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Volume doze
Nicola Abbagnano
HISTÓRIA DA FILOSOFIA
VOLUME XII
TRADUÇÃO 'DE: ANTÓNIO RAMoS ROSA CONCEIÇÃO JARDIM EDUARDO LúClõ NOGUEIRA
III
BERGSON
4,
condicionada por ela. Em 1900, Bergson publicou os ensaios sobre o riso, (Le
rire) que continham também a sua doutrina sobre a arte; constituem três
colectâneas de ensaios os livros intitulados A energia espiritual (1919),
Duração e simultaneidade (1922), a
de origem judaica, foi-se orientando cada vez mais para o catolicismo, no qual
viu, segundo declarou, o
passo do seu testamento [19371 revelado pela sua mulher), r-enunciou a uma
expressa conversão devido à onda de anti-semitismo que se espalhara pelo
mundo. "Quis-escreveu ele-permanecer entre os
pelo menos, o ponto de partida onde foi buscar a inspiração dela. Perante a
imprecisão de todas as doutrinas filosóficas, "uma doutrina - segundo afirma
(La Pensée et le Mouvant, 1934, p. 8) - parecera-nos já fazer excepção e,
provavelmente por isso, afeiçoaramo-nos a ela desde a nossa primeira
juventude. A filosofia de Spencer visava seguir o rasto das próprias coisas e
modelar-se pelos pormenores dois factos. Sem dúvida que procurava ainda o seu
ponto de apoio em vagas generalidades. Víamos bem a debilidade dos Primeiros
princípios, mas tal debilidade parecia-rios que derivava do facto de que o
autor, insuficientemente preparado, não pudera aprofundar as "ideias últimas"
da mecânica. Ganhou-nos o desejo de desenvolver esta parte da sua obra,
completá-la e
]o
processo contínuo do passado que rói o futuro e cresce à medida que avança. A
memória não é uma
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lhe atribui; pelo contrário, admite graus. Sentimentos e ideias que provêm de
uma educação mal compreendida chegam a constituir um eu parasitário que se
sobrepõe ao eu fundamental, diminuindo na mesma medida a sua liberdade.
Muitos, afirma Bergson (Essai, p. 127), vivem assim e morrem sem ter conhecido
a verdadeira liberdade. Em contrapartida, somos verdadeiramente livres quando
os nossos actos emanam da nossa personalidade inteira, quando entre esta e
aqueles existe aquela semelhança indefinível que existe algumas vezes entre o
artista e a sua obra (1b., p. 131). A relação entre o eu e os seus actos não
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adoptam. Portanto, não há nem pode haver no cérebro uma região em que as
recordações se
fixem e se acumulem. A pretensa destruição das recordações por obra das lesões
cerebrais é apenas a
uma acção real. Surge então a dor, o esforço actual da parte ofendida para
repor as coisas no seu lugar; e nisto consiste a subjectividade da sensação
efectiva (sentimento).
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profunda das variações, pelo menos das que se transmitem regularmente pela
hereditariedade, que se adicionam e criam novas espécies. Tudo isto, se exclui
o plano preestabelecido de qualquer teoria finalista, exclui também a hipótese
de que a evolução se
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existe inteligência sem traços de instinto, nem instinto que não esteja
rodeado por um halo de inteligência. Contudo, na sua forma perfeita, o
instinto pode ser definido como a faculdade de utilizar e construir
instrumentos organizados, e a inteligência como a faculdade de fabricar
instrumentos artificiais e variar indefinidamente a sua fabricação.
Originariamente, o homem não é homo sapiens, mas homo faber (Ib., p. 151). A
sua característica é a de suprir a deficiência dos órgãos naturais de que
dispõe mediante instrumentos que lhe permitam defender-se contra os inimigos e
contra a fome e o frio. Os instrumentos que o homem cria artificialmente
correspondem, na outra direcção da vida, aos
pregar, o ponto em que tem de aplicá-lo, o resultado que deve obter, a parte
reservada à escolha é extremamente débil, e por isso a consciência será também
muito débil e crepuscular. O instinto será, portanto, consciente só na medida
em que for deficiente, isto é, só na medida das contrariedades e dos
obstáculos que encontrar na sua acção moral. Na inteligência, pelo contrário,
o estado normal é o deficit, isto é, o desnível entre a representação e a
acção. A inteligência deve, de facto, através de mil dificuldades, escolher
para o seu trabalho o lugar
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não é uma inferioridade sua, mas a condição êxito. A ciência visa à acção;
saber equivale a **Wo-,kr, isto é, A partir de uma situação dada para **J@f
**etiegar a uma situação futura. Avança por saltos, isto
é., por intervalos, que podem ser tão pequenos quanto se deseje, mas que nunca
constituem uma continuidade. A ciência só revela os seus limites quando
procura compreender a vida. Para compreender a vida é necessário um órgão
completamente diferente da inteligência científica. Existe tal órgão?
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único objecto da intuição é o espírito. Ela é "a visão directa do espírito por
parte do espírito". Contudo, o universo material não se apresenta opaco à
intuição. Se o domínio próprio desta é o espírito, "ela desejaria, no entanto,
realizar nas coisas materiais a sua participação na espiritualidade - e
diríamos na espiritualidade, se não soubéssemos tudo o que de humano ainda se
mistura à nossa consciência, mesmo depurada e espiritualizada" (1b., p. 37). A
intuição pode ter significados diversos e não se pode definir univocamente.
Todavia, a sua característica fundamental é que pensa em termos de duração,
isto é, de espiritualidade ou de consciência pura. E é isto precisamente que
faz dela o órgão específico da metafísica. Entre a metafísica e a ciência,
Bergson não pretende estabelecer uma diferença de valor, mas somente de
objecto e de método. À ciência compete o conhecimento intelectual da matéria;
à metafísica a intuição do espírito. Uma vez
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Para exercer a sua função, a filosofia deverá deixar de ser uma mera análise
de conceitos implícitos nas formas da linguagem e deverá tratar da própria
existência real. Mas toda a existência só pode ser dada numa experiência. Esta
experiência chamar-se-á visão ou contacto ou percepção externa em geral, se se
trata de um objecto material; chamar-se-á intuição se se trata do espírito.
Até onde pode chegar a intuição? Só ela o pode dizer. "Ela diz Bergson (Ib.,
p. 61)-chega. a possuir um fio: ela própria deverá ver se este fio vai até ao
céu ou se se detém a uma certa distância da terra. No primeiro caso, a
experiência metafísica relacionar-se-á com a dos grandes místicos; e eu posso
comprovar, pela minha parte, que esta é a verdade. No segundo caso, as
experiências metafísicas permanecerão isoladas umas das outras, sem no entanto
se oporem umas às outras. Em qualquer caso, a filosofia elevar-nos-á acima da
condição humana".
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tos, poderá fazer supor que tal diversidade seja de algum modo irredutível,
isto é, que a matéria e o espírito constituam duas realidades últimas, ainda
que em mútuo contacto e com mútuas possibilidades de aproximação e de
inserção. Porém, a Evolução criadora tem, entre as suas partes mais
significativas, uma "génese ideal da matéria" que é uma tentativa para
explicar a matéria mesma por meio de unia detenção virtual ou possível do
impulso vital, que é pura espiritualidade.
diversas partes do nosso ser entrarem umas nas outras e toda a nossa
personalidade concentrar-se num ponto, ou melhor, numa ponta, que se insere no
futuro, acutilando-o sem tréguas. Nisto consistem a
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Deste ponto de vista, a vida é "um. esforço para ascender pela vertente pela
qual a matéria desce". Se a vida fosse pura consciência, e, por maioria de
razão, se fosse supraconsciência, seria pura actividade criadora (Evol.
créat., p. 267). Mas o limite da sua criatividade é-lhe intrínseco: o seu
movimento para a
frente complica-se com o seu movimento para trás, e este movimento para trás,
a dispersão da vida, a
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BERGSON
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Bergson aspira a que surja algum génio místico que venha corrigir os males
sociais e morais de que sofre a humanidade. A técnica moderna, estendendo, a
esfera da acção do homem sobre a natureza, tem de certo modo engrandecido
desmedidamente o corpo do homem. Este corpo engrandecido "espera um suplemento
de alma, e a mecânica exigiria uma mística" (Ib,, p. 355). Os problemas
sociais e políticos internacionais que nascem desta desproporção poderiam ser
eliminados por um renascimento do misticismo. Neste caso, a mecânica que
curvou ainda mais a humanidade para a terra, poderia servir-lhe para se
endireitar e olhar o céu. E a humanidade poderia então retomar no nosso
planeta "a função essencial do universo, que é uma máquina de fazer deuses"
(1b., p. 343).
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~o que, como Bergson diz, "é divino ou é o próprio Deus", não é, na sua
natureza espiritual, senão um ou uma manifestação do divino ou de Deus. Mas a
relação de íntima comunhão entre o homem e Deus, a firmeza e a estabilidade da
comunicação postulada pelo misticismo tal como Bergson o entende, elimina de
um golpe a vida religiosa. Nenhuma religião, e muito menos o catolicismo para
o qual iam as simpatias de Bergson nos últimos anos, poderia considerar o
universo como "uma máquina de fazer os deuses" e os homens iguais a estes
deuses. Bergson repetiu na sua última obra as linhas de um panteísmo romântico
para o qual o finito é manifestação e revelação do infinito e a
individualidade do homem se dissolve ou parece inconsistente e a sua liberdade
se identifica com a espontaneidade criadora da força cósmica.
A categoria que preside à duração real (na variedade das suas manifestações) é
a própria realidade, é a criação. Bergson define esta categoria como "a
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existe qualquer coisa ou alguém em geral, quando, afinal, poderia não existir
nada. Ora, este problema é puramente fictício, porque se baseia no uso
arbitrário do termo nada, que só tem sentido no seu
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"vazio". Quando dizemos que não existe nada, pretendemos dizer que o que
existe não nos interessa e que estamos interessados no que já não existe ou
poderia ter existido. De modo que a ideia do nada está ligada à de uma
supressão real ou eventual e, por conseguinte, à de uma substituição. Ora, a
supressão, enquanto substituição, nunca pode ser total, uma vez que nesse caso
não seria substituição. O mesmo se pode dizer do problema da ordem. A ordem
torna-se um problema quando nos perguntamos porque é que ela existe em lugar
da desordem, e implica portanto, como problema, a legitimidade da ideia da
desordem. Mas esta ideia significa simplesmente a ausência da ordem procurada;
e é impossível suprimir, mesmo mentalmente, uma ordem sem fazer surgir dela
outra. O problema fundamental da gnoseologia revela-se, como o da metafísica,
um problema fictício derivado do uso arbitrário das palavras.
que, explicitamente, o autor quis mantê-la. Sob este aspecto, encontra a sua
continuação e o seu enriquecimento no pragmatismo contemporâneo.
