO A R T R I T E S S O R O N E G AT I V A S

- Teste de Schöber modificado: detecta limitação da também por dor em outras estruturas anatômicas lo-
flexão da coluna lombar. Deve-se fazer uma marca na cais;
linha média, com o paciente em posição neutra, ao - Teste de Gaenslen: com o paciente em posição supina,
nível da espinha ilíaca posterossuperior, e outra 10cm deixa-se uma perna cair por 1 dos lados da maca do
acima. Pede-se ao indivíduo que realize flexão máxima examinador, enquanto a outra perna é flexionada pelo

REUMATOLOGIA
do tronco, sem dobrar os joelhos, tentando alcançar paciente em direção ao tronco. Essa manobra deve
o chão com as mãos. Mede-se a distância máxima en- aumentar a dor na sacroilíaca no lado da perna caída
tre os 2 pontos, que deve aumentar pelo menos 5cm e (Figura 10);
atingir 15cm (Figura 6);
- Teste de Patrick: com o paciente em posição supina,
com o seu calcanhar sobre o joelho contralateral, faz-
-se uma pressão para baixo sobre o joelho flexionado.
Assim, com o quadril em flexão/abdução e rotação
externa (Fabere), haverá dor na articulação sacroilíaca
contralateral (Figura 11);
- Expansibilidade torácica: medida no 4º espaço inter-
costal, a expansibilidade torácica (diferença da circun-
ferência torácica em inspiração máxima e expiração
máxima) normal é de, aproximadamente, 5cm. Em
Figura 6 - Teste de Schöber modificado. Fonte: ASAS Handbook, caso de envolvimento costovertebral ou costocondral,
2009
ela diminui.
- Rotação cervical: paciente sentado na cadeira, cabe-
ça ereta, com as mãos apoiadas nos joelhos. Colocar o
goniômetro no topo da cabeça alinhado com o nariz.
Pedir para o paciente fazer rotação lateral da cabeça o
máximo que puder e anotar quantos graus de rotação
ele obteve. Fazer a medida bilateral e posteriormente
registrar a média das 2 medidas;

Figura 9 - Expansibilidade torácica. Fonte: ASAS Handbook, 2009

Figura 7 - Rotação cervical. Fonte: ASAS Handbook, 2009

- Distância intermaleolar: paciente em decúbito dorsal


ou ventral, registrar a medida da distância entre os
maléolos mediais;
Figura 10 - Teste de Gaenslen

Figura 8 - Distância intermaleolar. Fonte: ASAS Handbook, 2009

- Palpação das sacroilíacas: palpam-se as articulações


sacroilíacas e observa-se se há dor. A presença desta
pode ser desencadeada não só por sacroileíte, mas Figura 11 - Teste de Patrick (Fabere)

45
REUMATO LOG I A

Tabela 4 - Principais achados do comprometimento axial da EA


Achados clínicos
- Dor inflamatória no esqueleto axial;
- Início insidioso (mais de 3 meses);
- Rigidez matinal maior que 30 minutos;
- Dor lombar ou em outros níveis vertebrais (dor espinhal);
- Dor nas nádegas;
- Dor nas articulações costovertebrais;
- Dor nas cartilagens torácicas anteriores (costocondrite).
Achados de exame físico
- Incomuns no início da doença;
- Perda da lordose lombar;
- Perda da lordose cervical;
- Acentuação da cifose torácica;
- Posição de esquiador (achado muito tardio).
Manobras mais utilizadas
- Distâncias occípito-parede e tragus-parede (envolvimento da
coluna);
- Teste de Schöber (envolvimento da coluna lombar); Figura 12 - Pontos de possíveis entesites: (A) manúbrio do esterno;
- Palpação das sacroilíacas, compressão pélvica, manobra do li- (B) processo xifoide; (C) e (D) crista e espinha ilíacas anterossupe-
vro aberto, teste de Gaenslen e teste de Patrick (Fabere) – todas riores; (E) espinha ilíaca posterossuperior; (F) coluna lombar e (G)
para envolvimento de sacroilíacas; calcâneo. Fonte: ASAS Handbook, 2009
- Expansibilidade torácica e palpação das articulações costocondrais
d) Acometimento ocular
(envolvimento das articulações costocondrais e costovertebrais).
É a manifestação extra-articular mais comum na EA e
b) Envolvimento articular periférico acontece em 30% dos pacientes. Acomete a câmara an-
O acometimento de articulações periféricas na EA acon- terior do olho (uveíte anterior – Figura 13) e costuma ser
tece em cerca de 25% dos casos e costuma ser mono ou unilateral, geralmente alternante quando recorrente, com
oligoarticular (1 a 4 articulações acometidas), costumeira- aparecimento de olho vermelho, dor, borramento visual, fo-
mente de forma assimétrica e preferencialmente nos mem- tofobia e lacrimejamento. A injeção conjuntival ao redor da
bros inferiores. Quadris, joelhos, tornozelos e articulações íris (flush ciliar) é característica. Está fortemente associada
metatarsofalangianas são frequentemente acometidas. O à presença do HLA-B27 e pode preceder o início dos sinto-
envolvimento do quadril é responsável por grande mor- mas articulares de EA em anos. Não tem relação com surtos
bidade. Raramente, os membros superiores são afetados, de piora no acometimento articular. O diagnóstico é feito
com exceção dos ombros. A artrite periférica pode ocorrer por oftalmologista, com exame de lâmpada de fenda, que
anterior, concomitante ou posteriormente ao aparecimento caracteriza células e inflamação na câmara anterior do olho.
dos sintomas axiais. Histologicamente, a sinovite é indistin- O aparecimento de quaisquer desses sintomas justifica en-
guível das outras doenças reumáticas. caminhamento imediato ao oftalmologista. A falta de trata-
mento pode gerar perda visual e irregularidade da pupila.
c) Entesite
A inflamação das ênteses (partes do tendão, ligamento
ou cápsula que se inserem no osso) pode causar dor, rigi-
dez e restrição de movimentos. É comum na EA (não tanto
quanto na artrite reativa) e pode ocorrer na fáscia plantar,
inserção do tendão de Aquiles, ao redor da pelve (na tube-
rosidade isquiática, cristas ilíacas e trocânter maior), na co-
luna (nas inserções ósseas de ligamentos e cápsulas de arti-
culações discovertebrais e costovertebrais e nos ligamentos
interespinhoso e paravertebrais), região anterior do tórax
(junções costocondrais) e tuberosidade tibial, uni ou bila-
teralmente. Dactilite é incomum. A seguir, a ilustração dos
pontos de possíveis entesites. Figura 13 - Uveíte anterior em paciente com EA

46
E S P O N D I LO A R T R I T E S S O R O N E G AT I V A S

e) Outros os ângulos brilhantes (shiny corners ou sinal de Romanus


A EA pode acometer outros sistemas, além das articula- – Figura 14). Na sequência, a inflamação provoca erosão e
ções. O envolvimento cardíaco, com a aortite, dilatação do neoformação óssea periosteal, provocando a “quadratura”
anel aórtico e insuficiência aórtica, tem sido descrito em 1% dos corpos vertebrais (normalmente bicôncavos) à radio-
dos pacientes. O risco de envolvimento cardíaco aumenta grafia lateral. A ossificação gradual das camadas superficiais

REUMATOLOGIA
com a idade, presença de HLA-B27, tempo de doença e pre- do ânulo fibroso leva à formação de pontes ósseas interver-
sença de artrite periférica. Podem ocorrer ainda distúrbios tebrais, que são os sindesmófitos (Figuras 17, 18 e 19). Na
de condução e doença miocárdica. EA e espondiloartrites associadas às doenças inflamatórias
O envolvimento costovertebral e costocondral pode le- intestinais (enteroartrites), os sindesmófitos são geralmen-
var a diminuição da expansibilidade torácica, com leve res- te simétricos e regulares, bem verticalizados e marginais,
trição à prova de função pulmonar, sem alteração da difu- ao contrário das artrites reativas e da psoriásica, onde são
são. Isso raramente provoca ventilação insuficiente. Cerca geralmente assimétricos e irregulares, mais grosseiros.
de 1% dos pacientes desenvolve fibrose progressiva dos Também se distinguem dos osteófitos da osteoartrite, que
ápices pulmonares. tem orientação bem lateralizada. A fusão das interapofisá-
Pode haver inflamação inespecífica e subclínica dos in- rias e a calcificação dos ligamentos espinhais, associadas à
testinos grosso e delgado em 60% dos casos de espondilite. formação bilateral de sindesmófitos, pode resultar em fu-
De 10 a 15% dos pacientes com EA vão desenvolver doença são completa da coluna vertebral, fornecendo o aspecto de
inflamatória intestinal. Não há achados cutâneos específicos. coluna “em bambu”.
Acometimento compressivo neurológico por fraturas ver-
tebrais, com síndrome de cauda equina, também pode ocor-
rer ou no caso de deformidade cervical em flexão grave.
Já amiloidose renal secundária é possível pelo estímulo
inflamatório crônico, mas isso é cada vez mais raro. E fibro-
se retroperitoneal é raramente descrita.
Em nível pulmonar, pode ocorrer fibrose apical interal-
veolar ou pneumonia crônica fibrosante, infiltrado linfoci-
tário e dilatação brônquica. Em estágios avançados pode
evoluir com fibrose difusa, bronquiectasia e formação de
cavidades.

B - Achados radiológicos
As alterações radiológicas são predominantemente ob-
servadas no esqueleto axial (sacroilíacas, interapofisárias,
discos vertebrais e articulações costovertebrais) e em locais
de entesopatia.
O envolvimento das sacroilíacas pode ser observado
em raio x simples da pelve, sobretudo se na posição de
Ferguson. A sacroileíte das espondiloartrites envolve a por- Figura 14 - Sinal de Romanus
ção sinovial, nos 2/3 inferiores da articulação sacroilíaca. Na
EA, o acometimento é bilateral e simétrico, assim como nas
espondiloartrites associadas às doenças intestinais inflama-
tórias (enteroartrites). Já nas artrites reativas e na psoriási-
ca, o acometimento geralmente é unilateral e assimétrico.
O 1º achado radiográfico são as erosões, que aparecem
como irregularidades no contorno da articulação. A pro-
gressão do processo erosivo resulta no pseudoalargamento
do espaço articular (a articulação parece mais larga do que
deveria), seguindo-se a esclerose óssea subcondral, até a
anquilose completa ou fusão articular. Nos casos iniciais,
mesmo com clínica, a radiografia pode não evidenciar as
alterações.
Na coluna vertebral, o processo inflamatório se inicia na
inserção do ânulo fibroso nas bordas dos corpos vertebrais.
O 1º sinal radiográfico, nesses casos, decorre da inflama- Figura 15 - Evolução de lesões espinhais da EA. Fonte: ASAS
ção dessa estrutura, resultando em corpos vertebrais com Handbook, 2009

47
REUMATO LOG I A

Tabela 5 - Achados radiológicos (raio x) da EA, que já indicam um - Entesite dos ligamentos espinhais;
comprometimento mais avançado: a ordem dos achados é cres-
- Sindesmófitos/anquilose: pontes ou fusão óssea entre corpos
cente em relação ao tempo de doença vertebrais adjacentes – achado tardio.
Sacroilíacas (fazer o raio x na posição de Ferguson)
- Envolvimento da porção sinovial, nos 2/3 inferiores; Achados radiográficos periféricos podem ser vistos
nas articulações acometidas, com osteoartrite secundá-
- Acometimento é bilateral e simétrico;
ria, levando a redução de espaço articular difuso em toda
- Erosões (irregularidades no contorno articular);
a articulação, esclerose subcondral e formação de osteó-
- Pseudoalargamento do espaço articular; fitos. Isso é comum nos quadris. Podem ocorrer também
- Esclerose óssea subcondral; irregularidades na inserção óssea dos tendões (geralmente
- Anquilose completa ou fusão articular. na inserção do tendão de Aquiles ou na inserção calcânea
Coluna (fazer raio x lateral de coluna cervical e lombar) da fáscia plantar), com calcificações grosseiras ao longo do
- Corpos vertebrais com os ângulos brilhantes (shiny corners ou tendão, partindo de sua inserção.
sinal de Romanus);
- Quadratura dos corpos vertebrais (que são normalmente bi-
côncavos);
- Sindesmófitos simétricos e regulares, bem verticalizados e mar-
ginais;
- Coluna “em bambu”.

Mais recentemente, dados os avanços terapêuticos no


tratamento das espondiloartrites e a necessidade de diag-
nóstico inicial, em pacientes sem doença francamente de-
formante, a Ressonância Magnética Nuclear (RMN) ganhou
bastante importância. Novos critérios de espondiloartrites
foram desenvolvidos recentemente, incluindo achados de
RMN, que continua a ter maior utilidade nos quadros ini-
ciais, em que não há achados à radiografia simples. A RMN
para esse fim deve incluir sequências STIR ou com contras-
te, para realçar as alterações inflamatórias. A RMN pode
prover dados importantes de atividade inflamatória inicial,
bem antes das alterações encontradas no raio x, tanto nas
articulações sacroilíacas (Tabela 6) como na coluna verte- Figura 16 - Sacroileíte bilateral: observar a redução do espaço nas
bral (Tabela 7). sacroilíacas e a esclerose óssea

Tabela 6 - Achados de sacroileíte na RMN de sacroilíacas


Lesões inflamatórias agudas
- Edema de medula óssea (osteíte);
- Capsulite;
- Sinovite;
- Entesite.
Lesões inflamatórias crônicas
- Esclerose;
- Erosão;
- Deposição de gordura;
- Pontes ósseas/anquilose.

Tabela 7 - Achados de envolvimento espinal inflamatório na RMN


de colunas
- Espondilite: inflamação do corpo da vértebra;
- Espondilodiscite: inflamação da placa cortical adjacente ao dis-
co intervertebral;
- Artrite das articulações zigoapofisárias: artrite costovertebral; Figura 17 - Formação de sindesmófitos na coluna vertebral

48
E S P O N D I LO A R T R I T E S S O R O N E G AT I V A S

eram adequados para a detecção da doença em está-


gios precoces. Logo, em 2009 o ASAS (The Assessment of
Spondyloarthritis International Society) forneceu os novos
critérios de classificação das espondiloartrites (Tabela 9).

REUMATOLOGIA
Tabela 8 - Critérios de Nova Iorque modificados para espondilite
anquilosante (1984)
Diagnóstico
1. Critério clínico:
a) Dor lombar com rigidez por mais de 3 meses, que melhora
com o exercício, mas não com o repouso.
b) Limitação na mobilidade da coluna lombar nos planos sagital
e frontal.
c) Limitação na expansibilidade da caixa torácica.
2. Critério radiológico:
- Sacroileíte: grau >2 bilateralmente ou grau 3 a 4 unilateralmente.
Definição
1. EA definida, se tiver critério radiológico associado a pelo me-
Figura 18 - Sindesmófitos bilaterais, com o aspecto de coluna “em nos 1 critério clínico.
bambu”
2. EA provável:
a) Presença de 3 critérios clínicos.
b) O critério radiológico está presente sem qualquer sinal ou sin-
toma que satisfaça os critérios clínicos (outras causas devem ser
consideradas).

Tabela 9 - Critério ASAS 2009 para as espondiloartrites


Critérios do ASAS para a classificação das espondiloartrites
axiais
Aplicado para pacientes com dor lombar crônica de início antes
dos 45 anos
Sacroileíte em imagem + pelo menos 1 achado sugestivo de
espondiloartrite*
ou
HLA-B27 positivo + pelo menos 2 achados sugestivos de es-
pondiloartrite*
Figura 19 - Sindesmófitos - Dor lombar inflamatória;
- Artrite;
C - Achados laboratoriais - Uveíte;
- Dactilite;
Podem ocorrer leve anemia normocítica normocrômica
- Psoríase;
de doença crônica, leucocitose e trombocitose discretas.
Os reagentes de fase aguda (PCR, VHS) estão aumentados - Doença de Crohn ou retocolite;
em apenas 50% dos casos e estão associados à presença - Boa resposta aos AINH;
de artrite periférica. FAN e FR são negativos, e HLA-B27 é - História familiar de espondiloartrite;
positivo em 90% dos pacientes brancos com EA. Em qua- - HLA-B27+;
dros em que o diagnóstico está claro, o HLA-B27 não tem - PCR elevada.
indicação de pesquisa. Entretanto, no esforço de diagnosti- * Achados sugestivos de espondiloartrite.
car casos mais precocemente, a Sociedade Internacional de
Espondiloartrites (ASAS) estabeleceu novos critérios para O diagnóstico diferencial inclui todas as outras espon-
espondiloartrites, incluindo o HLA-B27 tanto como critério diloartrites soronegativas, sobretudo na vigência de artrite
maior como menor. periférica predominante, entesite, dactilite ou manifesta-
ções mucocutâneas.
D - Diagnóstico O envolvimento da coluna pode ainda ser diferenciado
Os critérios antigamente utilizados para a EA são os de DISH, ocronose e síndrome SAPHO. Já o comprometimen-
de Nova Iorque modificados (Tabela 8), porém estes não to das sacroilíacas faz diagnóstico diferencial com uma série

49
REUMATO LOG I A

de doenças que incluem infecções (tuberculose, brucelose, Os corticoides em baixas doses (prednisona ou equiva-
piogênicas), doença de Behçet, doença de Whipple, doença lente) estão indicados a casos de artrite periférica persis-
de Paget, neoplasias, febre familiar do Mediterrâneo, ocro- tente. Seu uso intra-articular pode ser uma alternativa em
nose e síndrome SAPHO. casos de oligo ou monoartrite residual.
E - Tratamento Nos pacientes com doença axial não responsiva ao uso
crônico de AINHs, estão indicados os agentes anti-TNF (ada-
Inicialmente, o paciente espondilítico deve ser informado
limumabe, etanercepte e infliximabe), que devem ser asso-
de que, embora a doença seja crônica, apresenta boas pers-
ciados a um AINH. Em caso de doença residual predominan-
pectivas terapêuticas nos dias de hoje, e de que a agregação
temente periférica, podem-se usar Drogas Modificadoras
familiar da doença somente costuma ser observada em fa-
do Curso da Doença (DMCDs) tradicionais de ação prolon-
mílias de pacientes HLA-B27 positivo. O amparo psicológico,
gada, como a sulfassalazina (2 a 3g/dia), o metotrexato (7,5
visando perfeita integração à sociedade, é fundamental na
a 25mg/semana) e a leflunomida (20mg/dia), os 2 últimos
condução terapêutica dos pacientes espondilíticos.
sem muita evidência científica, assim como os agentes bio-
A fisioterapia deve ser realizada de maneira sistemática
lógicos com ação anti-TNF. Nesses casos periféricos, pode-
em todos os estágios da doença para educação postural, pre-
-se fazer a combinação entre DMCDs tradicionais entre si e
servação de amplitude articular e conservação de energia.
um anti-TNF com 1 ou mais DMCDs tradicionais. Os anti-TN-
Os Anti-Inflamatórios Não Hormonais (AINHs) devem
Fs adalimumabe e infliximabe têm ação sobre os quadros
ser utilizados desde o início do tratamento e são modifica-
oculares (uveíte), sobre as entesites e quadros intestinais
dores de doença no que se refere ao quadro axial. Devem
de colite associada, diferente do etanercepte, que age pre-
ser mantidos continuamente, na maior dose tolerada (a
ferencialmente sobre o quadro articular.
máxima, se possível), mesmo que o paciente com quadro
axial esteja assintomático por uso de outra medicação (no- Sintomas constitucionais como fadiga, depressão e al-
tar que essa a única indicação de uso contínuo de AINH em terações do sono podem ser tratados com antidepressivos
dose plena). tricíclicos.

Tabela 10 - Drogas usadas comumente no tratamento da EA


DMCD Dose usual e via de administração Indicações
Dose máxima de um determinado AINH deverá ser mantida O uso contínuo do AINH em dose máxima é o único tra-
AINHs continuamente, mesmo se o quadro axial for assintomáti- tamento comprovadamente capaz de evitar progressão ra-
co, caso o paciente não tenha uma contraindicação formal. diográfica da doença axial. Em EA, é considerado um DMCD.
DMCDs tradicionais
Sulfassalazi- Artrite periférica refratária a AINHs, com alguma evidência
1,5 a 3g/dia VO
na científica.
7,5 a 25mg/semana (considerado eficaz em doses >12,5mg/ Artrite periférica refratária a AINHs, sem evidência cientí-
Metotrexato
semana). Pode ser dado VO, SC ou IM fica.
Artrite periférica refratária a AINHs, sem evidência científi-
Leflunomida 20mg/dia. Não é muito usado em EA.
ca. Pouco usado depois do advento dos biológicos.
Artrite periférica refratária a AINHs, sem evidência científi-
Azatioprina 1 a 2mg/kg/dia (50 a 300mg/dia dependendo do peso).
ca. Pouco usado depois do advento dos biológicos.
Ciclosporina Artrite periférica refratária a AINHs, sem evidência científi-
2 a 3mg/kg/dia (100 a 300mg/dia dependendo do peso).
ca. Pouco usado depois do advento dos biológicos.
DMCDs biológicas (apenas medicamentos com ação anti-TNF)
Anticorpo monoclonal humano com ação anti-TNF-alfa, indi-
cado em casos axiais refratários a AINH e periféricos refratários
Adalimumabe 40mg SC, a cada 14 dias.
a AINHs ou DMCDs tradicionais. Também é eficaz para uveíte,
entesite e doença intestinal inflamatória associada.
Proteína de fusão com ação anti-TNF-alfa, indicada em casos
Etanercepte 50mg SC, 1x/semana. axiais refratários a AINH e periféricos refratários a AINHs ou
DMCDs tradicionais.
Anticorpo monoclonal quimérico com ação anti-TNF-alfa, indi-
3-5mg/kg IV nas semanas 0, 2, 6 e então a cada 6 a 8 sema- cado em casos axiais refratários a AINH e periféricos refratários
Infliximabe
nas. a AINHs ou DMCDs tradicionais. Também é eficaz para uveíte,
entesite e doença intestinal inflamatória associada.

50
E S P O N D I LO A R T R I T E S S O R O N E G AT I V A S

AINH
Educação

Exercício Doença Doença

REUMATOLOGIA
axial periférica
Fisioterapia

Reabilitação Sulfassalazina Analgésicos Cirurgia

Associação de
pacientes
Corticosteroide local
Grupos de ajuda

Bloqueador do TNF

Figura 20 - Tratamento das espondiloartrites. Fonte: ASAS Handbook, 2009

4. Artrite reativa Tipo de infecção Agente infeccioso

A artrite reativa (ARe) é uma forma de artrite periférica, - Yersinia enterocolitica;


habitualmente acompanhada por 1 ou mais manifestações - Yersinia pseudotuberculosis;
extra-articulares, que aparecem após certas infecções dos Trato digestivo - Salmonella sp;
aparelhos geniturinário e gastrintestinal. A maioria dos indi- - Shigella sp;
víduos afetados é de homens jovens (na 3ª década de vida), - Campylobacter.
mas também podem ser acometidos mulheres e indivíduos - Streptococcus;
em qualquer idade. A relação entre homens e mulheres é Trato respiratório
- Chlamydia pneumoniae.
de 9:1.
Entre 50 e 80% dos pacientes têm o antígeno leucocitá-
rio humano HLA-B27, e, quando ocorre envolvimento axial A - Apresentação clínica
concomitante, a frequência do HLA-B27 é de 90%. Brancos
são mais afetados do que outros grupos raciais ou outros A ARe tipicamente tem início agudo, de 1 a 4 semanas
grupos com baixa incidência de HLA-B27. Casos têm sido após uma infecção venérea não gonocócica ou gastroen-
relatados após epidemias de doença diarreica por Shigella, terite. História anterior de infecção precedendo o quadro
Salmonella e Campylobacter, assim como infecções não pode ser relatada, porém infecção genital comumente é as-
gonocócicas do aparelho geniturinário, geralmente por sintomática. Sintomas constitucionais, como febre e perda
Chlamydia trachomatis. de peso, são possíveis.
Devido à elevada frequência de HLA-B27, ao possível
envolvimento do esqueleto axial de forma muito parecida a) Manifestações articulares e periarticulares
com a EA, e ao envolvimento articular periférico com oligo- O envolvimento articular periférico é o mais caracterís-
artrite de predomínio de membros inferiores e entesites, tico da ARe (90% dos casos) e geralmente é agudo, aditivo,
sem relação com a presença de fator reumatoide, a ARe assimétrico e oligoarticular, com predomínio nas articula-
também é classificada como uma espondiloartrite. ções dos membros inferiores, especialmente joelhos, tor-
A descrição original da ARe feita um jovem alemão, após
nozelos e pequenas articulações dos pés. Em média, 1/3
um quadro de diarreia sanguinolenta, desenvolvendo a tría-
dos pacientes tem exclusivamente artrite de membros in-
de clínica de uretrite não gonocócica, conjuntivite e artrite.
feriores. O acometimento do quadril é incomum, mas arti-
O termo síndrome de Reiter, em sua homenagem, se res-
culações esternoclaviculares, ombros e temporomandibu-
tringe à ARe que se manifesta com essa tríade, mas tem
lares também podem estar acometidos.
sido recentemente desencorajado pelo seu envolvimento
As articulações afetadas pela ARe tipicamente encon-
com crimes de guerra na 2ª Guerra Mundial.
tram-se edemaciadas, quentes e dolorosas, podendo suge-
Tabela 11 - Infecções mais comumente associadas à artrite reativa rir uma artrite séptica. Quando quirodáctilos e pododáctilos
Tipo de infecção Agente infeccioso são acometidos, apresentam um edema difuso, e são deno-
- Chlamydia trachomatis; minados dedos “em salsicha” ou dactilites (Figura 21), um
Urogenital achado característico da ARe e da artrite psoriásica. Na ARe,
- Ureaplasma urealyticum.
ocorrem em 50% dos casos.

51
REUMATO LOG I A

Habitualmente, C. trachomatis é causa de uretrite ou


cervicite e o agente-gatilho para a ARe. Neisseria gonorrho-
eae também pode ser encontrada no trato genital e geral-
mente coexiste com infecção por Chlamydia, mas não causa
ARe. Já Ureaplasma urealyticum pode causá-la.
Conjuntivite ocorre em 1/3 dos casos e, quando pre-
sente, geralmente acompanha a uretrite ou se desenvolve
vários dias após. Como os sintomas são transitórios e leves,
Figura 21 - Dedo “em salsicha” ou dactilite no 2º pododáctilo direito pacientes devem ser questionados sobre irritação ocular
em paciente com ARe. Fonte: ABC of Rheumatology, 4th ed., 2010 recente, especialmente pela manhã, o que sugere uma in-
flamação ocular. Os pacientes podem apresentar hiperemia
Pode haver ainda inflamação dos tendões, ligamentos, conjuntival bilateral, com sensação de queimação e exsuda-
fáscias e suas inserções. Entesite (Figura 22) é mais frequen- to. A conjuntivite não tem relação com HAL-B27.
te na inserção da fáscia plantar ou na inserção do tendão Uveíte anterior aguda (irite) tipicamente é unilateral,
de Aquiles no calcâneo, levando a uma das manifestações mas pode ser bilateral, acompanhada de conjuntivite com
mais frequentes da doença: dor no calcanhar. Outros locais eritema ocular importante, dor, borramento visual e fotofo-
comuns de entesite incluem tuberosidade isquiática, crista bia (Figura 23). Ocorre com menor frequência que na EA (15
ilíaca e tuberosidade tibial. a 20%) e pode ocorrer e recorrer em qualquer momento do
Lombalgia e dor nas nádegas são comuns na ARe e ocor- curso da doença. Alguns pacientes podem desenvolver uve-
rem em aproximadamente 50% dos casos, provavelmente íte anterior crônica que pode resultar em perda da visão.
causadas por envolvimento inflamatório da coluna e da ar-
ticulação sacroilíaca. Entretanto, as alterações radiográficas
no esqueleto axial estão presentes em 20% dos pacientes.
Nos casos que se tornam crônicos e não ficam autolimita-
dos, o envolvimento radiográfico axial chega a 70%.

Figura 23 - Uveíte anterior aguda em paciente com artrite reativa.


Fonte: Rheumatology in Practice

O queratoderma blenorrágico (Figura 24) é um tipo de


lesão cutânea papulodescamativa que acomete a região
plantar e palmar, assemelhando-se à psoríase pustulosa.
Ocorre em cerca de 25% dos pacientes com ARe e pode
afetar outras áreas. Quando atinge o leito subungueal, as
unhas das mãos e dos pés podem tornar-se quebradiças e
opacas, assemelhando-se às alterações encontradas nas in-
fecções micóticas e psoriásicas.

Figura 22 - Entesite em tornozelo

b) Manifestações extra-articulares
Uretrite não gonocócica, quando presente, em geral
é a 1ª manifestação e acontece nas formas pós-venérea e
Figura 24 - Queratoderma blenorrágico. Fonte: ABC of Rheumato-
pós-entérica. Disúria e descarga uretral purulenta são os logy, 4th ed., 2010
sintomas mais típicos no homem, mas estão presentes,
ocasionalmente, prostatite e/ou epididimite. Mulheres po- A balanite circinada (Figura 25), uma lesão característi-
dem ter disúria, corrimento vaginal, cervicite e/ou vaginite. ca que envolve a glande peniana, aparece como ulcerações
Pacientes assintomáticos para inflamação genital frequen- serpiginosas ao redor da uretra. Úlceras orais podem apa-
temente têm piúria estéril, principalmente na 1ª urina da recer na língua e no palato, indolores. O paciente deve ser
manhã. questionado sobre essas alterações.

52
E S P O N D I LO A R T R I T E S S O R O N E G AT I V A S

trombocitose discretas. Os reagentes de fase aguda (PCR,


VHS) estão aumentados, FAN e FR são negativos, e HLA-B27
é positivo em aproximadamente 50 a 80% dos pacientes
brancos com AR.
A análise do líquido sinovial mostra alterações do tipo

REUMATOLOGIA
inflamatória, podendo atingir altos níveis de leucócitos. A
pesquisa de agentes infecciosos, incluindo gonococo, deve
ser feita para excluir artrite séptica.

D - Diagnóstico
O diagnóstico é feito por achados clínicos e laborato-
riais. A presença de oligoartrite assimétrica, soronegativa
(FR negativo) em pessoa jovem, deve alertar o médico para
o diagnóstico de ARe. Antecedentes de diarreia e doença
venérea podem ser informações adicionais.
Devem ser excluídas infecção gonocócica e outras for-
mas de artrite séptica. Em todas as pessoas com sinais de
inflamação baixa do trato geniturinário, deve ser feita a pes-
quisa de N. gonorrhoeae e C. trachomatis.
Figura 25 - Balanite circinada: observar as lesões de aspecto ser- O diagnóstico diferencial inclui ainda outras formas de
piginoso espondiloartrites, artrite reumatoide (que pode iniciar-se
de forma oligoarticular), infecção gonocócica disseminada,
Outras complicações são menos comuns, como a aor- infecções virais agudas e endocardite bacteriana.
tite, que ocorre em 1 a 2% dos pacientes. Regurgitação de
válvula aórtica e bloqueio cardíaco são consequências clí- Tabela 12 - Principais características da ARe
nicas do processo inflamatório. Amiloidose por amiloide A - Artrite periférica que se desenvolve após certas infecções dos
tem sido descrita em alguns casos e se manifesta por pro- aparelhos genitourinário e gastrintestinal (infecções genituriná-
teinúria ou síndrome nefrótica. rias não gonocócicas, geralmente por Chlamydia trachomatis ou
doença diarreica por Shigella, Salmonella e Campylobacter);
c) Associação a HIV
- Acomete mais homens jovens (relação entre homens e mulheres
A ARe tem sido relatada com frequência em pessoas é de 9:1);
com HIV, e sua prevalência e gravidade podem estar aumen- - Oligoartrite assimétrica com predomínio nos membros inferio-
tadas em associação aos vírus. Estudos recentes mostram res;
que o HIV isolado não causa a doença, mas sua associação - Entesites (por exemplo, calcaneodinia) e dactilites;
a outras doenças, como infecção por Chlamydia, pode ser
- Pode ocorrer envolvimento axial, que se associa à presença de
responsável pelo desenvolvimento de ARe. HLA-B27;
- Início agudo (1 a 4 semanas após a infecção desencadeante);
B - Achados radiográficos
- Manifestações extra-articulares: uretrite não gonocócica, conjun-
Anormalidades na radiografia não são encontradas em tivite, uveíte anterior aguda (irite), queratoderma blenorrágico,
fases iniciais da doença. Alterações encontradas são reação balanite circinada;
periosteal e erosões ósseas no calcâneo, na inserção da fás- - Associação a HIV.
cia plantar e/ou tendão de Aquiles. Achados similares po-
dem ser encontrados em pacientes com EA ou artrite pso- E - Tratamento
riásica. Algumas alterações são mais comumente vistas nos
Na fase articular aguda, inicia-se o tratamento com
pés, envolvendo as articulações metatarsofalangianas com
AINHs. Os corticoides estão reservados para casos de ente-
destruição óssea.
sopatia e artrites persistentes, sendo utilizadas baixas doses
Alterações radiográficas do esqueleto axial incluem sa-
de prednisona.
croileíte, frequentemente unilateral ou bilateral assimétri-
Quando há evolução para doença articular crônica, po-
ca, e sindesmófitos, mais grosseiros e unilaterais se compa-
dem ser utilizados sulfassalazina ou metotrexato nos casos
rados com a EA.
periféricos. Há relatos de uso de agentes anti-TNF (adalimu-
mabe, etanercepte ou infliximabe) em pacientes que croni-
C - Achados laboratoriais ficam o envolvimento articular, sobretudo axial.
Achados inespecíficos podem incluir leve anemia nor- A administração de antibióticos deve ser considerada
mocítica normocrômica de doença crônica, leucocitose e quando há infecção. Nas infecções entéricas, está indicado

53
REUMATO LOG I A

o tratamento quando a infecção não é autolimitada. Os se- B - Achados radiográficos


guintes antibióticos podem ser utilizados: ciprofloxacino ou
sulfametoxazol + trimetoprim. Em pacientes com infecção A artrite periférica não é erosiva às radiografias, exceto
do trato geniturinário por Chlamydia, está indicada a tetra- no quadril. Os achados axiais são semelhantes aos da EA,
ciclina ou seus derivados. com sacroileíte e envolvimento da coluna simétrica, com
sindesmófitos bem verticalizados e delicados. A RMN pode
mostrar sacroileíte inicial assintomática nesse grupo.
5. Artrite relacionada às doenças infla-
matórias intestinais (enteroartrites) C - Achados laboratoriais
A anemia é comum e reflete inflamação crônica e perda
A - Apresentação clínica sanguínea gastrintestinal. Pode haver leucocitose e trom-
bocitose. As provas de fase aguda, como PCR e VHS, estão
A artrite periférica acontece em cerca de 20% dos pa- elevadas na atividade da doença. FR e FAN são negativos,
cientes com Doença de Crohn (DC) ou Retocolite Ulcerativa mas o ANCA pode ser positivo, geralmente padrão perinu-
(RU). A prevalência é ligeiramente maior na DC. Pode ocor- clear (p-ANCA).
rer acometimento periférico, com artralgias migratórias
ou artrite aditiva, não erosiva, oligoarticular, usualmente Tabela 13 - Principais características das enteroartrites
assimétrica e predominantemente de membros inferiores, - Artrite periférica (20% dos pacientes com DC ou RU);
acometendo mais comumente joelhos, tornozelos e pés. - Não erosiva, oligoarticular, assimétrica e predominantemente
Grandes derrames articulares, especialmente em joelhos, dos membros inferiores;
são comuns. Deformidades são raras. A artrite periférica - Pode acompanhar a atividade da doença inflamatória intestinal
pode acompanhar a atividade da doença inflamatória intes- e melhorar com o seu controle;
tinal e melhorar com o controle da mesma. Na RU, a colec- - Artrite periférica enteropática não se associa à presença de
tomia para controle da doença intestinal pode levar à re- HLA-B27;
missão da artrite, mas isso não acontece na DC. A presença - Envolvimento axial: mais comum em homens;
de artrite periférica enteropática não se associa à presença
- Curso independente da doença intestinal;
de HLA-B27.
- Associação a HLA-B27;
Acometimento da coluna, incluindo sacroileíte, aconte-
- Sindesmófitos finos e regulares;
ce em cerca de 10% das pessoas com doenças inflamatórias
intestinais e frequentemente é assintomático. Homens de- - Sacroileíte frequentemente assintomática;
senvolvem complicações mais habitualmente que mulheres - Manifestações extra-articulares: eritema nodoso e pioderma
(3:1). O envolvimento axial tem um curso independente da gangrenoso;
atividade da doença intestinal, e a colectomia terapêutica - Uveíte.
não se reflete na atividade de doença axial. O HLA-B27 é
encontrado com menor frequência nessa doença (aproxi- D - Tratamento
madamente, 50% nos casos com envolvimento axial). Os Os princípios terapêuticos são os mesmos da EA. Os
sintomas clínicos, sinais e achados radiológicos das espon- AINHs, entretanto, não são prescritos de rotina em pacien-
diloartrites associadas às doenças intestinais são indistin- tes com artrite enteropática, pois podem desencadear ativi-
guíveis da EA. O aparecimento da artrite pode anteceder dade da doença inflamatória intestinal, particularmente da
os sintomas gastrintestinais, apresentando-se inicialmente DC. Além disso, é possível causar ulceração ou sangramento
como uma forma indiferenciada da EA. intestinal e confundir com atividade de doença. É preferível
Manifestações extra-articulares da doença inflamató- o uso de corticoides em baixas doses, podendo ser elevadas
ria intestinal também podem ocorrer em 24% dos casos: em casos de inflamação intestinal importante. Os corticoi-
a complicação cutânea mais comum é o eritema nodoso, des também podem ser usados por via intra-articular em
que costuma acompanhar a atividade inflamatória intesti- casos de artrite periférica.
nal e articular periférica. O pioderma gangrenoso é menos As drogas de base mais utilizadas para o tratamen-
frequente, mas é mais grave, com aparecimento de úlce- to dos surtos de atividade intestinal são os derivados da
ras profundas e dolorosas na pele. É possível haver úlceras 5-ASA, a mesalazina e a sulfassalazina. Esta última tam-
orais recorrentes na DC, as quais refletem a atividade intes- bém pode controlar atividade articular periférica, mas não
tinal na DC. axial. Nos casos periféricos, mesmo sem evidência cientí-
Uveíte anterior aguda, unilateral, alternante, similar fica clara, metotrexato e azatioprina podem ser indicados.
àquelas encontradas nas outras espondiloartrites, são en- Medicamentos com ação anti-TNF, particularmente o in-
contradas em 11% dos casos de enteroartrites. Na DC, pode fliximabe e o adalimumabe, têm se mostrado efetivos no
ocorrer uma uveíte granulomatosa, mais grave e persisten- controle da doença intestinal e articular axial e periférica,
te. Febre e perda de peso também são comuns. inclusive com fechamento de fístulas na DC. O etanercepte

54
E S P O N D I LO A R T R I T E S S O R O N E G AT I V A S

se mostrou eficaz no controle da doença articular, mas não víduos jovens, na 2ª e 3ª décadas de vida. Afeta as
da DC intestinal propriamente dita. Acredita-se que diferen- pequenas articulações das mãos e dos pés, evoluindo
ças na forma de inibição do TNF sejam responsáveis pela para deformidades importantes (Figura 29) e encurta-
diferença na forma de tratamento. mento dos dedos (dedos “telescopados”);
- Forma espondilítica (5%): com envolvimento do es-

REUMATOLOGIA
6. Artrite psoriásica queleto axial, com espondilite e sacroileíte. Pode
A Artrite Psoriásica (AP) forma um grupo heterogêneo acompanhar as outras formas em até 40% dos casos.
de manifestações articulares inflamatórias crônicas em
As formas de apresentação da doença podem sobrepor-
associação à psoríase, uma doença inflamatória cutânea,
-se com o passar dos anos. Pacientes com doença estabele-
característica pela presença de lesões eritematodescamati-
cida têm mais doença poliarticular.
vas, principalmente em faces extensoras do corpo, poden-
do acometer também o couro cabeludo, as palmas e plan- a) Artrite periférica
tas, áreas flexoras e unhas, com alterações características. Costuma ser oligoarticular no início da doença, mas, com
A AP pode apresentar-se de muitas formas: monoartri- o passar dos anos e um número maior de articulações sendo
te, oligoartrite assimétrica, envolvimento de articulações acometidas, tende a tornar-se poliarticular. Algumas caracte-
axiais (com características de espondiloartropatias sorone- rísticas ajudam a diferenciar a AP da AR: a AP é mais frequente-
gativas), poliartrite simétrica (semelhante à artrite reuma- mente assimétrica, pode acometer as interfalangianas distais
toide), e artrite mutilante. (poupadas na AR), tem FR costumeiramente negativo (embora
A prevalência da AP é de aproximadamente 0,1 a 1%. A possa ser positivo numa minoria de casos – <10% se medido
artrite ocorre em 10% dos pacientes com psoríase. O aco- por ELISA), acomete homens e mulheres igualmente e tem ca-
metimento da pele costuma preceder a artrite em 75% dos racterísticas radiográficas peculiares com a lesão tipo pencil-in-
casos, com início simultâneo em 10% dos pacientes. Na mi- -cup. Pode ainda manifestar-se como artrite mutilante.
noria restante (15%), a artrite pode anteceder o surgimento
b) Envolvimento axial
da psoríase em cerca de 2 anos. A relação entre homens e
mulheres é de 1:1, exceto em subtipos específicos, com pre- A AP pode acometer sacroilíacas e a coluna. Entretanto,
dominância do sexo feminino na forma poliarticular simétri- assim como nas artrites reativas e diferentemente da EA e
ca e do sexo masculino na forma com envolvimento axial. A das espondiloartropatias associadas à doença inflamatória
idade de maior prevalência está entre os 30 e os 55 anos. intestinal, o envolvimento axial costuma ser assimétrico,
A etiologia da psoríase é desconhecida. Fatores genéti- com sindesmófitos grosseiros. Apenas parte dos pacientes
cos, ambientais e imunológicos estão envolvidos na susceti- com manifestações radiográficas tem clínica de dor inflama-
bilidade e na expressão da doença. tória associada. A grave limitação do esqueleto axial como
na EA também é menos comum.
A - Achados clínicos c) Outras manifestações articulares/periarticulares
Classicamente, a AP apresenta 5 formas clínicas: Outras manifestações podem ser entesites, dactilites e
- Oligoartrite assimétrica (70%): a forma clínica mais tenossinovites. As primeiras costumam acometer a inser-
frequente acomete até 4 articulações, grandes e/ou ção do tendão de Aquiles e da fáscia plantar no calcâneo,
pequenas, com predomínio de membros inferiores, levando à típica dor em tornozelos das espondiloartrites
geralmente de forma assimétrica. Dactilites são co- (calcaneodinia). Pode acometer também as ênteses em jo-
muns, caracterizando os dedos “em salsicha”; elhos, ombros e ossos da pelve. As dactilites ou dedos “em
- Poliartrite simétrica (15%): apresenta quadro articular salsicha” são típicas da AP e da ARe, afetando principal-
muito semelhante ao da artrite reumatoide, com ero- mente os pés, mas também as mãos. A dactilite resulta da
são e acometimento de carpo, metacarpofalangianas e artrite dos dedos com tenossinovite dos flexores do dedo
interfalangianas proximais. Entretanto, pode acometer envolvido, levando ao edema difuso do dedo. As tenossi-
concomitantemente as articulações interfalangianas novites costumam acometer os tendões flexores dos dedos
distais, classicamente não afetadas na artrite reuma- e o extensor do carpo (pouco acometido na AR) e provocar
toide (Figura 26); nódulos e muita limitação funcional.
- Envolvimento de interfalangianas distais (5%): aco-
mete exclusivamente as articulações interfalangianas
distais (Figuras 27 e 28), geralmente associado às le-
sões ungueais típicas da psoríase (unha “em dedal” ou
pitting nail); pode acometer conjuntamente pacientes
com outros padrões em até 50% dos casos;
- Artrite mutilante (<5%): é a forma clínica menos fre-
quente e mais grave, acometendo geralmente indi- Figura 26 - Artrite psoriásica tipo AR

55
REUMATO LOG I A

lar sugestivo de AP, na ausência de lesões em faces exten-


soras e ungueais, é mandatório pesquisar toda a superfície
corpórea do pacientes, desnudo, para buscais lesões em
regiões mais escondidas.

Figura 27 - Artrite psoriásica com acometimento de IFD

Figura 28 - Artrite psoriásica com acometimento ungueal e de IFD


Figura 30 - Psoríase em joelhos

Figura 29 - Artrite psoriásica forma mutilante

d) Manifestações cutâneas Figura 31 - Observar a presença de depressões na unha (unha “em


A psoríase cutânea constitui pré-requisito para o diag- dedal” ou pitting nail)
nóstico. A psoríase vulgar é a forma mais comum de apre-
sentação associada a AP. A lesão psoriásica típica é bem
delimitada, em placas, eritematosas e descamativas (Figura e) Outras manifestações extra-articulares
30), e se manifesta pelo acometimento das superfícies ex- Envolvimento ocular típico das espondiloartrites tem
tensoras, principalmente de cotovelos e joelhos. Pode aco- sido observado dos pacientes, com uveíte anterior aguda
meter o couro cabeludo, as pregas glúteas, o sulco interglú- em 7% dos casos. Outros achados como insuficiência aórti-
teo e áreas flexoras de membros e troco (sulcos inframamá- ca, uretrite asséptica, colite inespecífica, fibrose pulmonar
rios, umbigo, região inguinal). A psoríase gutata também se de lobos superiores e amiloidose podem ocorrer, porém são
associa a AP, mas é menos comum. raros e menos frequentes que nas outras espondiloartrites.
O envolvimento das unhas pode ser o único achado clí-
nico em pacientes que desenvolvem artrite. Os principais B - Achados radiológicos
achados são depressões (pitting nail ou unha “em dedal”
Diversos aspectos radiográficos podem ser encontrados
– Figura 31), onicólise, depressões transversais, queratose,
na doença. A artrite periférica geralmente causa lesões assi-
descoloração amarelo-amarronzada (sinal da gota de óleo).
métricas e se manifesta radiograficamente por erosões ós-
Nenhuma dessas alterações é específica da psoríase. O en-
seas destrutivas, com proliferação óssea intensa associada,
volvimento ungueal se correlaciona com o envolvimento
inclusive em interfalangianas distais. A destruição óssea in-
das interfalangianas distais. Na presença de quadro articu-
tensa (osteólise) pode provocar esculpimento e afilamento

56
E S P O N D I LO A R T R I T E S S O R O N E G AT I V A S

da porção distal das falanges e lesão em aspecto de taça Tabela 14 - Critérios classificatórios de artrite psoriásica. Grupo
nas porções proximais. Uma falange afilada distalmente Caspar, 2006
em articulação com outra cuja base foi alargada em forma Doença articular inflamatória estabelecida e pelo menos 3
de taça leva à característica lesão tipo pencil-in-cup (Figura pontos nos seguintes critérios
32). A artrite mutilante se manifesta radiograficamente por Psoríase cutânea atual 2 pontos

REUMATOLOGIA
total desarranjo articular e intensa (e até total) destruição História de psoríase 1 ponto
óssea. O envolvimento axial é caracterizado por formação
História familiar de psoríase 1 ponto
de sindesmófitos grosseiros, não marginais, na coluna, or-
ganizados de forma assimétrica e sacroileíte também gros- Dactilite 1 ponto
seira e assimétrica. A anquilose na coluna e em sacroilíacas Neoformação óssea justa-articular 1 ponto
também pode acontecer. Fator reumatoide negativo 1 ponto
Distrofia ungueal 1 ponto

D - Tratamento
Os anti-inflamatórios são utilizados para a dor articular
periférica e axial. Os corticoides podem ser utilizados em
baixas doses em casos de artrite periférica, mas devem ser
evitados porque sua retirada pode piorar o quadro cutâneo.
Injeções intra-articulares de corticoide podem ser feitas
episodicamente em mono ou oligoartrites, tendo efeito sin-
tomático rápido, mas transitório. Só deve ser realizada caso
de não haja lesão cutânea sobre a via de acesso articular,
pois a lesão da psoríase é infectada.
Nos casos não responsivos com envolvimento periféri-
co, podem ser utilizados metotrexato, sulfassalazina, ciclos-
porina e leflunomida, todos com algum benefício articular
Figura 32 - Observar o acometimento assimétrico das articulações, periférico e cutâneo, à exceção da sulfassalazina, sem be-
mais evidente em IFD, o aspecto pencil-in-cup na 3ª interfalangia- nefício cutâneo. Os agentes anti-TNF (adalimumabe, eta-
na distal nercepte e infliximabe) têm benefício provado nas manifes-
tações cutâneas e articulares axiais e periféricas. Quando
C - Diagnóstico houver quadro axial importante ou na falha de outros agen-
tes para o quadro articular periférico ou para a pele, esses
Segundo os critérios de Caspar, deve ser feito com base agentes estão indicados. Entretanto, quando indicados para
na presença de psoríase atual, história pessoal ou familiar o quadro cutâneo, a dose dos anti-TNFs é maior do que a
de psoríase cutânea, presença de alterações ungueais de normalmente prescrita para o quadro articular.
psoríase, negatividade do fator reumatoide, presença de Outros agentes biológicos usados no tratamento da pso-
dactilite e evidência radiológica de formação óssea justa- ríase cutânea (alefacepte, efalizumabe) não são usados na
-articular, que não osteófitos. Os diagnósticos diferenciais forma articular, e outros agentes biológicos usados em AR
incluem artrite reumatoide, outras espondiloartrites, os- não têm benefício provado em AP.
teoartrite e síndrome SAPHO. A AR geralmente é poliarticu-
lar simétrica (mas pode se iniciar oligoarticular, e AP pode 7. Miscelânea
ser poliarticular), com fator reumatoide positivo em 75%
dos casos contra menos de 10% nos casos de AP, sem le-
sões tipo pencil-in-cup ou grande formação óssea adjacente A - Síndrome SAPHO (Sinovite + Acne + Pustulose
às áreas de erosão, sem psoríase associada (embora AR e palmoplantar + Hiperostose esternocostocla-
psoríase possam coexistir pela alta prevalência de ambas na vicular + Osteíte multifocal crônica recorrente)
população: 1 e 3%, respectivamente), sem quadro articular
axial, dactilites ou entesites sugestivos de espondiloartrites É um diagnóstico diferencial das espondiloartrites soro-
e sem envolvimento da interfalangiana distal. As outras es- negativas, sobretudo com a AP, que quadro de pustulose
pondiloartrites se distinguem pelos achados mucocutâneos plantar, pode simular psoríase palmoplantar. Pode provocar
e radiográficos, e a osteoartrite, principalmente quando a ainda sacroileíte, hiperostose vertebral e entesopatia.
AP acomete as interfalangianas distais, também envolvidas
na osteoartrite. B - Doença de Whipple
Segundo os critérios de Caspar, o diagnóstico de AP É uma doença crônica sistêmica rara, que é difícil de
deve ser obtido com base na Tabela 14. diagnosticar. É potencialmente grave e envolve qualquer

57
REUMATO LOG I A

órgão, mas o intestino delgado é afetado na maioria dos D - Artropatias associados com a cirurgia bypass
pacientes. intestinal
A relação entre a doença de Whipple e HLA-B27 não é
clara, e os resultados de estudos recentes não suportam a Entre 1954 e 1983, mais de 100.000 indivíduos foram
inclusão da doença de Whipple no conceito de espondilo- submetidos à cirurgia de bypass jejunoileal como um trata-
artropatia. mento para obesidade mórbida. Inicialmente, procedimen-
A doença de Whipple é muito mais frequente em ho- tos de revascularização jejunocólicos foram realizados, mas,
mens que em mulheres (proporção 9:1). As queixas mais por causa de graves complicações metabólicas, foram aban-
comuns são diarréia, perda de peso severa, febre e artri- donados e substituídos por cirurgia de bypass jejunoileal.
te. Linfadenopatia cervical e axilar, hiperpigmentação ge- Entretanto, estas técnicas também levaram a complicações
neralizada e serosite também são características comuns. pós-operatórias em mais de 25% dos pacientes. Esta artrite
Raramente, o sistema nervoso pode estar envolvido. Artrite iatrogênica associada à cirurgia de bypass jejunoileal, reco-
periférica é observada em 80% dos casos, e pode preceder nhecida como a síndrome da “artrite-dermatite”, levou a
as queixas intestinais por até cinco anos. Flares dos sinais importantes avanços na compreensão das doenças articu-
articulares não estão relacionadas com os sintomas intesti- lares inflamatórias.
nais. O padrão de envolvimento articular é principalmente A artrite do bypass também pode ocorrer em pacientes
poliarticular e simétrica. que não tenham sofrido cirurgia de bypass intestinal, mas
Achados laboratoriais: baixas concentrações séricas de que tenham tido algum acometimento intestinal como qua-
caroteno e anemia, hipoalbuminemia e baixas concentra- dro inflamatório ou diverticular, ou ainda desarranjos intes-
ções de ferro sérico são as alterações laboratoriais mais tinais que causem sobrecrescimento bacteriano.
frequentes, juntamente com um aumento de gordura nas
fezes.
8. Resumo
O líquido sinovial contém número variável de células Quadro-resumo
(4.000 a 100.000 células/mm3), que são predominante- Artrite Artrite
mente polimorfonucleares (até 100%). As lesões erosivas EA
psoriática reativa
nas radiografias são geralmente ausentes, embora a artrite Prevalência >0,1% 0,1% 0,05 a 0,01%
destrutiva tenha sido relatada. A incidência de envolvimen-
Homem:mulher 3 a 5:1 1:1 9:1
to axial é controversa, variando entre 8% a 20%.
Tratamento: administração de antibióticos adequados, Artrite axial 100% 20% 20%
geralmente tetraciclinas, pelo menos, um ano geralmente é Sacroileíte Bilateral Unilateral Unilateral
curativa, mas a doença pode recorrer. Artrite periférica 25% 60 a 95% 90%
Uveíte 30% 15% 15 a 20%
C - Artropatia associada à doença celíaca Dactilite Incomum 25% 30 a 50%
Muitos distúrbios, tais como a dermatite herpetiforme, HLA-B27 + 90% 40% 50 a 80%
hipoesplenismo e desordens auto-imunes, têm sido asso- HLA-B27 + pre-
ciados com a doença. sença de artrite 90% 50% 90%
Vários relatos têm-se centrado sobre a ocorrência de ar- axial
trite relacionada à doença celíaca em um número limitado
de casos. Vários pacientes nos quais a patologia do intestino
foi diagnosticada também apresentam artrite proeminen-
tes que resolve com uma dieta livre de glúten.
A distribuição da artrite varia. A coluna lombar, quadril,
joelhos e ombros são mais comumente afetados, segui-
do do cotovelo, punho e tornozelo em menos de 50% dos
pacientes. Comprometimento articular periférico é relati-
vamente simétrico e é acompanhada de rigidez matinal e
edema articular. As alterações radiográficas são raras.
A alta frequência de HLA-B8, DR3 nos pacientes com do-
ença celíaca tem sido repetidamente relatados.
O tratamento inclui instituição de uma dieta isenta de
glúten resolve ambos os problemas articulares e as altera-
ções na permeabilidade intestinal.

