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SINOPSE DO CASE: Tenho muito o que fazer e não consigo fazer nada.

Marina Candeira Correia²

Lidiane Collares³

1. DESCRIÇÃO DO CASO

Suzana, uma jovem de 25 anos, enfrenta um dilema persistente em sua jornada


acadêmica. Ela compartilhou com sua psicóloga a angústia de iniciar diversos cursos de
graduação, todos marcados por um entusiasmo inicial que rapidamente se dissipa. Essa
mudança frequente é alimentada por medo, insegurança e a apreensão de não encontrar
realização profissional mesmo após concluir sua formação. Suzana já experimentou
cursos como Letras, Direito, Engenharia Civil, Pedagogia e Enfermagem antes de
ingressar no curso de Psicologia, onde atualmente está no 3º período.
Apesar de seu envolvimento ativo na faculdade, participando de grupos de
pesquisa, ligas acadêmicas e até liderando sua turma, Suzana se encontra desmotivada.
Ela atribui essa desmotivação à carga de trabalho intensa e à pressão para absorver
extensos textos acadêmicos. Suzana descreve uma paralisia debilitante que a impede de
sequer começar suas tarefas, apesar de ser uma pessoa responsável que busca a
excelência em suas atividades acadêmicas.
A psicóloga de Suzana aconselhou exercícios de relaxamento, como mindfulness, e
identificou a ansiedade como uma resposta à sobrecarga de atividades. Nesse contexto,a
questão principal que surge é: como poderia ser realizada uma análise fenomenológico-
existencial desse caso?

1 Case apresentado à disciplina deTerapias e Tecnicas Psicoterapicas Fenomenologicas e Existenciais,na


Unidade de Ensino Superior Dom Bosco –UNDB. 2 Aluna do 7 Período do curso de Psicologia, da UNDB. 3
Professora , orientadora.
2. IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO

2.1 Descrição da possível decisão:

2.1.1. A Dimensão Eu-Tu na Psicoterapia Existencial

2.1.2. Inautênticidade e Angustia

2.2. Argumentos capazes de fundamentar cada decisão

2.2.1 A Dimensão Eu-Tu na Psicoterapia Existencial

Pode-se conceituar a Psicologia existencial como, a psicologia da existência humana


com toda a sua complexidade e paradoxos (Wong, 2004) isto é, uma abordagem que
busca compreender a experiência humana em sua totalidade, incluindo os desafios,
dilemas e contradições que surgem ao enfrentar a vida e a busca por significado.Nesse
sentido,entende-se que,

O que caracteriza a existência individual é o ser que se escolhe a si-mesmo com


autenticidade, construindo assim o seu destino, num processo dinâmico de vir-a-ser.
O indivíduo é um ser consciente, capaz de fazer escolhas livres e intencionais, isto
é, escolhas das quais resulta o sentido da sua existência.(TEIXEIRA,2006)

Diante disso, o objectivo da Psicoterapia Fenomenologica-existencial é o de facilitar


na pessoa do cliente um auto-conhecimento e uma autonomia psicológica suficiente para
que ele possa assumir livremente a sua existência (Villegas, 1988).
Ademais observa-se ainda que, a relação terapeuta-cliente configura-se a priori como
uma relação inter-humana ao passo em que, não se pode compreender o homem sem
estar em relação com os outros sendo este assim, um ser com os outros(Heidegger,
1927). Desse modo, a Psicoterapia Fenomenologica-existencial privilegia a relação Eu-Tu
em detrimento da relação Eu-Isso.
Na medida em que, não se trata de dar orientações nem de trazer interpretações
prontas aos clientes, como às vezes acontece em psicoterapias de outras
abordagens(TEIXEIRA,2006).Como no caso de Suzana onde, a Psicologa ao deparar-se
com sua crise existêncial prontamente a fornece soluções rápidas : ‘’ fazer alguns
exercícios de relaxamento’’ e ‘’ para conseguir realizar as tarefas do curso, Suzana
precisa dar o primeiro passo, que é começar a fazer.’’
Por conseguinte, o conceito de psicoterapia não é o de uma técnica destinada a “curar”
perturbações mentais. Já que, Conforme Rojas-Bermúdez (1977), "pretender que um
instrumento resolva tudo, é persistir numa valorização ingênua, que servirá mais para
proteger a própria onipotência do que o instrumento" fortalecendo assim a ilusão, mas sim
o de uma intervenção psicológica que contribui para o crescimento e para a transformação
do cliente como pessoa. Mais especificamente, que promove o encontro da pessoa com
a autenticidade da sua existência, para que venha a assumi-la e possa projectá-la mais
livremente no mundo.