NOTA BIBLIOGRÁFICA
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primeira vez num escrito intitulado Natura (1836) e foi depois defendida em
numerosos Ensaios. A sua obra Homens representativos (1850) reduz (como os
axiomas da física não são mais do que a tradução das leis -da ética. Mas o
espírito humano é o próprio espírito de Deus. "0 inundo - diz Emerson (Nature,
ed. 1883, p. 68), -procede do mesmo espírito de que procede o corpo do homem:
é uma inferior e mais remota encarnação de Deus, uma projecção de Deus no
inconsciente. Mas difere do corpo num aspecto importante: não está como o
corpo, sujeito à vontade humana. A sua ordem serena é inviolável para nós. Ele
é, portanto, para nós, o testemunho presente do Espírito divino, é um ponto
fixo em
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ideias apresentam entre si. Toda a percepção ou ideia só pode ser reconhecida
na sua singularidade
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por uma consciência que não é idêntica a elas, porque delas se distingue no
próprio acto do reconhecimento; e toda a conexão ou sucessão de ideias só o é
para uma consciência, que não é em si mesma conexão ou
sucessão. Por outros termos, deve ser um Sujeito único, universal e eterno. Um
sujeito desta espécie é também o pressuposto tácito de todo o naturalismo mas
torna impossível o próprio naturalismo. Se o
mundo é uma série de factos, a consciência não pode ser um destes factos,
porque um facto não pode compreender em si todos os outros. A natureza é uma
contínua mudança; mas uma mudança não pode produzir a consciência de si mesma,
porque esta deve estar igualmente presente em todos os estádios da mudança. As
relações entre os factos surgem mediante a acção de uma Consciência unificante
que não se reduz a um dos factos relativos. Assim, as relações temporais só o
são para uma consciência eterna. Deste modo, Green deduz a necessidade de uma
Consciência absoluta (isto é, infinita e eterna) da própria consideração da
realidade natural a que
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actual na vida divina, mas que o homem só pode alcançar através de um infinito
progresso, que é exactamente a sua vida religiosa. "A religião é a elevação do
finito para o infinito, o sacrifício de todo o desejo, inclinação ou volição
que me pertence como indivíduo privado, a absoluta identificação do meu querer
com o querer de Deus" (Intr., ed. 1889, p, 283). Eduard Caird (1835-1908)
fazia de uma concepção análoga o critério de uma crítica miinuciosa e pedante
da doutrina kantiana (A filosofia crítica de Kant, 2 vol., 1889) e a base para
entender A evolução da religião (1893). Com efeito, delineia três formas
"teoricamente progressivas da consciência religiosa. A Primeira é a objectiva,
segundo a qual Deus é
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§ 704. BRADLEY
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sujeito ou eu. Bradley encontra em todas elas a mesma dificuldade fundamental:
toda a relação tende a identificar o que é diverso, e nisso é contraditória.
Toda a relação modifica os termos relativos, mas cada um destes termos cinde-
se em duas partes: uma, modificada, e outra, que permanece inalterada: e
nova relação, o que implica uma nova modificação e uma nova cisão; e assim até
ao infinito. Deste modo, a relação que deveria tornar inteligível a unidade
dos termos relativos, não faz mais do que dividi-los e
Toda a realidade era si não poderia ser senão o termo de uma experiência ou de
um acto lógico e
disso, não pode ser outra coisa senão consciência porque só a consciência é
real. Ao mesmo tempo, esta consciência universal, absoluta e perfeitamente
coerente, não pode ser determinada mediante nenhum dos aspectos da consciência
finita (sensação, pensamento, vontade, etc.), porque tais aspectos são
contraditórios. Por outro lado, não deve conter a divisão entre objecto e
sujeito que é própria da consciência finita. Todas estas determinações
negativas implicam a impossibilidade de um conhecimento pormenorizado da
consciência absoluta. Pode-se ter dela uma ideia abstracta e incompleta,
embora verdadeira: mas não se pode reconstruir a
atribuída ao absoluto. Pode-se supor que neste cada coisa finita atinja a
perfeição que busca; mas não que obtenha a perfeição que busca. No absoluto, o
reais. O argumento ontológico pode ser interpretado como uma ilustração desta
doutrina dos graus de verdade. Decerto que se deve reconhecer que desde o
momento em que a realidade é qualificada como pensamento, deve possuir todas
as características im-
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plícitas na essência do pensamento. No entanto, a
prova ontológica vai além deste princípio genérico quando afirma não só que a
ideia deve ser real mas também que deve ser real como ideia. isto é falso,
segundo Bradley, dado que um predicado como tal nunca é realmente verdadeiro:
deve estar sujeito, para o ser, a adições e a acomodações. Assim, toda a ideia
existente na minha mente pode qualificar verdadeiramente a realidade absoluta;
mas quando a
a ideia do absoluto se subtrai, já que toda a ideia, por muito verdadeira que
seja, nunca inclui a totalidade das condições requeridas e é por isso sempre
abstracta, enquanto que a realidade é concreta.
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abre um fosso intransponível, uma vez que tudo no absoluto deve ser
transformado e reajustado até nos seus mais íntimos elementos (Appearance, p.
529). A identidade do finito e do infinito, que levara Hegel a demonstrar a
intrínseca racionalidade do finito e a aceitá-la como infinito, levou Bradley
a
Alfredo Eduardo Taylor (1869-1945), tão conhecido pelos seus estudos sobre
Platão (1926) e sobre a filosofia grega, numa obra que obteve muito êxito na
Inglaterra, Elementos de metafísica (1903), tenta preencher com algum conteúdo
concreto a ideia do absoluto que na doutrina de Bradley era uma pura forma
vazia, indeterminável. Entende o absoluto como uma sociedade de indivíduos que
estivessem teleologicamente ordenados à unidade do conjunto. Uma sociedade
humana, em sentido próprio, é de facto uma unidade de estrutura finalista, que
não o é apenas para o observador sociólogo, mas também para os seus membros, a
cada um dos quais activamente atribui um lugar em relação a todos os outros.
Embora o eu e a sociedade não sejam
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§ 706. MCTAGGART
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não seja, em troca, diferente em cada eu e não seja, portanto, a base -da
diferenciação requerida pelo absoluto. O conteúdo da vida do absoluto não pode
ser, portanto, senão o amor: não a benevolência, nem o amor da verdade, da
virtude ou da beleza, nem o desejo sexual, mas "o amor apaixonado que tudo
absorve e tudo consome" (Ib., p. 260). Só o amor supera a dualidade e
estabelece um equilíbrio completo entre o sujeito e o objecto. Enquanto o
conhecimento deixa sempre fora de si o objecto conhecido
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dever ou uma imposição, mas uma harmonia em que as duas partes têm iguais
direitos. Não se ama uma
pessoa pelas suas qualidades, mas é antes a atitude perante as suas qualidades
que é determinada pelo facto de elas lhe pertencerem. Ademais, o amor
justifica-se por si mesmo. E o ponto mais próximo do absoluto que o homem pode
alcançar é precisamente um amor de que não se pode dar outra razão que não
seja o facto de duas pessoas pertencerem uma
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parte de B e de cada membro do grupo B-C, assim como de cada membro de uma
parte de tais membros, e assim sucessivamente até ao infinito. A
correspondência determinante é uma relação causal, que estabelece e funda a
ordem do universo. A sua natureza é esclarecida pela aplicação que MeTaggart
faz Ma no segundo volume da sua obra: é a percepção imediata que um eu tem de
outro eu.
termo que será alcançado após um período muito longo, mas finito, de tempo.
§ 707. ROYCE
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sentido, Royce diz que a ideia é -uma vontade que busca a sua própria
determinação. Mesmo as ideias expressas como hipóteses ou definições
universais
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por ser igual, unida no todo dentro do qual habita. Toda a consciência finita
se dilata assim no absoluto até se identificar com ele, mas esta identificação
não implica o anulamento da individualidade mas antes o seu complemento, a
realização de uma
parte mais interessante da obra de Royce. Recorre à teoria dos números como
havia sido elaborada por Cantor e por Dedekind: o número é um sistema auto-
representativo, um sistema cujas partes representam o todo, no sentido de que
têm, por seu
turno, elementos que correspondem. termo a termo aos elementos do todo. Royce
esclarece por sua
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conceito. É evidente, por exemplo, que "o espírito do nosso próximo" não é um
dado sensível nenhuma noção universal e que deve ser objecto de uma
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comunidade que é real não porque se encontre historicamente realizada, mas por
ser o eterno fundamento da ordem moral. Todavia, quis sugerir também um meio
prático para a realização desta grande comunidade, e viu tal meio num sistema
de seguros. Com efeito, o seguro é uma associação fundada no princípio
triádico da interpretação: o seguro, o segurador e o beneficiado, e nela os
obstáculos à associação transformam-se numa ajuda à associação mesma (A
esperança da grande comunidade, 1916). Royce sugeriu também o seguro contra a
guerra (Guerra e seguro, 1914). Mas esta curiosa mescla de negócios e de
moralismo cristão não nos deve impedir de considerar um dos espíritos mais
abertos e geniais do idealismo contemporâneo. Afinal de contas, se o infinito
é a imagem ou a reprodução do infinito, também os negócios em geral, e
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único conteúdo dos diversos indivíduos e deve ter um único cognoscente, que é
Deus mesmo; o qual é, portanto, o conhecedor universal, implícito em
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simples ideia, não poderia oferecer o critério para ser reconhecida como tal,
de modo que nem mesmo
a ideia da experiência social seria possível se tal experiência não fosse real
(0 significado de Deus na experiência humana, 1912; O eu, o seu corpo e a sua
liberdade, 1928; Tipos de filosofia, 1929; Pensamentos sobre a morte e sobre a
vida, 1937; A ciência e a ideia de Deus, 1944).
ou uma relação objectiva. Mas pode ser reconhecida e conhece-se nos produtos
da sua criação: nos valores éticos, religiosos e sociais e no mundo da
história (0 idealismo e a idade moderna, 1918). Uma opinião análoga sobre a
actividade espiritual encontra-se na obra do inglês Richard Burdon Haldane
(1857-1928) que se valeu do principio da relatividade do conhecimento para
determinar a natureza do absoluto (0 reino da relatividade, 1921; outras obras
suas: O caminho da realidade, 2 vol. 1903-04; A filosofia do humanismo, 1922).