58
CAPÍTULO

6
Febre reumática
Rodrigo Antônio Brandão Neto / Ana Cristina de Medeiros Ribeiro
Aleksander Snioka Prokopowistch / Hérica Cristiani Barra de Souza

1. Introdução tiestreptolisina O. Os sorotipos ditos “reumatogênicos” são,


entre outros, os sorotipos 1, 3, 5, 6 e 18.
A Febre Reumática (FR) é uma doença inflamatória
multissistêmica, desencadeada pela infecção da orofaringe
pelo estreptococo beta-hemolítico do grupo A de Lancefield 3. Etiopatogenia
(EBHGA) e caracterizada por acometimento do coração, das Nem todas as infecções por EBHAL causam FR, ou seja,
articulações, do sistema nervoso central, do tecido celular nem todas as cepas desse grupo de bactérias são reumato-
subcutâneo e da pele. gênicas, e nem todos os indivíduos são suscetíveis. As cepas
Ocorre uma infecção estreptocócica da orofaringe, e a que causam piodermites e infecções de tecidos moles não
resposta imunológica provocada por ela medeia lesões ao causam faringite nem FR, mas podem causar glomerulo-
tecido conjuntivo, por reação cruzada de reconhecimento nefrite aguda. Das cepas que causam faringite, as ricas em
antigênico. O paciente precisa ter tido contato prévio com proteína M, uma proteína externa da parede bacteriana,
os antígenos bacterianos para que o organismo os reconhe- são mais artritogênicas.
ça e a doença possa se estabelecer. Por isso, a FR ocorre, em A patogenia da doença ainda não é totalmente compre-
geral, após os 3 anos. endida, mas parece ocorrer através de reação cruzada, ou
seja, mimetismo molecular: a similaridade entre sequên-
2. Epidemiologia cias antigênicas do ser humano e do EBHGA levaria a uma
produção de anticorpos induzida pela infecção estreptocó-
A FR geralmente afeta indivíduos entre 5 e 15 anos, de cica e direcionados contra antígenos bacterianos, mas que
qualquer raça e em qualquer parte do mundo. Raramente agiriam contra estruturas do hospedeiro, desencadeando a
ocorre antes dos 3 anos. Em adultos, os ataques iniciais ocor- lesão tecidual.
rem no final da 2ª e começo da 3ª década de vida. Sua inci- Pacientes com FR apresentam altos níveis de anticorpos
dência varia de acordo com a região geográfica e as caracte- contra a proteína M, e ela pode atuar como um superantí-
rísticas socioeconômicas de cada população. Alguns fatores, geno, induzindo uma resposta imune excessiva e autoimu-
como baixos níveis de higiene, alta densidade demográfica e nidade. Ela impede a fagocitose e a ação do complemento e
difícil acesso ao sistema de saúde, favorecem o seu apareci- ajuda a fixar a bactéria na célula epitelial da faringe.
mento. A OMS relata que, em países em desenvolvimento, Entre 2 e 3% das crianças com infecção estreptocócica
como o Brasil, a incidência da FR excede 100 por 100.000. desenvolverão FR, o que mostra uma predisposição gené-
Estima-se que ela seja responsável por cerca de 60% de tica de alguns indivíduos e que pode estar associada à pre-
todas as doenças cardiovasculares em crianças e adultos jo- sença de antígenos leucocitários humanos (HLA) nas diver-
vens. No Brasil, a FR é responsável por 8.000 a 10.000 cirur- sas populações, como DR4 em caucasianos, DR2 em negros
gias cardíacas por ano na rede pública. e DR3 em indianos. Em nosso meio, foi observada maior
Os Estreptococos Beta-Hemolíticos do Grupo A (EBHGA) frequência do HLA-DR7 e do HLA-DR53. Foram descritos
são a causa mais comum da faringite bacteriana, atingin- aloantígenos na superfície de células B, não associados ao
do principalmente crianças e jovens com idades entre 5 sistema HLA, denominados 883 e D8/17, que teriam uma
e 18 anos. Alguns estudos demonstram que até 70% das forte associação à FR. No entanto, outros estudos não con-
crianças em idade escolar em países europeus apresentam firmaram esses achados, e o marcador genético definitivo
títulos significativos (acima de 200 unidades Todd) de an- para a doença ainda não foi encontrado.

59
REUMATO LOG I A

4. Quadro clínico Mais: evidência de infecção recente causada por estreptococo


do grupo A, ou seja, cultura positiva de orofaringe ou exames
O quadro clínico se inicia após 2 a 3 semanas de um positivos para detecção rápida de antígenos; e/ou elevação dos
quadro de faringite estreptocócica. Entretanto, 1/3 dos anticorpos estreptocócicos.
pacientes não se lembra da faringite. A média de idade de Fonte: Harrison, Medicina Interna, 17ª edição, 2009.
acometimento é de 7 anos, principalmente na faixa dos 4
aos 9 anos. A - Artrite
Não existe um exame laboratorial, sinal ou sintoma O quadro articular ocorre em 75% dos casos de FR e é
característico da FR. O diagnóstico baseia-se no reconhe- o sintoma mais comum. É mais frequente e mais grave em
cimento e combinações de alguns achados clínicos e labo- adultos jovens (100%) e adolescentes (82%) portadores da
ratoriais. doença do que em crianças (66%). O acometimento articu-
Os critérios de Jones modificados (Tabela 1), utilizados lar é precoce e costuma ser o 1º achado, embora cardite
como guia para o diagnóstico da FR, baseiam-se na divisão assintomática possa precedê-lo.
dos achados clínicos e laboratoriais da doença em sinais O quadro clássico é de poliartrite de grandes articula-
maiores ou menores, segundo as respectivas importâncias ções, intensa, muito dolorosa, migratória e fugaz, com boa
diagnósticas. A presença de 2 sinais maiores ou de 1 sinal resposta aos anti-inflamatórios. A artrite manifesta-se em
maior e 2 menores indica alta probabilidade diagnóstica, uma articulação, e, quando está regredindo, outra articu-
lação é acometida. É assimétrica e começa nos membros
se acompanhados da evidência de infecção estreptocócica
inferiores. Há eritema, calor e rubor articulares, mas a dor
anterior.
é mais importante do que os sinais inflamatórios objetivos.
Nenhum dos critérios de Jones é específico de FR. O surto de artrite tem resolução espontânea e dura de 1 a 4
Entretanto, a presença de coreia e/ou cardite (valvulite mi- semanas. As articulações atingidas geralmente são grandes
tral) permite, habitualmente, maior segurança diagnóstica. e médias articulações, como joelhos, tornozelos, punhos e
Por ocorrer mais tardiamente na evolução da doença, quan- ombros, mas pequenas articulações de mãos e pés também
do os outros achados já passaram, e por ser mais específica, podem ser envolvidas.
a coreia é o único sinal maior que isoladamente permite o Radiografias realizadas nessa fase mostram aumento de
diagnóstico de FR. volume de partes moles, mas podem estar normais. Trata-
A inespecificidade dos critérios (especialmente os me- se de uma artrite não deformante. Entretanto, surtos re-
nores), associada ao fato de crianças apresentarem com petidos sem diagnóstico (o que é cada vez mais raro hoje
frequência evidência de infecção estreptocócica anterior, em dia) podem provocar frouxidão ligamentar e de cápsula
faz que os critérios de Jones (modificados) possam ser pre- articular, com subluxações e desvios articulares não fixos
(artropatia de Jaccoud).
enchidos mesmo em pacientes portadores de outras do-
Na prática, muitos pacientes com artrite e/ou artralgia
enças, como artrite reumatoide juvenil, anemia falciforme,
são tratados empiricamente com salicilatos ou outro AINH.
leucemia etc. Por causa disso, a artrite pode melhorar rapidamente e não
Tabela 1 - Critérios de Jones modificados (1992) para diagnóstico migrar para outras articulações, dificultando o diagnóstico.
de FR: 2 sinais maiores ou 1 sinal maior e 2 menores, com evidên- Na FR, a artrite é rapidamente responsiva aos salicilatos, de
cia de infecção estreptocócica anterior, proporcionam alta proba- forma que a falta de resposta em 48 horas do uso desses
bilidade diagnóstica agentes torna o diagnóstico improvável.
Critérios maiores
B - Cardite
- Cardite;
- Poliartrite migratória; A incidência de doença cardíaca na FR ocorre em 50 a
60% dos pacientes, mas pode ser assintomática. Sua fre-
- Coreia de Sydenham;
quência, ao contrário do quadro articular, diminui com a
- Nódulos subcutâneos;
idade (90% em crianças pequenas e 15% em adultos jo-
- Eritema marginado. vens). O acometimento caracteriza-se por uma pancardi-
Critérios menores te, em que endocárdio (mais comumente), miocárdio e
Clínicos pericárdio (menos comumente) estão envolvidos.
- Febre; Na fase aguda, o envolvimento miocárdico pode pro-
- Artralgia. vocar cardiomegalia, taquicardia, distúrbios de condução
Laboratoriais
e falência cardíaca congestiva. A pericardite pode se ma-
nifestar como desconforto ou dor torácicos, derrame ou
- Elevação de reagentes de fase aguda;
atrito pericárdico e não costuma evoluir com pericardite
- Intervalo PR prolongado. constritiva. Miocardite e pericardite sem endocardite não

60
FEBRE REUMÁTICA

são características de FR e sugerem investigação de outras


causas.
O dano valvar agudo característico decorre do envolvi-
mento do endocárdio, provocando valvulite mitral e aór-
tica, com sopros novos de regurgitação ou estenose, que

REUMATOLOGIA
podem provocar insuficiência cardíaca aguda.
Anormalidades eletrocardiográficas encontradas são
bloqueios cardíacos de vários graus, incluindo dissociação
atrioventricular.
A alteração radiográfica mais comum da cardite é a
cardiomegalia (Figuras 1 e 2). Estudos utilizando o ecocar-
diograma sugerem que esse exame seja mais sensível para Figura 1 - Cardiomegalia em paciente com FR
detectar disfunções cardíacas.
O envolvimento valvar persistente é a principal causa da
grande morbimortalidade cardíaca associada à FR. Ocorre
de 10 a 20 anos após o surto inicial, sendo a principal causa
de doença valvular adquirida em todo o mundo. A válvu-
la mitral é a mais acometida, seguindo-se o envolvimento
conjunto mitral e aórtico e, com menor frequência, o aórti-
co isolado. A estenose mitral se deve à calcificação da vál-
vula, que é o achado clássico. Na aórtica, é mais comum
a insuficiência. Raramente, a tricúspide e a pulmonar são
envolvidas (Figura 3). Este acometimento valvar, por menor
que seja, por si leva a maior suscetibilidade à endocardite
infecciosa.
Deve-se classificar a gravidade da cardite em: Figura 2 - Radiografia de tórax do mesmo paciente após o trata-
- Cardite subclínica: exame físico, ECG e raio x normais, mento da FR
porém alteração no intervalo PR. Ecocardiograma com
regurgitação mitral e/ou aórtica leves;
- Cardite leve: taquicardia desproporcional ao estado
febril, B1 abafada, sopro sistólico mitral, raio x com
área cardíaca dentro da normalidade, ECG com pro-
longamento do espaço PR. Ecocardiograma demonstra
regurgitação que varia de leve a moderada e sem alte-
rações de dimensão do ventrículo esquerdo;
- Cardite moderada: taquicardia persistente e intenso
sopro de regurgitação mitral com ou sem sopro aór-
tico diastólico associado. Pode-se evidenciar sopro de
Carey Combs (ruflar mesodiastólico de ponta, baixa in-
tensidade e frequência, melhor audível em decúbito
semilateral esquerdo, diferente do sopro da estenose Figura 3 - Ordem do acometimento valvar na cardite reumática
mitral, este não tem estalido de abertura e hiperfone-
se de B1). Presença de sinais incipientes de ICC e raio C - Coreia
x tórax revelando aumento de área cárdica leve e si-
nais de congestão pulmonar. No ecocardiograma há Coreia de Sydenham, coreia menor ou dança de San
regurgitação mitral leve a moderada, com ou sem re- Vito, é a desordem neurológica que se manifesta por movi-
gurgitação aórtica de mesmo padrão e aumento leve- mentos abruptos, involuntários e desordenados nos mem-
-moderado de câmaras cardíacas esquerdas; bros e na face. Os movimentos geralmente são mais evi-
- Cardite grave: moderada + ICC estabelecida, arritmias, dentes em um lado do corpo, podem ser completamente
pericardite, sopros mais evidentes. RX tórax com in- unilaterais (hemicoreia) e desaparecem durante o sono.
tensa cardiomegalia e congestão pulmonar. ECG com A coreia ocorre em menos de 10% dos pacientes, tem
sobrecarga de VE. Ecocardiograma com regurgitação predomínio em meninas e aparece mais tardiamente que
mitral e/ou aórtica moderada a severa e aumento de as demais manifestações, cerca de 6 a 8 semanas após a
moderado a grave de câmaras esquerdas. infecção estreptocócica, por isso pode ocorrer isoladamen-

61
REUMATO LOG I A

te e dar o diagnóstico de FR sem a presença de outros cri- Tabela 2 - Descrição dos critérios maiores para diagnóstico de FR
térios. Tem duração de 1 semana a 2 anos (média de 8 a - Ocorrência em 75% dos casos: sintoma mais
15 semanas). Transtornos emocionais, choro e alterações comum de FR;
psiquiátricas podem ser observados nestes pacientes. - Maior frequência e gravidade em adultos jovens
Alguns indivíduos com coreia podem não ter nenhum e adolescentes do que em crianças;
sintoma, mas o exame cardiológico deve ser realizado com - Poliartrite migratória e fugaz, muito dolorosa;
atenção, para tentar-se diagnosticar um sopro persistente.
Artrite - Início precoce e resolução espontânea em 1 a 4
semanas;
D - Nódulos subcutâneos (nódulos de Maynet)
- Articulações mais atingidas: joelhos, tornozelos,
Os nódulos subcutâneos da FR aparecem após semanas da punhos e ombros;
doença e se associam à cardite. São pequenos (1 a 2cm de di- - Não deformante;
âmetro), firmes e indolores, localizados mais comumente sob - Resposta boa e rápida aos anti-inflamatórios.
proeminências ósseas, próximas aos tendões, em superfícies - Ocorrência em 50 a 60% dos pacientes;
extensoras, como cotovelos, joelhos, punhos, região occipital.
- Possibilidade de ser assintomática;
Podem ser únicos ou múltiplos (Figura 4) e assemelham-se a
grãos de arroz sob a pele, que não se encontra inflamada e - Frequência diminui com a idade;
geralmente pode ser móvel sobre os nódulos. Persistem por 1 - Pancardite: envolvimento do endocárdio, miocár-
ou mais semanas, mas raramente duram meses. dio e pericárdio;
- Miocardite: cardiomegalia, taquicardia, distúrbios
de condução e falência cardíaca congestiva;
- Pericardite: desconforto ou dor torácicos, derra-
Cardite me ou atrito pericárdico;
- Miocardite e pericardite sem endocardite não
são característicos de FR;
- Achados da endocardite: valvulite mitral e aórti-
ca, sopro novo, insuficiência cardíaca aguda;
- Dano valvar persistente;
- Válvula mais acometida: mitral (estenose por calci-
ficação), depois o envolvimento conjunto mitral e
Figura 4 - Nódulo subcutâneo no cotovelo de paciente com FR aórtico e o aórtico isolado (insuficiência).
- Movimentos abruptos, involuntários e desorde-
E - Eritema marginado nados nos membros e na face, que desaparecem
durante o sono;
Trata-se de um rash cutâneo de caráter evanescente, - Predomínio em meninas;
não pruriginoso, de coloração rósea a avermelhada, que
- Aparecimento tardio (6 a 8 semanas após a infec-
acomete frequentemente o tronco, porção proximal dos Coreia
ção estreptocócica);
membros e poupa a face. Essas lesões se estendem centri-
- Possibilidade de ocorrer isoladamente e fazer o
fugamente, enquanto a região central é de coloração nor- diagnóstico sem a presença de outros critérios;
mal, de limites bem delimitados (Figura 5). As lesões podem
- Duração de 1 semana a 2 anos (média de 8 a 15
desaparecer em questão de horas, e banho quente pode semanas).
torná-las mais evidentes. Eritema marginado usualmente é
- Associação a cardite;
precoce durante a doença e está associado à cardite.
Nódulos - Nódulos pequenos (1 a 2 cm), firmes e indolores,
subcutâ- únicos ou múltiplos;
neos - Aparecimento após semanas da doença e persis-
tência por 7 dias ou mais.
- Início precoce;
- Associação a cardite;
- Rash cutâneo evanescente, não pruriginoso, de
coloração rósea a avermelhada;
Eritema
marginado - Distribuição no tronco, porção proximal dos
membros; poupa a face;
- Extensão centrífuga;
- Possibilidade de ser desencadeado pelo calor e
Figura 5 - Eritema marginado de localização na região dorsal desaparecer em horas.

62
FEBRE REUMÁTICA

5. Achados laboratoriais
Nenhum exame laboratorial é específico de FR. Alguns
podem estar alterados e ter implicação no diagnóstico,
como as provas de atividade inflamatória ou provas de

REUMATOLOGIA
fase aguda: a velocidade de hemossedimentação (VHS) e a
Proteína C Reativa (PCR), que costumam estar aumentadas,
e sua alteração consiste em um sinal menor para o diag-
nóstico. Figura 6 - Swab de orofaringe para identificar o EBHGA
Outro grupo importante de achados laboratoriais é o
que denuncia infecção recente por estreptococo. Culturas Outros exames podem auxiliar no diagnóstico.
de orofaringe usualmente são negativas na época em que a Radiografias de tórax seriadas podem ajudar no curso da
FR aparece, mas podem ajudar a isolar o micro-organismo cardite, mostrando variações no tamanho da área cardíaca.
(Figura 6). Portanto recomenda-se fazer 2 ou 3 culturas de O ECG pode mostrar alargamento do intervalo PR (critério
orofaringe no momento da suspeita diagnóstica, antes de menor) ou do QT. Se houver derrame pericárdico, poderão
ocorrer alterações difusas do segmento ST. O ecocardiogra-
iniciar a antibioticoterapia. Alguns anticorpos contra antí-
ma é de grande valia, pois pode mostrar espessamento e
genos bacterianos podem ser dosados, como os anticorpos
diminuição da mobilidade das válvulas atingidas, efusão pe-
antiestreptolisina O (ASLO), anti-DNAse B e anti-hialuroni-
ricárdica ou disfunção miocárdica.
dase. O anticorpo mais utilizado é o ASLO, pela facilidade
de obtenção e homogeneidade dos resultados, sendo en- 6. Diagnóstico diferencial
contrado em títulos elevados em até 80% dos pacientes no
Como quadro clínico e alterações laboratoriais não são
quadro inicial. Seus títulos atingem o pico de 3 a 6 semanas
específicos da FR, e esse diagnóstico implica um tratamen-
após a infecção. Na maioria dos serviços, seguem-se os cri-
to prolongado, recomenda-se sempre excluir outras patolo-
térios determinados por Décourt para ASLO, considerando
gias possíveis e tentar evidenciar a infecção estreptocócica
o nível de 250UT (Unidades Todd) como normal para crian- pregressa. O quadro de poliartrite na faixa etária da FR en-
ças com menos de 5 anos e, para finalidades práticas, como tra no diagnóstico diferencial de artrite idiopática juvenil,
anormais taxas acima de 333UT para crianças com menos Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) juvenil e, em adolescen-
de 5 anos e acima de 500UT para crianças acima dessa tes, artrite gonocócica. A coreia pode ser encontrada em
idade. Cerca de 80% dos pacientes com FR apresentam tí- pacientes com síndrome antifosfolípide e LES, em tumores
tulos elevados de ASLO. Se esse teste for negativo, outros de gânglios basais e na gravidez. A presença de sopro car-
anticorpos com pico de titulação mais tardio (anti-DNAse díaco novo com febre, poliartrite e aumento das provas de
B ou anti-hialuronidase) deverão ser dosados. O anticorpo atividade inflamatória exige a exclusão de endocardite bac-
anti-DNAse B atinge seu pico entre 6 e 8 semanas após a teriana com ecocardiograma e pelo menos 3 pares negati-
infecção. vos de hemocultura.
Tabela 3 - Diagnóstico diferencial das principais manifestações da FR
Artrite Cardite Coreia Nódulos subcutâneos Eritema marginado
Infecciosas virais: peri- Doenças reumáticas: artri-
Infecciosas virais: rubéola, Infecciosas: encefalites,
cardites e perimiocar- te idiopática juvenil, lúpus Infecciosas: septicemias.
caxumba, hepatite. virais.
dites. eritematoso sistêmico.
Doenças reumáticas:
Bacterianas: gonococos, Doenças reumáticas:
artrite idiopática juve-
meningococos, endocardi- lúpus eritematoso sis- Reações e drogas.
nil, lúpus eritematoso
te bacteriana. têmico.
sistêmico.
Reativas: pós-entéricas ou
Doenças reumáticas.
pós-infecções urinárias.
Doenças hematológicas: Outros: nódulos subcutâ-
anemia falciforme. neos benignos.
Outros: síndrome anti- Outros: síndrome anti-
Neoplasias: leucemia linfo-
fosfolípide, coreia fami- fosfolípide, coreia fami-
blástica aguda.
lial benigna. lial benigna. Idiopático.
Doenças reumáticas: lúpus
eritematoso sistêmico,
artrite idiopática juvenil,
vasculites.
Fonte: Diretrizes Brasileiras para o Diagnóstico, Tratamento e Prevenção da Febre Reumática, 2009.

63
REUMATO LOG I A

7. Tratamento Em caso de alergia à penicilina

Uma vez estabelecido o diagnóstico de FR, a terapêutica 15 a 25mg/kg/dia de 8/8h;


envolve 3 fases que, de modo geral, são realizadas quase Clindamicina Dose máxima – 1.800mg/ 10 dias
simultaneamente: dia.
- Profilaxia primária ou erradicação do foco; 20mg/kg/dia VO 1x/dia
- Tratamento sintomático; Azitromicina
(80);
3 dias
- Profilaxia secundária ou prevenção das recorrências. Dose máxima – 500mg/
dia.
A - Profilaxia primária ou erradicação do foco Fonte: Diretrizes Brasileiras para o Diagnóstico, Tratamento e
Prevenção da Febre Reumática, 2009.
O objetivo da profilaxia primária é erradicar o EBHGA
da orofaringe do paciente com FR. Para tanto, é necessário B - Tratamento sintomático
um antibiótico com eficácia clínica e bacteriológica compro-
vada, de fácil aderência, baixo custo, espectro adequado e a) Anti-Inflamatórios Não Hormonais (AINHs)
efeitos colaterais mínimos. Levando em conta os aspectos De forma geral, os AINHs são excelentes para o controle
mencionados, o antibiótico de escolha para a profilaxia pri- da febre e da artrite, com desaparecimento dos sinais e sin-
mária ainda é a penicilina e, nos casos de alergia, a eritromi- tomas da poliartrite migratória em 24 a 48 horas.
cina permanece como 1ª alternativa (Tabela 4). Crianças com quadros articulares mal caracterizados,
O antibiótico deve estar presente em níveis tissulares em fases muito iniciais, poderão ser tratadas com analgési-
adequados durante 10 dias. Uma única dose de penicilina cos, como o paracetamol ou codeína e medidas locais (gelo/
benzatina é suficiente. Quando se opta pela penicilina (ou calor), de modo a permitir uma melhor caracterização do
outro antibiótico) oral, a aderência passa a ser um fator quadro articular e, consequentemente, um diagnóstico e
importante no sucesso do tratamento. As cefalosporinas tratamento mais adequados. Uma vez que os AINHs são
orais, os macrolídeos e outros antibióticos bactericidas sintomáticos e não interferem no curso da FR, a duração do
não são contraindicados na profilaxia primária, desde que tratamento deve ser estimada, de modo a cobrir o período
seja possível garantir a manutenção da terapêutica duran- de atividade da doença que, na presença de artrite isolada,
te 10 dias. varia de 1 a 6 semanas.
Contactantes domiciliares de um caso de FR deverão ser
submetidos à cultura de orofaringe e tratados quando o re- b) Corticosteroides
sultado for positivo. Muitas vezes, pela dificuldade em rea- Utilizados em pacientes com comprometimento cardí-
lizar culturas, a profilaxia primária é recomendada a todos aco, em especial a cardite moderada ou grave. O corticos-
os contactantes domiciliares, especialmente crianças em teroide de escolha é habitualmente a prednisona, utilizada
idade escolar e adolescentes. A tonsilectomia para evitar inicialmente em dose alta (2mg/kg/dia) e fracionada (2 to-
surtos de infecção em pacientes portadores de FR não tem madas/dia) por aproximadamente 2 a 4 semanas (tempo
indicação. de melhora dos sintomas e/ou tendência à normalização
das provas de atividade inflamatória), passa-se para dose
Tabela 4 - Profilaxia primária da FR
única pela manhã, e inicia-se a redução lenta até retirada
Medicamento/ completa da droga em cerca de 12 semanas, tempo médio
Esquema Duração
opção de duração do surto de cardite. Se o paciente fizer uso de
Peso <20kg – 600.000UI corticosteroide, o uso do AINH se tornará desnecessário. Só
Penicilina G IM; será preciso usá-lo novamente quando a dose de predniso-
Dose única
benzatina Peso ≥20kg – 1.200.000UI na for reduzida para menos de 0,5mg/kg/dia.
IM. A pulsoterapia com metilprednisolona, na dose de
25 a 50.000UI/kg/dia VO 30mg/kg, máximo de 1g/dose, por 3 dias consecutivos e
Penicilina V 8/8h ou 12/12h; 10 dias eventual repetição, vem sendo utilizada para o tratamento
Adulto – 500.000U 8/8h. das cardites graves. Apesar de a melhora laboratorial não
30 a 50mg/kg/dia VO 8/8h diferir da observada com o uso de prednisona, a melhora
Amoxicilina ou 12/12h; 10 dias clínica parece ser mais rápida, e o período de internação
Adulto – 500mg 8/8h. hospitalar, menor.
Para crianças com comprometimento cardíaco, orien-
Ampicilina 100mg/kg/dia VO 8/8h. 10 dias
tam-se o repouso no leito na fase aguda e a limitação das
Em caso de alergia à penicilina
atividades físicas por períodos variáveis (1 a 6 meses), de-
40mg/kg/dia VO 8/8h ou pendendo da gravidade da cardite. Diuréticos, digitálicos,
Estearato de 12/12h; 10 dias restrição hídrica e sódica poderão ser necessários em casos
eritromicina
Dose máxima – 1g/dia. de insuficiência cardíaca.

64
FEBRE REUMÁTICA

c) Tratamento da coreia Em caso de alergia à penicilina e à sulfa


Pacientes com coreia devem ser mantidos em ambien- Eritromicina 250mg VO. 12/12h
tes tranquilos, sem muitos estímulos externos. Várias dro- Fonte: Diretrizes Brasileiras para o Diagnóstico, Tratamento e
gas, como tranquilizantes e sedativos, poderão ser utiliza- Prevenção da Febre Reumática, 2009.
das de forma isolada ou em associação.

REUMATOLOGIA
O haloperidol permanece como a melhor opção te- Segundo a Associação Americana de Cardiologia, pa-
rapêutica no controle sintomático dos movimentos, com cientes que tiveram cardite devem manter a profilaxia du-
melhora clínica após 5 a 6 dias, em média, e desapareci- rante toda a vida, e aqueles que não tiveram devem manter
mento dos sinais em 30 a 40 dias, permitindo à criança um a profilaxia até 21 anos e pelo menos durante 5 anos após
retorno mais rápido às atividades diárias. Apesar de serem o último surto.
raras as reações graves ou irreversíveis associadas ao uso de Pacientes com regurgitação mitral leve ou cardite cura-
haloperidol, recomenda-se cautela na sua administração, e, da e baixo risco de contato com o estreptococo poderão
suspender a profilaxia com 25 anos e após 10 anos do úl-
quando doses superiores a 5mg/dia forem necessárias, será
timo surto.
importante a monitorização em ambiente hospitalar, pelos
A baixa adesão ao tratamento parece ser a principal
riscos de impregnação. O ácido valproico pode ser uma al-
causa de recorrência da FR.
ternativa terapêutica para crianças que apresentaram toxi-
cidade ou que não podem ser supervisionadas durante a Tabela 6 - Duração da profilaxia secundária
administração do haloperidol. O tempo de resposta é dis- Nível de
cretamente maior, e, apesar da possível hepatotoxicidade, Categoria Duração
evidência
em geral, nenhuma complicação importante está associada Até 21 anos ou 5 anos
ao uso da droga. após o último surto, va-
FR sem cardite prévia I-C
lendo o que cobrir maior
C - Profilaxia secundária período
FR com cardite prévia; Até 25 anos ou 10 anos
Independentemente da gravidade do surto inicial, pa-
insuficiência mitral leve após o último surto, va-
cientes portadores de FR apresentam riscos elevados (de residual ou resolução lendo o que cobrir maior
I-C
20 a 50%) de recorrência da doença após novas infecções da lesão valvar período
estreptocócicas de orofaringe. Novos surtos da doença po-
Lesão valvar residual Até os 40 anos ou por
derão agravar lesões cardíacas preexistentes ou propiciar I-C
moderada a severa toda a vida
seu surgimento, razão pela qual a profilaxia secundária é
Após cirurgia valvar Por toda a vida I-C
obrigatória e seu objetivo é prevenir novas faringites es-
Fonte: Diretrizes Brasileiras para o Diagnóstico, Tratamento e
treptocócicas, portanto, impedir as recorrências de FR.
Prevenção da Febre Reumática, 2009.
Há cerca de 40 anos, a droga de escolha para a profilaxia
secundária é a penicilina benzatina, por ser a que fornece D - Profilaxia da endocardite bacteriana
proteção mais efetiva contra faringite estreptocócica e con-
tra recorrências de FR, quando comparada a outras drogas, Procedimentos cirúrgicos ou dentários em pacientes
como a penicilina oral ou a sulfadiazina. com cardiopatia reumática devem ser acompanhados de
Com a utilização de 1.200.000U de penicilina benzatina doses suplementares de antibióticos. As recomendações
a cada 4 semanas, a taxa de recorrência da FR se situa entre variam de acordo com o procedimento e a idade do pa-
5 e 8% em seguimentos de 5 a 6 anos, sendo essa a principal ciente.
razão para a Organização Mundial de Saúde e a Associação Para a profilaxia do Streptococcus viridans, responsável
Americana de Cardiologia recomendarem o uso de penici- por 50 a 75% das infecções endocárdicas, recomenda-se a
utilização da amoxicilina 1 hora antes e 6 horas depois do
lina benzatina a cada 3 semanas em países em desenvolvi-
procedimento.
mento, como o Brasil (Tabela 5).
Tabela 5 - Profilaxia secundária da FR 8. Alergia à penicilina
Medicamento/opção Dose/via de administração Intervalo Estudos em pacientes tratados em longo prazo com
Peso <20kg 600.000UI IM; penicilina mostram que somente 3,2% apresentam algum
Penicilina G benza-
Peso ≥20kg 1.200.000UI 21/21 dias tipo de alergia. Reações anafiláticas graves apresentam
tina
IM. uma incidência da ordem de 0,04 a 0,2% e que as reações
Penicilina V 250mg VO. 12/12h potencialmente fatais são extremamente raras, da ordem
Em caso de alergia à penicilina de 0,001%. Na faixa etária pediátrica, essas cifras são ainda
menores.
Peso <30kg – 500mg VO;
Sulfadiazina 1x/dia Na ausência de reações após a 1ª aplicação de penicili-
Peso ≥30kg – 1g VO.
na benzatina, a presença de reações à 2ª dose é extrema-

65
REUMATO LOG I A

mente baixa. A 1ª aplicação deve ser realizada em local com


disponibilidade de recursos para atendimento de possíveis
reações alérgicas.
Testes cutâneos para detecção de alergia à penicilina
costumam ser inadequados, pela falta de utilização dos
determinantes antigênicos adequados e, ainda, por erros
técnicos na sua execução e interpretação. A utilização pré-
via de penicilina pelo paciente e a ausência de alergia nos
familiares são dados importantes na caracterização da pro-
vável alergia.
Os benefícios da utilização da penicilina benzatina na
profilaxia secundária da FR superam os riscos.

9. Resumo
Quadro-resumo
- Febre Reumática (FR): condição inflamatória multissistêmica
desencadeada por infecção por EBHGA de Lancefield;
- Mecanismo provável: mimetismo molecular (reação cruzada
entre proteínas humanas e do estreptococo);
- Acometimentos principais: articular (poliartrite migratória),
cardíaco (cardite), neurológico (coreia) e cutâneo (nódulos
subcutâneos e eritema marginado);
- Diagnóstico através dos critérios de Jones: presença de 2 crité-
rios maiores ou 1 maior e 2 menores, na presença de evidência
de infecção prévia pelo EBHGA;
- Tratamento: profilaxia primária (erradicação do EBHGA), trata-
mento dos sintomas e profilaxia secundária;
- Profilaxia primária e secundária: o antibiótico de escolha é a
penicilina benzatina;
- Tratamento sintomático: inclui, conforme o caso, AINHs, corti-
costeroides e medicações para coreia (de escolha: haloperidol).

66
CAPÍTULO

7
Gota
Rodrigo Antônio Brandão Neto / Ana Cristina de Medeiros Ribeiro
Aleksander Snioka Prokopowistch / Hérica Cristiani Barra de Souza

1. Introdução - Aumento do uso de diuréticos e baixas doses de ácido acetil-


salicílico;
Gota é uma doença articular inflamatória causada pelo - Aumento no consumo de álcool;
depósito de cristais de monourato de sódio no tecido ar- - Aumento da prevalência de obesidade;
ticular e periarticular, relacionada ao aumento da concen- - Aumento da prevalência de síndrome metabólica;
tração sérica de ácido úrico (hiperuricemia). É classificada - Aumento da prevalência de doença renal terminal;
como artrite microcristalina, já que é o depósito de cristais - Aumento do número de transplantes e uso de ciclosporina;
que a causa. - Aumento de doença coronária e falência cardíaca congestiva;
Tabela 1 - Características gerais - Opções limitadas no tratamento da hiperuricemia.
- Ataques recorrentes de artrite inflamatória aguda;
- Artropatia crônica; 3. Fisiopatologia
- Acúmulo de cristais de urato em forma de depósitos tofáceos; Os níveis séricos de ácido úrico (monourato de sódio) va-
- Nefrolitíase por ácido úrico; riam no homem (até 7mg/dL) e na mulher (até 6,5mg/dL).
- A nefropatia em paciente gotosos é mais comumente causada Acima desses valores, define-se hiperuricemia, e os fluidos
por outras comorbidades associadas. que contêm ácido úrico ficam supersaturados, favorecendo
a precipitação de cristais nos tendões, ligamentos, bursas,
2. Epidemiologia bainhas sinoviais, interstício, túbulos renais e pavilhão au-
ricular. A precipitação dos cristais está relacionada ao nível
Gota é uma doença predominantemente de homens de de ácido úrico e ao tempo em que o indivíduo fica com hi-
meia-idade, a partir de 5ª década de vida, mas existe um peruricemia. Algumas situações, como pH tecidual baixo e
aumento gradual na prevalência tanto em homens quanto baixas temperaturas, favorecem a deposição dos cristais.
em mulheres. Após os 60 anos, a prevalência entre os sexos O pool ou o conteúdo total de ácido úrico no corpo é
se torna equivalente. Raramente se observa gota em mu- resultante do equilíbrio entre a formação e a excreção de
lheres pré-menopausadas, a não ser em casos de erro inato uratos (uricosúria), que é principalmente renal. Qualquer
do metabolismo ou associados a doenças subjacentes ou alteração levando à hiperprodução ou à hipoexcreção pode
uso de medicação. ocasionar hiperuricemia. Indivíduos podem ser hipoexcre-
A incidência e a prevalência de gota são paralelas à inci- tores (90% dos casos) ou hiperprodutores (10%), com base
na uricosúria: quem elimina menos de 800mg de ácido úrico
dência e à prevalência de hiperuricemia na população geral.
na urina de 24 horas é hipoexcretor; quem consegue elimi-
Muitos pacientes com ácido úrico elevado não têm gota, mas
nar ao menos os 800mg em 24 horas é porque tem os rins
hiperuricemia está claramente associada ao risco da doença. funcionando adequadamente e elimina o excesso de ácido
São fatores correlacionados com aumento do ácido úrico e úrico produzido (hiperprodutores – Figura 1). Entretanto,
prevalência de gota: níveis séricos de creatinina, peso eleva- pode haver a associação das 2 situações: um indivíduo pode
do, hipertensão arterial e ingesta de álcool (Tabela 2). ser hiperprodutor mas, por ter associadamente um rim hi-
poexcretor, elimina menos ácido úrico do que precisaria
Tabela 2 - Principais fatores para aumento da prevalência de gota
para se manter normouricêmico. Vários fatores, incluindo
- Aumento da longevidade da população; doenças, álcool e medicações (Tabela 4), são causas impor-
- Aumento da prevalência de hipertensão; tantes de diminuição na excreção renal do ácido úrico.

67
REUMATO LOG I A

A eliminação intestinal é responsável por uma pequena Drogas


quantidade da excreção de ácido úrico (de 200 a 300mg/ - Diuréticos (tiazídicos e de alça);
dia). Essa pode chegar a ser a principal via de eliminação de - Ciclosporina;
uratos em pacientes com insuficiência renal. - Etanol;
- Salicilatos em baixa dose;
Tabela 3 - Metabolismo do ácido úrico - Pirazinamida;
- 100% do ácido úrico são filtrados; - Etambutol;
- 100% são reabsorvidos pelo túbulo proximal; - Laxativos;
- 50% são secretados; Causas renais
- 40 a 44% são reabsorvidos; - Insuficiência renal crônica;
- 8 a 12% são excretados. - Desidratação;
- HAS;
Quanto à produção, o ácido úrico se forma a partir da - Restrição salina;
síntese de purinas numa sequência de reações enzimáticas. - Doença renal policística;
Os precursores das purinas que favorecem a produção de Miscelânea
ácido úrico podem ter origem exógena (dieta rica em pro- - Toxemia gravídica;
teínas ou calorias – Tabela 5) ou endógena (pela síntese de - Síndrome de Down;
purina “de novo” e pelo turnover celular). Assim, o ácido - Sarcoidose;
úrico pode elevar-se como consequência da dieta, do au- - Acidose láctica.
mento do catabolismo tecidual provocado por várias doen- Causas de hiperprodução
ças e medicações e por erros inatos envolvidos no metabo- (>800mg de uricosúria em 24 horas)
lismo das purinas (Tabela 4). Doenças
O álcool tem grande ligação com a hiperuricemia e - Psoríase;
age tanto aumentando a síntese como diminuindo a ex- - Hemólise;
creção de ácido úrico. As crises de gota sucedendo even- - Policitemia vera;
tos com grande consumo de álcool são classicamente - Doenças mieloproliferativas;
descritas. - Obesidade;
- Glicogenose III, V e VII;
- Síndrome de lise tumoral;
Formação
- Hipertireoidismo;
Catabolismo das Purinossíntese Catabolismo das Drogas
proteínas tissulares “de novo” proteínas ingeridas - Etanol;
- Varfarina;
- Vitamina B12;
Pool do ácido úrico
- Ácido nicotínico;
Agentes citotóxicos
Renal Intestinal - Frutose;
Distúrbios hereditários
Eliminação - Deficiência de HGPRT (hipoguaninafosforibosiltransferase) ou
síndrome de Lesch-Nyhan;
Figura 1 - Pool de ácido úrico - Hiperprodução de PRPP (fosforibosilpirofosfato);
- Deficiência de G-6-PD (glicose-6-fosfato desidrogenase).

Tabela 4 - Principais causas de hipoexcreção e hiperprodução de


Tabela 5 - Alimentos hiperuricemiantes
ácido úrico
Causas de hipoexcreção Dieta – componentes Dieta – pratos
(<800mg de uricosúria em 24 horas) - Ingestão total de calorias; - Bacon;
Causas endócrinas - Triglicérides; - Cerveja;
- Obesidade; - Carboidratos; - Leguminosas;
- Hipotireoidismo; - Proteínas (aspartato, glutamina, glicina); - Fígado;
- Cetoacidose diabética; - DNA; - Ostra;
- Diabetes insipidus; - Timo, pâncreas;
- RNA.
- Hiperparatireoidismo; - Fungos.

68
G O TA

Tabela 6 - Causas de hiperuricemia 4. Estágios clássicos


Aumento da síntese de purinas
Defeitos enzimáticos A - Hiperuricemia assintomática
- Superprodução de fosforibosilpirofosfato;

REUMATOLOGIA
- Deficiência de hipoguaninafosforibosiltransferase;
A hiperuricemia é um achado bioquímico comum. Nos
- Deficiência de glicose-6-fosfatase. fluidos extracelulares, 98% do ácido úrico estão na forma
Doenças que cursam com aumento da produção de purinas de monourato no pH = 7,4. Em termos fisiológicos, qual-
- Doenças hemolíticas; quer valor acima de 6,8mg/dL compreende hiperuricemia,
- Doenças mieloproliferativas; desde que exceda a concentração solúvel de monourato
Doenças que cursam com aumento da produção de purinas nos fluidos corporais.
- Glicogenose II, V e VII; A maioria das pessoas com hiperuricemia nunca desen-
- Obesidade; volve sintomas associados a excesso de ácido úrico, como
- Policitemia vera; artrite gotosa, tofos e cálculos renais.
- Psoríase. A hiperuricemia não diagnostica gota isoladamente
Doenças medicamentos ou hábitos alimentares nem é uma doença propriamente dita.
- Ácido nicotínico;
- Dieta rica em purinas; B - Gota aguda intermitente
- Drogas citotóxicas; O ataque inicial de gota aguda usualmente é precedido
- Etanol;
por décadas de hiperuricemia assintomática.
- Frutose;
O episódio de ataque de gota usualmente é uma dor de
- Vitamina B12 (pacientes com anemia perniciosa);
início agudo, acompanhada de calor, edema e eritema. A
- Varfarina.
dor é intensa e atinge o pico máximo entre 12 e 48 horas.
Defeitos na depuração renal de ácido úrico
O ataque inicial geralmente é monoarticular e, na metade
Doenças
dos pacientes, envolve a 1ª articulação metatarsofalangia-
- Acidose lática;
na, a chamada crise de podagra (Figura 2). Essa articulação
- Cetoacidose diabética;
é afetada em 90% dos indivíduos com gota. Outras articu-
- Desidratação;
lações frequentemente envolvidas em estágio precoce são
- Diabetes insipidus;
- Doença renal policística;
pequenas articulações do antepé, tornozelos, calcanhares e
- Hiperparatireoidismo; joelhos e, menos comumente, punhos, quirodáctilos e om-
- Hipertensão arterial; bros. A dor geralmente é muito intensa.
- Hipotireoidismo; Sintomas sistêmicos, como febre, calafrios e mal-estar,
- Insuficiência renal crônica; podem acompanhar a gota aguda. O eritema cutâneo asso-
- Obesidade; ciado ao ataque agudo de gota envolve a articulação e pode
- Restrição salina; se assemelhar a uma celulite bacteriana. O curso natural da
- Sarcoidose; gota aguda não tratada varia de episódios de dores mode-
- Toxemia da gravidez; radas que se resolve em algumas horas a ataques severos
- Síndrome de Bartter; que duram de 1 a 2 semanas. O episódio entre os ataques
- Síndrome de Down. pode durar anos, mas, com o tempo, a tendência é que os
Drogas e hábitos alimentares ataques se tornem mais frequentes, com maior duração e
- Ciclosporina; envolvimento de múltiplas articulações.
- Diurético; O período intercrítico é aquele em que as articulações
- Etambutol; estão fora do ataque agudo de gota. Apesar disso, cristais
- Pirazinamida; de monourato de sódio são frequentemente identificados
- Etanol; no líquido sinovial. Nesse período, em estágios precoces da
- Levodopa; doença, a articulação se mantém assintomática, mas, com a
- Salicilatos em pequenas doses; recorrência dos ataques, fica comprometida; pode haver dor
- Uso abusivo de laxantes.
persistente, que indica evolução para gota tofácea crônica.

69
REUMATO LOG I A

Figura 2 - Podagra
Figura 4 - Presença de tofos em quirodáctilos e dorso da mão

C - Gota tofácea crônica


A gota tofácea crônica geralmente desenvolve-se após
10 anos ou mais de gota aguda intermitente, embora pa-
cientes possam desenvolver tofos já no ataque inicial. A
transição da gota intermitente para gota tofácea crônica
acontece quando os períodos intercríticos não ficam livres
de dor. O envolvimento articular torna-se persistente, em-
bora a intensidade da dor seja menor que a dos ataques
agudos.
O acometimento poliarticular é mais comum nessa fase,
com envolvimento de pequenas articulações dos pés e das Figura 5 - Presença de tofos em quirodáctilos
mãos de forma simétrica, podendo até confundir com artri-
te reumatoide. As articulações podem ficar deformadas, com
desvios de eixo e tofos justa-articulares associados (Figura 3).
Os tofos são decorrentes do depósito tofáceo de mo-
nourato sódico em tecidos periarticulares, que, inicialmen-
te, podem não ser palpáveis. Eles podem ser encontrados
em qualquer lugar do corpo, mas são mais comuns nos de-
dos (Figuras 3, 4 e 5), punhos, orelhas (Figura 6), joelhos,
olécrano (Figura 7) e locais de maior pressão, como região
ulnar e tendão de Aquiles. Seu aparecimento está relacio-
nado com a severidade da hiperuricemia. Ocasionalmente,
os tofos também inflamam, geralmente acompanhando
crises agudas de artrite. Diferente dos cistos sinoviais que
Figura 6 - Presença de tofo em pavilhão auricular
podem ocorrer na artrite reumatoide e na osteoartrite, os
tofos são de consistência dura. Sua punção revela saída de
material branco pastoso (Figura 7).

Figura 7 - Presença de tofos em olécrano, tofo rompido drenando


Figura 3 - Gota tofácea crônica material rico em monourato de sódio

70
G O TA

Tabela 7 - Fases clínicas da gota desenvolvem em 50% dos pacientes quando o urato está
- Achado bioquímico comum; maior que 13mg/dL. Sintomas de calculose renal precedem
Hiperurice- - A maioria das pessoas com hiperuricemia nun- o desenvolvimento de gota em 40% dos pacientes, e cál-
mia assinto- ca desenvolve sintomas; culos contendo cálcio têm ocorrência 10 vezes maior em
mática - Só hiperuricemia não diagnostica gota; indivíduos com gota que na população geral.

REUMATOLOGIA
- Não é uma doença propriamente dita.
Tabela 8 - Tipos de acometimento renal associados à hiperuricemia
- Precedida por décadas de hiperuricemia assin-
Nefropatia Deposição de cristais de monourato de sódio na
tomática;
crônica medular renal, levando a proteinúria.
- Ataque clássico: dor articular intensa, aguda,
Nefropatia consequente ao do depósito agudo
com calor, edema e eritema e pico entre 12 e 48
de ácido úrico decorrente da hiperuricemia na
horas; Nefropatia
síndrome da lise tumoral, em pacientes que re-
- Ataques moderados se resolvem em algumas aguda
cebem quimioterapia no tratamento de linfomas
horas e ataques severos duram 1 a 2 semanas; e leucemias.
- Ataque inicial monoarticular; Nefrolitíase
- Podagra: ataque de gota na 1ª articulação meta- por ácido Litíase renal por cálculos de monourato.
Gota aguda tarsofalangiana, é o 1º ataque em metade dos úrico
intermitente pacientes e 90% dos gotosos têm podagra em
algum momento; B - Hipertensão
- Outras articulações comumente envolvidas: an-
tepé, tornozelos, calcanhares e joelhos;
Hipertensão está presente em 25 a 50% dos pacientes
com gota, e 2 a 4% das pessoas com hipertensão têm a doen-
- Sintomas sistêmicos podem estar associados:
ça. As concentrações de urato sérico correlacionam-se direta-
febre, calafrios e mal-estar;
mente com a resistência periférica e vascular renal, levando à
- Curso natural: episódios sucessivos de ataques
redução do fluxo renal, o que demonstra a associação entre
intercalados por um período intercrítico variá-
vel, que pode durar anos, mas que, com o tem-
hipertensão e hiperuricemia. Fatores como obesidade e sexo
po, se torna mais curto. masculino também se associam a estas 2 últimas condições.
- Após anos de gota aguda intermitente; C - Obesidade
- Envolvimento articular persistente: períodos
intercríticos não ficam livres de dor, com agu- Hiperuricemia e gota correlacionam-se com o peso cor-
Gota tofácea poral em homens e mulheres, e indivíduos com a 2ª condi-
dização nos ataques;
crônica ção estão comumente acima do peso, comparados com a
- Acometimento poliarticular, com deformidades
e desvios de eixo; população geral. Obesidade pode ser o fator que une hipe-
- Tofos justa-articulares. ruricemia, hipertensão, hiperlipidemia e aterosclerose.

D - Hiperlipidemia
5. Associações clínicas
Os triglicérides séricos estão elevados em 80% das pes-
soas com gota. A associação entre hiperuricemia e níveis
A - Doença renal séricos de colesterol é controversa.
Diversas formas de doença renal induzida por hiperurice- Em vista do exposto, vem sendo estudada a gota como par-
mia são reconhecidas, incluindo nefropatia crônica por urato, te da síndrome plurimetabólica (Figura 8), também contribuin-
nefropatia aguda por ácido úrico e nefrolitíase por ácido úrico. do para o aumento do risco para doenças coronarianas.
Falência renal progressiva é comum em pessoas com
gota. Hipertensão, diabetes, obesidade e doença isquêmi- Influências genéticas Influências ambientais

ca coronariana são as comorbidades mais importantes que


- Obesidade;
contribuem para complicações. Resistência à insulina
- Tabagismo;
- Gorduras saturadas;
Nefropatia crônica por urato é uma entidade causada - Alterações receptores;
- Sinalização (C-JUN); Hiperinsulinemia
- Sedentarismo.

pela deposição de cristais de monourato de sódio na medular - Enzimas metab. CH.

renal, associado à albuminúria. Falência renal aguda pode ser


causada por hiperuricemia na síndrome da lise tumoral, que Metabolismo
de glicose
Metabolismo
de ácido úrico
Dislipidemia Hemodinâmica Hemostática

acontece em pacientes que recebem quimioterapia no trata-


Hiperuricemia PAI-1
mento de linfomas e leucemias. Com a liberação de purinas Intolerância à Hipertrigliceridemia
Gota Hiperatividade simpática Fibrinogênio
glicose Hipercolesterofenia
Urolitíase Retenção de Na
↓ HDL-c
durante a lise tumoral, ocorre a precipitação de ácido úrico ↑ LDL densas
Hipertensão

nos túbulos distais e ductos coletores no rim. Nefropatia agu-


da por ácido úrico pode resultar em poliúria e anúria.
Depósito renal de ácido úrico ocorre em 10 a 25% de Doença coronariana

todas as pessoas com gota. A incidência correlaciona-se di-


retamente com o nível sérico de ácido úrico, e cálculos se Figura 8 - Síndrome plurimetabólica

71
REUMATO LOG I A

6. Achados radiográficos forma de agulha com intensa birrefringência positiva ao mi-


croscópio de luz polarizada (Figura 11). Isso os distingue dos
Os achados radiográficos nas fases iniciais podem não cristais de pirofosfato de cálcio, encontrados na pseudogo-
existir. Na artrite aguda, pode ser encontrado apenas um ta, que são curtos e rombos e têm birrefringência positiva
aumento de partes moles nas articulações afetadas. Na fraca. Os cristais usualmente são intracelulares durante os
maioria dos casos, anormalidades ósseas e articulares po- ataques agudos e extracelulares quando fora de crise. O lí-
dem se desenvolver após anos de doença, e podem ser vis- quido sinovial mostra inflamação intensa a moderada, com
tos depósitos de cristais de urato (Figura 9). Mais frequen- predomínio de neutrófilos.
temente, as anormalidades são assimétricas e encontradas
nos pés, mãos, punhos, ombros e joelhos.
A erosão óssea da gota é radiologicamente distinta das
alterações erosivas das artrites inflamatórias. Erosões da
gota estão presentes nas margens ósseas (lesão em saca
bocado – Figura 10). Osteopenia justa-articular, um achado
comum e precoce na artrite reumatoide, é ausente ou mí-
nima na gota.

Figura 9 - Presença de depósito de ácido úrico no 1º pododáctilo


com total destruição da porção distal do 1º metatarso

Figura 11 - (A) Cristal de monourato de sódio localizado intracelular-


mente e (B) sob luz polarizada: fusiformes e fortemente birrefringentes.
Fonte: Rheumatology in Practice, 2010

A dosagem de ácido úrico na urina de 24 horas é ne-


Figura 10 - Lesão erosiva tipo saca bocado: observar que ela está cessária para definir o tipo de paciente (hipoexcretor ou
fora da cápsula articular
hiperprodutor) e, por conseguinte, o tipo de tratamento.
Em uma dieta regular, a excreção de ácido úrico maior que
7. Achados laboratoriais 800mg em 24 horas sugere uma superprodução de urato.
Pode-se calcular o clearance de ácido úrico, que é a taxa
A elevação de ácido úrico tem sido considerada a chave de filtração renal de ácido úrico, pois o indivíduo pode ter
no diagnóstico de gota. O nível normal de ácido úrico sérico uma uricosúria alta (hiperprodutor), mas um clearance
para o sexo masculino é de cerca de 7mg/dL, e, para o sexo baixo, indicando déficit de excreção em relação ao valor
feminino, 6 a 6,5mg/dL. Na realidade, esse achado laborato- da hiperuricemia. Da mesma forma, uma pessoa com uri-
rial não é diagnóstico. A maioria dos estados hiperuricêmicos cosúria menor de 800mg (que seria classificada como hi-
não desenvolve gota, e os níveis de urato podem estar nor- poexcretor) pode excretar adequadamente em relação ao
mais durante a crise, devido à precipitação tecidual. nível sérico de ácido úrico. O clearance normal está em
O diagnóstico definitivo de gota é possível pela aspira- torno de 8mL/min e pode ser calculado com a concentra-
ção do líquido sinovial ou do tofo que demonstra cristais ção urinária e sérica de ácido úrico e o volume urinário
de monourato de sódio. Os cristais geralmente assumem total.