2.2.2 Inautênticidade e Angustia

Segundo Kierkegaard(1968), a angústia pode ser comparada à vertigem da liberdade


na medida em que,

Se o homem não tivesse consciência da possibilidade, se não tivesse espírito e


inteligência, ele não conheceria a angústia, de onde se conclui que a angústia está
ligada à espiritualidade do homem. Em consequência disso, é então impossível
libertar-se da angústia quanto de si mesmo (LE BLANC, 2003, p. 83).

Diante do caso se torna perceptível que, Suzana está presa em um ciclo de escolhas
acadêmicas, aparentemente motivada pela busca de realização, mas enfrenta uma
crescente angústia e desmotivação. Ao escolher uma variedade de cursos, ela exerce sua
liberdade, mas essa liberdade também a expõe à angústia existencial (‘’ e se...’’), pois
cada escolha implica em compromissos e consequências significativas.
Além disso, a sensação de Suzana de não conseguir começar suas tarefas, apesar de
sua consciência dos prazos, reflete a paralisia da angústia. Isto é, as possibilidades a
paralizam ao invés de impelir à ação.Ao passo em que,

As especulações racionais que levam em conta apenas a individualidade como


conceito são incapazes de transformar teoria em práxis, de passar do entendimento
à ação porque situam-se no não-real. A especulação não traz em si a ação. Por isso,
a existência requer a certeza da vida interior que vem da ação e que só se encontra
na ação.(KIERKEGAARD apud OLIVEIRA,2003)

. Dessa forma, ao considerar a importancia da busca de uma existência autêntica no caso


de Suzana, torna-se evidente que o processo de confrontar a angústia existencial é uma
parte fundamental desse caminho. A angústia não é um obstáculo a ser evitado, mas
sim um elemento intrínseco ao processo de autodescoberta e autenticidade. É através da
angústia que Suzana pode questionar suas próprias escolhas, suas aspirações mais
profundas e o significado subjacente a suas ações.
Tendo isso em vista,o psicólogo desempenha um papel de apoio crucial ao ajudá-la a
explorar essas questões, incentivando-a a abraçar a incerteza e a ambiguidade que
acompanham a existência humana. Através desse diálogo terapêutico, ela pode
gradualmente ganhar a coragem necessária para dar o "salto de fé" em direção a uma vida
mais autêntica.
Além disso, a busca pela síntese do finito e infinito é um convite para uma jornada interior
de autoconhecimento. Reconhecer-se como uma síntese desses dois aspectos da existência
humana implica aceitar a dualidade inerente à nossa natureza. Assim como somos seres
finitos com necessidades e limitações, também somos capazes de aspirar ao infinito em
nossos sonhos, aspirações e busca por significado.
Nesse contexto,o psicólogo desempenha um papel fundamental ao auxiliar Suzana a
explorar essa dualidade e a encontrar um equilíbrio entre as demandas práticas da vida
cotidiana e a busca por um propósito mais profundo e espiritual. Essa jornada de
autodescoberta e síntese pode levar a uma vida mais enriquecedora e significativa, onde
Suzana abraça sua finitude enquanto busca o infinito em suas realizações e conexões com
os outros.