O princípio da relatividade implica que o significado da realidade não é o
mesmo em todos os graus em que ela se divide, e que só pode ser expresso em
cada grau nos termos que lhe são peculiares. De acordo com isto, Deus
79
§ 704. De BrAdley, lista dos -escritos menores em ABBAGNANO, op. cit., p. 265.
Sobre Bradley: STRANGE, in "Mind", N. S., 1911; BROAD, ibid., 1915; DE ;SARLO,
Filosofia del tempo nostro, Florença, 1916, p. 115-56; TAYLOR, WARD, STOUT,
DAWES, MCKS, MUIRHEAD, SCHILLER, in ",3"d", 1925; E. DuPRAT, Bradley, París;
R. W. CHuRcff, B.s, Nova Iorque, 1942; W. F. LOFTHOUsE, F. H. B., Londres,
1949.
§ 707. Sobre ROYCE: o número que lhe dedicou a "Ph~ophical Review", 1916, 111,
com colaboração de HOWISON, DEWEY, CALKINS, ADAMS, BARON, SPAULDING, COHEN,
CABOT, HORNE, HOCKING, RAND. ALGRATI, Un pensatore americano: J.R., Milão,
1917; TEDESCH, in "Giorn. critico della fil. italiana", 1926; ALBEGGIANI, II
@@i&tema filosofico di J.R., Palermo, 1929; 1-1. G. TOWSEND, Philosophical
Ideas in the United States, Nova lorque, 1934, cap. I; R. B. PERRY, In the
Spirit of William James, New Haven, 1938, cap. I; G. MARCEL, La Métaphysique
de Royce, Paris, 1945; J. E.
82
Smim, R.s Social Infinite Nova lorqule, 1950; J. H. COTTON, R. on the Human
Self, ~bridge, Mass, 1954.
83
O IDEALISMO ITALIANO
menos, e mais na Alemanha do que nos países latinos (A fil. ital., 1909, p.
49). A filosofia italiana
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mas num princípio mais profundo e menos aparente, que é a comum fé romântica
na tradição. Quanto à pretensa "nacionalidade" da filosofia italiana, tra-
87
de 1 uma fábula não menos pueril do que a "tradição itAlica" de que falavam os
giobertianos, com a agravante da não inócua mitologia da estirpe ariana, indo-
germânica ou indo-europeia.
88
89
governo fantoche que aquelas haviam instaurado. Isto foi talvez para ele um
acto extremo de fidelidade romântica ao regime que o honrara como o seu máximo
representante cultural; a muitos italianos pareceu, ao invés, uma traição. Foi
morto no limiar da sua habitação, em Florença, a 15 de Abril de
1944. A sua filosofia, no entanto, deve ser entendida
90
a sua personalidade pode ser agora melhor recordada na generosidade dos seus
traços humanos do que nas suas atitudes políticas.
Gentile expôs pela primeira vez o princípio da sua filosofia no ensaio O acto
do pensamento como acto puro (1912); e logo depois definiu a sua atitude em
relação a Hegel em A reforma da dialécttica hegeliana (1913). A sua obra mais
vigorosa é A teoria geral do espírito como acto puro (1916); a mais vasta e
complexa é o Sistema de lógica como teoria do conhecer (2 vol., 1917-22). Em
1912 publicou o
Gioberti, 1923).
91
Este princípio que leva decididamente até às suas últimas consequências a tese
apresentada por Fichte na primeira Doutrina da ciência, realiza a rigorosa e
total imanência de toda a realidade no sujeito pensante. Nem a natureza nem
Deus, nem sequer o passado e o futuro, o mal e o bem, o erro e a verdade,
subsistem de qualquer forma fora do acto do pensamento. Os desenvolvimentos
que Gentile deu à sua doutrina consistem essencialmente em mostrar a imanência
de todos os aspectos da realidade no pensamento que os põe, e em reduzi-los a
este. O pensamento em acto é o Sujeito transcendental, o Eu universal ou
infinito. O sujeito empírico, o homem individual e particular, é um objecto do
Eu transcendental, um objecto que ele põe (isto é,
92
empíricos; mas não se resolvem nesse terreno. "Não se resolvem senão quando
o homem chega a sentir as necessidades dos outros como necessidades próprias,
e a própria vida, por conseguinte, não encerrada no apertado círculo da sua
personalidade empírica, mas -entendida sempre em expansão, na actividade de um
espírito superior a todos os outros interesses particulares, e ao mesmo tempo
imanente no centro mesmo da sua personalidade mais profunda" Qb., 2, § 5).
93
tanto interiores à consciência mesma. Pelo mesmo motivo não pode haver
verdadeira dialéctica do ser
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GENTILE
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Com este ponto se relaciona a teoria do erro, que é um dos aspectos mais
característicos da atitude filosófica de Gentile. O pensamento em acto é
sempre, como tal, verdade, realidade, bem, prazer, positividade. O erro, o
mal, a dor, etc., subsistem nele apenas como os seus momentos superados, como
posições já ultrapassadas e desvalorizadas. "Toma-se qualquer erro e
demonstra-se bem que é tal; e
nosso conceito, como o seu não-ser. É, portanto, como a dor, não uma realidade
que se opõe à realidade do espírito (conceptus sui), mas a própria realidade
enquanto alcança a sua realização: num
seu momento ideal" (Teoria gen., 16, § 8). O erro é sempre imanente à verdade
como o não-ser é imanente ao ser que devém. O conhecimento do erro, é, com
efeito, verdade: o conhecimento como tal é sempre verdadeiro (Sist. di log.,
I, 1.a 5 §§ 9-10). Naturalmente, esta teoria do erro não explica o
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erro, é decerto uma pretensão absurda. O erro actualmente superado pelo seu
contrário (que é o único erro do qual o nosso idealismo pode falar) não é
certamente o erro, por exemplo, de quem está contra nós, e
99
tal, já não é o ignoto; "é enquanto não é". E assim a morte, a qual "não
existe". "A morte é temível porque não existe, como não existe a natureza nem
o passado, como não existem os sonhos. Há o homem que sonha, mas não as coisas
sonhadas. E assim a morte é negação do pensamento mas não pode ser actual o
que se realiza pela negação que o
tal e, por isso mesmo, superada como ignorância; e não existem problemas senão
enquanto resolvidos, embora toda a solução se transforme num novo problema que
é, no entanto, imediatamente uma nova solução (1b., 11, 4 a, 5, §§ 4-5).
Por consequência, a filosofia é perene, porque é sempre esta filosofia, ou
seja, filosofia do acto pensante; idealismo. E dado que não existe uma
filosofia estritamente objectiva "a verdade da filosofia ou a filosofia
verdadeira a que o filósofo tende, não pode ser outra senão uma elaboração da
sua própria
100
É fácil dar-se conta da apreciação que se pode fazer da ciência deste ponto de
vista. A ciência é sempre particular porque tem a seu lado outras ciências e
carece, portanto, da universalidade que é própria da filosofia. Pressupõe
primeiramente, e
inclui em si (Teor. gen., 22, §§ 1-7). É este o único elemento que, de algum
modo, a salva, porque o
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Ir-,
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infinito está para além do finito, isto é, do homem que filosofa, do sujeito
pensante, o qual em comparação com ele não é mais do que a imagem ou a
repetição temporal do seu eterno processo. Mas nada estaria mais longe da
intenção de Gentile, o
107
própria lei; quando encontra diante de si uma ordem ou uma lei, trata-se de um
momento seu objectivado, e fixado abstractamente nessa sua objectividade. "0
poder soberano, o querer tom-no já em si; e fora dele, onde empiricamente se
vê armado de espada, não pode vê-lo senão através do que já tem no seu
108
109
não é mais do que a eternidade no acto pensante, não tem valor -senão como
aspecto da sua especulação sistemática. Nos seus numerosos trabalhos
históricos, Gentile procurou sempre rastrear no passado apenas os elementos
assimiláveis à filosofia -do actualismo. A sua historiografia filosófica
reduz-se, pois, a isolar certos elementos de pensamento dos complexos
individuais e históricos -de que fizeram parte e a assimilá-los aos conceitos
próprios do actualismo. Esta forma de historiografia filosófica foi com
frequência seguida por numerosos discípulos que Gentile teve na Itália nos
anos que vão da primeira à segunda guerra mundial com resultados quase nulos
ou decepcionantes, seja do ponto de vista historiográfico, seja do teorético.
110
até ao início de 1903, colaborador da sua revista "La Critica"), Croce rompeu
com ele quando se
declarou hostil ao governo fascista (já instaurado havia alguns anos) de que
Gentile se tornara o expoente filosófico oficial. A esta ruptura, seguiu-se,
por ambas as partes, uma polémica miúda, azeda e
pouco edificante, que durou muitos anos. O regime fascista, certamente para se
salvar de um alibi face aos meios culturais internacionais, permitiu
tacitamente a Croce uma certa liberdade de crítica política, de que ele usou
efectivamente nos livros e nas notas que ia publicando na "Critica" para fazer
a
defesa dos ideais da liberdade, tanto mais eficaz quanto era alheia a toda a
retórica e impregnada de cultura e de pensamento. Nos anos do fascismo e
da segunda guerra mundial a figura de Croce assumiu por isso, aos olhos dos
italianos, o valor de um
111
o eclipso das ideias filosóficas de Croce até nos domínios em que exerceram a
maior influência, ou seja, na estética e na teoria da história.