72
G O TA

8. Diagnóstico 9. Tratamento
Em 1977, o American College of Rheumatology aprovou A gota pode ser tratada com sucesso, sem complicações.
os critérios diagnósticos propostos por Wallace et al., que Os objetivos terapêuticos incluem tratar a crise aguda, pro-
se baseiam no encontro de cristais de monourato de sódio mover rápido alívio da dor e inflamação, prevenir ataques

REUMATOLOGIA
ou tofos ou 6 ou mais dos 12 critérios clínicos, radiológicos futuros e prevenir formação de tofos, cálculos renais e ar-
e laboratoriais (Tabela 9). tropatia destrutiva. No tratamento da gota, atenção tam-
bém deve ser dada às comorbidades.
Tabela 9 - Critérios para classificação de artrite aguda na gota pri-
mária
A - Gota aguda
Critérios maiores
- Encontro de cristais de monourato de sódio no líquido sinovial Um ataque agudo de gota é marcado por inflamação
intra-articular na vigência de crise aguda; intensa. Muitos agentes, incluindo Anti-Inflamatórios Não
- Confirmação da presença de tofos. Hormonais (AINHs), colchicina, corticoides sistêmicos ou
Critérios menores intra-articulares podem ser usados para eliminar a dor e
os sintomas associados. A administração precoce desses
- Inflamação articular súbita;
agentes é essencial. Colchicina, por exemplo, funciona me-
- Mais de 1 crise de artrite aguda;
lhor quando instituída minutos a horas depois do ataque.
- Comprometimento monoarticular; Drogas que abaixam o urato não devem ser instituídas du-
- Rubor local; rante o ataque agudo. Entretanto, pacientes que apresen-
- Comprometimento de 1ª MTF; tam ataque agudo e estejam fazendo uso de alopurinol ou
- Comprometimento de 1ª MTF de modo unilateral; agente uricosúrico devem ser continuados.
- Comprometimento tarsal unilateral; a) AINHs: são as drogas de escolha no tratamento da
- Suspeita de presença de tofos; crise aguda de gota. São administrados em dose plena ao
- Hiperuricemia;
1º sinal de ataque e devem ser mantidos por, ao menos, 48
horas após o desaparecimento dos sintomas. Não encorajar
- Edema articular assimétrico visto ao raio x;
uso crônico. Usa-se na vigência do ataque de gota agudo.
- Cistos subcondrais sem erosões vistos ao raio x;
AINHs podem causar significativos efeitos colaterais,
- Cultura negativa na vigência de crise. mais comumente, complicações gastrintestinais. Seu uso
deve ser evitado em hipertensos descontrolados e indivídu-
A maioria dos pacientes diagnosticados como gota tem
os com disfunção renal.
história de monoartrite aguda, hiperuricemia e melhora
b) Colchicina: é efetiva no tratamento da crise aguda e
importante dos sintomas com uso de colchicina e anti-infla-
promove alívio da dor em 48 horas na maioria dos pacien-
matórios. A resposta clínica à colchicina é uma forte evidên-
cia de gota, mas também é frequente em outros tipos de tes. Além disso, inibe os microtúbulos envolvidos na qui-
artrite microcristalina, incluindo por cristais de pirofosfato miotaxia e fagocitose dos cristais de ácido úrico pelos neu-
de cálcio (pseudogota) e hidroxiapatita. trófilos. Além de reduzir a produção de IL-6, tem circulação
Em um caso de monoartrite aguda com material pun- êntero-hepática, e os efeitos tóxicos podem ser amplifica-
cionável, é preciso obter cultura e coloração para bactérias dos em pacientes com doença hepática.
para excluir artrite séptica, pois a presença dos cristais ca- Geralmente, é administrada em doses orais de 1,5mg/
racterísticos de monourato de sódio, embora faça diagnós- dia (1 comprimido de 5mg, 8/8 horas), por 3 a 6 dias. Os
tico de gota, não exclui coexistência de infecção. Em alguns principais efeitos colaterais são náuseas, vômitos, diarreia,
casos, como artrite de articulações maiores, como joelho, o cãibras e dor abdominal. A dose deve ser reduzida ou sus-
início de antibioticoterapia empírica está indicado até que pensa se esses sintomas aparecem. Dose excessiva pode
se possa afastar infecção. resultar em supressão da medula óssea, falência renal, co-
agulação intravascular disseminada, falência cardiopulmo-
Tabela 10 - Diagnósticos diferenciais nar, convulsões e óbito. O uso é limitado a pacientes com
Artrite reumatoide disfunção renal. As doses intravenosas usadas no passado
- Diferenciar nódulo reumatoide (cotovelos) dos tofos; na AR não até o surgimento de efeitos colaterais são totalmente de-
ocorre acometimento de IFDs. sencorajadas atualmente. Também pode ser administrada
Artrite psoriásica na prevenção de ataques em pacientes com crises de repe-
- IFD + dactilite (edema dos dedos). tição, na dose mais baixa de 0,5 a 1mg/dia.
c) Corticoides: podem ser usados (prednisona de 20 a
Esclerose sistêmica
40mg/dia ou equivalente por 3 a 4 dias) para pacientes a
- Calcinose – depósito de hidroxiapatita faz diferencial com os
quem a colchicina e AINHs são contraindicados ou inefetivos.
tofos.
Gota usualmente responde a colchicina, AINHs ou cor-
Infecção ticoides isolados. Entretanto, se a terapia falha ou o ataque

73
REUMATO LOG I A

é intenso, um único agente não é o suficiente. Na maioria Paciente com gota


das situações, os agentes são utilizados em combinação. estabelecida

Não
B - Profilaxia Ataque agudo com
sinovite presente?
Gota em período
intercrítico
Dieta (Tabela 11) e modificação do estilo de vida redu-
Gota aguda
zem a frequência dos ataques agudos e a necessidade de
medicações. Dieta rígida com restrição de precursores de
Terapia com AINH
purina não está indicada, pois mesmo uma dieta rigorosa pode ser usada?
oferece pouco efeito no pool final de ácido úrico. No en-
tanto, a retirada de determinado alimento pode ser eficaz
a alguns pacientes. A perda de peso reduz o urato sérico, Sim Não
AINH enquanto Corticoides são
e o álcool deve ser eliminado totalmente, pois ele aumen- durar a crise contraindicados?
ta a produção de urato e reduz a sua excreção. O uso sub-
-reptício é comum e costuma ser responsável por ataques Sim Não Não
de gota aguda em pacientes sob tratamento adequado. Colchicina oral Mais de 1 articulação Corticoide intra-
envolvida? articular ou oral
Medicamentos que sabidamente contribuem para hiperuri-
cemia (Tabela 4) devem ser substituídos, se possível. Sim
a) Alopurinol: é um inibidor da xantina-oxidase, enzima Corticoide oral ou
intramuscular
envolvida na síntese do ácido úrico. A pacientes com hiper-
produção de ácido úrico, formação de tofos, nefrolitíase, Sintomas agudos
ou outras contraindicações para o uso de uricosúricos, é o resolvidos
agente de escolha. Também é a droga preferível em casos
de insuficiência renal, mas sua toxicidade é possível quando Gota em período
intercrítico
a filtração glomerular está rebaixada. Toxicidade pode ser
evitada se as doses são apropriadas. Terapia típica é inicia- Figura 11 - Tratamento da gota
da com a dose de 300mg/dia, entretanto doses de 100mg
ou menos podem ser apropriadas para idosos ou filtração
glomerular <50mL/min. C - Recomendações do EULAR (liga europeia que
O tratamento prolongado com dose adequada de alopu- estuda as doenças reumatológicas):
rinol pode resolver os tofos, porém depende da característi- - Um ataque agudo de rápido desenvolvimento de dor
ca do mesmo, sendo alguns tofos mais resistentes. intensa, edema e dolorimento que atinge o máximo
Os efeitos colaterais mais comuns são dispepsia, cefaleia dentro de 6 a 12 horas, especialmente com eritema
e diarreia. O rash papular pruriginoso ocorre em 3 a 10% dos sobreposto, é altamente sugestivo de inflamação por
pacientes. Outros efeitos tóxicos incluem febre, urticária, eosi- cristais, ainda que não específico para gota;
nofilia, nefrite intersticial, falência renal aguda, supressão de
medula óssea, hepatite, vasculite, toxicidade epidérmica.
- Para apresentações típicas da gota (por exemplo, po-
dagra recorrente com hiperuricemia), um diagnóstico
A síndrome de hipersensibilidade ao alopurinol é rara,
clínico isolado tem acurácia razoável, mas não definiti-
mas constitui um quadro grave com mortalidade em torno
va sem confirmação dos cristais;
de 20 a 30%.
O FDA (Food and Drug Administration) indica o uso do
- Demonstração de cristais de urato monossódico no
líquido sinovial ou no aspirado do tofo permite o diag-
oxipurinol, outro agente inibidor da xantina-oxidase, para
nóstico definitivo de gota;
tratamento dos pacientes com hiperuricemia e intolerantes
ao alopurinol. Não está disponível no Brasil. - A pesquisa de rotina de cristais de urato monossódico
b) Agentes uricosúricos: são efetivos para os pacientes é recomendada em todo aspirado de líquido sinovial
com filtração glomerular entre 50 e 60mL/min, com inges- obtido de articulações inflamadas sem diagnóstico;
ta de 2L de fluidos e com bom fluxo urinário, sem história - A identificação de cristais de urato monossódico em
ou evidência ultrassonográfica de nefrolitíase. No Brasil, articulações assintomáticas pode permitir o diagnósti-
o agente disponível é a benzbromarona, na dose de 50 a co definitivo de gota no período intercrítico;
200mg/dia. Não deve ser administrada a indivíduos com - Gota e sepse podem coexistir, então quando se suspei-
uricosúria elevada (>750mg/24h). tar de artrite séptica, a coloração pelo Gram e cultura
A combinação de alopurinol e uricosúricos pode ser in- do líquido sinovial devem ser realizadas, mesmo que
dicada a pacientes com tofos extensos e função renal pre- sejam identificados cristais de urato monossódico;
servada. Os uricosúricos aumentam a excreção de grandes - Mesmo sendo o mais importante fator de risco para
quantidades de urato solúvel, e o alopurinol reduz a forma- gota, os níveis de ácido úrico sérico não confirmam ou
ção de novos uratos. excluem gota, assim como muitas pessoas com hipe-

74
G O TA

ruricemia não desenvolverão gota, e durante as crises - Fatores de risco para gota e comorbidades associadas
agudas os níveis séricos podem estar normais; devem ser avaliadas, incluindo características da sín-
- Excreção renal de ácido úrico deve ser determinada drome metabólica (obesidade, hiperglicemia, hiperli-
em um grupo de pacientes com gota, especialmente pidemia, hipertensão).
aqueles com história familiar de início precoce de gota,

REUMATOLOGIA
início antes de 25 anos de idade ou com litíase renal; 10. Tratamento da hiperuricemia isolada
- Apesar das radiografias serem úteis no diagnóstico di- Há muita controvérsia no tratamento desta situação.
ferencial e mostrarem achados típicos na gota crônica, Alguns autores recomendam o tratamento nesses casos,
elas não são úteis para confirmar o diagnóstico em es- mas também há controvérsia quanto ao nível de uricemia
tágios precoces da doença; que o indicaria.

Tabela 11 - Tratamento da gota


- Drogas de 1ª escolha;
- Iniciar ao 1º sinal do ataque e manter por 48 horas após o desaparecimento dos sin-
Anti-Inflamatórios Não Hor-
tomas;
monais (AINHs)
- Usar dose máxima por curto período de tempo;
- Evitar em hipertensos descontrolados e pacientes com disfunção renal.
- Promove alívio da dor em 48 horas;
Gota aguda
- Inibe os microtúbulos envolvidos na quimiotaxia e fagocitose dos neutrófilos;
Colchicina - Realizar uso oral de 1,5mg/dia por 3 a 6 dias;
- Doses crescentes intravenosas não mais recomendadas;
- Evitar em pacientes com disfunção renal.
- É indicado na contraindicação ou ineficácia de AINHs e colchicina;
Corticoide
- Prednisona, 20 a 40mg/dia ou equivalente por 3 a 4 dias.
- Dieta rígida com restrição de precursores de purina não está indicada;
- Perda de peso reduz o urato sérico;
Dieta, peso e álcool
- Eliminar totalmente o uso de álcool;
- Medicamentos que contribuem para hiperuricemia devem ser substituídos, se possível.
- Inibidor da xantina-oxidase, é indicado a pacientes hiperprodutores, tofos, nefrolitíase
Prevenção de
ou contraindicações aos uricosúricos;
ataques futu-
Alopurinol - É preferível em casos de insuficiência renal;
ros e complica-
- Corrigir dose de acordo com a função renal (dose padrão: 300mg/dia; doses de 100mg
ções
ou menos para idosos ou filtração glomerular <50mL/min).
- São efetivos a pacientes com filtração glomerular acima de 50 a 60mL/min, com
Agentes uricosúricos (benz- ingesta de 2L de fluidos e bom fluxo urinário, sem história ou evidência ultrassono-
bromarona) gráfica de nefrolitíase dose: 50 a 200mg/dia;
- Não usar se uricosúria elevada (>750mg/24 horas).

11. Condrocalcinose – pseudogota - Gota.


Achados clínicos mais sugestivos:
Artropatia microcristalina caracterizada por depósito de
cristais diidratados de pirofosfato de cálcio. Os depósitos
- Achados clínicos de gota em pacientes idosos, espe-
cialmente mulheres;
atingem principalmente a cartilagem articular, os meniscos,
a sinóvia e as estruturas tendinosas e ligamentares. Pode - Sintomas sugestivos de gota com evolução atípica res-
mimetizar gota, artrite reumatoide, osteoartrite, artropatia posta ao tratamento;
neuropática ou ser assintomática. - Osteoartrite atípica (especialmente de início mais tar-
É uma doença incomum, que atinge principalmente pes- dio e recorrente, episódios inflamatórios agudos;
soas na 6ª ou na 7ª década, sendo rara antes dos 40 anos. - Clínica com padrão de artrite reumatoide iniciando em
Algumas doenças metabólicas estão associadas ao desen- idoso.
volvimento de pseudogota/condrocalcinose, destacam-se:
- Hemocromatose; A - Quadro clínico
- Hiperparatireoidismo; Tipos mais comuns de apresentação clínica:
- Hipofosfatasia; a) Pseudogota isolada (25% dos casos): manifesta-se
- Hipomagnesemia; por surtos agudos ou subagudos autolimitados, habitual-

75
REUMATO LOG I A

mente tão severos quanto os da gota e com intervalo livre


assintomático.
b) Forma pseudorreumatoide (5% dos casos): manifes-
ta-se com rigidez matinal, artrite simétrica das pequenas
articulações das mãos, espessamento sinovial, contratura
em flexão. Em 10% dos casos, o FR é positivo. Os ataques
duram de 4 semanas a vários meses. As articulações mais
acometidas são punhos, cotovelos, metacarpofalangianas,
joelhos e ombros. Devem-se buscar imagens de calcificação
articular ao raio x de punhos, púbis e joelhos, que corro-
boram esse diagnóstico e afastar erosões típicas de artrite
reumatoide.
c) Forma pseudo-osteoartrítica (50% dos casos): o en-
volvimento geralmente é bilateral com degeneração pro-
gressiva de múltiplas articulações. Evolui cronicamente
por meses ou anos, mas pode ter cursos de crises agudas. Figura 12 - Condrocalcinose: correlação anatomoclínica
Compromete predominantemente os joelhos, punhos, arti-
culações metacarpofalangianas, articulações coxofemorais,
ombros, cotovelos e tornozelos. Devem-se buscar imagens
de calcificação articular ao raio x de punhos, púbis e joe-
lhos, e observar o acometimento de punhos e metacarpofa-
langianas (muito incomuns na osteoartrite primária).
d) Artropatia pseudoneuropática: monoartrite destru-
tiva grave, de curso crônico, dolorosa. A ausência de neuro-
patia sensitiva a diferencia da artropatia neuropática.
e) Forma assintomática (20% dos casos): casualmente,
são vistas ao raio x calcificações típicas da condrocalcinose,
principalmente nos joelhos, porém sem manifestações clí-
nicas associadas.

B - Achados radiológicos
O depósito de cristal de pirofosfato diidratado de cálcio
pode ser visto à radiologia simples e aparece na cartilagem Figura 13 - Outras localizações de condrocalcinose
hialina e fibrosa como calcificação coalescente em linhas ou
bandas paralelas à borda do osso subcondral (Figura 12). C - Exames laboratoriais
Os locais mais frequentemente acometidos são menisco do
joelho, ligamento triangular do carpo e fibrocartilagem da O líquido sinovial com cristais de pirofosfato de cálcio
sínfise púbica. Qualquer articulação pode ser acometida. é o achado característico. Os cristais são vistos à microsco-
Tais alterações são acompanhadas de lesões degenerativas. pia de luz polarizada, apresentando-se com birrefringência
positiva fraca e forma curta, com extremidades rombas
(Figura 14) – diferentemente do de monourato de sódio,
que é longo e pontiagudo.

Figura 14 - Cristal de pirofosfato de cálcio sob luz polarizada: rom-


boides e fracamente birrefringentes

76
G O TA

As provas de atividade inflamatória (VHS e PCR) podem - Hiperparatireoidismo;


estar aumentadas, sobretudo nos casos de crise aguda. - Insuficiência renal crônica/diálise prolongada;
Muitas vezes, é preciso afastar outras doenças que são co-
- Doenças do tecido conjuntivo (esclerose sistêmica, LES, CREST,
mumente associadas à condrocalcinose: como diabetes melli- miosite);
tus, hiperparatireoidismo, hemocromatose, hipotireoidismo,

REUMATOLOGIA
- Calcificações heterotópicas após patologias neurológicas (AVE,
doença de Wilson, hipofosfatasia, ocronose e acromegalia.
trauma raquimedular);

D - Diagnóstico - Fibrodisplasia ossificante progressiva.

O diagnóstico baseia-se nos achados clínicos, radio- Os cristais de hidroxiapatita causam artrite quando há
lógicos e laboratoriais. Entram no diagnóstico diferencial quebra da homeostasia do produto cálcio-fósforo, prin-
doenças que ela pode mimetizar (gota, osteoartrite, artrite cipalmente quando este excede 75 mg2/dL. A articulação
reumatoide, artropatia neuropática) e as que podem estar mais comumente acometida é a do ombro, chamada às ve-
associadas. zes de ombro de Milwaukee, sendo o lado dominante geral-
mente o mais envolvido. Praticamente qualquer articulação
Tabela 12 - Sugestões diagnósticas para condrocalcinose
pode ser afetada, como quadril, punho, tornozelo, cotovelo
Quando pensar em pseudogota?
e pequenas articulações da mão. A calcificação de tendão,
- Monoartrite aguda não tofácea intermitente: diagnóstico ligamento e cápsula articular pode associar-se a processo
diferencial com gota, sobretudo se em associação a diabetes
inflamatório doloroso periarticular. A doença articular por
mellitus, hiperparatireoidismo, hemocromatose, hipotireoidismo,
cristais de hidroxiapatita também pode progredir com ar-
doença de Wilson, hipofosfatasia, ocronose e acromegalia;
tropatia destrutiva. É doença predominante em indivíduos
- Calcificações intra-articulares: típicas em joelhos, sínfise púbica e
idosos.
punhos;
O quadro clínico inclui de casos assintomáticos (desco-
- Quadro semelhante à osteoartrite, mas que atinge articula-
bertos apenas nos exames radiográficos) até sinovite aguda,
ções normalmente não acometidas por osteoartrite primária:
bursite, tendinite e artropatia destrutiva crônica. Na análise
punhos, articulações metacarpofalangianas, ombros, cotove-
los e tornozelos. do líquido sinovial destes pacientes, a contagem de leucóci-
tos é baixa, com predomínio de células mononucleares. Os
E - Tratamento cristais presentes no líquido sinovial são muito pequenos,
não birrefringentes e muitas vezes detectados somente em
Tratam-se as crises com AINHs, esvaziamento da arti- microscopia eletrônica. Quando corados com vermelho S
culação por meio de punção articular e corticoides injetá- de alizarina são melhor visualizados. Os achados radiográfi-
veis. Os pacientes devem ser orientados para que evitem cos não são diagnósticos.
traumatismos articulares que são, com frequência, precipi- É descrita a ocorrência de calcinose tumoral, em virtu-
tantes de crises. O uso crônico de colchicina pode reduzir a de do crescimento dos depósitos, em especial nos ombros,
frequência e a intensidade das crises. formando massas palpáveis e visíveis. A calcifilaxia, que
ocasiona calcificação de partes moles, calcificação vascular
12. Doença articular por deposição de e necrose isquêmica da pele, geralmente é vista em associa-
ção com níveis elevados de fosfato sérico.
outros cristais O tratamento é inespecífico. Em geral, as crises agudas
Uma série de outros cristais pode produzir inflama- são autolimitadas. Pode-se usar AINHs, corticoides orais,
ção aguda osteomuscular. Dentre estes destacam-se a de- injetáveis ou intra-articulares. Nos pacientes com doença
posição de cristais de hidroxiapatita e de oxalato de cálcio. destrutiva e crônica o tratamento clínico é em geral ine-
ficaz, requerendo medidas cirúrgicas para a remoção dos
a) Deposição de cristais de hidroxiapatita
depósitos. Identificação e correção de um ativo subjacente
Os cristais de fosfato básico de cálcio (apatita) estão asso- causa de hipofosfatemia ou hipercalcemia pode reduzir o
ciados a doenças articulares e periarticulares, sendo frequente risco de futuros ataques.
a causa de bursites e tendinites calcificadas (Tabela 13).
b) Deposição de cristais de oxalato de cálcio (CaOx)
Tabela 13 - Condições associadas à deposição de hidroxiapatita Existem 2 formas de deposição de cristais de CaOx: a
- Bursites e tendinites calcificadas; primária, um raro distúrbio metabólico e hereditário; e a
- Periartrites calcificadas (tecidos moles); secundária, uma anormalidade metabólica decorrente da
- Osteoartrite; Doença Renal Terminal (DRT). Nestes últimos ocorre de-
- Artropatia destrutiva; posição de CaOx em órgãos viscerais, ossos, cartilagens,
sinóvia e vasos sanguíneos. Os agregados de CaOx liberam
- Derrames hemorrágicos em idosos (ombro de Milwaukee);
enzimas e com isso estimulam a formação de sinovite nas
- Calcinose tumoral; articulações acometidas com progressivo dano articular.

77
REUMATO LOG I A

Como achado radiográfico também podemos encontrar Característica Gota Pseudogota


condrocalcinose, sendo esta indistinguível da deposição de Hiperuricemia, obe- Hipotireoidismo,
DPFC. O líquido sinovial destes pacientes não costuma ser sidade, hipertensão, hemocromatose,
inflamatório, com contagem total de menos de 2.000 leucó- Condições predis-
hiperlipidemia, álco- OA, IRC, diabetes,
ponentes/fatores
citos, com predomínio de mononucleares. de risco
ol, baixa ingesta ali- hiperparatireoi-
O tratamento das crises agudas inclui AINH, colchicina mentar, defeito enzi- dismo, hereditária
e/ou corticosteroides, associado ao aumento na frequência mático hereditário (rara)
das sessões dialíticas. Já na doença hereditária há relatos de Crise aguda: AINH,
Opções terapêu- Crise aguda: AINH,
melhora após transplante hepático. colchicina, corti-
ticas colchicina, corticoide
coide
Manejo crônico:
13. Resumo Manejos
Manejo crônico: uri-
AINH e/ou colchi-
cosúricos, colchicina
cina
Quadro-resumo
Fonte: UpToDate, 2011.
- Gota: doença inflamatória articular causada pela deposição de
cristais de urato monossódico nos tecidos articulares e periar-
ticulares em condições de hiperuricemia;
- Somente 25% dos indivíduos hiperuricêmicos desenvolvem
gota. Há controvérsias sobre a indicação de tratamento dos hi-
peruricêmicos assintomáticos;
- Fases da doença: hiperuricemia assintomática, gota aguda in-
termitente, gota tofácea crônica;
- Pode evoluir para doença renal (nefropatias agudas e crônicas
por ácido úrico, nefrolitíase);
- Diagnóstico definitivo: encontro de cristais em forma de agulha
com birrefringência negativa fagocitados por macrófagos no
líquido sinovial;
- Tratamento das crises agudas: AINHs, corticosteroides, colchi-
cina;
- Tratamento profilático (hipouricemiante): dieta (especialmente
abstinência de álcool), alopurinol, agentes uricosúricos (benz-
bromarona);
- Não se deve modificar ou introduzir tratamento hipouricemian-
te de base em vigência de crise aguda de gota;
- Pseudogota: doença inflamatória articular que se diferencia da
gota por ser causada pela deposição tecidual de cristais de pi-
rofosfato de cálcio.
Diagnóstico diferencial entre gota e pseudogota -
Artrite induzida por cristais
Característica Gota Pseudogota
1,5 a 2,6 casos por
1.000; aumenta com <1 caso por 1.000;
Prevalência idade em homens aumenta com a
e mulheres na pós- idade
-menopausa
Pirofosfato de cál-
Cristal Urato monossódico
cio diidratado
Birrefringência
Birrefringência nega- fracamente positi-
Aparência
tiva; forma de agulha va; forma linear ou
romboide
Monoarticular >oligo-
Envolvimento Monoarticular
articular; poliarticular
articular >oligoarticular
<30%
1ª metatarsofalangia-
Articulações mais Joelho, punho,
na; tornozelo, joelho,
afetadas outras
outras

78
CAPÍTULO

8
Síndromes reumáticas dolorosas regionais
Rodrigo Antônio Brandão Neto / Ana Cristina de Medeiros Ribeiro
Aleksander Snioka Prokopowistch / Hérica Cristiani Barra de Souza

1. Introdução tica esportiva, estão frequentemente associadas. Essa ar-


ticulação possui grande mobilidade, o que confere grande
As síndromes dolorosas regionais formam um grupo de instabilidade e favorece lesões.
doenças musculoesqueléticas heterogênea, cujas origens Quatro articulações conferem os movimentos do om-
são múltiplas, acometendo estruturas periarticulares em bro: glenoumeral, acromioclavicular, esternoclavicular e
diversas partes do corpo. Representam um grande número escapuloumeral. Dentre as estruturas periarticulares mais
de consultas na prática clínica, daí sua grande importância. importantes do ombro, destacam-se:
Serão estudadas as principais síndromes dolorosas regio- - A bursa subacromial, localizada abaixo do acrômio e
nais, de acordo com a topografia dos sintomas. contínua com a bursa subdeltóidea, cobre a cabeça
umeral. O músculo deltoide cobre a bursa;
2. Ombro -O manguito rotador, composto pelos tendões dos
Tabela 1 - Causas mais comuns de dor no ombro músculos supraespinhal, infraespinhal, redondo me-
nor e subescapular, que se inserem nas tuberosidades
Etiologia Pistas diagnósticas
umerais. O manguito fixa a cabeça do úmero na fossa
Tendinite do supraes- Dor localizada no ombro ou no membro glenoide durante a abdução, promove rotação interna
pinhal ou infraespi- superior; piora com a abdução; comum (músculo subescapular e redondo menor) e externa
nhal e bursite suba- dor noturna; manobras específicas no
(músculo infraespinhoso) do ombro e auxilia na abdu-
cromial exame físico.
ção (músculo supraespinhoso);
Dor principalmente na face anterior do
Tendinite da cabeça
ombro; piora com a flexão; manobras es- -A cápsula articular da articulação glenoumeral, que
longa do bíceps pode estar acometida na capsulite adesiva.
pecíficas no exame físico.
Capsulite adesiva Dor difusa no ombro; limita os movimen-
(ombro congelado) tos tanto ativos quanto passivos. A - Distúrbios do manguito rotador
Dor similar à tendinite do supraespinhal;
Ruptura completa do Os distúrbios do manguito rotador incluem um espec-
impossibilidade de abdução ativa com-
supraespinhal tro de doenças, como inflamação dos tendões (tendinite),
pleta.
Dor inflamatória; dor à mobilização ativa desgaste e alterações degenerativas da estrutura dos ten-
e passiva; limitação de mobilidade ativa dões (tendinose), rotura parcial ou completa dos tendões e
Artrite glenoumeral
e passiva; mais articulações usualmente compressão do manguito rotador no seu trajeto, levando à
envolvidas. síndrome do impacto.
Dor no aspecto superior do ombro; dor A síndrome do impacto é uma das causas mais comuns
Doença acromioclavi-
mecânica; dificuldade durante abdução de dor no ombro. A maioria dos casos tende a ocorrer em pa-
cular e instabilidade
extrema. cientes jovens e está associada à tendinite do supraespinhoso.
Instabilidade glenou- Mais comum em pessoas jovens; recor- A síndrome é provocada pela compressão do manguito, por
meral rente. edema em caso de tendinite, osteófitos da articulação acro-
mioclavicular ou anatomia variável do processo coracoide. O
Dor no ombro é uma queixa comum entre pessoas aci- principal achado é a dor no ombro durante a abdução passiva,
ma de 40 anos. Entre pessoas jovens, injúrias, devido à prá- principalmente entre 60 e 120° (sinal do impacto).

79
REUMATO LOG I A

Vários são os sinais que indicam a síndrome do impacto,


também conhecidos como manobras de impacto. Devem-
se realizar, de preferência, todos os testes para aumentar a
sensibilidade:
- Sinal do impacto: ou teste de Neer, é habitualmente
positivo. Essa manobra é realizada quando o examina-
dor abduz o braço do paciente estendido e em rotação
neutra, rapidamente, enquanto a outra mão estabiliza
a escápula (Figura 1). O sinal será positivo se a dor for
desencadeada entre 60 e 120°;
- Teste do impacto: realizado através da injeção de lido-
caína no espaço subacromial, é considerado positivo
se o sinal do impacto, antes positivo, se torna negativo,
ou se a dor por ele desencadeada é aliviada significa-
tivamente;
- Manobra de Hawkins-Kennedy: o examinador segura Figura 2 - Manobra do impacto de Hawkins-Kennedy
o braço do paciente, com elevação de 90°; flexiona o
cotovelo a 90° e realiza rotação neutra, e então proce-
de com uma rápida e passiva rotação interna (Figura
2). A manobra desencadeia dor;
- Manobra de Yokum: o paciente apoia sua própria mão
no ombro contralateral e o eleva rápida e ativamente,
sem elevar o ombro contralateral (Figura 3). A mano-
bra desencadeia dor.

Figura 1 - Teste do impacto ou de Neer Figura 3 - Manobra do impacto de Yokum

Muito comumente associadas à síndrome do impacto,


estão as inflamações de tendões (tendinites) que perten-
cem ao manguito rotador. Os seguintes tendões podem ser
acometidos:
- Tendinite do supraespinhal: o músculo supraespinhal
é responsável por parte da abdução do braço. Assim, a
manobra para diagnosticar essa tendinite é feita com
o paciente com o braço abduzido em 45°, estendido
e em rotação interna (com o polegar para baixo), ten-
tando fazer abdução contrarresistência do braço, sem
elevar o ombro (Figura 4). Esse teste é conhecido como
teste de Jobe;
- Tendinite do infraespinhal: o músculo infraespinhal é
responsável pela rotação externa do braço. A manobra

80
S Í N D R O M E S R E U M Á T I C A S D O LO R O S A S R E G I O N A I S

para diagnosticar essa tendinite é feita com o paciente As causas de tendinite no manguito rotador são multi-
com o braço abduzido a 90°, com o cotovelo fletido fatoriais, porém o uso excessivo, especialmente em movi-
também a 90°, tentando fazer a rotação externa con- mentos acima da cabeça, contribui para o desencadeamen-
trarresistência (Figura 5). Esse teste é conhecido como to da síndrome.
teste de Patte; O tratamento consiste em repouso, orientação so-

REUMATOLOGIA
- Tendinite do subescapular: o músculo subescapular é bre preservação de energia e situações que pioram a dor
responsável pela rotação interna do braço. A manobra e exercícios de fortalecimento (quando tolerados). Anti-
para diagnosticar sua tendinite é feita com o paciente inflamatórios não esteroides são benéficos e frequente-
com a mão colocada na região lombar (dorso da mão mente necessários por um curto período de tempo. Podem
ao nível de L5), com o cotovelo fletido a 90°, tentando ser utilizadas injeções de corticoide no espaço subacromial.
fazer a rotação interna contrarresistência (empurran-
do a mão para longe do tronco), o que provoca dor no B - Tendinite bicipital
ombro (Figura 6). Esse teste é conhecido como teste A tendinite bicipital raramente ocorre isolada e geral-
de Gerber ou lift-off test. A incapacidade em realizar mente se associa à síndrome do impacto. Manifesta-se com
tal manobra está associada a provável ruptura do ten- dor, mais frequentemente na região anterior do ombro,
dão do músculo subescapular. com dificuldade para supinar o antebraço ou fletir o ombro
acometido. A palpação da goteira bicipital (Figura 7) pode
mostrar um tendão fibrótico ou friável e desencadear dor.
Esta também pode ser reproduzida pela supinação do an-
tebraço contrarresistência (sinal de Yergason – Figura 8) e
pela flexão do ombro com o cotovelo estendido contrarre-
sistência (teste de Speed – Figura 9).
O tratamento da tendinite bicipital, em linhas gerais, é
o mesmo para o tratamento de tendinites do manguito ro-
tador. Pode ser utilizada a injeção de corticoide ao redor da
bainha tendínea (Figura 10).

Figura 4 - Teste de Jobe para tendinite do supraespinhal

Figura 7 - Palpação da goteira bicipital

Figura 5 - Teste de Patte para tendinite do infraespinhal

Figura 8 - Teste de Yergason: supinação do antebraço contrarresis-


Figura 6 - Teste de Gerber para tendinite do subescapular tência desencadeia dor na tendinite bicipital

81
REUMATO LOG I A

ção de AINEs, fisioterapia e injeções de corticoide na articu-


lação glenoumeral. Em casos refratários, pode ser necessá-
rio tratamento cirúrgico.

D - Síndrome do desfiladeiro torácico


A síndrome do desfiladeiro torácico inclui um conjunto
de sintomas resultantes da compressão do plexo braquial e
da artéria e veia subclávias quando essas estruturas passam
pelo desfiladeiro torácico, formado por clavícula, 1ª costela
torácica e músculos escalenos anterior e médio.
Os achados clínicos dependem do componente com-
prometido. Sintomas neurológicos predominam na maioria
dos pacientes. Os principais sintomas são paresia, dor e pa-
restesia, com irradiação para pescoço, ombro, braço e mão,
especialmente 4º e 5º quirodáctilos. Atividades pioram os
sintomas, e fraqueza e atrofia podem acontecer em fases
avançadas. Os principais sintomas vasculares são alterações
Figura 9 - Teste de Speed: elevação do braço contrarresistência de-
sencadeia dor na tendinite bicipital na coloração da pele, mudanças de temperatura e fenôme-
no de Raynaud.
O diagnóstico diferencial é amplo, e o diagnóstico, de
exclusão. O exame neurológico deve ser realizado cuidado-
samente, assim como a avaliação arterial e venosa. No teste
de Adson (Figura 11), o examinador palpa o pulso radial do
paciente e se mantém assim com o braço do paciente com o
cotovelo estendido, abduzido cerca de 70° e rodado exter-
namente, com a palma da mão para a frente. O paciente faz
uma inspiração profunda, estende o pescoço e vira o rosto
para o lado que está sendo examinado. O teste é positivo
quando o pulso radial diminui ou desaparece, desencade-
ando os sintomas de parestesia.
Radiografias podem ser realizadas para avaliar coste-
las cervicais, processo transverso de C7 e exostoses ósse-
as. Testes de avaliação da velocidade de condução nervosa
Figura 10 - Injeção de corticoide na tendinite bicipital. Fonte: podem ser inconclusivos. Um angiograma ou venograma
Rheumtext – Hochberg et al (eds) podem ser realizados em casos de compressão arterial ou
venosa.
C - Capsulite adesiva De forma geral, o tratamento da síndrome do desfila-
Conhecida também como ombro congelado ou pericap- deiro torácico é conservador. Uma boa postura deve ser
sulite adesiva, a capsulite adesiva caracteriza-se pela redu- enfatizada, e pode ser benéfico alongamento dos músculos
ção de amplitude de movimento ativo e passivo do ombro, escalenos e peitoral.
em todos os planos, com dor às tentativas de movimenta-
ção, provocada pelo espessamento e contratura da cápsula
articular, com redução do volume da articulação glenoume-
ral. É rara antes dos 40 anos, pode ser secundária a vários
problemas no ombro e causada por artrite inflamatória,
trauma e diabetes. Entretanto, muitos casos são idiopáti-
cos.
É considerada uma doença benigna, autolimitada, com
resolução espontânea em 1 a 2 anos, mas os pacientes ge-
ralmente ficam com limitação nas amplitudes de movimen-
to do ombro. A forma associada ao diabetes pode ser bila-
teral e menos resistente ao tratamento.
A artrografia ajuda a confirmar o diagnóstico pela de- Figura 11 - Teste de Adson: é positivo quando a palpação do pul-
monstração de redução de volume da cápsula articular do so radial desaparece ou diminui, desencadeando os sintomas de
ombro. O ombro congelado pode ser tratado com a associa- parestesias

82
S Í N D R O M E S R E U M Á T I C A S D O LO R O S A S R E G I O N A I S

3. Cotovelo É comum em tenistas e acontece por inflamação da êntese


do tendão extensor comum na sua inserção no epicôndi-
Tabela 2 - Principais lesões de partes moles do cotovelo
lo lateral. Caracteriza-se por dor localizada no epicôndilo
Etiologia Pistas diagnósticas
lateral, desencadeada à palpação (Figura 13) e aos movi-
Epicondilite lateral Dor na face lateral do cotovelo e antebraço;

REUMATOLOGIA
(cotovelo do te- dor à extensão do punho; dor a palpação mentos referidos. As manobras mais utilizadas para avalia-
nista) local. ção da epicondilite lateral são a dorsoflexão (Figura 14) e a
Epicondilite me-
Dor na face medial do cotovelo e antebraço;
supinação do punho contrarresistência, com o cotovelo em
dial (cotovelo do extensão.
dor à flexão do punho; dor a palpação local.
golfista)
O tratamento consiste em repouso, crioterapia (gelo lo-
Bursite olecra- Dor na face posterior do cotovelo; edema e
niana dolorimento local. cal), órteses (Figura 15) e Anti-Inflamatórios Não Hormonais
Trauma História de trauma. (AINHs). Também se pode aplicar corticoide tópico ou em
Dor inflamatória; limitação dolorosa aos
forma de infiltração (Figura 16).
Artrite movimentos ativos e passivos; edema pos-
teromedial.
Patologias do ombro, cervical e coração;
Dor referida
exame local normal.

As principais lesões de partes moles do cotovelo são:

A - Bursite do olécrano
A bursa do olécrano pode estar inflamada (Figura 12),
geralmente secundária a processo crônico, trauma mínimo
ou condição inflamatória sistêmica, como artrite reumatoi-
de. Outras causas de bursite olecraniana são depósitos de
monourato de sódio em crises de gota ou infecção bacte-
riana, sobretudo por S. aureus. A infecção secundária pode
estabelecer-se em bursas previamente acometidas por ar-
trite reumatoide ou gota.
A bursa, caracteristicamente, fica edemaciada e doloro- Figura 13 - Palpação do epicôndilo lateral desencadeia dor na epi-
sa quando pressionada, mas a dor pode ser mínima e os condilite lateral
movimentos geralmente estão preservados. Em casos não
infecciosos, aspiração isolada e proteção contra trauma são
suficientes para resolver a condição, com ou sem aplicação
de corticoide local. A doença de base, se presente, deve ser
tratada. Em casos de infecção, devem ser utilizados antibió-
ticos intravenosos com ação contra S. aureus.

Figura 12 - Bursite olecraniana. Fonte: Rheumtext – Hochberg et al (eds)

B - Epicondilite lateral (“cotovelo de tenista”)


A epicondilite lateral é uma condição comum entre pes-
soas que fazem uso excessivo dos braços, sobretudo movi- Figura 14 - Dorsoflexão do punho contrarresistência, com o coto-
mentos forçados de supinação e/ou dorsoflexão do punho. velo em extensão desencadeia dor na epicondilite lateral

83
REUMATO LOG I A

Figura 17 - Palpação do epicôndilo medial desencadeia dor na epi-


condilite medial

Figura 15 - Órtese para epicondilite

Figura 18 - Flexão palmar do punho contrarresistência desenca-


deia dor na epicondilite lateral

D - Encarceramento do nervo ulnar


Figura 16 - Infiltração com corticoide para epicondilite lateral. O acometimento do nervo ulnar na altura do cotovelo
Fonte: Rheumtext – Hochberg et al (eds) produz paralisia e parestesia no 5º quirodáctilo, na porção
medial do 4º dígito e no cotovelo. A dor pode ser desen-
C - Epicondilite medial (“cotovelo do golfista”) cadeada quando é comprimido o nervo ulnar, localizado
A epicondilite medial também é comum entre pessoas na porção posteroinferior do epicôndilo medial. Em casos
que fazem uso excessivo dos braços, mas com movimentos avançados, pode haver atrofia e fraqueza musculares. O
forçados de pronação e/ou flexão palmar do punho. É co- sinal de Tinel pode estar presente no cotovelo quando o
mum entre golfistas e acontece por inflamação da êntese nervo ulnar é percutido.
do tendão flexor radial do carpo na sua inserção no epicôn- Há várias causas para o encarceramento do nervo ulnar:
dilo medial. Caracteriza-se por dor localizada no epicôndilo compressão externa devida ao tipo de ocupação, compres-
medial, desencadeada à palpação (Figura 17) e aos movi- são durante anestesia, trauma, repouso prolongado, fratu-
mentos referidos. Para confirmar o diagnóstico, realizam-se ras e artrites inflamatórias. Testes de condução nervosa po-
as manobras de flexão palmar (Figura 18) e a pronação do dem demonstrar lentificação motora e sensorial do nervo
punho contrarresistência, que são positivas quando desen- ulnar. Devem-se evitar a compressão do cotovelo e flexões
cadeiam ou exacerbam dor no epicôndilo medial. repetitivas para melhora do quadro. Em casos refratários, é
O tratamento é similar ao da epicondilite lateral. necessária a correção cirúrgica.

84
S Í N D R O M E S R E U M Á T I C A S D O LO R O S A S R E G I O N A I S

4. Punho e mão ajudar a prevenir recorrências. Em casos severos, indica-se


cirurgia.
Tabela 3 - Principais patologias do punho e mão
Estrutura Lesão Pistas diagnósticas B - Tenossinovite de DeQuervain
- Parestesia nas mãos na região

REUMATOLOGIA
A tenossinovite de DeQuervain é o processo inflamató-
de inervação do nervo media-
no;
rio dos tendões abdutor longo e extensor curto do polegar,
Síndrome
que pode resultar de atividades repetitivas de movimentos
do túnel do - Predominantemente noturna
carpo ou matinal;
de pinça. Os sintomas são dor, aumento de temperatura
Nervos local e, ocasionalmente, edema na localização do processo
- Sinais de Tinel e Phalen posi-
periféricos estiloide do rádio. A manobra para diagnosticar a doença é
tivos.
o teste de Finkelstein (Figura 19): com o punho cerrado e
- Parestesia nas mãos na região
de inervação do nervo ulnar; o polegar envolto pelos 4 quirodáctilos fletidos, o pacien-
Síndrome do
nervo ulnar - Sinal de Tinel positivo no túnel te faz o desvio ulnar forçado do punho. Essa manobra de-
ulnar no cotovelo. sencadeia muita dor na presença de tenossinovite. O teste
também pode ser positivo na osteoartrite da 1ª articulação
- Dor na face lateral do punho
e polegar; carpometacarpiana (rizartrose).
Tenossinovite - Dor mecânica; O tratamento consiste no uso de órteses, injeção local
de DeQuer- de corticoide e AINHs.
vain - Dor a palpação local;
- Manobra de Finkelstein posi-
tiva.
Bainha do - Dor mecânica ou inflamatória;
tendão e Tenossinovite
- Limitação à flexão dos dedos;
fáscia dos tendões
flexores - Movimento de estalido dos
dedos (dedo “em gatilho”).
Contratura - Fibrose e contração da fáscia
de Du- palmar no aspecto palmar do
puytren 3º, 4º e 5º dedos.
- Dor mecânica na base do po-
Rizartrose
legar e face radial do punho.
- Dor mecânica ou inflamatória;
- Acomete interfalangianas pro-
Osteoartrite
ximais e distais;
nodal
Articular - Nódulos de Heberden e Bou-
chard.
- Dor inflamatória;
Artrite
- Edema e ruborização articular.
Figura 19 - Teste de Finkelstein para tendinite de DeQuervain
Coluna cer- - Exame local normal;
Referida
vical - Manifestações associadas.
C - Síndrome do túnel do carpo
A - Ganglion ou cisto gangliônico A síndrome do túnel do carpo é a causa mais comum
Ganglion é um cisto sinovial com origem na sinóvia de de parestesia nas mãos. No punho, os tendões flexores e
uma articulação ou bainha sinovial, ocorrendo, mais comu- o nervo mediano atravessam um túnel formado pelos os-
mente, no dorso do punho. A causa é desconhecida, mas sos do carpo (base do túnel) e pelo ligamento transver-
pode desenvolver-se após trauma ou extensão prolongada so do carpo (teto do túnel – Figura 20). A compressão do
do punho, quando uma situação de hiperpressão dentro do nervo mediano dentro desse túnel é que leva à síndrome.
líquido sinovial faz a membrana sinovial herniar entre os te- Várias desordens podem ocasionar a compressão: gravidez,
cidos moles, formando o cisto. Normalmente, o único sinal trauma, lipoma, infecção (tuberculose, coccidioidomicose,
é o edema, mas um ganglion muito grande pode, ocasional- esporotricose), doenças inflamatórias (artrite reumatoide,
mente, produzir desconforto durante extensão do punho. gota, pseudogota), hipotireoidismo, acromegalia. Quando a
O tratamento, se indicado, consiste na aspiração do fluido, doença é sistêmica, geralmente os sintomas são bilaterais.
com ou sem injeção de corticoide. O uso de órteses pode No entanto, em muitos casos, a causa é desconhecida.

85
REUMATO LOG I A

Figura 20 - Passagem do nervo mediano pelo túnel do carpo

Os sintomas são variados, sendo comuns episódios de


dor em queimação e formigamento nas mãos, que geral-
mente pioram à noite e melhoram com o movimento. Alguns
pacientes apresentam apenas formigamento, sem dor. Os
pacientes podem ter sensação de mão edemaciada. Os sinto-
mas são palmares, não dorsais, e a sua distribuição vai desde
o 1º quirodáctilo até a metade radial do 4º quirodáctilo.
As manobras de Tinel e de Phalen podem ser utilizadas
para desencadear os sintomas. O sinal de Tinel é dito positivo
quando a digitopercussão do nervo mediano desencadeia sen- Figura 22 - Teste de Phalen
sação de “choque” no seu território de inervação (Figura 21). O
teste de Phalen é realizado com o paciente segurando as mãos
com os punhos em flexão de 90°, uma contra a outra, durante
1 minuto, e positivo quando é notada parestesia no territó-
rio já descrito (Figura 22). Fraqueza e atrofia na região tênar
podem ser observadas em casos crônicos, com envolvimento
motor proeminente. O diagnóstico pode ser confirmado por
estudos eletromiográficos (eletroneuromiografia).
Em casos leves a moderados, órteses para o punho
(Figura 23) e injeções locais de corticoide (Figura 24) na
região do túnel do carpo diminuem os sintomas e podem Figura 23 - Órtese de punho para STC
ser utilizadas. Na falha desse tratamento ou em casos de
grave acometimento motor à eletroneuromiografia ou com
atrofia tênar (Figura 25) está indicada a descompressão ci-
rúrgica. Mesmo com cirurgia, os sintomas podem ter recor-
rência. Na presença de alguma doença de base associada,
esta deve ser tratada adequadamente.

Figura 24 - Técnica para infiltração com corticoide para STC. Fonte:


Figura 21 - Teste de Tinel Rheumtext – Hochberg et al (eds)

86
S Í N D R O M E S R E U M Á T I C A S D O LO R O S A S R E G I O N A I S

E - Contratura de Dupuytren
A contratura de Dupuytren caracteriza-se pelo espessa-
mento e encurtamento da fáscia palmar, com a formação
de um cordão fibroso, que pode impedir a extensão com-

REUMATOLOGIA
pleta das metacarpofalangianas (Figura 27).
A causa dessa condição é desconhecida, mas heredita-
riedade, alcoolismo, epilepsia e diabetes mellitus parecem
estar envolvidos. Alguns pacientes podem ter outras mani-
Figura 25 - Atrofia tênar secundária à STC. Fonte: Rheumtext – festações fibrosantes difusas, como fasceíte plantar, doença
Hochberg et al (eds) de Peyronie e formação de nódulos tendíneos.
O tratamento depende do estágio e da severidade da
D - Dedo “em gatilho” doença. Calor, alongamento e injeções intralesionais de
corticoide podem ajudar em fases precoces. É comum a re-
O dedo “em gatilho” caracteriza-se pela dificuldade de
corrência dos casos, e, muitas vezes, a fasciotomia é efetiva.
extensão de 1 ou mais dedos após flexão máxima (Figura
26), com dor. Com ou sem ajuda, o dedo se desprende subi-
tamente, percebendo-se um “estalido”. A flexão do dedo é
realizada sem dificuldade; a complicação está na extensão.
É resultante da inflamação da bainha sinovial que envolve
o tendão flexor superficial do dedo, que fica estreitada, en-
quanto o tendão internamente localizado fica edemaciado,
caracterizando a tenossinovite estenosante do tendão sob
a cabeça metacarpiana. Dentre as causas mais frequentes,
têm-se artrite reumatoide, diabetes mellitus, hipotireoidis-
mo, trauma e infecções.
O tratamento baseia-se na redução das atividades ma-
nuais, fisioterapia, órteses, AINHs e infiltração local com
corticoide. A cirurgia está indicada a pacientes não respon-
sivos ao tratamento conservador.
Figura 27 - Contratura de Dupuytren

5. Quadril
Tabela 4 - Principais manifestações clínicas do quadril
Etiologia Achado clínico
Dor irradiada da coluna lombar, sacroilíacas,
Dor referida apêndice e trato urinário; manifestações asso-
ciadas; exame local normal
Bursite trocan- Dor na face lateral do quadril; pior à noite; ir-
térica radiação pseudociática; dor a palpação local
Dor mecânica; início progressivo; limitação
Osteoartrite mobilidade ativa e passiva; predomina em
idosos
Raramente monoartrite; dor inflamatória;
Artrite contexto geral sugestivo; limitação de mobili-
dade ativa e passiva
Dor em região inguinal exacerbada pela abdu-
Tendinite dos
ção forçada; às vezes associada a patologia de
adutores
quadril; dor a palpação local

A - Bursite trocantérica
A bursite trocantérica caracteriza-se pela inflamação da
bursa trocantérica, a qual é muito frequente. O principal
Figura 26 - Dedo “em gatilho” sintoma é de dor na região lateral do quadril, sobre a área

87
REUMATO LOG I A

do trocânter e na porção lateral da coxa (Figura 28), que mente sob o piriforme. A síndrome do piriforme caracte-
piora ao caminhar e quando o paciente se deita em decúbi- riza-se pela compressão do nervo ciático por uma contra-
to lateral sobre o lado afetado. tura do músculo piriforme. O principal sintoma é de dor
O melhor meio para o diagnóstico da bursite trocantéri- na região glútea, com irradiação para a perna, como uma
ca é a palpação da área do trocânter, na tentativa de locali- ciatalgia (Figura 30), mas sem raiz individual acometida e
zar o ponto de maior dor. Esta piora com rotação externa e sem manobra de Lasègue positiva. As mulheres são mais
abdução contrarresistência. São condições que podem con- acometidas e o diagnóstico é obtido pela palpação dolorosa
tribuir para a bursite trocantérica: osteoartrite do quadril, do músculo piriforme superficialmente ou ao exame retal
discrepância no comprimento dos membros e escoliose. ou vaginal. Dor é evidente na rotação interna do quadril
O tratamento consiste na injeção local de corticoide, contrarresistência.
gelo local, anti-inflamatórios, perda de peso e alongamento A injeção cuidadosa de lidocaína e corticoide pode ser
da musculatura (glúteo médio e trato iliotibial). aplicada para alívio dos sintomas, com fisioterapia para
alongar o piriforme.

Figura 30 - Localização do músculo piriforme


Figura 28 - Local de inflamação na bursite trocantérica

B - Bursite isquiática D - Meralgia parestésica


O nervo cutâneo lateral da coxa (L2-L3) é sensitivo e
Também chamada “nádega de tecelão”, a bursite isqui-
inerva a porção anterolateral da coxa. A compressão desse
ática ocorre por trauma ou entre pessoas que permanecem
nervo causa uma dor característica, em queimação, associa-
muito tempo sentadas. A dor frequentemente é desencade-
da à parestesia em choques na porção anterolateral da coxa
ada quando o paciente se senta ou se abaixa. Como a bursa
(Figura 31). Essa síndrome é vista com maior frequência em
isquiática se localiza, superficialmente, na tuberosidade is-
grávidas e obesos, cujo aumento de peso e roupas aperta-
quiática e separa o músculo glúteo máximo da tuberosida-
das levam à compressão do nervo. Diabéticos também po-
de, a dor pode irradiar-se para região lombar e glútea. Dor
dem ser acometidos com neuropatia diabética desse nervo.
à palpação da tuberosidade isquiática está presente (Figura
A extensão e a abdução da coxa, a posição ortostática por
29). O uso de almofadas, anti-inflamatórios, gelo local e in-
tempo prolongado e a deambulação podem piorar os sinto-
jeções de corticoide pode ajudar.
mas, enquanto sentar-se pode aliviá-los.
Estudos de condução nervosa podem ajudar a confir-
mar o diagnóstico. Perda de peso e correção da postura
geralmente aliviam os sintomas. Pode também ser utilizada
injeção local com corticoide.

Figura 29 - Local de inflamação na bursite isquiática

C - Síndrome do piriforme
Em seu trajeto glúteo, o nervo ciático corre superficial- Figura 31 - Raízes de L2-L3 e local de distribuição da dor na meral-
mente sobre os rotadores externos do quadril e profunda- gia parestésica

88
S Í N D R O M E S R E U M Á T I C A S D O LO R O S A S R E G I O N A I S

6. Joelho o paciente em pé. Nesse caso, a ultrassonografia pode es-


tabelecer o diagnóstico. O cisto torna-se mais clinicamente
Tabela 5 - Patologias e manifestações clínicas que podem acome- significativo caso ocorra sua rotura, o que provoca dor, ede-
ter os joelhos ma e hiperemia na panturrilha, de início súbito, podendo
simular tromboflebite ou trombose venosa profunda. No

REUMATOLOGIA
Etiologia Achados clínicos
caso de rotura, um exame de ultrassonografia com Doppler
- Dor mecânica;
Osteoartrite é preciso para afastar a trombose venosa profunda. O ul-
- Associação com obesidade. trassom de partes moles releva as paredes murchas do cis-
- Dor moderada na fossa poplítea; to, o conteúdo heterogêneo (pelo sangramento) e o edema
Cisto de Baker de partes moles.
- Cisto palpável.
- Dor na face medial do joelho; O cisto é tratado com injeção de corticoide dentro da
articulação do joelho, que chega ao cisto pelo fluxo do lí-
- Piora à noite e com exercício;
quido sinovial. O tratamento da doença de base é funda-
Bursite/tendinite - Dor à palpação local; mental para evitar recorrência. No caso de rotura, o tra-
anserina - Mais comum em mulheres obesas; tamento é sintomático com repouso, anti-inflamatórios e
- Frequentemente associado à doença ar- analgésicos.
ticular do joelho.
- Episódios recorrentes de dor aguda no
joelho;
Lesões de menisco - Travamento ou deslocamento do joelho;
- Predomina em pessoas jovens e atletas.
- Instabilidade e dor ao caminhar;
Instabilidade do
joelho - Associação com trauma ou doença arti-
cular crônica.
- Dor inflamatória;
Artrite
- Edema, efusão e calor local.
- Dor difusa;
Dor referida - Exame local inconclusivo;
- Patologia da coluna lombar ou quadril.
- Dor na face anterior do joelho;
- Ritmo variável, geralmente exacerbada
Síndrome da dor ao caminhar;
anterior do joelho
- Exame geralmente inconclusivo;
- Predomina em mulheres jovens.
Figura 32 - Cisto de Baker
A - Cisto poplíteo ou cisto de Baker
O cisto poplíteo ou cisto de Baker (Figura 32) é um cis- B - Bursite anserina
to sinovial que se origina de uma herniação da membra-
A bursite anserina caracteriza-se pela inflamação da
na sinovial da articulação femorotibial, que vai dissecando
bursa anserina, localizada na porção medial do joelho, 1
os tecidos moles de menor pressão e levando à formação
ou 2cm abaixo da linha articular, entre o ligamento cola-
do cisto, costumeiramente localizado na cabeça medial do
músculo gastrocnêmio. O cisto de Baker continua a se co- teral medial e os tendões tibiais (Figura 33). Produz dor à
municar naturalmente com a cavidade articular do joelho, palpação da porção medial e inferior do joelho, sendo ob-
e um mecanismo de válvula entre a articulação e o cisto servada mais frequentemente em pessoas acima do peso,
se forma, permitindo que o líquido sinovial produzido no mulheres idosas e de meia-idade com osteoartrite de jo-
joelho se desloque para o cisto em direção única. O cisto elhos. O diagnóstico é estabelecido pela dor decorrente
de Baker em geral é secundário a uma artropatia do joelho da palpação da bursa anserina e alívio da dor após injeção
que leva ao aumento da pressão do líquido sinovial, como a local de lidocaína.
artrite reumatoide e a osteoartrite. O tratamento consiste em repouso, gelo na região, inje-
O cisto geralmente é assintomático, mas pode levar à ção local de corticoide e alongamento da musculatura adu-
sensação de plenitude poplítea e ser visto ou palpado com tora e do quadríceps.

89
REUMATO LOG I A

Figura 33 - Bursite anserina

C - Bursite pré-patelar
A bursite pré-patelar manifesta-se com dor e edema na
porção anterior da patela, resultante de trauma, frequente-
mente devido ao costume de ajoelhar-se (Figura 34). A dor
geralmente é leve, exceto quando é exercida pressão sobre
a patela. Assim como a bursa olecraniana, a bursa pré-pate-
lar é bem superficial, subcutânea e pode ser acometida por
bactérias, sobretudo S. aureus, caracterizando uma bursite
séptica. No caso de sinais flogísticos exuberantes, deve-se
proceder à punção do líquido da bursa e realizar microsco-
pia e cultura, para afastar bursite séptica. Se esta for afas- Figura 35 - Locais de inflamação na bursite anserina (em preto, à
direita), na bursite pré-patelar (em branco, à direita) e na paraten-
tada ou não for uma hipótese, o tratamento consistirá em
dinite patelar (em cinza, à esquerda)
repouso, gelo local e injeção de corticoide.