3. Descrição dos critérios e valores contidos em cada decisão possível

Psicologia Fenomenológica-Existencial: é uma abordagem psicológica que se concentra na


experiência subjetiva individual e na compreensão das questões mais profundas da existência
humana. Ela busca explorar como as pessoas percebem o mundo, atribuem significados às suas
experiências e lidam com questões como liberdade, responsabilidade e sentido da vida. Essa
abordagem valoriza a singularidade de cada indivíduo e busca compreender as complexidades de
sua existência a partir de uma perspectiva fenomenológica, que se baseia na descrição direta das
vivências pessoais.

Relação Eu-Tu :conceituada por Martin Heidegger, representa um encontro autêntico entre seres
humanos. Nesse tipo de relação, as pessoas estão plenamente presentes uma para a outra,
reconhecendo suas existências individuais de forma genuína. Ela é caracterizada por uma conexão
íntima e autêntica, onde as barreiras entre os "eus" se dissipam, permitindo uma compreensão mais
profunda e uma experiência compartilhada de significado.

Relação Eu-Isso :Ao contrário da relação Eu-Tu, a relação Eu-Isso, também formulada por Martin
Heidegger, envolve uma atitude objetificante. Nessa relação, uma pessoa trata outra como um "isso"
– ou seja, como um objeto, uma coisa a ser utilizada ou compreendida apenas em termos de sua
utilidade. Essa abordagem diminui a profundidade da interação, pois não reconhece a subjetividade
do outro, reduzindo-o a um mero objeto de interesse ou conveniência.

Ser-no-Mundo:Heidegger descreve a maneira como os seres humanos existem e se relacionam com


o mundo ao seu redor. Refere-se à ideia de que a nossa existência está intrinsecamente entrelaçada
com o ambiente em que vivemos. Estamos imersos no mundo e nossa compreensão, identidade e
ação são moldadas por essa interconexão. Essa perspectiva destaca a importância do contexto e do
ambiente na formação da nossa experiência e identidade.

Angústia: Søren Kierkegaard introduziu o conceito de "Angústia" como uma profunda ansiedade
existencial. A angústia surge quando um indivíduo é confrontado com escolhas significativas e a
responsabilidade por suas ações. É uma experiência que revela a liberdade e a incerteza inerentes
à existência humana, levando a uma reflexão intensa sobre as consequências de nossas decisões e
o significado de nossas escolhas.

Salto de Fé :é um conceito chave de Kierkegaard que envolve tomar uma decisão radical baseada
na fé, mesmo quando a razão não pode oferecer certeza. Essa ação requer um compromisso pessoal
e profundo com algo transcendental, como a religião. O salto de fé representa uma escolha
existencial em que a pessoa assume riscos e assume a responsabilidade por suas crenças,
independentemente das dúvidas racionais.

Autenticidade: é um ideal existencial que envolve viver de acordo com os próprios valores, crenças
e identidade pessoal. Significa ser verdadeiro consigo mesmo e buscar uma vida que reflita quem
realmente somos, em vez de conformar-se às expectativas sociais ou seguir um caminho imposto
por outros. A busca pela autenticidade envolve uma profunda reflexão sobre a própria essência
e a busca por uma vida significativa e genuína, alinhada com essa verdade interior.
REFERÊNCIAS

JOSÉ A. CARVALHO TEIXEIRA (*) Introdução à psicoterapia existencial. Análise


Psicológica (2006), 3 (XXIV): 289-309.09.

Luiz Holanda de Oliveira, André. A Noção De Existência Autêntica Em Kierkegaard.


2003.

Wong, P. T. P. (2004). Existential psychology for thr 21st century. International


Journal of Existential Psychology & Psychotherapy, 1 (1), 1-2.

SAMPAIO, S. A subjetividade existencial em Kierkegaard. São Paulo: USP, 2001

HEIDEGGER, M. Ser e tempo (1927), Partes I e II, tradução de Marcia Sá Cavalcante


Schuback, Petrópolis: Vozes, 2002.

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