112
dedica-das por Croce a Vico e a Hegel (A filosofia de Vico, 1911; Ensaio sobre
Hegel, 1912) e os estudos reunidos na sua obra Materialismo histórico e
economia marxista (1900). Os Escritos de história literária e política,
constituem, pois, um esclarecimento e uma reforinulação dos princípios
filosóficos de Croce perante um grande número de problemas críticos.
que importa, em todo o caso, é -dar-se conta de que nela o adjectivo modifica
radicalmente o substantivo e que, portanto, o historicismo crociano é
radicalmente diverso -do resto do historicismo contemporâneo. Este (como
veremos, § 735), centra-se em
114
115
cada vez pelo conteúdo das precedentes circulações e sem se repetir nunca.
Nada existe fora do espírito que devém e progride incessantemente: nada existe
fora da história, que é precisamente este progresso e
este devir.
imagem ou fantasma; e aquele que aprecia a arte dirige o olhar para o ponto
que o artista lhe indicou, olha pelo respiradouro que aquele lhe abriu e
reproduz em si aquela imagem" (Novos ensaios de estética, p. 9). Mas intuição
significa "a imagem no seu valor de mera imagem, a pura idealidade da
imagem"-, exclui, pois, a distinção entre realidade e irrealidade, que é
própria do conhecimento conceptual e filosófico. Este é sempre realista porque
tende a
arte não é um acto utilitário e nada tem a ver com o útil, e com o prazer ou
com a dor; nem é um acto moral, e por isso exclui de si as valorizações pró-
116
túída: por actos práticos, guiados, como todos os actos práticos, por
conhecimentos. Como tal, é diferente da intuição, que é pura teoria: e pode-se
ser
grande artista e mau técnico. É pela técnica que "com a palavra e com a música
se unem as escrituras e os fonógrafos; com a pintura, as telas e os retábulos
linguagem explica o poder que esta exerce sobre todos os homens: se a poesia
fosse uma língua à parte, uma "linguagem dos deuses", os homens nem sequer a
entenderiam.
Nos últimos escritos, e sobretudo no volume Poesia (1936), Croce insiste cada
vez mais no carácter expressivo da arte. A expressão poética, enquanto
118
119
expressão, Croce pouco diz, a não ser que o subentenda nas explicações que deu
sobre o ritmo e a harmonia na história -da estética desde a antiguidade até
hoje. Através das expressões não poéticas e, sobretudo, através da expressão
oratória o espírito é reportado ao sentimento, que é a própria vida prática, a
partir da qual recomeça um novo ciclo, constante no seu ritmo já assinalado,
ritmo que cresce sobre si mesmo, num incessante aperfeiçoamento e
CROCE
tinguir facilmente das expressões que não são estéticas. Todavia, o próprio
reconhecimento da realidade de tais expressões assinala o acto de decadência e
de morte da filosofia do espírito. Se existem formas ou modos de expressão que
não são poesia ou arte, a poesia ou arte não são tais enquanto expressão
condicionada de uma determinada maneira; e se as condições que fazem da
expressão uma expressão poética são a teorese, o conhecer, a universalidade, a
totalidade, a infinidade, etc., ou seja, caracteres ou determinações que
encontram a sua
realidade plena no conhecimento lógico, o carácter específico da expressão
poética dissolveu-se e o próprio fundamento da estética crociana foi
abandonado. Se o sentimento que se manifesta ou realiza na expressão poética
não é o que pertence à forma prática do espírito, mas é criado ou suscitado ad
hoc, a passagem da forma prática à arte ou da arte à forma prática torna-se
impossível. Se a forma prática e o conhecer lógico possuem por sua conta a sua
expressão adequada, mesmo que seja em sons articulados ou símbolos, e não em
palavras e língua-,,em, a unidade e a conexão necessária entre estas formas
toma-se impossível e elas deixam de ser formas, ou seja, momentos de uma única
história espiritual para se tornarem faculdades, uma a par da outra, como na
velha psicologia metafísica. A teoria da linguagem como expressão poética
suscita a crise de toda a filosofia do espírito de Croce. Do ponto de vista do
literato que a acha útil e conveniente para os seus fins, isto pode parecer
uma feliz incongruência do filósofo; mas do ponto de vista filosó-
121
123
forma prática tem lugar o erro, que cai fora do conhecimento, que é sempre
verdade absoluta. "Aquele que comete um erro não tem nenhum poder para Iorcer,
desvirtuar ou corromper a verdade, que é o seu próprio pensamento, o
pensamento que opera nele como em todos; ainda mais, logo que toca o
pensamento, é tocado por ele: pensa e não erra. Tem apenas o poder prático de
passar do pensamento ao
facto; e um fazer e não já um pensar é abrir a boca ou emitir sons aos quais
não corresponda um pensamento ou, o que é o mesmo, não corresponda um
pensamento que tenha valor, precisão, coerência, verdade: sujar uma tela a que
não corresponda uma
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128
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131
homem do peso opressivo do passado. Num certo sentido, o homem é o seu próprio
passado, que o
processo -da acção, às oposições, entre as quais ela deve actuar, do bem e do
mal, do útil e do nocivo, do belo e do feio, do verdadeiro e do falso, e, em
Talvez pareça assim, que o sentimento e a acção cairiam fora da história, que
é conhecimento racional perfeito. Pelo contrário, caem, segundo Croce, somente
fora do conhecimento, no domínio da forma prática do espírito. As angústias,
as esperanças, as lutas, etc., todos os impulsos dos homens, pertencem à
consciência moral, são "história. no seu fazer-se". Mas seja como acção
vivida, seja como conhecimento lógico, a história é sempre racionalidade
plena, progresso. O chamado elemento irracional da história é constituído
pelas manifestações da vitalidade: vitalidade que não é decerto a civilidade
ou a moralidade, mas condição e premissa necessária de uma e de outra; e como
tal, plenamente racional (A his-
132
preparação de nova vida e, portanto, progresso" (1b., p. 38). Nem poderia ser
de outro modo porque o verdadeiro sujeito -da história é, sempre, em última
análise, o espírito infinito. A -história não é "a
obra impotente, e sempre ininterrupta do indivíduo empírico e irreal, mas a
obra daquele indivíduo verdadeiramente real, que é o espírito no seu eterno
individualizar-se. Por isso ela não tem de defrontar nenhum adversário, pois
todo o adversário é também o seu súbdito, isto é, um dos aspectos daquele
dialectismo que constitui o seu ser íntimo" (Teoria e história da
historiografia, p. 87).
distinção que deveria evitar que aquela tese servisse para a cínica aceitação
do facto consumado ou do êxito. Quer dizer, distinguiu a racionalidade da
história da racionalidade do imperativo moral. Tudo na história é racional
porque tudo nela "tem a sua
razão de sem. Mas racional é também o imperativo moral, ou seja, "aquilo que a
cada um de nós, nas condições determinadas em que é colocado, a consciência
moral manda fazem -(A história, p. 199). Ora, o imperativo moral neste sentido
é próprio do dever ser que pretende dar lições ao ser, contra o qual se
encarniçou sempre o desprezo de Hegel e
133
135
novos problemas são postos ou impostos pela vida e pela acção. À filosofia não
é dado pensar os universais sem os individualizar e, portanto, sem os
136
NOTA BIBLIOGRÁFICA
137
138
vi
O NEO-CRITICISMO
139
O retorno a Kant verificou-se na Alemanha pouco depois dos meados do séc. XIX.
O primeiro impulso partiu dos escritos de **HeIraholtz, do aparecimento da
monografia de Kuno Fischer sobre Kant (1860) e da obra de Zeller Sobre a
significação e o
140
nossos órgãos dos sentidos por acção das forças externas. Os sinais não são
cópias nem reproduzem os
caracteres dos objectos externos; mas, contudo, estão relacionados com eles. A
relação consiste em que o mesmo objecto, nas mesmas circunstâncias, provoca o
aparecimento do mesmo sinal na consciência. Esta relação permite-nos comprovar
as leis dos processos externos, isto é, a sucessão regular das causas e dos
efeitos, o que basta para provar que as leis do mundo real se reflectem no
mundo dos sinais e,
141
duto da nossa organização. 2.1 -Os nossos órgãos visíveis (corpóreos) são,
como as restantes partes do mundo fenoménico, somente imagens de um objecto
desconhecido. 3 a-o fundamento transcendente da nossa organização é, pois,
desconhecido para nós, do mesmo modo que as coisas que actuam sobre ela. Só se
nos depara o produto de dois factores: o nosso organismo e o objecto
transcendente (Gesch. des Mater., 11, 7 a ed., 1902, p. 423). Uísto resulta
que "o reduzir todo o elemento psíquico ao mecanismo do cérebro e dos nervos
(como faz o materialismo) é o caminho mais seguro para chegar a
admitir que aqui termina o horizonte do nosso saber sem alcançar o espírito em
si" (Ib., p. 431). Nesse sentido é aceite a tese kantiana de que toda a
realidade, apesar da sua rígida concatenação causal, não é mais que fenómeno.
A coisa em si não é mais que um conceito limitativo, algo inteiramente
problemático, que se admite corno causa dos fenómenos, mas da qual nada se
pode afirmar positivamente (Ib., p. 49). Lange crê que o verdadeiro Kant é o
da Crítica da Razão Pura e que a tentativa de Kant de sair, como fez nas
outras obras, dos limites do fenómeno para alcançar o mundo noménico é
impossível, Os próprios valores morais e estéticos têm a sua raiz no mundo dos
fenómenos e carecem de significado fora dele (1b., p. 60). Existe, certamente,
um caminho para ir mais além dos fenómenos, mas não e o do saber positivo: é o
caminho da livre criação poética. O homem tem, certamente, necessidade de
completar a realidade fenoménica, com um mundo ideal criado por ele próprio.
Mas a livre criação
143
deste mundo não pode tomar a forma enganadora de uma ciência demonstrativa; e
se a toma, o materialismo ali está para destruir o valor de toda a especulação
audaz e para manter a razão dentro dos limites do que é real e demonstrável
(1b., p. 45). Deste ponto de vista, o valor da religião não consiste no seu
conteúdo teórico, mas no processo espiritual de elevação por sobre o real e na
criação de ,uma pátria espiritual que ela determina. "Acostumemo-nos - diz
Lange (1b., p. 548) - a atribuir ao princípio da ideia criadora em si,
deixando de lado toda a sua conformidade com o conhecimento histórico e
científico e também toda a falsidade deste conhecimento, um valor superior
àquele que se lhe tem atribuído até agora: acostumemo-nos a ver no
mundo das ideias uma representação figurada da verdade na sua totalidade, tão
indispensável para o
144
revela nada sobre a natureza da coisa em si, mas permite afirmar a sua
existência. o facto de que a
uma sensação sucede outra (por ex., a passagem do azul ao roxo) implica uma
alteração produzida no objecto em si, ainda que não permita decidir em que
consiste. A realidade do objecto em si não é excluída pelo facto da
consciência ter simplesmente uma relação com ele. "Não contradiz nenhum
conceito do nosso pensamento supor que o que se converte em objecto, ao entrar
na relação que constitui a ciência, exista também independentemente desta
relação. MaIs ainda, esta afirmação está necessariamente unida à ideia de
relação: o que não existe não pode entrar em nenhuma relação" (Des phil.