7. Tornozelo e pé
Tabela 6 - Lesões e manifestações clínicas que acometem tornozelo
e pés
Localização Natureza da lesão Manifestações sugestivas
- Dor na face plantar do retro-
Fasceíte plantar pé;
Figura 34 - Mecanismo de lesão na bursite pré-patelar
- Exacerbada por carga local.
- Dor na face posterior do re-
D - Paratendinite patelar Tendinite do tropé;
Aquileu
Também chamada de tendinite do saltador ou jumper’s - Exacerbada ao caminhar.
knee, a paratendinite patelar é observada, predominante- Retropé - Dor aguda pós-trauma;
mente, em atletas corredores e saltadores. Caracteriza-se Entorse - Dor e prejuízo funcional;
pela dor no tendão patelar (Figura 35). O tratamento con-
- Edema e/ou contusão.
siste em repouso, anti-inflamatórios, gelo local e alonga-
mento da musculatura. A injeção local de corticoide deve - Dor inflamatória;
ser evitada pelo risco de rotura do tendão. - Dor à palpação e mobiliza-
Sinovite
ção;
- Edema e calor local.

90
S Í N D R O M E S R E U M Á T I C A S D O LO R O S A S R E G I O N A I S

- Dor mecânica;
Osteoartrite - Dor exacerbada com a inver-
são e eversão.
Tarso
- Dor mecânica;

REUMATOLOGIA
Pé chato - Acentuação do arco antero-
posterior do pé.
- Dor mecânica;
Pé cavo-varo - Acentuação do arco antero-
posterior do pé.
- Dor mecânica, às vezes com
parestesia;
Metatarsalgia de - Agravada por calçado aper- Figura 36 - Palpação do calcâneo para o diagnóstico de paratendi-
Morton tado;
nite. Fonte: Rheumatology in Practice
- Dor a palpação entre os me-
tatarsos.
B - Fasceíte plantar
- Dor mecânica sobre o pole-
gar; Trata-se de uma entesite, localizada na inserção da fás-
- Deformidade em valgo da 1ª cia plantar no calcâneo. É observada, com maior frequên-
Hálux valgo
metatarsofalangiana; cia, em pessoas entre 40 e 60 anos. Pode ter início após
- Ocasionalmente associado à trauma, uso excessivo (atletas), caminhadas prolongadas
Antepé
bursite. ou uso de calçados inapropriados (totalmente retos) ou ser
secundária às espondiloartropatias soronegativas, que, co-
- Monoartrite aguda recorren-
te; mumente, cursam com entesites (espondilite anquilosante,
Gota artrites reativas, artrite psoriásica). A dor localiza-se na por-
- Predileção pela 1ª metatar-
sofalangiana.
ção inferior e medial do calcanhar (Figura 37), é em quei-
mação, lancinante e pior pela manhã, quando o paciente se
Artrite de meta- - Dor inflamatória;
levanta e põe o pé no chão. A palpação da região é, tipica-
tarsofalangiana - Dolorimento local. mente, muito dolorosa.
- Edema e rubor difuso (dedo O tratamento inclui repouso relativo, anti-inflamatórios,
Dactilite “em salsicha”); uso de palmilhas e alongamento. A injeção local de corticoi-
- Sugere artrite psoriásica. de habitualmente é benéfica.

- Dor mecânica agravada pelo


Deformidade calçado;
dedos
- Deformidade visível.

A - Paratendinite do tendão de Aquiles


Assim como o tendão patelar, o tendão de Aquiles
não tem bainha sinovial, mas é envolto pelo paratendão.
Assim, ele não é acometido por uma tenossinovite, mas
por uma paratendinite. A paratendinite de Aquiles geral-
mente resulta de trauma, mas também pode ser causada
por condições inflamatórias como espondilite anquilosan-
te, artrites reativas, gota, artrite reumatoide e pseudogo-
ta. Dor e edema podem ocorrer no tendão de Aquiles e
na sua inserção. O tratamento consiste em anti-inflama-
tórios, repouso, correção dos calçados e palmilhas, e a
injeção local de corticoide deve ser evitada pelo risco de
rotura do tendão. Figura 37 - Local de inflamação na fasceíte plantar

91
REUMATO LOG I A

Figura 38 - Palpação da inserção posterior da fáscia plantar. Fonte:


Rheumatology in Practice

Figura 40 - Local do túnel do tarso, onde o sinal de Tinel desenca-


deia a dor com parestesia característica

D - Neuroma de Morton
O neuroma de Morton, uma neuropatia do nervo inter-
digital por compressão, é comum entre o 3º e o 4º pododác-
tilos. O paciente relata parestesia e dor tipo queimação no
4º dedo, os sintomas pioram com caminhadas e a posição
na ponta dos pés, e a dor pode ser desencadeada pela pal-
pação da 3ª e da 4ª cabeças dos metatarsos. O tratamento
Figura 39 - Palmilhas para fasceíte plantar. Fonte: Rheumatology inclui a injeção local de corticoide ou a excisão do neuroma.
in Practice

C - Síndrome do túnel do tarso


Na região posteroinferior ao maléolo medial (Figura 40),
há um túnel por onde passam os flexores dos dedos e o ner-
vo tibial posterior, superiormente delimitados pelo retiná-
culo dos flexores. Distalmente, o nervo divide-se em ramos
plantar medial, plantar lateral e calcâneo posterior. A com-
pressão do nervo tibial posterior nesse túnel caracteriza a
síndrome do túnel do tarso, cujo desenvolvimento pode ser
favorecido por trauma do pé (especialmente fratura), hálux
valgo, hipermobilidade com valgismo do retropé e fatores
ocupacionais.
Os sintomas são parestesia e dor em queimação nos po-
dodáctilos e na sola do pé a partir do maléolo medial, que
pode ser pior à noite. O sinal de Tinel pode ser positivo e é
obtido através da percussão na porção posteroinferior ao
maléolo medial.
Correção dos sapatos e injeção de corticoide no túnel
do tarso podem ser benéficos, mas, frequentemente, é ne-
cessária a descompressão cirúrgica.

92
CAPÍTULO

9
Fibromialgia
Rodrigo Antônio Brandão Neto / Ana Cristina de Medeiros Ribeiro
Aleksander Snioka Prokopowistch / Hérica Cristiani Barra de Souza

1. Introdução Tabela 1 - Características gerais da fibromialgia


- Doença não inflamatória e não degenerativa que se caracteriza
A fibromialgia é uma doença não inflamatória e não por fadiga, dores difusas crônicas e distúrbios do sono;
degenerativa que se caracteriza por fadiga, dores difusas
- Atinge 2% da população geral;
crônicas e distúrbios do sono. Acomete mais mulheres e se
- Acomete mais mulheres que homens (relação de 3:1);
relaciona a distúrbios do humor. Dor crônica e fadiga são
- Comumente associada a distúrbios do humor (depressão e
sintomas muito prevalentes na população geral, especial-
ansiedade) e a distúrbios de personalidade, doenças inflama-
mente em mulheres e pessoas de baixo nível socioeconô- tórias do colágeno, síndrome da fadiga crônica, síndrome do
mico. Seu diagnóstico é exclusivamente clínico e os exames cólon irritável e outras síndromes dolorosas crônicas.
subsidiários devem ser solicitados apenas para estabele-
cer o diagnóstico diferencial. É importante salientar que a
orientação do paciente é crucial para o controle adequado
3. Etiopatogenia
da doença. A estratégia para o tratamento ideal depende Atualmente, a etiopatogenia da fibromialgia é desco-
de uma abordagem de tratamento multidisciplinar. nhecida. Observou-se um aumento no risco para a síndro-
me de até 8 vezes em parentes de 1º grau de pacientes
2. Epidemiologia com fibromialgia. Foram descritos polimorfismos gené-
ticos envolvidos no metabolismo das monoaminas, que
A fibromialgia é uma síndrome muito comum, responsá- estão envolvidas no processo sensorial e na resposta ao
vel por aproximadamente 15% das consultas em ambulató- estresse.
rios de Reumatologia, perdendo apenas para a osteoartrite São descritas várias alterações na percepção da dor:
como causa de dor musculoesquelética crônica. estímulos elétricos, térmicos e de pressão têm um limiar
Sua prevalência é de 2% na população geral: em mu- mais baixo nesses pacientes. Isso acontece através de me-
lheres, é de 3 a 5% e, em homens, de 0,5 até 1,6%. canismos de amplificação de estímulos sensitivos periféri-
Aproximadamente 75% dos pacientes são mulheres, em cos no sistema nervoso central desses pacientes, passando
uma proporção média de 8 mulheres para 1 homem. Pode a provocar dor.
ocorrer também em crianças e idosos, mas a maioria dos Tal amplificação pode ser provocada pelo desbalan-
pacientes está entre 30 e 50 anos. ço entre substâncias pró-nociceptivas (que aumentam a
A fibromialgia pode associar-se a doenças inflamatórias percepção da dor) e antinociceptivas (que diminuem a
do colágeno, com lúpus e artrite reumatoide. Seus sintomas percepção da dor). Na fibromialgia e em outros distúrbios
podem se sobrepor aos da síndrome da fadiga crônica, da de dor crônica, o nível da substância P, uma substância
síndrome do cólon irritável e de outras síndromes dolorosas pró-nociceptiva, está aumentado nos grânulos secretó-
crônicas. Distúrbios psiquiátricos são frequentemente en- rios dos nervos sensoriais. Enquanto isso, as vias anti-
contrados, principalmente depressão, ansiedade e distúr- nociceptoras serotonina/noradrenalina (monoaminas)
bios de personalidade. podem estar comprometidas nesses pacientes, o que é
Sua prevalência é mais comum em doente com algumas corroborado pelo fato de que inibidores da recaptação de
patologias como: vírus do HIV (17%), diabetes (17%), pa- serotonina/noradrenalina são efetivos no tratamento da
cientes em hemodiálise (7,4%) e com psoríase (8,3%). fibromialgia.

93
REUMATO LOG I A

Tabela 2 - Etiopatogenia da fibromialgia Problemas psicológicos, dificuldade de lidar com estresse


- Ainda não completamente compreendida; do dia a dia, sintomas de ansiedade e depressão são comuns.
- Há polimorfismos genéticos envolvidos no metabolismo das Geralmente, mostram-se frustrados com suas queixas dolo-
monoaminas relacionados à fibromialgia; rosas e com a incapacidade médica em ajudá-los.
- Amplificação de estímulos sensitivos periféricos no sistema Tabela 3 - Sintomas comuns na fibromialgia
nervoso central;
História clínica
- Desbalanço entre substâncias pró-nociceptivas e antinocicep-
tivas; - Sexo feminino, usualmente entre 20 e 65 anos;

- Aumento do nível da substância P (pró-nociceptiva); - Dor generalizada, crônica >3 meses;

- Comprometimento da via das monoaminas noradrenalina e - Fadiga;


serotonina (antinociceptivas). - Distúrbios do sono e do humor;
- Cefaleia;
Estilo de vida: sono não - Síndrome do intestino irritável.
reparador, sedentarismo
Exame físico
Fatores sociais: insatisfação Fatores cognitivos: medo - Múltiplas áreas dolorosas à palpação em músculos e tendões;
no trabalho, isolamento, Individual do futuro, desamparo,
término de relacionamento perda do controle - Sinais de doença muscular ou articular não inflamatória.
Testes laboratoriais
Trauma: injúrias física Fatores depressivos: - Normais.
e psicológica ansiedade, depressão
Fonte: UpToDate 2011.
Figura 1 - Fatores que influenciam na percepção da dor
Ao exame físico, o paciente apresenta-se em bom esta-
do geral, sem evidência de doença sistêmica ou anormali-
4. Manifestações clínicas dades articulares. Se não houver outra doença associada,
o único achado ao exame físico será a presença de dor em
- Sinais e sintomas vários tender points, que são pontos dolorosos distribuídos
pelo corpo simetricamente.
O sintoma cardinal da fibromialgia é a dor difusa e crôni-
A pesquisa desses pontos deve ser feita por meio da pal-
ca. Ela começa frequentemente localizada, torna-se genera-
pação de locais estabelecidos dentro dos critérios de classi-
lizada e acomete os 4 quadrantes do corpo. A dor é relatada
ficação (Figura 2), utilizando o polegar e o dedo indicador, e
pelo paciente como em queimação ou peso, exaustiva e
aplicando uma força equivalente a 4kg (até que o leito un-
insuportável. Comumente, vem da musculatura axial (parti-
gueal fique esbranquiçado). A palpação sistemática deve co-
cularmente no pescoço e ombros) e se espalha pelo corpo,
meçar no sentido craniocaudal preferencialmente (Tabela 4).
principalmente pelos músculos.
Artralgias são comuns, com sensação subjetiva de in-
chaço, não só articular como de partes moles, que não se
confirma ao exame físico. Muitos pacientes relatam uma
fadiga “profunda” (principalmente ao levantar-se pela ma-
nhã), dificuldade para dormir e sono superficial. Fenômeno
de Raynaud e frio excessivo, vertigens, dificuldade de con-
centração, olhos e boca secos são comuns. Parestesias, es-
pecialmente em extremidades, estão presentes em mais de
75% dos pacientes, mas não seguem território de nervos
específicos, e o exame neurológico é normal. É comum o
relato de que as coisas caem das mãos e de que o simples
toque dos familiares é extremamente doloroso.
Dores crônicas regionais, como na articulação temporo-
mandibular, dor pélvica crônica e cefaleia são comumente
associadas, sendo esta última presente, em cerca de 70%
dos pacientes.
Os distúrbios do sono são comuns. O paciente queixa-
-se de sono não restaurador e sensação de acordar cansado,
como se não tivesse dormido. Distúrbios do sono podem ser
demonstrados na polissonografia, particularmente intrusões
de ondas alfa no sono não REM, com ondas delta lentas. Figura 2 - Localização dos 18 pontos dolorosos da fibromialgia

94
FIBROMIALGIA

Tabela 4 - Descrição dos 9 pares de pontos dolorosos da fibromialgia 7 - Melhora com repouso, calor e condicionamento físico.
1 - Occipital: na inserção no músculo suboccipital. 8 - Cefaleia crônica (enxaqueca, tensional).
2 - Cervical baixo: na projeção anterior do processo transverso 9 - Síndrome do cólon irritável.
de C5.
Fonte: UpToDate, 2011.
3 - Trapézio: na porção média da borda do músculo trapézio.

REUMATOLOGIA
4 - Supraespinhoso: acima da escápula, próximo à borda medial. No diagnóstico diferencial, devem ser lembradas as se-
5 - Espaço intercostal: 2ª junção costocondral. guintes condições: síndrome da dor miofascial, polimialgia
6 - Epicôndilo lateral: 2cm distalmente ao epicôndilo. reumática em maiores de 50 anos, polimiosite e outras do-
7 - Glúteo: quadrante lateral superior. enças inflamatórias do tecido conjuntivo, como lúpus, artrite
8 - Grande trocânter: proeminência trocantérica posterior. reumatoide, miopatias endócrinas (hipotireoidismo, hiperti-
reoidismo, insuficiência adrenal) ou por álcool, neoplasias e
9 - Joelho: na porção medial da interlinha articular.
efeito colateral de drogas (corticoides, cimetidina, estatinas,
Os “pontos-controle”, como leito ungueal, no meio do fibratos), osteomalácia, hiperparatireoidismo, infecções crôni-
braço e testa, podem ser palpados. Esses locais podem ser cas por vírus da hepatite C e do HIV etc. Essas doenças podem
dolorosos à palpação, porém de intensidade menor quando ser prontamente afastadas com a combinação de uma história
comparados com os tender points. e exame físico cuidadosos, com exames de triagem negativos.

Tabela 6 - Diagnóstico diferencial da fibromialgia


5. Investigação laboratorial e radiológica Diagnóstico
Achados sugestivos
Na ausência de comorbidades associadas, toda a inves- diferencial
tigação laboratorial e radiológica é normal. Alguns exames Poliartrite simétrica, sintomas sistêmicos
de triagem são úteis para excluir outras condições: hemo- (dermatite, nefrite, elevação do VHS, anor-
AR e LES
grama, velocidade de hemossedimentação, proteína C rea- malidades sorológicas (FAN, FR, anti-DNA e
demais anticorpos)
tiva, transaminases, creatinofosfoquinase (CPK), FAN (fator
Polimialgia reu- Idoso, VHS muito elevado, rigidez > dor, rápi-
antinúcleo), TSH (hormônio tireoestimulante), cálcio, fósfo- mática da resposta a corticoide
ro e fosfatase alcalina e urina 1. Excluir infecções virais crô-
Fraqueza muscular e elevação de enzimas
nicas como vírus C e HIV também é importante. Miosite
musculares
Hipotireoidismo Anormalidade nos testes de função tireoidiana
6. Critérios diagnósticos Hiperparatireoi-
Hipercalcemia
O Colégio Americano de Reumatologia, em 1990, publi- dismo
cou critérios de classificação da fibromialgia, os quais tam- Clínica e evidência eletroneuromiográfica de
Neuropatias
neuropatia
bém foram validados para a população brasileira.
Segundo os critérios de classificação, os pacientes devem
Recebe destaque a síndrome da dor miofascial, que tam-
ter dor difusa por 3 meses, envolvendo as extremidades su-
bém provoca dor muscular crônica, às vezes com parestesias,
periores e inferiores, os lados direito e esquerdo, assim como
mas localizada, diferente da fibromialgia. Nela, há a presença
o esqueleto axial, associada à presença de 11 dos 18 pontos
de “pontos-gatilho” ou trigger points que, quando palpados,
dolorosos à digitopressão (Figura 2 e Tabelas 4 e 5).
desencadeiam dor em um grupo muscular.
Tabela 5 - Critérios diagnósticos para fibromialgia (Colégio Ameri-
cano de Reumatologia – ACR – 1990) Tabela 7 - Exames rotineiros para excluir comorbidades e diagnós-
Critérios maiores tico diferencial da fibromialgia
1 - Dor difusa com, no mínimo 3 meses de duração. - Hemograma;
- Velocidade de hemossedimentação (VHS) e Proteína C Reativa
2 - Múltiplos tender points em, pelo menos, 6 locais anatômicos
(PCR);
especificados (11 de 18 tender points positivos).
- CPK e transaminases;
3 - Ausência de doença subjacente como causa para fibromialgia. - Urina 1;
Critérios menores - FAN (fator antinúcleo);
1 - Introduções de ondas alfa na fase não REM do sono no EEG. - Polimialgia reumática em maiores de 50 anos;
2 - Sono não restaurador. - Polimiosite e outras doenças inflamatórias do tecido conjunti-
vo, como lúpus, artrite reumatoide;
3 - Rigidez matinal.
- Creatinofosfoquinase (CPK) e transaminases;
4 - Fadiga e cansaço diurnos.
- TSH (hormônio tireoestimulante);
5 - Edema e disestesias subjetivas. - Miopatias endócrinas (hipotireoidismo, hipertireoidismo, insu-
6 - Agravamento com frio, estresse ou atividade. ficiência adrenal);

95
REUMATO LOG I A

- Miopatia por álcool, neoplasias; - Bloqueadores da recaptação de serotonina e adre-


- Efeito colateral de drogas (corticoides, cimetidina, estatinas, nalina: podem ser mais eficazes que os agentes que
fibratos); inibem apenas a recaptação de serotonina. Podem ser
- Cálcio; usadas a venlafaxina, na dose de 150mg 2x/dia, e a du-
- Fósforo; loxetina, na dose de 60 a 120mg/dia; e o milnaciprana
- Fosfatase alcalina; na dose de 100 a 200mg/dia;
- Osteomalácia, hiperparatireoidismo; - Relaxantes musculares de ação central: o mais comu-
- Sorologias virais contra o vírus C da hepatite C e do HIV; mente usado e com mais evidência na literatura é a
- Infecções crônicas por vírus da hepatite C e do HIV; ciclobenzaprina, agente tricíclico com estrutura similar
- Anamnese e exame físico; à da amitriptilina; não apresenta efeitos antidepressi-
- Todas as doenças e síndrome miofascial. vos e é utilizada como miorrelaxante na dose de 10 a
30mg/dia, antes de deitar. Se o paciente tolerar, a dose
7. Tratamento poderá ser dividida em mais tomadas diárias. Outras
opções são o baclofeno e a tiazinidina;
O tratamento baseia-se em medidas não farmacológicas
e farmacológicas. Os objetivos do tratamento são alívio da - Drogas antiepilépticas: usadas em caso de sinto-
dor, melhora da qualidade do sono, manutenção ou resta- mas com alodínia e hiperalgesia, também ajudam
belecimento do equilíbrio emocional e melhora do condi- na sensibilidade dolorosa, no sono e na depressão;
Pregabalina, na dose de 450mg/dia, tem evidência e
cionamento físico e da fadiga. Objetiva-se o controle dos
ação na fibromialgia. Podem também ser usados a ga-
sintomas, não a cura.
bapentina (900a 2.400mg/dia) e o topiramato;
A - Tratamento não farmacológico - Benzodiazepínicos: devem ser evitados, pois a maioria
altera a estrutura do sono, diminuindo a duração de
O tratamento não farmacológico consiste no esclareci-
ondas delta durante o sono profundo;
mento da síndrome ao paciente, informando que se trata
de um quadro de dor real e que não causa deformidades. - Corticoides e AINH: não devem ser utilizados, assim
Há orientação de exercício físico regular (aumenta a libera- como os AINH não devem ser medicações de 1ª linha
ção de endorfinas e melhora a qualidade do sono), inicial- nos pacientes com fibromialgia.
mente com programas de alongamento e conscientização
Tabela 8 - Tratamento da fibromialgia
corporal, e posteriormente exercícios aeróbios. Fatores
emocionais também devem ser tratados e estão associados Exercício físico regular
Tratamento
Inicialmente: programas de alongamento e
ao desencadeamento ou piora das dores. Suporte psicoló- não
conscientização corporal
gico pode ser necessário. farmacológico
Posteriormente: exercícios aeróbicos
Tratamento de
B - Tratamento farmacológico fatores Pode ser necessário tratamento medicamento-
emocionais so e/ou suporte psicológico.
Se houver doenças associadas, sobretudo causadoras associados
ou perpetuadoras de dor, deverão ser tratadas adequada- Amitriptilina – 12,5 a
mente. Depressão deve ser diagnosticada e tratada ade- Antidepressivos tricí-
50mg/dia
clicos
quadamente. Nortriptilina
As dores da fibromialgia propriamente dita devem ser Inibidores seletivos
Fluoxetina – 20 a 80mg/
abordadas de forma múltipla, geralmente com mais de 1 dia
da recaptação de se-
Sertralina – 50 a
agente, com mecanismos de ação diferentes. rotonina (SSRI)
150mg/dia
- Antidepressivos tricíclicos: são as drogas de escolha. Venlafaxina – 150mg
Aumenta a duração da fase 4 do sono REM, melhorando Bloqueadores da re-
2x/dia
captação de seroto-
os distúrbios do sono e diminuindo as alterações de hu- Duloxetina – 60 a
Tratamento nina e noradrenalina
mor desses pacientes. A droga de escolha é a amitriptili- 120mg/dia
farmacológico
na, na dose de 12,5 a 50mg, ministrada antes de deitar; Ciclobenzaprina – 10 a
Relaxantes muscula- 30mg/dia
- Inibidores seletivos da recaptação de serotonina (SSRI): res de ação central Baclofeno
podem amplificar a ação dos agentes tricíclicos e melho- Tiazinidina
rar o bem-estar geral. A fluoxetina é o mais estudado e Pregabalina – 450mg/
tem melhor efeito em doses mais elevadas, quando tam- Drogas antiepilépti- dia
bém tem ação de bloqueio da noradrenalina (20 a 80mg/ cas Gabapentina
Topiramato
dia). A sertralina (de 50 a 150mg/dia) também pode ser
Evitar benzodiazepí-
usada; também está recomendada em consenso a asso- nicos
Evitar
ciação de amitriptilina com fluoxetina;

96
FIBROMIALGIA

8. Resumo
Quadro-resumo
Fibromialgia: condição dolorosa difusa crônica e não inflamató-
ria, associada à fadiga e distúrbios de sono;

REUMATOLOGIA
Fisiopatologia: ainda obscura (desequilíbrio entre vias pró-noci-
ceptivas e antinociceptivas);
Achados clínicos mais comuns: dor generalizada, fadiga, sono
não reparador, sensação subjetiva de edema de extremidades e
sintomas inespecíficos (vertigens, parestesias etc.);
Associação frequente: distúrbios do humor (depressão);
Tender points: 11 dentre os 18 devem ser positivos para classifi-
car paciente como fibromiálgico;
Tratamento não farmacológico: educação do paciente, exercí-
cios físicos (especialmente aeróbicos e alongamentos), terapia
psicológica;
Tratamento farmacológico: antidepressivos (tricíclicos, ISRS,
bloqueadores da recaptação de noradrenalina e serotonina),
relaxantes musculares (especialmente ciclobenzaprina), anticon-
vulsivantes (pregabalina, gabapentina, topiramato).

97
REUMATO LOG I A

CAPÍTULO

10
Vasculites
Rodrigo Antônio Brandão Neto / Ana Cristina de Medeiros Ribeiro
Aleksander Snioka Prokopowistch / Hérica Cristiani Barra de Souza

1. Introdução 2. Classificação
As vasculites sistêmicas formam um grupo de doenças As vasculites podem ser classificadas de vários modos.
heterogêneas que apresentam, em comum, um processo De uma maneira mais genérica, podem-se dividi-las em:
inflamatório na parede vascular, podendo levar à diminui- - Primárias: a inflamação vascular é a manifestação pri-
ção de sua luz e trombose secundária ou à ruptura de sua mordial da doença;
parede e consequente sangramento. - Secundárias: a inflamação vascular é uma manifes-
A maioria das vasculites sistêmicas inicia-se com sinto- tação da doença de base (LES – Lúpus Eritematoso
mas constitucionais inespecíficos que podem ser confundi- Sistêmico –, Sjögren, hepatite B, hepatite C, neoplasia,
dos com uma série de outras doenças, dificultando muito o drogas, pós-transplante).
diagnóstico.
Sem tratamento, a maioria dos pacientes com vasculites Dentro das vasculites primárias, a classificação mais uti-
sistêmicas evolui para óbito. O tratamento controla os sin- lizada é a de Chapel Hill (American College of Rheumatology,
tomas e pode levar a remissões prolongadas. 1994, Tabela 2). Não existe nenhuma classificação ideal, e
são encontradas várias adaptações na literatura.
Tabela 1 - Sintomas sugestivos de vasculite sistêmica
- Mal-estar; Tabela 2 - Classificação das vasculites primárias de acordo com o
- Febre; tamanho do vaso envolvido (Chapel Hill – 1994)
- Perda de peso; Predominantemente de grandes vasos
- Mialgia; - Arterite de Takayasu;
- Púrpura palpável; - Arterite de células gigantes (arterite temporal);
- Ulceração cutânea; - Síndrome de Cogan.
- Úlceras orais; Predominantemente de médios vasos
- Dor abdominal; - Poliarterite nodosa;
- Diarreia; - Doença de Buerger (tromboangeíte obliterante);
- Tosse; - Doença de Kawasaki.
- Sibilância; Predominantemente de pequenos vasos
- Hemoptise; - Poliangeíte microscópica;
- Granulomatose de Wegener;
- Dispneia;
- Síndrome de Churg-Strauss;
- Epistaxe;
- Vasculite de hipersensibilidade (angiite cutânea leuco-
- Crostas nasais;
citoclástica);
- Sinusite; - Púrpura de Henoch-Schönlein;
- Dor torácica; - Vasculite urticariforme;
- Prejuízo sensoriomotor. - Crioglobulinemia.

98
VASCULITES

Dentro de cada um desses grupos, achados clínicos, la- As manifestações cardiopulmonares mais frequentes
boratoriais e patológicos distinguem as diferentes vasculi- são dispneia, palpitações, angina, IAM, ICC e até morte sú-
tes. Serão estudadas, agora, as mais importantes. bita. Além de sintomas decorrentes de insuficiência aórtica,
estenose de artéria coronária e outros menos frequentes
3. Vasculite predominantemente de (miocardiopatia, miocardite etc.).

REUMATOLOGIA
Pelo acometimento da artéria pulmonar pode ocorrer
grandes vasos hemoptise, sinais de hipertensão arterial pulmonar e alte-
A arterite de células gigantes e a arterite de Takayasu rações de ventilação perfusão (fazendo diagnóstico diferen-
são o protótipo das vasculites de grandes vasos, envolven- cial com TEP).
do a aorta e seus ramos, mas são doenças muito distintas Como manifestação cutânea pode ocorrer:
clínica e epidemiologicamente. - Eritema nodoso;
- Pioderma gangrenoso;
A - Arterite de Takayasu - Eritema induratum;
A Arterite de Takayasu (AT), também conhecida como - Lesões ulcerativas e papulares.
doença sem pulsos (pulseless disease) ou aortoarterite
primária ou síndrome aórtica média ou síndrome do arco Com relação ao sistema renal, pode ocorrer hipertensão
aórtico ou tromboartropatia oclusiva, tem predomínio renovascular, doença glomerular e mais raramente amiloi-
entre mulheres (relação 10:1), e seu início ocorre entre dose renal.
os 15 e os 40 anos (doença de adolescentes e adultos O curso da doença é variável; pode comportar-se de for-
jovens). ma rapidamente progressiva em alguns pacientes ou apre-
É uma poliarterite granulomatosa, com intenso infiltra- sentar remissão espontânea em outros. Há uma significati-
do inflamatório no vasa vasorum, formação de granulomas va taxa de mortalidade entre indivíduos não tratados.
e células gigantes. A inflamação pode destruir a camada
média e substituí-la por tecido fibrótico, enfraquecendo-a Tabela 3 - Aspectos clínicos da AT: correlação dos territórios vascu-
lares comprometidos
e favorecendo a formação de aneurisma ou proliferando
e provocando o estreitamento da luz arterial. O acometi- Leito vascular Sintomas clínicos predominantes
mento é “salteado”, com áreas normais e áreas afetadas e Carótida comum Distúrbios visuais, AVE*, AIT**, síncope.
estreitadas ou dilatadas ao longo de um vaso. Vertebral Vertigens, alterações visuais.
Pode acometer a aorta e quaisquer de seus ramos: Claudicação de membro superior, redução do
subclávias, carótidas comuns, tronco braquiocefálico Subclávia
pulso.
ou celíaco e artérias renais ou mesentéricas. É possível, Insuficiência aórtica, insuficiência cardíaca
também, o acometimento das artérias pulmonares ou Arco aórtico
congestiva.
seus ramos.
Pulmonar Dispneia, dor torácica.
Até 20% dos pacientes são assintomáticos ao diagnós-
Coronárias Infarto do miocárdio, angina.
tico. As manifestações clínicas da AT são causadas por 2
componentes da doença: a fase inflamatória e a fase oclusi- Tronco celíaco Angina abdominal.
va. A síndrome inflamatória generalizada pode produzir fe- Renal Hipertensão.
bre, sudorese noturna, fadiga, mialgia, anorexia e perda de Aorta abdomi-
Claudicação, hipertensão, angina abdominal.
peso, sintomas que podem mimetizar um quadro infeccioso nal
e estão ausentes em mais de 60% dos casos. Ilíaca Claudicação.
A fase oclusiva leva a insuficiência vascular que pode * AVE = Acidente Vascular Encefálico.
ser precedida por queixas de dor, especialmente em vasos ** AIT = Acidente Isquêmico Transitório.
cervicais superficiais (carotidínea). Os achados clínicos de
complicações isquêmicas dependem do território vascu- Geralmente, suspeita-se do diagnóstico da AT em sua
lar acometido (Tabela 3). Os sintomas mais sugestivos são fase mais tardia, uma vez que é bastante difícil em sua fase
claudicação de extremidades, com os achados ao exame de inicial (inflamatória). Os critérios mais utilizados para classi-
diminuição de pulso braquial, diferença de pressão entre os ficar a doença são os do Colégio Americano de Reumatologia
membros superiores e presença de sopro subclávio ou no (Tabela 4). Suspeita-se do diagnóstico pela combinação de
trajeto da aorta, que fazem parte dos critérios classificató- doença arterial vaso-oclusiva e inflamação sistêmica em
rios (Tabela 4). paciente jovem. Os exames de imagem, como arteriografia
Em até 14% dos casos pode ocorrer retinopatia, devido (Figura 1), angiotomografia e angiorressonância, fornecem
à oclusão da artéria carótida interna, hipoperfusão da reti- informações sobre o lúmen dos vasos, a distribuição e a gra-
na ou mesmo por complicação direta da hipertensão. vidade da doença.

99
REUMATO LOG I A

Quanto ao diagnóstico diferencial, é bem amplo e difícil,


necessitando de minuciosa investigação laboratorial e de
imagem (Tabela 5).
Tabela 5 - Diagnóstico diferencial de AT
- Arterite de células gigantes;
- Síndrome de Behçet;
- Síndrome Coagan;
- Doença de Kawasaki;
- Sarcoidose;
- Artrite reumatoide;
- Espondiloartrite;
Figura 1 - Arteriografia demonstrando dilatação do arco aórtico - Policondrite recidivante;
- LES;
Tabela 4 - Critérios para classificação da AT (ACR – 1990) - Tromboangeíte obliterante;
Critério Definição - Aterosclerose;
Idade, até a instalação Desenvolvimento dos sintomas ou - TEP;
da doença, inferior a 40 achados relacionados à AT até a idade
anos. de 40 anos. - Síndrome de Ehler-Danlos;
- Síndrome de Marfan;
Desenvolvimento e piora da fadiga e
Claudicação de extremi- desconforto em músculos de 1 ou mais - Neurofibromatose;
dades. extremidades, quando em uso, espe- - Coarctação aórtica congênita;
cialmente dos membros inferiores.
- Displasia fibromuscular;
Diminuição do pulso em Diminuição da pulsação em 1 ou am-
- Estenose traumática;
artéria braquial. bas as artérias braquiais.
- Infecções – sífilis, tuberculose, estafilococose, febre reumáti-
Diferença de pressão arterial sistólica
Diferença de pressão ar- ca, entre outras.
acima de 10mmHg entre os membros
terial >10mmHg.
superiores.
O corticosteroide é a terapia de escolha no tratamento
Sopro audível à ausculta sobre 1 ou
Sopro sobre artéria sub- da AT, na dose de 1mg/kg de peso de prednisona ou equi-
ambas as artérias subclávias ou aorta
clávia ou aorta. valente para controle inflamatório da doença. A monitoriza-
abdominal.
Estreitamento ou oclusão da aorta, ção das proteínas de fase aguda (VHS, PCR) é útil somente
seus ramos primários, ou das grandes em uma parte dos pacientes.
artérias proximais das extremidades Baixas doses de aspirina podem ser utilizadas para
Anormalidades arterio-
gráficas.
superiores ou inferiores, não devido a evitar trombose. Imunossupressores, como metotrexato,
arteriosclerose, displasia fibromuscu- ciclosporina A, azatioprina e micofenolato de mofetila, po-
lar ou causa similar, alterações geral- dem ser utilizados para o controle da inflamação.
mente focais ou segmentares.
Em casos de estenose ou formações aneurismáticas, ci-
Para o diagnóstico, o paciente deve preencher 3 dos 6 rurgia e angioplastia são importantes no tratamento da AT.
critérios. As imagens vasculares são fundamentais para o
diagnóstico, e a arteriografia, o padrão-ouro. B - Arterite de células gigantes
A Arterite de Células Gigantes (ACG), também conhecida
como arterite temporal, é a forma mais comum de vasculite
sistêmica em adultos. Ocorre, quase exclusivamente, entre
indivíduos acima dos 50 anos, com aumento da incidência
conforme a idade. É 2 vezes mais frequente em mulheres
que em homens. De causa desconhecida, afeta, primaria-
mente, ramos extracranianos das carótidas. Não afeta arté-
rias intracerebrais.
Trata-se de uma panarterite, já que todas as camadas da
parede arterial são acometidas por um infiltrado inflamató-
rio constituído por células T e macrófagos. O infiltrado pode
ser granulomatoso, com acúmulo de histiócitos e células gi-
Figura 2 - Classificação angiográfica da AT gantes multinucleadas. Trombose é incomum.

100
VASCULITES

As manifestações mais comuns são sintomas constitu- dez em músculos do pescoço, cinturas escapular e pélvica,
cionais (fadiga, perda de peso, febre e mialgia). Cefaleia, associada a sinais de inflamação sistêmica, como fadiga,
sintomas visuais, claudicação de mandíbula e polimialgia perda de peso, sudorese e febre baixa, além de anormali-
reumática estão comumente presentes. dades laboratoriais, como aumento do VHS, PCR e anemia.
Após os sintomas constitucionais, a cefaleia é o sintoma Aproximadamente, de 30 a 50% dos pacientes com ACG de-

REUMATOLOGIA
mais comum da ACG, classicamente descrita como dor mo- senvolvem PMR, que pode ocorrer isoladamente e é de 2
derada a intensa no território da artéria temporal, que pode a 4 vezes mais frequente que a ACG. Além da coexistência
estar espessada (Figura 3), dolorida, não compressível, no- das 2 doenças, compartilham fatores de risco como a faixa
dular ou sem pulso. Como ela está alterada em 50% dos etária e o HLA. Entretanto, a PMR isolada responde rapida-
casos, a artéria temporal sem alterações não exclui ACG. mente a doses baixas a moderadas de corticoide (<20mg/
Os sintomas visuais são comuns (1/3 dos casos), espe- dia) e não oferece risco de amaurose. A polimialgia reumá-
cialmente, perda visual e diplopia. A perda visual é a com- tica simula diversas patologias, tais como as demonstradas
plicação mais temida, geralmente precedida por episódios na Tabela 7.
de borramento visual ou amaurose fugaz, estabelecendo-se Tabela 7 - Doenças que cursam com polimialgia
alguns meses após o início dos sintomas sistêmicos. Reflete
- Artrite reumatoide;
neuropatia óptica anterior isquêmica e pode ser prevenida
- Síndrome do manguito rotador;
pelo tratamento com doses altas de corticoide. A avaliação
do fundo de olho pode ser normal quando a amaurose se - Osteoartrite dos ombros e quadris;
estabelece, mas evolui com edema do disco óptico e pali- - Fibromialgia;
dez, até atrofia. A diplopia acontece por oftalmoplegia (pa- - Dermato/polimiosite;
ralisia dos nervos motores devido à isquemia). - Espondiloartropatia;
Pode ocorrer claudicação intermitente da mandíbula - Lúpus eritematoso sistêmico;
pela isquemia dos músculos da mastigação, e é o sintoma - Vasculites;
mais específico de ACG. Há dificuldade em passar longos
- Mialgias paraneoplásicas;
períodos mastigando ou em mastigar alimentos mais resis-
- Mialgias associadas a infecções;
tentes. Também é possível claudicação dos membros supe-
riores por arterite em artérias braquiais. - RS3PE – sinovite simétrica soronegativa com pitting edema (va-
riante AR);
Tabela 6 - Critérios de classificação das artrites de células gigantes - Doença de Parkinson;
- Idade de início da doença ≥ 50 anos; - Hipotireoidismo;
- Cefaleia de início recente ou novo tipo; - Medicamentos – estatinas.
- Dor ou redução da pulsação em artéria temporal;
- VHS elevado (≥50mm/h); Não existem teste laboratorial patognomônico nem an-
- Alterações histológicas da arterite (lesão granulomatosa, usu-
ticorpos específicos para ACG. A elevação das proteínas de
almente com células gigantes multinucleares, ou infiltrado celu- fase aguda é um achado típico e auxilia no diagnóstico e
lar mononuclear difuso). seguimento dos pacientes após o tratamento: a velocida-
de de hemossedimentação encontra-se elevada, acima de
50mm na 1ª hora. Outras provas de fase aguda podem estar
alteradas. FAN e fator reumatoide, em geral, são negativos.
O diagnóstico de ACG deve ser considerado em pacien-
tes acima de 50 anos com história inexplicada de cefaleia,
sinais de isquemia em território vascular extracranial, per-
da da visão ou polimialgia reumática associada à evidência
laboratorial de inflamação (aumento de proteínas de fase
aguda). A biópsia da artéria temporal, o padrão-ouro para
o diagnóstico, deve ser realizada sempre para confirmação
diagnóstica. Caso seja negativa, pode-se realizar a biópsia
da artéria contralateral. O exame não deve retardar o tra-
tamento, pois as alterações histopatológicas persistem por
até 2 semanas após o início da corticoterapia. Os exames
de imagem muitas vezes são necessários e constituem im-
Figura 3 - Espessamento da artéria temporal em paciente com ACG portante método diagnóstico. É descrito que até 50% dos
pacientes com ACG extracraniana possuem biópsia de ar-
Um quadro que, comumente, se associa à ACG, é a po- téria temporal negativa. Os alvos primários são: artérias
limialgia reumática (PMR), que se caracteriza por dor e rigi- subclávias, axilares, vertebrais, carótidas (eventual). Dentre

101
REUMATO LOG I A

os principais exames de imagem dispWoníveis para o diag- 4. Vasculite predominantemente de


nóstico de ACG podemos citar:
médios vasos
- Angiografia tradicional;
- Angiorressonância: - Poliarterite nodosa
• Preferencial para ramos aórticos e vasos do pescoço. A poliarterite nodosa (PAN) é uma forma de vasculite
que afeta artérias de médio e de pequeno calibre. Pode
- Tomografia computadorizada: ocorrer em qualquer idade, mas o pico se dá entre os 40
• Rápida informação sobre diâmetro aórtico, irregula- e os 50 anos, sendo 3 vezes mais comum em homens do
ridades e espessamento. que em mulheres. É muito rara em crianças e tem causa
desconhecida, mas drogas, vacinas ou infecções podem es-
- PET-scan e USG Doppler. tar relacionadas ao desencadeamento da doença. Em 30%
dos casos, associa-se à infecção por hepatite B e só melhora
O Colégio Americano de Reumatologia apresenta crité- com o tratamento do vírus.
rios diagnósticos para ACG (Tabela 8). Um paciente é clas- A PAN atinge apenas vasos arteriais de médio e de pe-
sificado como portador da doença caso apresente 3 dos 5 queno calibre, com lesões segmentares em placas, obser-
critérios. vadas, principalmente, próximas a bifurcações. As partes
inflamadas da parede arterial tornam-se mais fracas e, sob
Tabela 8 - Critérios de classificação para arterite de células gigan-
a pressão sanguínea, cedem, levando à formação de aneu-
tes (ACR - 1990)
rismas. A imagem à arteriografia de segmentos de várias
Critério Definição artérias com abaulamentos em suas paredes é que deu
Idade de instalação da Desenvolvimento dos sintomas a partir origem ao nome da doença (Figura 4). Caracteristicamente,
doença >50 anos. dos 50 anos. as lesões histológicas estão em diferentes estágios de evo-
Cefaleia recente ou um novo tipo de ce- lução, acompanhadas de necrose fibrinoide, ausência de
Nova cefaleia. granulomas e presença de aneurismas da parede arterial.
faleia.
Sensibilidade dolorosa aumentada na ar-
téria temporal à palpação ou diminuição
Anormalidade da
de sua pulsação, não relacionada à arte-
artéria temporal.
riosclerose ou à lesão em artérias cervi-
cais.
Velocidade de he-
VHS >50 na 1ª hora pelo método de
mossedimentação
Westergren.
aumentada.
Biópsia arterial demonstrando vasculite,
caracterizada pela predominância de in-
Anormalidade arterial
filtrado de células mononucleares ou for-
na biópsia.
mação granulomatosa, geralmente com
células gigantes multinucleadas.

Os corticosteroides são efetivos na supressão das mani-


festações clínicas da ACG. Doses iniciais de 1mg/kg de peso
de prednisona ou equivalente têm sido recomendadas até
a reversão das manifestações inflamatórias da doença, com
redução posterior. A maioria dos pacientes responde bem
ao corticoide, mas pode haver recidiva ou corticodepen- Figura 4 - Arteriografia renal em paciente com PAN: observar a
dência. Nesses casos, podem ser utilizadas drogas imunos- presença de aneurismas saculares intraparenquimatosos em arté-
supressoras, como metotrexato, ciclosporina, ciclofosfami- rias de médio calibre
da e azatioprina.
A doença costuma começar com queixas vagas, febre
Sintomas de inflamação sistêmica e provas de atividade baixa e emagrecimento. As manifestações clínicas são bas-
inflamatória, como VHS ou PCR, são úteis na detecção de tante variadas. Há uma predileção por pele, nervos periféri-
recidivas e má resposta. No caso de PMG ocorrer isolada- cos, rins e trato gastrintestinal. As lesões cutâneas incluem
mente, a resposta é rápida e muito boa com baixas doses de livedo reticular (Figura 5), nódulos subcutâneos, úlceras
corticoide (<20mg/dia de prednisona), sem necessidade de vasculíticas (Figura 6) e gangrena digital. A PAN cutânea é
imunossupressor. Ocorrendo junto com ACG, o tratamento uma variante da PAN clássica, em que só a pele é acometi-
é ditado pelas manifestações da ACG. da, sem envolvimento visceral.

102
VASCULITES

Mais de 80% dos pacientes têm neuropatia periférica


por vasculite, tipicamente uma mononeurite múltipla, que
afeta nervos específicos, mais frequentemente os nervos fi-
bular, tibial, ulnar, mediano e radial, levando a sintomas e si-
nais nas extremidades distais, como pé e mão caídos (Figura

REUMATOLOGIA
7). O acometimento de vasos mesentéricos leva à manifes-
tação clássica de angina intestinal: uma dor periumbilical
pós-prandial. Pode haver perfuração ou isquemia do intes-
tino, com sangramento intestinal maciço. Envolvimento re-
nal, presente universalmente nas autópsias, pode provocar
insuficiência renal e hipertensão. Orquiepididimite também
é possível. Lesões cardíacas podem levar a infarto miocár-
dico e falência cardíaca congestiva, mas, em geral, são sub-
clínicas. A PAN costuma poupar o leito arterial pulmonar.
Quanto às alterações laboratoriais, as mais encontradas
são aumento do número de leucócitos, elevação da veloci-
dade de hemossedimentação e anemia discreta. Fator reu-
matoide e anticorpos antinucleares podem estar presentes Figura 6 - Úlcera cutânea em paciente com PAN
em títulos baixos.
O diagnóstico parte da suspeita de uma doença sistêmi-
ca com febre, emagrecimento e astenia, além de manifesta-
ções em múltiplos aparelhos, como certas associações for-
temente sugestivas de PAN: vasculite cutânea, mononeurite
múltipla, dor muscular e perda de função renal com hiper-
tensão, num paciente com provas de atividade inflamatória
elevadas. Para o diagnóstico, entretanto, é necessário ex-
cluir outras doenças sistêmicas infecciosas, neoplásicas ou
inflamatórias. A confirmação por achados mais específicos
de PAN é requerida: biópsias mostrando a vasculite necro-
sante em parede arterial podem ser realizadas em lesões
cutâneas, músculos ou nervos. Os microaneurismas podem
ser demonstrados em angiografias renais ou mesentéricas,
mesmo na ausência de sintomas. O Colégio Americano de
Reumatologia estabeleceu critérios para o diagnóstico, e
devem estar presentes ao menos 3 dos 10 deles (Tabela 9).

Figura 7 - Mão caída por acometimento do nervo radial em pa-


ciente com PAN

Tabela 9 - Critérios de classificação para poliarterite nodosa (ACR


– 1990)
1 - Perda de peso maior que 4kg.
2 - Livedo reticular.
3 - Dolorimento testicular.
4 - Mialgia, fraqueza ou dolorimento muscular.
5 - Mono ou polineuropatia.
6 - Hipertensão arterial com PAD >90mmHg.
7 - Aumento de ureia ou creatinina.
8 - Presença de antígeno do vírus ou anticorpo antivírus B.
9 - Anormalidades angiográficas; presença de aneurisma ou
oclusão de artérias viscerais.
Figura 5 - Livedo reticular em paciente com PAN. Fonte: ABC of 10 - Biópsia de artéria de pequeno e/ou médio calibre com infil-
Rheumatology trado de polimorfonucleares.

103
REUMATO LOG I A

O tratamento da PAN idiopática (não associada ao ví- 5. Vasculite predominantemente de


rus da hepatite B) inclui corticoide em altas doses e tera-
pia com imunossupressor. Aproximadamente, metade dos pequenos vasos
pacientes apresenta remissões ou cura com altas doses A classificação de Chapel Hill inclui várias vasculites
de corticoide (1mg/kg/dia de prednisona ou equivalente). como predominantes em pequenos vasos. Algumas são
A pacientes mais graves está indicada a pulsoterapia com vasculites primárias, e outras podem estar associadas a ou-
metilprednisolona 1g/dia, durante 3 dias consecutivos. tras doenças. Algumas são pauci-imunes, ou seja, não são
Pacientes com doença refratária aos corticosteroides e en- mediadas por deposição de imunocomplexos, enquanto,
volvimento grave de órgãos-alvo devem receber ciclofosfa- em outras, o mecanismo fisiopatológico é a deposição de
mida. No caso de PAN associada ao vírus B, é requerido o imunocomplexos, cuja classe varia de acordo com a doença.
tratamento antiviral. A plasmaférese também é uma opção As apresentações clínicas e a faixa etária em que ocorrem
nessas situações. são muito variáveis. A Tabela 10 mostra as principais dife-
renças entre elas.

Tabela 10 - Vasculites com predomínio em pequenos vasos Hipocomplementêmica


Vasculite primária?

Associação a ANCA
Granulomatosa
Pauci-imune?

Principais características

Acometimento pulmonar – hemorragia alveolar;


Glomerulonefrite rapidamente progressiva;
Principal causa de síndrome pulmão-rim;
Poliangeíte microscópica (PAM) X X - - X
ANCA-relacionada (p-ANCA) ;
Púrpura palpável;
Mononeurite múltipla.
Infecções de repetição em vias aéreas superiores;
Acometimento pulmonar;
Granulomatose de Wegener X X - X X
Glomerulonefrite rapidamente progressiva;
ANCA-relacionada (c-ANCA).
Asma/rinite alérgica/polipose nasal;
Eosinofilia;
Síndrome de Churg-Strauss X X - X X Infiltrados pulmonares transitórios, ocasionalmente, he-
morragia alveolar;
Neuropatia vasculítica.
Acometimento preferencial da pele;
Artrite;
Crioglobulinemia - - X - -
Glomerulonefrite;
Neuropatia vasculítica.
Vasculite cutânea;
Vasculite de hipersensibilidade
- - - - - Pode ser precipitada por medicações e infecções, identifi-
(leucocitoclástica)
cáveis em 60% dos casos,
Púrpura palpável não trombocitopênica;
Artrite;
Púrpura de Henoch-Schönlein X - - - - Glomerulonefrite;
Dor abdominal;
Depósito de IgA na parede dos vasos.
Queimação, dor ou prurido cutâneo que demora mais de
Vasculite urticariforme - - - - -
24 horas para melhorar.

104
VASCULITES

A - Vasculites pauci-imunes fluorescência, o perinuclear (p-ANCA), que corresponde à


presença de anticorpos antimieloperoxidase. A titulação do
As vasculites pauci-imunes são assim chamadas por- p-ANCA não se associa à atividade de doença. Apresentam
que o mecanismo de dano à parede vascular não se faz por ainda achados incaracterísticos, tais como: anemia normo/
meio de depósitos de imunocomplexos à histologia. Isso as normo, trombocitose, hipoalbuminemia e elevação de pro-

REUMATOLOGIA
difere das vasculites por imunocomplexos, em que o dano vas inflamatórias (VHS e PCR).Os achados histopatológicos
à parede vascular ocorre pelo depósito de imunocomplexos incluem:
circulantes. - Lesão renal típica:
São ditas relacionadas ao ANCA porque a maioria dos
• Glomerulonefrite focal e segmentar com necrose fi-
pacientes com vasculite de pequenos vasos pauci-imunes
brinoide da parede do capilar glomerular levando à
apresenta anticorpos contra determinadas proteínas es-
formação de crescentes;
pecíficas encontradas dentro dos grânulos citoplasmáticos
dos neutrófilos ou anticorpos anticitoplasma de neutrófilos • Pauci-imune.
(ANCA). Há 2 padrões clássicos de ANCA, pela imunoflu- - Lesão pulmonar:
orescência: o citoplasmático (c-ANCA) e o perinuclear (p- • Capilarite;
-ANCA). Um padrão atípico, quando não há o c-ANCA nem • Fibrose intersticial – 2ª a hemorragia alveolar recor-
o p-ANCA, também foi descrito. rente.
Posteriormente, puderam ser identificados os antígenos - Lesão cutânea:
correspondentes: o c-ANCA age contra a enzima antipro- • Vasculite leucocitoclástica necrotizante pauci-
teinase-3 (anti-PR3), e o p-ANCA, contra a antimieloperoxi- -imune.
dase de neutrófilos (anti-MPO). O c-ANCA é relativamente
específico para granulomatose de Wegener e pode corre- A pacientes com PAM com glomerulonefrite, hemorra-
lacionar-se com a atividade da doença. O p-ANCA é pouco gia alveolar, mononeurite múltipla ou outras manifestações
específico, e seus títulos não se correlacionam com a ativi- graves, está indicado o tratamento com a combinação de
dade das doenças em que pode estar presente: poliangeíte corticoide e ciclofosfamida. Pacientes com PAM têm respos-
microscópica, síndrome de Churg-Strauss, hepatite autoi- ta adequada com ciclofosfamida intravenosa combinada
mune e doença inflamatória intestinal. com altas doses de corticoide. Azatioprina, imunoglobulina
intravenosa e metotrexato também podem ser utilizados.
a) Poliangeíte microscópica
A poliangeíte microscópica (PAM) é uma desordem que
acomete vasos de pequeno calibre, incluindo capilares,
vênulas e arteríolas, e vasos de médio calibre, como arté-
rias e veias. É uma vasculite necrosante pauci-imune, sem
depósitos imunes à histologia, e apresenta tropismo pelos
rins (glomerulonefrite rapidamente progressiva) e pulmões
(capilarite pulmonar), sendo a principal causa da síndrome
pulmão-rim.
As manifestações mais comuns são glomerulonefrite
com hematúria, perda de função renal, hipertensão, perda
de peso, lesões cutâneas purpúricas (Figura 8), mononeu-
rite múltipla e febre. Capilarite pulmonar pode acarretar
hemorragia alveolar (Figura 10) e hemoptise. A hemorragia
pulmonar ocorre em até 30% dos casos e pode causar disp-
neia e hemoptise, com raio x mostrando infiltrado alveolar
focal (Figura 9). Fibrose pulmonar pode ocorrer como con-
sequência e está associada a pior prognóstico.
As manifestações neurológicas que podem ocorrer
na PAM incluem neuropatia, presente em 30% dos casos
menos comum que na PAN. Neuropatia afetando nervos
cranianos ou periféricos é mais comum que mononeurite
multiplex. Vasculite cerebral é rara e em geral causa AVC
hemorrágico, convulsões ou cefaleias.
Manifestações cardíacas são raras e quando presentes
causam pericardite e insuficiência cardíaca.
Setenta por cento dos pacientes com PAM são positivos
para o ANCA, sendo o padrão mais encontrado, na imuno- Figura 8 - Púrpura palpável nos membros inferiores

105
REUMATO LOG I A

mucosa nasal, parosmia, epistaxe e cefaleia. Perfuração do


septo nasal, ulceração e erosão do vômer, levando à defor-
midade de nariz “em sela” (Figura 14), são achados clás-
sicos. É comum o envolvimento granulomatoso dos seios
da face, podendo haver invasão das estruturas contíguas,
como a órbita (Figuras 12 e 13). Tais lesões são frequen-
temente infectadas, secundariamente, por Staphylococcus
aureus. Podem ocorrer otite média secretora, otite média
crônica, com perfuração da membrana timpânica, otalgia
e otorreia, assim como disfonia, estridor laríngeo, sibilos,
ulceração e edema oral e gengivite, ceratoconjuntivite, es-
clerite e uveíte vasculíticas.
Pode ocorrer ulceração oral e alterações gengivais típi-
cas (Figura 11).
Figura 9 - Raio x de tórax de paciente com PAM e hemorragia pul-
monar

Figura 10 - Tomografia computadorizada evidenciando hemorra-


gia pulmonar

b) Granulomatose de Wegener
A Granulomatose de Wegener (GW) é uma doença sis-
têmica caracterizada pela vasculite granulomatosa do trato
respiratório superior e inferior com ou sem glomerulone-
frite. É uma doença incomum, que afeta ambos os sexos Figura 11 - (A) Ulceração na língua e (B) “gengivas de morango”
igualmente e surge em todas as faixas etárias, sendo mais em paciente com GW
comumente encontrada em caucasianos (97%). Sua causa é
desconhecida. Como complicação do acometimento de vias aéreas su-
As 3 características histopatológicas são granulomas ne- periores pode ocorrer estenose subglótica, que é em geral
crosantes no trato respiratório superior ou inferior, vasculi- assintomática, mas pode dar como manifestação clínica
te necrosante envolvendo tanto as artérias quanto as veias rouquidão, dor, tosse, estridor e inclusive necessitar de tra-
nos pulmões e em outros órgãos e glomerulonefrite, que, queostomia.
usualmente, é focal e segmentar. Deve ser suspeitado se ocorrer otite, rinite ou sinusite
Como sintomas gerais iniciais, o paciente costuma apre- persistente.
sentar febre, anorexia, emagrecimento, fadiga e fraqueza. - Lesões destrutivas das VAS:
As vias aéreas superiores (seios da face, ouvidos, nasofa- • Sinais e sintomas sistêmicos: artralgias, perda de
ringe, orofaringe e traqueia), o trato respiratório inferior peso e elevação de provas inflamatórias.
(brônquios e pulmões) e os rins são caracteristicamente
envolvidos. O envolvimento pulmonar também é extremamente co-
Nas vias aéreas superiores, podem ocorrer obstrução mum. Tosse produtiva, dispneia, hemoptise, dor e descon-
nasal crônica com rinorreia clara, ulceração e edema da forto torácico são os principais sintomas. Anormalidades

106
VASCULITES

nas radiografias do tórax são vistas em mais de 90% dos ca-


sos e incluem lesões nodulares escavadas não calcificadas,
largas, múltiplas e bilaterais (Figura 15).
As características nefrológicas da GW são, predominan-
temente, representadas por glomerulonefrite focal necroti-

REUMATOLOGIA
zante, que leva a hematúria, leucocitúria e anormalidades
nos níveis de ureia e creatinina, podendo provocar falência
renal e morte. Tal acometimento está presente em 80% dos
pacientes em algum momento da evolução, porém apenas
20% dos casos como manifestação inicial. A glomerulone-
frite rapidamente progressiva pode dar como achado he-
matúria, proteinúria (usualmente não nefrótica), cilindros
hemáticos e elevação rápida e progressiva da creatinina.
As manifestações oculares incluem: pseudotumor orbi-
tal (imagem), uma massa inflamatória retrobulbar que leva
a proptose, dor, diplopia e perda visual devido a isquemia
do nervo óptico, esta constitui a lesão da GW mais refratá-
ria ao tratamento; esclerite, com dor e vermelhidão ocular,
podendo complicar com escleromalacia perforans e ceguei-
ra; ceratite ulcerativa periférica, que pode evoluir com per-
furação da córnea e cegueira; outros: uveíte, conjuntivite,
episclerite e obstrução do ducto lacrimal.

