Você está na página 1de 1

96 SÉRGIO MILLIE'f DIÁRIO CRÍTICO 97

che tambem, dos estoicos, e de todos os grandes que têm dos que realçam um conjunto mediante o dó de neito de
contas a ajustar ·com a vida, os homens, a soc.iedade. No uma certa nota viva. No proprio Degas, prefiro a fase das
fundo o maior e mais ·perfeito sintoma do ressentimento, dançarinas nos bastidol'es da Opera, de vermelhos e estra·
do fecundo ressentimento inspirador das poucas ilhras·pri- nho:;, verdes sensualissimamente matizados, ao período das
mas universais e das grandes ações· Qual o homem supe· corridas de cavalos em que a blusa brilhante de um jo-
rior nas artes, na filosofia, na política e até na guerra que quéi valoriza as hesitações e co,mo qne as justifica.
se não tenha erguido a esse isolamento, que não se haja O prefacio de Denis Rouart, literario e mole, tem con-
.despiiendido do mundo o suficiente para, desprezando-o, tudo o merito de algumas citações do pintor. Entre elas
igno·rando-o, :poder realizar-se plenamente? uma deveria ser i1epetida a todos os jovens di8plicentes e
O homem fragil (como a criança) vive no rebanho. por demais vaidosos de seus acasos: "Na arte nada <leve
E do rebanho. Mas o homem forte a cada dor, a cada desi· assemelhar-se a um acidente". Ao artista verdadeiro não
lusão, a ca·da ação que torne possível melhor compre~nder cahc desprezar a vontade construtiva e a clarividencia na
0 rebanho ·dele se afasta, dele se .desprende. Na realidade c:::içecução. Ele ·precisa saber porque faz e como faz, e não
assim se expõe ao odio e enfrenta a morte. Mas morre ven- se contentar com a obra enquanto ela não corresponder exa-
cedor sem o "medo do medo" (Vigny). E realizando-se tamente á intenção inicial, enquanto não exprimir com o
como um exemplo grandioso e incomodo. maximo de justeza o que quis dizer.
Nesse amadurecido poeta de 19 anos, em Paulo Ser· O importante é atingir o alvo e não ser,á jamais arte
gio, isso tambem se ex:prime impavidamente na moral da- digna de perdurar a que acontece, a que se verifica •;-casio-
ouela fabula do lobo e do cordeirinho preto, em que o nalmente. Lembro-me de ter acertado em um passarinho
Íobo. depois de comer o carneiro estoico, sente-se triste, a 15 meti<os, com um revolver 44. Isso não me classifica
'
desapontado e perceb e " que qua1quer coisa ~ correra be m " •
· nao
entre os atiradores, talv~z somente capazes de acertar a
Ora, 0 que está errado é o mundo, o homem dentro do mundo, 10 metros, mas com uma regularidade de aproximação que
sem lugar para sua grandeza, espremido dentro do rebanho lhes outorga ·determinada classe.
e sob a guarda dos cães, unica maneira de se salvar do lobo Degas, .cujo\ desenho, ·com o -0orrer dos anos e o acumn·
mau. Fugir á lei mesquinha, feita para o medíocre e o fraco,. lo de experiencia, se depura cada vez mais, se despoja do
é correr ao encontro do lobo. O cordeirinho preto bem o ~uperfluo e vai enfim expressar, com a precisão de uma
sabia e ria. Era um grande cordeirinho. Seu gesto fica na sintese essencial o que sempre teve em mira o pintor, isto
historia do rebanho transforma-se em lenda, torna-se um ideal é, o movimento, podia fazer essa observação justíssima que
norteador suscetivei de provocar o aparecimento de mais dois endossaria qualquer artista consciencioso.
ou três cordeiros pretos e talvez permitir que o rebanho
dispense os cães ... Ontnbro, 27 - Na edição da Pleia,de, com o cui·d1ado
habitual, as notas e a apresentação costumeiras, acaba de
Ontnbro, 26 - Em ex:celente album de desenhos de·
ser publicada a obra completa de Alfred de Vigny (2 vols.).
Degas com um texto medíocre de Denis Rouart vejo de-
Sempre apreciei Vigny acima de todos os grandes rornan-
fendida uma tese que sempre mt: pareceu errada: a da ~ôr ticos, principalmente pelo seu estoicismo e sua forma isen·
viva como característica do colorista. Ao pintor de me10s
ta dos cacoetes da epoca. Mas não conhecia o "Journal d'un
tons opõe-se o pintor •que joga com tons ·puros. Sinto, en-
poete" que figura no segundo volume. Ha nele paginas
tretanto, muito maior riqueza e invenção nos pintores que·
curioEas, esclarecedoras das relações do escritor com seus
sabem ver as côres do preto, ou do verde, ou do verme-
confrades e das ambições lite11arias e políticas que
lho, do ·que naqueles que se satisfazem com a justapos.ição·
alimentou.
mais ou menos harmoniosa de massas chapadas ou a1nua.
Já em 1829, antes da batalha de '"He1nani", Alfred tle
'Vigny se referia com certa amargura altiva ás atitudes de

:

Você também pode gostar