Kritizismus, 11, 11, p. 142). O objecto em
145
146
consciência é uma função especial dos fenómenos que se manifestam nessa esfera
representada que é o indivíduo orgânico (Ib., p. 83). O saber e a ciência
tendem a estabelecer as relações entre os fenómenos e entre as leis,
procurando uma síntese única cujos limites corresponde à crítica estabelecer
(1b., págs.
86 e segs.). Todo o saber se baseia, portanto, na
mais causas, que não são efeitos, mas causas primeiras. "0 mundo-diz Renouvier
(Ib., 1, pág-s.
282-3) depende de uma ou mais causas que não são efeitos, mas actos
antecedentes: tende para um ou mais fins, cujos meios adquiridos não se
prolongam interminavelmente no passado nem no futuro; e e~ fins e estas causas
estão n&e, de algum modo, já que todo o devir implica força e paixão; e como
149
é, para Reinouvier, o dado originário. "Nós subsfituímos o Uno puro, ídolo dos
metafísicos, pela unidade múltipla, a todo, pela única razão de que o
suas ulteriores determinações não podem encontrar resposta, porque não têm um
sentido definível nos limites do conhecimento, humano.
mente -as teses dos Ensaios, chega a renovar a concepção cíclica do mundo tal
como se encontra nos Padres da Igreja grega, especialmente em Orígenes (§
146). Renouvier aceita explicitamente (Nova monad., p. 505) a tese de uma
pluralidade de mundos sucessivos, nos quais a passagem de um mundo para outro
é determinada pelo uso que o homem faz da liberdade em cada um deles; e
pretende corrigir a
tese de Orígenes no sentido de que "o fim alcançado volta a unir-se com o
princípio, não na indistinção das almas mas na humanidade perfeita, que é a
povos do mundo. "As leis empíricas pressupõem o livre arbítrio humano e a não
predeterminação dos grandes acontecimentos, pêlo menos do ponto de
151
152
153
154
155
a escola de Marburgo, dado que apresenta como aspecto característico uma certa
tendência para o empirismo.
o seu aspecto lógico. Pode ser considerado como um processo ou facto existente
e denomina-se então pensamento, juízo ou raciocínio, e pode ser considerado
como um modo de conhecimento e é então uma forma conceptual, que utiliza
conceitos tais como
157
Mesmo quando Hodgson parte do princípio esse est percipi, e afirma que o
sentido geral da realidade é o facto de que se dá a experiência (1b., p. 458),
não se detém na tese idealista; analisa assim a formação, no seio da
experiência, de uma realidade objectiva e, também, de unia realidade que
existe independentemente de ser percebida. ou pensada (mesmo quando não é
independente do acto de pensamento que a reconhece como tal). Contudo, o
"mundo externo" de que nos fala é considerado externo unicamente em relação ao
corpo, enquanto ocupa um lugar no espaço juntamente com os outros objectos da
experiência (Met. of Exp., 1, p. 267).
Crítica da Razão Prática de Kant (1b., IV, p. 399). "Os sentimentos, cuja
eleição prática é um mandato da consciência e cujo triunfo é a convicção da
fé, são conhecidos e experimentados por nós justamente
158
como sentimentos pessoais, apenas enquanto são sentidos por certas pessoas
relativamente a outras. Mas quando pensamos que o seu triunfo se baseia
providencialmente na natureza do universo, não podemos pensar o próprio,
universo senão como pessoal, apesar de esta tentativa de realizar
especulativamente o pensamento falhar necessariamente e
159
160
como uma aproximação gradual e contínua para um fim supremo, do qual seriam
realizações parciais ,todos os desenvolvimentos da realidade cósmica e humana.
A noção de fim, segundo ele, é uma categoria prática que não encontra
aplicação para além dos limites da experiência individual. Por isso, o
161
conhecimento está com a limitada porção da realidade que lhe é dada. Mas crê
que o problema da existência deste espírito não pode ser definitivamente
resolvido.
estudo sobre Os conceitos de fenómeno e nómeno lia sua relação segundo Kant
(escrito em alemão e publicado na Alemanha, 1897) e de dois livros, As bases
filosóficas do teísmo (1937) e Realismo crítico 1(1938), pode considerar-se
discípulo, de Adamson. Hicks toma como ponto de partida a distinção feita já
por Hodgson e Adamson, entre existência e essência, o qual e o que; e serve-se
dela para chegar à conclusão de que o objecto é apenas uma
162
realidade como tal. Este conceito da realidade, considerado como termo final
do processo cognitivo (mais do que como seu ponto de partida), é o
164
Por outras palavras, a filosofia não, tem por objecto juízos de facto, mas
juízos valorativos (Beurteilungen), isto é, juízos do tipo "esta coisa é boa",
que incluem uma referência necessária à consciência que julga. Todo o juízo
valorativo é, com efeito, a reacção de um indivíduo dotado de vontade e
sentimento ante um determinado conteúdo representativo. O conteúdo
representativo é produto da necessidade natural ou psicológica; mas a reacção
expressa no juízo que o valora pretende uma validade universal, não no sentido
de que o juízo seja reconhecido de facto por todos, mas unicamente rio sentido
de que deve ser reconhecido. Este deve possuir é uma obrigatoriedade que nada
tem que ver com a necessidade natural. "0 sol da necessidade natural afirma
Windelband (Prãludien, 4.a ed.,
1911, 11, págs. 69 e segs.), resplandece por igual sobre o justo e sobre o
injusto. Mas a necessidade, que observamos, de validade das determinações
lógicas, éticas e estéticas, é uma necessidade ideal, uma necessidade que não
é a do Müssen e do não-poder- ser-de-outro-modo, mas a do Sollen e do poder-
ser-de-outro-modo". Esta necessidade ideal consti-
165
166
167
§ 728. RICKERT
168
Bruno Bauch (1877-1942), numa monografia sobre Kant (1917), que é a sua obra
principal, interpreta a coisa em si no sentido da filosofia dos valores como
regra lógica que vale, independentemente do nosso entendimento, para o nosso
entendimento; e segue, contrariamente, a tendência da escola de Marburgo ao
eliminar o **&afismo kantiano entre intuição e categoria e ao considerar o
conhecimento como um progresso infinito do pensamento para a determinação da
experiência.
174
valores com o idealismo de Fichte. Põe como fundamento de todos os valores uma
actividade livre, um super-eu ou eu universal do qual cada eu singular é uma
parte. Esta actividade, de cunho fichteano, encontra a sua expressão
originária no valor religioso, isto é, na santidade, à qual se reduzem,
portanto, todos os outros valores. Estes são agrupados em duas grandes
classes: valores imediatos ou vitais e valores criados ou culturais. Cada uma
destas classes divide-se numa esfera tripla: o mundo externo dos objectos, o
mundo dos sujeitos e o
Em Itália, foi seguida uma direcção semelhante por Guido Della Vafle (1884-
1962) que utilizou a
filosofia dos valores como fundamento de uma teoria da educação (Teoria geral
e formal do valor como fundamento de uma pedagogia filosófica. As premissas da
axiologia pura, 1916; A pedagogia realista como teoria da eficiência, 1924).
175
filósofos da escola de Marburgo são levados a integrar Kant com Platão, que
viu na ideia pura o
176
179
qual apenas o homem individual encontra a sua realização. Cohen insiste, por
isso, na fórmula do imperativo categórico de Kant, que prescreve a cada um
tratar a humanidade, tanto nas outras pessoas como em nós mesmos, sempre como
um fim, nunca como um meio. O sistema dos fins é o objectivo final do dever
ser moral e, neste sistema dos fins, Cohen vê a ideia do socialismo, a qual
exige, precisamente, que o homem valha como fim para si mesmo e seja
reconhecido na liberdade e dignidade da sua pessoa. "Como se concilia
-pergunta Cohen (Ib., 2.a ed., 1907, p. 322)-a dignidade da pessoa com o facto
de que o valor do trabalho seja determinado no mercado como o de uma
mercadoria? Este é o grande problema da política moderna e, por isso, também
da ética moderna". Contudo, Cohen é contrário ao
182
valor eterno.
conceito e a sua existência significam somente que não é uma ilusão crer,
pensar e conhecer a unidade dos homens. Deus proclamou-a, Deus garante-a; à
parte isto, Deus não explica nada nem significa nada. Os atributos, em que
consiste a sua essência, não são propriedade da sua natureza, mas antes as
direcções nas quais se irradia toda a sua relação com os
homens e nos homens" (Ethik, p. 55). Deus é, pois, um simples conceito moral;
e, na moral, a religião encontra a sua única justificação possível, Quando, em
troca, atribui a Deus características (como as
183
mais importante dos quais versa sobre Platão: A doutrina platónica das ideias
(1903). Natorp recolhe e justifica historicamente nesta obra a interpretação
de Platão exposta esporádica e ocasionalmente nas obras de Cohen. Esta
interpretação é a antítese da tradicional, iniciada por Aristóteles, segundo a
qual o mundo das ideias é um mundo de objectos dados, de super-coisas,
análogas e correspondentes às coisas sensíveis. Neste sentido, as ideias não
são objectos mas 1&s e métodos do conhecimento. Com efeito, são concebidas por
Platão como objectos do pensamento puro, e o pensamento puro não pode impor
uma realidade existente, ainda que absoluta, mas
184
NATORP
legalidade do pensamento puro (Ib., p. 1). Natorp põe, por isso mesmo, como
subtítulo da sua monografia platónica o de "Guia para o idealismo", entendendo
por idealismo (do mesmo modo que Coheri) o seu neo-criticismo objectivista.