Figura 14 - Nariz “em sela” e ulceração cutânea em paciente com


Wegener. Fonte: ABC of Rheumatology

Figura 12 - Pseudotumor orbital na GW

Figura 15 - Nódulo pulmonar em paciente com granulomatose de


Figura 13 - Pseudotumor retro-orbitário direito em paciente com GW Wegener

107
REUMATO LOG I A

A classificação do ACR para GW apresenta sensibilidade vênulas. Caracteriza-se pela síndrome que apresenta asma,
de 88% e especificidade de 92%. É necessária a presença de rinite alérgica, eosinofilia (>10%) e febre, acompanhada por
pelo menos 2 dos 4 critérios: uma vasculite de vários sistemas orgânicos. Também se trata
- Inflamação nasal ou oral: úlceras orais dolorosas ou de uma vasculite associada ao ANCA. São relatados como fa-
não, secreção nasal purulenta ou sanguinolenta; tores precipitantes desta enfermidade:
- Anormalidades ao raio x de tórax: presença de cavita- - Alérgenos inalados;
ção ou nódulos não cavitários ou infiltrado fixo; - Vacinas;
- Alteração do sedimento urinário: micro-hematúria - Infecção;
(>5 células hemáticas/campo) ou presença de cilindros - Antagonistas do receptor de leucotrieno.
hemáticos;
- Biópsia: mostrando processo inflamatório granuloma- Estudos de necrópsias revelam alterações pulmonares
toso na parede abdominal arterial ou em região peri com granulomas intra/extravasculares e lesões inflamató-
ou extravascular. rias ricas em eosinófilos.
É descrita na literatura a ocorrência de 3 fases da doen-
Os achados laboratoriais encontrados são anemia de ça. História natural (3 fases):
doença crônica e aumento das provas de atividade de fase - 1ª: Prodrômica – pode durar anos:
aguda, como a velocidade de hemossedimentação e a pro- • Asma, rinite alérgica, polipose nasal.
teína C reativa. O FAN costuma ser negativo, e o comple- - 2ª: Eosinofilia/infiltração tissular – pode recorrer por
mento, normal. anos:
A associação entre a GW e os anticorpos anticitoplasma • Síndrome de Löffler, pneumonia eosinofílica crônica
de neutrófilos (ANCA) é bem estabelecida. O c-ANCA ou o e gastroenterite eosinofílica.
anticorpo antiproteinase-3 é relativamente específico para
GW, podendo correlacionar-se com a atividade da doença.
- 3ª: Vasculite sistêmica:
Ocorre em 60 a 90% dos pacientes. • Acometimento de vários órgãos.
O diagnóstico diferencial inclui:
Não é obrigatório que todas as fases estejam nesta or-
- Outras vasculites; dem. O tempo médio é de 8 a 9 anos para o surgimento da
- Síndromes pulmão-rim: 3ª fase após início da asma.Usualmente, a asma precede a
• Doença de Goodpasture. vasculite por meses e anos, ocorrendo em 90% dos casos.
- Infecções: O paciente pode ter um quadro de início recente ou piora
• Principalmente por fungos e micobactérias. de um quadro anterior de longa data. São também comuns
- Neoplasias; os infiltrados pulmonares migratórios ou transitórios, ob-
- Desordens granulomatosas: servados à radiologia. A presença de rinite, sinusite e, oca-
• Sarcoidose. sionalmente, nódulos pulmonares pode confundir com GW.
Todavia, o acometimento nasal e dos seios da face em geral
- Condições autoimunes sistêmicas: não é um processo destrutivo, mas alérgico, com presença
• LES, AR. de pólipos nasais.
Como manifestações pulmonares, temos asma de início
O tratamento atual da GW baseia-se na utilização de
tardio, sendo de maior frequência e intensidade até a 3ª
drogas imunossupressoras, e as drogas de escolha são a
fase quando tende a entrar em remissão.
ciclofosfamida via oral, na dose de 2mg/kg/dia, e a predni-
Também são comuns os infiltrados pulmonares migra-
sona, na dose de 1mg/kg/dia, com posterior rebaixamento
tórios ou transitórios, observados à radiologia, presente em
das doses. Azatioprina e metotrexato podem ser usados em
38 a 77% dos pacientes. Infiltrado focal e transitório com
casos menos graves ou com intolerância. Quanto aos mais
padrão alveolar é o achado mais típico. Opacificações pa-
graves, com riscos de morte ou perda de função renal, de-
renquimatosas aleatórias ou periféricas é o achado mais
ve-se utilizar a pulsoterapia com metilprednisolona. Pulsos
comum de TC, porém não é um achado específico. Pode
mensais com ciclofosfamida resultam em menor toxicidade
ocorrer ainda infiltrado pulmonar eosinofílico ou hemorra-
que a posologia diária, sendo efetivas na remissão da doen-
gia alveolar. Alguns autores descrevem a ocorrência de der-
ça. A plasmaférese é indicada aos casos de síndrome urêmi-
rame pleural, sendo este uni ou bilateral, em geral assinto-
ca associada à glomerulonefrite rapidamente progressiva,
mático e raramente presente no momento do diagnóstico,
com indicação de terapia dialítica.
e a análise revela tratar-se de exsudato rico em eosinófilos
c) Síndrome de Churg-Strauss com glicose baixa.
Também conhecida como angiite granulomatosa alérgica, A presença de rinite, sinusite e ocasionalmente, nódulos
a Síndrome de Churg-Strauss (SCS) é uma vasculite extrema- pulmonares, podem levar à confusão com GW. Entretanto,
mente rara, que afeta vasos de médio e de pequeno calibres, o acometimento nasal e dos seios da face em geral não é
com predileção por pequenas artérias, arteríolas, capilares e um processo destrutivo, mas alérgico, com formação de pó-

108
VASCULITES

lipos nasais. Até 70% dos pacientes tem rinite alérgica ou • Histologia não tem granuloma e nem vasculite.
polipose sinusal. - Síndrome hipereosinofílica:
Alterações cutâneas podem estar presentes em 66% dos • Ausência de asma ou história de alergia;
casos, e, dentre as manifestações mais comuns, estão púr- • Histologia não tem granuloma e nem vasculite;
pura (imagem), urticária, eritema e nódulos. Podem ocorrer

REUMATOLOGIA
• Resistência ao tratamento com corticosteroides.
mononeurite múltipla, alterações do sistema nervoso cen-
tral e glomerulonefrite (glomerulonefrite focal e segmentar A SCS possui boa resposta à corticoterapia. São utiliza-
necrotizante com presença de crescentes). das altas doses de prednisona (1mg/kg/dia). Agentes cito-
tóxicos, como ciclofosfamida, devem ser reservados a casos
individuais graves e progressivos, com envolvimento renal,
intestinal, cardíaco ou pulmonar.
Tabela 11 - Diferenças entre as vasculites que causam síndrome
pulmão-rim
Característica GW PAM SCS
ANCA positivo 80 a 90% 70% 50%
ANCA espe-
PR3 >MPO MPO >PR3 MPO >PR3
cífico
Vasculite leucoci-
Vasculite Infiltrado
Achado histo- toclástica necroti-
leucocito- eosinofílico e
lógico zante, inflamação
clástica vasculite
granulomatosa
Perfuração de
Polipose
septo nasal; nariz
nasal; rinite
Ouvido/nariz/ em sela; perda Ausente ou
alérgica; per-
garganta auditiva neuros- leve
da auditiva de
sensorial; esteno-
condução
se subglótica
Doença
Doença ocular
ocular
Pseudotumor ocasional:
ocasional:
Ocular orbital; esclerite; esclerite,
esclerite,
episclerite; uveíte episclerite,
episclerite,
uveíte
uveíte
Nódulos; lesões Asma; infiltra-
infiltrativas ou Hemorragia do migratório;
Pulmonar
Figura 16 - Lesões purpúricas em paciente com SCS cavitárias; hemor- alveolar hemorragia
ragia alveolar alveolar
Os achados laboratoriais incluem: anemia e provas de
Glomeru- Glomeru-
atividade inflamatória elevadas em 80% dos casos; eosino- Glomerulonefri-
lonefrite lonefrite
filia é constante, geralmente > 1.000/mm3 e prontamente Renal te necrotizante
necrotizante necrotizante
reduzida após uso de corticosteroide, sendo que o aumento segmentar
segmentar segmentar
na contagem geralmente precede um período de atividade Lesão valvar Falência car-
da doença. Pode ocorrer elevação dos níveis séricos de IgE Cardíaco Raro
ocasional díaca
(75% dos casos). O p-ANCA – mieloperoxidase está positivo Vasculite Vasculite
em uma frequência de até 40% e o FR pode ser positivo em Nervo perifé- Vasculite neuro-
neuropática neuropática
54% dos casos. rico pática (10%)
(58%) (78%)
O diagnóstico diferencial inclui: Presente em
Eosinofilia Leve e ocasional Não há
- Granulomatose de Wegener: todos os casos
• Ausência de asma ou história de alergia;
B - Vasculite por depósito de imunocomplexos
• Eosinofilia não é comum;
• Envolvimento mais proeminente e grave; a) Crioglobulinemia
• C-ANCA. As crioglobulinas são anticorpos que se precipitam em
- Pneumonia eosinofílica crônica: condições de baixa temperatura, se dissolvem no calor e
• Não houve órgãos extrapulmonares; ocorrem em associação a inúmeras condições sistêmicas,

109
REUMATO LOG I A

podendo levar a complicações que incluem vasculites e hi- tórios não esteroides e/ou anti-histamínicos. Podem ainda
perviscosidade. As crioglobulinemias são classificadas em ser utilizados colchicina, corticoide, hidroxicloroquina e
tipos I, II ou III. dapsona.
- Crioglobulinemia do tipo I: contém anticorpos mono- c) Púrpura de Henoch-Schönlein
clonais (IgG ou IgM), sem atividade de fator reumatoi-
de. Estão associados a certas doenças hematológicas A Púrpura de Henoch-Schönlein (PHS) pode desenvol-
malignas, como mieloma múltiplo e macroglobuline- ver-se em qualquer idade, mas, em 90% dos casos, acon-
mia de Waldenström; tece em crianças. Nesse grupo, 2/3 dos pacientes relatam
- Crioglobulinemias dos tipos II e III: chamadas do tipo antecedente de infecção do trato respiratório superior, su-
“mistas”, pois contêm anticorpos IgM e IgG. O compo- gerindo que o processo infeccioso possa ser o desencadea-
nente IgG é sempre policlonal. Já o componente IgM dor da doença.
diferencia a do tipo II, quando é monoclonal, da do O paciente apresenta, tipicamente, um quadro agudo de
tipo III, em que é policlonal. Em ambos os casos, o FR é febre, púrpura palpável em membros inferiores e nádegas
positivo, pois as IgMs têm atividade contra o fator reu- (Figuras 17 e 18), dor abdominal, artrite e glomerulonefrite
matoide. Crioglobulinemias II e III ocorrem em associa- com hematúria. A púrpura pode ser extensa e confluente e
ção a algumas doenças, como hepatite C, síndrome de envolver braços e tronco. Dor abdominal pode ser causada
Sjögren e LES. Podem provocar vasculites de pequenos pelo edema intestinal e isquemia mesentérica; geralmente,
e de médios vasos. Nessas condições, a vasculite resul- é uma dor do tipo cólica e pós-prandial. Alguns pacientes
ta da deposição de complexos imunes na parede dos relatam náuseas, vômitos e sangramento digestivo. Doença
vasos e ativação do complemento. Por isso, são vascu- articular pode manifestar-se como artralgia e artrite, espe-
lites hipocomplementêmicas. cialmente de grandes articulações, como joelhos e tornoze-
los e, menos comumente, punhos e cotovelos. A principal
A manifestação mais comum na crioglobulinemia é a manifestação da glomerulonefrite é uma hematúria micros-
presença de púrpura palpável nos membros inferiores. cópica acompanhada por proteinúria. Em geral, é benigna,
Outras manifestações são neuropatia, glomerulonefrite, ar- mas pode evoluir com insuficiência renal em 10% dos casos.
tralgia, mialgia e fadiga.
O tratamento depende se há doença de base associada.
Caso seja crioglobulinemia por vírus C, o tratamento com
interferon alfa peguilado isolado ou combinado com riba-
virina pode ser efetivo. Para pacientes com mononeurite
múltipla ou outras manifestações graves, podem ser usados
corticosteroides e ciclofosfamida. E a plasmaférese pode
ser indicada a casos gravíssimos.
b) Vasculite de hipersensibilidade
Também denominada Angiite Cutânea Leucocitoclástica
(ACL), a vasculite de hipersensibilidade é um tipo de vascu-
Figura 17 - Púrpura nos membros inferiores em paciente com PHS
lite confinada à pele e não associada a outras formas. Pode
ser precipitada por medicações e infecções, identificáveis
em 60% dos casos. No restante, não se encontra o fator de-
sencadeante.
Manifesta-se com lesões tipo púrpuras palpáveis, urti-
cária, eritema multiforme, vesículas, pústulas, úlceras su-
perficiais e necrose, que ocorrem em regiões preferenciais,
como membros inferiores e nádegas, sendo acompanhadas
de prurido. As lesões encontram-se no mesmo estágio de
evolução, devido à exposição simultânea ao antígeno.
Em razão da sua apresentação pleomórfica, pode mi-
metizar outros quadros vasculíticos. A biópsia de pele em
lesões ativas (<48h) confirma o diagnóstico pelo achado de
vasculite leucocitoclástica em vênulas pós-capilares. Podem
apresentar, na imunofluorescência indireta, depósito de Figura 18 - Púrpura localizada nas nádegas em paciente com PHS
imunoglobulinas e complemento.
Em casos em que o agente desencadeante pode ser A presença de púrpura palpável em menores de 20
identificado, sua remoção leva à resolução do quadro em anos, com angina abdominal, é altamente indicativa do
dias ou semanas. Alguns casos necessitam de anti-inflama- diagnóstico. À histologia, tem-se o achado de granulócitos

110
VASCULITES

nas paredes dos vasos com depósito de IgA. Apesar de ser


mediada por imunocomplexos, a PHS não provoca hipo-
complementenemia.
O tratamento inclui anti-inflamatórios não hormonais
para artralgias, dapsona e corticoides. Casos graves de glo-

REUMATOLOGIA
merulonefrite grave, com crescentes, podem ser tratados
com pulsoterapia de corticoide e altas doses de corticotera-
pia via oral, além de imunossupressores, como azatioprina
e ciclofosfamida.
d) Vasculite urticariforme ou urticária vasculite
A Vasculite Urticariforme (VU) é uma vasculite leuco-
citoclástica que se apresenta com prurido recorrente que
dura mais de 24 horas, com componente purpúrico associa-
do à queimação e prurido. Na maioria das vezes, associa-se Figura 20 - Ulceração em bolsa escrotal de paciente com doença
a doenças inflamatórias do tecido conjuntivo, como LES. Há de Behçet. Fonte: Primer
uma forma normocomplementêmica, um subtipo da vas-
culite de hipersensibilidade, autolimitada e benigna, e uma Lesões cutâneas são comuns e incluem eritema nodo-
forma hipocomplementêmica, frequentemente associada a so, pseudofoliculites, lesões papulopustulosas ou nódulos
doença inflamatória sistêmica. O tratamento inclui hidroxi- acneiformes.
cloroquina, dapsona e baixas doses de corticoide.
O teste da patergia positivo (uma resposta exacerbada
Um pequeno número de pessoas com VU hipocomple-
da pele ao trauma, resultante da hiper-reatividade dos neu-
mentêmica tem uma desordem grave, semelhante ao LES,
trófilos) é considerado altamente específico para DB. Para
com artralgia, febre e glomerulonefrite, além de angioede- reproduzir o teste, uma agulha estéril é inserida perpendi-
ma: é a síndrome de vasculite urticariforme hipocomple- cularmente na pele e no subcutâneo, na região anterior do
mentêmica, associada a autoanticorpos contra C1q. Pode, antebraço. Após 48 horas, aparece um eritema ou pústu-
ainda, provocar uveíte e doença pulmonar obstrutiva grave. la (>2mm de diâmetro) nos locais onde ocorreu o trauma,
considerando o teste positivo.
6. Miscelânea Inflamação ocular, tipicamente, ocorre após as manifes-
tações mucocutâneas. Os sintomas podem aparecer após
A - Doença de Behçet anos, em geral são progressivos com curso crônico e recor-
rente, podendo afetar ambos os olhos. O achado ocular na
A Doença de Behçet (DB) é uma doença vascular in- DB é uveíte com hipópio (Figura 21). Além da uveíte ante-
flamatória crônica de etiologia desconhecida. Ocorre em rior, é possível que ocorram pan-uveíte, envolvimento da
todo o mundo, com prevalência mais elevada em países do câmara posterior e vasculites.
Mediterrâneo, Oriente Médio e Ásia. Acomete, principal-
mente, adultos jovens, com idade entre 25 e 30 anos. Envolvimento de grandes vasos, tanto no território ve-
As aftas orais são, usualmente, os primeiros sintomas. noso como arterial, é comum, sendo a maior causa de mor-
Geralmente são discretas, dolorosas e podem estar presen- bimortalidade. Trombose venosa profunda é a complicação
vascular mais comum. Podem, ainda, ocorrer trombose de
tes na língua, gengiva e palato (Figura 19). Úlceras genitais
veia cava, síndrome de Budd-Chiari, trombose venosa ce-
podem ocorrer na vulva, vagina, escroto e pênis (Figura 20),
rebral e varizes de esôfago. Lesões arteriais podem ocorrer
e também podem estar presentes as perianais.
na circulação sistêmica e no leito arterial pulmonar. Podem
existir estenoses, oclusões e aneurismas.
Doença do sistema nervoso central pode manifestar-se
como AIT, meningite asséptica e tromboses. Sintomas gas-
trintestinais incluem melena e dor abdominal decorrentes
de úlceras no íleo e ceco. As lesões gastrintestinais têm ten-
dência a perfuração e sangramento. Outras manifestações
clínicas da DB são artrites, glomerulonefrite e epididimite
(raro).
Reagentes de fase aguda podem estar aumentados, es-
pecialmente em pacientes com vasculite de grandes vasos.
Dosagem do complemento, fator reumatoide e crioglobuli-
Figura 19 - Aftas orais em paciente com DB. Fonte: Primer. nas são normais ou negativos.

111
REUMATO LOG I A

nal. Muitas vezes, associa-se o fenômeno de Raynaud a cãi-


bras musculares, geralmente nos arcos dos pés ou nas per-
nas, mas raramente nas mãos, braços ou coxas. À medida
que a obstrução se torna mais grave, a dor é mais intensa e
persistente. Por outro lado, é característico o aparecimento
precoce de úlceras, gangrena ou ambas simultaneamente.
A mão ou o pé tornam-se frios, existe uma sudação ex-
cessiva, e se tornam de cor azulada, provavelmente porque
os nervos reagem à dor intensa e persistente.
b) Diagnóstico
Em mais de 50% dos casos, o pulso está fraco ou au-
sente em 1 ou mais artérias dos pés ou dos pulsos. Com
frequência, as mãos, os pés e os dedos das mãos ou dos
Figura 21 - Hipópio: observar a formação de nível líquido. Fonte: pés tornam-se pálidos quando se elevam acima da altura
Primer do coração e vermelhos quando se baixam. Podem, assim,
aparecer úlceras na pele e gangrena em 1 ou mais dedos da
O diagnóstico da DB em pacientes com história de aftas mão ou do pé. A ecografia Doppler revela uma grave dimi-
requer a presença de lesões características e a exclusão de nuição da pressão do sangue e do fluxo sanguíneo nos pés,
outras desordens sistêmicas que possam estar associadas a nas mãos e nos dedos afetados. E as angiografias (radio-
envolvimento mucocutâneo. São doenças que podem apre- grafias das artérias) mostram artérias obstruídas e outras
sentar lesões semelhantes: herpes-simples, doença infla- anomalias da circulação, sobretudo nas mãos e nos pés.
matória intestinal, HIV.
c) Tratamento
As lesões aftosas são tratadas com corticoide tópico ou
dapsona. Colchicina é usada no tratamento de manifesta- A pessoa com esta doença deve deixar de fumar, caso
ções mucocutâneas, e talidomida e metotrexato também po- contrário o quadro se agravará, culminando em uma am-
dem ser utilizados nesse tipo de acometimento. Azatioprina putação. Também deve ser evitada a exposição ao frio; as
e ciclosporina têm sido utilizadas no envolvimento ocular. lesões por calor ou frio, ou substâncias como o iodo ou os
Clorambucila ou ciclofosfamida podem ser usados em casos ácidos usados para tratar calos e calosidades; as lesões pro-
oculares incontroláveis, doença do sistema nervoso central e vocadas pelo calçado mais apertado ou por uma pequena
vasculites. E os corticoides são úteis na supressão da inflama- cirurgia (por exemplo, alisar as calosidades); as infecções
ção na fase aguda da doença, principalmente no envolvimen- provocadas por fungos e por fármacos que podem levar a
to ocular e do sistema nervoso central. uma constrição dos vasos sanguíneos (vasoconstritores).
Aconselha-se caminhar entre 15 e 30 minutos, 2 vezes
B - Doença de Buerger (tromboangeíte obliterante) por dia, exceto em casos de gangrena, Chagas ou dor em
repouso, as quais, pelo contrário, podem necessitar de re-
A doença de Buerger, também conhecida como trombo- pouso na cama. Os pés devem ser protegidos com palmilhas
angeíte obliterante, compreende a obstrução das artérias e adequadas. A cabeceira da cama pode ser elevada, para que
das veias de pequeno e de médio calibre e decorre de uma a gravidade facilite o fluxo de sangue pelas artérias. Os mé-
inflamação causada pelo tabagismo. dicos podem prescrever pentoxifilina, antagonistas do cálcio
A doença costuma ser mais predominante em homens ou inibidores plaquetários como a aspirina, especialmente
de 20 a 40 anos – cerca de 5 % são mulheres. Embora a cau- quando a obstrução é a consequência de um espasmo.
sa seja desconhecida, só os tabagistas a contraem e estão Nas pessoas que deixam de fumar, mas que ainda têm
sujeitos a agravamento do quadro, caso não parem com o oclusão arterial, os cirurgiões podem melhorar o fluxo san-
hábito: o como e o porquê de o tabagismo ser a causa do guíneo cortando certos nervos próximos para evitar o es-
problema continua a ser uma incógnita. pasmo das artérias. São raros os casos que evoluem para
a) Sintomas uma cirurgia de derivação (bypass) com enxertos – as arté-
rias afetadas, normalmente, são muito pequenas.
Os sintomas decorrentes de uma redução no forneci-
mento de sangue aos braços ou às pernas aparecem de for-
C - Doença de Kawasaki
ma gradual; iniciam-se nas cabeças dos dedos das mãos ou
dos pés e progridem pelos braços ou pelas pernas, até que, A doença de Kawasaki, também conhecida como síndro-
finalmente, causam gangrena. Cerca de 40% das pessoas me linfonodo-mucocutâneo, é uma doença aguda, febril,
com a doença também têm episódios de inflamação nas exantemática e de etiologia desconhecida. Predomina no
veias, particularmente as veias superficiais e as artérias dos sexo masculino e em crianças menores de 5 anos e consiste
pés ou das pernas. Notam-se frio, entorpecimento, formi- numa arterite necrosante de pequenas e médias artérias,
gamento ou ardor antes que se observe qualquer outro si- na maioria das vezes, autolimitada.

112
VASCULITES

a) Diagnóstico - Fator de von Willebrand elevado.


- As principais características são utilizadas como crité-
Tabela 12 - Critérios para o diagnóstico, segundo o Comitê Japonês rios diagnósticos.
da Doença de Kawasaki
b) Tratamento
- Febre alta de início abrupto presente por 5 ou mais dias;

REUMATOLOGIA
O tratamento consiste no emprego de:
- Conjuntivas oculares hiperemiadas;
- Alterações da cavidade oral incluindo eritema, secura, mucosa e - Anti-inflamatórios;
orofaringe hiperemiada; - Gamaglobulina intravenosa – a utilização na fase agu-
- Alterações nas extremidades distais dos membros, incluindo ru- da reduz o risco de aneurisma coronariano;
bor e edema endurado das mãos e dos pés e descamação pe-
riungueal;
- Medidas vasodilatadoras;
- Exantema eritematoso polimorfo (morbiliforme, escarlatinifor- - Trombolíticos e anticoagulantes.
me, maculopapular, eritema marginado), propagando-se das
extremidades para o tronco. Dura cerca de 1 semana;
- Aumento não supurado dos linfonodos cervicais.

O diagnóstico exige 5 dentre os 6 critérios anteriores. O


início agudo e a evolução em surtos sugerem uma etiologia
infecciosa.
As manifestações clínicas estão relacionadas ao com-
prometimento multissistêmico, e as complicações mais
graves são cardiovasculares, principalmente com o apareci-
mento de aneurismas. A morte pode ocorrer por trombose
coronária com infarto do miocárdio ou por doença vascular
oclusiva. Laboratorialmente, observam-se:
- Aumento da velocidade de hemossedimentação (VHS);
- Leucocitose;
- Trombocitose caracteristicamente a partir da 2ª sema- Figura 22 - Doença de Kawasaki: arteriografia evidenciando aneu-
rismas e oclusões
na de doença;

7. Resumo
Quadro-resumo
- Vasculites: doenças inflamatórias que afetam a parede vascular, causando rotura ou oclusão dos vasos afetados;
- Classificação: podem ser primárias ou secundárias;
- Vasculites de grandes vasos: arterite de Takayasu, arterite de células gigantes;
- Vasculites predominantemente de médios vasos: poliarterite nodosa, doença de Kawasaki, tromboangeíte obliterante;
- Vasculites predominantemente de pequenos vasos: vasculites associadas ao ANCA (granulomatose de Wegener, poliangeíte micros-
cópica, síndrome de Churg-Strauss), vasculite urticariforme, vasculite de hipersensibilidade, púrpura de Henoch-Schönlein, crioglobu-
linemia;
- Arterite de Takayasu (“doença sem pulso”): afeta aorta e seus ramos primários (estreitamentos e aneurismas);
- Arterite de células gigantes (“arterite temporal”): afeta ramos extracranianos das artérias carótidas, com risco de amaurose definitiva
por neuropatia óptica isquêmica;
- Poliarterite nodosa: acomete artérias de pequeno e médio calibre. Sintomas constitucionais marcantes. Predileção por pele, nervos
periféricos, rins, trato gastrintestinal e trato genital. Poupa os pulmões e é associada à hepatite B;
- Poliangeíte microscópica: vasos arteriais e venosos de pequeno e médio calibre. Principal causa de síndrome pulmão-rim. Hemorragia
alveolar, glomerulonefrite, mononeurite multiplex, púrpuras. Associada ao p-ANCA;
- Granulomatose de Wegener: vasculite granulomatosa de trato respiratório superior e inferior, com ou sem glomerulonefrite. Asso-
ciada ao c-ANCA;
- Síndrome de Churg-Strauss: vasculite granulomatosa de vasos pequenos e médios. Tríade clássica: asma, eosinofilia e vasculite sistêmica.
Presença de rinite alérgica/polipose nasal, doença obstrutiva de vias aéreas, eosinofilia, infiltrados pulmonares, neuropatia periférica e
glomerulonefrite. Associada ao p-ANCA;
- Crioglobulinemia: vasculite de pequenos e médios vasos associada à presença de crioglobulinas circulantes. Predileção por pele, arti-
culações, sistema nervoso periférico e rins. Associada à infecção crônica pelo vírus da hepatite C;

113
REUMATO LOG I A

- Púrpura de Henoch-Schönlein: vasculite sistêmica que predomina em crianças, caracterizada pela tétrade de púrpura palpável, artrite,
dor abdominal e glomerulonefrite;
- Doença de Behçet: vasculite sistêmica caracterizada pela presença de aftose oral e genital recorrente, acometimento cutâneo, aco-
metimento ocular e patergia;
- Doença de Buerger (tromboangeíte obliterante): obstrução das artérias e das veias de pequeno e de médio calibre e é decorrente de
uma inflamação causada pelo tabagismo;
- Doença de Kawasaki: doença aguda, febril, exantemática e etiologia desconhecida.
Sexo
Vasculite sistêmica Faixa etária Características clínicas predominantes
M:F
Febre, perda ponderal, livedo reticularis, monopolineuropatia, hi-
PAN (Poliarterite nodosa) 40 a 60 2:1
pertensão arterial
GW (Granulomatose de Wegener) 30 a 50 1:1 Sinusite, úlcera oral, hemoptise, nódulos pulmonares, nefrite
Asma severa, eczema atópico, monopolineuropatia, infiltrado pul-
SCS (Síndrome de Churg-Strauss) 40 a 60 2:1
monar, eosinofilia
Às vezes associada a outras vasculites e drogas, púrpura palpável,
Vasculite leucocitoclástica 30 a 50 1:1
eritema maculopapular, ulceração cutânea
Púrpura palpável, eritema maculopapular, ulceração cutâneas em
PHS (Púrpura de Henoch-Schönlein) 5 a 20 1:1 MMII e nádegas, dor abdominal, diarreia sanguinolenta, nefrite com
deposição de IgA
Dor temporal, claudicação de mandíbula, fraqueza muscular em cin-
ACG (Arterite de Células Gigantes) 60 a 75 1:3
tura escapular e pélvica, visão dupla, amaurose
Úlceras orais e/ou genitais, pseudofoliculite, uveíte, tromboflebite,
DB (Doença de Behçet) 20 a 35 1:1
artrite

114
CAPÍTULO

11
Síndrome de Sjögren
Rodrigo Antônio Brandão Neto / Ana Cristina de Medeiros Ribeiro
Aleksander Snioka Prokopowistch / Hérica Cristiani Barra de Souza

1. Introdução Especula-se que o contato com um agente ambiental (por


exemplo, um vírus) pode desencadear uma cascata de even-
A Síndrome de Sjögren (SS) é uma doença autoimune tos em hospedeiros geneticamente suscetíveis, resultando
sistêmica cujos alvos inflamatórios são as glândulas exócri- no desenvolvimento da SS. Um grande número de vírus pa-
nas, principalmente as glândulas salivares e lacrimais, ou rece estar envolvido no acometimento das glândulas saliva-
seja, trata-se de uma exocrinopatia. Promove uma reação res: Epstein-Barr, citomegalovírus, herpes-vírus humano e
inflamatória que causa destruição dos tecidos ou prejudica retrovírus. Pela maior incidência da SS em mulheres, tem-se
seu funcionamento adequado, levando à redução na produ- postulado que fatores hormonais estejam envolvidos na pa-
ção de saliva e lágrimas. togênese da doença.
A síndrome seca ou sicca é o achado característico da A interação de tais fatores provoca inflamação em te-
doença, com sensação de boca e olhos secos. Outros com- cidos glandulares exócrinos, onde se acumulam, principal-
ponentes epiteliais do corpo também podem estar envol- mente, células mononucleares como linfócitos T, alguns lin-
vidos, incluindo glândulas exócrinas na pele e os sistemas fócitos B, macrófagos e mastócitos. Interações entre essas
urogenital, respiratório e gastrintestinal. Outras manifes- células resultam em produção de citoquinas, estimulação,
tações autoimunes incluem sinovite, neuropatia, vasculite, proliferação e diferenciação de células B que quando ati-
presença de autoanticorpos, particularmente FAN (fator an- vadas produzem imunoglobulinas, levando à presença dos
tinúcleo), anticorpos anti-SSA/Ro, anti-SSB/La e fator reu- autoanticorpos como o fator reumatoide, anticorpos anti-
matoide. nucleares (FAN), anticorpos anti-SSA/Ro e anti-SSB/La, além
A SS pode ser primária, quando acomete indivíduos sem uma ativação policlonal, que leva à hipergamaglobulinemia
outras doenças inflamatórias sistêmicas, ou secundária, característica da doença.
quando coexiste com outras doenças autoimunes, como
artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico, esclerose
sistêmica, polimiosite e tireoidite autoimune. Dentre estas, 4. Quadro clínico
a artrite reumatoide está mais comumente associada. Os principais achados na SS são os sintomas de secura
oral (xerostomia) e ocular (xeroftalmia).
2. Epidemiologia
A - Manifestações oculares
No Brasil, não há uma base de dados confiável sobre o
exato número de portadores da SS. A média de idade é após A infiltração linfocitária da glândula lacrimal pode resul-
os 40 anos, e a relação entre mulheres e homens é de 15:1. tar na redução da produção de lágrimas e na alteração na
Devido à sua apresentação insidiosa, o diagnóstico pode ser composição destas, o que acarreta dano ao epitélio corneal
retardado por vários anos. e conjuntival, uma condição conhecida como ceratoconjun-
tivite seca. O quadro ocular pode evoluir com complicações
como úlcera de córnea, conjuntivite bacteriana e infecções,
3. Etiopatogenia que requerem contínua avaliação oftalmológica. O pacien-
A causa ou as causas específicas da SS não são conheci- te queixa-se de secura nos olhos, “sensação de areia” ou
das, mas múltiplos fatores provavelmente estão envolvidos, “corpo estranho”, queimação, visão borrada e fotossensibi-
dentre os quais fatores genéticos, ambientais e hormonais. lidade.

115
REUMATO LOG I A

B - Manifestações orais ção de acometimento semelhante ao da artrite reu-


matoide, em pequenas articulações. Mialgias e dores
Os sintomas orais mais comuns na SS incluem sensação musculares difusas (tipo fibromialgia) também são co-
de diminuição na produção de saliva, secura oral, necessi- muns. Manifestações musculoesqueléticas da doença
dade de ingerir líquidos para mastigar alimentos secos, que de base (artrite erosiva na AR, miosite) acontecem na
colam no céu da boca, alteração do paladar e intolerância a SS secundária;
alimentos apimentados.
- Neurológicas: pode ocorrer neuropatia periférica, com
Ao exame físico, os pacientes podem apresentar cáries, quadros de mononeurite múltipla e neuropatia distal
úlceras orais, mucosa eritematosa, atrofia de papilas gusta- “em luva ou bota”, associadas à vasculite. Pode ocor-
tivas, candidíase oral de repetição (Figura 1). O comprome- rer, também, acometimento do sistema nervoso cen-
timento inflamatório agudo das glândulas parótidas pode tral, com desmielinização semelhante à da esclerose
ser visualizado pelo aumento dessas glândulas, geralmente múltipla;
bilateral e em surtos de inflamação.
- Hematológicas: a complicação mais importante na SS
é malignidade de linhagem linfoide, geralmente linfo-
ma não Hodgkin. O aparecimento de gânglios reativos
é mais frequente, e deve ser descartada a possibilida-
de de malignidade nessas situações;
- Geniturinárias: secura vaginal pode provocar dor, dis-
pareunia, prurido e candidíase vaginal de repetição.
Irritação uretral não é incomum. Alterações renais
incluem redução na concentração urinária, acidose
tubular renal, nefrocalcinose e, menos comumente,
nefrite intersticial e doença glomerular. Geralmente, a
doença glomerular é uma glomerulonefrite membra-
nosa pela deposição de imunocomplexos, com protei-
núria. Já a glomerulonefrite proliferativa é incomum,
Figura 1 - Mucosa oral apresentando ressecamento, coloração eri- mas possível, sobretudo quando há crioglobulinemia;
tematosa e lesões cariosas cervicais. Foto gentilmente cedida por - Gastrintestinais:o paciente pode apresentar disfa-
Cristiane Alencar gia esofágica e/ou faríngea e esofagite de refluxo. O
pâncreas pode ser atingido por infiltração linfocitária,
C - Outras manifestações podendo provocar má absorção pela falta de suco
pancreático ou mesmo pancreatite linfocitária aguda.
- Cutâneas: pele seca, pela deficiência na produção do Pode haver hepatite autoimune ou cirrose biliar pri-
componente aquoso do suor, pode ocorrer em metade mária associadas. A infiltração linfocitária na mucosa
dos pacientes, com prurido cutâneo devido ao resseca- gástrica pode provocar gastrite atrófica e anemia e, no
mento. Isso pode levar a liquenização e pigmentação intestino, síndrome de má absorção;
da pele. Púrpuras palpáveis e não palpáveis podem - Outras: pode ocorrer pseudolinfoma com infiltração
decorrer de vasculite leucocitoclástica, geralmente as- benigna de linfonodos e estruturas não glandulares.
sociada a hipergamaglobulinemia, crioglobulinemia e Há evolução para linfoma em menos de 5% dos pacien-
elevação dos imunocomplexos circulantes; tes com SS, na maioria não Hodgkin de células B.
- Respiratórias: o comprometimento da mucosa nasal
pode provocar secura e dor, prurido e sangramentos
de repetição, além de diminuição do olfato. Secura nos 5. Achados laboratoriais
seios da face predispõe a sinusites agudas e crônicas. O fator reumatoide e os anticorpos antinucleares (FAN)
A secura e o infiltrado inflamatório traqueobrônquicos estão presentes em, respectivamente, 90 e 80% dos casos,
podem provocar, respectivamente, tosse não produ- e os autoanticorpos anti-SSA/Ro e anti-SSB/La, em cerca de
tiva e quadro típico de doença pulmonar obstrutiva 60% das vezes. O 1º é mais frequentemente encontrado em
crônica. O tecido pulmonar pode ser infiltrado por casos de SS primária ou associada ao lúpus, e o último é
linfócitos, com diferentes manifestações: bronquiolite mais específico para SS primária. Todos esses autoanticor-
folicular, pneumonite intersticial linfocítica, alveolite pos são importantes ao diagnóstico.
fibrosante, fibrose intersticial com restrição, vasculite Metade dos pacientes apresenta hipergamaglobuline-
pulmonar e pleurite; mia, geralmente policlonal. Alguns apresentam gamopatia
- Musculoesqueléticas: a SS pode provocar artralgia e monoclonal benigna, geralmente do tipo kappa. A velocida-
artrite periférica, simétrica, não erosiva, com distribui- de de hemossedimentação costuma estar elevada.

116
SÍNDROME DE SJÖGREN

Anemia, leucopenia, trombocitopenia, hipocompletene- - Cintilografia de glândulas salivares: pode demonstrar


mia, imunocomplexos circulantes e crioglobulinemia (geral- hipocaptação ou hipoexcreção do radiofármaco pelas
mente mista tipo II com fator reumatoide IgM kappa) podem glândulas salivares;
ocorrer e se associam a manifestações extra-articulares. - Fluxometria de saliva: avalia a produção salivar obser-
vando-se o peso da saliva produzida em determinado

REUMATOLOGIA
6. Outros exames período.
Outro achado importante, também relacionado à xeros-
Para o diagnóstico de SS primária ou secundária, é preci-
tomia e que também é um critério diagnóstico, é o estudo
so que alguma evidência concreta de xeroftalmia e/ou xeros-
anatomopatológico de glândulas salivares menores, pela
tomia seja observada, além da queixa do paciente. Pode-se
biópsia interna no lábio inferior, buscando-se focos de infla-
obter o diagnóstico pela mensuração da produção lacrimal
mação no tecido salivar.
pelo teste de Schirmer, pela avaliação da estabilidade do fil-
me lacrimal (break-up time) ou pela quantificação do dano
ao epitélio corneano através do teste de Rosa Bengala, mais 7. Diagnóstico
específico que o teste de Schirmer no diagnóstico da SS. Vários critérios já foram formulados para o diagnóstico
e a classificação da SS. Os mais comumente usados incluem
A - Testes confirmatórios de xeroftalmia dados de sintomas, achados objetivos de síndrome seca e
- Teste de Schirmer: é feito através da introdução de sorologia autoimune (Tabela 1).
papel de filtro com 30mm de comprimento no saco
Tabela 1 - Critérios para classificação da síndrome de Sjögren
conjuntival na porção lateral da conjuntiva inferior.
Mantêm-se os olhos do paciente fechados por 5 mi- 1 - Sintomas oculares – xeroftalmia
nutos, então se remove o papel, anotando o compri- Resposta positiva para, pelo menos, 1 das 3 questões:
mento da área umedecida. O comprimento <5mm é 1 - Você tem olho seco, diária e persistentemente, por, pelo
anormal (Figura 2A); menos, 3 meses?
2 - Você tem sensação de areia nos olhos?
- Break-up time: colocam-se 2,5mL de solução de flu- 3 - Você faz uso de lágrima artificial mais de 3 vezes ao dia?
oresceína a 1% no fórnice inferior de cada olho, e
2 - Evidência objetiva de xeroftalmia
pede-se para o paciente piscar. Com o microscópio de
Evidência concreta de envolvimento ocular baseado em resulta-
lâmpada de fenda, avaliam-se o intervalo de tempo da
do positivo de, pelo menos, 1 dos seguintes testes:
última piscada e o aparecimento de áreas escuras não
1 - Teste de Schirmer (<5mm em 5 minutos).
fluorescentes e, assim, a integridade do filme lacrimal. 2 - Score do Rosa Bengala 3 a 4.
As áreas escuras correspondem às de perda da integri-
3 - Sintomas orais – xerostomia
dade do filme;
Resposta positiva para, pelo menos, 1 das 3 questões:
- Rosa Bengala: avalia-se a alteração anatômica do epi- 1 - Você tem sensação de boca seca, diariamente, há mais de 3
télio da córnea, causada pela redução da secreção e da meses?
produção de mucina pela superfície ocular. Instila-se 2 - Você tem inchaço de glândulas salivares, recorrente ou per-
solução de anilina a 1% que impregna no epitélio des- sistente, enquanto adulto?
vitalizado (Figura 2B). O olho é avaliado em 4 diferen- 3 - Você frequentemente ingere líquidos para facilitar a degluti-
tes quadrantes, e é feito um score de desvitalização. ção, principalmente de alimentos sólidos?
4 - Evidência objetiva de xerostomia
Evidência concreta de envolvimento da glândula salivar baseada
em resultado positivo de, pelo menos, 1 dos seguintes testes:
1 - Cintilografia da glândula salivar.
2 - Sialografia de parótida.
3 - Fluxo salivar não estimulado (<1,5mL em 15 minutos).
5 - Alterações histopatológicas
- Focal na biópsia de glândulas salivares menores (foco definido
Figura 2 - (A) Teste de Schirmer e (B) Rosa Bengala como aglomerado de, pelo menos, 50 células mononucleares;
score focal definido como número de focos por 4mm2 de teci-
do glandular).
B - Testes de xerostomia
6 - Autoanticorpos
- Sialografia de parótidas: exame de radiologia contras- Presença de, pelo menos, 1 dos seguintes autoanticorpos séri-
tada das parótidas visando observar a anatomia dos cos:
ductos salivares. As alterações encontradas podem ser 1 - Anti-Ro/SSA.
deformidades grosseiras do padrão arborizado normal 2 - La/SSB.
e dilatação ductal (sialectasia);

117
REUMATO LOG I A

O diagnóstico de SS primária é feito na presença de 4 Hipertrofia de glândula salivar


dos 6 critérios, desde que o critério histopatológico ou os - Infecção viral (EBV, CMV, coxsackie A,
autoanticorpos sejam um deles, e na exclusão dos seguin- caxumba);
tes: linfoma preexistente, síndrome da imunodeficiência - Síndrome de Sjögren;
adquirida (AIDS), sarcoidose ou doença enxerto contra hos- - Amiloidose;
pedeiro, história de radiação de cabeça e pescoço, hepati-
- Doença granulomatosa (sarcoidose,
te C, uso de agentes anticolinérgicos ou de outras doenças tuberculose);
Usualmente bilateral
inflamatórias sistêmicas do tecido conjuntivo, às quais a SS
- Infecção por HIV;
pode ser secundária.
- Hiperlipidemia;
Se houve uma doença inflamatória sistêmica do tecido
conjuntivo, o diagnóstico de SS pode ser obtido na presença - Cirrose e alcoolismo;
de 1 dos critérios clínicos da síndrome seca (I ou II) e mais 2 - Acromegalia;
de qualquer um dos outros critérios de III a V. - Anorexia.
É necessário estabelecer o diagnóstico diferencial com Fonte: UpToDate, 2011.
desordens não autoimunes ou síndromes de sobreposição,
doenças infecciosas ou processos neoplásicos. 8. Tratamento
Tabela 2 - Diagnóstico diferencial Ressalte-se que o diagnóstico e a intervenção precoces
Manifestação clínica Exemplos podem alterar o curso da doença. O tipo de tratamento
varia conforme o grau e o tipo de comprometimento. O
Secura ocular paciente deve sempre ser assistido por cirurgião dentista,
- Hipovitaminose A; reumatologista e oftalmologista.
- Penfigoide ocular;
Deficiência de mucina A - Educação do paciente e cuidados próprios
- Queimaduras químicas;
- Síndrome de Stevens-Johnson.
Deve-se deixar o paciente a par da doença e do trata-
mento de possíveis complicações, além de evitar o uso de
Anormalidades dos medicamentos que possam exacerbar os sintomas de secu-
- Blefarites.
lipídios oculares
ra (agentes tricíclicos, diuréticos) e abandonar o tabagismo.
- Disfunção do V par craniano;
Epiteliopatia corneana
- Uso de lentes de contato. B - Tratamento farmacológico e manifestações
Secura bucal
sistêmicas
- Antidepressivos; A pilocarpina é um agente agonista muscarínico que
aumenta a secreção de saliva e lágrimas e de outras glân-
- Anti-histamínicos;
dulas em algum grau, como sudoríparas, gastrintestinais,
Drogas - Anticolinérgicos; pancreáticas e respiratórias. É usada por via oral e tem
- Diuréticos; efeitos adversos comuns, como transpiração excessiva, ca-
- Neurolépticos. lor e vermelhidão, aumento da motilidade intestinal e da
bexiga. Se o número de receptores das glândulas salivares
Psicogênica - Ansiedade. estiver muito diminuído pela inflamação e/ou fibrose ou se
- Síndrome de Sjögren; anticorpos antirreceptores muscarínicos (anti-M3R) estive-
- Amiloidose; rem presentes, a resposta pode não ser satisfatória. Outro
agente utilizado como secretagogo é a cevimelina, um deri-
Doenças sistêmicas - Sarcoidose;
vado da acetilcolina que se liga a receptores muscarínicos.
- Infecção pelo HIV; Na glândula salivar são encontrados receptores M1 e M3 e,
- Diabetes mellitus descompensado; geralmente, cevimelina age seletivamente nos receptores
- Desidratação. M1 e M3, levando à melhora da xerostomia e da ceratocon-
juntivite seca. Pode ser utilizada na dose de 15mg ou 30mg
Hipertrofia de glândula salivar
3x/dia. Efeitos adversos como náuseas, sudorese e dor ab-
- Infecção bacteriana; dominal podem ocorrer.
- Sialadenite crônica; O uso dos ácidos graxos essenciais em apresentação
Usualmente unilateral - Obstrução; oral na forma de cápsulas de óleo de linhaça, por sua ativi-
dade anti-inflamatória, é considerado uma alternativa para
- Neoplasia primária (adenoma, adeno- o tratamento de pacientes com olho seco.
carcinoma, linfoma etc.).
Os anti-inflamatórios não hormonais podem ser usados

118
SÍNDROME DE SJÖGREN

para artralgias inflamatórias e artrite, assim como corticoi- tes lubrificantes, como gel ou pastas. Deve-se beber água
des em doses baixas e antimaláricos. Manifestações sistê- com frequência, mas em pequenas quantidades para evitar
micas como vasculite e dermatite e o comprometimento poliúria, hiponatremia e polidipsia. Candidíase oral é uma
ocular grave podem ser tratados com corticosteroides sis- complicação comum, e podem ser usados clotrimazol ou
têmicos e várias drogas imunossupressoras, como metotre- nistatina. A presença de queilite angular pode requerer o

REUMATOLOGIA
xato, azatioprina, ciclosporina, ciclofosfamida, micofenola- uso de agentes antifúngicos. E secretagogos, como a pilo-
to de mofetila etc. A hidroxicloroquina é um antimalárico carpina, podem ajudar.
utilizado no tratamento de várias doenças reumatológicas
Tabela 4 - Tratamento tópico da xerostomia
e indicado na SS para o tratamento das manifestações mus-
culoesqueléticas constitucionais, lesões cutâneas e como Tratamento tópico Nome comercial
droga de base. Saliva artificial Salivan®
Existem perspectivas do uso de agentes biológicos, sobre- Chicletes sem açúcar com
Chicletes Valda®
tudo com ação antilinfócito B, como o rituximabe. Há relatos xilitol
na literatura de seu uso na SS, mas sem grandes evidências de Pastas ou verniz com libe-
Perioxidin®
melhora dos sintomas de secura (xerostomia e xeroftalmia). ração lenta de xilitol
Entretanto, manifestações sistêmicas como fadiga, sinovi- Colutórios clorexidina
Periogard®, Noplak®, Colgate®
te, artralgia, vasculite por crioglobulinemia e manifestações (antibacteriano)
neurológicas, renais e pulmonares parecem ter boa resposta
ao tratamento com esse medicamento. Em decorrência do E - Outras securas de mucosas
tratamento, os níveis de Fator Reumatoide (FR) caem, mas
Lubrificantes à base de água podem ser usados para
não dos autoanticorpos anti-Ro e anti-La. Casos associados a
secura nasal e/ou vaginal. Pode-se apresentar candidíase
linfoma não Hodgkin responderam bem. vaginal recorrente, sendo necessário tratamento com nista-
Manifestações graves como mielite transversa, neuro- tina ou, em caso de muitas recorrências, antifúngicos orais
patia periférica, glomerulonefrite, vasculites graves, encefa- e/ou tratamento tópico profilático. Umidificadores de ar e
lopatia e mielopatia, quando presentes na SSp, podem ser broncodilatadores podem melhorar a tosse seca reativa.
tratadas com ciclofosfamida em pulsoterapia, esteroides,
plasmaférese, gamaglobulina hiperimune e rituximabe.
Atenção especial é destinada para a acidose tubular re- 9. Resumo
nal. Nesse caso, devem-se usar drogas alcalinizadoras a fim Quadro-resumo
de reduzir a acidose.
- SS: doença autoimune inflamatória sistêmica que tem como alvo
principal as glândulas de secreção exócrina;
Tabela 3 - Drogas usadas no tratamento da síndrome seca
- Classificação: pode ser primária ou secundária (associada a outra
Nome farmacológico Nome comercial
doença do conectivo);
Ciclosporina tópica 0,05% Restasis®
- Principais manifestações clínicas: xeroftalmia e xerostomia (sín-
Pilocarpina Salagen® drome sicca), pele seca, artrite periférica não erosiva, Raynaud,
Cevimelina Evoxac® envolvimento pulmonar, vasculite/púrpura, mononeurite múlti-
Cápsulas de ômega 3 pla, alterações renais;
- Pode se associar: à cirrose biliar primária e a maior risco de desen-
C - Acometimento ocular (ceratoconjuntivite seca) volvimento de linfomas;
- Principais alterações laboratoriais: FAN e FR frequentemente po-
O tratamento para os olhos secos inclui lágrimas arti- sitivos, associação à presença de anti-Ro e anti-La, hipergamaglo-
ficiais à base de celulose e medicamentos sistêmicos. Há bulinemia, VHS elevada;
evidências de que o uso de corticoide e ciclosporina tópicos
- Testes confirmatórios de xeroftalmia: Schirmer, Rosa Bengala,
traz benefício no tratamento da SS. A pilocarpina sistêmica break-up time;
pode melhorar os sintomas oculares.
- Testes para função das glândulas salivares: sialografia de paróti-
Em casos refratários, plugs são colocados no canal na- das, fluxometria salivar, cintilografia de glândulas salivares;
solacrimal, com o intuito de diminuir a drenagem e man-
- Tratamento: colírios lubrificantes, agentes secretagogos (pilocar-
ter a lágrima (ou lubrificante) por mais tempo na superfície
pina, cevimelina), corticoides sistêmicos/anti-inflamatórios não
ocular. hormonais, cloroquina, imunossupressores.

D - Acometimento oral (xerostomia)


Cuidados dentários são importantes nos pacientes com
SS, e o uso de flúor é fundamental (3 vezes ao ano). Balas
ou gomas de mascar sem açúcar podem estimular o fluxo
salivar. Podem ser utilizados substitutos da saliva e agen-

119
REUMATO LOG I A

CAPÍTULO

12
Lúpus eritematoso sistêmico
Rodrigo Antônio Brandão Neto / Ana Cristina de Medeiros Ribeiro
Aleksander Snioka Prokopowistch / Hérica Cristiani Barra de Souza

1. Definição nes relacionados à apoptose e ao clearance de imunocom-


plexos.
O Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) é uma doença infla-
matória crônica, multissistêmica, de causa desconhecida e na- b) Ambientais
tureza autoimune, na qual ocorre lesão mediada por autoan- A exposição à radiação ultravioleta, tanto UVA como
ticorpos e complexos imunes contra órgãos, tecidos e células. UVB pode acelerar ou desencadear surtos da doença, prin-
cipalmente os quadros cutâneos, mas também, mais rara-
2. Epidemiologia mente, quadros sistêmicos.

Pode acometer indivíduos de ambos os sexos, em to- c) Hormonais


das as idades e todos os grupos étnicos, mas predomina em O predomínio em mulheres de idade reprodutiva sugere
mulheres no período fértil, iniciando-se geralmente por vol- que os hormônios femininos estejam envolvidos na pato-
ta dos 20 ou 30 anos. A relação mulher:homem é de 9:1. A gênese do LES. As pacientes podem iniciar ou exacerbar o
prevalência é maior em negros. quadro de LES durante ou logo após a gestação. Pacientes
com quadro renal grave têm piora com uso de anticoncep-
3. Etiopatogenia cionais contendo estrógenos.

A causa do LES é desconhecida. Acredita-se que um pro- d) Infecciosos


cesso multifatorial seja responsável pela doença. As intera- Alguns agentes infecciosos como o vírus Epstein-Barr
ções entre genes suscetíveis e fatores ambientais levariam a podem servir de gatilho imunológico e iniciar resposta imu-
respostas imunológicas inapropriadas, com hiper-reativida- ne anormal em indivíduos geneticamente predispostos.
de de células B e T e falência do circuito imunorregulatório.
e) Drogas
A patogenia do LES está associada à presença de auto-
anticorpos e à formação de imunocomplexos circulantes e Alguns medicamentos são capazes de induzir um qua-
locais. No LES, inúmeros grupos de autoanticorpos são diri- dro semelhante em alguns achados ao LES, chamado lúpus
gidos contra complexos proteicos, DNA, RNA, membranas induzido por droga. Essa doença é clínica e sorologicamente
celulares e moléculas intracelulares. A ligação entre antíge- diferente do lúpus idiopático.
nos próprios e autoanticorpos formaria imunocomplexos Tabela 1 - Fatores envolvidos na etiopatogenia do LES
patogênicos sobre estruturas fixas ou circulantes, capazes
Genéticos Ex.: HLA-DR (2 e 3).
de se depositar sobre várias paredes endoteliais. Os imu-
nocomplexos que fixam complemento são responsáveis por Hidralazina, procainamida, minociclina, lí-
Drogas
lesões teciduais no LE por iniciarem agressão tecidual onde tio, fenitoína, carbamazepina.
estão depositados. Luz Ultravioleta (UVA e UVB).
Entre os fatores associados à etiologia do LES, podemos EBV, CMV, retrovírus, parvovírus B19, por
Infecções virais
citar: exemplo.
a) Genéticos Hormônios Prolactina, estrógenos, por exemplo.

A suscetibilidade para o LES é complexa e depende de Químicos e metais


Sílica e mercúrio, por exemplo.
múltiplos genes, como alguns alelos do HLA-DR (2 e 3), ge- pesados

120
L Ú P U S E R I T E M AT O S O S I S T Ê M I C O

4. Manifestações clínicas
Tabela 2 - Frequência das principais manifestações clínicas no LES
Manifestação clínica (%)

REUMATOLOGIA
Artrite 72 a 94
Alopecia 52 a 80
Rash cutâneo 74 a 90
Fotossensibilidade 10 a 62
Rash malar 37 a 90
Úlceras orais 30 a 61
Febre 74 a 91
Neuropsiquiátrica 19 a 63
Renal 35 a 73
Cardíaca 10 a 29
Pleuropulmonar 9 a 54
Fonte: ABC of Rheumatology.

O LES pode acometer vários sistemas, com gravidade va-


riável. A maior parte dos doentes apresenta crises com pe-
ríodos de atividade intercalados com períodos de remissão,
mas muitos apresentam atividade contínua. Poucos man-
têm remissão prolongada. O uso contínuo de antimaláricos
reduz o número de surtos de atividade.
Sintomas inespecíficos, como fadiga, mialgias, artral-
gias, leve queda de cabelo, febre, prostração e emagreci-
mento costumam estar presentes no início da doença e
acompanhando os surtos de atividade.
a) Manifestações articulares/musculares Figura 2 - Radiografia de mãos e pés em paciente com LES e ar-
Setenta e seis a 100% dos pacientes com LES têm poliar- tropatia de Jaccoud. Fonte: Imaging in Rheumatology, 2003
tralgia ou poliartrite intermitente, principalmente em mãos
(interfalangianas proximais e metacarpofalangianas), punhos Dores localizadas e persistentes em uma única articula-
e joelhos, sem lesões erosivas, diferentemente da artrite reu- ção, como joelho ou quadril, levam à suspeita de necrose
matoide. Os surtos repetidos de atividade articular podem asséptica, uma complicação associada ao LES propriamen-
te, mas também ao uso de corticoide e síndrome do anti-
provocar frouxidão ligamentar, de cápsula articular e de ten-
corpo antifosfolípide (SAF). Quadros de monoartrite devem
dões, com subluxações não fixas das articulações, que são
incluir artrite séptica no diagnóstico diferencial, sobretudo
redutíveis, sem destruição articular (imagem raio x), o que é
quando o paciente está imunossuprimido.
conhecido como articulação de Jaccoud. Deformidades ocor-
A miosite com fraqueza muscular e elevação da CPK
rem em apenas 10% dos casos (Figura 1).
pode ocorrer, apesar de infrequente. Síndromes de super-
posição de doenças (LES associado a dermato e/ou polimio-
site), ou miopatia por corticoide ou antimaláricos estão no
diagnóstico diferencial.
b) Manifestações mucocutâneas
Entre 80 e 90% dos pacientes têm manifestações cuta-
neomucosas e elas incluem 4 dos 11 critérios do ACR para
Figura 1 - LES: deformidade fixa no 5º quirodáctilo “em pescoço de LES: fotossensibilidade, rash malar ou em asa de borbole-
cisne”, semelhante à artrite reumatoide (o dedo permanece defor- ta, lúpus discoide e úlceras oronasais. As lesões podem ser
mado) e não fixo (articulação de Jaccoud) das metacarpofalangia- agudas, subagudas e crônicas.
nas (na parte A, estão luxadas, com desvio palmar, mas voltam à Lesões agudas podem ser eritematosas, bolhosas
posição normal na parte B) (Figura 3) ou maculares, quase sempre em áreas fotoexpos-

121
REUMATO LOG I A

tas e fotossensíveis (Figura 4). Costumam ser superficiais


e evoluem sem deixar sequelas. O rash malar é clássico
(Figura 5), e se caracteriza por uma lesão eritematosa e
descamativa, localizada na região malar e sobre o nariz, po-
dendo ocorrer na testa e no mento, mas poupando o sulco
nasolabial.
Lúpus cutâneo subagudo (Figura 6) apresenta lesões in-
termediárias entre lesões agudas e crônicas. São pápulas
eritematosas ou pequenas placas, de aspecto anular, que
podem confluir em grandes regiões. São simétricas, com
localização em áreas fotoexpostas, como ombros, pescoço,
tórax superior e antebraços.
Figura 6 - Lúpus cutâneo subagudo: lesões no antebraço, com as-
pecto infiltrativo, anulares e marginadas

Lesões crônicas de LES incluem o lúpus discoide, o lúpus


túmido e o lúpus profundo. O lúpus discoide se apresen-
ta como pápulas ou placas eritematosas, espessadas, com
áreas de hipo ou hiperpigmentação e atrofia central, que
permanecem mesmo com o controle da doença. Quando a
lesão está ativa, as bordas ficam eritematosas e endureci-
das. Acomete comumente áreas fotoexpostas na face, ore-
lhas externas, região retroauricular e couro cabeludo, mas
podem ocorrer em outras partes do corpo. A cicatriz atrófi-
Figura 3 - LES bolhoso ca no couro cabeludo leva a zonas de alopecia irreversível.
O lúpus discoide pode ocorrer isoladamente, sem ou-
tros achados sistêmicos de LES e na ausência de autoan-
ticorpos. A lesão inicial do lúpus discoide pode acumular
mucina e se apresentar umedecida e eritematosa, carac-
terizando o lúpus túmido. O lúpus profundo ou paniculite
lúpica é menos comum e acomete a derme profunda e a
gordura subcutânea, com formação de nódulos. A superfí-
cie fica intacta, mas a aderência aos planos profundos pode
provocar depressões. Alopecia no LES pode ser difusa ou
localizada, reversível ou permanente.
As úlceras orais e/ou nasais costumam acometer palato
duro, língua e mucosa jugal ou nasal (Figura 7). Na maioria
das vezes são indolores.
Figura 4 - Eritema macular difuso com fotossensibilidade Lesões cutâneas podem ocorrer por vasculite, levando à
urticária, púrpura palpável, úlceras digitais ou pápulas eri-
tematosas nas palmas e dedos das mãos (Figura 8).

Figura 5 - Eritema fotossensível na face de paciente lúpica, que


compromete regiões malares e dorso do nariz (lesão “em asa de
borboleta”), mas também fronte e mento, poupando o sulco naso-
labial. Fonte: ABC of Rheumatology

122
L Ú P U S E R I T E M AT O S O S I S T Ê M I C O

REUMATOLOGIA
Figura 7 - (A) Erosões no palato e (B) úlcera oral em paciente com
LES. Fonte: Rheumatology in Practice Figura 8 - Vasculite palmar

Tabela 3 - Principais manifestações mucocutâneas do LES c) Manifestações renais


- Eritematosas, bolhosas ou maculares; O comprometimento renal é frequente no LES e ocorre
em metade a 2/3 dos pacientes. É um fator de mau prog-
- Quase sempre em áreas fotoexpostas e fotossen-
síveis; nóstico. Pode provocar nefrite com alteração do sedimento
Lesões
agudas urinário com hematúria microscópica e leucocitúria, perda
- Superficiais e não deixam sequelas;
de função renal, hipertensão e proteinúria, que pode ser
- Achado clássico: rash malar e sobre o nariz que nefrótica.
poupa o suco nasolabial.
Em biópsias renais, o tipo histológico é importante para
Lúpus cutâ- o diagnóstico, pois permite selecionar a melhor terapia
- Pápulas eritematosas ou pequenas placas, de as-
neo suba- e também avaliar os índices de atividade e cronicidade.
pecto anular, simétricas, em áreas fotoexpostas.
gudo
Entretanto, a biópsia renal nem sempre está indicada, ex-
- Lúpus discoide: pápulas ou placas eritematosas, ceto em situações de mudanças de tratamento, como in-
espessadas, com áreas de hipo ou hiperpigmen- definição diagnóstica, suspeita de alto grau de cronicidade,
tação e atrofia central, geralmente em áreas fo-
achados clínicos incompatíveis ou no retratamento.
toexpostas. Pode ocorrer isoladamente, na au-
sência de LES; A atual classificação para nefrite lúpica foi revisada
Lesões
(Tabela 4). As formas mesangiais (classes I e II) são de bom
crônicas - Lúpus túmido: lúpus discoide umedecido e erite-
matoso pelo acúmulo de mucina;
prognóstico. Pode se manifestar com hematúria microscó-
pica sem alteração de função renal, sem queda de comple-
- Lúpus profundo ou paniculite lúpica: nódulos
mento ou positivação do anti-DNA. As classes proliferativas,
dérmicos e subcutâneos profundos, com aderên-
cias que provocam depressões. sobretudo a difusa (classe IV), são graves e provocam he-
matúria microscópica, hipertensão, perda de função renal
- Alopecia;
e proteinúria, que pode ser nefrótica. Elas estão associadas
- Úlceras orais e/ou nasais no palato duro, língua e à positivação do anti-DNA e queda do complemento. A for-
mucosa jugal ou nasal;
Outros ma membranosa é responsável por quadros de proteinúria
- Outras: vasculites se manifestando como urticá- com síndrome nefrótica e pode provocar perda de função
ria, púrpura palpável, úlceras digitais ou pápulas renal, geralmente hemodinâmica (pela diminuição do volu-
eritema tosas nas palmas e dedos das mãos.
me circulante).

Tabela 4 - Classificação da nefrite lúpica e seus achados clínicos e laboratoriais


Classe Nomenclatura Achados clínicos Laboratório Tratamento
Nefrite lúpica mesan-
I - - -
gial mínima.
Pode não ter ne-
Proteinúria discreta. Pode necessitar de corticoide oral em doses
Nefrite lúpica prolife- nhum sintoma;
II Hematúria discreta. moderadas a baixas (<20mg/dia de predni-
rativa mesangial. ocasionalmente,
Creatinina normal. sona).
hipertensão.

123
REUMATO LOG I A

Se evoluir com aumento de creatinina e sedi-


mento ativo, pode necessitar de pulso de cor-
Nefrite lúpica prolife- ticoide (1g/dia de metilprednisolona por 3 dias
rativa focal; Proteinúria; consecutivos), com indução de ciclofosfamida
III A – lesões ativas; Pode haver hiper- Hematúria; (0,5 a 1mg/m2 de superfície corpórea) mensal
III A/C – lesões ativas tensão, síndrome Creatinina normal ou por 6 meses e manutenção com azatioprina (2 a
III
e crônicas; nefrítica ou mesmo aumentada; 3mg/kg/dia) ou micofenolato de mofetila (dose
III C – lesões crônicas nefrótica. Complemento baixo; ótima 3g/dia). Também pode ser feita indução
inativas com cicatri- anti-DNA dupla fita (+). com micofenolato de mofetila. Corticoide VO
zes. em doses altas (1mg/kg/dia de prednisona)
deve ser iniciado após pulso, com doses decres-
centes a partir do 3º mês de tratamento.
Nefrite lúpica prolife-
Necessita de pulso de corticoide (1g/dia de
rativa difusa;
metilprednisolona por 3 dias consecutivos),
III A – lesões ativas;
Presença de hiper- Proteinúria (pode ser com indução de ciclofosfamida (0,5 a 1mg/
III A/C - lesões ativas
tensão, edema, nefrótica); m2) mensal por 6 meses e manutenção com
e crônicas;
pode haver oligúria, Hematúria; ciclofosfamida (0,5 a 1mg/m2) bimensal por 12
III C – lesões crônicas
IV síndrome nefrítica, Creatinina elevada; meses. Corticoide VO em doses altas (1mg/kg/
inativas com cicatri-
nefrótica ou glome- Complemento baixo; dia de prednisona) deve ser iniciado após pulso,
zes;
rulonefrite rapida- Anti-DNA dupla fita com doses decrescentes a partir do 3º mês de
Cada um dos subti-
mente progressiva. (++++). tratamento. Dependendo da rapidez da respos-
pos pode ainda ser
ta, novas doses de pulsoterapia com corticoide
dividido em segmen-
intravenoso podem ser necessárias.
tar (S) ou global (G).
Corticoides em pulsoterapia intravenosa ou
em doses orais, dependendo da gravidade, o
que também determina o uso de imunossu-
pressores como ciclofosfamida, azatioprina e
micofenolato de mofetila, usados nas doses
Proteinúria nefrótica;
previamente descritas. Quadros nefróticos
Nefrite lúpica mem- Aumento de creatinina,
V Síndrome nefrótica. com perda de função renal podem necessitar
branosa. geralmente hemodinâ-
de um esquema inicialmente semelhante ao
mico.
tratamento dos quadros proliferativos, com
corticoide intravenoso em pulsoterapia e
indução com ciclofosfamida. A glomerulone-
frite membranosa tem um tempo de respos-
ta mais lento que a proliferativa.

A nefrite lúpica tende a ser uma doença contínua, com d) Manifestações hematológicas
surtos que requerem novo tratamento durante muitos Quaisquer dos componentes celulares do sangue pode
anos. Constituem fatores de pior prognóstico: cor negra, ser atingido no LES, levando a citopenias. O hemograma é
início da nefrite em idade jovem, proteinúria nefrótica, alto exame fundamental para diagnóstico e seguimento de pa-
índice de cronicidade, doença renal intersticial, hipertensão cientes lúpicos, pois as citopenias também podem ocorrer
arterial, formação de crescentes, hipocomplementenemia como complicações pelo uso de drogas (metotrexato, aza-
e anemia (Tabela 5). tioprina, ciclofosfamida). Anemia ocorre em até 80% dos
pacientes. Anemia normocítica e normocrômica é a mais
Tabela 5 - Fatores de mau prognóstico em pacientes com nefrite
lúpica, independentes da classificação frequente, refletindo doença crônica. Também pode ocor-
rer anemia por deficiência de ferro ou insuficiência renal.
Achados de anam- Achados de biópsia Achados de labo-
Mas o quadro mais dramático, que só ocorre em 10% dos
nese ratório
casos, é o da anemia hemolítica autoimune, de rápida ins-
- Alto índice de croni- - Proteinúria
- Cor negra; talação, com hiperbilirrubinemia indireta, reticulocitose,
cidade; nefrótica;
aumento de desidrogenase lática (DHL), teste de Coombs
- Início da nefrite em - Doença renal inters- - Hipocomple- direto e consumo de haptoglobina, requerendo terapia com
idade jovem; ticial; mentenemia;
corticoide em altas doses.
- Hipertensão arte- - Formação de cres- A leucopenia também é comum, mas dificilmente atinge
- Anemia.
rial. centes. valores muito baixos (<1.000/mm3). Quase sempre ocorre

124
L Ú P U S E R I T E M AT O S O S I S T Ê M I C O

por linfopenia, sem necessidade de tratamento (a menos do SNC, investigação com tomografia ou ressonância e co-
que a linfopenia atinja valores <600/mm3 por tempo pro- leta de liquor são importantes para afastar comorbidades,
longado). Mais raramente, pode ocorrer granulocitopenia. sobretudo infecciosas. O liquor pode apresentar aumento
A plaquetopenia crônica também é comum e pode atin- da celularidade e das proteínas, mas na maioria dos casos
gir valores muito baixos, com risco de sangramento espon- é normal.

REUMATOLOGIA
tâneo grave quando valores menores que 20.000/mm3 são
atingidos (Figuras 9A e B). Tabela 6 - Principais manifestações do LES no SNC e no SNP

SNC
- Meningite asséptica;
- Doença cerebrovascular;
- Síndrome desmielinizante;
- Cefaleia (incluindo migrânea e hipertensão intracraniana be-
nigna);
- Desordens do movimento (incluindo coreia);
- Mielopatia;
- Convulsão;
- Estado confusional agudo;
- Distúrbios de ansiedade;
- Disfunção cognitiva;
- Distúrbios de humor;
- Psicose.
SNP
- Polirradiculoneuropatia desmielinizante inflamatória aguda
(Guillain-Barré);
- Disfunção autonômica;
- Mononeuropatia (isolada ou multiplex);
- Miastenia gravis;
- Neuropatia de nervos cranianos;
Figura 9 - LES com manifestação de sangramento cutâneo (A – pe-
- Plexopatia;
téquias nos membros inferiores) e mucoso (B – petéquias palati-
nas) por plaquetopenia grave - Polineuropatia.

Tabela 7 - Manifestações neuropsiquiátricas atribuíveis ao LES


e) Manifestações neuropsiquiátricas
- Deficiência orgânica cognitiva;
Cerca de 2/3 dos pacientes lúpicos têm algum tipo de
manifestação neuropsiquiátrica. Podem ocorrer síndromes - Estado confusional agudo;
neurológicas centrais, periféricas, autonômicas ou psiquiá- - Psicose;
tricas, embora apenas as convulsões e a psicose sejam con- - Cefaleias;
siderados critérios diagnósticos. - Convulsões;
A manifestação central mais comum é a deficiência or- - Coma;
gânica cognitiva, principalmente com dificuldades de me- - Pseudotumor cerebral;
mória, atenção e argumentação. Pode também ocorrer
- Meningite;
estado confusional agudo, que se instala em um curto perí-
odo de tempo, com flutuações de consciência e atenção ao - Encefalite por vasculite de SNC;
longo do dia. A psicose pode ser a manifestação dominante - Mielite transversa;
e deve ser distinguida da psicose induzida por corticoide, - Mononeurite múltipla;
que ocorre normalmente nas primeiras semanas de terapia - Polineuropatia periférica.
com corticoide em doses altas (>40mg de prednisona ou
equivalente) e melhora após vários dias da diminuição ou f) Manifestações vasculares
suspensão da medicação. Aterosclerose acelerada é uma importante causa de
Podem ocorrer ainda cefaleias, crises convulsivas, coma, morbimortalidade em lúpicos. Ela ocorre mais prematura-
pseudotumor cerebral, meningite, encefalite por vasculite mente e pode ser independente dos fatores de risco tradi-
de SNC (Figura 10), mielite transversa, mononeurite múlti- cionais, estando associada à doença em si. Outros fatores
pla e polineuropatia periférica. Em casos de acometimento como idade avançada, hipertensão, dislipidemia, presença

125
REUMATO LOG I A

de anticorpo antifosfolípide (SAF) e uso de corticoide em g) Manifestações cardíacas


doses elevadas aumentam o risco de eventos trombóti- A pericardite é a manifestação cardíaca mais frequente.
cos. A ocorrência de Acidente Isquêmico Transitório (AIT), Pode ser assintomática ou se manifestar com dor que piora
Acidente Vascular Encefálico (AVE) e Infarto Agudo do
à inspiração e a manobras de Valsalva e pode vir acompa-
Miocárdio (IAM) está aumentada e tem maior mortalidade
nhada de pleurite. Derrame pericárdico é comum, peque-
em lúpicos que em populações não lúpicas pareadas.
no ou moderado. Pericardite constritiva e tamponamento
pericárdico são raros. O ECG pode mostrar supradesnivela-
mento difuso do segmento ST e no raio x pode haver alar-
gamento de área cardíaca, mas o melhor exame é o ecocar-
diograma. A pericardite costuma responder bem à terapia
anti-inflamatória e doses moderadas de corticoide;
A miocardite é incomum e pode se manifestar com fe-
bre, dispneia, palpitações, arritmias, anormalidades de
condução ou insuficiência cardíaca. Comprometimento en-
docárdico pode ocorrer por várias razões, incluindo endo-
cardite bacteriana em imunossuprimidos e a endocardite
asséptica fibrinosa de Libman-Sacks (Figura 12), também
denominada de endocardite marântica. O envolvimento
endocárdico pode conduzir à insuficiência valvar, geralmen-
Figura 10 - Ressonância magnética cerebral com imagens de com-
te da válvula mitral ou aórtica ou por evento trombótico
prometimento agudo por vasculite nas regiões occipitoparietais; a (lembrar da associação com SAF). Arterite coronária é rara
paciente mostrou remissão das lesões, sem sequelas, com a tera- e geralmente coexiste com aterosclerose.
pêutica instituída

Figura 12 - Vegetação em paciente com LES e endocardite de


Libman-Sacks. Fonte: UpToDate, 2011

h) Manifestações pulmonares
As manifestações pulmonares são comuns, mas ra-
ramente com risco de vida. A forma mais comum de aco-
metimento é a pleurite com ou sem derrame pleural. Os
derrames pleurais geralmente são bilaterais e de pequeno
volume (Figura 13). Pode ocorrer dor pleurítica e atrito pe-
ricárdico ou o derrame pode ser mais volumoso. O derrame
tem características exsudativas, com aumento de proteína,
glicose normal, celularidade <10.000 e baixo nível de com-
plemento. A pleurite pode ser controlada com anti-infla-
matórios e corticoides em doses moderadas por períodos
Figura 11 - Áreas de microinfartos cerebrais em paciente com LES, curtos. Se o derrame for unilateral, ou predominantemente
traduzindo uma vasculite de pequenos vasos. Fonte: Imaging in unilateral, ou houver algum indício de infecção como febre,
Rheumatology deverá ser puncionado.

126
L Ú P U S E R I T E M AT O S O S I S T Ê M I C O

i) Manifestações gastrintestinais
Manifestações gastrintestinais são incomuns. Dentre
elas, destacam-se: peritonite autoimune, que pode ser con-
fundida com abdome agudo cirúrgico; pancreatite autoimu-
ne, gastroparesia e vasculite intestinal, que pode provocar

REUMATOLOGIA
perfurações, isquemia, hemorragia intestinal e choque sép-
tico. Toxicidade hepática por drogas é comum, ao contrário
da hepatite crônica ativa associada ao LES.
j) Manifestações oculares
A síndrome de Sjögren secundária e ceratites e conjunti-
vites inespecíficas são comuns no LES, mas raramente ame-
açam a visão. Ao contrário, a vasculite de retina e a neu-
rite óptica são manifestações graves, podendo determinar
amaurose em dias.
Figura 13 - Derrame pleural bilateral, mais volumoso à esquerda
em paciente com LES. Fonte: Imaging in Rheumatology
5. Avaliação laboratorial
O acometimento do parênquima pulmonar é mais raro O seguimento laboratorial permite estabelecer o diag-
e pode incluir: nóstico, monitorização de um novo surto e identificação
- Pneumonite intersticial crônica, com alveolite (infiltrado dos efeitos colaterais do tratamento.
em vidro fosco) ou infiltrado reticulonodular (semelhan-
te a outras colagenoses com miopatias inflamatórias); A - Pesquisa de autoanticorpos
- Pneumonite lúpica aguda, com quadro de febre, tosse, Tabela 8 - Padrões de IFI observados em imprint de fígado de ca-
dispneia e infiltrados ao raio x, que são de difícil dife- mundongo ou cortes de tecido de roedores e possíveis antígenos
renciação radiológica de um quadro infeccioso e 50% envolvidos e associações clínicas
dos pacientes com derrame pleural;
Possível antíge-
- Hemorragia alveolar difusa, decorrente de pneumoni- Padrão de IFI
no envolvido
Possível associação clínica
te, com queda do hematócrito e infiltrados difusos, in-
LES, LES induzido por dro-
suficiência respiratória, com ou sem hemoptise e alta gas, artrite juvenil idiopá-
mortalidade (de 50%); Periférico e tica, síndrome de Felty,
- Embolia pulmonar; homogêneo
DNA nativo
esclerose sistêmica, cirrose
- Shrinking lung syndrome ou síndrome do encolhimen- biliar primária, hepatite au-
to pulmonar (Figura 14): diminuição de volume pulmo- toimune.
nar, possivelmente devido à miopatia do diafragma, LES, LES induzido por dro-
mas a fisiopatologia não é realmente conhecida; gas, artrite juvenil idiopá-
- Bronquiolite obliterante com pneumonia em organiza- Homogêneo DNA nativo
tica, síndrome de Felty,
esclerose sistêmica, cirrose
ção (BOOP);
biliar primária, hepatite au-
- Hipertensão pulmonar: rara, geralmente com prova toimune.
de função pulmonar contendo difusão bem baixa com
Síndrome de Sjögren, LES,
pouco ou nenhum distúrbio restritivo associado. Pode SS-A/Ro e/ou LES neonatal, LES cutâneo,
ocorrer por microembolia pulmonar, associada à SAF. Pontilhado fino
SS-B/La AR, miosite e esclerose sis-
têmica, polimiosite.
Pontilhado LES, DMTC, esclerose sistê-
Sm e/ou RNP
grosso mica.
Esclerose sistêmica, poli-
Antígenos nucle-
Nucleolar miosite/ES, polimiosite/
olares
dermatomiosite.
LES: Lúpus Eritematoso Sistêmico; AR: Artrite Reumatoide; DMTC:
Doença Mista do Tecido Conectivo; CBP: Cirrose Biliar Primária.
Fonte: 3º Congresso Brasileiro do FAN, 2009.

Na avaliação inicial do LES, tradicionalmente utiliza-se o


FAN (fator antinúcleo). Ele é positivo em 99% dos pacientes
Figura 14 - Shrinking lung syndrome em paciente com LES com LES não tratado. Testes negativos repetidos sugerem

127
REUMATO LOG I A

que o diagnóstico não seja LES. A presença de FAN positi- nofluorescência. O padrão pontilhado fino em baixos títulos
vo isolado não indica diagnóstico de LES, mas é um bom (<1/160) é o mais inespecífico e seu achado isolado na au-
teste de triagem pela sua alta sensibilidade. O FAN pode sência de manifestações sugestivas de LES pode confundir
ser positivo em uma série de condições autoimunes e não o diagnóstico, não devendo ser valorizado.
autoimunes (Tabela 9). Cerca de 20% das mulheres adultas Alguns autoanticorpos são importantes para o diagnós-
têm FAN positivo. tico de LES, pois são específicos: o anti-DNA de dupla hélice
ou dupla cadeia (anti-dsDNA), o anti-SM e o anti-P. Isto sig-
Tabela 9 - Possíveis interpretações de um FAN positivo nifica que sua positividade, em um contexto clínico compa-
- Associação evidente com uma condição autoimune; tível, indica fortemente o diagnóstico de LES. Destes, o anti-
-dsDNA e o anti-Sm são considerados critérios diagnósticos.
- Nenhuma associação evidente com uma condição autoimune:
Outros anticorpos são inespecíficos, podendo ocorrer em
· Incidentaloma?
outras colagenoses e mesmo em outras doenças, como o
· Autoanticorpos associados a doenças inflamatórias crônicas?
anti-ssDNA (anti-DNA de hélice simples), o anti-Ro, o anti-
· Distúrbio autoimune transitório?
-La, o anti-RNP, dentre outros.
* Infecção?
Anticorpos antifosfolípides também não são específicos
* Drogas?
de LES, apesar de preencherem um critério diagnóstico.
* Câncer?
Eles podem identificar pacientes com SAF (síndrome do an-
· Traço familiar de autoimunidade?
ticorpo antifosfolípide), com maior risco de evento trombó-
· Manifestação mínima de um espectro de condições autoimu-
tico. São 3 os anticorpos antifosfolípides: o anticoagulante
nes?
lúpico, os anticorpos anticardiolipina (IgG, IgM e, em situ-
· Manifestação precoce de uma doença autoimune incipiente?
ações especiais o IgA) e o antibeta-2-glicoproteína (IgG ou
Fonte: 3º Consenso Brasileiro do FAN, 2009.
IgM). Pacientes com SAF podem ter perdas gestacionais de
repetição.
O resultado do FAN é fornecido por meio de 2 variá- A presença de anti-Ro indica risco aumentado para lú-
veis: o título e o padrão de fluorescência. O título mostra a pus neonatal (com lesões cutâneas e bloqueio atrioventri-
mais alta diluição em que o soro ainda apresenta reativida- cular congênito) e associação com síndrome de Sjögren. O
de. No LES encontramos título de moderado a alto (1/160 anticorpo anti-Ro deve ser pesquisado nas mulheres lúpicas
a 1/1.640). O padrão de imunofluorescência determina gestantes. Sua presença requer monitorização da frequên-
contra quais estruturas celulares o FAN está direcionado e cia cardíaca fetal com intervenção precoce se ocorrer sofri-
isso pode sugerir alguns anticorpos específicos como res- mento.
ponsáveis pela positivação desse FAN. Anticitoplasma, an- O fator reumatoide (imunoglobulina IgM anti fração Fc
tinucléolo, anticentrômero e antiaparelho mitótico, padrão de IgG) pode ser positivo no LES, sem nenhuma implicação
homogêneo, pontilhado fino ou grosso são padrões de imu- prognóstica.

Tabela 10 - Associação e prevalência dos principais autoanticorpos no LES


Padrão de
Anticorpo Prevalência Associação Indicação
FAN
Específico de LES.
Por ser específico: pedir no diagnóstico.
Seus títulos se associam com glo-
Pela associação com nefrite proliferativa:
Anti-DNA de cadeia merulonefrite proliferativa: a ele-
70% Homogêneo solicitar periodicamente em pacientes
dupla (dsDNA) vação dos seus títulos se associa e
com glomerulonefrite proliferativa e anti-
pode até preceder atividade renal
-dsDNA positivo.
– é útil no seguimento.
Pontilhado Por ser específico: pedir no diagnóstico.
Anti-Sm (Smith) 25% Específico para LES.
grosso Sem indicação rotineira no seguimento.
Específico para LES. Por ser específico: pedir no diagnóstico.
Associa-se a depressão, psicose Pela associação com psicose e com nefri-
Pontilhado
e nefrite membranosa, podendo te membranosa: solicitar periodicamente
Anti-P ribossomal 20% fino, cito-
seus títulos estar associados e em pacientes com psicose lúpica e/ou
plasmático
antecederem atividade de psicose glomerulonefrite membranosa anti-P
e de nefrite membranosa. positivo.
Não é específico. Não ajuda no diagnóstico de LES.
Pontilhado Associa-se com lúpus neonatal + Sem indicação rotineira no seguimento.
Anti-Ro (SS-A) 30%
fino bloqueio atrioventricular e síndro- Indicado em lúpicas grávidas pelo risco de
me de Sjögren. lúpus neonatal e bloqueio atrioventricular.

128
L Ú P U S E R I T E M AT O S O S I S T Ê M I C O

Padrão
Anticorpo Prevalência Associação Indicação
de FAN
Não é específico.
Geralmente concomitante à pre-
Pontilhado Sem indicação rotineira no diagnóstico
Anti-La (SS-B) 10% sença de anti-Ro.

REUMATOLOGIA
fino ou no seguimento.
Associa-se com síndrome de
Sjögren.
Sem indicação rotineira no diagnóstico
Não é específico. ou no seguimento, mas pode ajudar no
Anti-histona 70% Homogêneo
Mais frequente no LES por droga. diagnóstico diferencial com lúpus induzi-
do por drogas.
Antifosfolípides: Indicação no diagnóstico para avaliar ris-
Não são específicos.
anticoagulante lúpico, co de SAF, em caso de manifestações de
50% Predisposição à trombose, abortos
anticardiolipina, e anti- SAF para fechar diagnóstico e em lúpicas
e plaquetopenia (SAF).
beta-2-glicoproteína que desejam engravidar.
Não é específico.
Pontilhado Sem indicação rotineira no diagnóstico
Anti-RNP 40% Títulos elevados na doença mista
grosso ou no seguimento.
do tecido conjuntivo.

B - Outros exames
Têm como objetivo avaliar o grau de envolvimento de órgãos-alvo nas crises e no acompanhamento do tratamento da
doença. Incluem hemograma completo, creatinina, eletroforese de proteínas, provas de fase aguda (VHS e PCR), urina do tipo
I, proteinúria de 24 horas, clearance de creatinina e dosagem de complemento. O nível sérico de complemento total (CH50 ou
CH100) e suas frações C3 e C4 costumam estar baixos durante atividade lúpica, sobretudo sistêmica, renal e de serosas. Não é
específico. Outras doenças, inclusive do diagnóstico diferencial do LES podem ter consumo de complemento, como hepatite C
e endocardite bacteriana.

Tabela 11 - Exames comumente solicitados para diagnóstico de LES e comprometimento de órgãos-alvo


- Alta sensibilidade: positivo em 99% dos pacientes com LES não tratado;
- Títulos repetidamente negativos afastam o diagnóstico;
- Títulos mais significativos se maiores que 1/320;
- FAN (fator antinúcleo)
- Baixa especificidade;
- Padrão pontilhado fino em baixos títulos (<1/160) é o mais inespecífico e seu achado iso-
lado na ausência de manifestações sugestivas de LES pode confundir o diagnóstico, não
devendo ser valorizado.
- Alta especificidade, mas baixa sensibilidade;
- Anti-DNA de dupla hélice ou dupla
cadeia (anti-dsDNA); - A positividade de um deles ajuda a fechar o diagnóstico com mais certeza, na presença de
- Anti-SM; quadro clínico compatível;
- Anti-P.
- O anti-dsDNA e o anti-P podem ter valor no seguimento (vide anteriormente).
- Mostra citopenias com anemia, leuco, linfo e plaquetopenia ao diagnóstico, ou no segui-
- Hemograma completo. mento, causadas pelo próprio LES ou como complicação do tratamento (toxicidade pelo
metotrexato, azatioprina, ciclofosfamida) etc.
- Teste de Coombs direto; Indicados na presença de anemia com ou sem outras penas para o diagnóstico diferen-
- Dosagem de bilirrubina indireta; cial de:
- Dosagem de desidrogenase lática - Anemia hemolítica: Coombs direto positivo, hiperbilirrubinemia indireta, aumento de
(DHL); desidrogenase lática (DHL), queda de haptoglobina, reticulocitose;
- Dosagem de haptoglobina; - Anemia de doença crônica: anemia normocrômica e normocítica com todos os exa-
- Contagem de reticulócitos; mes normais;
- Dosagem de ferro, vitamina B12 e - Anemia carencial: deficiência de ferro, ferritina baixa, ou deficiência de vitamina B12
ácido fólico. ou ácido fólico.
- Dosagem de creatinina; - Avaliar comprometimento renal;
- Urina do tipo I;
- Proteinúria de 24 horas clearance de - Na presença de aumento de creatinina ou alterações de urina 1, os demais exames
creatinina. devem ser solicitados.

129
REUMATO LOG I A

- Geralmente elevadas na vigência de sintomas sistêmicos, atividade articular ou se-


rosa;
- Provas de fase aguda (VHS e PCR)
- Elevadas na vigência de quadros infecciosos, que podem desencadear atividade, so-
bretudo em imunossuprimidos.
- Dosagem de complemento total (CH50 - Costumam estar baixos durante atividade lúpica, sobretudo sistêmica, renal e de se-
ou CH100) e suas frações C3 e C4 rosas. Não é específico.
- Raio x de tórax basal para observar derrames pleurais, cardiomegalia;
- Raio x de tórax - Se alterações ou queixas clínicas, pode ser preciso exames mais detalhados como TC
de tórax, ecocardiograma, ECG, enzimas cardíacas etc.
- Afastar comprometimento muscular e hepático. Na presença de alterações, pedir exa-
- CPK, transaminases
mes mais detalhados.
- Observar ausência de erosões ósseas, que ajudam no diagnóstico diferencial com AR,
- Raio x de mãos e pés
e outras artrites, já que a artrite do LES é não erosiva.
- Afastar essas doenças no diagnóstico diferencial de muitas manifestações (sintomas
- Sorologias virais contra HIV, hepatite
sistêmicos, citopenias, crioglobulinemia, vasculites) e afastar como comorbidades
C, hepatite B
que podem limitar o tratamento.

6. Diagnóstico e diagnóstico diferencial


O LES é uma doença com múltiplas apresentações; os critérios de classificação (Tabela 12) orientam o diagnóstico e a
suspeita clínica. A presença de 4 ou mais destes critérios tem sensibilidade e especificidade de 96%. Embora seja incomum,
podemos encontrar pacientes com LES sem apresentar 4 dos 11 critérios de classificação.

Tabela 12 - Critérios de classificação do lúpus eritematoso sistêmico


1. Eritema malar Eritema fixo, macular ou papular, sobre os malares, poupando o sulco nasolabial.
Lesão eritematosa elevada com plugs de queratina ou foliculares; cicatriz atrófica pode ocorrer
2. Lesão discoide
em lesões antigas.
Rash cutâneo resultante de reação anormal à luz solar (relatado pelo paciente ou observado
3. Fotossensibilidade
pelo médico).
4. Úlcera de mucosa oral ou nasal Ulcerações orais ou nasofaríngeas, geralmente indolores, observadas pelo médico.
Artrite não erosiva acometendo 2 ou mais articulações, caracterizada por dor, edema ou derra-
5. Artrite não erosiva
me articular.
- Pleurite: história de dor pleurítica ou atrito pleural auscultado por médico ou derrame pleu-
6. Serosite ral ou
- Pericardite: documentado por ECG, atrito pericárdico ou derrame pericárdico.
- Proteinúria persistente >500mg/24h ou
7. Comprometimento renal
- Cilindros celulares: podem ser hemáticos, de hemoglobina, granulares, tubulares ou mistos.
- Convulsão ou
8. Comprometimento neurológico - Psicose: qualquer um na ausência de drogas ou distúrbio metabólico, como uremia, cetoacido-
se ou desbalanço eletrolítico.
- Anemia hemolítica com reticulocitose ou
- Leucopenia <4.000/mm3 ou
9. Comprometimento hematológico
- Linfopenia <1.500/mm3 em 2 ou mais ocasiões ou
- Plaquetopenia <100.000/mm3, todos na ausência de drogas potenciais.
- Anti-dsDNA ou
- Anti-Sm ou
10. Comprometimento imunológico - Presença de anticorpo antifosfolípide: (1) anticardiolipina IgG ou IgM; (2) anticoagulante lúpico;
ou (3) teste falso positivo para sífilis (VDRL), obrigatoriamente sendo repetido em 6 meses e con-
firmado por teste treponêmico específico negativo. O tópico “presença de células LE” foi retirado
em 1997.
FAN positivo por imunofluorescência ou método equivalente na ausência de drogas sabidamen-
11. Anticorpo antinuclear positivo (FAN)
te associadas a lúpus induzido por droga.

130
L Ú P U S E R I T E M AT O S O S I S T Ê M I C O

Os principais diagnósticos diferenciais de LES são: artri- de exame oftalmológico regular, incluindo acuidade visual,
te reumatoide (artrite com FAN positivo), dermatomiosite lâmpada de fenda, teste de campo visual e fundoscopia,
(miosite, artrite, rash cutâneo), infecções virais crônicas normalmente a cada 6 a 12 meses. As mudanças iniciais
como hepatite C com crioglobulinemia (artrite, glomerulo- da retina são notados na mácula, com edema, aumento da
nefrite, vasculite de SNC, queda do complemento), hepatite pigmentação e perda do reflexo foveal à luz brilhante. Já

REUMATOLOGIA
B (vasculite), endocardite bacteriana (artrite, rash cutâneo, defeitos de campo visual são geralmente associados com al-
queda do complemento), entre outros. terações mais graves na retina, incluindo a palidez do disco
óptico e atrofia, atenuação das arteríolas retinianas, altera-
7. Tratamento ções pigmentares granulares da retina periférica, e proemi-
nentes padrões coroidais nos estágios mais avançados. O
Não há cura disponível para LES e remissões completas desenvolvimento da retinopatia é geralmente dependente
são raras. Portanto, o objetivo do tratamento consiste em
da dose e duração.
monitorar e evitar novas crises da doença, por meio de es-
Além dos efeitos terapêuticos dos antimaláricos nas ma-
tratégias para supressão dos sintomas em nível aceitável e
nifestações do LES, os efeitos benéficos têm sido relatados
prevenção de danos em órgãos-alvo. A estratégia terapêu-
no que diz respeito à melhora nos perfis de lipoproteínas.
tica deve levar em conta vários fatores: se o acometimento
Isto é particularmente importante em pacientes tratados
orgânico da crise envolve risco de vida ou lesão grave, se
com corticosteroides ou com síndrome nefrótica e hiperco-
as manifestações são potencialmente reversíveis, escolher
lesterolemia secundária. Outro benefício potencial é de an-
a melhor abordagem para prevenir complicações da doença
timaláricos na profilaxia contra eventos tromboembólicos.
e seu tratamento.
Nos casos de LES cutâneo, corticoides tópicos e anti-
O tratamento do LES envolve não só o tratamento me-
maláricos são efetivos na redução das lesões. Corticoide
dicamentoso, mas também orientações gerais e tratamento
das comorbidades. sistêmico está indicado em casos de dermatites extensas.
Nos quadros refratários, podem-se utilizar dapsona ou ta-
A - Orientações gerais lidomida. Doses moderadas de corticoide (<0,5mg/kg/dia
de prednisona ou equivalente) costumam ser efetivas no
Dieta rica em cálcio, atividade física regular, eliminar o tratamento de serosites.
tabagismo, tratamento da dislipidemia e hipertensão arte- Em casos de artralgia e artrite que não respondem,
rial sistêmica. Os pacientes com qualquer forma de acome- podem-se usar doses baixas de prednisona ou equivalente
timento cutâneo devem minimizar a exposição à luz ultra- e anti-inflamatórios. Em casos de artrite franca, crônica e
violeta, usando protetores solares e roupas com cobertura recorrente, uma boa opção é o metotrexato.
adequada. Quadros hematológicos como anemia hemolítica autoi-
mune e plaquetopenia grave (<50.000) são tratados com
B - Tratamento medicamentoso prednisona na dose de 1mg/kg/dia. Para manutenção do
Os AINEs são usados nos casos de artrite e manifesta- tratamento, usam-se imunossupressores como a azatio-
ções em partes moles. São normalmente utilizados para a prina (2 a 3mg/kg/dia) ou micofenolato de mofetila (dose
atividade leve antes que corticosteroides em baixa dose se- ótima 3g/dia). Pulsoterapia com metilprednisolona (1g/
jam iniciados, ou associados a antimaláricos. Combinados dia por 3 dias consecutivos) ou imunoglobulina intravenosa
com corticosteroides, em um esforço para minimizar a dose (2g/kg divididos em 2 ou 5 dias) podem ser utilizadas em ca-
de corticosteroides, ou para suprimir a atividade do lúpus, sos refratários, assim como o rituximabe, um imunobiológi-
quando corticosteroides em dias alternados são utilizados. co com ação antilinfócito B (anti-CD 20), na dose de 375g/
Portanto, suas principais indicações são: no tratamento sin- m2 de superfície corpórea/dose em 4 doses com intervalo
tomático de manifestações musculoesqueléticas, serosite de 1 semana entre cada uma. Outras opções para plaque-
leve e características sistêmicas tais como febre. topenia incluem danazol, plasmaférese e, se necessário,
Antimaláricos estão indicados em praticamente todos esplenectomia.
os casos de LES e frequentemente melhoram sintomas me- A pedra angular no tratamento do LES é o corticoide. Tem
nores como quadros cutâneos leves, artrite e a fadiga. O rápido início de ação, na resolução da inflamação e quadros
uso contínuo de agentes antimaláricos (cloroquina 250mg/ de atividade da doença. Ele normalmente é prescrito por via
dia ou hidroxicloroquina 400mg/dia), mesmo em pacien- oral em baixa, média (0,5mg/kg) ou doses elevadas (1mg/
tes fora de atividade, reduz a frequência de recidivas da kg), dependendo da manifestação alvo, em dose única ma-
doença. A toxicidade da ocular é responsável pela maior tinal ou fracionada (2 a 4x/dia). Podem ser necessário pul-
preocupação significativa no que diz respeito ao tratamen- sos de metilprednisolona 1g/dia por 3 dias consecutivos a
to antimalárico. Deposição destes agentes na melanina da depender da gravidade da manifestação. Minipulsos (500mg
camada epitelial pigmentar da retina pode danificar as has- por 3 dias) podem ser eficazes e com menos efeitos adversos
tes e cones. Lesão precoce geralmente é reversível, mas é, em casos selecionados, quando controlada a doença de base
na maioria das vezes, assintomática, por isso a necessidade e já introduzido um imunossupressor poupador de corticoi-

131
REUMATO LOG I A

de. Após controle da atividade, é necessária redução gradual quetopenia ou anemia graves), pulmonar (pneumonite) e
de dose da prednisona. A rapidez da redução varia significati- neurológico.
vamente e depende das manifestações iniciais da doença, da A azatioprina (2 a 3mg/kg/dia) permite a redução da
duração do tratamento com corticosteroides, da resposta da dose de manutenção do corticoide. É um análogo da purina
doença do paciente e da tolerância do paciente, bem como gerada pelo acréscimo de um grupo imidazol na 6-mercap-
da experiência médica individual. Normalmente não é redu- topurina (6-MP). Imunossupressor mais usado na prática
zida por mais de 25% por vez. como agente poupador de corticoide. O tratamento de ma-
Embora a interrupção total de corticoide seja uma meta nutenção com azatioprina, em doses de 1,5 a 2,5mg/kg/
desejada, muitos pacientes necessitam de manutenção dia parece estar associado com uma menor taxa de desen-
com dose baixa de corticosteroide (5 a 10 mg/dia) para evi- volvimento de formas graves da doença, tais como nefrite,
tar a recorrência. ou comprometimento do sistema nervoso central. Além
Monitoração de pressão arterial, colesterol, glicose, de seus efeitos sobre a medula óssea, pode causar hepa-
densidade óssea e da pressão ocular é uma importante totoxicidade, geralmente em doses superiores a 2,5mg/kg/
medida adjuvante na monitorização dos eventos adver- dia. Hipersensibilidade a drogas podem também resultar
sos destas drogas. A manutenção de um elevado índice de em uma hepatite aguda, com elevação das transaminases
suspeição para o desenvolvimento de outras toxicidades, e necrose hepatocelular e estase biliar na biópsia hepática.
incluindo ulceração gastrointestinal, necrose avascular, ate- Esta síndrome pode ser acompanhada de febre, dor abdo-
rosclerose e miopatia esteroide, também é importante no minal e uma erupção cutânea maculopapular. Os resultados
são geralmente reversíveis com a descontinuação da droga.
manejo de pacientes com corticosteroides.
Pancreatite tem sido relatada em pacientes com LES que re-
A maioria dos pacientes com um episódio de LES grave
ceberam azatioprina, mas sua ocorrência pode ter sido as-
requer muitos anos de terapia de manutenção com corti-
sociada com outras características da atividade da doença.
coide em baixa dose, que pode ser aumentada para preve-
Alguns relatos mostram risco aumentado de malignidade.
nir ou tratar novos surtos da doença. Tentativas frequentes
O micofenolato de mofetila (dose ótima de 3g/dia) é efe-
para reduzir o uso de corticoides são recomendadas, em
tivo em alguns pacientes com LES grave. É um inibidor re-
virtude dos efeitos colaterais.
versível da inosina monofosfato desidrogenase, que limita a
A ciclofosfamida é uma medicação com grande importân- síntese de purinas. Em geral, MMF é bem tolerado. Os efeitos
cia também em casos de LES grave, como vasculites, quadros adversos mais comuns são GI, infecções e hematológicas.
pulmonares com risco de vida e nefrite lúpica grave (biópsia O micofenolato e a azatioprina são utilizados na manu-
renal com classificação proliferativa III e IV e nas formas gra- tenção do tratamento (após indução com ciclofosfamida
ves da classe V), na forma de pulsoterapia IV (0,5 a 1mg/m2 intravenosa) de pacientes com LES renal e alguns estudos
de superfície corpórea), aplicada inicialmente a cada mês. já apontam o micofenolato de mofetila como droga usada
Imunoglobulina intravenosa (2g/kg divididos em 2 a 5 na indução de pacientes selecionados, com maior seguran-
dias) e plasmaférese podem ser utilizadas quando não hou- ça, sobretudo em relação ao risco infeccioso. São também
ver resposta ao tratamento convencional, sendo utilizada usados em casos de acometimento hematológico, seroso,
em casos especiais de acometimento hematológico (pla- muscular e cutâneo.