A principal obra de Natorp é a que versa sobre os Fundamentos lógicos das
ciências exactas (1910), cujos resultados são recapitulados na breve, mas
completa, apresentação da sua doutrina, intitulada Filosofia (1911). Dedicou,
porém, uma grande parte da sua actividade à psicologia e à pedagogia
(Pedagogia social, 1899; Pedagogia geral, 1905; Filosofia e
Segundo Nalorp, "a ciência não é mais do que a consciência no ponto mais
elevado da sua clareza e determinação. O que não pudesse elevar-,se ao nível
da ciência seria apenas uma consciência obscura e, por conseguinte, não uma
consciência no pleno sentido da palavra, se é que consciência significa
clareza e -não obscuridade" (Phil. und Pãd., 2.a ed
1923, p. 20). A filosofia é também conhecimento; mas conhecimento que não se
dirige ao objecto, mas sim a unidade do próprio conhecimento. O objecto do
conhecimento é inesgotável e o conhecimento pode aproximar-se mais ou menos
dele, mas nunca o alcança. Todo o conhecimento é um pro-
185
cesso infinito, mas é um processo que não está privado de lei nem de direcção.
Se o objecto do conhecimento é o ser, é preciso dizer que só no
ló-ica deve ser reconduzida" (Phil., 3 a ed., 1921, p. 41). Esta unidade
central da lógica é o pensamento, como criação ou processo vivente. A forma
originária do juízo, na qual o pensamento se expressa, não é A=A, mas XA, onde
X representa um problema, uma indeterminação, que o pensamento procura
resolver numa certa direcção. Esta resolução é um processo de separação e
unificação, no qual as variantes não são dadas (como acreditava Kant) mas, são
consideradas pelo pensamento juntamente com a característica que lhes é comum.
186
matemática e, em geral, das ciências matemáticas da natureza, são relações e
relações de relações. A isto se reduzem também o espaço e o tempo, que não são
formas dadas pela intuição, mas unicamente produtos da conexão dinâmica em que
consiste o pensamento. Espaço e tempo condicionara a experiência no sentido de
que as regras do pensamento encontram neles a sua concretização; tais regras
são aplicadas de modo a produzirem a experiência imediata do objecto, isto é,
o próprio objecto, numa determinação que não (possui nas regras gerais do
intelecto (Phil., p. 54). A intuição empírica não constitui, portanto, um
acréscimo ou um contributo externo para o pensamento, mas o realizar-se do
próprio pensamento na sua determinação final. "A singularidade do objecto, que
implica como condição própria a singularidade da ordem espaço-tempo, não pode
significar mais do que a determinação perfeita: a determinação na qual nada
deve permanecer indeterminado" (Ib., p. 55). O (lado situa-se nesta doutrina
não já no começo do processo do conhecimento, como um seu material em bruto
(tal como na doutrina kantiana), mas no fim do processo, como sua determinação
final.
187
não fiquemos parados num determinado estádio dela, que não nos detenhamos aí,
mas que avancemos sempre" (Ib., p. 71). A ética é precisamente a ciência deste
dever ser, o qual, enquanto lei -da vontade, prescreve o progresso para uma
comunidade total e
§ 732. CASSIRER
189
Em primeiro lugar essas estruturas são funções e não substâncias. Na sua obra
intitulada Conceito de substância e conceito de função, Cassirer estabelece
uma posição entre os dois conceitos e nota como a ciência tinha abandonado, a
partir dos Princípios da mecânica (1894) de Hertz, o conceito de substância e,
simultaneamente, a noção da ciência como
190
Quando Cassirer tenta resumir numa definição do homem os resultados das suas
investigações sobre o
mundo humano, afirma que o homem é um animal simbólico, isto é, falante. "A
razão, afirma, é um termo assaz inadequado para compreender todas as
formas da vida cultural do homem em toda a sua riqueza e variedade. Mas todas
estas formas são simbólicas. Por consequência, em vez de definir o homem como
animal rationale, podemos defini-lo como animal symbolicum. Fazendo assim.
indicamos aquilo que especificamente o distingue e podemos percorrer a nova
estrada que se abre ao homem, a estrada para a civilização" (Essay on Man,
cap.
11). O campo específico da actividade humana, aquele campo onde o homem
manifesta de forma evidente a sua liberdade de iniciativa e a sua
responsabilidade, ou seja, a história, é ele mesmo, segundo Cassirer,
condicionado pela expressão simbólica. De facto, não é possível fazer história
sem
193
§ 733. BRUNSCHVIEG
195
196
197
É evidente que este ponto de vista exclui todo o realismo, qualquer afirmação
de uma realidade em
196
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198
supremo que é verdade e amor e não pode estar revestido de nenhum outro
atributo (De Ia connaissance de soi, p. 190). Brunschvicg, que chama também
humanismo à sua doutrina, afirma a total imanência de Deus no mundo e
precisamente no esforço da reflexão humana. "Um Deus está presente em
verdade. Não é alguém que façamos entrar no círculo dos nossos afectos, que
converse connosco no decurso de um diálogo, no qual, quaisquer que sejam a sua
altura e a sua beleza, é certo que só o
199
mundo humano, é concebida por ele como actividade espontânea e em certa medida
criadora, de acordo com o modelo do impulso vital de Bergson.
O tom da filosofia de Brunschvicg é decididamente optimista: o progresso é a
lei do desenvolvimento da actividade crítico-racional; e todo o futuro da
história humana é o progressivo prevalecer desta actividade.
§ 734. BANFI
200
BRUNSCI1VICG
com o psicologismo, o juízo é uma relação entre duas ideias, entre dois
elementos de consciência, para BanE ele é uma relação objectiva, uma "relação
essencial" entre os seus termos, relação e que pertence
201
mundo diverso e vivo da arte, se não se quer prender à vida interior que se
encontra, em todos os seus aspectos, em profunda tensão... deve ser concebida
em função das leis a priori que constituem
O seu princípio de autonomia estética, e segundo as
202
NOTA BIBLIOGRÁFICA
203
De Helmholtz, adém dos escritos citados: Vortrãge und Reden, 5.a ed.,
Braunschweig, 1903; Schriften zur Erkenntnisstheorie, ed. por P. Hertz e M.
Schlick, Berlim, 1921.
Sobre Lange: H. VAMINGER, Hartmann, DOring und Lange, Iserlohn, 1876; E. von
HARTMANN, NeUkantianismus, jgchopenhauerianismus und Hegelianismus in ihrer
Stellung zu den philosophischen Aufgaben der Gegenwart, Berlim, 1877; H. COMN,
em "Preussische Jahrbücher", 1876; S. H. BRAUN, F. A. L. aIs Sozia10konom.,
Halle, 1881.
204
§ 726. Sobre Hodgson: H. WILDON CARR, em "Mind", N. S., VIIII, 1899; ld., em
"Mind", 1912; J. S. MACKENZIE, em "International Journal of Ethics", 1899; DE
SARLO, em "Riv. Fil.", 1900; L. DAURIAC, em "L'Année Philosophique", 1901.
,Sobre Adamson: H. JONES, em "Mind", N. S., XI,
1902; G. DAWES HICKS, em "Mind", N. S., XIII, 1904; Id., Critical Realism, em
"Studies in the Phil. of Mind and Nature", Londres, 1938.
205
§ 734. De Banfi: existe uma edição completa das suas obras, em italiano, pela
Ed. Parenti de Florença.
206
VII
O HISTORICISMO
resultados por ela conseguidos. A definição que Croce deu da filosofia como
"metodologia da historiografia" presta-se bem a exprimir a natureza do
historicismo. Mas a tese de Croce de que toda a realidade é história e nada
mais do que história elimina os
209
e no espírito (póstumo).
210
riência externa, mas sim através da experiência interna, a única pela qual o
homem se apreende a
212
individualidade; mas, como a individualidade não pode ser atingida a não ser
através de um conjunto complexo de actos generalizantes, ela apresenta-se, nas
ciências do espírito, sob a forma de tipo. No Contributo ao estudo da
individualidade, Dilthey considera o tipo como sendo o termo médio entre a
uniformidade e o indivíduo, isto é, como um conjunto de caracteres constantes
que têm relações funcionais um com o outro, que variam correlativamente e que
se acompanham constantemente (1b., V, p. 270).
O tipo é, segundo Dilthey, o objecto específico da poesia e, em geral, da
arte, que ele considera, por isso, um "órgão da compreensão da vida" Qb., p.
274); e esta noção serve-lhe para definir a tarefa das ciências do espírito
como sendo a "de unir num sistema a constatação do elemento comum num
213
214
participar das suas emoções (1b., VII, p. 205). No compreender realiza-se pois
a unidade do sujeito e
215
hegelianos, espírito objectivo. Mas o espírito objectivo, que para Hegel era a
própria razão tornada instituição ou sistema social, é para Dilthey apenas o
conjunto das manifestações em que a vida se objectivou no decurso do sou
desenvolvimento e que acompanham este desenvolvimento. Afirma Dilthey: "Tudo
sai da actividade espiritual e adquire portanto o carácter de historicidade,
inserindo-se, como produto da história, no próprio mundo sensível. Desde a
distribuição das árvores num parque ou das casas numa estrada, desde os
instrumentos do trabalhador manual até às sentenças de um tribunal, tudo está
à nossa volta, em qualquer altura, surgindo historicamente. O espírito, hoje,
introduz-se nas próprias manifestações da vida e, amanhã, faz a sua
DILTHEY
seu significado. O significado de uma estrutura qualquer pode por isso ser
determinado a partir dos valores e dos fins em que ela se centra.
217
outra vai-se transmitindo "a sede de uma satisfação total, que nunca pode ser
saciada" (Ib., p. 187).