Tabela 13 - Terapias comumente usadas no tratamento de LES


Dose usual e via de admi- Principais efeitos
Tratamento Principais indicações
nistração colaterais
- Todos os casos, principalmente com quadro
Protetor solar Tópica - Dermatite de contato.
cutâneo e fotossensibilidade.
- Atrofia cutânea, dermatite,
Tópica - Quadro cutâneo leve. foliculite, infecção, hipopig-
mentação.
Sistêmico em dose baixa
- Quadros articulares refratários a antimalári-
(≤10mg/kg VO de predni-
cos e anti-inflamatórios.
sona ou equivalente) - Infecção, hipertensão, hiper-
Corticoterapia - Quadros cutâneos mais extensos, mas não glicemia, hipocalemia, acne,
Dose moderada (<0,5mg/
com risco de vida; ansiedade, necrose asséptica
kg VO de prednisona)
- Serosites. óssea, Cushing secundário,
Pulsoterapia IV (metilpred- pele friável, insônia, osteopo-
nisolona 1g/dia por 3 dias - Esquema de ataque para qualquer manifes- rose, psicose.
consecutivos), seguida por tação grave de lesão de órgão-alvo ou com
doses altas de corticoide risco de vida.
VO (prednisona 1mg/kg)

132
L Ú P U S E R I T E M AT O S O S I S T Ê M I C O

Dose usual e via de Principais efeitos


Tratamento Principais indicações
administração colaterais
- Lesão de retina, agranulocito-
- Praticamente todos os casos de LES, pois reduz se, anemia aplástica, ataxia,
Antimaláricos: 400mg/dia
a frequência de recidivas da doença; cardiomiopatia, tontura, mio-

REUMATOLOGIA
Hidroxicloroquina ou ou
- Sintomas menores (quadros cutâneos leves, patia, ototoxicidade, neuro-
Difosfato de cloroquina 250mg/dia VO
artrite e a fadiga). patia periférica, pigmentação
cutânea.
- Anemia, depressão medular,
- Artralgias ou artrite franca que não respon-
plaquetopenia, hepatotoxici-
7,5 a 25mg/semana. Pode dem a doses baixas de corticoide via oral,
Metotrexato dade, nefrotoxicidade, infec-
ser dado VO, SC ou IM anti-inflamatórios não hormonais ou anti-
ções, neurotoxicidade, fibrose
maláricos.
pulmonar, convulsão
- Quadros hematológicos: anemia hemolítica
autoimune e plaquetopenia;
2 a 3mg/kg/dia (50 a - Terapia de manutenção para quadros sele-
- Pancreatite, hepatotoxicidade,
Azatioprina 300mg/dia dependendo cionados de nefrite lúpica (após indução com
alopecia, febre.
do peso) ciclofosfamida intravenosa ou micofenolato de
mofetila);
- Acometimento seroso, muscular e cutâneo.
- Terapia de indução e/ou manutenção para
Micofenolato de mo- 1 a 3g/dia (dose ótima de quadros selecionados de nefrite lúpica; - Infecção, anemia, plaquetope-
fetila 3g/dia) - Acometimento hematológico, seroso, muscu- nia, linfoma, neoplasias.
lar e cutâneo.
Pulsoterapia IV (0,5 a 1mg/ - Infecção, depressão medular,
- Casos de LES grave, como vasculites, quadros
m2 de superfície corpórea), anemia, plaquetopenia, cistite
pulmonares com risco de vida e nefrite lúpica
Ciclofosfamida aplicada inicialmente a hemorrágica, carcinoma de
grave (biópsia renal com classificação prolife-
cada mês e depois espaça- bexiga, alopecia, náusea, diar-
rativa III e IV e nas formas graves da classe V).
da para 2 meses reia, neoplasia, esterilidade.
- Quadro hematológico grave (plaquetopenia
e/ou anemia; autoimunes refratárias a cor-
2g/kg divididos em:
Imunoglobulina endo- ticoide);
2 dias (1g/kg/dia) - Reações infusionais, nefrite.
venosa - Quadro pulmonar grave e refratário (pneu-
ou 5 dias (0,4g/kg/dia
monite);
- Quadros neurológicos graves e refratários.
- Quadros hematológicos (plaquetopenia ou
anemia), pulmonares (pneumonite), neuro- - Reações transfusionais, conta-
Plasmaférese -
lógicos graves e refratários à corticoterapia minação sanguínea.
intravenosa e imunoglobulina intravenosa.
375g/m2 de superfície
corpórea/dose em 4 doses - Quadros hematológicos (plaquetopenia ou - Reações infusionais, neutrope-
Rituximabe
com intervalo de 1 semana anemia autoimunes) graves e refratários. nia, infecções.
entre as doses

200mg/dia de DHEA foi significativamente associado com


C - Novas terapias uma redução sustentada da dose de prednisona <7,5mg/
dia, havendo manutenção ou melhoria na atividade da
a) Deidroepiandrosterona
doença. Infelizmente, um ensaio subsequente falhou em
A justificativa para a sua utilização é baseada na influ- mostrar benefício significativo na redução da atividade da
ência hormonal conhecida de estrogênios e androgênios doença com DHEA em comparação com placebo.
sobre atividade do LES. Redução dos níveis séricos de DHEA
tem sido demonstrada em alguns pacientes com LES, in- b) Anti-CD20, rituximabe
dependentemente do nível de atividade da doença. DHEA
também tem sido demonstrado que imunomoduladores É um anticorpo monoclonal quimérico dirigido contra a
têm efeitos sobre os linfócitos T. molécula CD20 presente em linfócitos B. Agente aprovado
Em um estudo duplo-cego, randomizado, controlado para o tratamento de linfoma não Hodgkin de célula B, com
com placebo, 191 pacientes do sexo feminino recebem relatórios publicados; a maioria de pequenas séries de ca-
10 a 30mg de prednisona/dia no início. O tratamento com sos de sucesso terapêutico nas manifestações do lúpus re-

133
REUMATO LOG I A

fratário, com acometimentos dos sistemas nervoso central, 8. Prognóstico e sobrevida


renal e hematológicos.
A sobrevida em pacientes com LES é de 90 a 95% em 2
Semelhantes à experiência oncológica com rituximabe,
anos, 82 a 90% em 5 anos, 71 a 80% em 10 anos e 63 a 75%
os eventos adversos mais frequentes têm sido reações à in-
em 20 anos. No momento do diagnóstico, o pior prognóstico
fusão, relacionada com a taxa de infusão. Infecções, parti-
(50% de mortalidade em 10 anos) está associado à creatinina
cularmente oportunistas, não são aumentadas.
elevada (>1,4mg/dL), hipertensão, síndrome nefrótica, ane-
Os pacientes podem desenvolver anticorpos humanos mia, hipoalbuminemia, hipocomplementenemia e presença
antiquiméricos (HACAs), que podem afetar a resposta a de anticorpo antifosfolípide. Pacientes que são transplanta-
infusões subsequentes da medicação. A utilização de pré- dos renais apresentam maior índice de rejeição do enxerto e
-medicação adequada pode reduzir o desenvolvimento de a nefrite lúpica pode ocorrer em 10% dos casos.
HACAs.
c) Transplante de célula-tronco e imunoablação 9. Situações especiais
Uma abordagem alternativa, a ablação imunológica
com imunossupressão em altas doses seguida de resgate A - LES e gestação
com transplante autólogo de células-tronco hematopoé-
As condições férteis de homens e mulheres com LES são
ticas está disponível para doenças oncológicas e tem sido
iguais às da população em geral. No entanto, o índice de per-
usada em casos de LES grave. da fetal é maior em mulheres lúpicas. O óbito fetal é maior
A alta mortalidade associada ao procedimento junta- em mães com atividade agressiva da doença, anticorpos anti-
mente com recaídas relatadas sugerem que o transplante fosfolípides e/ou nefrite. A supressão da atividade da doença
de células não parece ser um procedimento viável para o pode ser alcançada por administração de corticoide sistêmico
tratamento de atividade grave ou refratária do LES. e antimaláricos que podem ser mantidos durante a gestação.
Opções alternativas para a terapia immunoablative es- Os efeitos adversos pré-natais da exposição ao corticoide são
tão disponíveis. Uma opção é seguir imunoablação com o baixo peso ao nascer e anormalidades na formação do SNC.
células-tronco autólogas de resgate e, assim, poupar o pa- Pacientes com LES e SAF podem ter perdas gestacionais de
ciente da exposição adicional e das potenciais complicações repetição. Um problema potencial adicional para o feto é a
da ciclofosfamida necessária previamente. A 2ª abordagem presença de anticorpos anti-Ro, às vezes associada ao LES
é a imunoablação com ciclofosfamida em altas doses, sem neonatal, com lesões cutâneas e bloqueio atrioventricular
posterior resgate com células-tronco. congênito. A presença de anti-Ro requer monitorização da
frequência cardíaca fetal com intervenção precoce se ocor-
d) Estatinas rer sofrimento. A gestação ocorre geralmente sem surtos da
Recentemente, as propriedades das estatinas têm de- doença. Porém, uma proporção pequena desenvolve crises
monstrado prolongar para além de sua capacidade hipoli- severas que requerem terapia imunossupressora agressiva
pemiante para incluir a atividade imunomoduladora, que ou interrupção precoce da gestação. Os piores resultados
pode ser benéfica, mesmo em pacientes com lúpus com ocorrem em mulheres com nefrite ativa.
níveis lipídicos normais. Os ensaios clínicos controlados de
estatinas destinadas a avaliar a sua capacidade de diminuir B - Lúpus e síndrome do anticorpo antifosfolípide
a atividade da doença no lúpus estão atualmente em fase A SAF está comumente associada ao LES (50% dos casos
de projeto. de SAF têm LES), mas pode ser secundária a outras doen-
e) Belimumabe ças inflamatórias do tecido conjuntivo e mesmo aparecer
isolada (SAF primária). Ela é uma coagulopatia adquirida,
Belimumabe (Benlysta®) foi aprovado pelo FDA em mar- provocada pelo efeito protrombótico de autoanticorpos
ço de 2011 para tratamento do lúpus, para redução de ati- como o anticoagulante lúpico, a anticardiolipina e a antibe-
vidade da doença em adultos e para quadros refratários da ta2 glicoproteína.
terapia padrão máxima. O belimumabe bloqueia a ligação Pode manifestar-se pela presença de fenômenos trombó-
de BLyS solúvel, um fator de sobrevivência da célula B, aos ticos arteriais e/ou venosos e/ou perdas fetais repetidas. A
seus receptores nas células B. O belimumabe não se vincula trombose venosa profunda com ou sem embolia pulmonar é
às células B diretamente, mas ao vincular o BLyS, o belimu- a apresentação mais comum. Tromboses arteriais geralmen-
mabe inibe a sobrevivência das células B, incluindo células te acometem SNC como Ataques Isquêmicos Transitórios
B autorreativas, e reduz a diferenciação das células B em (AIT) ou Acidente Vascular Cerebral tromboembólico (AVC).
plasmócitos que produzem imunoglobulina. A SAF pode associar-se também a eventos gestacionais,
O Benlysta® é disponibilizado apenas em pó liofilizado como perdas gestacionais, repetição no 1º trimestre, morte
em frascos de uso único para infusão intravenosa e deve fetal intrauterina por infartos placentários e nascimentos
ser reconstituído e diluído por um profissional de cuidado prematuros por insuficiência placentária. Se a SAF se ma-
médico antes da administração. nifestar apenas com eventos gestacionais, sem tromboses

134
L Ú P U S E R I T E M AT O S O S I S T Ê M I C O

arteriais ou venosas associadas, a paciente é portadora de Os pacientes se apresentam com queixas constitucio-
SAF gestacional. nais como fadiga, febre baixa e mialgia, além de artralgia,
Outras manifestações comumente associadas são pla- artrite e serosite (pleural e pericárdica). Nefrite e acometi-
quetopenia leve (geralmente de consumo) e livedo reticu- mento de pele e SNC são mais raros.
lar. Pode provocar também, mais raramente, coreia, mielite Os exames laboratoriais podem apresentar: FAN com

REUMATOLOGIA
transversa e endocardite asséptica, que pode embolizar. A padrão homogêneo e anticorpos anti-histona são caracte-
SAF catastrófica é uma complicação grave, que se caracteri- rísticos. O anti-dsDNA e o anti-SM estão ausentes.
za por múltiplas tromboses que ocorrem em vários órgãos
em curto espaço de tempo, com alta mortalidade (50%). Tabela 15 - Lúpus induzido por droga – características
Os critérios para diagnóstico de SAF estão listados na - Predomínio de queixas constitucionais: fadiga, febre baixa e
Tabela 14. Faz-se o diagnóstico na presença de pelo menos mialgia;
1 critério clínico e 1 laboratorial. - Quadro articular (artralgia e artrite);
O tratamento das tromboses arteriais e venosas consiste - Serosite;
em anticoagulação prolongada com cumarínicos. Inicialmente, - Quadro hematológico: anemia autoimune, plaquetopenia au-
sugeriu-se manter INR mais alto, de 3 a 4, mas estudos rando- toimune, neutro e linfopenia;
mizados recentes mostraram a mesma eficácia com INR manti- - Não provoca envolvimento renal ou de sistema nervoso central;
do entre 2 e 3. Enquanto o cumarínico não faz efeito, utiliza-se - Ausência dos anticorpos específicos de LES (anti-DNA e anti-
heparinização plena com heparina de baixo peso. Um estudo -SM);
demonstrou que pacientes com LES, sem diagnóstico prévio - Presença transitória de FAN e anticorpos anti-histona;
de SAF, com um 1º AVC trombótico e apenas uma dosagem de - Sintomas desaparecem após suspensão da droga indutora;
anticorpo antifosfolípide presente, podem ser mantidos com - Autoanticorpos podem persistir por 6 a 12 meses.
AAS sem anticoagulação, pois muitos não vão manter o anti-
corpo presente e não terão diagnóstico de SAF. Tabela 16 - Drogas associadas ao lúpus induzido por drogas
No caso de SAF gestacional, com perdas fetais anterio- Procainamida Isoniazida
res, o tratamento com heparina não fracionada ou de baixo - Propafenona; - Macrodantina;
peso molecular e AAS em baixas doses (81mg/dia) aumen- - Hidralazina; - Sulfassalazina;
ta significativamente o número de nascidos vivos e reduz a - Inibidores da enzima conversora da an-
morbidade gestacional. giotensina; - Hidroclorotiazida;
- Beta-bloqueadores; - Lovastatina;
Tabela 14 - Critérios de classificação da síndrome do anticorpo an- - Propiltiouracil; - Sinvastatina;
tifosfolípide (Revisão de Sydney)
- Clorpromazina; - Carbamazepina;
Critério clínico
- Lítio. - Fenitoína.
- Arterial ou
- Trombose - Venosa ou
- Microvasculopatia trombótica.
10. Resumo
- 3 ou mais perdas gestacionais do 1º trimestre Quadro-resumo
ou
- Morbidade LES: doença autoimune inflamatória multissistêmica, com pre-
- 1 ou mais perda fetal tardia ou
gestacional domínio no sexo feminino (9 a 10:1) na idade fértil;
- Parto prematuro por insuficiência placentária
grave. Principais acometimentos: mucocutâneo (eritema malar/discoi-
de, úlceras orais, fotossensibilidade), articular, serosites (pleural/
Critério laboratorial
pericárdica), renal (nefrite lúpica mesangial, proliferativa ou mem-
Pelo menos - Anticoagulante lúpico ou
branosa), hematológico (anemia hemolítica, leucopenia/linfope-
2 dosagens - Anticardiolipina IgG ou IgM em títulos mode- nia, plaquetopenia), neuropsiquiátrico (convulsões/psicose);
positivas com rados ou altos ou
intervalo mí- Múltiplos autoanticorpos podem estar envolvidos, com FAN
- Antibeta-2 glicoproteína IgG ou IgM em títulos quase universalmente positivo. Principais autoanticorpos: anti-
nimo de 12
moderados ou altos. -DNA (hélice dupla ou simples), anti-histonas (lúpus induzido por
semanas
drogas), anti-Sm, anti-Ro, anti-La, anti-RNP e anti-P. Anticorpos
C - Lúpus induzido por drogas antifosfolípides são frequentes e podem se associar à SAF;
Anticorpos específicos para o LES: anti-DNA de dupla hélice, anti-
É uma doença diferente do lúpus verdadeiro, mas com -Sm e anti-P. Os demais não são específicos para a doença, po-
sintomas similares, induzida pela exposição a determinadas dendo ocorrer em outras condições clínicas;
drogas (Tabela 15). Essas drogas não agravam quadros de
Anti-DNA de dupla hélice associa-se ao acometimento renal, e
LES não induzidos por drogas. Não há critérios definidos,
anti-P, ao acometimento neuropsiquiátrico. Anti-Ro pode asso-
mas a associação temporal com a exposição a drogas poten-
ciar-se à síndrome do lúpus neonatal;
cialmente causadoras (semanas a meses) e a resolução das
manifestações com a interrupção da droga em algumas se- Tratamento: corticoterapia, antimaláricos e imunossupressores
manas fazem o diagnóstico. Entretanto, os autoanticorpos (metotrexato, azatioprina, mofetila, ciclofosfamida), a depender
de cada caso.
podem persistir por 6 a 12 meses.

135
REUMATO LOG I A

CAPÍTULO

13
Esclerose sistêmica
Rodrigo Antônio Brandão Neto / Ana Cristina de Medeiros Ribeiro
Aleksander Snioka Prokopowistch / Hérica Cristiani Barra de Souza

1. Definição 3. Etiopatogenia
A Esclerose Sistêmica (ES), também chamada esclero- Ocorrem 2 processos patológicos básicos na ES que ex-
dermia sistêmica, é uma doença crônica, multissistêmica, plicam os sinais e sintomas da doença e determinam a ex-
caracterizada por alterações funcionais e estruturais de pe- tensão da sua morbimortalidade:
quenos vasos sanguíneos, fibrose de pele e órgãos internos - Desenvolvimento insidioso de fibrose nos tecidos e ór-
e autoimunidade. gãos afetados;
- Disfunção vascular de pequenas artérias e microva-
2. Epidemiologia sos. No desenvolvimento da fibrose, ocorrem ativação
anormal do sistema imune por um estímulo não iden-
Trata-se de uma doença rara, de etiologia desconhe- tificado, ativação de linfócitos T e B autorreativos, libe-
cida. Todas as faixas etárias podem ser acometidas, mas ração de citocinas e quimiotaxia de células inflamató-
a maior incidência ocorre entre 30 e 50 anos. A relação rias, como os macrófagos. Essas células inflamatórias,
entre mulher e homem é de 4 a 5:1. Incomum em crianças em conjunto com as plaquetas ativadas e o endotélio,
menores de 13 anos (0,1 caso/milhão), sendo que estas liberarão fatores de crescimento, que são capazes de
possuem menor incidência de crise renal, porém maior atrair e ativar os fibroblastos, levando à deposição ex-
propensão a acometimento do sistema cardiopulmonar. cessiva de colágeno (principalmente, tipos I, III e VI).
A ES tem distribuição mundial e acomete todas as raças,
mas com graus variáveis. Alguns índios norte-americanos As alterações vasculares podem ser explicadas pela
podem ter quadros cutâneo e pulmonar graves, 100 ve- produção de maior quantidade de fatores vasoconstritores
zes mais frequentes que em outras populações. Negros (endotelina-1) e menor quantidade de substâncias vasodi-
tendem a ter maior incidência de forma difusa, com com- latadoras (óxido nítrico e prostaciclina), ativação plaquetá-
prometimento pulmonar e pior prognóstico e idade de iní- ria, com formação de microagregadores de plaquetas nos
cio mais baixa, enquanto quadros cutâneos limitados são capilares e vênulas e liberação de tromboxano A2 (vaso-
comuns em mulheres brancas. Na idade pós-menopausa constritor). Esse desequilíbrio a favor de uma vasoconstri-
ção persistente provoca episódios repetidos de isquemia e
ocorre uma pequena redução na prevalência em relação
hipoperfusão tecidual, acarretando injúria celular, sendo o
aos homens (2 a 4:1).
estímulo principal para o acúmulo dos fibroblastos ativados
A maioria ocorre esporadicamente, mas pode haver
e a formação de fibrose.
agrupamento familiar raramente. Alguns casos foram rela-
O papel dos autoanticorpos encontrados ainda não é
tados em associação a exposição a solventes, sílica ou me-
conhecido até o momento.
tais. A contribuição genética também tem sido estudada,
havendo associação a HLA-A1, B8 e DR3.
Os autoanticorpos anti-Scl-70 e anti-RNP U3 estão 4. Classificação
associados a doença mais severa, sendo mais frequen- O Colégio Americano de Reumatologia (ACR) estabele-
tes em afro-americanos. O anticentrômero é mais fre- ceu critérios para a classificação da ES (Tabela 1), com sensi-
quente em brancos, estando associado a doença mais bilidade de 97% e especificidade de 98%. A presença do cri-
moderada. tério maior (alterações cutâneas esclerodérmicas em qual-

136
ESCLEROSE SISTÊMICA

quer localização proximal às metacarpofalangianas), ou a de pacientes com a forma cutânea limitada tem a síndrome
presença de 2 ou mais critérios menores, faz o diagnóstico. CREST (C – calcinose; R – Raynaud; E – dismotilidade eso-
fágica; S – esclerodactilia; e T – telangiectasias; Figura 2),
Tabela 1 - Critérios diagnósticos da ES: presença do critério maior
comumente benigna e definida pela presença de 3 ou mais
ou pelo menos 2 menores fecha o diagnóstico
dos achados da sigla. A síndrome mais comum em mulheres

REUMATOLOGIA
Critério maior com idade entre 35 e 50 anos e está associada a uma inci-
- Espessamento cutâneo proximal às metacarpofalangianas. dência elevada do anticorpo anticentrômero, em torno de
Critérios menores 80% dos casos.
- Esclerodactilia (lesões distais às metacarpofalangianas, restri-
tas aos dedos); Tabela 2 - Diferenças entre as formas clínicas da ES

- Úlceras digitais ou pitting scars; Forma clínica ES difusa ES limitada


- Fibrose pulmonar bibasal. Limitado aos mem-
bros distalmente aos
A ES pode acontecer em 2 formas: difusa e limitada, de cotovelos ou joelhos,
acordo com a distribuição do acometimento cutâneo, com Tronco e extremida- poupando o tronco e
des proximais (acima as extremidades pro-
implicações clínicas, sorológicas e prognósticas. Distribuição do
de joelhos e cotove- ximais.
espessamento
los), além de face, Subtipo: síndrome
cutâneo
pescoço e porção CREST (calcinose,
distal dos membros. Raynaud, dismotilida-
de esofágica, esclero-
dactilia e telangiecta-
sias).
Quadro pulmo-
Fibrose intersticial Hipertensão arterial
nar mais asso-
pulmonar. pulmonar.
ciado
Anticorpo mais Antitopoisomerase
Anticentrômero (ACA).
associado (anti-Scl-70).
Melhor que o da for-
Reservado, associado ma difusa, mas limita-
Prognóstico à gravidade do aco- do pela gravidade da
metimento visceral. hipertensão arterial
pulmonar.

Figura 1 - Esclerose sistêmica: (A) limitada e (B) difusa

Na forma difusa, o espessamento cutâneo está presente


no tronco e nas extremidades proximais (acima de joelhos e
cotovelos), além de face e porção distal dos membros. Essa
forma está mais associada à fibrose pulmonar e à presença
do anticorpo antitopoisomerase (anti-Scl-70), que está pre-
sente em 30% dos casos. Tem prognóstico mais reservado,
principalmente pela gravidade do acometimento visceral. Figura 2 - Síndrome CREST. Fontes: Primes e Rheumatology in
A forma limitada tem espessamento cutâneo limitado Practice
aos membros distalmente aos cotovelos ou joelhos, pou-
pando o tronco e as extremidades proximais. A face e o Além da ES em suas 2 formas, difusa e limitada, que
pescoço podem ser acometidos sem interferir na classifi- atinge órgãos internos (não só a pele), o espectro da es-
cação. Essa forma está mais associada à hipertensão pul- clerodermia compreende uma forma de esclerodermia
monar e à presença do anticorpo anticentrômero (ACA) e localizada, que afeta áreas restritas à pele e estruturas
tem prognóstico melhor que a forma difusa. Um subgrupo adjacentes, poupando órgãos internos. Pode ocorrer em

137
REUMATO LOG I A

placas (morfeia – Figura 3), em áreas lineares (escleroder- Podem ocorrer também quadros viscerais típicos de ES,
mia linear – Figura 4) ou na face (lesão “em golpe de sabre” com fibrose pulmonar, envolvimento esofágico e achados
– Figura 5). Apesar de raramente a esclerose ou escleroder- sorológicos, na ausência de esclerose cutânea. Trata-se da
mia sistêmica e a esclerodermia limitada ocorrerem juntas, esclerodermia sine esclerodermia.
são consideradas doenças distintas, inclusive epidemiologi-
Pode haver ainda quadros de sobreposição entre ES e
camente. A esclerodermia limitada é muito mais frequente
outras doenças do tecido conjuntivo, como LES, miopatias
em crianças e adolescentes.
inflamatórias ou artrite reumatoide. Nesses casos, os crité-
rios para as ES e a outra doença em questão são preenchi-
dos, e elas comumente se manifestam independentemente
uma da outra.
Outro quadro, diferentemente da sobreposição de
outras colagenoses com ES, é a Doença Mista do Tecido
Conjuntivo (DMTC). Essa é uma doença à parte, em que o
mesmo paciente apresenta sintomas típicos de 2 das se-
guintes doenças: ES, LES e miopatias inflamatórias, associa-
dos ao fenômeno de Raynaud ou edema de mãos, com o
anticorpo anti-RNP em altos títulos.
Outro grupo de pacientes pode não fechar o diagnóstico
de nenhuma doença inflamatória do colágeno, mas apre-
sentar alguns achados típicos como fenômeno de Raynaud
Figura 3 - Morfeia em placas e sorologia positiva, caracterizando o diagnóstico de doença
indiferenciada do tecido conjuntivo. Esse diagnóstico mui-
tas vezes é transitório, pois, com o tempo e o aparecimento
de novos achados, o paciente acaba fechando o diagnóstico
de uma doença definida.

Tabela 3 - Classificação do complexo de doenças associadas à ES


(doenças do colágeno)
Forma difusa (acometimento cutâneo
difuso):
- Espessamento cutâneo presente no
tronco e nas extremidades proximais
(acima de joelhos e cotovelos), além
de face e porção distal dos membros.
Esclerodermia ou ES: Forma limitada (acometimento cutâ-
acometimento cutâ- neo limitado):
neo e visceral - Espessamento cutâneo limitado aos
Figura 4 - Esclerodermia linear membros distalmente aos cotovelos
ou joelhos, poupando o tronco e as
extremidades proximais. A face e o
pescoço podem ser acometidos sem
interferir na classificação;
- Um subgrupo de pacientes tem a
síndrome CREST.
- Áreas de esclerose restrita à pele ou a
estruturas subjacentes (subcutâneo,
ossos, fáscias), poupando órgãos
Esclerodermia locali- internos (pulmões, coração, rins,
zada: acometimento esôfago), podendo ocorrer em placas
cutâneo sem envolvi- (morfeia), áreas lineares nas extre-
mento visceral midades (esclerodermia linear) ou
na face (lesão “em golpe de sabre”).
Ocorre predominantemente em
crianças e adolescentes.
Figura 5 - Lesão “em golpe de sabre”

138
ESCLEROSE SISTÊMICA

- Caracterizada por manifestações de


Esclerodermia sine órgãos internos, anormalidades soro-
esclerodermia lógicas e vasculares, mas sem anor-
malidades cutâneas detectáveis.

REUMATOLOGIA
Síndrome de sobrepo- - Associação de ES a LES, miopatia
sição (overlap) inflamatória ou artrite reumatoide.
- Doença distinta que mescla achados
de pelo menos 2 das seguintes doen-
Doença mista do teci- ças: ES, LES ou miopatia inflamatória,
do conjuntivo com fenômeno de Raynaud e/ou
edema de mãos e anti-RNP em altos
títulos.
- Achados clínicos muito sugestivos
Figura 6 - Fenômeno de Raynaud - fases: (A) e (F) palidez (vasoes-
de colagenose, como fenômeno de
Doença indiferenciada pasmo); (B) e (D) cianose – isquemia e dessaturação da hemoglo-
Raynaud, sorologia autoimune ines- bina; (C) e (E) eritema (hiperemia reativa)
do tecido conjuntivo
pecífica, mas sem achados definitivos
de ES ou outra colagenose. O FRy presente na ES é considerado agressivo em mais
de 90% dos casos, pois as alterações vasculares que o pro-
vocam também levam ao aparecimento de lesões cutâne-
5. Manifestações clínicas as típicas, decorrentes de perda tecidual provocada pela
isquemia. Nas outras doenças do espectro da escleroder-
A ES é uma doença multissistêmica crônica. Os sintomas mia, como a DMTC, o FRy também tem essas características
iniciais tipicamente são inespecíficos e incluem fenômeno agressivas. Dentre tais lesões, destacam-se:
de Raynaud, fadiga e sintomas musculoesqueléticos. Esses - Reabsorção de polpas digitais (Figura 7);
sintomas podem persistir por semanas e meses até o apa- - Ulcerações por má circulação, conhecidas como pitting
recimento de outros sinais. O 1º sinal clínico que sugere o scars (Figura 8);
diagnóstico de ES na pele é o edema dos quirodáctilos ou da - Reabsorção óssea e perda de falanges (Figura 9), que
mão. Os demais acometimentos são variáveis e podem ser ocorrem em casos extremos, que podem complicar com
pulmonar, cardíaco, gastrintestinal e renal. gangrenas digitais, sobretudo em caso de infecções.
A vasculopatia responde pelo fenômeno de Raynaud,
com úlceras digitais, pela hipertensão arterial pulmonar e
pela crise renal esclerodérmica. Já o processo fibrosante é
responsável pela fibrose cutânea e de estruturas viscerais
(pulmões, coração, tubo digestivo).

A - Fenômeno de Raynaud (FRy)

Presente em até 95% dos pacientes. Caracteriza-se por


alterações na coloração da pele das extremidades, na maio-
ria das vezes desencadeados por temperaturas frias ou es-
tresse emocional. Ocorre uma contratura da musculatura Figura 7 - Reabsorção de polpa digital em paciente com ES difusa
das artérias digitais e pré-capilares, que se manifesta como
palidez cutânea (fase anêmica), seguida de cianose (fase
cianótica) e, então, uma hiperemia reativa (fase de hipe-
remia), até chegar à coloração normal, o que leva alguns
minutos. A presença de 2 ou mais dessas fases, nesta or-
dem, define o FRy (Figura 6). A fase de hiperemia é a menos
frequente.
Na ES limitada o FRy precede as demais manifestações Figura 8 - Fenômeno de Raynaud com pitting scars ou úlcera digi-
até em anos e na ES difusa em geral surge pouco antes ou tal por isquemia: no dedo à esquerda, a úlcera ainda está aberta;
coincidente com as alterações cutâneas. no dedo à direita, a úlcera já está cicatrizada

139
REUMATO LOG I A

isso é possível também nos pés. Seu diagnóstico depende


da exclusão de outros fatores que podem desencadeá-lo,
como uso de drogas vasoconstritoras, tabagismo, distúrbios
vasculares e as doenças inflamatórias do tecido conjuntivo,
principalmente ES, lúpus, síndrome de Sjögren, DMTC e as
miopatias inflamatórias (miosites, Tabela 4).
Para diagnóstico do FRy primário, além de excluir causas
externas e doença sistêmica pela anamnese e exame físico,
o paciente ainda deve ter provas de atividade inflamatória
normal (VHS e PCR), autoanticorpos negativos (pelo menos
FAN e FR) e capilaroscopia periungueal normal ou com leves
alterações inespecíficas (Tabela 5).
Características gerais do FRy primário:

Figura 9 - Reabsorção de falanges distais em paciente com ES di-


- Mulheres jovens;
fusa, FRy e pitting scars: (A) infarto digital e (B) reabsorção de fa- - História familiar parentes de 1º grau;
langes distais - Ataques simétricos e brandos;
Na presença do FRy sem tais sinais de agressividade, - Ausência de ulcerações, gangrenas ou reabsorção de
uma forma de prever a possível agressividade do FRy é a re- partes moles;
alização da capilaroscopia, que é um exame do leito periun- - VHS normal;
gueal por microscopia. A presença de lesões e dilatações de
capilares ou a ausência de capilares (deleções) caracteriza o
- Capilaroscopia normal (ectasia de capilares);
padrão SD (Figura 10), que é característico da ES e também - FAN não reagente (se reagente, analisar padrão e titu-
ocorre na DMTC e nas miosites inflamatórias, em menor lação – 1/160 pontilhado fino).
frequência. Outras doenças reumatológicas que apresen-
Tabela 4 - Causas de fenômeno de Raynaud secundário
tam FRy, como lúpus, artrite reumatoide e síndrome de
Sjögren, têm capilaroscopia normal ou com alterações leves Doenças reu- ES, LES, síndrome de Sjögren, artrite reumatoi-
matológicas de, dermato e polimiosite, vasculites.
e inespecíficas, que não definem o padrão SD.
Causas mecâ- Injúria por vibração, embolia ou obstrução
nicas vascular, síndrome do desfiladeiro torácico.
Doenças endó- Hipotireoidismo, feocromocitomas, síndrome
crinas carcinoide.
Doenças hema- Crioglobulinemia, paraproteinemia, policite-
tológicas mia.
Simpaticomiméticas (descongestionantes na-
Drogas sais), cafeína, derivados do “ergot”, agonistas
serotoninérgicos, nicotina.

Tabela 5 - Exames necessários para o diagnóstico de FRy primário


- Excluir causas externas e doença sistêmica pela anamnese e
exame físico;
- Provas de atividade inflamatória normais (VHS e PCR);
- Autoanticorpos negativos (pelo menos FAN e FR);
Figura 10 - Capilaroscopia periungueal: observar a dilatação dos
- Capilaroscopia periungueal normal.
capilares (pontos escuros) e áreas sem capilares (deletados) – pa-
drão SD
Tabela 6 - Frequência da ocorrência de FRy nas principais doenças
O FRy não é um sintoma exclusivo da ES ou de outras autoimunes
doenças reumatológicas. Na verdade, ele pode ocorrer iso- - >90% ES;
ladamente em indivíduos sem outra doença de base (FRy - 85% DMTC;
primário ou doença de Raynaud). - 10 a 45% LES;
O FRy primário é benigno e não apresenta alterações
- 33% Sjögren;
cutâneas secundárias como úlceras digitais ou perda e re-
- 20% dermato ou polimiosite;
absorção de dedos. Ele acomete preferencialmente mulhe-
res jovens e costuma ser simétrico, acometendo mãos, mas - 10% AR.

140
ESCLEROSE SISTÊMICA

B - Pele proximalmente, acometendo mais os membros superiores


que os inferiores. Pode haver limitação de movimentos pela
Os achados mais característicos da ES estão na pele.
perda de elasticidade da pele sobre várias articulações e,
Além do espessamento ou esclerose da pele proximal às
metacarpofalangianas e metatarsofalangianas, outras al- dependendo da gravidade do processo, contraturas em fle-
xão (Figuras 14 e 15). Sobre as superfícies extensoras dessas

REUMATOLOGIA
terações são comuns: a esclerodactilia (espessamento
cutâneo restrito aos dedos), as telangiectasias, o edema articulações, é comum, pela tração da pele pouco elástica,
de mãos, dedos e/ou pés, as lesões “em sal e pimenta”, as isquemia e traumas, ocorrer o aparecimento de úlceras de
calcinoses, as perdas de tecido digital como pitting scars e tração (Figura 15), que não têm relação com o fenômeno
gangrenas e as úlceras cutâneas de tração. de Raynaud, diferente das pitting scars, que ocorrem nas
A esclerose da pele se caracteriza por espessamento e polpas digitais (Figura 8). Na face, o acometimento da pele
aderência aos planos profundos, com perda da elasticidade leva a perda de rugas, estiramento da pele, afinamento dos
(Figura 11). Como já citado, a distribuição da esclerose é lábios e nariz. A rima oral se reduz, provocando microsto-
responsável pela divisão da ES nas formas difusa e limitada. mia (Figura 16), o que pode dificultar abordagens na boca,
Na forma difusa, o espessamento cutâneo está presente no como avaliações e tratamento odontológicos ou mesmo a
tronco e nas extremidades proximais (acima de joelhos e intubação.
cotovelos), além de face e porção distal dos membros, e, na
forma limitada, o espessamento cutâneo fica limitado aos
membros distalmente aos cotovelos ou joelhos, podendo
acometer face e pescoço.

Figura 13 - Fase fibrótica

Figura 11 - Espessamento cutâneo Na fase atrófica, a pele fica mais afinada e se desprende
dos planos profundos, com aparente “melhora” do quadro.
O processo de esclerose de pele passa por 3 fases: ede-
matosa (Figura 12), fibrótica e atrófica. Na fase precoce ou
edematosa, há edema difuso da pele e, em alguns casos,
eritema. Este se deve ao infiltrado inflamatório e pode es-
tar inicialmente restrito às mãos, dedos ou pés. Pode haver
sensação de prurido e sensibilidade cutânea nessa fase pré-
-fibrose.

Figura 12 - Fase edematosa


Figura 14 - Observar o espessamento cutâneo e a retração da pele
Na fase fibrótica (Figura 13), a pele se torna espessa- dorsal dos dedos (esclerodactilia) com contratura em flexão de in-
da e aderida. O processo inicia-se distalmente e progride terfalangianas proximais e distais

141
REUMATO LOG I A

Figura 18 - Pacientes com síndrome de CREST: observar as telan-


Figura 15 - Observar o espessamento cutâneo no dorso das mãos giectasias na face e na língua
(proximal às metacarpofalangianas), a posição de contratura dos
dedos pela esclerodactilia, a hipopigmentação sobre as articula-
ções e as úlceras de tração sobre a 3ª metacarpofalangiana e a 2ª
interfalangiana proximal da mão direita

Figura 19 - Telangiectasias nas polpas digitais e na região tênar

Outro achado característico são as calcinoses subcutâ-


Figura 16 - Afinamento dos lábios e redução da rima oral neas, que correspondem a depósitos de cálcio no subcu-
A pele ainda pode apresentar alterações de coloração, tâneo, geralmente sobre áreas expostas a microtraumas,
tanto hiper como hipopigmentações. É comum a lesão “em como antebraços, mãos, cotovelos, joelhos, coxas e náde-
sal e pimenta” (Figura 17), com áreas de hipopigmentação gas. São mais frequentes na ES limitada e é um dos critérios
alternadas com áreas de hiperpigmentação. da síndrome CREST. Esse material pode provocar dor e des-
As telangiectasias são outro achado característico, prin- conforto, mas também ulcerar a pele e facilitar infecções.
cipalmente em pacientes com ES limitada, sobretudo aque- Tabela 7 - Alterações cutâneas associadas às fases da ES
les com síndrome CREST. São mais comuns em mãos, rosto,
Fase edematosa
pescoço e dorso e infrequentes nos membros inferiores. O
- Edema difuso da pele, em mãos, dedos ou pés;
maior problema que causam é cosmético. Podem acometer
inclusive a língua e outras mucosas (Figuras 18 e 19), e o - Pode haver eritema, prurido e maior sensibilidade da pele.
comprometimento do trato gastrintestinal pode provocar Fase fibrótica
perda crônica de sangue. - Espessamento e aderência da pele;
- Perda de elasticidade e limitação de movimentos;
- Contraturas em flexão;
- Úlceras de tração;
- Perda de rugas;
- Afinamento dos lábios e nariz;
- Microstomia;
- Afinamento da pele.
Fase atrófica
- Aparência de melhora da aderência cutânea.
Independente da fase
- Fenômeno de Raynaud;
- Pitting scars;
- Lesões “em sal e pimenta”;
- Telangiectasias;
Figura 17 - Lesão em “sal e pimenta” - Calcinoses.

142
ESCLEROSE SISTÊMICA

C - Pulmão
O acometimento pulmonar é a principal causa de mor-
talidade e pode dever-se à fibrose intersticial e/ou doen-
ça vascular pulmonar, provocando hipertensão pulmonar.

REUMATOLOGIA
Pacientes com a forma difusa da ES têm maior risco de do-
ença intersticial pulmonar, enquanto aqueles com forma
limitada têm maior risco de hipertensão pulmonar. Apesar
disso, a correlação não é perfeita, e todos os pacientes de-
vem ser monitorados, pois, em ambos os casos, os sintomas
só aparecem tardiamente.
A Doença Pulmonar Intersticial (DPI) ou alveolite fibro-
sante (Figura 20) é inicialmente assintomática, e dispneia e
tosse seca são sintomas tardios e inespecíficos. Na evolução
da doença, 20% dos casos precisarão de oxigênio suplemen-
tar. Tem forte associação à presença de anticorpos antitopoi-
somerase (anti-Scl-70), mas não está restrita a esse grupo
de pacientes. Provas de Função Pulmonar com difusão (PFP) Figura 21 - Exemplos de padrões de anormalidades encontradas
devem ser realizadas precoce e periodicamente, mesmo na em tomografia computadorizada de alta resolução, em tórax dos
ausência de sintomas, e são o teste mais sensível para indicar pacientes com ES: (A) faveolamento; (B) opacidades em vidro fosco
doença intersticial pulmonar. Mostram alterações restritivas, associadas a opacidades reticulares; (C) opacidades reticulares; e
com redução da capacidade vital forçada, dos volumes pul- (D) opacidades em vidro fosco
monares e rda capacidade de difusão do monóxido de carbo-
no. A Tomografia Computadorizada de Alta Resolução do tó- Tabela 8 - Características da DPI na ES
rax (TCAR – Figura 21) também é usada e bem mais sensível - Principal causa de morbidade e mortalidade;
que radiografias simples para mostrar alterações intersticiais.
- >90% dos pacientes tem anormalidades na função pulmonar
Pode ocorrer inicialmente alveolite, com achado de vidro fos-
(difusão gasosa);
co, que pode responder ao tratamento, mas que evolui com
fibrose, apresentando infiltrado reticulonodular e faveola- - 70% dos pacientes – achados histológicos em autópsias;
mento. O lavado broncoalveolar (LBA) tem sido proposto em - Redução de volumes pulmonares (distúrbio ventilatório restri-
pacientes com TCARs alteradas para indicar alveolite ativa, tivo);
com presença de neutrófilos e eosinófilos. - Redução da complacência pulmonar (estática);
- Redução da capacidade de difusão – hipoxemia em repouso e
esforço.

A hipertensão pulmonar pode ter várias causas,


inclusive fibrose pulmonar extensa, levando a redu-
ção do leito capilar pulmonar (Figuras 22, 23 e 24).
Entretanto, na ES, sobretudo na forma limitada com
anticorpo anticentrômero (ACA) positivo, ocorre hi-
pertensão arterial pulmonar, em que o problema está
na vasculopatia esclerodérmica do leito arterial pul-
monar. Ela é inicialmente assintomática, e seu rastre-
amento precoce e periódico também é necessário. Na
detecção precoce da hipertensão pulmonar, são im-
portantes a PFP e o ecocardiograma. A PFP vai mos-
trar difusão reduzida de monóxido de carbono, sem as
alterações restritivas da doença intersticial pulmonar.
Já o ecocardiograma mostra refluxo ou regurgitação
tricúspide com inferência da pressão arterial na pul-
monar que, se estiver elevada (>40mmHg), indicará a
necessidade de cateterização cardíaca para confirma-
ção. Devem-se excluir outras causas de hipertensão
Figura 20 - (A) Radiografia de tórax e (B) TC correspondente em pulmonar, como tromboembolismo pulmonar crônico
paciente com ES e esquistossomose (no Brasil).

143
REUMATO LOG I A

Tabela 9 - Características da HAP na ES


- Complicação comum 7 a 12%;
- Hipertrofia de VD (adaptação), seguida de insuficiência de VD
e óbito;
- Critérios: PSAP >25mmHg em repouso ou >30mmHg esforço;
- Prognóstico altamente dependente da capacidade de adapta-
ção do VD, sendo pior nos pacientes com ES quando compara-
da com HAP idiopática.

Figura 24 - Radiografia torácica na HAP: (A) normal e (B) HAP com


evidência de cardiomegalia e aumento das artérias pulmonares

Além dessas alterações, pode haver pneumopatia por


refluxo gastroesofágico, secundário à dismotilidade gastrin-
testinal.

D - Gastrintestinal
Figura 22 - Ilustrativo da HAP O aparelho digestório é o 2º mais atingido depois da
pele. O acometimento neurológico do plexo mioentérico,
com atrofia e fibrose da musculatura lisa, leva a dismotili-
dade gastrintestinal. O esôfago acometido, principalmente
nos 2/3 distais, pode chegar a ficar aperistáltico e provocar
disfagia, principalmente para sólidos. O esfíncter esofágico
inferior acometido causa doença do refluxo gastroesofágico
(DRGE), com pirose, podendo evoluir com disfagia, erosões
de mucosa, constrição esofágica, esôfago de Barrett e até
pneumopatia secundária a aspiração. O acometimento gás-
trico pode levar a gastroparesia, saciedade precoce, náuse-
as e vômitos.
Pode ocorrer ainda dismotilidade intestinal: no intesti-
no delgado, pode provocar borborismo, pseudo-obstrução,
distensão abdominal, diarreia, hipercrescimento bacteriano
e síndrome de má absorção, necessitando de cursos inter-
mitentes de antibióticos. No intestino grosso, a dismotilida-
de causa constipação e pode provocar incontinência fecal,
caso atinja o esfíncter. Casos graves de pseudo-obstrução
intestinal também são possíveis.
Além da dismotilidade, a ES pode provocar telangiecta-
sias com sangramento e perda sanguínea crônicos. A atrofia
da mucosa gástrica pode provocar ectasia vascular gástrica
antral, também conhecida com estômago “em melancia”,
que pode ser observada na endoscopia.
Exames como radiografias contrastadas do Esôfago-
Estômago-Duodeno (EED) mostram a dismotilidade do
Figura 23 - TC com sinais sugestivos de HAP. (A) Janela para me-
tubo digestivo (Figura 25), doença do refluxo e lesões cons-
diastino ao nível do tronco da artéria pulmonar com aumento do
seu diâmetro (>2,9cm) e aumento da relação entre os diâmetros tritivas. Pode ser necessária pHmetria para definir a DRGE.
da artéria pulmonar e da aorta (>1) e (B) janela para parênquima Endoscopias periódicas para avaliar complicações e outras
evidenciando aumento da relação artéria-brônquio (>1) alterações são necessárias.

144
ESCLEROSE SISTÊMICA

REUMATOLOGIA
Figura 26 - Arteriografia de paciente normal à direita e com crise
renal esclerodérmica à esquerda

Fatores de risco para crise renal incluem doença cutâ-


nea difusa, doença precoce (4 primeiros anos), uso de altas
doses de corticoide e presença de anticorpo anti-RNA poli-
merase III.
Já foi a principal causa de morte em pacientes com
ES, mas o uso dos Inibidores da Enzima Conversora de
Figura 25 - Paciente com síndrome de CREST: dilatação e hipope- Angiotensina (IECA) revolucionou o tratamento, devendo
ristalse do esôfago distal ser rapidamente instituída a terapia com um IECA no diag-
nóstico de hipertensão arterial em pacientes com ES.
E - Musculoesquelético Fatores de mau prognóstico são sexo masculino, idade
avançada e com creatinina >3mg/dL.
Podem ocorrer artralgias e mialgias inespecíficas, contra-
turas articulares pela fibrose cutânea, inflamação dos ten- G - Cardiovascular
dões causando atrito ao movimento articular e sinovites.
As manifestações da doença cardíaca são variáveis.
Miosite também pode acontecer, geralmente com bai-
Sintomas incluem dispneia, desconforto torácico, palpita-
xos níveis de enzimas musculares e baixa resposta a corti-
ções. Pode acometer miocárdio, com distúrbios de condu-
coide, com biópsia mostrando fibrose de fibras musculares
ção, arritmias e insuficiência cardíaca. Efusão pericárdica
com pouca inflamação, embora miosite inflamatória franca,
discreta pode ser observada em 30 a 40% dos pacientes
com fraqueza proximal e infiltrado inflamatório, também
possa ocorrer mais raramente, com boa resposta a corti- assintomáticos. Pericardite sintomática é incomum.
coide. Nesse último caso, deve-se considerar associação a
miopatia inflamatória (poli ou dermatomiosite). 6. Exames complementares
Artrite de mãos e punhos, simétrica, também pode Para diagnóstico de ES, é preciso ter, além da anamnese
acontecer precocemente, sendo não erosiva e respon- e do exame físico (que pode indicar rapidamente o diagnós-
siva a terapia com imunossupressores. A sobreposição tico pelas alterações cutâneas), alguns exames para obser-
com artrite reumatoide leva a um quadro mais agressivo, vação e rastreamento de acometimento de algumas estru-
erosivo. turas e aparelhos, além da sorologia autoimune.
Um achado clássico é a osteólise ou reabsorção de ex- Dentro da sorologia autoimune, o fator antinúcleo (FAN)
tremidades ósseas distais, principalmente falanges dos qui- é indispensável, pois está presente em mais de 95% dos pa-
rodáctilos (Figura 9), devido à isquemia crônica pela vascu- cientes com ES, tanto na forma difusa quanto na limitada.
lopatia. Ele é inespecífico e pode ocorrer em indivíduos com outras
doenças inflamatórias do tecido conjuntivo e mesmo em in-
F - Renal divíduos normais. Geralmente, tem padrão nuclear, nucleo-
A manifestação clínica mais importante é a crise renal lar ou centromérico, com títulos acima de 1/640.
esclerodérmica (Figura 26), caracterizada por hipertensão Os principais autoanticorpos presentes na ES são o anti-
arterial acelerada com perda da função renal, proteinúria e topoisomerase I (anti-Scl-70), o anticentrômero (ACA) e os
hematúria microscópica. Pode ocorrer anemia e plaqueto- anti-RNA polimerase. O anticorpo antitopoisomerase I (an-
penia microangiopáticas, que se resolvem com o controle ti-Scl-70) é específico (especificidade de 98 a 99,6%) para
da hipertensão. ES, encontrado em 40 a 70% dos pacientes com a forma

145
REUMATO LOG I A

difusa e em apenas 10% daqueles com a forma limitada (20 calcinose e telangiectasias. Pode ser encontrado em pacien-
a 40% no total). Está associado à extensão do envolvimento tes com síndrome de Sjögren e cirrose biliar primária.
cutâneo, amplo comprometimento visceral, fibrose pulmo- Outros anticorpos menos frequentes e normalmente
nar e pior prognóstico. não dosados de rotina podem estar presentes, sendo relati-
O ACA está presente entre 50 e 90% dos pacientes com vamente específicos: os anticorpos anti-RNA polimerase I e
a forma limitada e em menos de 10% dos pacientes com III, os anti-Th/To e os antifibrilarina. A presença do anticor-
a forma difusa (20 a 40% no total). Associa-se à síndrome po anti-RNA polimerase III aumenta o risco de crise renal
CREST, úlceras digitais, tendência maior para desenvolver esclerodérmica.
Tabela 10 - Autoanticorpos encontrados na ES
Autoanticorpo Frequência Características
- Conjunto de autoanticorpos direcionados contra estruturas nucleares;
- 95% dos pacientes com ES, tanto - Inespecífico;
FAN na forma difusa quanto na limi- - Alta sensibilidade: ajuda no diagnóstico;
tada. - Padrão nuclear, nucleolar ou centromérico, com títulos acima de
1/640.
- Específico (especificidade de 98 a 99,6%);
- 40 a 70% na forma difusa;
Antitopoisomerase I (anti- - Associado à extensão do envolvimento cutâneo (forma difusa),
- 10% na forma limitada;
-Scl-70) amplo comprometimento visceral, fibrose pulmonar e pior prog-
- 20 a 40% no total.
nóstico.
- 50 e 90% na forma limitada; - Associado à síndrome CREST, úlceras digitais, tendência maior
ACA - Menos de 10% na forma difusa; para desenvolver calcinose e telangiectasias;
- 20 a 40% no total. - Pode ocorrer na síndrome de Sjögren e na cirrose biliar primária.
Outros anticorpos: - Normalmente, não dosados rotineiramente;
- Anti-RNA polimerase I e III; - Relativamente específicos;
- Bem menos frequentes.
- Anti-Th/To; - O anticorpo anti-RNA polimerase III aumenta o risco de crise
- Antifibrilarina. renal esclerodérmica.

O padrão SD encontrado no exame de capilaroscopia é altamente sugestivo de esclerodermia (Figura 26), sendo encon-
trado em quase todos os pacientes com ES.

Figura 27 - Capilaroscopia periungueal: (A) normal; (B) vasos tortuosos e dilatação segmentar; (C) capilares gigantes, desorganização da
estrutura capilar e hemorragias e (D) áreas avasculares e áreas de neoformação capilar. Fonte: Rheumatology in Practice

146
ESCLEROSE SISTÊMICA

Exames para observação e rastreamento de acometimento de algumas estruturas e aparelhos incluem estudo contrasta-
do EED, pHmetria e endoscopia digestiva alta para envolvimento gastrintestinal, PFP completa, TCAR, ecocardiograma, ECG
e cateterismo cardíaco direito (Figura 27), para acometimento pulmonar e cardíaco, entre outros.

REUMATOLOGIA
Figura 28 - Cateterismo do coração direito: métodos padrão para acesso do cateter

Figura 29 - Rastreamento e diagnóstico da HAP

7. Tratamento para hipertensão pulmonar. O tratamento clínico visa evitar


a progressão para os estágios avançados da doença, quan-
Não existe um tratamento específico para a doença, do ocorre a fibrose irreversível dos órgãos e tecidos acome-
nem que combata todas as manifestações. Desta forma, a tidos. As drogas utilizadas na ES são agentes antifibróticos
terapia deve ser individualizada de acordo com a apresen- e anti-inflamatórios, drogas com ação imunossupressora e
tação da doença. Apesar de não serem curativos, alguns de ação vascular.
avanços mudaram o prognóstico na ES, como o uso dos Medidas gerais, como proteção das extremidades con-
IECA para a crise renal esclerodérmica e o de medicações tra o frio, fisioterapia e terapia ocupacional, ajudam a evitar

147
REUMATO LOG I A

a progressão das deformidades e estados de contratura. Na alveolite fibrosante, é utilizada a ciclofosfamida, que
A d-penicilamina já foi usada como agente antifibrótico, pode ser administrada via oral ou em altas doses (pulsote-
mas foi recentemente abandonada por não haver evidên- rapia) mensalmente. A duração do tratamento dessa enti-
cia em seu favor. Quadros cutâneos graves, difusos, com dade clínica parece incerta, podendo durar até 2 anos (24
contraturas, podem se beneficiar de ciclofosfamida inje- pulsos), já que muitos autores a consideram ineficaz após
tável em pulsoterapia. Outros agentes imunossupressores esse período.
usados em casos cutâneos mais graves são metotrexato, No caso de hipertensão arterial pulmonar na ES, com
ciclosporina e micofenolato de mofetila, com estudos de PFP sem restrição, mas com baixa difusão de monóxido
comprovação de ação limitados. de carbono e ecocardiograma com aumento da pressão
Os corticoides estão reservados a casos de serosites e estimada da artéria pulmonar, a confirmação deve ser
na fase inicial (edematosa) do comprometimento da pele, feita com cateterismo cardíaco. O tratamento baseia-se
em doses baixas. Doses altas, sobretudo nos primeiros anos no uso de um antagonista da endotelina-1 (como a bo-
de doença, podem desencadear crise renal esclerodérmica. sentana), análogos da prostaciclina (como o iloprosta) e,
Será abordado o tratamento da esclerodermia de acor- mais recentemente, inibidores da fosfodiesterase (silde-
do com as principais manifestações sistêmicas desta doen- nafila).
ça, como o quadro cutâneo, o FRy, doença pulmonar, doen-
ça renal e gastrintestinal. C - Acometimento gastrintestinal
A DRGE é grave na ES e pode ter complicações, como
A - Fenômeno de Raynaud pneumonite por aspiração. Deve ser tratada agressiva-
Baseia-se em medidas farmacológicas e não farmacoló- mente com inibidores da bomba de prótons, em doses
gicas. altas, como o omeprazol ou lansoprazol. Drogas prociné-
- Medidas não farmacológicas: abandono do tabagis- ticas, como a metoclopramida, bromoprida ou domperi-
mo, interrupção de drogas como beta-bloqueadores e dona podem ser associadas. São indicadas medidas não
descongestionantes nasais com ação vasoconstritora, farmacológicas, como evitar deitar-se antes de 2 horas
aquecimento das extremidades com luvas, meias e te- após a última refeição e agravantes como álcool, tabaco
cidos térmicos, estabilização adequada da temperatu- e cafeína, comer com frequência, mas em pequenas por-
ra ambiente e corporal como um todo, evitar arrancar ções, e elevar a cabeceira da cama. Endoscopias seriadas
cutículas; ou na presença de complicações, como disfagia, devem
- Tratamento farmacológico: utilizam-se os antagonis- ser realizadas.
tas dos canais de cálcio, principalmente a nifedipina. Os No tratamento da hiperproliferação bacteriana pelo
inibidores da recaptação de serotonina, como a fluoxe- acometimento do intestino delgado, preconiza-se o uso
tina, podem ser usados em doses baixas por inibirem de antibioticoterapia rotatória, com doxiciclina, 100mg,
a agregação e ativação plaquetária. IECA e bloquea- 12/12h, ciprofloxacino, 500mg, 12/12h, e metronidazol,
dores do receptor da angiotensina II também podem 250mg, 8/8h; em geral, cada antibiótico é utilizado por 10
ser usados, mas sem ação dramática sobre o FRy. Na dias, com intervalos de 15 dias em esquema de rodízio, com
abertura de úlceras digitais pela má perfusão, torna- o objetivo de evitar a resistência bacteriana.
-se necessária terapia mais agressiva: drogas efetivas A pseudo-obstrução intestinal pode ser tratada com as-
para a vasculopatia pulmonar podem ser usadas em piração nasogástrica e nutrição parenteral. Na desnutrição,
curso intermitente, como análogos da prostaciclina e o deve-se instituir nutrição parenteral prolongada.
bosentana. O sildenafila e a nitroglicerina subcutânea
também podem ser eficazes. Alguns autores orientam D - Acometimento musculoesquelético
uso do ácido acetilsalicílico (AAS) por ser antiagregan- Mialgias, artralgias, artrites e tendinites podem ser tra-
te plaquetário ou anticoagulante por curto período, na tadas com anti-inflamatórios não hormonais. Terapia física
vigência de grandes perdas teciduais isquêmicas. deve ser instituída precocemente para evitar contraturas.
Podem-se utilizar corticoide em doses baixas para artrite
B - Doença pulmonar franca ou doses altas para miosite. Em ambos os casos, o
A abordagem terapêutica na doença pulmonar da ES imunossupressor de eleição é o metotrexato, mas outros
visa ao controle da alveolite fibrosante e da vasculopatia podem ser usados.
pulmonar, que podem acarretar, respectivamente, fibro-
se pulmonar intersticial e hipertensão arterial pulmonar.
E - Acometimento renal
O monitoramento precoce e seriado da doença pulmonar Qualquer paciente com ES evoluindo com perda de
com PFP com difusão, TCAR e ecocardiograma é fundamen- função renal deve ser prontamente investigado. No caso
tal para fazer o diagnóstico e seguir a evolução e o trata- de hipertensão e crise renal esclerodérmica, está indicado
mento. IECA como 1ª escolha. O captopril, por exemplo, pode ser

148
ESCLEROSE SISTÊMICA

utilizado na dose inicial de 25mg, 8/8 horas, com aumento F - Acometimento cardiovascular
progressivo da dose até a normalização da pressão arterial,
nos 3 primeiros dias de doença. Deve-se manter o IECA nos Pacientes com distúrbios de condução, arritmias e insu-
casos de crise renal esclerodérmica mesmo se ocorre in- ficiência cardíaca devem ser tratados de acordo com a ma-
suficiência renal progressiva. Caso evolua com uremia ou nifestação. Derrame pericárdico sintomático pode necessi-

REUMATOLOGIA
hipercalemia, devem-se utilizar os métodos dialíticos, mas tar de corticoterapia em doses baixas e imunossupressores.
a continuação do IECA é fundamental no processo fisiopa- Se houver risco de tamponamento, a drenagem pericárdica
tológico e na recuperação da função renal. deverá ser realizada, com a corticoterapia e terapia imunos-
supressora para evitar novo derrame.

Tabela 11 - Principais alterações viscerais associadas a ES, exames diagnósticos e tratamento


Sítio Manifestações Diagnóstico Tratamento
- PFP: restrição pulmonar e redução da difusão do
Fibrose intersticial (alveolite CO; - Ciclofosfamida via oral ou em
fibrosante). - TCAR de tórax: vidro fosco (alveolite), infiltra- pulsoterapia por até 2 anos.
do reticulonodular e faveolamento (fibrose).
- PFP: difusão reduzida de monóxido de carbo-
- Bloqueadores dos canais de
no, sem alterações restritivas;
cálcio;
Pulmonares - Ecocardiograma: pressão arterial pulmonar
Hipertensão arterial pulmo- - Antagonista da endotelina-1;
elevada (>40mmHg);
nar. - Análogos da prostaciclina;
- Cateterização cardíaca: confirmação do au-
- Inibidores da fosfodiesterase;
mento da pressão sistólica da artéria pulmo-
- Oxigenoterapia.
nar.
Pneumopatia por refluxo
- TCAR: alterações em locais de aspiração. - Medidas antirrefluxo.
gastroesofágico.
- Dismotilidade esofágica;
- DRGE; - DRGE: inibidores da bomba de
- Gastroparesia; prótons, em doses altas, medi-
- Dismotilidade intestinal; das não farmacológicas, drogas
- Radiografias contrastadas do EED: dismotilidade
- Pseudo-obstrução; procinéticas;
do tubo digestivo, DRGE e lesões constritivas;
Gastrintestinais - Hipercrescimento bacte- - Hipercrescimento bacteriano:
- pHmetria: DRGE;
riano; antibioticoterapia rotatória;
- Endoscopia: complicações e lesões vasculares.
- Síndrome de má absorção; - Pseudo-obstrução: aspiração
- Constipação; nasogástrica e nutrição paren-
- Telangiectasias mucosas com teral.
sangramento.
- Hipertensão e crise renal es-
- Creatinina aumentada; clerodérmica: IECA deve ser
- Crise renal esclerodérmica; - HAS acelerada; mantido, mesmo se ocorrer
Renais
- IECA. - Hemograma: anemia microangiopática (evi- insuficiência renal progressiva.
dências de hemólise e microangiopatia). - Se uremia ou hipercalemia:
diálise e continuação do IECA.
- Distúrbios de ritmo e ICC:
tratamento padrão de acordo
- Distúrbios de condução, com a manifestação;
Cardiovascula- arritmias e insuficiência - Derrame pericárdico sintomá-
- ECG, Holter, ecocardiograma.
res cardíaca (ICC); tico: corticoterapia em doses
- Efusão pericárdica. baixas e imunossupressores se
necessário; drenagem, se risco
de tamponamento.

8. Prognóstico
A doença é crônica, sem cura definitiva, e o prognóstico está diretamente relacionado à extensão do acometimento
cutâneo e visceral. O diagnóstico do envolvimento visceral deve ser feito precocemente, com terapias necessárias instituí-
das prontamente para evitar progressão rápida.

149
REUMATO LOG I A

9. Resumo
Quadro-resumo
- Esclerose Sistêmica (ES): doença caracterizada por fibrose cutânea e visceral, anormalidades vasculares e alterações autoimunes;
- Duas formas: difusa e limitada (CREST – calcinoses, Raynaud, dismotilidade esofágica, esclerodactilia, telangiectasias);
- Forma difusa: acometimento cutâneo difuso, associada a fibrose pulmonar e presença de anti-Scl-70, prognóstico mais reservado;
- Forma limitada (CREST): acometimento cutâneo distal dos membros, face e pescoço; associada à hipertensão pulmonar e presença
de anticentrômero;
- Fenômeno de Raynaud: é universal na ES e pode ser bastante grave; padrão SD à capilaroscopia;
- Acometimentos viscerais mais importantes: gastrintestinal, pulmonar e renal;
- Anticorpos mais importantes: FAN positivo em mais de 95% dos casos, anti-Scl-70 (forma difusa), anticentrômero (forma limitada);
- Tratamento do quadro cutâneo: pode envolver metotrexato, D-penicilamina e, eventualmente, ciclofosfamida;
- Tratamento dos quadros viscerais: depende dos sítios acometidos e de sua gravidade.

150
CAPÍTULO

14
Síndrome antifosfolípide
Aleksander Snioka Prokopowistch / Ana Cristina de Medeiros Ribeiro
Hérica Cristiani Barra de Souza

1. Introdução coagulação para a detecção de anticorpos antifosfolípides,


sendo que mais de 1 anticorpo antifosfolípide pode estar
A síndrome antifosfolípide (SAF) é uma condição patoló- associado à atividade do anticoagulante lúpico.
gica de hipercoagulabilidade associada à presença no plas-
2 - Anticorpos anticardiolipina: são, geralmente, de-
ma de anticorpos antifosfolípides, cujas principais manifes-
tectados por ELISA e podem ser da classe IgM, IgG ou IgA.
tações se relacionam a tromboses arteriais e/ou venosas,
Vale ressaltar que, aproximadamente, 50% dos pacientes
morbidades gestacionais e plaquetopenia. Estima-se que
com SAF portadores de anticorpos anticardiolipina podem
5% da população geral e 50% dos indivíduos portadores de
apresentar testes falsos positivos para VDRL, uma vez que,
Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) possuam tais anticorpos,
nesse exame, o substrato é formado por partículas conten-
mas apenas uma parte deles em algum momento termina
do cardiolipina. No entanto, o VDRL falso positivo apresenta
por apresentar alguma manifestação clínica da SAF. Nos pa-
baixa sensibilidade e fraca correlação com a ocorrência de
cientes com LES portadores de anticorpos antifosfolípides,
tromboses, não devendo ser usado como teste de scree-
o risco de trombose venosa é de, aproximadamente, 50%
ning para SAF.
em 20 anos; os mais sujeitos ao quadro são aqueles com
títulos mais elevados e persistentes de tais anticorpos. A 3 - Anticorpo anti-beta2-glicoproteína-I (anti-beta2-
síndrome é denominada primária quando ocorre na ausên- -GP-I): o beta2-GP-I é o antígeno-alvo mais comum dos
cia de doenças do colágeno, e secundária quando aparece anticorpos antifosfolípides. Geralmente, os anticorpos anti-
associada a alguma colagenopatia (LES, por exemplo). cardiolipina de pacientes com SAF são dependentes de be-
ta2-GP-I; no entanto, nem sempre pacientes positivos para
Tabela 1 - Manifestações comuns de SAF anticardiolipina são também positivos para anti-beta2-GP-I.
- Abortamentos de repetição sem causa aparente; Não há padrões internacionais para a detecção desse anti-
- Trombose venosa ou arterial recorrente; corpo até o momento, e sua pesquisa ainda não é usual na
- Livedo reticularis; avaliação da SAF.
- Eventos cardiovasculares em indivíduos jovens; Há outros anticorpos antifosfolípides, como antifosfati-
- Isquemia coronária transitória; dilserina e antianexina-V, porém seu papel na SAF ainda é
- Trombocitopenia inexplicada. incerto, e sua pesquisa não faz parte da avaliação padrão
da síndrome.

2. Anticorpos antifosfolípides
3. Critérios diagnósticos
Os 3 principais tipos de anticorpos antifosfolípides rela-
cionados à SAF são: Os critérios definidos pelo Colégio Americano de
1 - Anticoagulante lúpico: apesar do nome, sua ativi- Reumatologia para a classificação da SAF são:
dade associa-se a um estado pró-coagulante in vivo, ten-
do sido assim denominado por ser capaz de prolongar, in
A - Critérios clínicos
vitro, o Tempo de Tromboplastina Parcial Ativada (TTPA), - Trombose vascular: 1 ou mais episódios de trombose
não corrigível pela adição de plasma normal ao ensaio. A arterial, venosa ou de pequenos vasos, em qualquer
pesquisa do anticoagulante lúpico é um teste funcional de tecido ou órgão.

151
REUMATO LOG I A

- Morbidades gestacionais:
• Um ou mais óbitos de fetos morfologicamente nor-
mais após a 10ª semana de gestação;
• Um ou mais partos prematuros de neonatos morfo-
logicamente normais até a 34ª semana de gestação;
• Três ou mais abortamentos espontâneos até a 10ª
semana de gestação.

B - Critérios laboratoriais
- Detecção no sangue de anticorpos anticardiolipina IgG
ou IgM em títulos moderados a elevados em 2 ou mais
ocasiões separadas por, pelo menos, 6 semanas;
- Detecção no sangue de anticoagulante lúpico em 2 ou Figura 1 - Livedo reticular
mais ocasiões separadas por, pelo menos, 6 semanas,
Quanto às afecções neurológicas observadas na SAF,
conforme os guidelines da Sociedade Internacional de
alterações cognitivas e síndromes demenciais são relati-
Trombose e Hemostasia.
vamente comuns, mesmo na ausência de manifestações
O diagnóstico da SAF definida requer a presença de, no isquêmicas evidentes do SNC. Da mesma forma, coreia e
mielite transversa também podem ocorrer na SAF, sem as-
mínimo, 1 critério clínico e de, pelo menos, 1 critério labo-
sociação a eventos trombóticos.
ratorial, sem limite de tempo decorrido entre a ocorrência
Por fim, vale lembrar a possibilidade da denominada
dos eventos clínicos e os achados laboratoriais. SAF catastrófica, forma bastante grave de manifestação da
síndrome caracterizada por múltiplas tromboses de gran-
4. Quadro clínico des e pequenos vasos em diferentes órgãos e tecidos simul-
taneamente. A mortalidade da SAF, na sua forma catastrófi-
Por se tratar de uma síndrome relacionada a um esta-
ca, pode chegar a 50%.
do de hipercoagulabilidade, a SAF pode produzir eventos
tromboembólicos em, virtualmente, qualquer tecido ou Tabela 2 - Critérios de SAF catastrófica. Fonte: UpToDate, 2011
órgão. Como exemplos mais comuns e importantes, po- Critérios preliminares para a classificação de SAF catastrófica
dem-se citar tromboses venosas profundas (em 32% dos
Critérios
casos), oclusões arteriais agudas de membros, acidentes
- Evidência de envolvimento de 3 ou mais órgãos, sistemas e/
vasculares encefálicos (em 13% dos casos), ataques isquê-
ou tecidos;
micos transitórios do SNC (em 7% dos casos), tromboem-
- Desenvolvimentos das manifestações simultaneamente ou em
bolismo pulmonar (em 9% dos casos), infarto agudo do
menos de 1 semana;
miocárdio, infartos hepáticos ou esplênicos, síndrome de
- Confirmação histopatológica de oclusão de pequenos vasos em
Budd-Chiari, insuficiência adrenal isquêmica e neuropatia pelo menos 1 órgão ou tecido;
óptica.
- Confirmação laboratorial da presença de anticorpos antifosfoli-
Do ponto de vista obstétrico, além das manifestações pídicos (anticoagulante lúpico e/ou anticardiolipina).
citadas nos critérios de classificação da SAF, são possíveis Classificação
outras condições mórbidas durante a gravidez, como pré-
- SAF catastrófica definida – requer a presença dos 4 critérios;
-eclâmpsia, eclâmpsia, síndrome HELLP e retardo de cresci-
- SAF catastrófica provável – requer os 4 critérios, exceto pela
mento intrauterino. presença de apenas 2 órgãos, sistemas e/ou sítios teciduais
Outra alteração comum na SAF é a plaquetopenia (em envolvidos ou os 4 critérios, exceto pela confirmação labora-
22% dos casos), causada por consumo ou mesmo por des- torial de, no mínimo, 6 semanas a partir do óbito precoce em
truição imunomediada de plaquetas. Geralmente é leve, paciente nunca antes testado para antifosfolípides ou critérios
mas pode ser grave a ponto de predispor o paciente a qua- 1, 2 e 4 ou 1, 3 e 4 e desenvolvimento de um 3º evento mais
dros hemorrágicos variados. de 1 semana e menos de 1 mês, a despeito da anticoagulação.
Também são frequentes alterações cutâneas, e o livedo
reticular (20% dos casos de SAF-imagem) é uma das ma- 5. Diagnóstico diferencial
nifestações mais características (embora não específica) da O diagnóstico diferencial da SAF inclui, necessariamen-
síndrome. Outras morbidades cutâneas comuns na SAF são te, outras causas de trombofilias. Dentre as causas con-
tromboflebites superficiais (9% dos casos) e úlceras de pele, gênitas, podem ser citados fator V de Leiden, mutação de
especialmente nos membros inferiores. protrombina, deficiências de proteínas C e S, deficiência de

152
SÍNDROME ANTIFOSFOLÍPIDE

antitrombina III e hiper-homocisteinemia. As causas adqui- risco de recorrência dos quadros trombóticos. A intensida-
ridas mais importantes de trombofilia são o uso de anticon- de de anticoagulação atualmente recomendada tem, como
cepcionais orais, terapia de reposição hormonal, gravidez, meta, a manutenção do valor de INR entre 2 e 3. Estudos
neoplasias, traumas, cirurgias e imobilidade. recentes demonstraram que, em pacientes com SAF, a ma-
Na sua forma catastrófica, a SAF pode requerer diagnós- nutenção de INR nesses níveis é tão eficaz quanto em níveis

REUMATOLOGIA
tico diferencial com quadros de púrpura trombocitopênica mais agressivos (3 a 4) para a prevenção de tromboses, não
trombótica e de coagulação intravascular disseminada. sendo indicada, portanto, anticoagulação de alta intensida-
Tabela 3 - Condições associadas de em longo prazo na SAF.
LES (25 a 50%), púrpura trombocitopênica Na gestação, a heparina e o AAS passam a ter papel
idiopática (30%), artrite reumatoide (33%), central no tratamento da SAF, dados os riscos do uso de
artrite psoriásica (28%), síndrome de Sjögren varfarina durante a gravidez. Em gestantes com SAF defi-
(42%), artrite de células gigantes/polimialgia nida e história de tromboses ou perdas embrionárias pre-
reumática (20%), doença mista do tecido
conjuntivo (22%), esclerose sistêmica (25%), coces (antes da 10ª semana de gestação), recomenda-se o
Doenças imuno- doença de Behçet (20%), poliarterite nodosa, uso de anticoagulação plena com heparina de baixo peso
lógicas dermatomiosite/polimiosite, anemia hemolí- molecular associada a baixas doses de AAS. Nos casos de
tica autoimune, hepatite crônica ativa. gestantes com SAF e história de perdas fetais após a 10ª
Observação: as porcentagens entre parên- semana, mas sem antecedentes de tromboses, recomen-
teses representam pacientes com AAF e não da-se o uso de AAS durante a gravidez, associado a doses
necessariamente a presença de manifesta-
ções clínicas da SAF. profiláticas de heparina de baixo peso molecular. Em ges-
Tumores sólidos, leucemia, desordens linfo- tantes com SAF e história de partos prematuros (antes da
Malignidade proliferativas/doença de Hodgkin, mieloma 34ª semana), ou em gestantes portadoras de anticorpos
múltiplo, micose fungoide. antifosfolípides, mas sem manifestações clínicas de SAF,
Doenças Mielofibrose, doença de von Willebrand, pode-se usar somente AAS durante a gravidez, especial-
hematológicas para proteinemias. mente no 2º e no 3º trimestres. Vale ressaltar que o uso
Sífilis, hanseníase, tuberculose, micoplasma, de corticoides no manejo da SAF durante a gravidez é con-
doença de Lyme, malária, infecção pelo HIV, traindicado, devido ao aumento de morbidade materna
Doenças hepatite A, hepatite C, HTLV-1, mononucleo-
(pré-eclâmpsia e diabetes).
infecciosas se, adenovirose, parvovirose, sarampo, vari-
cela, caxumba, infecções bacterianas (endo- Em condições específicas, pode-se lançar mão de ou-
cardite e sepse). tras linhas terapêuticas. Quadros de plaquetopenia grave
Doenças Síndrome de Sneddon, miastenia grave, es- podem requerer prednisona e gamaglobulina intravenosa.
neurológicas clerose múltipla, enxaqueca (hemicrania). Episódios de coreia e mielite transversa exigem o empre-
Clorpromazina, fenitoína, hidralazina, pro- go de pulsoterapia com metilprednisolona. Nos casos de
Medicações cainamida, quinidina, clozapina, estreptomi- SAF catastrófica, há necessidade de terapêutica agressiva,
cina, fenotiazinas.
incluindo, além da anticoagulação com heparina, pulsote-
rapia com corticoide e plasmaférese.
6. Tratamento Do ponto de vista profilático, em pacientes com LES,
portadores de anticorpos antifosfolípides sem manifesta-
Tabela 4 - Objetivos ções clínicas de SAF, pode-se considerar o uso de AAS as-
- Profilaxia; sociado à cloroquina, embora a eficácia dessa medida não
- Tratamento das tromboses agudas; tenha sido rigorosamente demonstrada nos estudos reali-
- Prevenção de futuros eventos trombóticos; zados até o momento.
- Manejo adequado da gravidez em mulheres com SAF.
7. Resumo
O tratamento inicial dos eventos trombóticos agudos re-
lacionados à SAF é o mesmo de qualquer outra trombose, Quadro-resumo
requerendo anticoagulação com heparina. Podem ser usa- - SAF: condição de hipercoagulabilidade associada à presença de
das tanto a heparina subcutânea de baixo peso molecular anticorpos antifosfolípides circulantes;
em dose plena como também a heparina não fracionada - Anticorpos antifosfolípides: detectados através da pesquisa de
em infusão intravenosa contínua. anticoagulante lúpico, anticardiolipina ou antibeta-2-glicopro-
teína-I;
Em todos os pacientes com SAF confirmada, está indi-
cada a anticoagulação oral com varfarina em longo prazo, - Tríade importante na SAF: tromboses vasculares, morbidades
gestacionais e plaquetopenia;
muitas vezes por tempo indeterminado, dado o elevado

153
REUMATO LOG I A

- Outros achados clínicos: cutâneos (livedo reticular, trombofle-


bites, úlceras) e neurológicos (demências, coreia, mielite trans-
versa);
- Tratamento: anticoagulação em longo prazo (meta de INR = 2 a
3, eventualmente 3 a 4 para eventos arteriais), heparina profi-
lática e AAS (gravidez), cloroquina, corticoterapia/gamaglobuli-
na/plasmaférese (quadros mais graves).

154
CAPÍTULO

15
Dermatopolimiosite e polimiosite
Rodrigo Antônio Brandão Neto / Ana Cristina de Medeiros Ribeiro /
Aleksander Snioka Prokopowistch / Hérica Cristiani Barra de Souza

1. Introdução inflamatório intersticial com degeneração de miócitos. Fonte: Up-


ToDate, 2011
As miopatias inflamatórias idiopáticas formam um gru-
po heterogêneo de desordens raras caracterizadas por fra-
Tabela 1 - Classificação clínica das miopatias inflamatórias idio-
queza muscular proximal e inflamação não supurativa do páticas
músculo esquelético, com achados eletroneuromiográficos
- Polimiosite;
característicos e aumento de enzimas musculares. As doen-
ças incluídas nesse grupo estão listadas na Tabela 1. - Dermatopolimiosite;
- Dermatomiosite: está associada a uma variedade de - Dermatomiosite juvenil;
manifestações cutâneas características — pápulas de - Miosite associada a neoplasia;
Gottron, “sinal do xale”, “sinal do V”, heliotropo e eri- - Miosite associada a doença vascular do colágeno;
trodermia generalizada. É mais comumente associada - Miosite por corpúsculo de inclusão.
à neoplasia.
- Polimiosite: reflete uma injúria muscular direta me- 2. Epidemiologia
diada por células T, já a dermatomiosite caracteriza-se
pela deposição nos vasos de complexos imunes (vascu- Possuem uma baixa incidência na população geral, em
lopatia imunomediada – Figura 1). torno de 0,5 a 8,4 casos por milhão de pessoas. A incidência
parece estar aumentando devido ao diagnóstico mais acu-
rado. De forma geral, são encontradas em todos os grupos
etários, mas há uma distribuição bimodal, com picos nas fai-
xas entre os 10 e os 15 anos e os 45 e os 60 anos. Entretanto,
de acordo com o tipo de miopatia inflamatória encontrada, a
incidência nos grupos etários pode ser bem diferente.
Enquanto a distribuição da miosite associada à doença
do colágeno segue a da doença de base à qual está asso-
ciada, a dermatomiosite juvenil (DMJ) acomete crianças e
adolescentes com menos de 16 anos, tendo algumas ca-
racterísticas clínicas peculiares. A miosite por corpúsculos
de inclusão e a associada a malignidade são mais comuns
após os 50 anos. Em todas as formas de miosite inflama-
tória, as mulheres são mais afetadas que os homens, em
uma relação de 2:1, com exceção da miopatia por corpús-
culos de inclusão, que afeta mais o sexo masculino. Quando
a miopatia acomete fora do período de menacme, como
em crianças e idosos, a distribuição é mais uniforme entre
Figura 1 - (A) Vasculopatia da dermatomiosite – infiltrado inflama- ambos os sexos, refletindo as influências hormonais sobre
tório perivascular – e (B) intersticiopatia da polimiosite – infiltrado essas doenças.

155
REUMATO LOG I A

Tabela 2 - Características de miopatias inflamatórias pélvica. O paciente se queixa de dificuldade para realizar ta-
refas específicas que envolvam essa musculatura proximal,

Malignidade
(criança)
como levantar-se da cadeira, subir escadas (cintura pélvica),

Overlap
Miosite

Geral
MCI
DM
PM
pentear o cabelo, lavar a cabeça e elevar os braços (cintu-
ra escapular). A musculatura do pescoço, principalmente a
flexora, também pode estar acometida, e o paciente tem
Frequência 50 20 10 10 10 <5 -
dificuldade de elevar a cabeça quando deitado de costas.
Idade média É necessário, ao examinar o paciente, fazer a graduação da
– diagnós- 45 40 10 35 60 >65 45 força muscular de acordo com a Tabela 3, tanto para o diag-
tico
nóstico quanto para o acompanhamento do tratamento
Gênero F:M 2:1 2:1 1:1 10:1 1:1 1:2 2,5:1 destes pacientes.
Raça B:N 5:1 3:1 1:1 3:1 2:1 - 3:1
Tabela 3 - Graduação da força muscular
3. Patogênese Força Definição

A etiologia da doença muscular inflamatória é desco- 0 Ausência de contração muscular


nhecida. A hipótese mais aceita sugere a associação de 1 Força muscular nitidamente visível
múltiplos fatores. As miopatias idiopáticas inflamatórias Movimento possível, se ação da gravidade for com-
2
são processos imunomediados, em que estão envolvidos pensada
vários fatores em pacientes geneticamente suscetíveis. 3 Movimento ativo contra ação da gravidade
Duas hipóteses têm reforçado o envolvimento autoimune:
4 Movimento ativo contra resistência
a associação de outras doenças autoimunes (tireoidite de
5 Força normal
Hashimoto, miastenia grave, diabetes mellitus tipo 1, cirro-
se biliar primária e doenças do tecido conjuntivo), e a 2ª
evidência é a presença de autoanticorpos circulantes. Pode haver o comprometimento da parede posterior da
A causa específica para desencadear o desenvolvimento faringe e do 1/3 proximal do esôfago (músculo esquelético),
de miopatia autoimune é desconhecida, mas a presença de o que resulta em disfagia de transferência, isto é, dificul-
vírus tem sido envolvida, assim como a variação sazonal; dade em deglutir com sincronismo o alimento, resultando,
dependendo da estação do ano, parece favorecer o desen- em casos avançados, em broncoaspiração. Pode ocorrer
volvimento deste ou daquele autoanticorpo. A importân- disfonia em alguns casos. Poupam-se as musculaturas facial
cia de fatores genéticos foi demonstrada: indivíduos com e ocular. Dores musculares inespecíficas e artralgias leves
HLA-DR3 têm risco aumentado para o desenvolvimento de ocorrem, mas artrite franca e dor muscular específica nas
doença muscular inflamatória. Todos os pacientes com an- cinturas pélvica e escapular são incomuns. A fraqueza é
ticorpo anti-Jo-1 têm HLA DR52. bem mais proeminente que a dor, e também pode ocorrer
As alterações patológicas reforçam a hipótese de um en- fenômeno de Raynaud.
volvimento imunomediado. Na polimiosite e na miosite por Artralgias e, com menor frequência, artrite acompanha-
corpúsculo de inclusão, ocorre uma interação imunomedia- da de rigidez matinal podem ser observadas. A distribuição
da citotóxica, em que as fibras apresentam uma invasão de do quadro articular é semelhante ao da artrite reumatoide.
células T. Ao contrário, na dermatopolimiosite, a resposta Alguns pacientes podem apresentar subluxações e deformi-
humoral parece ser o principal evento, ocorrendo uma in- dades importantes, entretanto erosão óssea não é encon-
vasão de infiltrado celular de localização perivascular. A vas- trada.
culopatia, tão proeminente na DMJ e ocasionalmente pre-
Pode ocorrer o acometimento intersticial, com alve-
sente na forma adulta, é mediada por mecanismo humoral.
olite ativa evoluindo com fibrose pulmonar, simétrica,
Apesar de os mecanismos imunes que envolvem a poli-
predominante nas bases e regiões pulmonares inferiores
miosite e a miosite por corpúsculos de inclusão serem se-
melhantes, a patologia é diferente. Na miopatia por corpús- (Figura 2). O envolvimento cardíaco pode manifestar-se
culos de inclusão, têm-se vacúolos, onde se deposita uma como arritmias, cardiomiopatia e insuficiência cardíaca
substância amiloide. congestiva. Um grupo de pacientes, a maioria com poli-
miosite, pode apresentar a síndrome antissintetase, com
marcadores sorológicos específicos (anti-Jo-1 e outros),
4. Quadro clínico acometimento pulmonar com fibrose intersticial, quadro
O quadro clínico varia um pouco com a forma de miopa- articular mais grave, acometimento cardíaco e “mãos de
tia. Na polimiosite, a fraqueza muscular geralmente é pro- mecânico” (uma alteração típica em que as laterais dos
gressiva, de início insidioso, levando de 3 a 6 meses para dedos e as palmas ficam ressecadas, com fissuras e linhas
se instalar. O acometimento é simétrico e proximal, com horizontais e coloração escuro-acastanhada, com aspecto
comprometimento dos músculos das cinturas escapular e sujo – Figura 3).

156
D E R M AT O P O L I M I O S I T E E P O L I M I O S I T E

REUMATOLOGIA
Figura 5 - Rash em heliotropo: pigmentação rosa ou violácea nas pál-
pebras de pacientes com dermatopolimiosite. Fonte: UpToDate, 2011

Outras manifestações são menos específicas, como:


- Eritema macular fotossensível na face (região malar,
queixo, sulco nasolabial e fronte – Figuras 6A e B);

Figura 2 - Doença intersticial pulmonar: observar a lesão “em vidro


fosco” (alveolite) nas porções inferiores e posteriores dos pulmões,
simetricamente
Figura 6 - (A) Eritema ou rash facial nas regiões malares e mento-
niana e (B) na fronte, na mesma paciente

Figura 7 - “Sinal do xale” nos ombros e pescoço. Fonte: UpToDate,


2011
Figura 3 - “Mãos de mecânico”. Fonte: UpToDate, 2011
- Sinal do “V do decote” na região anterior do pescoço;
A apresentação clínica da dermatomiosite assemelha- - Rash nas superfícies extensoras de dedos, cotove-
-se bastante a da polimiosite, com a inclusão dos achados los e joelhos (mesma distribuição que as pápulas de
cutâneos característicos. Essas manifestações cutâneas têm Gottron);
frequência variável entre os pacientes. Os achados mais es-
pecíficos são:
- Rash e fotossensibilidade em outras áreas: couro cabe-
ludo, braços e coxas;
- Pápulas de Gottron: lesões descamativas, elevadas, - Cutículas distróficas, telangiectasia e hiperemias pe-
simétricas, de coloração rosada, localizadas sobre as
riungueais (Figura 8), vasculites cutâneas (nódulos
superfícies extensoras dos dedos, cotovelos (Figuras
sensíveis, infartos digitais, úlceras cutâneas em outras
4A e B), joelhos e maléolos mediais;
localizações) e fenômeno de Raynaud também podem
estar presentes.

Figura 4 - Pápulas de Gottron: (A) pápulas eritematosas nas super-


fícies extensoras de cotovelo e (B) das mãos, sobre metacarpofa-
langianas, interfalangianas proximais e distais

- Lesão em heliotropo (Figura 5): erupção violácea na


pálpebra superior, geralmente acompanhada de ede- Figura 8 - Cutículas distróficas, telangiectasia e hiperemias periun-
ma periorbital. gueais. Fonte: UpToDate, 2011

157
REUMATO LOG I A

Uma forma rara de dermatomiosite é a sine miosite ou sites e são encontrados em outras desordens autoimunes
amiopática, em que os sinais cutâneos, com biópsia com- (anti-RNP, anti-Ro etc.). Outros autoanticorpos praticamen-
patível, são encontrados sem comprometimento muscular. te só são encontrados nos casos de miosite e, geralmente,
A maioria desses casos evolui com o tempo para dermato- são marcadores de características clínicas e prognóstico es-
miosite, com algum grau de miosite, mesmo que subclínica. pecíficos: são os chamados autoanticorpos miosite-especí-
A DMJ pode ser muito semelhante às formas adultas, ficos. Ocorrem em, aproximadamente, 30% dos pacientes.
mas se diferencia pela maior prevalência de vasculite, calci- Três grupos de autoanticorpos miosite-específicos são
noses (calcificações ectópicas musculares ou subcutâneas) definidos. O 1º engloba a presença de anticorpos contra
e lipodistrofia. O quadro de vasculite pode ser muito grave, RNA-sintetases (o principal é o anti-Jo-1), que se associam
inclusive com vasculite intestinal, com sangramento e per- à síndrome antissintetase (ver quadro clínico) e a doença
furação. persistente, principalmente em pacientes com polimiosi-
A miosite associada à doença vascular do colágeno pode te. O 2º grupo inclui indivíduos com anticorpos anti-SRP
ser a queixa mais proeminente na apresentação de uma sé- (Signal Recognation Particle ou partícula reconhecedora de
rie de doenças, como lúpus, esclerodermia, doença mista sinal), associados ao envolvimento da musculatura cardíaca
do tecido conjuntivo e síndrome de Sjögren. e doença aguda, com mau prognóstico. O 3º grupo é iden-
A miosite associada à neoplasia costuma manifestar-se, tificado com anticorpos anti-Mi-2 ou anti-helicase. Ocorre
mais comumente, como dermatomiosite e, em menor fre- em pacientes com dermatomiosite, com “sinal do xale”,
quência, como polimiosite. A neoplasia pode ser diagnosti- rash “em tronco” e alterações na cutícula, e apresenta bom
cada anteriormente, no momento ou mesmo anos após a prognóstico.
instalação da miopatia. Pacientes com dermato e polimio-
site devem ser investigados para neoplasia por ocasião do 6. Outros exames
diagnóstico e nos primeiros anos da doença. A neoplasia
subjacente geralmente é uma neoplasia epidemiologica- A eletroneuromiografia (ENMG) ajuda no diagnóstico
mente comum para o sexo e a idade, mas o câncer de ová- por demonstrar o padrão de envolvimento miopático, si-
rio parece ser mais associado, devendo ser sempre excluído métrico e proximal das miopatias inflamatórias idiopáticas,
em mulheres. diferenciando-o de outros padrões de miopatia ou de neu-
A miosite por corpúsculo de inclusão tem algumas ca- ropatia. Na miopatia inflamatória idiopática, observam-se
racterísticas peculiares: curso mais insidioso, acometimen- potenciais polifásicos de baixa amplitude e curta duração,
to de indivíduos com mais de 50 anos, maior frequência no fibrilações e complexos motores bizarros de alta frequên-
sexo masculino, com miopatia proximal e distal, assimétri- cia. Na miosite por corpúsculos de inclusão, a ENMG pode
ca, com atrofia muscular e pouca ou nenhuma resposta ao apresentar achados mistos de miopatia e neuropatia, além
tratamento. Os achados da biópsia são característicos, e as de comprometimento assimétrico e distal.
enzimas musculares têm elevação discreta. A confirmação histológica de inflamação muscular é
desejável em todos os casos, mas não é sempre realiza-
5. Exames laboratoriais da. A presença de achado inflamatório é importante, mas
a variação no tamanho das fibras, necrose e degeneração,
A maioria dos pacientes com miopatia inflamatória tem com atrofia de fibras tipo 2 e substituição por colágeno são
aumento dos níveis das enzimas musculares em algum mo- achados indiretos. Na polimiosite, predomina o infiltrado
mento do curso da doença; a manifestação de tais enzimas inflamatório focal e endomisial com macrófagos e linfóci-
na circulação demonstra a presença de dano muscular. A tos T CD8; na dermatomiosite, há predomínio de infiltrado
enzima muscular mais comumente dosada é a creatinofos- por linfócitos T CD4, com predomínio perivascular e atrofia
foquinase (CPK), que apresenta, também, maior sensibilida- perifascicular. Na miosite por corpúsculo de inclusão, en-
de. O nível de CPK sérico se correlaciona com a atividade da contram-se vacúolos intracitoplasmáticos na microscopia
doença. Na miosite por corpúsculo de inclusão, as enzimas comum e inclusões intranucleares ou intracitoplasmáticas.
são muito pouco elevadas. A creatinoquinase isoenzima MB Estudos de imagem, como tomografia computadoriza-
(CK-MB) pode estar elevada devido à isoforma presente no da e ressonância magnética, podem determinar o melhor
músculo esquelético. Outras enzimas que podem ser do- lugar para uma biópsia. O uso da última pode ser reservado
sadas e estar aumentadas são aldolase, aspartato amino- para avaliar o curso da doença e a resposta à terapia, de-
transferase (AST ou TGO), alanina aminotransferase (ALT ou monstrando áreas de inflamação muscular, edema, fibrose
TGP) e desidrogenase lática (DLH). e calcificação.
As provas de atividade inflamatória, velocidade de he-
mossedimentação (VHS) e Proteína C Reativa (PCR) podem
estar normais em uma grande parcela dos pacientes.
7. Diagnóstico
Autoanticorpos contra antígenos nucleares (FAN) são O diagnóstico de dermatopolimiosite é fundamentado
encontrados em 50% das miopatias inflamatórias. Alguns em achados clínicos compatíveis, associados a exames com-
autoanticorpos frequentes não são específicos para as mio- plementares (enzimas, eletromiograma – EMG –, biópsia).

158
D E R M AT O P O L I M I O S I T E E P O L I M I O S I T E

Os critérios mais utilizados são os propostos por Bohan e Miopatias metabólicas


Peter (1975): - Desordens de carboidratos;
- Fraqueza muscular proximal simétrica; - Desordens de lipídios;
- Elevação de enzimas musculares (CK, aldolase, AST, - Desordem metabolismo das purinas.
ALT, DLH);

REUMATOLOGIA
Drogas e toxinas
- Anormalidades eletroneuromiográficas características;
- Ilícitas (cocaína, heroína);
- Biópsia muscular: infiltração inflamatória e degenera-
ção/regeneração ou atrofia perifascicular; - Álcool;
- Rash cutâneo típico da dermatomiosite: sinal de - Corticosteroides;
Gottron ou heliotropo. - Inibidores da HMG-CoA;
- Outras (colchicina, antimaláricos, penicilamina, zidovudina, ini-
Para o diagnóstico de polimiosite, exclui-se o critério cutâ- bidores da HMG-CoA).
neo e consideram-se polimiosite possível (2 critérios), prová- Infecções
vel (3 critérios) ou definida (3 critérios). Na dermatomiosite, - Vital (influenza, parainfluenza, coxsackie, HIV, Epstein-Barr);
o esquema é o mesmo, incluindo-se o critério cutâneo.
- Bacteriana (piomiosite, miosite de Lyme);
- Fúngica;
8. Diagnóstico diferencial
- Parasitárias (tricomoníase, toxoplasmose).
Diante de um quadro de miopatia inflamatória, outras Rabdomiólise
doenças que causam sintomas de miopatia devem ser pes-
- Trauma;
quisadas e excluídas, já que as miopatias de origem au-
- Convulsões;
toimune são extremamente raras. Podem ser incluídas no
diagnóstico diferencial: - Abuso de álcool (delirium tremens);
- Miastenia grave; - Enxerto (queimaduras);
- Síndrome miastênica de Eaton-Lambert; - Cirurgia vascular;
- Doença do neurônio motor; - Hipertermia maligna.
- Distrofia muscular de Duchenne;
- Miopatia por drogas (álcool, amiodarona, cocaína, col- 9. Tratamento
chicina, fibratos, corticoides, zidovudina, lovastatina);
A terapia física é importante no tratamento, e o repou-
- Infecções: vírus influenza, agentes oportunistas, sín- so no leito é necessário em casos de inflamação severa.
drome da imunodeficiência adquirida, fungos, toxo-
Exercícios passivos devem ser realizados a fim de manter o
plasmose, CMV, rubéola, vírus Epstein-Barr etc.;
movimento e prevenir contraturas.
- Desordens endócrinas: hipotireoidismo, deficiência Corticosteroides são o tratamento de 1ª linha nas mio-
de miofosforilase, miopatia mitocondrial, doenças da
patias inflamatórias, inicialmente na dose de 1mg/kg/dia de
adrenal e anormalidades eletrolíticas.
prednisona ou equivalente. Em casos mais graves, pode ser
utilizada metilprednisolona intravenosa em pulsoterapia. A
Tabela 4 - Principais causas de miopatias
melhora clínica pode ser observada nas primeiras semanas,
Inflamatórias
mas pode ser mais demorada. Cerca de 90% dos pacientes
- Polimiosite; têm alguma resposta com corticoide.
- Dermatomiosite; Se o indivíduo não responde satisfatoriamente à corti-
- Miosite por corpúsculo de inclusão; coterapia, se há recidiva do quadro ou o doente tem acha-
- DMJ; dos de maior gravidade ou de pior prognóstico, outros
- Vasculites; agentes podem ser utilizados em associação ao corticoide,
- Síndromes de sobreposição; para que ele possa ser lentamente retirado, como metotre-
- Artrite reumatoide; xato ou azatioprina. Outros imunossupressores que podem
- Síndrome de Sjögren. ser utilizados são ciclofosfamida, clorambucila, ciclospori-
Endócrinas na, micofenolato de mofetila e, até mesmo, em casos refra-
- Hipotireoidismo;
tários, os agentes anti-TNF-alfa (infliximabe, etanercepte,
adalimumabe). A imunoglobulina intravenosa é uma boa
- Síndrome de Cushing.
opção a pacientes infectados ao diagnóstico ou em surtos
Distúrbios eletrolíticos
de atividade desencadeados por infecção, como aqueles
- Hipocalemia;
com pneumonia aspirativa. Os antimaláricos (hidroxicloro-
- Hipofosfatemia; quina e cloroquina) e corticoides tópicos podem ser usados
- Hipocalcemia; no tratamento de lesões cutâneas da dermatomiosite, sem
- Hiper ou hiponatremia. ação sistêmica.

159
REUMATO LOG I A

10. Dermatomiosite juvenil pode sinalizar doença vascular em outros órgãos (es-
pecialmente os pulmões e intestino). Pacientes com
A DMJ é primariamente uma doença vascular capilar, lesões ulcerativas têm uma doença mais grave e pior
enquanto polimiosite juvenil (PMJ) envolve invasão de cé- prognóstico;
lulas T direto das fibras musculares semelhante à observada
em adultos.
- Calcinose: calcificação distrófica ou calcinose (calcifi-
cação dos tecidos moles), geralmente desenvolve-se
dentro de alguns anos de diagnóstico. Relatos de sua
A - Epidemiologia
prevalência varia de 30 a 50%.
A DMJ acomete cerca de 2 a 4 por milhão de crianças,
com pico de incidência entre 5 e 10 anos de idade. A pro- Cinco padrões distintos de calcinose foram descritos:
porção do acometimento é de 2 a 5:1. - Pequenas e dispersas placas superficiais ou nódulos,
geralmente nas extremidades. Essas lesões muitas
B - Patogênese vezes não interferem com a função, mas pode ser do-
lorosas e desenvolver celulite. Calcinoses superficiais
Apesar de a etiologia ser desconhecida, tem sido pro-
frequentemente regridem espontaneamente durante
posto que a DMJ e PMJ são causadas por uma reação au-
um período de anos;
toimune no tecido muscular de indivíduos geneticamente
suscetíveis, possivelmente em resposta às causas ambien- - Profundas calcificações musculares tumorais frequen-
tais. temente encontradas nos grupos musculares proxi-
A suscetibilidade genética está relacionada aos fenóti- mais que podem interferir com a mobilidade articular.
pos do HLA: HLA-B8, HLA-DQA1 * 0501 e HLA-DQA1 * 0301. Estes depósitos podem ulcerar ou expulsar material
Polimorfismos genéticos em fator de necrose tumoral alfa calcificante através da pele. Estes podem requerer o
e antagonista de receptor de interleucina-1 são conhecidos debridamento cirúrgico, a fim de maximizar a função
fatores de risco para o desenvolvimento da DMJ ou para a da articulação;
gravidade de sua apresentação. - Depósitos difusos ao longo dos planos miofasciais, que
podem limitar a mobilidade articular e podem ser do-
C - Manifestações clínicas lorosos;
- A fraqueza muscular é a principal característica da - Formas mistas dos 3 tipos citados podem ser vistos;
DMJ e PMJ. As crianças com DMJ e PMJ também podem - Extensos depósitos de cálcio exoesqueleto-like que re-
ter sintomas constitucionais (febre, perda de peso, fadiga sultam em sérias limitações na função. Os pacientes
e cefaleia). com esta forma de calcinose muitas vezes têm um his-
A apresentação clínica da DMJ é variável. Sintomas mais tórico de grave e incessante evolução da doença asso-
comuns: ciada com doença cutânea ulcerativa.
- Erupção Gottron: 91%; - A calcinose foi associada a fatores de risco:
- Heliotropo: 83%; - O atraso no diagnóstico ou tratamento, ou tratamento
- Eritema malar/facial: 42%; inadequado;
- Mudança capilar periungueal: 80%; - Fator de necrose tecidual (TNF) alfa-308A genótipo
(este alelo é associado a aumento dos níveis de TNF
- Mialgia/artralgia: 25%; alfa);
- Disfonia ou disfagia: 24%; - Pacientes abaixo de 5 anos de idade têm sido descritos
- Anorexia: 18%; como mais propensos a desenvolver calcinose. Entre-
- Febre: 16%. tanto, outro estudo não encontrou associação entre
a) Rash idade de início da DMJ e calcinose.
Várias erupções distintas podem ocorrer simultanea- b) Dermatomiosite amiopática
mente com a participação muscular, mas também pode ser As manifestações cutâneas da DMJ podem aparecer na
proeminente antes da fraqueza muscular evidente. Rash é ausência de doença muscular clinicamente aparente em
uma característica importante distinguir entre DMJ e PMJ, um pequeno número de crianças, que, com esta apresen-
uma vez que não está presente na última condição. Doença tação, nunca podem desenvolver fraqueza muscular, mas
cutânea pode ser agravada pela exposição solar. podem refletir uma fase inicial no curso da doença antes de
- Alteração capilares periungueais: dilatação, tortuosi- fraqueza muscular ainda não desenvolvida.
dade a áreas avasculares;
- Ulcerações cutâneas: dermatite ulcerativa é uma c) Fraqueza muscular
manifestação grave e potencialmente fatal da DMJ. Simétrica, proximal. Isso pode apresentar com limita-
Úlceras refletem presumivelmente a vasculopatia sig- ções funcionais, como dificuldade de se levantar do chão,
nificativa na pele (com hipóxia tecidual e necrose), e entrar e sair de automóveis, ou subir escadas. Lavar rou-

160
D E R M AT O P O L I M I O S I T E E P O L I M I O S I T E

pa ou pentear os cabelos pode representar um desafio, e Gottron (erupção eritematosa, papuloescamosa so-
crianças gravemente afetadas podem não ser capazes de bre a superfície dorsal dos nós dos dedos);
se alimentar. Em crianças muito jovens, quedas frequentes • Elevação do nível sérico de uma das enzimas mus-
pode ser um sintoma importante. Um sinal de Gower está culares;
frequentemente presente. • EMG demonstrando denervação e miopatia;

REUMATOLOGIA
A fraqueza do músculo cricofaríngeo e do palato pode • Biópsia do músculo exibindo necrose e inflamação.
resultar em problemas de deglutição, uma voz nasal, aspi-
ração traqueal, e refluxo do alimento para a nasofaringe. A EMG e a biópsia são consideradas auxiliares no diag-
Envolvimento da parte superior do esôfago pode levar a nóstico, sendo que em uma criança com quadro clínico típi-
disfagia para sólidos e líquidos. co estes 2 métodos são dispensáveis.
d) Artrite Além disso, a ressonância magnética foi classificada
como uma ferramenta muito útil no diagnóstico da DMJ.
Artralgia não erosiva e artrite podem estar presentes no
momento do diagnóstico ou durante o curso da doença. As a) Bases para o diagnóstico
contraturas podem ser vistas, mas são geralmente relacio- - Exame físico:
nadas com a fraqueza muscular ao invés de artrite.
• Rash característico: heliotropo e pápulas de
e) Lipodistrofia Gottron;
Lipodistrofia e alterações metabólicas associadas, tais • Teste de força muscular: é essencial na avaliação de
como resistência à insulina, acantose nigricans, e diabetes qualquer criança com suspeita ou confirmação de
tipo 2 estão sendo cada vez mais reconhecidas em pacien- DMJ ou PMJ porque, a força muscular proximal e
tes com DMJ. simétrica, é uma exigência para o diagnóstico;
f) Outros achados • Childhood Myositis Assessment Scale (CMAS):
- Comprometimento pulmonar: manifestações pulmo- medida objetiva da força muscular em crianças. A
nares são muito menos comuns nas crianças do que pontuação é atribuída de 0 a 51, com uma maior
em adultos, mas a doença intersticial pulmonar pode pontuação indicando maior resistência. Pode ser
ocorrer; utilizada para avaliações seriadas de pacientes
com DMJ e PMJ para monitorar a resposta à te-
- Vasculopatia gastrintestinal: relativamente raro, mas rapia.
pode ser fatal. Os pacientes acometidos podem apre-
sentar dor abdominal, pneumatose intestinal, hemor- - Capilaroscopia periungueal: 1 gota de óleo ou lubrifi-
ragia digestiva ou perfuração. Qualquer paciente com cante é colocada sobre a unha do paciente e vista em
DMJ com dor abdominal que persiste ou progride me- um microscópio de luz ou oftalmoscópio (usar o mais
rece uma investigação cuidadosa porque vasculopatia alto nível de ampliação). É usado para avaliar a dilata-
GI pode ocorrer no final do curso da doença ou em um ção dos capilares, áreas avasculares e o número total
paciente com apenas miosite discreta. A necessidade de capilares por milímetro. Avaliação contínua dos ca-
de uma investigação mais aprofundada, como a ultras- pilares ungueais pode ser útil para monitorar a ativida-
sonografia abdominal ou Tomografia Computadoriza- de da doença e a resposta ao tratamento.
da (TC), deve ser guiada pela suspeita clínica de envol- - Enzimas musculares: elevados níveis séricos de en-
vimento GI significativo; zimas musculares são marcadores de lesão muscular
- Anasarca: a presença de anasarca na apresentação e quando presente, apoiam o diagnóstico de DMJ ou
pode ser um sinal de mau prognóstico indicando do- PMJ. As enzimas musculares testadas rotineiramente
ença grave que pode responder muito lentamente ao na avaliação de miopatia incluem:
tratamento e não pode responder aos corticosteroides • CPK;
sozinho. O edema generalizado pode ser o resultado • DHL;
de um vazamento capilar difuso resultante da lesão
• Aldolase;
endotelial vascular.
• ALT e AST.

D - Diagnóstico Deve ser lembrado que a CPK, DHL, ALT e AST podem
- Critérios de classificação e diagnóstico – 1975, Bohan surgir de outras fontes que não musculares, mesmo na
e Peter: configuração de um paciente com fraqueza muscular. vale
loembrar que alguns pacientes podem ter valores normais
• Fraqueza simétrica da musculatura proximal;
apesar de fraqueza clinicamente evidente. Assim, a eleva-
• Alterações cutâneas características, consistindo de ção das enzimas musculares séricas auxilia no diagnóstico
heliotropo (rash vermelho-arroxeado nas pálpe- de DMJ e PMJ, mas níveis normais das enzimas não ex-
bras superiores com edema periorbital) e sinal de
cluem.

161
REUMATO LOG I A

- Eletroneuromiografia: em pacientes com DMJ e PMJ O tratamento inicial varia de acordo com a apresentação
há evidência de um aumento da irritabilidade da mem- clínica, que varia de doença leve, com fraqueza muscular e
brana da célula muscular que é demonstrada pela se- manifestações cutâneas a fraqueza fatal grave, danos nos
guinte tríade clássica da EMG, que são caracterizadas órgãos internos e lesões ulcerativas na pele. A intensidade
pela presença de picos e ondas: dos aumentos da terapia inicial é de acordo com o aumen-
• Curtos, polifásicos, pequenos potenciais na unidade to da gravidade dos sintomas. Por exemplo, ciclofosfamida
motora; intravenosa é reservada para pacientes com doença grave
• Irritabilidade insercional, fibrilações espontâneas, com risco de vida.
ondas agudas positivas; a) Glicocorticoides
• Descargas repetitivas de alta frequência.
São os agentes iniciais de escolha no tratamento de pa-
Deve ser usada somente se o diagnóstico for incerto, cientes com DMJ e PMJ.
por ser invasiva para crianças. EMG também pode ser usa- - Prednisona oral: tem sido o pilar do tratamento da
da para detectar áreas de inflamação e para determinar um DMJ e PMJ por muitos anos. Regime padrão inicial é de
local apropriado para realização de biópsia muscular. 2mg/kg/dia (até um máximo de 80mg/dia) em doses
- Ressonância magnética: é cada vez mais utilizada no divididas por 6 semanas, após o qual é consolidado em
diagnóstico de miopatia inflamatória na infância a fim 1 dose única diária. Ajustar a dose em relação à gra-
de evitar a morbidade da biópsia muscular e EMG. As vidade da doença com doses mais baixas em crianças
alterações incluem o aumento de intensidade do sinal com doença mais branda. Podem ser desmamados aos
(em T2 ou STIR) do músculo afetado, edema perimus- poucos de forma gradual durante um período prolon-
cular e aumento da intensidade do sinal da gordura gado. A força muscular e as enzimas são monitoradas
subcutânea. Esses achados correlacionam-se com di- para a evidência de recidiva.
minuição da força muscular. Após a terapia, a intensi- - Metilprednisolona intravenosa: devido aos quadros
dade do sinal no músculo volta ao normal. graves, particularmente aqueles com doença vascular
- Biópsia muscular: pode confirmar o diagnóstico de gastrintestinal que podem ter diminuída a absorção de
DMJ e PMJ, quando permanece a incerteza. prednisona por via oral, o uso do pulso de metilpred-
nisolona intravenosa tem sido proposto como um regi-
Os achados histológicos característicos da DMJ incluem:
• Atrofias perifasciculares; me alternativo. O esquema mais utilizado é na dose de
30mg/kg/dia (máximo de 1g) por 3 dias consecutivos,
• Degeneração das fibras tipos I e II do músculo;
seguidos por mais bolos semanal ou mensal, conforme
• Regeneração das fibras musculares associados com necessário.
basofilia;
• Centralização de núcleos nas fibras musculares; b) Outros agentes
• Infiltrado mononuclear perivascular. A terapia da combinação usando glicocorticoides e outro
agente imunossupressor a partir do momento do diagnóstico
Em PMJ, a biópsia muscular mostra tipicamente um ex- é a abordagem preferida para lidar com crianças com DMJ
sudato inflamatório composto por células mononucleares, e PMJ devido ao seu potencial para diminuir a dose cumu-
que se acumulam no endomísio, cercam e invadem as fibras lativa total de esteroides e efeitos adversos relacionados. O
musculares. metotrexato é o agente mais comumente usado. A adição de
Local mais usado para biópsia é o quadríceps. metotrexato para a terapia inicial encurta a duração da corti-
Necrose muscular severa, vasculopatia e fibrose endo- coterapia e reduz a dose cumulativa total de glicocorticoides
mísio foram associados com um curso crônico da DMJ. em relação à terapia glicocorticoide sozinha.
- Autoanticorpos: apesar de anticorpos antinucleares
(ANA) estarem presentes em 70% dos pacientes com c) Metotrexato
DMJ e PMJ, FAN positivo não é específico e tem limita- É geralmente administrado em 1 dose de 15mg/m2 (ra-
do valor diagnóstico. Anticorpos específicos, que estão ramente superior a 25mg/dose) 1x/semana por VO ou SC.
associados com determinados subgrupos clínicos de pa- Os efeitos secundários podem incluir náuseas e vômitos em
cientes adultos, só foram identificados em um pequeno 12 a 24 horas após a administração. Outros efeitos adver-
número de crianças com miopatia inflamatória e geral- sos incluem aftas orais, elevação das enzimas do fígado e
mente não são úteis para fazer o diagnóstico da DMJ. aumento da suscetibilidade à infecção. As crianças devem
ser desde que o ácido fólico (1mg/dia), a fim de limitar a
E - Tratamento toxicidade.

Os objetivos do tratamento são: controle da miosite d) Imunoglobulina intravenosa


inflamatória subjacente e prevenção e/ou tratamento de É relatado ser benéfica em vários estudos observacio-
complicações (por exemplo, contraturas e calcinose). nais de crianças com DMJ que anteriormente não tinham

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D E R M AT O P O L I M I O S I T E E P O L I M I O S I T E

tratamento com corticoides e, na maioria dos casos, outros 11. Resumo


agentes imunossupressores. A maior parte dos pacientes
relatados apresentou melhora da pele e da força muscular, Quadro-resumo
e na maioria dos pacientes, o uso do imunoglobulina intra- - Polimiosite e dermatomiosite: integram o grupo das miopatias
venosa (IVIG) reduziu a dose cumulativa de glicocorticoides. inflamatórias idiopáticas;

REUMATOLOGIA
IVIG é geralmente dada como 1 dose de 2g/kg (dose máxi- - Polimiosite: predomínio em mulheres, distribuição etária bi-
ma de 70g), administrada em dose única ou administrada modal, fraqueza muscular proximal e simétrica, poupa muscu-
em 2 dias. IVIG pode ser dada a cada 2 semanas, inicial- latura ocular e facial. Pode haver poliartrite, Raynaud, mãos de
mente fixada em 5 doses, e depois é geralmente adminis- mecânico e acometimento pulmonar;
trada mensalmente por até 2 anos. A decisão de iniciar IVIG - Dermatomiosite: mesmas alterações da polimiosite, incluindo
normalmente ocorre no mês de tratamento quando os pa- alterações cutâneas características: Gottron, heliotropo, eri-
tema facial, fotossensibilidade, “sinal do xale”, “V do decote”,
cientes apresentam sintomas persistentes ou aumentando
calcinoses, hipertrofia cuticular;
à medida que os esteroides são desmamados, indicando
resistência aos esteroides ou dependência de esteroides, - Corpúsculos de inclusão: predomínio em homens acima dos 50
anos, fraqueza muscular distal e assimétrica, resposta pobre ao
porém, em casos muito graves da DMJ, IVIG é frequente-
tratamento;
mente utilizado anteriormente. Em crianças com DMJ, IVIG
- Exames importantes: enzimas musculares, pesquisa de FAN e
é geralmente bem tolerada com efeitos colaterais relatados
autoanticorpos, eletroneuromiografia, biópsia muscular, ras-
de dor de cabeça, diarreia, náuseas e febre baixa. treamento de acometimento pulmonar e de neoplasias;
e) Ciclosporina - Tratamento: corticoterapia, cloroquina (quadro cutâneo da
Usada em casos refratários. A dose inicial de ciclosporina dermatomiosite), imunossupressão (metotrexato, azatioprina,
mofetila, ciclosporina, ciclofosfamida), imunoglobulina intrave-
é de 3 a 5mg/kg/dia. A dose é ajustada dependendo da res-
nosa, agentes biológicos.
posta clínica e na presença de toxicidade da ciclosporina. Os
efeitos colaterais relatados em pacientes com DMJ incluem
hirsutismo, hipertrofia gengival, hipertensão e diarreia.
f) Ciclofosfamida
É geralmente reservado para DMJ grave e com risco de
vida, particularmente na doença crônica ulcerativa do trato
gastrintestinal ou pele, ou problemas respiratórios. A ciclo-
fosfamida é mais frequentemente administrada por via in-
travenosa a cada 4 semanas com 1 dose de 500 a 750mg/
m2 de um total de 7 doses, geralmente em combinação com
doses elevadas de glicocorticoides.
g) Agentes biológicos
Cada vez mais os agentes biológicos estão sendo usa-
dos no tratamento de doenças autoimunes. No entanto, o
uso destes agentes é limitado em crianças com DMJ e PMJ.
Série de casos com rituximabe e anti-TNF.
h) Outros
- MMF, tacrolimo e hidroxicloroquina;
- Uso regular de proteção solar;
- Lesões de pele localizdas: corticoide ou tacrolimo tó-
picos.
i) Fisioterapia
A fisioterapia e terapia ocupacional são importantes
medidas adjuvantes à terapia farmacológica, porque as
crianças com DMJ têm capacidade de exercício aeróbico
diminuída, que pode piorar as limitações funcionais e con-
tribuir para contraturas articulares. A terapia é focada em
diversas situações de movimento, fortalecimento muscular
e exercícios aeróbicos, melhoram as contraturas articulares
e a resistência aeróbica.

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