A esta sucessão das épocas não preside, segundo Dilthey, nenhum princípio
infinito ou providencial. Dilthey pensa que "toda a forma da vida histórica é
finita" e que, portanto, não é possível o recurso
218
mundo que nos rodeia como uma totalidade intuída. A intuição filosófica do
mundo distingue-se da religiosa pela sua validade universal e da artística por
ser uma força que quer reformar a vida (Das Wesen der Phil., em Ges. Schrift.,
V, p. 400). Quando a
219
nas diferenças decisivas das várias intuições do mundo. Estes tipos são três:
homem e o mundo; mas não é possível uma relação total que resulte do conjunto
destas três categorias. Isto significa que a metafísica é impossível: deverá,
com efeito, tentar unir ilusoriamente tais categorias ou mutilar a nossa
relação vivida com o mundo, reduzindo-a a uma só delas. A metafísica é
impossível mesmo no âmbito de cada um dos três tipos fundamentais, já que não
é possível determinar a unidade última da ordem causal (positivismo), nem o
valor incondicionado (idealismo objectivo), nem o fim absoluto (idealismo
subjectivo). Contudo, a última palavra não é a relatividade das intuições do
mundo mas a soberania do espírito frente a todas elas e, ao mesmo tempo, a
consciência positiva de que na sua
221
mundo, o esforço por romper os laços que prendem a vida às suas condições
limitadoras. Este esforço constitui a função universal da filosofia e a última
unidade de todas as suas manifestações históricas.
§ 739. SIMMEL
dever ser é uma "categoria natural do pensamento", do mesmo modo que o ser,
reconhecendo depois que ele age e vive somente na consciência empírica do
homem e em relação com o conteúdo psicológico dela. E nos Problemas
fundamentais, da filosofia, juntamente com o sujeito e o objecto, considerados
nas suas relações funcionais, Simmel reconhece a
223
-9 2 4
as formas de associação assumidas pelas relações entre os indivíduos. E
distingue-se das ciências sociais particulares porque enquanto nestas os
fenómenos sociais são considerados nos seus conteúdos, na sociologia são
apenas considerados como modalidade das relações entre os indivíduos
(Soziologie, p. 12).
225
vação ou dor. Mas deste ponto de vista a vida torna-se o verdadeiro e único
sujeito da história e -a
única substância das coisas: uma realidade metafísica. Mais do que para
Dilthey, que considerara a vida apenas enquanto situação do homem no
mundo, esta noção remete talvez para Bergson. Simmel entende a vida no sentido
da duração real de Bergson. (§ 693), ou seja, como continuidade em que o
presente inclui o passado e não como sucessão de estados diferentes ou
diferenciáveis. Neste sentido a vida é o próprio tempo concreto, enquanto que
o
ideal (valor, dever ser, forma, mundo histórico) parece ter sido o tema
constante da filosofia de Simmel.
§ 740. SPENGLER
227
estudados por duas ordens de investigação diferentes, para Spengler são duas
realidades metafísicas incomensuráveis. A natureza é o mundo dos produtos do
devir, daquilo que foi produzido pela vida e que se destacou dela; a história
é o mundo do devir, da vida que cria incessantemente novas formas. Na natureza
vale a necessidade causal que se manifesta na uniformidade e na repetição e
que pode ser
228
(Zivilisation), onde ela alcança "os estados extremos e mais refinados" de que
já são apenas capazes os
229
que ele se manifesta: é o próprio sucesso desta acção que a justifica. "Nós,
diz Spengler, não temos a liberdade de realizar isto ou aquilo, mas sim a
liberdade de fazer aquilo que é necessário ou de não fazer nada; e qualquer
tarefa que tenha surgido por necessidade da história irá avante com a ajuda de
cada um dos indivíduos ou contra eles. Ducunt fata volentem, nolentem trahunt"
(Ib., 11, p, 630).
lavra, o "desabar de todos os valores" de que Nietzsche foi o profeta mas que
o Ocidente mostra já em acto, são os precursores infalíveis da morte da
civilização ocidental. O último acto desta civilização será um retorno ao
cesarismo, que constituirá o prelúdio de um retorno ao estado primitivo (Ib.,
11, cap. V).
§ 741. TROETSCH
231
ligião mostra ter no mundo histórico. Apesar de estar em relação com as outras
formas do processo histórico (economia, política, ciência, arte, etc.) e
acção que pode ser mais forte ou mais débil, mais ou menos compreensível, mais
ou menos pessoal; mas que justifica a superioridade do Cristianismo o
234
pertencem. "A relatividade dos valores, diz Troeltsch, só tem sentido se neste
relativo existe um absoluto vivo e criador. Se assim não acontecesse, tratar-
se-ia de uma mera relatividade e não de uma relatividade dos valores. Esta
última pressupõe um
processo vital do Absoluto, através do qual este surge em cada ponto da forma
mais apropriada a
esse ponto" (Ib., 111, p. 212). Por outras palavras, a relatividade, histórica
e o absoluto dos valores coincidem: por se encontrarem nas suas formas
históricas relativas, os valores constituem a presença, na
proponha obter "um critério, um ideal, -uma ideia de uma nova unidade cultural
a criar partindo daquilo que existe no presente, presente este considerado
como sendo uma situação complexa resultante
235
fusão feliz do poder material e dos valores espirituais ou, segundo a sua
expressão, do Kratos e do Ethos. Esta fusão era considerada por ele (sobretudo
na obra Cosmopolitismo e estado nacional, 1908) não apenas como a justificação
histórica do estado nacional alemão mas, também, como o critério da avaliação
histórica e da orientação política; critério que ele considerava ser a maior
conquista do romantismo contra o iluminismo. Meinecko via no
236
237
238
todo, ela é universal, não é menos verdade que ela só pode ser atingida
individualmente e a partir de outros níveis sociais de cultura, os quais, por
sua
241
valor, assim vai delimitando o seu campo. Deste ponto de vista, toda a
disciplina constitui o seu próprio objecto, orientando as escolhas que efectua
para os
valores que correspondem aos seus interesses. É por isso que "são as ligações
conceptuais do problema que se encontram na base do campo de trabalho das
ciências, e não as conexões objectivas entre as coisas: quando se estuda um
novo problema usando novos métodos, e desse modo se descobrem verdades que dão
lugar a novos pontos de vista significantes, surge uma 'ciência'" (Ges.
Aufsülre z. Wiss., p. 166). O conhecimento histórico é portanto assistemático,
no sentido de que não pode dar lugar a
um sistema total **def"tivo das ciências da cultura. E a própria cultura não
constitui um único campo de investigação mas sim um conjunto de campos
autónomos cuja coordenação depende do diferente desenvolvimento de cada um
desses campos.
decisão sobre os objectos que têm ou não -valor, quer dizer, daquilo que é ou
não significativo, daquilo que é " importante" ou não. A investigação não pode
ser iniciada e conduzida sem este factor decisivo que é a escolha do
investigador, mas por outro lado, segundo Weber, este factor não torna
subjectiva ou arbitrária toda a investigação, não limita a sua validade ao
investigador que a efectuou. Com efeito, qualquer que seja o valor que guiou o
243
O recurso a esta noção faz-se isolando num processo histórico uma ou mais
componentes causais objectivas, supondo que essas componentes se modificam e
verificando-se se, com tal modificação, o
processo histórico se teria mantido igual àquele que nós conhecemos ou, se
assim não acontecesse, qual seria a nova forma que revestiria (1b., p. 273).
Como ilustração deste modo de proceder, Weber apresenta um exemplo tirado da
Geschichte des Altertums de Edward. Mayer, sobre o significado histórico da
batalha de Maratona. Aqueda batalha foi a decisão entre duas possibilidades:
de um lado, o prevalecimento de -uma cultura religioso-,teocrática, de outro a
vitória do mundo espiritual helénico, de cujos valores culturais sornos, ainda
hoje, herdeiros. Em Maratona prevaleceu esta segunda possibilidade; foi esta a
condição preliminar de um curso de acontecimentos bastante importantes na
história universal. Ora o nosso interesse histórico por aquele acontecimento
baseia-se precisamente, segundo Weber, no
245
entre duas tribos cafres ou indianas" (Ges. Aufsã!ze z. Wiss., p. 274). Por
outros termos, a explicação causal não consiste, segundo Weber, em reconhecer
um acontecimento como sendo necessariamente determinado pela série causal (que
é, no entanto, necessária) dos acontecimentos precedentes, mas sim em
Mas para que a possibilidade possa ser reconhecida, neste sentido, como sendo
objectiva, ela deverá ser, por um lado, baseada em "factos" que possam ser
averiguados e que pertençam à situação histórica considerada, e.. por outro
lado, deverá estar de acordo com **"ro,,ras empíricas ,crais", ou
246
"pureza ideal" na realidade empírica, mas que servem como meio para a entender
e para explicar os
247
não sobre a sua dimensão subjectiva. Ora esta dimensão objectiva é o objecto
específico da sociologia,
* qual -se torna deste modo, e em lugar da psicologia,
* ciência auxiliar fundamental da historiografia. No entanto, a sociologia não
é apenas isto: ela é primordialmente uma ciência autónoma que encontra o seu
objecto específico na uniformidade existente nas acções humanas, isto é, na
atitude (Verhalten). "A atitude humana, afirma Weber, apresenta conexão e
regularidade de desenvolvimento relativamente a qualquer devir. Aquilo que é
próprio, pelo menos
248
MAX WEBER
Z196
expectativa de quem a assume !tenha um eco nas atitudes dos outros. Podemos
compreender, por exemplo, a atitude de um batoteiro partindo apenas da
possibilidade objectiva -de que os outros participantes no jogo observem, de
acordo com a expectativa do batoteiro, as regras do jogo. É deste modo que a
noção de possibilidade objectiva que Weber tinha considerado como fundamento
do compreender historiográfico, acaba por assumir uma função dominante na
própria "sociologia interpretativa". Unia atitude que se baseia no cálculo
(mesmo subjectivo) das possibilidades oferecidas pelas atitudes de outrem é,
segundo Weber, uma atitude "racional", ou seja, que atinge os seus fins. Com
efeito, esta atitude "orienta-se exclusivamente a partir dos meios que se
considera (subjectivamente) adequados aos fins concebidos (subjectivamente) de
forma precisa" (Ib., p. 428).
250
251
Pode-se encontrar esta oposição em toda a obra de Weber, mas onde ela se
encontra melhor expressa é num ensaio de 1917 sobre a "avalorabilidade"
(Wertfreiheit) da sociologia e da economia. Estas ciências, na opinião de
Weber, podem exclusivamente constatar ou descrever a realidade empírica e for-
252
outro género: "0 que se deve fazer numa dada situação concreta e de que ponto
de vista é que essa situação pode ser considerada ou não satisfatória"
(Gesammelte Aufsãtze zur Wissenschftslehre, p. 495). É óbvio que Weber não
nega que a ciência possa e
deva ocupar-se dos valores e das valorações, que são factos. do mesmo modo que
quaisquer outros; mas observa que "quando, aquilo que vale normativamente se
torna objecto duma investigação empírica perde, como objecto, o carácter
normativo: é considerado como existente, não como válido" (1b., p. 517). O
que, neste caso, a ciência assume legitimamente como objecto de investigação
não é a validade dos valores mas a sua realização: ou melhor os meios para os
realizar e os conflitos a que tal realização dá origem. Por outros termos, e
segundo uma fórmula que Weber já tinha ilustrado no ensaio sobre a
objectividade das ciências sociais, a consideração científica diz respeito à
técnica dos meios e não à valoração dos fins (1b., págs. 149 e segs.). A
valoração é uma tomada de posição prática, uma
decisão que respeita a cada homem e à qual nenhum homem se pode subtrair, mas
que não é satisfeita pela tarefa descritiva da ciência. Mesmo questões
253
ciência a consideração dos conflitos a que pode conduzir a opção dos fins e
que são conflitos entre valores ou entre esferas de valores. Weber acentua a
importância destes conflitos. "Entre os valores Oxiste, em última análise (e
em quaisquer condições), não uma simples alternativa mas sim uma luta mortal,
sem possibilidades de conciliação como, por exemplo, entre "Deus" e o
"Demónio". Entre eles não é possível nenhuma conciliação ou compromisso; e não
é possível, bem entendido, devido àquilo que cada um deles significa" (Ib., p.
493). A relatividade dos valores, entendida como conexão orgânica entre os
valores e a sua época ou o seu ambiente cultural, é excluída, segundo Weber,
pela presença inevitável do conflito entre os valores: conflito que coloca o
254
que julga a acção partindo das consequências previstas como possíveis ou como
prováveis. As regras de conduta de ambas as éticas manifestam-se imediatamente
em contradição, contradição essa que não pode ser resolvida pela própria
ética. Ã ética da responsabilidade interessa essencialmente considerar a
relação entre meios e fins e a situação, de facto em que deve ser explicada. a
acção humana-, mas
mesmo essa não nos oferece um meio de orientação na luta política, na qual
existe uma inesgotável contradição entre valores. Concluindo, do mesmo modo
que as ciências naturais nos dizem o que devemos fazer se quisermos dominar
tecnicamente a vida, sem, no entanto, nos dizerem se tal domínio tem algum
sentido, também as ciências da cultura nos permitem compreender os fenómenos
políticos, artísticos, literários e sociais a partir das condições em
que surgiram, sem nos -dizerem, no entanto, se tais fenómenos têm ou tiveram
algum valor ou mesmo
§ 747. TOYNBEE
256
de uma determinada civilização. Tudo isto, segundo Toynbee, não permite que se
reduza o desenvolvimento das diferentes civilizações a um único esquema, já
que tais civilizações conservam linhas de desenvolvimento independentes e
processos evolutivos diversos (A study of History, 1, págs. 149 e segs.).
sua acção deveria ser sempre uniforme e conduziria sempre aos mesmos efeitos;
o que na realidade não acontece. Por outro lado, isto não significa que a
acção dos homens na história seja independente de quaisquer condições que a
limitem, ou seja, absolutamente livre; Toynbee elabora sobre este assunto a
sua mais famosa doutrina, a da provocação e
257
provocação consiste sempre num problema ao qual os homens dão uma solução: o
problema condiciona a solução mas admite, em si mesmo, várias soluções,
pertencendo aos homens a opção entre estas diferentes soluções. Isto explica a
diversidade recíproca das civilizações e, ao mesmo tempo, a uniformidade que
elas apresentam e que as torna confrontáveis.
É sobre esta base que Toynbee nega a legitimidade da pretensão, defendida por
Spengler, de prever infalivelmente a morte da civilização ocidental. Esta
civilização encontra-se certamente em crise; mas a
sua sorte não pode ser determinada antecipadamente, visto depender do modo
como os homens que nela vivem possam responder a esta provocação. Toynbee
pensa, no entanto, que a sorte de uma civilização está necessariamente
relacionada com um reforço do espírito religioso. Neste ponto, a sua doutrina
resulta estéril, acentuando-se tal situação nos últimos livros que escreveu.
Como resultado dever-se-ia concluir que a génese e o desenvolvimento de todas
as civilizações ocorrem segundo determinadas linhas que só podem ser
encontradas empiricamente, e que a comparação entre elas exige a determinação
de tais linhas mediante critérios metodológicos precisos; mas Toynbee dá
258
Resulta evidente do que foi dito neste capítulo que o historicismo (como,
aliás, todas as correntes filosóficas) não constitui no seu conjunto uma
doutrina única e coerente que se fosse diversificando, em cada pensador, por
aspectos particulares. A unidade do historicismo (como de todas as outras
correntes) é a unidade do problema que ele enfrenta: o do conhecimento
histórico, do seu objecto e dos
259
seus métodos. Pode-se sem dúvida estabelecer uni balanço dos resultados
obtidos por esta corrente pondo em evidência os pontos em que haja acordo
unânime, ou quase unânime, de todos os seus defensores: dela resulta, por
exemplo, o reconhecimento do carácter individual do objecto histórico e, por
outro lado, o do carácter específico do instrumento de que se serve o
conhecimento histórico, isto é, o da compreensão ou da interpretação
historiográfica. Mas, para além da constatação da existência destes pontos,
que foram, aliás, atingidos e justificados diferentemente por cada um dos
pensadores, e da unidade do problema, não se pode falar do "historicismo" como
tratando-se de uma doutrina única e simples que possa ser examinada, discutida
e refutada na sua totalidade. Mas até mesmo esta tentativa, que foi realizada
por muitos escritores contemporâneos, revela, na disparidade dos alvos que
cada um -deles pretendia atingir com a sua crítica, o erro de tal atitude. Com
efeito, estabelece-se por um lado a equação entre historicismo e relativismo e
objecta-se precisamente ao historicismo a sua incapacidade de garantir o
carácter normativo dos valores e a obra da razão, como fez Leo Strauss
(Natural R!-*ght and History [Direito natural e história], 1953); ou a sua
incapacidade de dar um sentido total à história, como fez Jaspers (Vom
Ursprung und Ziel der Geschichte [A origem e o fim da história], 1949); ou a
tentativa de substituir uma fé fictícia à autêntica fé religiosa, como fez
Karl Lõwith (Meaning in His- tory [Significado da história], 1949). Ou então
negu-se aquela identificação e vê-se no historicismo a
')60
defesa dos valores humanos, como fez Theodor Litt (Die Wiedererweckung des
geschichtlichen Bewusstsein [0 despertar da consciência histórica], 1956)-, ou
ainda urna manifestação ido "essencialismo", isto é, da metafísica
tradicional e, parcialmente, o recurso a esquemas científicos superados por
esse carácter metafísico, como fez Karl Popper (The Poverty of Historicism
[A pobreza do historicismol,
1944). Em todas estas interpretações e críticas descuram-se precisamente as
manifestações mais salientes do historieismo, isto é, os resultados obtidos
por Dilthey e Weber.
261
NOTA BIBLIOGRÁFICA
§ 736. U@ Dilthey, existe uma bibliografia completa das suas obras em "Archiv
für Geschichte, der Phil.", 1912, págs. 154-61. Os escritos destle autor foram
recrlhidos em Gc_,avi~Ite Schriften, 12 vols., Leipzig, 1923-36. Critica della
ragione storica, antologia de escritGs de Dilthey com introwdução e,
bíbliografia do Pietro R(ssi, Turim, 1954.
264
§ 739. De Simmel, além dos. iescritos citados: Zur Philosophie der Kunst,
Potsdam, 1923; Vorlesungen iiber Schulpãdagogíe, Osterwiedik, 1922; Fragmente
und Aufsãtze, Munique, 1923. os problemas fundamentais da filosofia foram
trauduzidos para italiano lyo;r A. Banfi, Florença, 1922. O artigo a que se
alude no
§ 742. De Meinecke, além das obras citadas lio texto, os ensaios recolhidos em
Vop geschiclitliehcn
265
Sinn und vom Sinn der Geschichte, Leipzig, 1939; trad. italiana, Nápoles,
1948.
Sobre Meinecke: CROCE, La storia come pensiero e come azione, Bari, 1938,
págs. 51-73; W. HOFER, Geschicht8chreibung und Weltan-schauung, Munique,
1950; CHABOD, in "Rivista Storica Italiana", 1955, págs.
272-88; W. STARK, Introdução à tradução inglesa da Ide'a da razão de Estado,
publicada sob o titulo MacMavellism, New Haven, 1957.
266
Sobre Toynbee: P. GEYL, The Pattern of the Past, Boston, 1949; E. F. J. ZAHN,
T. und das Problem der Geschichte, Kõln und OppIaden, 1954; PIETRo Rossi, in
"Filosofia", 1952, págis. 207-50; Storia e storicismo nella filosofia
contemporanea, cit., págs. 333-60; O. ANDERLE, Das universalhistorische System
A. J. T., Frankfurt am. Main, 1955 (inclui uma bíbliografia).
267
íNDICE
§ 692- Vida e Obra ... ... ... ... ... 7 § 693. A duração
real ... ... ... ... 9 § 694. Espírito e corpo ... ...
... ... 13 § 695. O impulso vital ... ... ... ... 17 §
696. Instinto e inteligência ... ... ... 20 § 697. A intuição
... ... ... ... ... 24 § 698. Gênese ideal da
matéria ... ... 27 § 699. Sociedade fechada e sociedade
269
§713. Gentile: a arte ... ... ... ... 102 §714. Gentile: a
religião ... ... ... ... 105 §715. Gentile: o direito e o estado
... 107 §716. Croce: Vida e Obra ... ... ... 111
270
271
histórico ... ... ... ... ... ... 215 § 738. Dilthey: o
c,)nceito da filosofia 219 § 739. Simmel - ... ... ... ...
... 222 § 740. Spengler ... ... ... ... ... ... 227 § 741.
Troeltsch ... ... ... ... ... ... 231 § 7-12. Meinecke ... ...
... ... ... ... 236 § 743. Weber: 4ndividualidade, significado, valor
... ... ... ... ... 239
272
(fim)